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AULA 5 DIDÁTICA DO ENSINO E AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM EM LÍNGUA PORTUGUESA Profª Mariana Trautwein CONVERSA INICIAL Nesta aula trataremos de mais um dos eixos norteadores do ensino de Língua Portuguesa (LP): a escrita. Veremos qual o objetivo da escrita nas aulas de LP e como a produção textual precisa ser aproximada da realidade do aluno para que seja efetivamente significativa. Em seguida, pensaremos um pouco sobre a concepção de escrita que melhor nos fundamenta para se atingir esse objetivo e como formular propostas de produção textual que atendam a essa demanda. Por fim, falaremos da importância da reescrita e de como o professor pode orientar essa refação, além dos critérios para avaliação do texto, conseguindo, assim, refletir sobre a escrita como um processo e não uma ação pontual. CONTEXTUALIZANDO Quem nunca precisou, na volta às aulas, escrever um texto relatando suas férias? A concepção de produção escrita em sala de aula passou por muitas mudanças nas últimas décadas e levantou diversas questões sobre como trabalhar a produção de texto em sala de aula. Pensando nas diretrizes oficiais e nos estudos recentes, nos questionamos sobre qual a relevância desse tipo de proposta de redação, a das férias, sobre como criar situações comunicativas escritas que sejam relevantes ao desenvolvimento linguístico e de gêneros discursivos de nossos alunos e sobre como avaliar o texto como um todo em seu processo de produção. Essas são algumas questões que trataremos nesta aula. TEMA 1 – O OBJETIVO DA ESCRITA NA ESCOLA Entre os eixos norteadores do ensino da Língua Portuguesa, a produção escrita e a gramática são, sem dúvida, os mais difundidos e trabalhados em sala de aula. O problema com essa afirmação é que ela pressupõe que o trabalho feito com esses eixos é de qualidade, mas como já vimos nas aulas anteriores, esses elementos são tratados, muitas vezes, a partir da concepção tradicional de ensino da LP, que se baseava apenas na transmissão de regras gramaticais que levassem a expressões escritas da “língua” elitizada que a escola se limitava a ensinar. Com base nas discussões feitas nas aulas anteriores sobre a relação entre LP e cidadania, sobre as diretrizes oficiais da disciplina, sobre a 03 importância do reconhecimento da língua real, em uso, e da preparação linguística do aluno para situações sociocomunicativas que encontrará fora de sala de aula, assim como do respeito às diferentes variedades linguísticas, podemos perceber que os procedimentos para o ensino sistematizado da leitura, como vimos na aula anterior, e da escrita estão ancorados na concepção de linguagem e de ensino--aprendizagem. Quem nunca passou pela situação de escrever um texto sobre suas férias na volta às aulas? Aquele texto prototípico que servia como forma de propor uma produção que não exige muito trabalho prévio do tema ou do gênero textual por parte do professor, muitas vezes defendida como uma forma de “ter uma ideia” de como está a escrita de cada aluno. Quem já produziu esse texto sabe que, ao escrevê-lo, o tipo de relato não é como aqueles que são feitos oralmente aos amigos, familiares e até mesmo aos próprios professores. Geralmente, os alunos são breves e concisos, exatamente por saberem que aquele texto serve apenas ao propósito de ser corrigido pela professora, não faz parte de um enunciado discursivo e nem tem um propósito de continuidade, como compartilhar com os colegas ou comparar as aventuras das férias. Esse é o tipo de produção solicitada nas aulas de redação, termo utilizado tradicionalmente para se referir à produção de textos sem considerar seu efeito discursivo e sociocomunicativo. Mais recentemente passou-se a utilizar o termo “produção de texto”, porém o que reparamos é que, em muitas salas de aula, foi apenas o nome que mudou, pois a prática de produção e avaliação de textos ainda se pauta em aspectos formais engessados até mesmo na memória do professor. Vejamos o que diz Furlanetto a esse respeito: [...] a “redação” ainda é praticada, e às vezes até mesmo sob a nova denominação [a de produção textual], o que significa que ainda pesa a tradição de escrever na instituição escolar segundo moldes mais antigos, em que a preocupação maior é escrever corretamente segundo os princípios normativos atados a certa concepção de gramática. Nesse caso, põe-se como secundário o propósito de estabelecer “comunicação discursiva” propriamente dita, que se processa através de gêneros específicos”. (Furlanetto, 2009, p. 7) A autora também faz referência à questão dos gêneros, pois é por esse meio que conseguimos tornar a produção escrita dos alunos significativa. Cada gênero já resume em si um contexto sociocomunicativo, uma forma específica, um nível de linguagem adequado. Seguindo essa constatação, percebemos que o trabalho com gêneros em si já oferece ao aluno um contexto mais real de 04 produção escrita. Esse trabalho com gêneros discursivos, aliado a propostas de produção relevantes e significativas, traz ao aluno situações reais de uso da linguagem que o ajudarão em seu desenvolvimento linguístico escrito. Como o texto é um evento sociocomunicativo que ganha sentido no processo interacional, podemos considerar que todo texto é uma coprodução entre interlocutores, por isso a importância de propostas de produção de texto que sejam pautadas na realidade do aluno e que, quando possível, possam ser de cunho prático, como garantem os PCN: formar escritores competentes supõe, portanto, uma prática continuada de produção de textos na sala de aula, situações de produção de uma grande variedade de textos de fato e uma aproximação das condições de produções às circunstâncias nas quais se produzem esses textos. (Brasil, 1998, p. 67) Infelizmente, esse processo social da produção de textos ainda não está amadurecido na maioria das escolas, que ainda tentam recomendar aos alunos que façam textos narrativos, descritivos ou dissertativos, tratando-os ainda como gêneros. Como vimos na aula 3, os gêneros representam práticas discursivas, por isso os termos usados anteriormente tratam de tipos textuais, por seguirem características similares em seu formato geral, porém um texto narrativo aplicado em situações discursivas pode se manifestar como uma crônica, uma piada, um conto, uma história em quadrinhos, uma charge, uma história maravilhosa, uma letra de música… Essa abordagem estruturalista ainda existente nas escolas tira do texto seu caráter discursivo e volta ao passado ao tratá-lo apenas como redação escolar, o que nos deixa cada vez mais longe da formação de escritores competentes, que saibam expressar-se de forma escrita nas diversas situações discursivas que encontrarão em suas vidas. TEMA 2 – ESCRITA COMO INTERAÇÃO A escrita, no passado, era apenas de domínio dos escrivães e dos eruditos, mas atualmente se generalizou e é usada na escola, no ambiente de trabalho, na gestão da casa e de empresas, na comunicação, na propaganda, etc. Já é fato que a escrita é onipresente em nossas vidas, mas como definir tal atividade? 05 A escrita envolve diversos aspectos de diferentes naturezas, entre elas a linguística, a cognitiva, a pragmática e a cultural. Trata-se de um produto sócio- -histórico-cultural que demanda uma ativação de conhecimentos culturais transmitidos ao interlocutor por meio de diferentes estratégias linguísticas. Koch (2009, p. 32) ressalta esse caráter da língua, mas ressalva que: Apesar da complexidade que envolve essa questão, não é raro, quer em sala de aula, quer em outras situações do dia a dia, nos depararmos com definições de escrita tais como: “escrita é inspiração”; “escrita é uma atividade para alguns poucos privilegiados” (aqueles que nascem com esse dom e se transformam em escritores renomados); “escritaé expressão do pensamento” no papel ou em outro suporte; “escrita é domínio de regras da língua” […]. A autora analisa que essa pluralidade de respostas serve como indício de que a forma como entendemos a escrita está diretamente relacionada ao modo como vemos a linguagem, afirmando que “subjaz uma concepção de linguagem, de texto e de sujeito escritor ao modo pelo qual entendemos, praticamos e ensinamos a escrita, ainda que não tenhamos consciência disso” (Koch, 2009, p. 32). As diferentes concepções de escrita têm por foco diferentes elementos: i) a língua; ii) o escritor; iii) a interação. O primeiro elemento muitas vezes é interpretado como o conhecimento das regras que regem a gramática tradicional. Nesse contexto, a língua é apenas o elemento codificado pelo escritor para ser decodificado pelo leitor, bastando que os dois conheçam o código. O texto, por sua vez, seria o produto dessa decodificação. Nessa concepção, o texto é sempre transparente, isto é, tudo que deve ser interpretado deverá estar escrito. Na segunda concepção, o foco é no escritor, que era visto como senhor absoluto do texto, por ser o controlador de seu pensamento, e o texto escrito era a transposição desse pensamento para o papel. Esse conceito não considerava o processo de interação que ocorre entre as experiências de escritor e leitor. Por fim, o foco na interação considera que o texto escrito depende da ativação dos conhecimentos e das estratégias linguísticas tanto do escritor, quanto do leitor. Nessa concepção, o sentido da escrita é produto da interação, não apenas resultado do uso do código ou das intenções do escritor. O sentido passa a ser uma construção, não podendo ser determinado em momento anterior à sua escrita e sua leitura. 06 Nessa concepção, segundo Koch (2009), a escrita demanda estratégias como: i) ativação dos conhecimentos sobre aquela situação comunicativa (sobre o que é o texto, para quem é o texto, como esse texto se organiza, qual o seu objetivo). ii) seleção e organização das ideias para garantir clareza e coerência. iii) encontrar o ponto de equilibrio entre as informações explícitas e aquelas nas quais se espera o conhecimento prévio do interlocutor, preocupando-se com a interação e com o objetivo do texto. iv) revisão da escrita ao longo de todo processo, guiada pela interação discursiva e pelo objetivo do texto. É importante observar que muitos desses critérios também abrangem a produção oral. A grande diferença entre texto oral e texto escrito é que no primeiro o contexto de produção e de recepção coincidem temporal e espacialmente – na maioria das vezes, pois em textos orais gravados essa relação não ocorre –, já no texto escrito a produção e a recepção nunca partilham o mesmo tempo e espaço, pois escritor e leitor não se encontram copresentes. Por isso o texto escrito, em geral, apresenta maior planejamento e deve ser reescrito e revisto sempre que necessário. Para concluir, é necessário que os conhecimentos de sociolinguística e as considerações sobre as diferentes variedades linguísticas não sejam esquecidos no processo de orientação da produção escrita. É certo que no ambiente escolar a variedade padrão da língua é o principal foco da escrita, até porque o principal objetivo do ensino de LP é a preparação linguística do aluno para as diferentes situações comunicativas que encontrará fora desse ambiente. Mas as diferentes variedades ainda farão parte de momentos de produção textual, seja propositalmente, por meio de propostas que exijam diferentes linguagens, seja por falta de adequação linguística ou mesmo de conhecimento por parte do aluno da variedade-padrão. A orientação para que o aluno possa transitar entre as diferentes variedades que domina deve ser feita de forma neutra, sem proliferar preconceitos ou expor as dificuldades e características culturais dos alunos. 07 Agora que já definimos uma concepção de texto escrito, pensemos de forma mais detalhada nas propostas que embasam essas produções em sala de aula. TEMA 3 – AS PROPOSTAS DE PRODUÇÃO DE TEXTO Diante do objetivo do desenvolvimento da escrita significativa em sala de aula e da concepção de texto escrito como ambiente de interação entre autor e leitor, vistos nos dois temas anteriores, percebemos que propostas de produção textual devem ser relacionadas a situações discursivas reais e trabalhadas também nos demais eixos norteadores da disciplina de LP. Compreendemos que propostas soltas, como a do texto de férias, tão aplicada na infância, não trazem um trabalho significativo com o texto e não permitem o desenvolvimento dos mecanismos de escrita dos alunos. Para alcançar um trabalho significativo com os alunos, temos que levar em consideração, no mínimo, dois elementos: i) as orientações para o preparo, desenvolvimento e reescrita do texto; ii) a relevância daquela produção para o aluno. O primeiro é o reflexo do trabalho proposto pelo professor antes e durante a produção do texto. Já falamos, em aulas anteriores, sobre o trabalho com sequências didáticas que permitam que o aluno explore um tema, um gênero e/ou um nível de linguagem em um processo que permita a aquisição e o desenvolvimento de certas habilidades. Esse tipo de encaminhamento é muito importante também no processo de produção de textos, pois possibilita que os alunos tenham um maior repertório no momento da escrita. Por exemplo, para trabalhar com o tipo informativo, muito presente em nossas vidas nos telejornais, sites de notícias e rádios, pode-se fazer uma sequência didática que explore a leitura e interpretação dessas diferentes manifestações do gênero notícia, inclusive as orais, propondo aos alunos comparar diversas manifestações de notícias sobre um mesmo tema, fazer uma transformação de uma notícia oral em uma escrita, ou vice e versa, produzir oralmente uma notícia e, por fim, produzir um texto escrito. Nesse tipo de sequência, quando chegar o momento da produção formal escrita, além das pequenas produções escritas que ocorrem pelo processo como respostas discursivas de interpretação e pelas transformações/transcrições, o aluno já terá refletido sobre esse gênero em suas diferentes formas e trabalhado, direta ou 08 indiretamente, os recursos linguísticos mais utilizados nesse gênero, o que lhe proporcionará mais recursos e segurança para sua produção escrita, seguida da reescrita (veremos mais sobre a importância da reescrita no processo de produção de textos no próximo tema). Na sequência didática, é importante respeitar o momento para a interpretação conjunta da proposta, quando não for momento de avaliação pontual (simulados, provas, vestibulares e concursos), e essa proposta deve apresentar não apenas o tema e o gênero solicitado, como era o caso dos textos narrativos sobre nossas férias, e sim trazer elementos que possam auxiliar o aluno nessa produção. Uma proposta de produção de texto completa, isto é, que permite ao aluno ter todas as informações relevantes para planejar seu texto, deve conter: i) uma pequena reflexão sobre o tema, seja na forma de um enunciado ou de pequenos excertos que propiciem informações para auxiliar o aluno que não possui repertório pessoal ou sociocultural sobre o assunto; ii) uma indicação das características mínimas do gênero solicitado que serão avaliadas; por exemplo, em um resumo, comentar a necessidade da fonte; em um texto dissertativo-argumentativo, ressaltar a qualidade dos argumentos; em um texto expositivo, indicar a importância da seleção de informações; iii) uma indicação quanto ao contexto de produção – objetivo da produção, público receptor, condições culturais do contexto, etc.; iv) apresentação clara dos critérios de avaliação e dos critérios que levam à nota zero ou à anulação da produção. Felizmente, nos últimos anos,devido a estudos na área, houve uma mudança nas matrizes que regulavam as características das propostas de produção textual nos livros didáticos e, atualmente, a maioria deles já conta com capítulos que trabalham de forma conjunta com os diferentes eixos norteadores dentro de um determinado gênero ou tema, dando ao aluno o preparo necessário para sua produção textual. Por fim, o segundo elemento que proporciona um trabalho significativo para a produção textual é a relevância daquele trabalho feito pelo aluno, isto é, o que acontece com seu texto depois da sua produção. Geraldi (2012) afirma que a circulação dos textos produzidos pelos alunos é fundamental para a consolidação da educação linguística multiletrada que se reflete na vida social 09 desse aluno, isto é, o destino desse texto também afeta o processo de sua produção. Um texto escrito para ser corrigido, devolvido e guardado não traz nenhuma outra motivação para sua escrita além de ganhar uma nota. Por isso é importante a circulação dos textos, dentro e/ou fora do ambiente escolar. Dentro do ambiente escolar os textos podem ser trocados entre os alunos, lidos em voz alta (a cada produção alguns alunos fazem a leitura) ou colocados em exposição na sala (ou até mesmo para as outras turmas). Para a circulação fora do ambiente escolar, a tecnologia mostra-se uma grande aliada, com a possibilidade da criação de sites ou blogs que recebam os textos dos alunos e que possam ser compartilhados com seus amigos e familiares. A criação dessas ferramentas pode ser feita pelos próprios alunos e supervisionada pelo professor. A postagem dos textos na internet pode acontecer logo na sequência da avaliação, motivando os alunos a desenvolver melhor seus textos a cada produção para que possam ser compartilhados. Há também formas mais processuais de fazer esse compartilhamento dos textos, como uma antologia de histórias ao fim de um ciclo de trabalho; um jornal bimestral ou semestral “publicado” pela turma, seja na forma de mural, impresso ou online; um sarau de poesias ao fim de um ciclo, entre outros. Novamente, ao saber que seu texto será lido/ouvido por outros, o aluno tem uma motivação maior para dar seu melhor nessa produção, buscando desenvolvê-la em todos os seus aspectos. Não existe uma forma certa ou errada de dar continuidade ao processo de produção por meio do compartilhamento desses textos, cabe a cada professor ver como esse trabalho deverá ser feito levando em conta as caraterísticas e limitações de cada turma. TEMA 4 – REESCREVER POR QUÊ? A reescrita é parte importante do processo de produção textual. É nesse momento que ocorre o diálogo do sujeito-autor/escritor com seu próprio produto textual. Isso possibilita que ele interaja com sua criação, confrontando-a, aguçando seu discurso e modificando enunciados para engajar mais facilmente seu interlocutor. Podemos dizer que a primeira escrita parte de um impulso emocional, mais concentrado nas ideias e no raciocínio por trás do planejamento, que na maioria das vezes é feito com tempo e reflexão insuficientes. Na reescrita 010 o sujeito consegue aproximar-se de sua criação prévia com mais clareza de pensamento e de análise, lapidando a primeira estrutura que ali foi moldada. Os PCN de Língua Portuguesa declaram que [...] um dos aspectos fundamentais da prática de análise lingüística é a refação de textos produzidos pelos alunos. Tomando como ponto de partida o texto produzido pelo aluno, o professor pode trabalhar tanto os aspectos relacionados às características estruturais dos diversos tipos textuais como também os aspectos gramaticais que possam instrumentalizar o aluno no domínio da modalidade escrita da língua. (Brasil, 1998, p. 80) A escrita não é um ato pontual, e sim um processo de construção de uma situação discursiva transmitida e receptada por meio da palavra escrita. Assim, nos momentos de reescrita, que não precisam e nem devem ser delimitados e pontuais, o escritor pode perceber que o texto não é um produto acabado e que sempre pode ser modificado. É nesse processo de modificação que o sujeito vai ganhando mais recursos e condições para o domínio da modalidade escrita, como o reconhecimento das propriedades dos gêneros textuais, vai desenvolvendo seu conhecimento linguístico por meio da aquisição de diferentes recursos, com o melhor domínio da variedade formal da língua, além de adquirir estratégias mais efetivas na organização e seleção de ideias e argumentos para seu planejamento textual. De certa forma, é como se o aluno escritor pudesse ver o que antes não via em seu texto, como afirma Bakhtin (1997, p. 332), “a reprodução do texto pelo sujeito [que se dá num processo de volta ao texto, releitura, nova redação] é um acontecimento novo, irreproduzível na vida do texto, é um novo elo na cadeia histórica da comunicação verbal.” e Sercundes (1997, p. 89): [...] partindo do próprio texto, o aluno terá melhores condições de perceber que escrever é trabalho, é construção do conhecimento, estará, portanto, mais bem capacitado para compreender a linguagem, ser um usuário efetivo, e, conseqüentemente, aprender a variedade padrão e inteirar-se dela. Marques e Mesquita descrevem alguns aspectos da língua e do processo de escrita como elemento interacional, que comprovam o potencial de desenvolvimento linguístico abrangido pela atividade de reescrita: Nesse sentido, o trabalho de produção textual como um processo é, sem dúvidas, enriquecedor, pois permite que o aluno após a produção textual: i) elimine problemas superficiais de escrita ou digitação; ii) verifique se a pontuação foi utilizada de modo correto; iii) reorganize as ideias do texto, como também, sua estruturação; iv) elimine termos ou frases desnecessárias para a compreensão do texto; esse processo permite também que o aluno após a correção do professor, v) busque 011 solução para os problemas como ortografia, pontuação, estruturação de ideias, apontados pelo professor (Marques e Mesquita, 2012, p. 3). Agora que já reforçamos os objetivos e a importância da reescrita, falemos mais sobre o papel do professor de LP nesse processo. Ao escrever um texto, o aluno, muitas vezes, nem faz a releitura de sua criação, quanto mais uma primeira tentativa de reescrita. Isso ocorre, em parte, pelo caráter pouco prático e real das propostas de texto utilizadas em sala de aula e pelo comportamento do jovem aluno perante muitas de suas atividades acadêmicas. Por isso o papel de mediador dessa atividade deve ser do professor. Textos escritos no tempo de uma aula, e avaliados apenas por esse momento produtivo, não cumprem seu papel nem discursivo, nem de parte do processo de desenvolvimento da escrita do aluno. O professor, como mediador da prática de reescrita, deve retomar a produção primária do aluno em um segundo momento, na aula seguinte, por exemplo, e criar mecanismos para mediar esse desenvolvimento. Sabemos que a rotina em sala de aula demanda muito tempo e que nem sempre conseguimos ter a celeridade desejada para as correções e orientações de reescrita, mas dentro das possibilidades é importante tentar retomar a reescrita evitando longos intervalos, para que o aluno não esqueça totalmente do processo de produção primária. Ruiz (2003, p. 221) define a leitura que leva às orientações para a reescrita como uma leitura diagnóstica, que procura levantar os “males” do texto para quem eles sejam tratados pelo autor. Quanto ao tipo de orientações para a reescrita, estas se apresentam de diferentes maneiras. Infelizmente, uma das formas mais comuns é a correção direta feita pelo professor, conhecida como correção resolutiva, que deixa ao aluno apenas a tarefa da cópia e no máximo da reestruturação de enunciados confusos, visto que o corretor traz propostas precisas de alteração.Nesse caso nem poderíamos chamar de orientação de reescrita, e sim de correção tradicional, pois não há um desenvolvimento por parte do escritor de sua própria criação, apenas a cópia de um texto que nem mesmo é seu, já que foi modificado por outra pessoa. Entretanto, ainda há muitos professores que acreditam que estão propondo processos de reescrita nesse modelo. Com caráter mais dialógico, as orientações podem se pautar em bilhetes (correção textual-interativa) ou em marcações (correção indicativa) ou classificações (correção classificatória) de inadequações. Em ambas, o 012 professor aponta as inadequações e não as corrige, deixando para o aluno encontrar a melhor maneira de adequá-las às suas necessidades comunicativas. Os bilhetes podem deixar considerações sobre um trecho, explicando a inadequação ou a incoerência e/ou dando pistas ou dicas para uma reescrita que dê mais clareza ao discurso desejado. Essa intervenção não deve levar em conta apenas o âmbito linguístico, nem apenas a parte estrutural da produção, pois, se restrita a apenas um dos elementos, a reescrita “não avançará significativamente em relação ao seu original” (Ruiz, 2003, p. 241). A autora também aponta que correções globais, que levam em conta todo um enunciado, engajam mais os alunos na reescrita do que correções locais, que apontam questões isoladas de ordem estrutural ou linguística. A forma de orientar a reescrita está diretamente ligada ao tipo e aos critérios avaliativos utilizados pelo professor, visto que, ao mesmo tempo em que se faz a orientação de reescrita, estamos, de alguma forma, avaliando o texto já produzido pelo aluno. TEMA 5 – A AVALIAÇÃO DA PRODUÇÃO ESCRITA Quando trabalhamos a concepção de avaliação e a avaliação dos eixos vistos nas aulas anteriores, pudemos perceber que o desenvolvimento das habilidades linguísticas ocorre dentro de um processo e, evidentemente, a avaliação deve seguir esse desenvolvimento, acompanhando suas etapas. Salvo em situações que não permitam (como vestibulares, testes seletivos, avaliações pontuais), devem ser avaliados tanto o texto primário quanto sua(s) reescrita(s). Além disso, todas devem ser avaliadas de forma qualitativa e quantitativa, isto é, através de critérios previamente definidos que garantam a maior imparcialidade possível e uma visão global do texto e não apenas de um de seus elementos, pois a correção de produções escritas sempre sofre um mínimo de subjetividade por parte do avaliador, afinal, no momento da leitura, ocorre um processo de interação entre avaliador e autor. Ao falarmos de critérios de reescrita, vimos algumas estratégias de correção que levantam as inadequações do texto e apresentam caminhos, dialógicos ou não, para seu desenvolvimento, mas é importante que fique claro que o processo de correção não é unificado ao de avaliação, e sim simultâneo. No primeiro, espera-se uma reação do autor aos apontamentos por meio de uma 013 reescrita, já a avaliação considera a maioria dos mesmos critérios, porém com um enfoque naquele produto apresentado, avaliando os níveis atingidos pelo aluno em cada critério. Therezo (2003 , p. 10) relaciona o que chama de recursos de eficiência textual para um bom texto: i) adequação ao tema; ii) adequação ao tipo/gênero textual; iii) adequação ao nível de linguagem (determinado pelo tema, gênero textual e pelo tipo de receptor); iv) coesão; e v) coerência. Visto que esses recursos não podem faltar sem que o texto seja prejudicado, eles acabam se tornando os principais critérios de avaliação de um texto. Dentro de cada um desses critérios existirão outros subcritérios de acordo com o nível de desenvolvimento linguístico de cada etapa escolar. Por exemplo, no terceiro ciclo do Ensino Fundamental I ainda é importante considerar a composição textual como mais um critério de avaliação que engloba questões mais básicas, mas ainda pertinentes a essa etapa escolar, como a letra, as margens, o recuo da paragrafação… Porém, esses elementos podem estar enquadrados dentro do critério adequação ao tipo textual. Therezo (2003) também ressalta a importância de se organizar uma escala avaliativa para cada critério. Por se tratarem de, quase sempre, 5 critérios gerais, cada um pode variar em uma escala de 0 a 2,0 pontos, dando a possibilidade ao professor de avaliar cada critério em sua totalidade, como se fosse uma escala de 0 a 10. A autora afirma que atribuir cinco notas em critérios distintos pode ser “inicialmente moroso, mas apenas inicialmente, porque a prática levará à percepção crítica muito mais aguda, com consequente ganho em velocidade” (2003, p. 46). É claro que cada professor tem a liberdade de elaborar a grade de correção com os critérios organizados da forma que julgar mais de acordo com os objetivos pretendidos para o desenvolvimento daquele texto. Muitas vezes a coesão e coerência são englobadas em apenas um critério, o que pode ser justificado se o foco daquela produção é desenvolver a autoria ou o uso de repertório sociocultural. O mais importante é que essa grade seja registrada e explicada posteriormente ao aluno, para que ele também possa entender em quais critérios não teve um bom desempenho e comparar com o resultado de seu texto. O que não podemos mais aceitar é aquela correção instintiva, de quem lê o texto uma vez e dá uma nota geral, baseada geralmente na subjetividade da 014 leitura feita pelo avaliador. Ter critérios e escalas definidas previamente permite uma avaliação mais uniforme, mais justa e que pode ser compreendida pelo aluno na busca pelo desenvolvimento de suas habilidades de produção textual. FINALIZANDO Nesta aula, entendemos que a concepção de escrita como interação exige um olhar mais global sobre o texto e que esses textos produzidos em sala de aula não podem ser apenas para “ganhar uma nota”, e sim textos que auxiliem no desenvolvimento linguístico e de gêneros discursivos dentro da realidade de nossos alunos. Para que esse desenvolvimento possa ser atingido, precisamos de propostas de produção textual mais reais e que possam representar situações socioculturais identificáveis pelo aluno escritor. Também refletimos sobre o ato da escrita como um processo que exige uma reflexão sobre seu produto primário por meio da reescrita, que deve ser orientada e trabalhada pelo professor em sala de aula em um segundo momento, sempre que possível. É nesse processo que o aluno consegue rever seu texto primário com outros olhos e, assim, desenvolver seu repertório linguístico para sanar suas inadequações. Por fim, vimos a importância de uma avaliação processual que considere o texto primário e suas reescritas de forma qualitativa e quantitativa, por meio de grades de correções com critérios de acordo com o nível de desenvolvimento textual esperado para cada etapa escolar do aluno. Saiba mais Para complementar o conteúdo desta aula, indicamos a leitura a seguir: MARQUES, A. C. M.; MESQUITA, E. M. C. A produção textual nas aulas de Língua Portuguesa no Ensino Médio: escrita e reescrita. Revista Horizonte ientífico, v. 6, fev. 2012. Disponível em: <http://www.seer.ufu.br/index.php/horizontecientifico/article/viewFile/17813/118 70>. Acesso em: 14 nov. 2017. SANTOS, V. C. Produção textual na escola: eu escrevo, tu escreves, ele escreve... como?. Disponível em: <http://www.uesc.br/eventos/selipeanais/anais/vanessacerqueira.pdf>. Acesso em: 14 nov. 2017. 015 SEBERINO, C. Avaliação de produção escrita na escola de acordo com a noção de gênero textual: a proposta da Olimpíada de Língua Portuguesa Escrevendo o Futuro. Disponível em: <https://ebooks.pucrs.br/edipucrs/anais/XIII_semanadeletras/pdfs/ carolineseberino.pdf>. Acesso em: 23 jun. 2022. REFERÊNCIAS BAKHTIN, M. M. Estética da criação verbal. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes,1997. BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos do Ensino Fundamental: Língua Portuguesa. Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998. 106 p. FURLANETTO, M. M. Ensino de língua portuguesa: focalizando as práticas discursivas. Revista Uniletras, Ponta Grossa, v. 33, n.1, p.43-59, jan.jun. 2011. Disponível em: <http://www.revistas2.uepg.br/index.php/uniletras/article/viewFile/3547/2530>. Acesso em: 14 nov. 2017. GERALDI, J. W. Concepções de linguagem e ensino de português. In: GERALDI, J. W. (Org.). O texto na sala de aula. São Paulo: Anglo, 2012. p. 39-45. KOCH, I. V.; ELIAS, V. M. Ler e escrever: estratégias de produção textual. São Paulo: Contexto, 2009. MARQUES, A. C. M.; MESQUITA, E. M. C. A produção textual nas aulas de Língua Portuguesa no Ensino Médio: escrita e reescrita. Revista Horizonte Científico, v. 6, fev. 2012. Disponível em: <http://www.seer.ufu.br/index.php/horizontecientifico/article/viewFile/17813/118 70>. Acesso em: 14 nov. 2017. RUIZ, E. M. S. Como se corrige redação da escola. Campinas: Mercado das Letras, 2003. SERCUNDES, Maria M.M.I. Ensinando a escrever: as práticas de sala de aula. In: Chiappini, L. Aprender e ensinar com textos de alunos. v. 1. São Paulo: Cortez, 1997. (Aprender e ensinar com textos). THEREZO, G. P. Como corrigir redação. 4. ed. Campinas: Alínea, 2003.
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