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DESCRIÇÃO Importância do conhecimento da biodisponibilidade dos nutrientes para a recomendação nutricional. PROPÓSITO Compreender os conceitos de biodisponibilidade e bioacessibilidade, além das particularidades da absorção de nutrientes, para o norteamento da prescrição nutricional com a adequada utilização das recomendações internacionais vigentes. PREPARAÇÃO Antes de iniciar o conteúdo deste tema, tenha à mão as recomendações nutricionais vigentes. OBJETIVOS MÓDULO 1 Reconhecer as recomendações nutricionais no processo de prescrição dietética MÓDULO 2 Identificar o conceito de biodisponibilidade e sua importância na recomendação nutricional INTRODUÇÃO Uma das atribuições do profissional nutricionista é a prescrição dietética. Mesmo sendo considerada uma atividade individualizada, existem recomendações nutricionais mínimas e máximas de nutrientes reconhecidas mundialmente. As recomendações baseadas em estudos científicos auxiliam no equilíbrio de uma prescrição individualizada. Diversos fatores são levados em consideração na determinação das recomendações nutricionais, dentre eles, a biodisponibilidade dos nutrientes. Desse modo, serão abordados os principais fatores que influenciam na biodisponibilidade dos nutrientes e, consequentemente, em sua recomendação. MÓDULO 1 Reconhecer as recomendações nutricionais no processo de prescrição dietética AVALIAÇÃO NUTRICIONAL O estado nutricional do indivíduo e o atendimento às necessidades fisiológicas estão diretamente relacionados. Informações como história clínica, consumo dietético, hábitos sociais, dados antropométricos e bioquímicos permitem, juntos, a elaboração do diagnóstico nutricional, servindo de base para o planejamento e a orientação dietética. A avaliação nutricional tem por objetivo avaliar os hábitos alimentares do indivíduo e identificar problemas nutricionais, o que irá proporcionar uma melhoria na qualidade de vida. A classificação e a quantificação da ingestão de alimentos é parte importante da avaliação nutricional, sendo utilizada para a tomada de decisão quanto à adequação do consumo alimentar do indivíduo e indicando a melhor conduta dietoterápica. RECOMENDAÇÃO NUTRICIONAL Existem padrões estipulados para recomendação de ingestão alimentar. Esses valores de referência são estimados objetivando atender às necessidades energéticas e fisiológicas de indivíduos ou grupos de semelhantes. Denominadas recomendações nutricionais passam por atualizações frequentes em relação a diferentes necessidades, de acordo com o estágio de vida, carência ou efeito tóxico relacionado ao consumo em excesso de nutrientes (MOREIRA et al., 2012). A primeira recomendação nutricional registrada foi definida em 1941 pela Food and Nutrition Board, sendo denominada como: Recommended Dietary Allowance ((RDA)) . O documento tinha por objetivo definir metas para uma boa nutrição. Com o tempo, ficou claro que as avaliações deveriam ser revistas de acordo com a regionalidade e as modernidades. Portanto, diversos países fizeram alterações específicas, por exemplo o Canadá, que fez uma última atualização em 1990, e, no mesmo ano, o Brasil, por meio da: Sociedade Brasileira de Alimentação e Nutrição ((SBAN)) , publicou Aplicações das recomendações nutricionais adaptadas à população brasileira. Veja, a seguir, a recomendação nutricional de acordo com sexo e estágio de vida, publicada em 1989 e conhecida como RDA: Fonte: SBAN, 1990. Fonte: Shutterstock.com. No período de 1997 a 2004, os EUA e o Canadá fizeram uma atualização das recomendações baseados nos seus perfis populacionais. Estas foram publicadas e seu uso extrapolado para toda população mundial. Hoje, as Dietary Reference Intakes (DRI) são o conjunto de recomendações mais utilizadas na elaboração da prescrição dietética. Os nutrientes são recomendados de acordo com a necessidade do organismo e níveis de segurança para que haja uma adequada ingestão sem risco de uma intoxicação, determinando, portanto, níveis máximos e mínimos. Nas DRIs, são indicados níveis de macronutrientes e micronutrientes com base em quatro referências, sendo, portanto, mais abrangentes que as RDAs. Para determinação das DRIs, consideraram-se: A informação disponível sobre o balanço de nutriente no organismo. O metabolismo nas diferentes faixas etárias. A diminuição de risco de doenças. As variações individuais nas necessidades de cada nutriente. A biodisponibilidade dos nutrientes. Os erros associados aos métodos de avaliação do consumo dietético. Veja, a seguir, as definições dos níveis de referência utilizados como base para formulação das DRIs de acordo com a NRC: Nível de referência Definição Necessidade Média Estimada (Estimated Average Requirement – EAR) Valor de ingestão diária de um nutriente que se estima suprir a necessidade de metade (50%) dos indivíduos saudáveis de um grupo de mesmo gênero e idade. Corresponde à mediana da distribuição de necessidade de um nutriente. Ingestão Diária Recomendada (Recommended Dietary Allowance – RDA) Nível de ingestão dietética diária suficiente para atender às necessidades de um nutriente de todos os indivíduos saudáveis de um grupo de mesmo gênero e idade. Ingestão Adequada (Adequate Intake – AI) Utilizada quando não há dados suficientes para a determinação da EAR ou RDA. Considerado um valor estimado, baseado em níveis ajustados experimentalmente ou em aproximação da ingestão observada de nutrientes de um grupo de indivíduos saudáveis. Limite Superior Tolerável de Ingestão (Tolerable Upper Intake – UL) Valor máximo de ingestão diária continuada de um nutriente que, aparentemente, não oferece risco de efeito adverso à saúde para a maioria dos indivíduos em determinado estágio de vida ou gênero. Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal A utilização de cada uma das recomendações deve ocorrer de acordo com a ingestão do indivíduo ou de acordo com a informação disponível para o nutriente em questão. Caso um indivíduo esteja com ingestão abaixo da recomendada pela EAR, deve-se adequar ao que é sugerido na própria EAR. Porém, existem alguns nutrientes que ainda não têm determinação de EAR ou RDA, como vitamina K, cromo, manganês, cálcio, ácido pantotênico, biotina, colina, ácido linoleico, ácido linolênico, fibras, água, potássio, sódio e cloro. Nesses casos, a AI deverá ser utilizada como base para recomendação (VIEIRA et al., 2008). Por fim, o Limite Superior Tolerável de Ingestão (UL) foi necessário quando se observou um crescimento no processo de fortificação de alimentos e na suplementação de nutrientes. A maior parte da população não apresenta qualquer reação quando exposta a altas concentrações de nutrientes. Existe, porém, uma parcela da população que pode apresentar características fisiológicas mais suscetíveis a processos adversos quando exposta a altas concentrações de algum elemento químico. Essa distribuição pode ser observada na figura a seguir, na qual a maior distribuição populacional consome uma ingestão média de suplementos, enquanto uma pequena parcela ingere acima dos limites máximos, o que pode desencadear danos à saúde. Fonte: Shutterstock.com. Relação entre a frequência de ingestão e a quantidade de suplemento ingerida. Fonte: Instituto de Medicina. 2000. A relação do agravamento dos efeitos produzidos pelo excesso de nutrientes é diretamente proporcional à quantidade que foi excedida, ou seja, quanto maior a quantidade do elemento consumido, mais graves os sintomas. ATENÇÃO É importante lembrar que não há UL definido para todos os nutrientes, já que a definição desse limite é baseada em estudos onde há exposição a um agente e a avaliação do risco, associado com estudos epidemiológicos e toxicológicos. Porém, nenhum risco é esperado caso o limiar predeterminado não seja ultrapassado. Os limiares são definidos de acordo com particularidades dos indivíduos dentro de uma população. A comissão da Foodand Agriculture Organization (FAO) da World Health Organization (WHO) para aditivos alimentares tem identificado fatores que influenciam nessas diferenças entre indivíduos. Para tais determinações, são utilizados índices como o No Observed Adverse Effect Level (NOAEL) e o Lowest Observed Adverse Effect Level (LOAEL), como indicado na figura a seguir (FAO/WHO, 2005). Relação entre o risco de inadequação de ingestão dos nutrientes e o risco de aparecimento de efeitos adversos com os níveis de ingestão. Fonte: Brian Lindshield, 2015. Fonte: Shutterstock.com. UTILIZAÇÃO DE EAR E RDA PARA INDIVÍDUOS A RDA pode ser definida como a ingestão diária de um nutriente que se considera suficiente para atender os indivíduos saudáveis de um grupo etário de mesmo sexo. A RDA só poderá ser estabelecida após a definição de EAR. Ambas serão utilizadas para guiar a recomendação de ingestão realizada no processo de prescrição dietética. A primeira etapa recomendada para prescrição é a obtenção de informação sobre a ingestão alimentar de acordo com o relato do indivíduo, considerando variedades e monotonia da alimentação, dias da semana, estação do ano, férias e ocasiões especiais, apetite, que pode variar de acordo com condições físicas, como períodos menstruais e mudança na intensidade de atividade física. Quanto mais dias puderem ser avaliados, melhor o parâmetro do perfil do indivíduo. Para obtenção dessas informações, várias ferramentas podem ser utilizadas, como recordatório 24h e lista de frequência alimentar. Porém, deve-se levar em consideração que a estimativa dos hábitos alimentares e das quantidades consumidas pelos indivíduos pode levar a uma sub ou superestimação. UTILIZAÇÃO DE EAR E RDA PARA GRUPOS A determinação do ajustamento de ingestão de um nutriente por um grupo é baseada na relação entre o número de indivíduos que ingerem uma quantidade usual do nutriente e o número de indivíduos que ingerem menos que a quantidade usual. Para a saúde pública, essa relação é determinante para traçar um perfil alimentar da população e direciona os programas públicos para a melhoria da qualidade da ingestão alimentar desses grupos. O desafio maior é a identificação do consumo alimentar em um grupo, desse modo, a determinação acaba sendo estimada e uma média é utilizada. Uma prescrição dietética adequada deve levar em consideração a recomendação estipulada para o nutriente e a ingestão relatada pelo indivíduo. Fonte: Shutterstock.com. Considere como exemplo as recomendações dos micronutrientes para um adulto listadas no quadro a seguir: Recomendações e limites de micronutrientes. Recomendações/limites Micronutrientes (mg)* Cálcio Ferro Tiamina Riboflavina Niacina Vitamina C EAR - 8,1 0,9 0,9 11 60 RDA - 18 1,1 1,1 14 90 AI 1.000 - - - - - UL 2.500 45 ND ND 35 2.000 Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal Valores de micronutrientes em miligrama por dia para um adulto. Ao utilizar o quadro acima, pode-se observar que os valores dos micronutrientes que precisam ser ingeridos por um indivíduo adulto saudável devem se encontrar na quantidade recomendada em EAR ou AI, e no limite máximo determinado por UL, quando informado. Por exemplo, a ingestão recomendada de ferro deve ser de 8,1 mg a 45 mg, para, desse modo, atender às necessidades nutricionais e evitar efeitos prejudiciais causados pelo excesso desse mineral. A partir dessa comparação, podemos determinar se a ingestão de nutrientes de um indivíduo está adequada ou não. Observe o exemplo no quadro a seguir: Adequação entre recomendações e limites de ingestão, e um exemplo de ingestão de micronutrientes. Recomendações / Limites / Ingestão Micronutrientes (mg)* Cálcio Ferro Tiamina Riboflavina Niacina Vitamina C EAR - 8,1 0,9 0,9 11 60 RDA - 18 1,1 1,1 14 90 AI 1000 - - - - - UL 2500 45 ND ND 35 2000 Ingestão 820 0,78 1,2 1,1 16 85 Avaliação Inadequado Inadequado Adequado Adequado Adequado Adequado Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal Valores de micronutrientes em miligrama por dia para um adulto. A partir do quadro, podemos observar que a ingestão de tiamina, riboflavina, niacina e vitamina C estão adequadas, porém, os valores de ferro e cálcio estão abaixo dos recomendados pelas definições de EAR e de AI. Observa-se, portanto, a necessidade de ajuste na dieta, para que haja melhor adequação aos micronutrientes em questão. Ambos, EAR e AI, têm por objetivo promover uma alimentação saudável ao indivíduo. Contudo, os valores de AI são menos acurados que os de EAR, já que são determinados por uma estimativa, necessitando de muitas amostras para uma avaliação correta. Portanto, os valores de AI costumam ser numericamente maior que os de EAR e, consequentemente, de RDA, sendo necessário um uso cuidadoso dessa recomendação (NIH, 1998). Além dos micronutrientes, há recomendação para os macronutrientes que são necessários em maiores quantidades, conferindo ao organismo a energia que os alimentos fornecem. A recomendação mais utilizada mundialmente é a da FAO/OMS de 2003, exposta de forma resumida no quadro a seguir: Nutrientes Quantidade recomendada Gordura total 15 – 30% do total de energia diária Carboidrato total 55 – 75% do total de energia diária Açúcares < 10% Proteínas 10 – 15% do total de energia diária Colesterol < 300mg por dia Cloreto de sódio < 2g por dia Fibras alimentares >25g por dia Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal Recomendação de macronutrientes da FAO/OMS, de 2003. COMENTÁRIO Um fator que deve ser considerado quando há adaptações nas recomendações é a digestibilidade e a biodisponibilidade do nutriente em questão. A SBAN considerou que a digestibilidade da proteína consumida na dieta do povo brasileiro era de 80 a 85%, ou seja, grande parte da proteína consumida era facilmente digerida e absorvida. Portanto, a recomendação da SBAN é de que o consumo de proteína para mulheres e homens acima dos 18 anos deve ser de 1g/kg/dia. À medida em que mais estudos populacionais são realizados, os valores de recomendação podem ser alterados. As DRIs apresentam valores de referência mais completos que os estabelecidos pela RDA e pela SBAN, por terem como objetivos não só prevenir deficiências nutricionais e doenças crônicas, mas também evitar riscos de toxicidade. Para um adequado planejamento alimentar e uma avaliação de dietas para grupos ou indivíduos, a melhor ferramenta ainda é as DRIs, que também são preconizadas em pesquisas e práticas clínicas (MOREIRA et al., 2012). Desse modo, é fundamental compreender o que são as DRIs e quais os seus objetivos, para que o diagnóstico e a orientação dietética sejam realizados com objetivo de melhor atender às necessidades dos indivíduos. Há uma exceção entre as recomendações: os compostos bioativos não apresentam recomendação de ingestão, pois não atendem aos conceitos convencionais de nutrientes, apesar de haver evidências de que, quando consumidos regularmente, promovem benefícios à saúde. Nesse grupo, são incluídos os elementos com propriedades antioxidantes, como: Flavonoides Vitamina C Vitamina E Selênio Betacaroteno Outros carotenoides (α-caroteno, β-criptoxantina, licopeno e zeaxantina) A ação benéfica desses nutrientes é inegável, porém, seu caráter antioxidante ainda necessita de maiores estudos exploratórios. Desse modo, a recomendação para tal finalidade ainda é indefinida. Alguns avanços foram observados em relação à inclusão de recomendações de quantidades desses elementos nas DRIs, como: 1 Inclusão da definição de antioxidante alimentar. Determinação de que a recomendação para vitamina E e selênio não deve variar com a idade ou gênero após os 14 anos. 2 3 Determinação de que a vitamina E deve ser recomendada de acordo com os níveis de α-tocoferol. Estabelecimento de UL para vitamina C, vitamina E e selênio (AMAYA-FARFAN; DOMENE; PADOVANI, 2001). 4 Essas ratificaçõessugerem que os estudos sobre a recomendação de compostos bioativos caminham para que haja também uma determinação quantitativa desses elementos. COMENTÁRIO A cautela para determinações de recomendações para esses elementos se justifica aparentemente pela forma variável com que certos componentes agem, por exemplo, os carotenoides, que podem agir como antioxidantes em baixas concentrações, e como pró-oxidantes em altas concentrações. Desse modo, faz-se necessária a recomendação de pesquisas sobre os potenciais efeitos preventivos de doenças pelos antioxidantes, inclusive, o betacaroteno e os outros carotenoides, para que se possa elaborar as recomendações pertinentes. Neste vídeo, você conhecerá um pouco sobre a importância das recomendações nutricionais na prática clínica. VERIFICANDO O APRENDIZADO 1. A RESPONSABILIDADE DA PRESCRIÇÃO DIETÉTICA PELO NUTRICIONISTA É BASEADA NA AVALIAÇÃO DA CONDIÇÃO DE SAÚDE E NA INGESTÃO DE ALIMENTOS PELO INDIVÍDUO. SÃO USADAS RECOMENDAÇÕES BASEADAS EM MÉTRICAS INTERNACIONAIS PARA A ELABORAÇÃO DESSA PRESCRIÇÃO. ASSINALE A ALTERNATIVA QUE NÃO INDICA UMA RECOMENDAÇÃO DE PRESCRIÇÃO DIETÉTICA: A) RDA B) EAR C) IA D) UL E) RDC 2. ALGUNS ELEMENTOS NUTRICIONAIS, APESAR DE SEREM CONHECIDOS COMO BENÉFICOS À SAÚDE, NÃO APRESENTAM RECOMENDAÇÃO, JÁ QUE OS ESTUDOS COMPROBATÓRIOS AINDA SÃO INSUFICIENTES. ASSINALE A ALTERNATIVA QUE INDICA QUAIS SÃO ESSES COMPONENTES. A) Aminoácidos essenciais B) Fibras C) Compostos bioativos D) Minerais E) Vitaminas GABARITO 1. A responsabilidade da prescrição dietética pelo nutricionista é baseada na avaliação da condição de saúde e na ingestão de alimentos pelo indivíduo. São usadas recomendações baseadas em métricas internacionais para a elaboração dessa prescrição. Assinale a alternativa que não indica uma recomendação de prescrição dietética: A alternativa "E " está correta. As recomendações que devem ser utilizadas em conjunto são: RDA, EAR, IA e UL. 2. Alguns elementos nutricionais, apesar de serem conhecidos como benéficos à saúde, não apresentam recomendação, já que os estudos comprobatórios ainda são insuficientes. Assinale a alternativa que indica quais são esses componentes. A alternativa "C " está correta. A maioria dos compostos bioativos está relacionada com sua atividade antioxidante, porém, os estudos nessa área ainda são insuficientes para que haja determinação de recomendação nutricional mínima e máxima. MÓDULO 2 Identificar o conceito de biodisponibilidade e sua importância na recomendação nutricional BIODISPONIBILIDADE Os estudos relacionados à biodisponibilidade começaram na área da Farmacologia, visando determinar o comportamento do princípio ativo medicamentoso no indivíduo, ou seja, como o composto circulava no organismo, a proporção de sua absorção e sua consequente metabolização. O termo biodisponibilidade foi proposto pela Food and Drug Administration dos EUA. No setor farmacológico, a biodisponibilidade do medicamento é estudada principalmente para medicamentos que são administrados de forma oral. Essa via apresenta vantagens, como: fácil administração, melhor custo-benefício, menor necessidade de método de esterilização e maior flexibilidade na dosagem. Porém, o maior obstáculo para essa via de admissão de fármacos é a baixa biodisponibilidade, que pode ser influenciada pela solubilidade do componente, pelo tamanho da partícula, pela forma química da substância, pela permeabilidade e pela suscetibilidade frente a mecanismos de exclusão metabólica (KRISHNAIAH, 2010). Aproximadamente 40 anos depois de o termo biodisponibilidade ter sido utilizado para medicamentos, o setor de alimentos também percebeu a necessidade de avaliar a biodisponibilidade de nutrientes, já que a ingestão de uma quantidade de alimentos não é garantia de que todo o nutriente será absorvido pelo organismo. Para um completo entendimento da biodisponibilidade de nutrientes, é importante definir a diferença entre três termos: biodisponibilidade, bioacessibilidade e bioatividade. BIOACESSIBILIDADE Definida como a quantidade de nutriente liberada na matriz alimentar no trato gastrointestinal, e se torna disponível para absorção. Essa liberação pode ser realizada de acordo com as transformações digestivas. Alguns nutrientes apresentam ação benéfica no lúmen do trato gastrointestinal, como as fibras e alguns minerais. BIODISPONIBILIDADE Outros nutrientes devem ser absorvidos pela parede celular e alcançar a circulação sistêmica para, então, promover sua ação frente ao organismo. BIOATIVIDADE Consiste na determinação do benefício celular e na resposta fisiológica obtida pela interação entre o componente alimentar e a célula do indivíduo propriamente dita. Resumidamente, a interação entre esses fatores pode ser descrita como na figura abaixo, onde a bioatividade depende da biodisponibilidade dos alimentos, que é realizada quando o nutriente está bioacessível no interior do trato gastrointestinal (CARBONELL-CAPELLA et al., 2014). Fonte: Carolina Beres. Relação entre as etapas de avaliação do nutriente do indivíduo. MÉTODOS DE DETERMINAÇÃO Fonte: Shutterstock.com. A determinação de cada uma dessas etapas difere nos seus princípios e nas técnicas que podem ser utilizadas. É importante diferenciar alguns conceitos para tornar a compreensão das técnicas mais clara. Algumas definições estão listadas a seguir (COZZOLINO, 2006): ABSORÇÃO Fração do alimento que ultrapassa a parede do trato gastrointestinal. METABOLIZAÇÃO Quantidade de nutriente que é utilizada a nível celular. BIOCONVERSÃO Proporção do nutriente ingerido que estará biodisponível para a conversão em sua forma ativa. BIOEFICÁCIA Eficiência com a qual os nutrientes ingeridos são absorvidos e convertidos à forma ativa do nutriente. BIOEFICIÊNCIA Proporção da forma ativa convertida do nutriente absorvido que atingirá o tecido-alvo. O resultado da determinação da biodisponibilidade na Farmacologia é caracterizado de acordo com a via de acesso do medicamento. Se a via é intravenosa, considera-se o máximo de biodisponibilidade, denominada biodisponibilidade absoluta. Caso a via de administração do medicamento seja outra, este deve ser metabolizado, convertido e, por fim, absorvido pela corrente sanguínea. Nesse caso, a denominação é de biodisponibilidade relativa, já que se subentende que a absorção não será de 100%. Para alimentos, a melhor denominação é a biodisponibilidade quantitativa, ou seja, é calculado o percentual do nutriente-alvo na matriz alimentar, quanto desse nutriente está disponível no lúmen do trato gastrointestinal (bioacessibilidade) e quanto é absorvido pelas células do epitélio de superfície do trato (biodisponibilidade). Fatores tais quais a maneira como o nutriente é ingerido, a forma química do nutriente, como ele é encontrado no alimento, métodos de cocção, a quantidade ingerida, a presença de agentes ligantes e de outros nutrientes, o estado nutricional do indivíduo e a composição da sua dieta influenciarão na bioacessibilidade e biodisponibilidade do nutriente. Fonte: Shutterstock.com. ATENÇÃO A determinação da biodisponibilidade de um nutriente influencia diretamente os teores de recomendação vistos anteriormente e são influenciados pelos hábitos e culturas de cada localidade. Desse modo, estudos que possam avaliar o desempenho da biodisponibilidade são de extrema relevância científica para relacionar a quantidade de nutrientes com o estado de saúde do indivíduo. No quadro a seguir, estão listados os principais métodos utilizados para a determinação da bioacessibilidade e biodisponibilidade dos nutrientes, assim como as vantagens e desvantagens: Métodos in vitro Resultado Vantagens Desvantagens Solubilidade Bioacessibilidade • Simples. • Baixo custo. • Fácil reprodução e execução laboratorial. • Não é confiável. • Não fornece informações sobre ingestão, absorção e cinética; • Não informa sobre competição do nutriente no sítio deabsorção. Diálise Bioacessibilidade • Simples. • Não fornece • Baixo custo. • Fácil reprodução e execução laboratorial. informações sobre ingestão, absorção e cinética. • Não informa sobre competição do nutriente no sítio de absorção. Modelos gastrointestinais Bioacessibilidade (se interligado com células intestinais, indica biodisponibilidade) • É possível observar vários parâmetros digestivos, tais como peristalse e temperatura corporal. • Permite retirada de amostra em qualquer etapa do processo. • Alto custo. • Muitos modelos ainda sem validação. Cultura de células Caco-2 Biodisponibilidade • Permite analisar o nutriente no local de absorção. • Necessidade de equipe treinada na manipulação de cultura de células. Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal Outra metodologia amplamente utilizada é a marcação de um nutriente com um isótopo radioativo, ou seja, um elemento químico que apresenta a propriedade física de tornar o núcleo instável, causando desintegração radioativa, o que leva à emissão de partículas subatômicas que emitem radioatividade e, portanto, podem ser quantificadas e acompanhadas ao longo do sistema gastrointestinal do indivíduo. Consideradas inofensivas aos indivíduos saudáveis, podem ter ampla utilização, mas apresentam como limitação o fato de não poderem ser testadas em crianças, gestantes e nutrizes, além de alguns isótopos terem meia vida curta, o que pode encurtar o estudo (HEANEY, 2001). Fonte: Shutterstock.com. BIODISPONIBILIDADE DE MACRONUTRIENTES Macronutrientes são aqueles que necessitam ser consumidos em maior quantidade pelos indivíduos, como proteínas, lipídios e carboidratos. Alguns fatores podem influenciar a biodisponibilidade de macronutrientes, como estrutura química, presença de componentes antinutricionais, processamento industrial e método de cocção, além da ligação com outros nutrientes. As proteínas são os macronutrientes mais estudados em relação à sua biodisponibilidade, já que são alimentos de alto valor agregado, e sua ingestão está diretamente relacionada à constituição do indivíduo. As proteínas estão relacionadas com a formação de estruturas de controle, defesa e transporte, sendo atuantes na maioria das reações do indivíduo. Dentre os fatores que influenciam a biodisponibilidade de proteínas, a presença dos antinutricionais é relevante principalmente para indivíduos veganos e vegetarianos. Em alimentos como soja, são encontrados compostos conhecidos como inibidores enzimáticos. Eles atuam nas enzimas digestivas (tripsina e quimiotripsina) e acabam por reduzir a digestibilidade das proteínas. Por terem natureza proteica, uma maneira de reduzir a ação desses inibidores é a utilização de processamento térmico. Porém, este pode levar ao desencadeamento da Reação de Mailard, também conhecida como escurecimento não enzimático. Por muitas vezes desejável, por alterar de forma benéfica as características sensoriais do produto, levando à formação de melanoidinas, a reação entre açúcares e o grupamento amino dos aminoácidos reduz a digestibilidade das moléculas de lisina. Escurecimento não enzimático observado antes (Imagem A) e após (Imagem B) exposição da carne a um processamento térmico. Fonte: Shutterstock.com. IMAGEM A Fonte: Shutterstock.com. IMAGEM B Outros componentes que podem influenciar de forma negativa a biodisponibilidade de proteínas são a presença de compostos como radicais livres, compostos fenólicos, solventes halogênicos e nitritos. O nitrito (NO2) é classificado pela legislação como um aditivo químico que pode ser utilizado dentro de uma faixa de segurança, para potencializar a cor vermelha de carnes, principalmente, embutidos. Porém, quando em excesso, esse componente pode interagir com aminas secundárias formando estruturas denominadas N-nitrosaminas, que apresentam ação carcinogênica. Os radicais livres que podem ser formados quando há o fenômeno de oxidação lipídica nos ácidos graxos insaturados dos alimentos levam à formação de ligações cruzadas e polimerização, que geram substâncias denominadas quinonas, que são altamente reativas e reagem com o grupamento amino dos aminoácidos. Lecitinas são glicoproteínas que podem se ligar à mucosa intestinal interferindo na absorção de aminoácidos. Por serem termolábeis, o tratamento térmico pode reduzir o impacto dessa molécula na digestibilidade da proteína. Dentre os compostos fenólicos, os taninos se destacam como um componente que pode influenciar na biodisponibilidade de proteínas. Eles se ligam covalentemente com o grupamento amino dos resíduos de lisina e impedem a quebra da ligação peptídica pela enzima tripsina, reduzindo a biodisponibilidade de proteínas. De acordo com Silva et al. (2002), a principal característica que permite elevar o grau de biodisponibilidade das proteínas é o processo de digestibilidade. Desse modo, é necessário que haja ação das enzimas proteolíticas promovendo a hidrólise da cadeia peptídica e liberando aminoácidos para melhorar a digestibilidade das proteínas, determinada pela proporção de nitrogênio ingerido. O tamanho do resíduo produzido após a hidrólise interfere na digestibilidade, já que aminoácidos, dipeptídios e tripeptídios conseguem penetrar na mucosa intestinal, enquanto peptídios com mais de três aminoácidos não são absorvidos na mesma intensidade. Desse modo, o processo de hidrólise é primordial para que haja uma boa absorção dos aminoácidos, e este é facilitado quando há um melhor acesso das enzimas digestivas à cadeia polipeptídica. Portanto, proteínas desnaturadas pelo calor, irradiação, pressão, pH ou solventes orgânicos permitem maior acesso das enzimas e, consequentemente, melhor digestibilidade das moléculas proteicas. BIODISPONIBILIDADE DE MICRONUTRIENTES Ao consultar a RDC 269 do Ministério da Saúde, de 2005, pode-se observar a recomendação de micronutrientes para diferentes estágios de vida. Porém, há uma observação de que haja ao menos 10% de biodisponibilidade. Atender à quantidade adequada de micronutrientes em uma dieta é sempre um desafio, já que esses elementos são influenciados por diversas interações que podem reduzir sua absorção pelo organismo. Veja, a seguir, o quadro de recomendação nutricional de micronutrientes para um adulto saudável, de acordo com a RDC 269 de 2005: Nutriente Unidade Valor Proteína (1) g 50 Vitamina A (2) (a) micrograma RE 600 Vitamina D (2) (b) micrograma 5 Vitamina C (2) mg 45 Vitamina E (2) (c) mg 10 Tiamina (2) mg 1,2 Riboflavina (2) mg 1,3 Niacina (2) mg 16 Vitamina B6 (2) mg 1,3 Ácido fólico (2) micrograma 240 Vitamina B12 (2) micrograma 2,4 Biotina (2) micrograma 30 Ácido pantotênico (2) mg 5 Vitamina K (2) micrograma 65 Colina (1) mg 550 Cálcio (2) mg 1000 Ferro (2) (d) mg 14 Magnésio (2) mg 260 Zinco (2) (e) mg 7 Iodo (2) micrograma 130 Fósforo (1) mg 700 Flúor (1) mg 4 Cobre (1) micrograma 900 Selênio (2) micrograma 34 Molibdênio (1) micrograma 45 Cromo (1) micrograma 35 Manganês (1) mg 2,3 Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal Um fator que influencia no processo de absorção de micronutrientes é o local ou sítio de absorção, que varia de acordo com a vitamina ou mineral ao longo do trato gastrointestinal. A maior parte dos micronutrientes é absorvida na porção duodenal do intestino delgado, porém, alguns minerais, como cobre e selênio, podem ser absorvidos também no estômago. No cólon, é concentrada a absorção de sódio, potássio, cloro, cálcio, fósforo e magnésio. Fonte: Shutterstock.com. ATENÇÃO Fatores intrínsecos (idade, sexo, saúde e gravidez) e extrínsecos (dieta) também atuam de forma negativa ou positiva na absorção de micronutrientes. Por exemplo, dietas ricas em fibras alimentares, fitatos, polifenóis, oxalatos, taninos e flavonoides prejudicam a absorção de micronutrientes, enquanto dietas com fibras solúveis, ácido ascórbico, ácido cítrico, lactosee frutose atuam de forma positiva. Fonte: Shutterstock.com. Sobre as fibras alimentares, é importante destacar que estas são formadas por um conjunto de fibras solúveis e insolúveis, e atuam de forma diferente no intestino. As fibras insolúveis podem levar à diminuição do tempo de trânsito no lúmen intestinal, que, por sua vez, pode levar ao aumento da absorção de minerais. Por outro lado, podem levar à formação de quelatos, que diminuem a biodisponibilidade dos micronutrientes. As fibras solúveis que podem ser fermentadas pela microbiota intestinal geram como subproduto moléculas de ácidos graxos de cadeia curta, como, por exemplo, o butirato, que acidifica o pH do meio e aumenta a ionização dos minerais permitindo que sejam mais solúveis e, consequentemente, mais absorvíveis. Veja, no quadro a seguir, os fatores que influenciam de forma positiva ou negativa a biodisponibilidade dos micronutrientes: Micronutrientes Fatores que influenciam a biodisponibilidade Vitamina A, D, E e K Por serem vitaminas lipossolúveis, a presença de lipídio aumenta a biodisponibilidade. Vitamina B1 Alto consumo de álcool prejudica absorção de tiamina. Sódio Excesso de potássio e cálcio aumenta a excreção do sódio. Zinco Cálcio, ferro, fitato e fibra diminuem a absorção. Cálcio Sódio, cafeína, oxalatos e fósforo diminuem a absorção de cálcio, e proteínas aumentam a excreção de cálcio. Ferro Ferro-heme não sofre influência na sua absorção. Ferro-não heme tem biodisponibilidade aumentada pelo consumo de ácido fítico e vitamina C. Oxalatos, fosfatos e polifenóis diminuem a absorção do ferro. Magnésio Sódio, cálcio, cafeína e fitatos podem reduzir a excreção do magnésio. O processo de refinamento remove o mineral de cereais. Cobre Processamento a quente e alta ingestão de zinco e ferro podem reduzir biodisponibilidade devido à Reação de Maillard. Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal MICROBIOTA INTESTINAL E A INFLUÊNCIA NA BIODISPONIBILIDADE Nos estudos mais recentes sobre o processo de absorção dos nutrientes e, consequentemente, sua biodisponibilidade, há enfoque maior na influência do papel da microbiota intestinal. Essa linha de pesquisa ganhou importância quando houve uma crescente valorização do uso de compostos bioativos na alimentação e suplementos alimentares e seus efeitos benéficos no indivíduo. Diversos estudos mostraram os efeitos in vitro dos compostos bioativos, porém, o mesmo efeito não era percebido in vivo. Desse modo, observou-se que havia necessidade de ajuste nas quantidades e nas formas de administração de alguns desses compostos. A microbiota intestinal é formada por uma diversidade de microrganismos, conhecida como microbial pool, que pode conter até 1.000 espécies diferentes. Em adultos saudáveis, há uma prevalência dos filos Bacteroidetes, Firmicutes, Actinobacteria, Proteobacteria e Verrucomicrobia. As diferenças genéticas encontradas entre as espécies sugerem uma diversidade de ações maior que o próprio material genético do indivíduo. De forma comparativa com o genoma do humano, a união dos materiais genéticos da microbiota é denominada microbioma. Assim como há variabilidade entre os indivíduos, também há entre as microbiotas intestinais. Desse modo, existe uma dificuldade em realizar estudos e intervenções terapêuticas que tenham como alvo ou como produto de tratamento a microbiota intestinal (ARIAS et al., 2020). Veja, na figura a seguir, exemplos de espécies formadoras da microbiota intestinal de adultos saudáveis: Fonte: Shutterstock.com. A influência no metabolismo de um fármaco foi testada em camundongos germfree, em comparação com camundongos colonizados com bactérias do gênero Bacteroides, comuns à microbiota intestinal. O estudo revela a melhor eficácia do medicamento em camundongos colonizados, provando a participação da microbiota na biodisponibilidade e exposição do composto ativo. A maneira como a microbiota interage com o composto farmacológico ou o alimento ainda não é totalmente elucidada, porém, existem algumas interpretações: 1 Os microrganismos da microbiota intestinal transformam os compostos alimentares ou farmacológicos em compostos com atividades. A microbiota é estimulada pela presença do componente ingerido a produzir compostos que apresentam benefícios à saúde. 2 3 A microbiota produz compostos que impedem a inibição dos compostos ativos ingeridos. De modo geral, todas as possibilidades são baseadas na capacidade da microbiota em secretar substâncias. A esses componentes, é dado o nome de metabólitos. MICROBIOTA INTESTINAL Para a manutenção da boa qualidade da microbiota intestinal, diferentes condutas podem ser tomadas, dentre elas, a prescrição de fibras alimentares. Como foi visto no módulo anterior, a recomendação para fibras dietéticas é de aproximadamente 25g por dia para adultos saudáveis. As fibras alimentares direcionadas para o beneficiamento da microbiota intestinal são classificadas como prebióticos, já que têm ação direta em microrganismos que são também conhecidos como probióticos (VAMANU; GATEA, 2020). FIBRAS ALIMENTARES As fibras alimentares são constituídas majoritariamente por polissacarídeos não digeríveis ao longo do trato gastrointestinal, que alcançam o intestino grosso quase intactos, sendo, então, fermentados pela microbiota intestinal. Nessa fermentação, são produzidos compostos, ou metabólitos, como os ácidos graxos de cadeia curta (AGCC), como o ácido butírico, o ácido propiônico e o ácido acético. Os AGCC, por si, já apresentam efeitos benéficos comprovados controlando a obesidade e a diabetes, além de beneficiar o crescimento de Lactobacillus e Bifidobacterium, gêneros bacterianos importantes na microbiota intestinal (ZHANG et al., 2020). Os estudos mais aprofundados na área de biodisponibilidade foram necessários quando houve uma crescente aplicação de compostos fenólicos como suplementos alimentares. Os compostos fenólicos são, naturalmente, encontrados nos vegetais, conhecidos como metabólitos secundários, não sendo essenciais à sobrevida dos vegetais, mas têm função como mecanismo de defesa ou pigmento. Podem ser encontrados em diferentes partes do vegetal, como flores, folhas, frutas, caules e raízes. Existem aproximadamente mais de 8.000 compostos fenólicos identificados no reino vegetal, podendo ser classificados como flavonoides ou não flavonoides. Possuem atividade antioxidante, responsável por promover efeitos benéficos na célula, atuando no sequestro de radicais livres (KAWABATA, YOSHIOKA, TERAO, 2019). Fonte: Shutterstock.com. Os radicais livres são produzidos por fatores, como estresse, poluição, má alimentação, sedentarismo, fumo, entre outros, e promovem um dano celular. Desse modo, a ação do antioxidante de neutralizar esse radical livre protege a célula de possíveis danos. Além da capacidade antioxidante, os compostos fenólicos apresentam propriedades imunomodulatórias, anti-inflamatórias, cardioprotetivas e antienvelhecimento, sendo, portanto, foco de diversas abordagens científicas, como demonstrado no quadro a seguir: Relação entre os compostos fenólicos, os microrganismos da microbiota intestinal que estão relacionados ao seu metabolismo e o efeito benéfico no indivíduo. Compostos fenólicos Componentes da microbiota intestinal Efeito benéfico à saúde Curcumina Firmicutes Atividade antioxidante Naringenina Helicobacter pylori, Escherichia coli, Salmonella aureus Modulação do trato gastrointestinal Catequina Eubacterium Melhora na excreção de fezes Epicatequina Bacteroides, Firmicutes e Bacteroidetes Modulação da microbiota Fenólicos Firmicutes, bacteroidetes Modulação da microbiota Epicatequina e catequina Clostridium, Bifidobacterium, Escherichia coli Modulação da microbiota Flavonoides Enterococcus Modulação da microbiota Resveratrol Coriobacteriaceae Redução da inflamação crônica Estilbenos Bifidobacterium, Lactobacillus, Akkermansia Modulaçãoda microbiota Ácido cafeico, ácido clorogênico, ácido ferrúlico, ácido coumarico BIfidobacterium, Lactobacillus Aumento da produção de butirato Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal O principal fator observado no quadro é a modulação da microbiota. Desse modo, é possível observar que o consumo de compostos fenólicos promove uma melhoria da composição da microbiota intestinal. Esta será responsável por metabolizar os compostos fenólicos, produzindo metabólicos que poderão atuar em nível celular no indivíduo, promovendo os efeitos citados anteriormente. Fonte: Shutterstock.com. Ocorre, portanto, um efeito cascata, em que a ingestão de compostos fenólicos auxilia na manutenção da microbiota, que produzirá os metabólitos a partir dos compostos fenólicos, que, por sua vez, promoverão os benefícios à saúde. Porém, a biodisponibilidade dos compostos fenólicos é influenciada por outros fatores, como o tamanho do composto. Acredita-se que os compostos fenólicos de baixo peso molecular são absorvidos mediante transporte direto no intestino delgado, enquanto compostos de alto peso molecular, como os taninos, são transportados íntegros até o intestino grosso, podendo ser excretados nas fezes ou metabolizados pela microbiota. O estômago é o local de menor absorção dos compostos fenólicos, porém, devido a um transporte ativo, é o local de absorção de antocianinas, um composto fenólico que atua como pigmento responsável pelas cores vermelha, roxo e azul de frutas e pétalas, comumente encontrado em frutas como uva e jabuticaba, com conhecido caráter benéfico à saúde dos indivíduos (KAWABATA; YOSHIOKA; TERAO, 2019). INFLUÊNCIA DA MATRIZ ALIMENTAR NA BIODISPONIBILIDADE A matriz alimentar, ou seja, a composição do alimento, influencia na biodisponibilidade dos nutrientes, já que ocorrem ligações químicas entre os elementos, o que pode levar a uma diminuição da biodisponibilidade por dificultar o acesso das enzimas na porção mais interna da matriz alimentar. Ou pode ocorrer uma proteção das moléculas de interesse, por exemplo, os compostos fenólicos que serão protegidos pela matriz alimentar e alcançarão o intestino grosso de forma íntegra (UDENIGWE; FOGLIANO, 2017). O alimento é basicamente composto por macro (proteínas, lipídios e carboidratos) e micronutrientes (vitaminas e minerais), e ambos formam a matriz alimentar que influencia na bioacessibilidade e biodisponibilidade de compostos de interesse. Fonte: Shutterstock.com. Fonte: Shutterstock.com. Os carboidratos do tipo digeríveis, como açúcares, podem apresentar efeitos benéficos na biodisponibilidade de alguns compostos bioativos do tipo flavonoides, como pode ser observado em amostras de chocolate, que apresentam esse componente proveniente do cacau. O aumento da biodisponibilidade de compostos ativos pelo açúcar também pode ser observado no consumo de chá adoçado com sucralose ou sacarose. Alguns autores relacionam essa melhoria na biodisponibilidade com uma ação dos açúcares no aumento da solubilidade de compostos fenólicos, sendo estes, então, mais facilmente absorvíveis. COMENTÁRIO Em contrapartida, lactose, amido e pectina influenciaram de forma negativa na absorção de compostos fenólicos em chás adoçados com leite ou preparação que envolvessem esses carboidratos. A vitamina C, que já apresenta efeito antioxidante, aumenta a biodisponibilidade de compostos bioativos, como a catequina, protegendo esse componente de processos oxidativos que podem ser ocasionados no armazenamento, processamento ou na própria mistura de componentes do alimento. Por serem de origem vegetal, os compostos fenólicos estão intimamente ligados à estrutura de parede celular da célula vegetal. Podemos, dessa forma, encontrar dois grupos mais significativos de compostos fenólicos: os livres e os ligados. LIVRES Os compostos fenólicos livres são mais facilmente absorvidos no trato gastrointestinal. LIGADOS Os compostos fenólicos ligados a ligninas, celulose e hemicelulose, carboidratos que compõem a parede celular de vegetais, apresentam ligações fortes, que, dificilmente, são rompidas no processo digestivo. Assim, chegam intactos no intestino grosso e só serão liberados caso a microbiota intestinal promova a quebra dessas ligações. Os lipídios apresentam um papel importante na biodisponibilidade de alguns compostos fenólicos, como a quercetina, aumentando a oferta desse componente lipofílico. Estudos demonstram que a quercetina, comumente encontrada na cebola, pode ser muito mais facilmente absorvida pelo sistema gastrointestinal quando acompanhada de óleo de peixe ou de soja. Fonte: Shutterstock.com. Os fatores relacionados a esse aumento na biodisponibilidade de quercetina são as propriedades físicas de promover uma emulsão e a capacidade química de formar uma micela. O mesmo efeito pode ser observado em compostos fenólicos de tomate, como a naringenina, que apresenta um aumento da sua biodisponibilidade quando consumido junto com azeite de oliva (KAMILOGLU et al., 2021). Em relação às proteínas, foi determinado que estas e os compostos fenólicos formam complexos que podem ser considerados solúveis ou insolúveis. Porém, os resultados sobre a influência desses complexos na biodisponibilidade ainda são inconclusivos. Foi comparado, por exemplo, se havia diferença na biodisponibilidade dos compostos fenólicos de morango quando este era consumido com e sem creme de leite, e as respostas para essa questão não foram claras. Desse modo, são necessários mais estudos na interação das moléculas proteicas com a biodisponibilidade de compostos fenólicos (KAMILOGLU et al., 2021). Neste vídeo, você conhecerá um pouco sobre os diferentes métodos de determinação da biodisponibilidade em alimentos. VERIFICANDO O APRENDIZADO 1. É UM MÉTODO DE ESTUDO DA BIODISPONIBILIDADE QUE PODE FAZER USO DE MARCADORES RADIOATIVOS QUE SÃO OBSERVADOS AO LONGO DO ORGANISMO E DURANTE TODO O PROCESSO DIGESTIVO. ESSE MÉTODO APRESENTA COMO LIMITAÇÃO O FATO DE NÃO PODER SER UTILIZADO EM TODOS OS GRUPOS DE PESSOAS. ASSINALE A ALTERNATIVA QUE APRESENTA A METODOLOGIA A QUAL A DESCRIÇÃO SE REFERE: A) Depleção animal B) Estudos celulares C) Balanço químico D) Estudos in vitro E) Isótopos radioativos 2. A BIODISPONIBILIDADE DOS NUTRIENTES PODE SER INFLUENCIADA DE FORMA NEGATIVA E POSITIVA. ASSINALE A ALTERNATIVA QUE INDICA UM ELEMENTO QUE AUXILIA DE FORMA POSITIVA A BIODISPONIBILIDADE DOS NUTRIENTES: A) Fibra insolúveis B) Fibras solúveis C) Água D) Proteína E) Açúcares GABARITO 1. É um método de estudo da biodisponibilidade que pode fazer uso de marcadores radioativos que são observados ao longo do organismo e durante todo o processo digestivo. Esse método apresenta como limitação o fato de não poder ser utilizado em todos os grupos de pessoas. Assinale a alternativa que apresenta a metodologia a qual a descrição se refere: A alternativa "E " está correta. Isótopos radioativos correspondem a uma metodologia que envolve radiação. Embora inofensiva aos indivíduos saudáveis, não podem ser testadas em crianças, gestantes e nutrizes. 2. A biodisponibilidade dos nutrientes pode ser influenciada de forma negativa e positiva. Assinale a alternativa que indica um elemento que auxilia de forma positiva a biodisponibilidade dos nutrientes: A alternativa "B " está correta. As fibras solúveis podem ser fermentadas pela microbiota colônica, formando ácidos graxos de cadeia curta. CONCLUSÃO CONSIDERAÇÕES FINAIS Neste tema, foram apresentados os conceitos básicos sobre recomendações nutricionais e as principais ferramentas que devem ser utilizadas para uma prescrição dietética adequada. As recomendações, mesmo sendo baseadas em informações internacionais, devem ser adaptadas à realidade brasileira, como hábitos, costumes e safra. Além disso, é importante que o profissional nutricionista saiba que a recomendação é um valor aproximado. A real absorção dos nutrientes é feita deforma individual e pode ser influenciada por diferentes fatores como a microbiota e a matriz alimentar, que podem aumentar ou diminuir essa absorção. Portanto, os resultados obtidos em estudos de biodisponibilidade são essenciais para uma adequada prescrição dietética. Desse modo, o conjunto de informação, formado pelas recomendações nutricionais e a real absorção dos nutrientes, será a base do direcionamento dado pelo profissional nutricionista na prescrição dietética e na elaboração de novos produtos. AVALIAÇÃO DO TEMA: REFERÊNCIAS AMAYA-FARFAN, J.; DOMENE,S, M. A.; PADOVANI, R. M. DRI: Síntese comentada das novas propostas sobre recomendações nutricionais para antioxidantes. In: Revista de Nutrição, 2001. ARIAS, N.; ARBOLEYA, S.; ALLISON, J.; KALISZEWSKA, A.; HIGARZA, S. G.; GUEIMONDE, M.; ARIAS, J. L. The relationship between choline bioavailability from diet, intestinal microbiota composition, and its modulation of human diseases. In: Nutrients, 2020. BRASIL. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. RDC Nº 269, de 22 de setembro de 2005. In Anvisa, 2005. CARBONELL-CAPELLA, J. M.; BUNIOWSKA, M.; BARBA, F. J.; ESTEVE, M. J.; FRÍGOLA, A. Analytical methods for determining bioavailability and bioacessibility of bioactive compounds from fruits and vegetables: a review. In: Comprehensive Reviews in Food Science and Food Safety, 13, 155-171, 2014. COZZOLINO, S. M. F. Biodisponibilidade de nutrientes 2. ed. São Paulo: Manole, 2006. ETCHEVERRY, P.; GRUSAK, M. A.; FLEIGE, L. E. 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EXPLORE+ Para saber mais sobre os assuntos explorados neste tema: Observe a evolução das tabelas de recomendação nutricional na comunicação Dietary reference intakes: aplicabilidade das tabelas em estudos nutricionais, de Padovani et al., publicada em 2006 na Revista de Nutrição. Leia o artigo de Cozzolino, Biodisponibilidade de minerais, publicado em 1997 na Revista de Nutrição, sobre algumas interações entre minerais que podem afetar a biodisponibilidade no organismo. CONTEUDISTA Carolina Beres CURRÍCULO LATTES javascript:void(0);
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