Buscar

8-Novos-desafios-para-o-profissional-de-comunicacao

Prévia do material em texto

NOVOS DESAFIOS PARA O PROFISSIONAL DE COMUNICAÇÃO1 
 
Margarida Maria Krohling Kunsch 
Universidade de São Paulo 
 
Falar sobre as novas exigências para o profissional de comunicação 
remete-nos a considerações sobre os cenários em que hoje se situam as 
organizações onde ele atua. A comunicação que ocorre dentro delas não está 
isolada de toda uma conjuntura, que condiciona e move as ações de um profissional, 
dentro de uma perspectiva estratégica que contempla cumprimento de missão e 
visão de futuro. 
Assim, minha exposição divide-se em quatro partes: na primeira, 
focalizo algo do novo panorama mundial no contexto das recentes transformações 
geopolíticas e econômicas; na segunda, as novas exigências que se colocam para 
as organizações na sociedade globalizada; na terceira, a relevância da comunicação 
nas organizações modernas; na quarta, a atuação do profissional de comunicação 
no conjunto de toda essa nova realidade. 
Na primeira parte, quero lembrar rapidamente o que ocorria antes e 
o que ocorre hoje no mundo. A bipolarização existente até o fim da Guerra Fria 
terminou com a queda do Muro de Berlim, quando passamos a viver uma nova 
realidade geopolítica. Em consequência, também mudaram muitos paradigmas 
antes vigentes. Temos hoje uma sociedade muito mais complexa, que assiste ao 
enfrentamento econômico entre Estados Unidos, União Europeia e Japão, ao 
crescimento da desigualdade entre países ricos e pobres, à especulação dos 
grandes grupos financeiros que ditam regras. 
Temos, por outro lado, a globalização, com suas consequências 
políticas, econômicas e sociais. Quando falamos nela, não estamos nos referindo 
apenas à questão dos mercados. Temos que pensar na desregulamentação, nas 
privatizações, em todas as mudanças decorrentes desse fenômeno. 
Outra questão diz respeito à redução do Estado Nacional. Otávio 
Ianni, ao analisar "a nação como província da sociedade global", chama a atenção 
exatamente para o poder e o papel dos grupos supranacionais que determinam as 
 
1 Originalmente publicado pela ABERJE. 
regras sobre os estados nacionais. Basta lembrar, por exemplo, as funções da 
Organização Mundial do Comércio. 
Há que se levar em conta também as consequências da revolução 
tecnológica. É graças a ela que o mundo globalizado se move e cria a sociedade da 
informação. É importante chamar a atenção para a necessidade de se pensar na 
comunicação em tempo real. Não é mais possível deixar uma resposta para 
amanhã. Nosso público, a sociedade, a opinião pública vai querer a resposta agora. 
Então, o profissional de comunicação tem que ir em busca da fonte para localizar e 
transmitir a informação instantaneamente. Com isso, nossa era transforma-se em 
era do conhecimento, representada pelo poder e pela riqueza daquele que o retém, 
de acordo com Alvin Toffler. Quer dizer, quanto mais informação tivermos, mais 
chances teremos de acertar e vencer. 
Qual deve ser o papel das organizações nessa sociedade 
globalizada? Que paralelo se pode estabelecer entre as organizações tradicionais e 
as modernas? São questões que introduzem a segunda parte de minha exposição. 
Integrantes do sistema social global, as organizações passam a ter 
um novo perfil institucional, aumentando sua responsabilidade e sua maneira de 
comportar-se diante das transformações mundiais. Nesse sentido, deparamo-nos 
com novas realidades. 
As empresas de ontem estavam acomodadas. Fechadas em si 
mesmas, eram individualistas, arrogantes. Não se importavam com o mundo 
exterior. Otimizavam quase que exclusivamente os lucros. A relação com os 
empregados era de paternalismo e subordinação. Com os clientes a situação era 
tranquila, pois se entregava o que se produzia. A comunidade não constituía uma 
preocupação. Já as empresas de hoje têm que ser abertas e transparentes, criando 
canais de comunicação com a sociedade e prestando contas a ela. Precisam 
conquistar o consumidor num ambiente competitivo e respeitá-lo. E devem, 
sobretudo, ter em vista os públicos estratégicos. O profissional de comunicação 
precisa ter isso em mente no seu dia a dia. De repente, um público antes esquecido 
ou um público emergente pode tornar-se estratégico. 
Aqui, é necessário questionar a visão estática, que classifica os 
públicos em internos, externos e mistos, e agir dentro de uma perspectiva dinâmica, 
procurando identificar, a partir dos acontecimentos e de seus comportamentos, os 
públicos estratégicos (stakeholders). Estes são, em tese, os empregados, os 
acionistas, os consumidores, os fornecedores e os emergentes reativos. Os 
colaboradores / empregados querem uma remuneração justa, mas querem 
sobretudo ser tratados como cidadãos. Não dá mais para pensar que a área de 
comunicação faz milagres, se o discurso não for coerente com a prática, com as 
ações. A retórica sozinha não tem mais força. Ela só terá efeito se houver realmente 
um comportamento de mudança. 
E os consumidores, os fornecedores e os acionistas? Eu diria que há 
uma mudança ainda mais radical no comportamento desses públicos. O consumidor 
quer respeito e a satisfação plena de suas necessidades. O fornecedor, relações 
profissionais e integração de esforços. Os acionistas, valorização de seus 
investimentos, mediante a otimização dos resultados financeiros. 
É nessa conjuntura tão repleta de nuances novas que o profissional 
de comunicação tem de atuar. Ele está diante de uma nova ordem geopolítica, de 
um mercado dinâmico, aberto e competitivo, uma nova tecnologia e, sobretudo, de 
uma nova empresa, fundamentada na informação, que irá viabilizar e abastecer toda 
essa nova perspectiva. Por isso, sua ação deve pautar-se por uma nova visão de 
mundo. 
Depois de termos situado as organizações dentro dessa nova 
realidade, veremos agora, na terceira parte de nossa exposição, que elas passam a 
exercer uma influência muito grande na sociedade globalizada. As organizações têm 
muito mais consciência do seu papel. Porque, com a redução do estado nacional, 
são elas que vão ditar as regras, por meio de grupos supranacionais. Então, as 
empresas passam a ter uma nova postura institucional, a assumir um compromisso 
público muito maior e a operar em consonância com novas exigências no que se 
refere à competição, qualidade, preço etc. 
Em face de toda essa complexidade, a necessidade de comunicação 
torna-se muito maior. Não é à toa que hoje nos deparamos com tantas organizações 
procurando reciclar o seu pessoal, buscando maneiras de se relacionar melhor, 
abrindo novos canais de diálogo com seus públicos. A comunicação deixa de ser 
uma área periférica, para tornar-se uma área estratégica. 
Assim, a comunicação passa a ser considerada imprescindível para 
a obtenção de resultados em todos os processos da gestão organizacional. Aquela 
comunicação tradicional, excessivamente fragmentada, centrada quase que 
exclusivamente na assessoria de imprensa ou demais voltada para as relações com 
o governo, se transforma e se amplia. 
Hoje há uma preocupação muito grande com a comunicação interna. 
Está provado que, se o colaborador-empregado não for conscientizado de que é 
agente importante do processo de comunicação, como gestor e facilitador, a 
empresa não conseguirá cumprir sua missão e atingir suas metas. Então, a área de 
comunicação passa a ser importantíssima. Ela terá que ter um campo de ação bem 
amplo, que contempla os vários setores da organização. Não pode mais ser uma 
área isolada e distante. Deve, sim, agregar valor e ajudar a organização a 
posicionar-se perante a sociedade e a opinião pública. 
Nesse sentido, defendo há muitos anos a necessidade da 
comunicação integrada. O profissional que atua nessa sociedade complexa de hoje 
não pode estar preso apenas a uma visão restrita do conceito institucional, limitada à 
assessoria de imprensa ou voltada tão-somente para a promoção ea propaganda 
do produto. Minha proposta é que haja a preocupação com uma comunicação muito 
mais global, a perspectiva de uma comunicação que se desenvolve de uma forma 
sinérgica. Um trabalho de parceria entre as áreas responsáveis pela comunicação 
institucional, pela comunicação mercadológica e pela comunicação interna não só 
faz crescer consideravelmente, mas até mesmo condiciona, hoje em dia, as 
possibilidades de resultados positivos. 
No contexto da comunicação institucional, a área de Relações 
Públicas passa a ser a principal ferramenta para estabelecer e conduzir toda uma 
política de comunicação institucional. Ela tem um papel importante na otimização 
dos demais instrumentos – assessoria de imprensa, propaganda institucional, edição 
de publicações e outros meios que, às vezes, aparecem com nomes não tão 
apropriados, como marketing social e marketing cultural, por exemplo. Numa visão 
macro, a comunicação nas organizações tem que ser concebida dentro dessa 
filosofia da comunicação integrada. O profissional que não tem essa perspectiva, 
limitando seu trabalho a fazer um "jornalzinho" ou a emitir press releases, não se 
preocupando com o que acontece na área de marketing, com toda a certeza não 
está colaborando para que a organização atinja seus objetivos dentro dessa 
sociedade complexa e em mercados cada vez mais difíceis e competitivos. 
Com isto, estou entrando na quarta parte de minha exposição, na 
qual me deterei sobre o profissional de comunicação. Estará este preparado para 
atuar na nova organização que delineamos e num ambiente de incerteza global? 
Qual deve ser seu perfil hoje e para o próximo milênio? Dificilmente teremos 
respostas definitivas para inquietudes desse tipo. 
Muitas vezes o mercado exige um profissional que as universidades 
nem estão conseguindo formar. Por isso, considero que o ponto de partida seja 
investir na formação superior, na pós-graduação e na reciclagem permanente. Essas 
necessidades são cada vez mais acentuadas, somadas a outras que abordamos a 
seguir. 
A área de comunicação, até a bem pouco tempo, era muito reativa. 
É preciso que trabalhemos de forma pró-ativa, que tenhamos a capacidade de 
administrar percepções, que saibamos fazer a leitura do ambiente. O relacionamento 
interpessoal no convívio diário, a disponibilidade para ouvir e a habilidade para 
negociar são outros aspectos importantes a considerar. O profissional deve 
contrapor a combatividade, a agilidade e a energia ao conformismo, à passividade e 
à acomodação. Tem que ter mente aberta para entender as mudanças e flexibilidade 
suficiente para se adaptar a elas. 
Estas são algumas exigências que se colocam como fundamentais e 
também como desafios para o novo profissional de comunicação. Acrescentamos 
mais algumas, de uma lista que poderia ser muito ampliada: 
A capacidade de aprender e reaprender. Temos que ter uma postura 
de quem está sempre disposto a isso. As organizações devem ser learning 
organizations. 
Saber lidar com ambiguidades. Todo mundo quer mudanças, mas, 
na hora de mudar mesmo, temos dificuldades. Sabemos que, na maioria das vezes, 
é quase impossível mudar atitudes e comportamentos, mudar culturas 
organizacionais profundamente arraigadas. 
Ter como princípio norteador o pensamento estratégico, que deve 
ser a síntese. Não se pode ficar preso à rigidez dos quadros. É preciso ler no 
ambiente quais são as ameaças e quais as oportunidades que se colocam para 
nossa comunicação e, a partir daí, buscar novas ideias. Isto se conseguirá de forma 
criativa se tivermos o pensamento estratégico. 
Capacidade de inovação. O novo profissional deve ter ousadia e 
coragem de assumir riscos, ser revolucionário. Receber e manter tudo dentro dos 
conformes, tudo certinho, é muito fácil. É preciso estar predisposto a enfrentar novos 
desafios. Essa deve ser a postura do comunicador de hoje. 
Outro ponto que vejo como importante é que o novo profissional seja 
sistêmico. Gaudêncio Torquato escreveu numa das edições da revista da 
Associação Brasileira de Comunicação Empresarial: "Ainda não temos no mercado 
profissionais de qualidade que entendam a comunicação organizacional no sentido 
sistêmico. [...] Falta o profissional que trabalhe de maneira sistêmica todas as áreas 
de comunicação e, com isso, saiba fazer uma adequada leitura da sociedade." Nós 
todos, universidade, entidades de classe, empresas, temos uma responsabilidade 
muito grande quanto à formação desse profissional. 
Eu defendo que esse profissional deve ter, em primeiro lugar, uma 
visão estratégica. Ele tem que saber planejar e administrar estrategicamente a 
comunicação. Ele tem que colocar a comunicação como facilitadora para que a 
organização atinja os seus objetivos. Isso só será possível por meio de um trabalho, 
de um planejamento adequado, de toda uma negociação, de um trabalho em 
parceria com as outras unidades. Por exemplo, a comunicação interna tem que se 
feita em parceria com a área de Recursos Humanos. A comunicação institucional 
tem que ter um link, uma sintonia com a área mercadológica. Isso só vai ser 
realmente possível com um trabalho muito sério, muito bem administrado 
estrategicamente. 
Todo esse processo tem que colaborar também para uma mudança 
de comportamento. Não adianta achar que somente produzindo coisas nós vamos 
resolver os problemas de comunicação. O profissional tradicional era muito mais um 
tarefeiro. Tinha uma função tática. Hoje, ele tem que ser muito mais um estrategista. 
Tem que pensar a comunicação no sentido da busca de satisfação do consumidor e 
do empregado, de cumprimento da missão e dos valores da organização. Não pode 
mais deixar de aproveitar a sinergia de um trabalho desenvolvido em íntima união 
com todos os outros objetivos organizacionais. Ou seja, ele deve ser um profissional 
holístico, que atue numa perspectiva de comunicação integrada, como já acentuei 
antes, e um estrategista, capaz de antever e administrar situações que possam 
causar ou efetivamente causam impacto sobre a organização. 
Por fim, eu colocaria, como último item fundamental, que o 
profissional de comunicação moderno tem que realizar uma comunicação 
"simétrica", como a entende o grande pesquisador norte-americano James Grunig. 
Ou seja, uma comunicação que busca o equilíbrio entre o interesse da organização 
e o interesse dos públicos. É o tipo de comunicação mais ético e mais justo. 
Sabemos que, na prática, é difícil concretizá-la. Mas é certo que o 
profissional que vive nessa sociedade complexa não pode apenas vestir a camisa da 
empresa, como se diz, e defender apenas os interesses de um lado do balcão. Ele 
tem que levar em conta o que os públicos querem e exigem. Essa mediação tem 
que ser orientada por uma política de Relações Públicas, cuja expressão se dá por 
meio da negociação e da administração de conflitos. A comunicação simétrica deve 
ser, pois, a meta de quem milita na área da Comunicação Organizacional. 
Esse é o caminho a ser trilhado pelo novo profissional de 
comunicação. Ele tem que ter uma nova visão de mundo nesta sociedade 
globalizada. Deve conhecer muito bem a organização em que trabalha, os 
concorrentes e a própria área. Sua comunicação não pode ser fragmentada e 
parcial, mas deve pautar-se por uma política de comunicação global. Deve pensar a 
comunicação como um todo. E, sobretudo, deixar-se guiar por esse princípio ideal, 
eticamente justo, que é o da comunicação simétrica.

Continue navegando