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1 SUMÁRIO INTRODUÇÃO .................................................................................................. 3 1 BREVE PERCEPÇÃO HISTÓRICA DA LEITURA ...................................... 4 2 OS PRINCIPAIS MÉTODOS DE ALFABETIZAÇÃO .................................. 7 2.1 As especificidades do método sintético de alfabetização ................... 11 2.1.1 Método alfabético ......................................................................... 12 2.1.2 Método fônico ............................................................................... 13 2.1.3 Método silábico ............................................................................ 14 2.2 As especificidades do método analítico de alfabetização ................... 16 2.2.1 Método da palavração .................................................................. 16 2.2.2 Método da sentenciação .............................................................. 17 2.2.3 Método global de contos .............................................................. 18 3 CRIANÇA E O DESENVOLVIMENTO DA ESCRITA ............................... 19 3.1 O papel da escola e do professor no processo do ensino e da aprendizagem da escrita pela criança ................................................................... 25 3.2 O papel do sujeito no processo de aquisição da escrita ..................... 27 3.3 A relação entre a linguagem oral e a aquisição da escrita ................. 29 3.4 A segmentação da escrita .................................................................. 30 4 A LEITURA E SUA FUNÇÃO .................................................................... 32 5 PRINCIPAIS ASPECTOS DO DESENVOLVIMENTO DA LEITURA ........ 34 5.1 Considerações iniciais: objetivos e fatores que influenciam o desenvolvimento da leitura .................................................................................... 34 6 O CENÁRIO ATUAL DA ALFABETIZAÇÃO NO BRASIL ......................... 37 7 CONCEITOS DE ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO ............................ 42 8 PIAGET E VYGOTSKY: DIVERGÊNCIAS E APROXIMAÇÕES PARA A COMPREENSÃO DA AQUISIÇÃO E DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM ....... 44 2 9 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................... 47 3 INTRODUÇÃO Prezado aluno! O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma pergunta, para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em tempo hábil. Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora que lhe convier para isso. A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser seguida e prazos definidos para as atividades. Bons estudos! 4 1 BREVE PERCEPÇÃO HISTÓRICA DA LEITURA Fonte: historiadomundo.com.br A prática da leitura advém dos primórdios da civilização, quando o homem busca por compreender os sinais por meio de uma leitura interpretativa em face das anotações de seus antepassados. O aprimorar deu-se com o surgimento da escrita formal, em que a sociedade passa a buscar por normatizar as informações a serem disseminadas. Por consequência das distâncias que os homens passaram a produzir no tempo, surgem às cartas e outros mecanismos escritos para se comunicarem. A observação de Bajard (1994, p. 16), de que “[...] a invenção da escrita ocorreu não para duplicar o oral, mas para completá-lo”, nos ajuda a compreender que a leitura tem, de fato, a função de informar, de apresentar um tema, um assunto que complete o leitor. Numa perspectiva de assimilação da amplitude de mundo, num todo. Com a leitura, ao longo dos tempos, tem sido transmitido, de geração a geração, a imagem em codificação escrita do mundo, dos sentimentos humanos. A evolução humana passa, necessariamente pelo crivo da leitura, seja ela da escrita tal qual conhecemos hoje, ou das imagens gravadas pelos nossos ancestrais. Neste sentido, estudiosos apresentam pesquisas que revelam necessidade de compreensão dos símbolos e a mitigação de técnicas de ensino e aprendizagem. Segundo relatos históricos e arqueológicos, foi na Babilônia onde tudo começou. Hoje, dessa cidade só restam ruínas na região Mesopotâmica do Egito. Seu povo foi o precursor de muitos avanços da civilização como, por 5 exemplo, agricultura, arquitetura, comércio, astronomia, direito, escrita. Nesse local, surgiram as primeiras inscrições do que viria a consumar o nascimento de uma prática revolucionária - a leitura. (KILIAN, 2012, apud COELHO, 2016, p. 2). No contexto, se percebe o nascimento do ler pela necessidade evolutiva do próprio homem, uma vez que os símbolos precisavam ser decodificados e compreendidos. Considerando que a história mostra a leitura de figuras em paredes de caverna e em outros artefatos pré-históricos, o que consideramos o momento do simbolismo. A leitura, então, se torna uma necessidade para a sobrevivência, do ser humano. O que foi ao longo dos anos se aperfeiçoando e ficando cada vez mais necessário. Segundo DeNipoti (1996, p. 82) “Foi em virtude do cristianismo que, durante a Idade Média, as técnicas pedagógicas de ensino da leitura se multiplicaram. A história da leitura nesse período é possibilitada pelo que remanesceu dessas técnicas”. Técnicas estas que o homem foi aprimorando ao longo de sua história. No contexto, é importante considerar que a leitura é uma arte que vai passando de geração a geração. Num contexto, que vai além do saber físico, parte para conhecer o mundo e compreender a vida pelos olhos de quem escreveu. Nestas circunstâncias, vale ressaltar que a necessidade do ser humano em alcançar novos horizontes, o levou a encurtar espaços, isto não ficou só nas navegações e viagens físicas, o abstrato também levou a encurtar distâncias. A leitura serve de fonte de informação e aquisição da mesma. O processo de leitura configura o sentimento de liberdade de vir e ir, de escolhas. Neste sentido, Fonseca (2013, p. 92) destaca que “[...] a história da leitura tem sido um dos mais instigantes objetos de estudo das últimas décadas por dar voz a personagens até então silenciadas nas análises que focavam o texto e não os usos e interpretações dos textos”. (FONSECA, 2013, apud COELHO, 2016, p. 2). Ao escrever o autor coloca sentimentos em palavras e leva o leitor a acompanhar suas ideias pela imaginação. Os antigos leitores, muitas vezes obscurecidos nas pesquisas seriais e quantitativas, ao ganharem destaque nos estudos históricos mostraram que havia uma grande distância entre o prescrito e o vivido, entre o leitor idealizado e o leitor real, entre a interpretação considerada correta pelo autor e/ou editor e a compreensão adquirida no ato da leitura. (FONSECA, 2013, apud COELHO, 2016, p. 2). 6 Entretanto, mesmo não sendo aqui o objeto de estudo interpretar o que era real ou fantasioso, ou mesmo, “sem sentido”. Consideramos que as fases da história da leitura estão motivadas ao hábito de ler, de viajar com o autor de um livro, de uma revista, compreender as informações de um jornal, de rótulos de remédios e etc. O fato é que a escrita e sua interpretação tem força de grande magnitude,levando as mais variadas interpretações, a qual pode não ser a intenção do autor. Segundo Pinheiro e Alves (2012, p. 2449), a leitura, “apresenta uma natureza política e ideológica, sendo capaz, em alguns casos, de moldar o indivíduo a agir de acordo com determinado modo de ver o mundo”. Isto pode ser observado, por exemplo, nos manifestos publicados nas décadas revolucionárias de 1950 a 1970, tanto quanto, em panfletos religiosos disponíveis no século XXI e as propagandas eleitoreiras em ano de votações. Neste contexto, é de se considerar Alves (2012, p. 2449), que de uma forma específica explica que “[...] a leitura é uma arma que pode ser utilizada para dominar, com o pretexto de que se está possibilitando acesso à informação, muitas vezes, para justificar e/ou disfarçar ideias autoritárias”. [...] a leitura não constitui tão-somente uma ideia, com a força de um ideal. Ela contém também uma configuração mais concreta, assumindo contornos de imagem, formada por modos de representação característicos, expressões próprias e atitudes peculiares. A ela pertencem gestos, como o de segurar o livro, sentar e escrever, inclinar-se, colocar os olhos. Faz parte igualmente dessa representação a alusão a resultados práticos, mensuráveis em comportamentos progressistas. (ZILBERMAN, 199, apud COELHO, 2016, p. 4). O percurso da leitura leva há um enorme aparato teórico. Cabe aqui destacar Kilian e Cardoso (2012, p. 2), pois enfatizam que “Inicialmente, cumpria seu papel por meio da oralidade; após, houve a invenção da leitura silenciosa na Grécia Antiga; e, hoje, articula-se com os mais variados processos de circulação, especialmente, com a mídia eletrônica”. No Brasil, a leitura surgiu com os portugueses. Segundo Chartier (1999) e Schwarcz (2010), a primeira biblioteca instituída no Brasil foi aos primórdios do século XIX, através da família real. Hoje a Biblioteca Nacional tem o maior acervo de livros de todo território brasileiro. 7 2 OS PRINCIPAIS MÉTODOS DE ALFABETIZAÇÃO Para conhecer os principais métodos de alfabetização, você precisa conhecer paralelamente o período histórico em que os métodos foram aplicados. Por esse motivo, é importante compreender as transformações educacionais, econômicas e sociais implicadas nesses processos para, posteriormente, discutir acerca das metodologias didáticas e especificidades de cada método. (KUCYBALA, 2018). No entanto, antes de você se aprofundar no assunto, é importante notar que há muitos anos o cenário pedagógico e as preocupações com o ensino e a aprendizagem da leitura e da escrita fazem parte das discussões de educadores, que relacionam esse processo à utilização de métodos e à busca pelo melhor ou o mais eficaz deles. Mas, afinal, você sabe o que são métodos? Recorrendo ao dicionário Houaiss, entre tantos significados apresentados, se destaca este: métodos são um “conjunto de regras e princípios normativos que regulam o ensino, a prática de uma arte etc”. Ou ainda: “processo organizado, lógico e sistemático de pesquisa, instrução, investigação, apresentação etc” (MÉTODO, 2009). Diante desses apontamentos, se você pensar nos métodos na perspectiva da alfabetização, pode considerar que eles se baseiam em indicar metodologias específicas que devem ser seguidas pela criança para aprender a codificar e decodificar a leitura e a escrita. A partir dessas discussões, você pode conhecer, então, os métodos que foram utilizados ao longo dos anos para alfabetizar as crianças. Araújo (1996) destaca que os métodos sintéticos e analíticos, criados entre os séculos XVI e XVIII e se estendendo até meados de 1960, surgiram para se opor aos métodos de soletração, predominantes na Antiguidade e na Idade Média. Esses métodos de soletração eram considerados difíceis e contribuíam para os grandes índices de fracasso escolar na fase de alfabetização. Os métodos sintéticos, segundo Frade (2005), são procedimentos que partem das unidades menores para as unidades maiores. Ou seja, inicia-se pelo ensino das letras, da memorização, da decoração e do domínio do alfabeto para, posteriormente, passar às sílabas, às palavras, às frases e aos textos. Esse método em específico impossibilita que a criança avance para uma nova fase de conhecimento se não tiver, primeiro, dominado e passado por todas as etapas anteriores. Isto é, está em jogo um processo no qual a criança aprende das partes 8 para o todo. É, portanto, um método que foca seu ensino na decifração e na leitura mecânica, dando ênfase à correspondência entre o som e a grafia e utilizando como estratégia principal a percepção auditiva, por meio de exercícios de leitura em voz alta e ditados feitos pelos professores. Por ser um método de decoração e memorização, ele traz suas regras já estabelecidas, o que torna o ensino cansativo, desmotivador e com pouco significado para a criança. Afinal, as palavras utilizadas nas cartilhas já eram determinadas, apresentando pouca relevância na percepção da leitura e da escrita. O aluno, nessa concepção de alfabetização, recebe o conhecimento pronto. Porém, na maioria das vezes não compreende e possui dificuldades para produzir textos devido ao restrito vocabulário a que foi exposto. Em contrapartida, acredita-se que o método sintético seja positivo, devido à grande exposição da criança às repetições e regras impostas, pois ela alcança a ortografia perfeita mais rapidamente, visto que já conhece e domina as palavras que necessita escrever em suas atividades. Já os métodos analíticos, diferentes dos sintéticos, “[...] partem do todo para as partes e procuram romper radicalmente com o princípio da decifração” (FRADE, 2007, p. 26). Esses métodos ensinam a criança partindo das unidades maiores para as unidades menores, ou seja, a leitura é vista como um ato global. Assim, os métodos analíticos visam a propor atividades que “[...] vão do texto à frase, da frase à palavra, da palavra à sílaba” (FRADE, 2007, p. 26). Do ponto de vista da alfabetização, o método analítico favorece que a criança se aproxime um pouco mais de sua realidade. Afinal, em vez de reconhecer primeiro as letras e as sílabas fora de contexto, o aluno tem a oportunidade de aprender a partir das palavras emitidas de forma inteira e não apenas das partes ou pedaços delas. Nessa perspectiva, os textos podiam ter sentido um pouco maior, pois a leitura não era realizada por meio da silabação. Em contrapartida, há as duas faces da moeda, visto que, por ser um método que parte da leitura de palavra por palavra, pode também trabalhar a partir de elementos isolados e com poucos significados, impossibilitando que a criança veja o texto na sua totalidade. Nessa perspectiva, os textos podiam ter sentido um pouco maior, pois a leitura não era realizada por meio da silabação. Em contrapartida, há as duas faces da moeda, visto que, por ser um método que parte da leitura de palavra por palavra, pode 9 também trabalhar a partir de elementos isolados e com poucos significados, impossibilitando que a criança veja o texto na sua totalidade. De acordo com Mortatti ([2006]), iniciaram-se, por volta da década de 1920, os embates contrários aos métodos analíticos. Buscava-se um ensino que contemplasse o aprendizado da leitura e da escrita ao mesmo tempo. Surge então o método misto, que varia entre o analítico e o sintético e destaca-se tanto pelo ensino do todo quanto pelo ensino das partes, de forma conjunta. Nesse método, o professor escolhe se as atividades partirão das palavras, das frases ou dos textos. Mortatti ([2006]) ainda destaca que o método misto se tornou especialmente relevante a partir de 1934, quando foram criadas as bases psicológicas de alfabetização contidas no livro Testes ABC, escrito por M. B. Lourenço Filho. Esse autor verificava a maturidade necessária para a criança aprender o processo de leitura e escritae classificava os alunos, organizando-os em classes homogêneas, com vistas à eficácia da alfabetização. A partir dessa proposta, o ensino volta a ser visto como tradicional. O trabalho do professor, por sua vez, se baseava na produção de manuais prontos e cartilhas, que visavam a interligar a habilidade da leitura com a habilidade da caligrafia e da ortografia. Nessa fase, instaurou-se também o período preparatório, no qual a criança era envolvida em atividades de prontidão, de discriminação auditiva e visual, além de realizar atividades que testavam a coordenação motora por meio de exercícios com identificação e traçado das letras. Tal proposta tinha como objetivo medir as habilidades e conhecimentos das crianças relativos à leitura e à escrita. Além disso, as separava conforme a sua maturidade. Em todos os métodos apresentados, tanto nos sintéticos quanto nos analíticos e mistos, predominava a utilização das cartilhas, cuja proposta principal era apresentar às crianças letras, sílabas soltas, palavras, frases e textos com pouca relevância e significado no contexto em que os alfabetizandos estavam inseridos. Da mesma forma, o objetivo das cartilhas visava a abordar apenas a codificação (escrita) e a decodificação (decifração) e pouco agregava conhecimentos aos envolvidos. A aprendizagem do código alfabético acontecia por meio da transmissão do ensino, cuja proposta era iniciar a alfabetização partindo das unidades mais fáceis para, em seguida, apresentar as mais difíceis. Nessas concepções de métodos, 10 acreditava-se que o aluno chegava à escola com pouco ou quase nada de conhecimento a respeito da língua. Portanto, a escola teria o papel de iniciar o processo da leitura e da escrita por meio do ensino de letras, sílabas e palavras, passando para os alunos, que eram meros receptores, as informações prontas e fora do contexto. A partir desse período, Mortatti ([2006]) destaca que houve uma descrença muito grande nos métodos para se alfabetizar. Isso ocorreu, pois os altos índices de fracasso escolar e reprovação, assim como a aprendizagem superficial a que as crianças eram submetidas, tornaram-se pontos de discussão entre os educadores que buscavam respostas e caminhos para alfabetizar de forma mais efetiva. O processo de ensino e aprendizagem passou a ser debatido e pensado sob um novo enfoque. Iniciaram-se as discussões acerca do construtivismo como forma de desmetodizar a alfabetização. Esse campo foi muito estudado por Jean Piaget, que é apontado como um dos precursores da teoria construtivista. A aprendizagem, nessa concepção, é vista como um processo contínuo de desenvolvimento, em que o conhecimento é construído pelo próprio sujeito na sua interação com o mundo, na medida em que é envolvido em situações de aprendizagens relevantes e significativas. Em meados de 1980, seguindo a linha construtivista, surgem os estudos e pesquisas de Emília Ferreiro e Ana Teberosky (1985) acerca da psicogênese da língua escrita. Esses estudos reforçam que a escrita alfabética não é um código que se aprende a partir de métodos e atividades de memorização. Pelo contrário: a criança elabora e formula diferentes hipóteses sobre a escrita, sendo este um processo gradativo que acontece em momentos diferenciados do seu desenvolvimento. Além disso, outra questão levantada é que os processos de aprendizagem acontecem antes mesmo do ingresso da criança na escola. Isso se dá por meio da sua inserção em ambientes letrados e da sua participação em vivências e práticas sociais de leitura e escrita, de forma que o aluno interage com diferentes tipos de textos nas mais variadas atividades desenvolvidas. ATENÇÃO: O ponto de partida do letramento é a convivência, o contato e a experimentação com o mundo da cultura escrita, que podem ser adquiridos nas mais variadas situações que as crianças trazem quando chegam à escola. Isso evidencia que elas estão inseridas em um contexto comunicativo de produção e compreensão 11 das funções da língua escrita e contribui para que a escola desperte, nas novas gerações, a necessidade de utilizar a escrita socialmente, de acordo com a função para a qual foi criada. Diante dessas questões, é fundamental que você reflita que não existem métodos perfeitos, tampouco teorias milagrosas que farão a criança aprender de forma plena. Cada indivíduo concebe o conhecimento ao seu tempo e da sua maneira. O importante é que sejam desenvolvidas metodologias de ensino que auxiliem a criança a refletir sobre a escrita alfabética, tornando-a pensante, crítica, reflexiva e questionadora. Frade (2005, p. 15) destaca que “Muitas vezes, à própria menção da palavra método, temos um comportamento intolerante, porque pensamos que essa palavra se refere a apenas um caminho para alfabetizar ou a uma fórmula inflexível”. Para que não haja retrocessos, é preciso combater aquele ensino a partir de métodos rígidos em que os professores ficam presos à mesma forma de ensinar e às mesmas práticas pedagógicas. Nesse sentido, Emília Ferreiro e Ana Teberosky (1985, p. 29) destaca: “O método (enquanto ação específica do meio) pode ajudar ou frear, facilitar ou dificultar [...] A obtenção do conhecimento é um resultado da própria atividade do sujeito”. Assim, é importante que a escola pense em intervenções que ajudem a criança a aprender de forma conjunta, tornando-a um sujeito capaz de formular hipóteses, discutir e ser “intelectualmente ativo”. É necessário, portanto, relacionar o momento atual da educação às discussões de problemática social que permeiam o cenário educacional. Isso principalmente no que diz respeito ao fato de que não existe uma ideia definitiva ou limitada acerca das metodologias, apenas a busca por caminhos que levem a criança a se alfabetizar a partir de conteúdos mais complexos e significativos. 2.1 As especificidades do método sintético de alfabetização Albuquerque (2012) destaca que o método sintético de ensino surgiu por volta do século XVII. Nesse período, a leitura e a escrita passaram a ter maior importância frente às mudanças históricas que a sociedade vivia. Como a grande maioria da população não dominava o código escrito, iniciaram-se as discussões acerca de um 12 método que contemplasse a decodificação como forma de expandir a escolarização ao restante da população, focando, assim, na prática escolar da leitura. Surge aí o método sintético, que se baseia no ensino da leitura e da decifração de forma mecânica. O objetivo principal desse processo é que a criança faça a correspondência entre o oral e o escrito por meio do aprendizado de unidades menores para unidades maiores (FERREIRO; TEBEROSKY, 1985). O aluno, nesse contexto, aprende primeiro as letras, partindo para as sílabas e as letras dentro de cada sílaba, para depois, finalmente, chegar à leitura da palavra. Até que todo esse processo aconteça, a criança é submetida a uma gama de atividades de memorização e decoração de letras e traçados, como forma de garantir um aprendizado mais efetivo. As cartilhas ou livros utilizados durante esse período eram um dos principais recursos que o professor tinha à sua disposição, sendo também o primeiro contato da criança com algum material impresso. Para compreender melhor o método sintético, você deve conhecer as três fases distintas que são caracterizadas a partir dos métodos alfabético, fônico e silábico. 2.1.1 Método alfabético No método alfabético, também chamado de método de soletração e método ABC, a unidade partia do ensino, da decoração e da memorização oral das letras do alfabeto. Primeiro, as letras eram apresentadas na ordem alfabética, depois no sentido inverso e, posteriormente, havia o reconhecimento das letras isoladas. A etapa seguinte era apresentar a forma gráfica das letras. Conforme ia aumentando o conhecimento da criança, as sequências iam atingindograus maiores de dificuldade. Partia-se então para o estudo e a formação das sílabas que eram soletradas e decoradas pelos alunos para fazer as combinações silábicas. Nessa etapa, a criança apenas memorizava e não estabelecia a relação entre a escrita e a fala. Segundo Frade (2007), as famílias silábicas eram apresentadas para as crianças de forma que elas pudessem fazer todas as combinações possíveis. Havia também a estratégia de que as letras e sílabas fossem cantadas e memorizadas. Assim, o processo se tornava lento e pouco representativo para a criança. 13 Carvalho (2005, p. 22) ainda complementa que o método alfabético “[...] baseia- se na associação de estímulos visuais e auditivos, valendo-se da memorização como estímulo didático — o nome da letra é associado à forma visual, as sílabas são aprendidas de cor e com elas se formam palavras isoladas”. Nesse sentido, você pode considerar que as palavras eram apresentadas e trabalhadas fora do contexto, sem haver relação entre elas. De acordo com os estudos de Frade (2007), até os dias de hoje, regiões como o Nordeste, por exemplo, utilizam esse método para alfabetizar. Seja na alfabetização doméstica, realizada pelos familiares, seja na educação levada a cabo por professores leigos e com pouca formação, ainda há o emprego e os estudos repetitivos que partem das cartas de ABC e que possuem como fundamento o ensino partindo das letras. 2.1.2 Método fônico No método fônico, a unidade de ensino parte dos sons e tem como principal objetivo estabelecer a relação entre a letra e o som que ela representa. A união da consoante com a vogal auxilia a criança a trabalhar a pronúncia das sílabas que estão sendo formadas, relacionando a palavra falada à escrita. Num primeiro momento, por possuírem nomes e sons iguais, eram trabalhadas as vogais, depois palavras formadas apenas por elas. No segundo momento, eram apresentadas as consoantes e as formas mais complexas dos seus sons dentro da palavra. Para Frade (2007, p. 23), o objetivo do método fônico é fazer a relação de que: “Cada letra (grafema) é aprendida como um fonema (som), que, junto a outro fonema, pode formar sílabas e palavras”. A partir da formação das palavras, surgem as frases e os textos. Esse método é muito utilizado nos dias de hoje e possui suas vantagens e desvantagens. Entre as vantagens está o fato de que, se o aluno compreender a relação entre as letras e os fonemas, haverá uma correspondência direta que será decifrada mais rapidamente, sem oferecer maiores dificuldades. Isso se dá principalmente quando é preciso escrever palavras com P, B, T, D e V, por exemplo, nas quais os fonemas representam a escrita das letras. Em contrapartida, algumas consoantes, para terem seus sons identificados, precisam do apoio de uma vogal, 14 mesmo que ela fique oculta na hora da pronúncia. Um exemplo é o fonema /m/, que necessita de um mê para ser referenciado. Entre as desvantagens está o fato de que as letras podem apresentar diferentes sons e fonemas conforme a posição que ocupam na palavra. Assim, esse processo de transição até que a criança chegue ao nível ortográfico se torna mais lento. Outra questão são as variações quanto à pronúncia das palavras, que trazem confusões na hora da escrita, pois uma mesma palavra é falada de uma forma e escrita de outra. Como você sabe, o sotaque e as variações da língua conforme cada região do país influenciam essas inconstâncias. O método fônico, nesse sentido, tem o objetivo de fazer com que a criança demonstre compreensão dos padrões regulares de correspondência entre o som e a soletração, entre os fonemas e os grafemas. A ideia é que, a partir desse domínio, possa identificar os sons e realizar a leitura de palavras. 2.1.3 Método silábico O método silábico ou de silabação, segundo Frade (2005), tinha como ponto de partida a união entre a consoante e a vogal para formar as sílabas. No entanto, como em métodos anteriores, as unidades eram apresentadas à criança das mais fáceis para as mais difíceis. Iniciava-se pelo ensino das vogais e encontros vocálicos, e os professores faziam as relações entre a letra e as palavras começadas com ela a partir de ilustrações. Por exemplo, “A de árvore”, “E de escada”. Posteriormente, eram sistematizadas as sílabas simples, também utilizando o mesmo enfoque, porém agora no destaque das sílabas iniciais dentro da palavra, como “PA de panela”, “MA de maçã”. A partir dessa introdução, eram trabalhadas as famílias silábicas da sílaba que estava em destaque na palavra, ou seja, se a sílaba que estava sendo aprendida era PA de panela, partia-se para o estudo da família pa/pe/pi/po/pu e para a formação de novas palavras. Nesse sentido, quando a criança era instigada a escrever alguma palavra, ela precisava primeiro se remeter à família silábica que a representava. Por exemplo, ao escrever a palavra “banana”, ela deveria pensar na família do B (ba/be/bi/bo/bu) e na família do N (na/ne/ni/no/nu). 15 O ensino das famílias silábicas compostas por essas letras era apresentado à criança de forma que a sílaba era indicada e estudada sistematicamente. A partir do estudo das famílias, partia-se para a formação de palavras, frases e textos que continham as sílabas já trabalhadas anteriormente. (KUCYBALA, 2018, p. 10) Os apoiadores do método silábico acreditavam que o processo acontecia de forma mais concreta e rápida, pois se estabelecia a relação entre os segmentos da fala e da escrita. As cartilhas com o método silábico tinham como conteúdo palavras que partiam da sílaba trabalhada. Dentro dessa letra, eram apresentadas então várias palavras, frases e textos em que a sílaba ensinada ganhava destaque. Essas palavras, na maioria das vezes, não tinham sentido dentro do texto, pois a preocupação maior era que as famílias silábicas pudessem ser trabalhadas e 16 evidenciadas pelas crianças. Os textos e histórias eram artificiais, sem relação com os usos sociais, e tinham o propósito de trabalhar e treinar o ensino das sílabas de forma mecanizada. Nesse sentido, os métodos sintéticos, sejam eles alfabéticos, fônicos ou silábicos, têm como proposta a progressão das unidades menores para as mais complexas. Além disso, privilegiam a aprendizagem das partes para o todo por meio da decodificação, da análise fonológica e da relação entre letras e sons. Você pode perceber, no entanto, que os métodos da marcha sintética são inflexíveis e tendem a desconsiderar os usos e funções sociais da escrita, dando pouca importância ao sentido que os textos têm no contexto da criança. 2.2 As especificidades do método analítico de alfabetização No combate aos métodos sintéticos de alfabetização, surgem os métodos analíticos. Sua finalidade é romper com o princípio da decifração e ensinar a criança a perceber do todo para as partes, ou seja, a analisar de forma global a palavra, a frase ou o texto para, posteriormente, considerar e decompor as unidades menores. A principal estratégia perceptiva dos métodos analíticos, segundo Frade (2007), é a visual. A ideia é que o aluno compreenda o sentido de um texto, utilize a pontuação e a ortografia e tenha como ponto de partida um contexto mais próximo da sua realidade. Quando considerada essa totalidade, o processo de alfabetização deixa de ser abstrato e se tornar mais significativo. Assim, o professor deve apresentar às crianças as palavras, frases ou textos explorando-as o maior tempo possível, para só depois analisar e decompor as partes. Para entender melhor o método analítico, veja a seguir as três fases distintas desse método: palavração, sentenciação e global de contos. 2.2.1 Método da palavração É um método que se inicia a partir da apresentação da palavra, normalmente ilustrada e vinculada ao universo da criança. O objetivo disso é estabelecer relações entre a grafia e arepresentação da imagem. Quando o método era aplicado, as palavras eram lidas e escritas diversas vezes até serem memorizadas. Somente a 17 partir dessa escrita é que elas eram divididas silabicamente, estudadas e relacionadas a palavras novas que contivessem as sílabas vistas anteriormente. Com base nas palavras e no estudo das sílabas, partia-se para a relação entre grafema e fonema, em que a criança percebia os sons que representavam cada unidade. A etapa seguinte era a formação das frases com essas palavras e de textos com as frases trabalhadas. A diferença entre o método da palavração e o método silábico de marcha sintética, segundo Frade (2005), é que as palavras não têm a obrigatoriedade de ser decompostas no início do processo. Pelo contrário, elas primeiro precisam ser compreendidas e reconhecidas para depois serem esmiuçadas. Além disso, na palavração não existia a lógica de que deveria iniciar-se a alfabetização pelas palavras mais fáceis. O que se levava em consideração era se as palavras apresentavam sentido e significado para os alunos. Para exemplificar o método da palavração, considere a palavra “boca”. Num primeiro momento, a palavra será analisada em sílabas (bo-ca). A partir dessa análise, é desenvolvido o trabalho com as famílias silábicas pertencentes à palavra (ba/be/bi/bo/bu), chegando-se enfim à aprendizagem das letras (b-o-c-a). Frade (2005) aponta, entre as desvantagens da palavração, as dificuldades enfrentadas pelos alunos para escrever palavras novas, visto que não era incentivada a análise e o reconhecimento das partes. 2.2.2 Método da sentenciação Frade (2007) aponta que, no método de sentenciação, a aprendizagem toma como partida a utilização da sentença ou da frase que, depois de contextualizada, é dividida e decomposta em palavras. Posteriormente, são abordados os elementos mais simples e as unidades menores, as sílabas. As frases, assim como no método da palavração, são formadas e levam em consideração o contexto do aluno. Depois de as frases serem apresentadas, ocorre a leitura e a escrita delas, o que envolve um processo de memorização. Dentro de cada sentença, observa-se as semelhanças entre as palavras, comparando-as entre si, tendo como objetivo a formação de grupos com novas palavras. Somente depois desse processo é que são introduzidas as sílabas e as relações entre fonemas/grafemas. 18 2.2.3 Método global de contos O método global de contos, textos ou historietas, segundo Frade (2007), toma como ponto de partida o reconhecimento global do texto, que, assim como nos métodos anteriores, precisa ser memorizado durante um período de forma que seja lido, escrito e compreendido. Para isso, eram apresentados aos alunos cartazes ou pré-livros com partes de um texto ou textos completos que fossem significativos para eles. Após essa apresentação e um convívio maior do aluno com o texto, este era desmembrado em frases ou sentenças, partindo-se para o reconhecimento das palavras e, finalmente, das sílabas e letras. Todo esse processo acontecia de forma mais lenta, pois, caso esse método fosse apresentado apressadamente, as unidades menores poderiam não ter sentido para a criança. Nesse método, por haver a necessidade de trabalhar iniciando-se pelos textos, as cartilhas foram deixadas em segundo plano. Os textos deveriam ser escolhidos a partir de temas relevantes para o universo infantil, considerando, nesse sentido, o “todo” como algo concreto e palpável de ser apreendido. Iniciou-se então a produção de livros e cartazes que serviriam como material de apoio para o trabalho do professor. Há quem diga que o método global proporciona à criança maior reconhecimento e uma aprendizagem mais significativa, visto que o ensino da leitura acontece antes mesmo de a criança conhecer as partes menores ou o nome das letras. Em contrapartida, há também quem defenda que nesse método a criança não aprende realmente a ler; ela apenas decora os textos trabalhados em sala de aula, descobrindo o que está escrito. No que diz respeito à tentativa de a criança decodificar e realizar a leitura, acreditava-se que era um processo que acontecia com mais rapidez por partir de palavras conhecidas e que tinham como foco a memorização global. No entanto, alguns questionamentos surgiam, principalmente quando se pensava na aprendizagem efetiva dos alunos, pois o professor deveria saber identificar se o processo de leitura está realmente acontecendo, ou se aula está apenas servindo como um momento para decorar textos e histórias ou recitar palavras. Pensando, então, nos métodos de marcha analítica estudados até aqui, é importante você notar que todos têm como enfoque a compreensão do sentido da aprendizagem a partir do reconhecimento do todo. Assim, têm como vantagem a 19 possibilidade de a criança realizar, desde seu primeiro contato com o processo de escolarização, a leitura de palavras, frases ou textos que tenham significado para ela. Como você pode imaginar, se não for conduzido e orientado corretamente pelo professor, esse processo pode tornar-se um ponto de dificuldade para o aluno, correndo-se o risco de perder o sentido diante da apresentação de novas palavras. 3 CRIANÇA E O DESENVOLVIMENTO DA ESCRITA Fonte: novaescola.org.br Luria (1988) apresenta um estudo acerca da alfabetização elaborado com um grupo de crianças russas, de quatro a seis anos, que nunca foram expostas ou afetadas pela escola. O grupo também incluiu uma criança de nove anos que já havia frequentado a escola e outra criança com deficiência cognitiva. A realização desse estudo ocorreu em 1929, sob a influência de Vygotsky, com o objetivo de estudar e analisar, juntamente com as funções de atenção e memória, o desenvolvimento da escrita em crianças russas e camponeses iletrados. (GONTIJO, 2002). A abordagem adotada nos estudos de Luria (1988) baseia-se na perspectiva histórico-cultural de Vygotsky, que via o desenvolvimento como um processo marcado pela descontinuidade e dependência da aprendizagem, e a criança se desenvolve pela mediação de instrumentos e signos. Segundo Vygotsky (1998, p. 70) “todas as funções psíquicas superiores são processos mediados, e os signos constituem o meio 20 básico de governá-los e dirigi-los. O signo intermediário é incorporado à sua estrutura como parte integrante do processo como um todo”. Para Luria o crescimento da criança ocorre pela sua necessidade de se relacionar com a sociedade. Portanto, o desenvolvimento não deve ser visto como resultado da adaptação, mas a relação da criança com a sociedade deve ser compreendida historicamente a partir das necessidades do homem. (FACCI, 2004). Segundo Vygotsky; Luria, (1996) a linguagem surgiu a partir da exigência de uma relação mais complexa do homem com os objetos e outros homens, [...] seria incorreto pensar que os sons, que assumiram paulatinamente a função de transmitir certa informação, eram “palavras” capazes de designar com independência os objetos, suas qualidades, ação ou relações. Os sons, que começavam a indicar determinados objetos, ainda não tinham existência autônoma. Estavam entrelaçados na atividade prática, eram acompanhados de gestos e entonações expressivas, razão por que só era possível interpretar o seu significado conhecendo a situação evidente em que eles surgiam. Além do mais, nesse complexo de meios de expressão parece que, a princípio, coube posição determinante aos atos e gestos; estes, segundo muitos autores, constituíram os fundamentos de uma original linguagem ativa ou “linear” e só bem mais tarde o papel determinante passou a ser desempenhado pelos sons, que propiciaram a base para a evolução paulatina de uma linguagem de sons independente. Durante muito tempo, porém, essa linguagem manteve a mais estreita ligação com o gesto e o ato e por isto o mesmo complexo de sons (ou “protovocábulo”)podia designar o objeto para o qual a mão apontava, a própria mão e ação produzida com esse objeto. Só depois de muitos milênios a linguagem dos sons começou a separar-se da ação prática e a adquirir independência. É a essa época que pertence o surgimento das primeiras palavras autônomas, que designavam objetos e bem mais tarde passaram a servir para distinguir as ações e qualidades dos objetos. Surgiu a língua como um sistema de códigos independentes, que durante um longo período histórico posterior de desenvolvimento assumiu a forma que distingue as línguas atuais (Luria, 1979, apud BORDIGNON, 2015, p. 26029). Luria considera a linguagem como um fator “decisivo que determina a passagem da conduta animal à atividade consciente do homem” (Luria, 1986, p.22). O autor compreende a linguagem como a necessidade de comunicação no processo de trabalho, que por muito tempo esteve vinculada à atividade humana concreta. Apenas no decorrer do processo de complexificação das formas de existência, que a prática foi gradativamente se separando e se transformando em “um sistema de códigos suficientes para transmitir qualquer informação, inclusive fora do contexto de uma ação prática” (Luria, 1986, p.25). Ao contrário de grande parte de psicólogos desenvolvimentistas (que buscavam estudar a escrita na criança no período em que ela iniciava sua vida 21 escolar) Luria (1988) entendia que havia a necessidade de entender como ocorre o desenvolvimento do processo de aquisição da escrita, antes da criança ser submetida ao processo sistematizado de alfabetização, pois ao começar a escrever seus primeiros registros no caderno, ela não está no seu primeiro estágio do desenvolvimento da escrita. A origem desse processo está na pré-história do desenvolvimento das funções comportamentais superiores da criança; sendo assim, no momento que as crianças atingem a idade escolar, já houve a exposição a relacionamentos, exercícios e interações sendo adquiridas habilidades e técnicas que lhes permitem aprender a escrever em muito pouco tempo. (GONTIJO, 2002). [...] se apenas pararmos para pensar na surpreendente rapidez com que uma criança aprende esta técnica extremamente complexa, que tem milhares de anos de cultura por traz de si, ficará evidente que isto só pode acontecer porque durante os primeiros anos de seu desenvolvimento, antes de atingir a idade escolar, a criança já aprendeu e assimilou um certo número de técnicas que prepara o caminho para a escrita, técnicas que a capacitam e que tornam incomensuravelmente mais fácil de aprender o conceito e a técnica da escrita. (LURIA, 1988, apud BORDIGNON, 2015, p. 26030). Assim que a criança ingressa na escola, ela começa a ser exposta ao sistema de signos criados pela humanidade ao longo da história para sistematizar e padronizar a escrita, símbolos que podem não ser conhecidos pela criança caso ela não tenha sido exposta a escrita sistematizada, embora a criança o tenha absorvido habilidades e técnicas que contribuirão para a aquisição da escrita formal. Seria importante para os professores “[...] desenterrar essa pré-história da escrita [...] o conhecimento daquilo que a criança era capaz de fazer antes de entrar na escola, conhecimentos a partir do qual eles poderão fazer deduções ao ensinar seus alunos a escrever” (LURIA, 1988, p. 144). Luria (1988) registra que em contraposição com determinado número de outras funções psicológicas, a escrita pode ser estabelecida como uma função culturalmente mediada por meio do uso de instrumentos e signos que proporcionam, através da interação social, a mutação do meio e dos sujeitos. Luria (1988) ainda esclarece que é necessária a existência de prévias condições nas crianças para que ela possa entender o uso da escrita e aprender que a língua escrita é um conjunto de signos que não possuem um significado em si, mas uma função instrumental, que opera como um suporte para a memória, no registro de 22 ideias e conceitos. A primeira condição trata-se das coisas que manifestam um significado imediato para a criança ou representam um significado funcional, enquanto auxílio para a obtenção de um certo objeto ou atingir determinado objetivo.Já a segunda condição está vinculada a capacidade da criança em administrar seu próprio comportamento e instituir relações com os objetos ou por interesse ou por seu valor instrumental. Nesse momento a criança desenvolve as suas próprias formas complexas do comportamento humano. Isso remete a observar que o processo de apropriação da escrita não acontece da mesma forma, tampouco ao mesmo tempo para toda criança. As habilidades para a escrita e as condições que possibilitam a sua aquisição devem ser compreendidas pelas pessoas que interagem com a criança, pois, quando uma criança faz alguns rabiscos desordenados em uma folha de papel e aponta dizendo que é o seu nome, isto já pode ser considerado como um registro (GONTIJO, 2002, apud BORDIGNON, 2015, p. 26030). Gontijo (2002) citando Luria aduz que os rabiscos das crianças são os vestígios primários de escrita apresentados pela criança na tentativa de imitar a escrita produzida pelos adultos com que ela interage. “Esses primeiros rabiscos ou garatujas produzidos pela criança [...] dizem respeito às formas externas da escrita, e a escrita é um conhecimento que não se reduz à sua externalidade” (GONTIJO, 2002, p. 17). A escrita se trata de algo muito além do que a simples imitação de gestos ou riscos ela é munida de significados obtidos nos contextos culturais. Portanto, a escrita constitui um meio para recordar, para representar algum significado (LURIA, 1988). Em pesquisas de caligrafia infantil, Luria observou que, por volta dos 3-5 anos, as crianças rabiscam como se fosse um jogo. Sendo assim, “nesse estágio de desenvolvimento, na realidade ainda não constituem uma escrita ou mesmo um auxílio gráfico, mas apenas desenhos no papel” (LURIA, 1988, p.156). Então, quando as crianças rabiscam, elas organizam os rabiscos de forma que possam lembrar facilmente o significado do que será representado pelos rabiscos. (GONTIJO, 2002, p. 17). Porém, por diversas vezes, as crianças organizam os rabiscos, ao serem remetidas a eles novamente não se lembravam mais de seus significados. As crianças imitavam o formato da escrita do adulto, produzindo apenas rabiscos mecânicos, sem nenhuma função instrumental, isto é, sem nenhuma relação com os conteúdos a serem representados. Obviamente este tipo de grafismo não ajudava a criança em seu processo de memorização. Ela não era capaz de utilizar sua produção escrita como suporte para a recuperação 23 da informação a ser lembrada. (OLIVEIRA, 2010, apud BORDIGNON, 2015, p. 26031). Para Luria (1988) nesse período do grafismo que se apresentam os primeiros sinais da escrita, mas que ainda não podem ser conhecidos como signos simbólicos, pois a criança nem sempre lembra os seus significados. Nesse período a escrita é imitativa, nessa fase não há o desenvolvimento da função mnemônica da criança e, portanto, esse grafismo realizado pela criança não a ajuda a lembrar do que ela fez. Ou seja, a criança é incapaz de “utilizar sua produção escrita como suporte para recuperação da informação a ser lembrada” (OLIVEIRA, 2010, p. 71). Pode ser deduzido que Luria faz um paralelo entre a pré-escrita da criança (rabiscos) e as primeiras tentativas de escrita da criança. Portanto, fica claro que a escrita é uma criação cultural e através dela o sujeito estabelece relações sociais. À medida que a criança estabelece relações externas com a escrita através da experiência, a escrita ganha sentido e é internalizada pelas mediações que vão ocorrendo. No decorrer desses processos, as funções psicológicas superiores se desenvolvem e os conceitos de uso cultural da escrita muitas vezes se apropria, mesmo que a criança não conheça o alfabeto.A criança estabelece uma relação com o mundo que a cerca desde o nascimento, seja de natureza física ou humana. É nas relações e interações com os sujeitos humanos que a criança se comunica desde o nascimento, inicialmente através de uma linguagem rudimentar (choro, resmungos, gestos, entre outras) que ganha um significado cultural e, nesses contextos, se apropria da aprendizagem e desenvolve a fala. Além disso, nesses espaços, a interação com os signos e seus significados na e através da cultura. Acompanhando o desenvolvimento da aquisição da escrita, a criança apresenta uma fase topográfica em que distribui registros, rabiscos e rabiscos no papel sem levar em conta o conteúdo das frases ditas, resultando no que Luria chama de 'marcas topográficas': “[...] essas marcas ainda não são signos, mas fornecem pistas rudimentares que poderão auxiliar na recuperação da informação” (OLIVEIRA, 2010, p. 73). Na fase topográfica da escrita, as crianças passam a associar a escrita às frases faladas. Como resultado, frases curtas são identificadas por marcações curtas, enquanto frases longas são identificadas por marcações longas. As marcas feitas por 24 uma criança no papel são os primeiros rudimentos que mais tarde levarão à escrita. (LURIA, 1988). Paralela à fase topográfica se desenvolve a fase pictórica, em que os desenhos têm a função simbólica, do que a criança deseja supostamente representar. “A fase pictográfica do desenvolvimento da escrita baseia-se na rica experiência dos desenhos infantis, os quais, em si mesmos, não precisam desempenhar a função de signos mediadores em qualquer processo intelectual” (DEMENECH, 2012, apud BORDIGNON, 2015, p. 26032). Dessa forma, o desenho toma a ocupação da palavra, e alguns elementos gráficos são incorporados aos registros da criança. Nessa fase, a criança passa a usar outros símbolos para representar sua escrita. Desenha e afirma estar escrevendo, e os desenhos passam a ser signo mediador e representam certo conteúdo, ou determinada coisa que a criança afirma que escreveu. “O desenho transforma-se, passando de simples representação para um meio, e o intelecto adquire um instrumento novo e poderoso na forma da primeira escrita diferenciada” (LURIA, 1988, p. 166). Assim, a escrita passa a ter para a criança valor simbólico. E outros elementos começam a aparecer nos registros de escrita como “número, forma, cor, são introduzidos e influenciam a escrita que se torna diferenciada e permite que a criança, pela primeira vez, leia o que escreveu” (COELHO, 2012, apud BORDIGNON, 2015, p. 26033). Quando a criança chega a esse estágio, ela dá um passo importante no processo de aprender a escrever como elemento cultural, passando a representar símbolos como números, letras e símbolos observados nas interações sociais e culturais. Dessa forma, à medida que a criança vai se desenvolvendo vai assimilando alguns conceitos referentes à relação da fala com a escrita e, assim, a escrita da criança começa a ter representação simbólica. Assim, a escrita realizada pela criança ”sai do nível da imitação mecânica para o status de instrumento funcionalmente empregado. Pode ocorrer que a criança utilize a escrita pictográfica como recurso, se ela não conhece as letras ainda” (COELHO, 2012, p. 68). No entanto, quando a criança consegue perceber a diferença entre desenhar e escrever passa a rejeitar a escrita pictográfica e busca grafar letras mesmo sem o domínio propriamente dito da escrita convencional (OLIVEIRA, 2010, p. 74). 25 Porém, ao acompanhar o desenvolvimento de crianças, observa-se que nem todas as crianças passam, prioritariamente pelas fases acima descritas. Atualmente, a maioria das crianças desde muito cedo está em contato com o mundo letrado, o que lhes permite construir memórias e percepções acerca do processo de aquisição da escrita sem que, muitas vezes, passem pelo processo descrito, conforme estudos realizados por Luria por volta dos anos de 1920. Isto ocorre porque atualmente as crianças ingressam mais cedo na escola, são alfabetizadas mais cedo e vivem em um meio que a presença da língua escrita é muito marcante. “Assim sendo, o sistema simbólico da escrita interfere antes e mais fortemente no processo de desenvolvimento da criança” (OLIVEIRA, 2010, apud BORDIGNON, 2015, p. 26033). Desse modo, a criança vai se desenvolvendo biológico e culturalmente, assimilando aspectos simbólicos e passando a compreender que a escrita enquanto representação da fala apresenta algumas especificidades de signos que tornam o processo de escrita melhor compreendido. 3.1 O papel da escola e do professor no processo do ensino e da aprendizagem da escrita pela criança Quando a criança inicia a escolarização é colocada em contato mais direto com o sistema de escrita que circula na sociedade. Assim, muitas informações acerca da elaboração e apropriação da escrita começam a fazer parte das atividades escolares. Desta forma, a criança vai se apropriando de alguns conceitos e regras que estruturam a escrita e passa a assimilar aspectos simbólicos e compreender que a escrita é a representação da fala e que para isso existem algumas especificidades de signos que tornam o processo de escrita melhor compreendido. É comum as crianças desenharem em diferentes suportes ao iniciarem o processo de escrita. Luria (1986, p. 173) ressalta que: O período de escrita por imagens apresenta-se plenamente desenvolvido quando a criança atinge a idade de cinco, seis anos; se ele não está claro e completamente desenvolvido nessa época é apenas porque já começou a ceder lugar à escrita alfabética simbólica, que a criança aprende na escola e às vezes mesmo antes. 26 Ainda, referindo-se ao desenvolvimento da escrita pela criança Luria (1986) enfatiza, [...] que o desenvolvimento da escrita na criança prossegue ao longo de um caminho que podemos descrever como a transformação de um rabisco não diferenciado para um signo diferenciado. Linhas e rabiscos são substituídos por figuras e imagens, e estas dão lugar a signos. Nesta sequência de acontecimentos está todo o caminho do desenvolvimento da escrita, tanto na história da civilização como no desenvolvimento da criança (LURIA, 1986, apud BORDIGNON, 2015, p. 26034). Sendo assim, acredita-se ser relevante a criança conhecer a história da escrita para as civilizações, enquanto marco evolutivo nas comunicações entre os povos, se apropriando assim de conhecimentos históricos, culturais e sociais que marcam a relação do homem com a natureza, entendendo natureza como tudo o que envolve os sujeitos nas mais diversas relações que este estabelece. O processo de ensino da escrita para as crianças exige que o professor conheça como ela se desenvolve, para assim, realizar mediações significativas para que a criança se aproprie do sistema de escrita alfabética considerando as experiências de letramento que este vivencia em seus contextos. É de fundamental importância que, desde o início, a alfabetização se dê num contexto de interação pela escrita. Por razões idênticas, deveria ser banido da prática alfabetizadora todo e qualquer discurso (texto, frase, palavra, “exercício”) que não esteja relacionado com a vida real ou o imaginário das crianças, ou em outras palavras, que não esteja por elas carregado de sentido (OLIVEIRA, 1998, apud BORDIGNON, 2015, p. 26034). Com base nos autores abordados, identifica-se que a escrita enquanto produção cultural do sujeito humano é construída a partir de necessidades destes de se comunicar com seus pares. “A escrita não é algo natural no desenvolvimento do ser humano, mas algo que se aprende dentro da cultura e, por isso, necessita do esforço de quem aprende e de quem ensina” (DUARTE, 2014, p. 4). Portanto, a escrita não é algo inato, mas apreendida e significada pelos sujeitos nas relações sociais que este vai estabelecendoao longo de seu desenvolvimento. Neste sentido, entende-se como fundamental que a escola, no seu fazer pedagógico, no tocante a aquisição dos processos da escrita, reveja seu fazer pedagógico. Pois, Até agora, a escrita ocupou um lugar muito estreito na prática escolar, em relação ao papel fundamental que ela desempenha no desenvolvimento 27 cultural da criança. Ensina-se as crianças a desenhar letras e construir palavras com elas, mas não se ensina a linguagem escrita. Enfatiza-se de tal forma a mecânica de ler o que está escrito que acaba-se obscurecendo a linguagem escrita como tal (VYGOTSKY, 1998, apud BORDIGNON, 2015, p. 26034). Vygotsky (1998) observa que existe diferença entre a apropriação da escrita e a linguagem escrita, uma vez que o ensino da linguagem escrita depende de um treinamento artificial. Tal treinamento requer atenção e esforços enormes, por parte do professor e do aluno, podendo-se, dessa forma, tornar fechado em si mesmo, relegando a linguagem escrita para segundo plano. Nessa perspectiva, o processo de aquisição da escrita pela criança necessita ser compreendido a partir de contextos culturais e históricos de desenvolvimento e inserção dos sujeitos humanos. Assim, como o sujeito não nasce pronto, mas se constrói humano nas relações que estabelece com os membros de sua espécie, também a escrita não é um processo nato no sujeito, mas construída nas relações dos sujeitos humanos em situações concretas que envolvem a escrita. 3.2 O papel do sujeito no processo de aquisição da escrita Considerando-se o processo de aquisição da língua escrita como um processo de aquisição de conhecimento, são necessárias algumas reflexões sobre a teoria de Piaget. Segundo Piaget (1972), o conhecimento não nasce com o indivíduo; o que lhe é inato é a capacidade de conhecer, de aprender, de desenvolver qualquer área do conhecimento. Por causa dessa capacidade inata e através da ação do sujeito sobre o objeto é que o indivíduo constrói o seu conhecimento. Sendo esse conhecimento resultado de uma construção, jamais será absoluto, pois se encontra em um processo de elaboração contínua. O “sujeito cognoscente” da teoria piagetiana se revela no processo de aquisição da língua escrita. Esse sujeito descrito por Piaget é aquele que não espera que alguém lhe transmita o conhecimento, ele aprende por intermédio de suas ações sobre os objetos do mundo que o cerca. Fazendo isso, constrói suas próprias categorias de pensamento enquanto organiza seu mundo. 28 Assim, o sujeito cognoscente é a criança em fase de aquisição da escrita, e o objeto de conhecimento é a língua escrita. A criança i estudada é aquela que: [...] procura ativamente compreender a natureza da linguagem que se fala à sua volta, e que, tratando de compreendê-la, formula hipóteses, busca regularidades, coloca à prova suas antecipações e cria sua própria gramática. [...] aparece uma criança que reconstrói por si mesma a linguagem, tomando seletivamente a informação que lhe provê o meio. (FERREIRO, 1999, apud CUNHA, 2004, p. 27). A aprendizagem acontece, segundo a teoria piagetiana, por intermédio de um processo de equilibração, no qual estão envolvidos esquemas de assimilação, reorganização e acomodação que o sujeito possui. Todo estímulo externo recebido pela criança será transformado de acordo com seus “esquemas de assimilação”, será reorganizado e acomodado na busca de uma equilibração entre o novo e o já existente, o que torna o processo de aprendizagem subjetivo, sendo a criança o centro desse processo. O sujeito da aprendizagem não espera por instruções para começar a interagir com o seu entorno. A criança, quando entra para a escola, já possui uma série de concepções sobre a língua escrita, pois o mundo está carregado de informações escritas com as quais ela se relaciona o tempo todo. No entanto, é no ambiente escolar que ela vai testar suas hipóteses sobre a língua escrita e adquiri-la de forma mais estruturada. Segundo Piaget (1978), a aquisição do conhecimento não acontece de maneira linear, ou seja, um passo depois do outro, ela se efetua de forma global, através de grandes reestruturações. Durante esse processo de reestruturação muitas vezes chega-se a um resultado “errôneo”, no entanto, o processo como um todo é sempre “construtivo”. A ideia de “erro construtivo”, segundo Ferreiro e Teberosky (1999), é de fundamental importância para o processo de aprendizagem. Particularmente no que se refere à aquisição da língua escrita, pode-se observar, através dos tipos de “erros” cometidos pela criança, os processos pelos quais ela está passando para adquirir a escrita. Para o professor, é fundamental saber quais etapas são mais facilmente superáveis e quais causam maiores dificuldades nessa aquisição, podendo, até mesmo, transformarem-se em problemas permanentes nas produções escritas do aluno. 29 Segundo a teoria piagetiana, o objeto do conhecimento só está compreendido quando o sujeito é capaz de reconstruí-lo, quando tiverem entendido quais são suas leis de composição. A criança só terá efetivamente adquirido a escrita no momento em que for capaz de manuseá-la nas suas mais variadas possibilidades, não a associando mais diretamente à língua falada, mas utilizando-a como um objeto único, independente, que pode ser construído e reconstruído a cada momento, de acordo com suas próprias características e regras de composição. Assim como Piaget, Vigotski (2000) também afirma que o sujeito é ativo no processo de aquisição do conhecimento. Para este autor o indivíduo adquire o conhecimento através da sua inserção na vida social e cultural do ambiente em que vive. Isso ocorre através de relações interpessoais (interpsicológicas) que se transformam em relações internas (intrapsicológicas). No entanto, esses dois autores divergem quanto ao modo como ocorre a internalização do conhecimento. Enquanto Piaget diz que o conhecimento surge diretamente da ação do sujeito sobre o objeto, Vigotski afirma que o processo do conhecimento necessita de uma mediação entre o sujeito e o objeto, ou seja, a relação do homem com o mundo não é uma relação direta, mas fundamentalmente mediada. De acordo com essa afirmação de Vigotski, pode-se dizer que os momentos de experimentação, de “erros” e “acertos”, são extremamente importantes para o progresso do conhecimento da criança. Esses momentos devem ser detectados pelo professor para que ele possa efetivamente ajudar o aluno, pois o papel da intervenção pedagógica é o de uma relação mediadora entre o sujeito e o objeto na construção do conhecimento. 3.3 A relação entre a linguagem oral e a aquisição da escrita Embora se tenha dito que, no começo da aquisição da escrita, a linguagem oral serve de referencial para a criança, não se pode ignorar que o desenvolvimento da fala é diferente do desenvolvimento da escrita. A escrita exige um nível de abstração por parte da criança muito maior do que a fala. Ao aprender a escrever, a criança precisa se desligar do aspecto sensorial da fala e substituir palavras por imagens de palavras. Uma fala apenas imaginada, que exige a simbolização de imagem sonora por meio de signos escritos (isto é, um segundo grau de representação simbólica), deve ser 30 naturalmente muito mais difícil para a criança do que a fala oral. (VIGOTSKI, 2000, apud CUNHA, 2004, p. 30). A linguagem oral é uma capacidade inata do ser humano e se desenvolve naturalmente na criança, além do que a fala tem uma função prática de comunicação, enquanto que a escrita possui um interlocutor imaginário ou ausente. A fase de aquisição da escrita deve ser acompanhada pelo professor com muita atenção, pois ela é um marco no desenvolvimento da criança. Conforme Vigotski (2000, p.124) “a escrita exige um trabalho consciente” tanto no que se refere à construção da forma escrita(da gramática), como à construção do significado do texto (da semântica). Ao adquirir consciência da produção escrita, a criança também eleva o seu nível de desenvolvimento da fala. Antes de dominar a língua escrita a criança já domina a língua falada, e é esta que ela vai usar como objeto de comparação para a aquisição daquela. Segundo Kato (2001, p.10): “a percepção das propriedades de um objeto torna-se mais fácil quando o confrontamos com outro objeto de natureza semelhante”. Ao confrontar a língua escrita com a língua falada é absolutamente natural que a criança, no início do processo de aquisição da escrita, tenha tendência a escrever sem segmentações e que somente aos poucos, ao longo desse processo, comece a segmentar. De acordo com Kato (2001), a fala é uma cadeia contínua de sinais acústicos, ela não é segmentada em unidades linguísticas. Quem ouve é que reestrutura esta cadeia sonora em unidades psicologicamente significativas. Esse processo acontece de forma inconsciente, somente quando passa pelo processo de aquisição da escrita é que a criança toma consciência desse fato. A escrita faz com que ela reflita sobre a língua, e é nesse momento que começa a perceber, conscientemente, que a escrita não é um espelho da fala, como diz Cagliari (2002). 3.4 A segmentação da escrita No começo da aquisição da língua escrita é muito mais comum à criança entender a palavra como um enunciado do que como uma unidade gramatical ou semântica, por isso a maior tendência à hipossegmentação. A segmentação só começa a acontecer com o desenvolvimento do processo da escrita. 31 Dizemos que ao escrever separamos as palavras. Seria mais adequado dizer que a escrita define a unidade ‘palavra’, já que a escrita nos oferece a melhor definição prática (não teórica) de ‘palavra’: conjunto de letras separadas por espaços em branco. (FERREIRO, 1996, apud CUNHA, 2004, p. 30). Apesar de as autoras considerarem como uma das melhores a definição dada acima sobre a unidade “palavra”, elas fazem, logo a seguir, a reflexão de que existem “zonas de flutuação, incerteza ou oscilação na definição dentro da mesma língua”. Elas usam como exemplo, no português, as palavras antes de ontem e anteontem, que carregam a mesma ideia conceitual, mas que são escritas de maneiras diferentes, com uma ou com três palavras gráficas. Essa “flutuação” também pode ser um dos fatores que dificulta a segmentação das palavras para a criança. Para Ferreiro e Pontecorvo (1996), a noção de “palavra” é instável para a criança pré-alfabetizada, podendo significar um fragmento do enunciado, o enunciado completo ou ainda letras isoladas. A segmentação lexical começa a sistematizar-se quando a criança entra para a escola. As autoras verificam que nesse período é mais fácil a criança identificar, como palavras, os substantivos, os verbos e os adjetivos, ficando as demais classes gramaticais, principalmente os artigos, conjunções, preposições e outros elementos de ligação, como uma “não palavra”. Quando a criança não reconhece algum segmento como palavra, a tendência natural é que associe esse segmento àquele que reconhece como tal, aparecendo, portanto, uma grande incidência de hipossegmentações. Pode-se, consequentemente, verificar uma elevada tendência à construção de “palavras fonológicas” e “grupos clíticos”. No entanto, Ferreiro e Pontecorvo (1996, p.61) constatam que “as mesmas sequências que produzem a maior parte dos problemas de hipossegmentação são também as que produzem a maior parte dos problemas de hipersegmentação”. Isso aconteceria devido à instabilidade da conceituação por parte da criança do que é “palavra” e de seus limites. Enquanto algumas unem o clítico à palavra adjacente (1.a), outras, ao identificarem sequências semelhantes dentro de uma palavra, as separam (1.b). (1) a) de repente > derepente em cima > emcima b) demais > de mais embora > em bora. (Cunha, 2004). 32 Ferreiro e Pontecorvo (1996, p.64) concluem dizendo que “a escrita das crianças parte de formas unidas (em geral, segundo critérios gráficos e sintáticos) e evolui para uma segmentação cada vez mais completa”. As autoras também consideram importante que seja levado em conta, nos textos infantis, qual a noção de palavra gráfica na língua estudada. 4 A LEITURA E SUA FUNÇÃO Fonte: parentalidadedigital.com A leitura serve ao propósito de levar o indivíduo a descobrir novos mundos, a interpretar a escrita de forma sistematizada e conclusa. A leitura é essencial para a inserção do ser humano na sociedade, o incentivo à leitura começa muito cedo na infância, onde a criança começa a descobrir o mundo da imaginação e descobertas. O indivíduo que não busca por compreender a escrita, se fecha e se torna prisioneiro em si. Entretanto, a leitura é libertadora, a partir do momento que a mesma passa a ser realizada de maneira reflexiva. Bamberger (2002, p. 32) explica que “A leitura impulsiona o uso e o treino de aptidões intelectuais e espirituais, como fantasia, o pensamento, à vontade, a simpatia, a capacidade de identificar etc.”. Difere, naturalmente, a situação de interpretação temporária, ou seja, de identificação das letras sem assimilação. Vale 33 destacar que o indivíduo tem habilidade de abrir janelas imaginarias, para um contato com o mundo. Sua função formal é de levar, ou receber informações, porém, vai além da imposição científica. É preciso entender que a função da leitura está no ser humano como o mesmo está para a leitura, ou seja, existe todo um processo de leitura da vida no mundo e do mundo na vida. Segundo Foucambert (1994, p. 30). Ser leitor é querer saber o que se passa na cabeça de outro, para compreender melhor o que se passa na nossa. Essa atitude, no entanto, implica a possibilidade de distanciar-se do fato, para ter dele uma visão de cima, evidenciando um aumento do poder sobre o mundo e sobre si por meio desse esforço teórico. Ao mesmo tempo, implica o sentimento de pertencer a uma comunidade de preocupações que, mais que um destinatário, nos faz textos, seja um manual de instruções, seja um romance, um texto teórico ou um poema. (FOUCAMBERT,1994, apud COELHO, 2016, p. 4). Por se tratar aqui de uma discussão teórica da importância da leitura na Educação Infantil, podemo-nos afastar da questão da relação com a formalidade dos textos literários. Mas, precisamente nesse sentido é importante à maneira pela qual todo o ânimo humano recebe o impacto de uma determinada relação com a descoberta de novos horizontes para com a própria natureza aventureira do Homem. Contudo, necessário de complemento para que a indicação da importância da desvinculação da leitura formal para a informalidade está na leitura pelo prazer em detrimento da leitura compulsória, ou obrigatória. Não restam dúvidas quantos ao caráter e função da leitura formal. A reflexão sobre o ensino e estimulo da leitura no ambiente escolar é de extrema importância. O mundo contemporâneo com a escrita espalhada em todos os espaços é exemplo da importância do conhecimento. Silva (2003) destaca que a leitura faz parte de um processo continuo que muda a vida do indivíduo, é um caminho onde o arrastara a libertação e a obter um escudo contra o processo de alienação. O horizonte e perspectivas existem em conjunto e de certa forma não sofrem segregação. O hábito de leitura estimula a capacidade criadora, multiplica o vocabulário, simplifica a compreensão do que se lê, facilita a escrita, melhora a comunicação, amplia o conhecimento, acrescenta o senso crítico e ajuda na vida profissional. O contato com a leitura deve começar desde a tenra idade quando as crianças estão mais flexíveis com a curiosidade aguçada. Assim como diz Mello (2010) 34 a criança desde o berçário pode ter uma relação com o objeto chamado livro, que são cheios de significado.5 PRINCIPAIS ASPECTOS DO DESENVOLVIMENTO DA LEITURA Fonte: quindim.com.br No século anterior, diversos educadores aquiesciam que o ensino formal da leitura começava no primeiro ano do ensino fundamental, período em que a educação infantil preparava os alunos para a escolarização futura. Atualmente, a chamada leitura emergente destaca atividades típicas da noção de preparação, como o desenvolvimento de funções básicas. Tal abordagem pressupõe que aprender a ler não tem uma sequência definida, assim como não tem um ponto de partida real. (ALLIENDE & CONDEMARÍN, 2005). 5.1 Considerações iniciais: objetivos e fatores que influenciam o desenvolvimento da leitura As principais proposições da leitura emergente elencadas por Alliende & Condemarín (2005): - O conceito do letramento evolutivo é mais apropriado para descrever o que tradicionalmente se denominou preparação para a leitura, já que a criança não se envolve meramente como leitor, mas como leitor/escritor. - A leitura se desenvolve dentro do contexto das atividades da vida real; 35 - As crianças aprendem a linguagem escrita por meio de atividades que o comprometem com seu mundo; - As crianças se tornam letradas por meio de um nível muito amplo de conhecimentos, de disposições e de estratégias; - Mesmo que a aquisição da leitura possa ser descrita por meios de etapas gerais, as crianças adquirem a leitura e a escrita com diferentes ritmos e mediante uma variedade de caminhos. (ALLIENDE, 2005, apud GAIARDO, 2014, p. 11). Alliende e Condemarín (2005) aduzem que é relevante envolver as crianças desde cedo em um ambiente letrado, fornecendo à criança a oportunidade de interpretar a linguagem escrita do texto. Dessa forma, a leitura é melhor desenvolvida quando ocorre em uma sala de aula com uma pluralidade de estímulos de linguagem oral e escrita, permitindo a criação de experiências informativas que permitem às crianças ouvir, ver, descrever, expressar sentimentos e pensamentos. Além disso, o uso de textos autênticos da sala de aula e do ambiente próximo, estimula a capacidade natural das crianças de elaborar perguntas relacionadas ao mundo ao seu redor. Então é indicado a utilização de catálogos, cartazes, anúncios, receitas, embalagens, correspondências, entre outras coisas. Por outro lado, o trabalho do professor pode ser aprimorado com a utilização de livros, manuais, cadernos infantis ou softwares educativos, que muitas vezes são acompanhados de sugestões metodológicas. A aprendizagem da leitura pode ser entendida como sendo um processo integrado por quatro fases, determinadas pela necessidade de sistematizar a informação, sendo: leitura emergente, leitura inicial, leitura nas séries intermediárias e leitura avançada. (ALLIENDE, 2005, apud GAIARDO, 2014, p. 11). É necessário ressaltar que os alunos necessitam de espaço para selecionar suas leituras, levando em conta suas necessidades, preferências pessoais e seus níveis de leitura. Além disso, eles devem possuir um horário no qual a leitura possa ocorrer sem interrupções. A competência na leitura do aluno é classificada por Betts apud Alliende & Condemarín (2005) em três níveis, com seus correspondentes critérios: Nível independente: onde a criança pode ler o material de forma independente com fluência, precisão e compreensão; Nível instrucional: onde a criança pode ler o material com leitura guiada ou apoiada; 36 Nível de frustração: onde a criança não está pronta para ler o material e mostra um padrão de frustração quando tenta fazê-lo. Segundo Alliende e Condemarín (2005), o objetivo primordial da leitura é levar a compreensão da linguagem escrita, que envolve um processo de pensamento multidimensional que há na interação entre o leitor, o texto e o contexto. Nesse sentido, é indispensável que o leitor conecte seus conhecimentos anteriores com as novas informações fornecidas pelo texto. Para eles, é essencial que a criança esteja atenta às interações que faz na comunicação com a linguagem escrita, bem como desenvolve estratégias naturais para trabalhar com informações gráficas, sons, semântica e sintática. A prática pedagógica quotidiana permite-nos afirmar que, nesta situação, o professor deve estar atento à necessidade de conhecer as preferências de leitura dos seus alunos, com o objetivo de lhes programar materiais relacionados aos temas. Outro fato importante a ser mencionado é a importância da inclusão da comunidade, principalmente da família, no incentivo à leitura de crianças e jovens. Jolibert et al. (1994), ao abordar sobre o papel dos pais em ensinar seus filhos a ler, é orientado por eles que modificar de forma abrupta os métodos de ensino nunca simplifica o relacionamento com os pais dos alunos. De acordo com esses autores, além de alguns pais informados, dispostos a mudar, e pais que acreditam na escola como um veículo que pode motivar seus filhos, os pais em sua maior parte se sentem angustiados diante da incerteza sobre as perspectivas futuras da escola e do profissionalismo de seus filhos , confusos pelos "métodos modernos" não possuirem mais os critérios de sua escola anterior, preocupados ante o que eles vivenciam amiúde como a tolerância excessiva dessa nova escola na qual “as crianças só fazem o que querem”, onde “só brincam”, entre outros. Ao mesmo tempo, é preciso reconhecer que os professores que tentam mudar seus caminhos, às vezes, ficam inseguros e hesitantes diante do que estão vivenciando pela primeira vez, como críticas dos pais, aplicação de postura tensa ou defensiva. É importante que os pais ensinem aos seus filhos que é muito importante para eles lerem uma história ou um álbum de literatura infantil, incentivando-os a dizer o que imaginam que acontecerá na próxima página. 37 Os pais são também correspondentes privilegiados, nossos parceiros regulares enquanto destinatários dos escritos da aula ou da escola: cartas ou cartazes informativos, convites, jornal escolar, pedidos de receitas, de material ou manuais de uso lhes são endereçados: inversamente, pedimos a eles, sempre que possível, e desde que não seja artificial, que nos respondam por escrito, que ponham à nossa disposição qualquer documentação suscetível de nos interessar, etc. (JOLIBERT et al., 1994, apud GAIARDO, 2014, p. 11). No entanto, sabemos que nem todos os pais estão igualmente envolvidos na escola e no sucesso acadêmico de seus filhos, e os professores devem encontrar maneiras de permitir que todos encontrem um lugar onde se sintam confortáveis e engajados Bamberger (1987) orienta que nos anos iniciais de leitura, todos os livros devem ser impressos em letras grandes para garantir movimentos oculares fáceis e corretos. Da mesma forma, maior espaçamento entre linhas pois a separação de texto exerce um efeito positivo no desejo de ler. Segundo Bamberger (1987, p. 50) as ilustrações de livros infantis são duplamente atraentes para iniciantes e maus leitores: “elas ornamentam o texto, estimulam o interesse e dividem o livro de modo que a criança possa virar as páginas com frequência e ter a impressão de estar lendo depressa”. 6 O CENÁRIO ATUAL DA ALFABETIZAÇÃO NO BRASIL Fonte: novaprint.com.br 38 O fracasso escolar é um problema que vem sendo constantemente debatido no cenário da educação brasileira. Os índices de baixa proficiência de leitura e escrita dos alunos nos anos iniciais têm assustado toda a sociedade, no entanto, o que tem mais preocupado nos últimos anos é o fato de crianças saírem do ensino fundamental sem conseguirem dominar adequadamente o sistema de escrita alfabética. Nessa perspectiva, Morais (2012, p. 21) ressalta que: “[...] num sistema escolar tão excludente como o brasileiro, o fracasso na “série de alfabetização”, isto é, logo no primeiro ano do ensino fundamental, tornou-se a principal marca de ineficiência de nossa escola”.
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