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27 TÓPICO 2 — UNIDADE 1 PANORAMA HISTÓRICO DOS MÉTODOS DE ALFABETIZAÇÃO NO BRASIL REPUBLICANO 1 INTRODUÇÃO Atualmente, a questão sobre qual é melhor método para se alfabetizar tem acalorado debates. Essa não é uma discussão atual, mas se intensiva à medida em que as ações alfabetizadoras do país parecem não darem conta das necessidades de aprendizagem das crianças. A oposição feita entre os métodos sintáticos e analíticos, em que um é superado pelo outro, foi transpassada por um entendimento equivocado surgido na década de 1990 de que não era necessário método para se alfabetizar. No bojo dessas considerações, entendemos que, conhecer a história da alfabetização brasileira, dos métodos e dos resultados que têm sido alcançados, permitirá a todo professor lançar luz à práxis pedagógica e construir sua didática com uma intencionalidade clara. Acadêmico, continue a leitura desse material pautando-se no seguinte pensamento: "Se queres conhecer o passado, examina o presente que é o resultado; se queres conhecer o futuro, examina o presente que é a causa." Confúcio. 2 A ALFABETIZAÇÃO NO BRASIL DE 1889 a 1930 – A VELHA REPÚBLICA Com foi possível entrevermos pelos estudos passados, o ensino das primeiras letras à população passou a ter maior atenção governamental e a ganhar uma organização mais institucionalizada poucas décadas antes da Proclamação da República, em 1889. Esse fato deve-se, em grande parte, pelo tipo de colonização ocorrida no Brasil: com caráter de exploração e não de desenvolvimento. Os investimentos mais sistematizados na alfabetização e a criação do sistema público de ensino se fizeram presentes apenas quando eles passaram a importar para o avanço econômico do país, sem, contudo, deixar de privilegiar a manutenção do status quo social. Diante dessa realidade, a alfabetização brasileira foi também, muito fortemente, marcada por embates metodológicos. Debates no âmbito acadêmico devem sempre ser encarados como oportunidade de aprofundamento das pesquisas, tendo em vista que nenhum conhecimento científico é inacabado. Chamamos a atenção para a distinção entre os termos embate e debate, dentro https://www.pensador.com/autor/confucio/ 28 UNIDADE 1 — LÍNGUA ESCRITA: HISTÓRIA, PROBLEMA E INVESTIGAÇÃO do nosso contexto: um remete a choque de ideias, outro à problematização; um torna-se sem proveito, outro produz crescimento; um tem fim ideológico, outro, nas necessidades de aprendizagem dos estudantes. No primeiro período do Brasil republicano, intelectuais e educadores iniciaram essa discussão que, ainda hoje, no século XXI, não foi concluída. Retomando um pouco as leituras que tivemos, é possível identificar nos períodos históricos expostos que em 389 anos do ensino da língua escrita no Brasil, foram aqui adentrados alguns métodos de alfabetização, chamados de Sintéticos, por iniciarem o processo de aprendizagem das menores unidades textuais para as maiores, ou "das partes para o todo", como comumente se diz: letra > sílaba > palavra > frase > texto. Abordaremos nesse tópico mais pormenorizadamente, os três tipos de métodos sintáticos, para então, fazermos um contraponto com os métodos analíticos que se expandiram na República, no tópico seguinte. 2.1 OS MÉTODOS SINTÉTICOS Acadêmico, é muito importante que você se exponha à compreensão dos conhecimentos que compartilharemos agora como um pesquisador que explora diferentes dimensões do objeto de estudo, a fim de alcançar seu objetivo final. Com a disciplina de Fundamentos e Metodologias da Alfabetização e do Letramento temos por grande meta, que você se forme um bom professor alfabetizador e não como um mero aplicador de métodos sem uma intencionalidade pedagógica clara. Para tanto, estude sobre os métodos de alfabetização não como receitas a serem aplicadas, mas analisando-os criticamente, sabendo de antemão que, a ação docente antecede ao método e a necessidade de aprendizagem do aluno inspira a ação docente! IMPORTANT E 2.1.1 Método de Soletração ou Alfabético Originado na Grécia Antiga, chegou ao Brasil pelas Cartas do ABC, no século VI. Ainda no século XX era muito usado. O Método João de Barros, preferido pelos jesuítas, apresenta certos traços do Soletração. Incluído na categoria de método sintético, ou seja, aqueles que parte das unidades menores para as maiores unidades da língua - letras, sílabas, fonemas - o método de soletração é o mais antigo dos métodos. Por meio dele, o aluno é conduzido a aprender os nomes das letras e sua forma escrita. Posteriormente, a ordem alfabética é exaustivamente trabalhada. Na sequência, o aluno é levado a unir as letras e a organizá-las em diferentes posições a fim de que, memorizados esses arranjos, a criança possa identificá-los em palavras, a partir da soletração. TÓPICO 2 — PANORAMA HISTÓRICO DOS MÉTODOS DE ALFABETIZAÇÃO NO BRASIL REPUBLICANO 29 Por esses termos, o professor ensina o aluno a soletrar as letras, associando- as à sua representação visual e, por conseguinte, ao som que ela produz nas palavras. O aspecto satisfatório desse método é que a identificação das letras é o básico para aprender a ler e a escrever, porém, esse método mostra-se bastante exaustivo e moroso, uma vez que para que a criança alcance o objetivo principal do trabalho, ela passa por muitos processos desassociados do contexto da leitura, e especialmente, do seu uso social. Observe alguns materiais usados em muitas salas de aula inspirados no método de soletração: FIGURA 13 – MURAL DO ALFABETO FONTE: <https://thecakeboutiquect.com/>. Acesso em: 3 maio 2021. Ter sempre aos olhos a grafia correta das letras favorece o aprendizado da criança, à medida em que ela pode consultá-lo sempre que tiver dúvidas. No entanto, até a construção da base alfabética, ou seja, até que criança tenha compreendido a relação grafo-fonêmica do sistema alfabético de escrita e avançado em habilidades de leituras, a apresentação da letra cursiva pode não ser tão positiva, uma vez que desfavorece a discriminação visual dos traçados. FIGURA 14 – FORMAÇÃO DA SÍLABA PELO MÉTODO DE SOLETRAÇÃO FONTE: <https://bit.ly/3oElV2X>. Acesso em: 3 maio 2021. 30 UNIDADE 1 — LÍNGUA ESCRITA: HISTÓRIA, PROBLEMA E INVESTIGAÇÃO Veremos na próxima unidade que, enquanto a criança se alfabetiza ela elabora hipóteses que se constituem em processos importantes para o aprendizado da língua escrita. Nesses processos a consciência fonêmica (o som que cada letra representa) é construída. O uso de materiais semelhantes à Figura 14 podem interferir no amadurecimento do alfabetizando diante da escrita, numa perspectiva psicogenética, por isso, seu uso deve ser avaliado. Aprofundaremos mais sobre a teoria psicogenética da língua escrita na Unidade 2. 2.1.2 Método Silábico Esse método chegou ao Brasil por meio da Companhia de Jesus, conhecido como Método João de Barros, o primeiro material impresso para alfabetização. O objetivo funda-se na memorização e repetição de uma aprendizagem prioritária da leitura tomando-a apenas como o ensino de uma técnica de decifração de um elemento gráfico em um elemento sonoro, crença de que ensinando a codificação e decodificação, a criança aprendia a ler [...] (VIEIRA, 2017, p. 65). O método silábico prioriza o ensino das sílabas, por considerá-la a unidade principal da língua, uma vez que, ao falarmos, pronunciamos sílabas e não letras isoladas. Na prática, o professor inicia apresentando as vogais e formando os encontros vocálicos, por serem considerados mais fáceis. Avançando na estratégia, começa-se o trabalho com as sílabas simples, formadas de uma consoante e uma vogal, o padrão CV (consoante + vogal). Estas são chamadas sílabas canônicas. Na perspectiva do método, o aprendizado ocorre das unidades mais simples para as mais complexas. As sílabas simples são apresentadas por meio de famílias silábicas (BA - BE - BI - BO - BU), seguindo a ordem alfabética, para que então, a criança avance no aprendizadodas chamadas "dificuldades", sílabas não canônicas, de distintos padrões: VC - CCV - V - CVC. Veja alguns materiais pautados no método silábico: TÓPICO 2 — PANORAMA HISTÓRICO DOS MÉTODOS DE ALFABETIZAÇÃO NO BRASIL REPUBLICANO 31 FONTE: <https://br.pinterest.com/pin/771171136181631004/>. Acesso em: 4 maio 2021. Até 2009, as letras K, W e Y eram consideradas estrangeiras e não incorporadas ao alfabeto brasileiro. A Imagem apresenta a sequência alfabética antiga, em que essas letras eram apresentadas posteriormente. FIGURA 15 – CARTAZ UTILIZADO NO MÉTODO SILÁBICO 32 UNIDADE 1 — LÍNGUA ESCRITA: HISTÓRIA, PROBLEMA E INVESTIGAÇÃO FONTE: <https://bit.ly/3kYVmTy>. Acesso em: 4 maio 2021. O grande problema desse método é a ênfase na memorização, na reprodução e na construção de palavras e frases desassociadas do cotidiano. 2.1.3 Método Fônico Em 1880, Hilário Ribeiro, gaúcho, professor da Escola Normal de Porto Alegre, torna-se autor do primeiro material brasileiro de alfabetização, a Cartilha Nacional, de abordagem fônica, baseada em estudos franceses e alemães, do século XVIII. A publicação da Cartilha Nacional se deu no âmbito do final do Império, a partir de um incentivo governamental a professores que produzissem materiais de alfabetização que pudessem reduzir os custos com a importação de recursos para subsidiar as aulas nas seriadas e numerosas classes organizadas em conformidades com o Método Lancaster (MACIEL, 2003; VIEIRA, 2017). O Método Fônico prediz que o ensino das primeiras letras deve-se iniciar pelas vogais, partindo, então para as consoantes, privilegiando a compreensão fonêmica, ou seja, o som que cada letra produz. Somente após diversos exercícios FIGURA 16 – ATIVIDADE ELABORADA COM O MÉTODO SILÁBICO TÓPICO 2 — PANORAMA HISTÓRICO DOS MÉTODOS DE ALFABETIZAÇÃO NO BRASIL REPUBLICANO 33 a fim de consolidar a relação fonema/grafema, a criança passa à identificação silábica e, posteriormente, para a leitura de palavras simples, principalmente que explorem o mesmo fonema. Diante da rapidez propiciada por essa escolha metodológica na aquisição das habilidades de codificar e decodificar os símbolos alfabéticos, ou seja, da capacidade técnica de ler e escrever, o Método Fônico foi considerado um grande sucesso, sendo até hoje usado, estudado e defendido por muitos educadores. Uma das maiores referências de materiais do método fônico é o livro Caminho Suave, publicado no Brasil pela primeira vez em 1948 e excluído do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), em 1996. A imagem a seguir, apresenta uma das propostas contidas no livro: FIGURA 17 – ATIVIDADE DO LIVRO CAMINHO SUAVE FONTE: <https://bit.ly/3irzDlL>. Acesso em: 4 maio 2021. A atividade ilustra o privilégio dado ao trabalho com a letra V e seu fonema. Para isso, são usados recursos como uma imagem em que o nome se inicia com esse fonema, um pequeno texto, lista de palavras e as cominações da letra em questão com as vogais. Observe alguns exemplos de materiais baseados no Método Fônico: 34 UNIDADE 1 — LÍNGUA ESCRITA: HISTÓRIA, PROBLEMA E INVESTIGAÇÃO FIGURA 18 – ATIVIDADES BASEADAS NO MÉTODO FÔNICO FONTE: <https://bit.ly/2Y21QYV>. Acesso em: 7 maio 2021. Uma das principais críticas dirigidas a esse método de alfabetização refere- se à impossibilidade de que um fonema que aparece na corrente da fala de forma contextualizada seja pronunciado sem apoio de uma vogal. Além disso, na língua portuguesa, há poucas relações biunívocas (termo a termo) entre letras e sons, pois uma mesma letra pode representar diferentes sons, segundo sua posição, e um mesmo som pode ser representado por diferentes letras, também segundo sua posição. Assim, o sistema de escrita é uma representação complexa e suas propriedades precisam ser compreendidas pelo aprendiz, por meio de diversas abordagens e estratégias (FRADE; VAL; BREGUNCI, 2014, on-line). Em contrapartida, um dos argumentos dos educadores que defendem o uso do Método Fônico é o seu respaldo na Ciência Cognitiva da Leitura, uma área de estudo que envolve conhecimentos dos campos da Psicologia Cognitiva, da Neurociência Cognitiva e da Linguística. De acordo do Dehaene (2012), a eficácia do Método Fônico se justifica pela sua compatibilidade com o modo como o cérebro processa as aprendizagens relacionadas com a leitura e a escrita. Isso torna-se possível em razão da reciclagem neuronal e do reconhecimento das invariâncias das letras que se processam na região occipto-temporal do cérebro. No Brasil, uma das proeminentes pesquisadoras desse método é a linguista Leonor Scliar- Cabral, professora emérita da Universidade Federal de Santa Catarina. TÓPICO 2 — PANORAMA HISTÓRICO DOS MÉTODOS DE ALFABETIZAÇÃO NO BRASIL REPUBLICANO 35 Caro acadêmico, neste subtópico expusemos os métodos sintéticos que viabilizaram a alfabetização brasileira nos períodos colonial e imperial. Estes métodos também se alongaram após a Proclamação da República, porém, coexistindo com os Métodos Analíticos, que surgiram com o objetivo de superar as deficiências dos anteriores diante das novas necessidades educacionais demandas pela sociedade da época. A partir de agora, nos dedicaremos à apresentação dos métodos agrupados como analíticos e consideraremos sobre as implicações sociais e pedagógica fomentadas nesse contexto. 3 OS MÉTODOS ANÁLITICOS E O INÍCIO DAS DISCUSSÕES METODOLÓGICAS NA REPÚBLICA De acordo com a pesquisa de Melo e Pezzato (2019), a educação brasileira no período da Velha República (1889 a 1930), alicerçada no pensamento positivista, possuía um caráter utilitário, pragmático e racional. No campo da alfabetização, o pensamento didático-pedagógico foi influenciado por teorias científicas que ganharam maior destaque com a expansão dos ideais iluministas. Nesse contexto, os métodos sintéticos começaram a ser considerados arcaicos e pouco eficientes frente ao novo cenário econômico e social mundial no qual o Brasil buscava se consolidar. Assim, os antigos métodos passaram a ser refutados por muitos professores e progressivamente substituídos por outros mais modernos, nomeados como analíticos. Neles, a leitura e a escrita eram trabalhados de forma simultânea e o tempo de alfabetização era mais dinamizado em função disso. Métodos Analíticos são a aqueles que norteiam o início do processo de alfabetização partindo das maiores unidades da língua: palavras, frases ou textos. Esses métodos privilegiam a compreensão do sentido textual, para então, envolver o aluno no trabalho grafo-fonêmico da língua, ou seja, levá-lo-ão entendimento do valor sonoro das sílabas e letras. Acadêmico, retornaremos à discussão sobre o método fônico e a Psicologia Cognitiva na próxima unidade. Entretanto, indicamos a leitura do artigo do professor Dehaene (2013) a fim de elucidar alguns conceitos. Acesse pelo link: https://bit.ly/2YhvOZs. ESTUDOS FU TUROS 36 UNIDADE 1 — LÍNGUA ESCRITA: HISTÓRIA, PROBLEMA E INVESTIGAÇÃO Segundo Carvalho (2005), A fundamentação teórica desses métodos é a psicologia Gestalt ou psicologia da forma: a crença segundo a qual a criança tem uma visão sincrética (ou globalizada) da realidade, ou seja, tende a perceber o todo, o conjunto, antes de captar os detalhes (CARVALHO, 2005, p. 32). A primeira expressão do método analítico no Brasil ocorreu poucos anos antes da mudança no modelo governamental, em 1876, com a publicação da Cartilha João de Deus, conhecida também como Cartilha Maternal, pelo professor de Língua Portuguesa e positivista militante Antônio da Silva Jardim. Na República, o método ganhou maior destaque. Nas palavras de Vieira (2017), [...] Silva Jardim considerava que a Cartilha Maternal seria um livro capaz de romper com os métodos de marcha sintética até então difundidos nas províncias, uma vez que se baseava nos princípios da moderna linguística da época e defendia o ensino da leitura pela palavra, portanto, um método de base científica, capaz de alavancar o progressosocial (VIEIRA, 2017, p. 97). Em 1920, ocorreram no Brasil uma série de reformas educacionais que visavam a consolidação do ideário republicano e que fomentaram o uso dos métodos analíticos. "As reformas colocaram o aluno no centro do processo de educação, defenderam a utilização de materiais concretos e jogos na sala de aula" (MAGALHÃES, 2005, p. 7). O movimento educacional estava alinhado às concepções pedagógicas da Escola Nova. " O escolanovismo preconizava a função socializadora da escola, a centralidade do indivíduo no processo de aprendizagem, a educação para a vida, o caráter científico da educação, com contribuições da Psicologia, da Sociologia, dentre outras" (MAGALHÃES, 2005, p. 7). Os métodos analíticos são três: palavração, sentenciação e global de contos, os quais conheceremos adiante. Acadêmico, conhecer o Manifesto do Pioneiros da Educação Nova é indispensável para compreender o pensamento pedagógico brasileiro, que se fortaleceu no segundo período republicano e que mobiliza a luta pela qualidade e equidade na educação na atualidade. Além de ser um privilégio e grande inspiração! Acesse ao link, leia e ilumine suas convicções pedagógicas para a prática! Documento disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/me4707.pdf IMPORTANT E TÓPICO 2 — PANORAMA HISTÓRICO DOS MÉTODOS DE ALFABETIZAÇÃO NO BRASIL REPUBLICANO 37 3.1 Método da Palavração O método analítico, proposto por João de Deus, era o da Palavração, em que se considera a palavra como a principal expressão do processo comunicativo. Nele, após conhecerem as vogais, sem as quais não é possível se escrever palavras na Língua Portuguesa, pequenas unidades de sentido ditongais eram formadas e, posteriormente, combinava-se vogais com consoantes, apresentadas por meio de listas de palavras, como podem ser observadas nas imagens: FIGURAS 19 E 20 – TRECHOS DA CARTILHA MATERNAL FONTE: Vieira (2017, p. 99-100) A atividade exemplificada abaixo foi construída com inspiração nesse método. Nela, encontramos uma consoante combinada à vogais formando palavras apresentadas em lista. A leitura acontece pela associação da escrita à imagem. O objetivo é criar um repertório de palavras por memorização para posterior construção de frases e textos. 38 UNIDADE 1 — LÍNGUA ESCRITA: HISTÓRIA, PROBLEMA E INVESTIGAÇÃO FONTE: <https://bit.ly/3FkrsS6>. Acesso em: 11 maio 2021. Uma vantagem que se verifica nesse método é o trabalho com mais significado, uma vez que as palavras relacionadas às imagens têm sentido completo. Entretanto, o professor precisa desenvolver estratégias a fim de que, ao postergar o trabalho com sílabas e letras, a compreensão grafo-fonêmica não fique prejudicada. É a partir dela que a criança poderá ler e escrever palavras com autonomia, para além das listas estudadas. 3.2 MÉTODO DA SENTENCIAÇÃO Sentenciação é o método analítico em que o professor inicia o trabalho de alfabetização expondo o aluno ao contato direto com frases inteiras. Espera-se que, partindo da oralidade da criança, por meio do registro de frases simples, ela possa compreender o sentido daquele enunciado e memorizar a ordem das palavras escritas. A partir de então, passa-se ao trabalho com palavras retiradas dessas frases, para a organização de outras, sendo seguido pela análise silábica. De acordo com Frade (2005), há poucos dados para se precisar o início do trabalho com esse método no Brasil, carecendo de mais investigação. A imagem a seguir tipifica uma atividade inspirada nos princípios desse método: FIGURA 21 – ATIVIDADE INSPIRADA NO MÉTODO PALAVRAÇÃO TÓPICO 2 — PANORAMA HISTÓRICO DOS MÉTODOS DE ALFABETIZAÇÃO NO BRASIL REPUBLICANO 39 FIGURA 22 – ATIVIDADE INSPIRADA NO MÉTODO DA SENTENCIAÇÃO FONTE: <https://br.pinterest.com/pin/639792690814992971/>. Acesso em: 11 maio 2021. Esse tipo de atividade favorece a compreensão de sentido e a construção de estratégias de leitura, fazendo relação da imagem às expressões da frase. Porém, característico dos métodos analíticos, é um aspecto falho dessa abordagem: a dificuldade de leitura e escrita de palavras e frases novas, pela deficiência no trabalho com sílabas e letras, como evidencia Frade (2005): Em linhas gerais, são elencadas duas vantagens: a de se trabalhar com a frase, considerada, de acordo com as teorias gramaticais vigentes na época, como a unidade mais completa da língua; e a de se enfatizar um tipo de leitura que pode utilizar pistas do contexto para a compreensão. Como desvantagem, aparece a mesma citada quanto ao método de palavração: o perigo de se gastar muito tempo com a memorização e de se dar pouca atenção à análise de palavras (FRADE, 2005, p. 34). Caro Acadêmico, explore o livro escrito pela professora Izabel Frade, da Universidade Federal de Minas Gerais, publicado pelo Centro de Alfabetização, Leitura e escrita (CEALE). Disponível em: https://bit.ly/3miUHfm. DICAS 40 UNIDADE 1 — LÍNGUA ESCRITA: HISTÓRIA, PROBLEMA E INVESTIGAÇÃO 3.3 Método Global de Contos O Método Global de Contos é o mais recente no grupo dos métodos analíticos. No Brasil, esse método se expandiu muito no início do século XX. Especialmente nos estados Rio Grande do Sul, São Paulo e Minas Gerais; essa abordagem foi bastante utilizada, tendo, até mesmo, sido oficializado em Minas Gerais. Para instrumentalizar o trabalho, foram publicados os chamados pré-livros, com histórias já conhecidas pelas crianças ou outras, elaboradas para aquele fim. Eram pequenos contos independentes ou que complementares, descortinando-se de acordo com planejamento do professor. A prática pedagógica desse método se pauta na familiarização do texto pela criança, sua exploração e compreensão, para depois ele seja trabalho em partes menores, frase, palavra, sílaba, fonema, enfatizando os aspectos linguísticos da alfabetização. De acordo com Frade (2014), o método global foi desenvolvido com base na teoria de Deroly, psicólogo e educador belga, para quem a aprendizagem infantil se dava por meio de observações, associação de ideias e expressão do pensamento. A autora também ressalta outro fundamento teórico para o método global já mencionado, a Gestalt, a qual pressupõe que, partir de um objeto de análise mais simples para o mais complexo significa abordar em primeira mão a visão global dele. Essa perspectiva foi defendida pelo psicólogo suíço Claparède, apontando que ao expor a criança ao texto, à palavra ou à frase, nos aproximamos de sua forma natural de conceber o mundo e assim, o estudo das menores unidades da língua – sílaba, letra, fonema – teria para ela maior significado. Observem que essa interpretação se opõe o que pregam os métodos sintéticos. Acadêmico, as imagens que se seguem exemplificam os primeiros materiais impressos no Brasil que se pautam no Método Global de Contos: FIGURAS 23 E 24 – CAPA E TRECHO DO LIVRO DE LILI FONTE: <https://bit.ly/3ip5mE5>. Acesso em: 11 maio 2021. TÓPICO 2 — PANORAMA HISTÓRICO DOS MÉTODOS DE ALFABETIZAÇÃO NO BRASIL REPUBLICANO 41 Diante do Livro de Lili, Frade (2005) analisa que: No Brasil, os métodos globais que foram descritos até o momento apoiaram-se em materiais impressos para serem usados como livros didáticos e não deixam de apresentar uma progressão em termos de sua apresentação e análise. Os textos não apresentavam problemas de simplificação na escolha das palavras, mas os autores procuravam contemplar os principais casos de regularidade e irregularidade do sistema ortográfico do Português. No entanto, mesmo defendendo a concepção de linguagem como um fenômeno global, os textos dos livros ainda não manifestam a mesma linguagem presente em textos autênticos, como o das histórias infantis. Reproduzimos, como exemplo, uma lição de O livro de Lili, de Anita Fonseca, que apresenta a personagem com um modelo de texto pouco usual, em que se observa certa desarticulação entre as frases que o compõem (FRADE, 2005, p. 36). Avançando um pouco mais da estruturanarrativa presente no Livro de Lili, descrita na citação anterior, outro material didático que encontrou ampla aceitação para o trabalho com esse método foi o livro de Lúcia Casassanta, As Mais Belas Histórias.Observe sua capa eleia um de seus textos: Acadêmico, recomendamos a navegação do blog do médico psiquiatra Antônio Carlos de Oliveira Correia. Esse rico álbum digital rememora tempos de estudos de sua mãe, dona Maria de Oliveira, que se formou professora em 1937, na Escola Normal Francisco Campos. O blog traz narrativas e fotos que nos fazem viajar no tempo e compreender de modo mais próprio o contexto que envolvia a formação docente naquele período e a abordagem do Método Global, privilegiada na formação docente. O blog está disponível em: https://bit.ly/3ip5mE5 INTERESSA NTE 42 UNIDADE 1 — LÍNGUA ESCRITA: HISTÓRIA, PROBLEMA E INVESTIGAÇÃO FIGURA 25 – CAPA DO LIVRO AS MAIS BELAS HISTÓRIAS FONTE: <https://bit.ly/3mynVHl>. Acesso em: 12 maio 2021. FIGURAS 26 E 27 – TRECHO DO LIVRO AS MAIS BELAS HISTÓRIAS TÓPICO 2 — PANORAMA HISTÓRICO DOS MÉTODOS DE ALFABETIZAÇÃO NO BRASIL REPUBLICANO 43 FONTE: <http://notempoquearrobaera15quilos.blogspot.com/2018/>. Acesso em: 12 maio 2021. Neste material encontramos textos mais articulados, com narrativas comuns ao universo infantil, o que evidencia uma grande vantagem dos métodos globais: o uso da língua escrita com maior significado e de modo mais aproximado do contexto da criança, ainda que sejam apenas histórias infantis. Nele, a "criança tem acesso a uma significação, podendo 'ler' palavras, sentenças ou textos desde a primeira lição, por reconhecimento global. Supõe-se que, assim, mantém-se o interesse desde o início do processo de aprendizagem da leitura e da escrita" (FRADE, 2005, p. 37). Entretanto, mesmo com a busca de fundamento científico para a proposição de métodos de alfabetização que se aproximem mais do desenvolvimento cognitivo e do universo infantil, ainda não se obtém uma proposta que atenda a todas as dimensões implicadas no processo de alfabetização. No caso do método em exposição, focalizar no reconhecimento por meio da memorização global favorece uma leitura mais rápida, e uma melhor compreensão textual, pois os alunos não precisam se ater à decodificação das sílabas. Porém, esse aprendizado traz consigo o desafio: como ampliar a leitura de palavras desconhecidas se ele não aprenderem a decodificar? Como saber se a leitura ocorre de fato e não a mera repetição de palavras já decoradas? Essas e outras questões continuaram a fomentar pesquisas no campo da alfabetização nos seguintes da República. Nesse ínterim, em 1932, um grupo de pesquisadores e educadores publicaram o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova. O movimento, liderado por Anísio Teixeira, defendia princípios como uma escola pública, gratuita e democrática que oferecesse aos estudantes de todas as classes sociais uma educação de qualidade, por meio de uma pedagogia crítica, pragmática e que considerasse o desenvolvimento integral dos estudantes. 44 UNIDADE 1 — LÍNGUA ESCRITA: HISTÓRIA, PROBLEMA E INVESTIGAÇÃO O ideal escolanovista ganhou força e conquistou espaços na política pública brasileira, com ingerência também na formação dos professores alfabetizadores. Contudo, o embate entre os métodos sintéticos e analíticos permaneceram, permeado pelas tensões e conflitos de interesses políticos, econômicos e sociais presentes na história da educação brasileira desde o período colonial. Em 1959, houve a publicação do Manifesto dos Educadores Mais Uma Vez Convocados, segundo documento escrito pela elite intelectual do país. Este contou também coma assinatura de Paulo Freire, grande nome da pedagogia e da alfabetização do país. Em 1963, o trabalho e ideias de Freire alcançaram grande destaque, com o sucesso na alfabetização de adultos, cortadores de cana de Angicos, cidade do Rio Grande do Norte. O Método Paulo Freire, como ficou conhecido, pode ser associado aos métodos analíticos, uma vez que lança mão das palavras geradoras como ponto de partida para o processo de alfabetização. Não obstante, há de se destacar que restringir o pensamento de Paulo Freire a um método, ou ao trabalho de Angicos, somente, implica numa visão limitada da sua vasta reflexão educativa, vinculada à Pedagogia Crítica. Seus estudos e defesas continuam atuais, pertinentes e indispensáveis à alfabetização às políticas educacionais brasileiras. No período do governo militar no Brasil, o pensamento pedagógico de Paulo Freire, Anísio Teixeira e tantos outros educadores e intelectuais foi reprimido, sendo eles próprios perseguidos nesse tempo. Anos depois, com o retorno ao governo democrático, a discussão iniciada com o Manifesto de 1932 e reafirmada em 1959, foi retomada e se mostra necessária até os dias atuais. No campo da alfabetização, na década de 1980, a educação e, mais especificamente, a alfabetização brasileira, experimentou uma nova fase, com o surgimento do termo Letramento, amplamente difundido pelas pesquisas de Magda Becker Soares, professora emérita da Universidade Federal de Minas Gerais. "Quanto à mudança na maneira de considerar o significado do acesso à leitura e à escrita em nosso país - da mera aquisição da 'tecnologia' do ler e do escrever à inserção nas práticas sociais de leitura e escrita, de que resultou o aparecimento do termo letramento ao lado do termo alfabetização [...]" Acadêmico, no link indicado assista ao documentário comemorativo do Centenário Paulo Freire, e rememore suas contribuições para a educação e proposta de alfabetização no país: https://www.youtube.com/watch?v=cKH8_4dXhUM INTERESSA NTE TÓPICO 2 — PANORAMA HISTÓRICO DOS MÉTODOS DE ALFABETIZAÇÃO NO BRASIL REPUBLICANO 45 (SOARES, 2002, p. 21). A compreensão dessa faceta importante da alfabetização tem se ramificado em muitas outras pesquisas e embasado estratégias didáticas. Em 2016, buscando problematizar e elucidar diversas teorias e aspectos que se circunscrevem à "Guerra dos Métodos de Alfabetização", Magda Soares lança o livro Alfabetização: a questão dos métodos, em que defende que alfabetizar com método é a questão de fato relevante e isso extrapola, e muito, a escolha de um método convencional específico. A discussão contemporânea ainda perpassa a questão dos métodos se alonga a outros pontos, como a persistência do analfabetismo, a idade e tempo ideais para que a criança se alfabetize, a formação e o lugar do professor. Esses e outros aspectos serão expostos no próximo tópico desta Unidade. Acadêmico, abordaremos mais profundamente o conceito de Letramento na Unidade 2 deste livro. A menção que fazemos a ele agora apenas compõe a progressão histórica iniciada, numa perspectiva diacrônica. ESTUDOS FU TUROS