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METODOLOGIA DAS LUTAS Ana Paula Maurilia dos Santos Classificação das artes marciais Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Explicar as artes marciais de agarre. Identificar as artes marciais baseadas em golpear/impactar. Listar as lutas baseadas em golpes com implementos. Introdução Quando se pretende classificar as artes marciais, tem-se como objetivo a compreensão dos seus aspectos em comum e suas diferenças. Muitos autores têm se dedicado a classificá-las, seja a partir da ação motora envolvida, da distância entre os oponentes ou do seu surgimento histó- rico. As lutas são práticas tão plurais que dificilmente alguma forma de classificação abarcaria todas as inúmeras possibilidades e modalidades existentes. No entanto, buscaremos apresentar uma forma de classificação que tenha uma concepção lógica e estruturada em consonância com os pressupostos epistemológicos atuais dessa área de estudo. Neste capítulo, a partir de referencial teórico, você vai aprender sobre a lógica interna e a classificação das artes marciais de acordo com três categorias: artes marciais de agarre, como o judô, o jiu-jítsu e o sumô; artes marciais baseadas em golpes, como o caratê, o taekwondo e o boxe; e artes marciais, baseadas também em golpes, mas com a utilização de implementos, como é o caso da esgrima e do kendo. Artes marciais de agarre Os esportes de luta com agarre são representados por aqueles que abarcam ações básicas, como o ato de derrubar, projetar e controlar no solo, e seu obje- tivo está em agarrar, segurar e aproximar-se do oponente visando enfrentá-lo (RUFINO; DARIDO, 2015). Para os autores, o agarramento da outra pessoa está relacionado às ações de curta distância, uma vez que não é possível realizar essas ações com uma distância maior entre os envolvidos. Essas práticas de curta distância podem ser denominadas também práticas corpo a corpo, em que não se tem a possibilidade de realizar outras ações, como o toque, por exemplo. De acordo com Espartero (1999), nesse tipo de modalidade, pode haver a necessidade de contato inicial entre os oponentes desde o início (como a formação de pegadas ou kumi-kata no judô paralím- pico) ou a ausência da imposição inicial de agarre (como no judô olímpico tradicional e no jiu-jítsu, por exemplo). Há, ainda, diferenças de objetivos, já que algumas práticas focam a projeção, ao passo que outras mantêm a continuação das ações no solo. A seguir, serão apresentados exemplos de práticas de curta distância cuja ação básica envolve o ato de agarrar, segurar e aproximar-se do oponente visando o enfrentamento. Os princípios operacionais aqui tratados dizem respeito à meta. De acordo com Naka- motor apud Rufino e Darido (2015), a meta é o objetivo que se busca ao atingir o alvo, podendo ser de intenção direta ou indireta. Quando a meta é de intenção é direta, a finalidade da luta pode ser, por exemplo, segurar ou tocar o “alvo” para marcar ponto ou terminar o combate, ou seja, quando o oponente é o final da intenção. Já quando a intensão é indireta, as ações de tocar e segurar são um meio para finalizar o combate, seja por meio de uma projeção, de uma exclusão ou de um knock out (quando o adversário é golpeado até cair no chão), ou seja, “a ação é indireta quando o oponente é o meio para uma outra finalidade” (RUFINO; DARIDO, 2015). Classificação das artes marciais2 Jiu-jítsu O jiu-jítsu surgiu na Índia, quando os monges budistas criaram técnicas de defesa pessoal pelo fato de que, em função da religião, não era permitido utilizar armas para se defender dos roubos e agressões. Essas técnicas envolviam estrangula- mentos e chaves de articulações com o intuito de imobilizar o agressor e eram aplicadas por meio de uma luta de curta distância. As vantagens dessas técnicas eram que os golpes não necessitavam de força, já que utilizavam a força do ad- versário contra ele mesmo, além de não utilizar socos ou chutes, fato que não ia contra a religião dos monges, que, então, podiam defender-se (GRACIE, 2008). A partir do jiu-jítsu, diversas técnicas de artes marciais surgiram, inclusive o judô. A indumentária utilizada no jiu-jítsu é quimono e faixa, e as lutas são divididas em categorias de peso, faixa e idade e são realizadas em tatame. Tem seu início em pé, e os atletas usufruem de técnicas de queda, a fim de deslocar o centro de gravidade do oponente, causando um desequilíbrio e, consequentemente, a queda. O vencedor da luta será aquele que finalizar o oponente por submissão ou alcançar o maior somatório de pontos (CONFEDERAÇÃO BRASILEIRA DE JIU-JITSU, 2019). Sempre que um atleta concretizar um golpe ou posicionamento de domínio, o árbitro concederá ao mesmo uma determinada pontuação — para que o atleta receba o ponto, são necessários 3 segundos de estabilização em cada um desses golpes. Quanto aos princípios operacionais, no jiu-jítsu (Figura 1), tem-se uma intenção direta, ou seja, realizar determinados golpes como chaves em algumas articulações ou golpes de estrangulamento no pescoço, visando a desistência ou a submissão do oponente — o objetivo final da ação é atingir o adversário de diferentes formas. Figura 1. Jiu-jítsu. 3Classificação das artes marciais O jiu-jítsu brasileiro Apesar de levar o nome da antiga arte marcial japonesa (jujutsu — arte suave), o homô- nimo brasileiro foi criado e desenvolvido para que indivíduos em desvantagem física pudessem igualar-se ou sobreporem-se aos seus adversários por meio da excelência técnica. Carlos Gracie, seu criador, adaptou e desenvolveu os conhecimentos aprendidos com o lendário Mitsuyo Maeda, o Conde Koma, mestre japonês de kodokan jujutsu (hoje chamado de judô) que veio ao Brasil com o intuito de difundir a arte japonesa. Outros lutadores também criaram novos estilos a partir do jujutsu, mas o principal representante do jiu-jítsu brasileiro pelo mundo sempre foi o “Gracie Jiu-Jítsu”. A eficiência da modalidade se comprovou por meio de desafios e convocações que a família Gracie fazia abertamente aos praticantes de outras lutas e artes marciais. Raríssimas eram as ocasiões em que perdiam a luta, independentemente das dispa- ridades físicas. Isso fez com que o jiu-jítsu brasileiro rompesse fronteiras. O boato se espalhava pelo mundo todo e o slogan “se você quer ter uma costela partida ou um braço quebrado, busque uma academia Gracie!” atraía desafiantes dos quatro cantos. Anos mais tarde, novamente, a família Gracie demonstra a superioridade prática de sua metodologia nos primeiros campeonatos de “vale-tudo” realizados nos EUA (evento que deu origem ao Ultimate Fight Championship, o UFC). O espetáculo era oferecido pelo mais franzino dos irmãos (colocado estrategicamente lá por parecer fraco), que, quando vencia, saia celebrando com todos os seus irmãos que ficavam à beira do ringue durante as lutas. Fonte: Gracie(2008); Virgílio (2002). Judô O judô (Figura 2) foi concebido com base em valores éticos e humanitários profundos, tendo como objetivo o equilíbrio entre o corpo e a mente a partir de disciplina e baseando-se na execução de movimentos harmoniosos e em princípios da física cosmológica. Assim, a partir do desenvolvimento interior de seus participantes, o judô busca superar a força e os aspectos marciais, tendo como foco elementos tais como a fraternidade e a efi ciência. A luta surgiu no Japão e foi idealizada pelo mestre Jigoro Kano. A vestimenta é o judogi (quimono) branco, mas, em função da esportivizaç ã o, aderiu -se ao uso do judogi azul para diferenciar os competidores durante a luta. A luta envolve a necessidade de amortecimentos de quedas (ukemis), rolamentos e técnicas de movimentos — o objetivo é derrubar ou imobilizar Classificação das artes marciais4 o adversário. Cada movimento apresenta pontuação e pode ser classificado como ippon, wazari ou yuko. Quanto aos princípios operacionais, a intenção é indireta, já que, em algunsmomentos, como na projeção, há o contato direto entre os envolvidos por meio de situações de agarre, mas que não se resumem simplesmente nesse agarre ao outro. Há outro fim, que é projetar o adversário com as costas no solo, ocasionando o ippon e, consequentemente, a vitória do autor do golpe (RUFINO; DARIDO, 2015). Figura 2. Judô. Fonte: Master1305/Shutterstock.com. Sumô O sumô (Figura 3) é uma arte marcial de ascendência japonesa que conserva em sua prática aspectos de antigos rituais religiosos (LEDUR; ASSMANN; MAZO, 2018). A modalidade apresenta regras simples e de fácil entendimento: os atletas lutam em uma arena (ringue) em formato circular chamada de dohyō e digladiam-se com técnicas de agarre, quedas e arremesso. O objetivo da luta é retirar o adversário ou fazê-lo tocar qualquer parte do corpo, sem ser os pés, no solo. A indumentária é um tipo de cinto protetor, chamada mawashi, que nada mais é que um tecido grosso enrolado em volta da cintura. O intuito dessa vestimenta é mostrar que a luta é feita sem armas, além de proteção das 5Classificação das artes marciais partes íntimas, como também facilitar golpes de agarramento e a retirada do oponente para fora do dohyō. O sumô é um esporte de grande status no Japão, ocupando o posto mais alto na preferê ncia dos nipô nicos, tal como é o futebol para os brasileiros (LEDUR; ASSMANN; MAZO, 2018). Apesar de seus praticantes serem obesos, em sua maioria, não existe limites físicos, éticos ou etários para a sua prática. Porém, acredita-se que, como um dos objetivos da competição é desequilibrar o adversário a ponto de ele encostar uma parte do corpo no chão (exceto o pé) ou então tentar empurrá-lo até que saia do ringue, quanto mais pesado e forte o lutador, mais facilmente ele vencerá o adversário. Quanto aos princípios operacionais, a intenção é indireta, ou seja, há o contato entre os oponentes por meio de situações de agarre, mas o objetivo é derrubar ou excluir o outro do espaço estipulado. Figura 3. Sumô. Fonte: mTaira/Shutterstock.com. Wrestling O wrestling (Figura 4) é conhecido também como luta livre, semelhante ao vale-tudo, e utiliza várias técnicas de combate, como atirar o adversário às cordas, torções, chaves, pontapés, murros, entre outros. Nessa modalidade, há diversos estilos (tradicionais e modernos) e formas de competição, cabendo a cada lutador impor a sua luta. O vencedor é aquele que força o adversário à desistência ou consegue deixá-lo imobilizado no chão. Classificação das artes marciais6 Um dos seus estilos que mais se destacam é a luta greco-romano o estilo livre, o judô wrestling e o sambo wrestling. Ele é derivado do pancrácio, a modalidade mais popular da Antiguidade e que envolvia uma mistura de boxe e luta livre e era a base do treinamento de luta do exército grego — como os poderosos soldados de Esparta e de Alexandre, o Grande. A vestimenta utilizada é macacão, sapatos especiais, protetor de cabeça e protetor bucal. Quanto aos princípios operacionais, a intenção é indireta, uma vez que há o contato entre os oponentes por meio de situações de agarre. Figura 4. Wrestling. Por fim, verificamos que, quanto aos critérios de categorização das artes marciais existentes, todos os estilos citados dizem respeito às práticas cor- porais envolvendo a ação motora de agarrar e, por esse motivo, exigem uma espacialidade mínima entre os oponentes, de curta distância e com um elevado nível de contato entre os praticantes. Artes marciais com golpes/impactos As artes marciais envolvendo golpes podem ser divididas entre aquelas que utilizam apenas os punhos, como o boxe, por exemplo, os que utilizam apenas as pernas, como o boxe francês, e as que misturam a utilização dos membros 7Classificação das artes marciais inferiores e superiores, como o muay thai, o caratê, etc. (ESPARTERO, 1999), utilizando-se ações de golpear e impactar o oponente (estão inclusas nessa categoria outras artes, como o kung fu, o taekwondo, etc). Essas práticas geralmente envolvem média distância e, nesse contexto, as ações de toque estão presentes. Assim, enfatiza-se o toque entre os envol- vidos, isto é, a forma de encostar, de tocar ou de percutir o corpo da outra pessoa por diferentes meios ou modo (RUFINO; DARIDO, 2015). Os autores acreditam que as ações ligadas ao toque podem se constituir de duas formas: toque realizado diretamente na outra pessoa ou toque intermediado por algum implemento, como veremos mais adiante. As artes marciais com golpes/impacto são ações motrizes que envolvem o toque realizado diretamente no outro e práticas cuja espacialidade é de média distância. Por isso, há a intenção de encostar, tocar na outra pessoa, de forma direta, sem nenhum objeto que faça essa ligação entre os praticantes. A seguir, serão apresentados exemplos de práticas de média distância com toque realizado diretamente no outro. Boxe A origem do boxe (Figura 5) remonta a Creta, em 1500 a.C., e sua prática começou na Grécia e em Roma, como um esporte violento, cujo enfrentamento ocorria até a morte. “A base do boxe está sobretudo nos pé s, nas pernas, na forç a no abdô men, na respiraç ã o” (PEREIRA, 2017, p. 132). Segundo Pereira (2017), o soco nã o está isolado na luta: faz parte de sé ries de movimentos que devem procurar o espontâ neo e, para tanto, apesar de o boxe nã o usar chutes, os membros inferiores sã o fundamentais. O boxeador deve estar presente, atento e perceptivo e ser capaz de responder, a partir de esquivas, absorç ã o de golpes e defesas, ao adversá rio (PEREIRA, 2017). Há duas categorias de boxe, o profissional e o olímpico. A diferença entre uma modalidade e outra é que no profissional os juízes avaliam qual lutador é mais contundente no combate, o que mostra maior domínio do centro do ringue, melhores golpes, ou seja, nem sempre o volume de golpes representa a vitória, mas, sim, a contundência deles. Já no boxe olímpico, é dado como válido cada golpe encaixado, mesmo sem ser contundente. Ao final de uma luta, vence aquele que obtiver mais pontos, ou golpes encaixados. Vale ressaltar que “encaixar o golpe”’ significa assimilar e absorver o soco da forma correta, e não necessariamente acertar o golpe. O objetivo no boxe é desferir golpes para pontuar ou nocautear o adversário, e a indumentária utilizada são as luvas (com bandagens internas, envolvendo Classificação das artes marciais8 as mãos), camiseta sem manga (no boxe olímpico), shorts e sapato especial. Há, também, o protetor bucal e protetor genital (coquilha). As lutas acontecem em uma arena (ringue de boxe), um tablado amortecido cercado de cordas que delimitam a área do combate. Quanto aos princípios operacionais, são de ação direta, quando se objetiva socar o rosto da pessoa com a intenção de pontuar ou nocautear, sendo o outro o fim dessa ação. Vale ressaltar que o boxe que conhecemos hoje é também oriundo do pancrácio. Figura 5. Boxe. Caratê O caratê (Figura 6) surgiu em Okinawa, nas ilhas ao sul do Japão, com o nome tode (mão). Era uma arte de defesa pessoal, com forte infl uência das lutas chinesas. “De acordo com versões lendárias, por volta de 1429, foi publicado um decreto proibindo a prática de artes marciais, e que, em 1609, houve uma proibição de armas” (SOUSA, 2012, p. 1). O tode se tornou o único método de proteção e recurso de autodefesa dos habitantes de Okinawa e, como sua prática era proibida, os praticantes deveriam fazê-la em sigilo total. O caratê é uma arte de defesa pessoal e uma forma saudável de exercícios físicos, mas, conforme aumentou sua popularidade, cresceu muito seu interesse pela realização de disputas, como aconteceu com o kendo e o judô (SOUSA, 2012, p. 1). 9Classificação das artes marciais Ele passou de geração em geração, do mestre (professor) para o discípulo (aluno), e os kata (exercícios formais) foram a principal forma de manutenção das tradições do caratê. Essa relação hierárquica de professor (sensei)e aluno (deshi) era a base do ensino das artes marciais de Okinawa e do Japão no período feudal (FROSI; OLIVEIRA; TODT, 2008). Diferentes exercícios formais são praticados nos diversos estilos existen- tes (FROSI; LOPES FILHO; MAZO, 2011), e a indumentária utilizada é o karate-gi (quimono). Quanto aos princípios operacionais, são de ação direta, quando, por exemplo, nas técnicas de chutes, o praticante levanta a perna com o joelho articulado e, com o giro de cintura, termina o deslocamento do pé até o oponente. Figura 6. Caratê. Fonte: Kzenon/Shutterstock.com. Taekwondo O taekwondo (Figura 7) surgiu há aproximadamente 1800 anos, na Coreia. É uma técnica de combate desenvolvida para a defesa pessoal, com movimentos efetuados pelos pé s e pelas mã os (CANOVA, GOMES, TRACTENBERG, 2016). O taekwondo, além de luta corporal, representa um estilo de pensamento e um padrã o de vida que requer disciplina. É també m um sistema de treino da mente e do corpo e se dá grande ê nfase ao desenvolvimento do cará ter moral do Classificação das artes marciais10 aprendiz (SILVA, 2010 apud CHEMELLO; BONONE, 2014). A indumentária utilizada no taekwondo é o dobok (quimono), o protetor de cabeça (capacete), o protetor de tórax (hongu) e o protetor de antebraço e bucal, que, recentemente, têm sido obrigatórios também. Quanto aos princípios operacionais, são de ação direta, quando, por exem- plo, um praticante objetiva chutar o tronco do outro praticante para pontuar, já que o fim da ação é encostar no outro. Figura 7. Taekwondo. 11Classificação das artes marciais Muay thai O muay thai (Figura 8) é uma arte marcial tailandesa cuja origem está nas tá ticas de guerra dos campos de batalhas siameses. Essa modalidade de combate utiliza socos, cotoveladas, joelhadas e chutes. Exige uma certa inteligê ncia tá tica devido à variedade de té cnicas e habilidades que o atleta deve apresentar (MORTATTI et al., 2003). Até por volta de 1920, os lutadores não usavam luvas ou qualquer outro tipo de proteção; a partir de 1920, teve-se as divisões por peso, o uso de luvas, a inclusão dos rounds e do árbitro central juntamente aos juízes laterais. Para lutas em campeonatos, a vestimenta obrigatória são os shorts e as luvas. Para garantir a segurança do atleta, é necessário que cada lutador utilize proteção genital (conquilha) e protetor bucal. Nas competições, é proibido ter cabelos longos e/ou barba no Oriente; já no Ocidente, não há essa restrição. Seus princípios operacionais são de ação direta, como no taekwondo. Figura 8. Muay thai. De maneira geral, podemos considerar que as ações motoras nos diferentes estilos de lutas se desenvolvem a partir dos seguintes fundamentos: traumatizantes: representados por chutes, socos, joelhadas, etc.; fintas: situações em que o objetivo é enganar ou ludibriar o adversário; Classificação das artes marciais12 De modo geral, podemos perceber que, quanto aos critérios de categori- zação das artes marciais existentes, todos os estilos citados dizem respeito às práticas corporais envolvendo a ação motora de tocar e a espacialidade classificada como média distância. Desse modo, vemos a ausência de contato proporcionado pelas ações de agarrar e um contato mais vinculado às ações de toques ou percussão no outro. Há também outros tipos de artes marciais que se enquadrariam nessa categoria, como o sambo, o krav maga e o kung fu, por exemplo. Lutas com golpes e implementos Lutas com golpes e implementos, como o próprio nome admite, são aquelas nas quais há a utilização de algum tipo de objeto que intermedeia as ações dos oponentes com o objetivo de tocar o adversário, como é o caso da esgrima, por exemplo (ESPARTERO, 1999). Podemos verifi car, nas práticas de longa distância, que há um contato intermediário por implementos, independente- mente de quais sejam esses objetos, o que também diferencia as formas de realização desse contato e, consequentemente, as ações motoras proporcionadas por essas práticas (RUFINO; DARIDO, 2015). A seguir, são apresentados dois exemplos de práticas de longa distância cuja ação básica envolve o manuseio dos implementos, a esgrima e o kendo. Esgrima “A esgrima é considerada uma prá tica elegante de origem aristocrá tica. As disputas entre cavalheiros empunhando espadas acontecem há muito tempo na histó ria das civilizaç õ es, para busca de territó rio e poder, entre grandes impé rios” (BRASIL, 2016, documento on-line). Antigamente, prin- bloqueios: representados pelas defesas com brações, mãos e pernas; esquivas: mudanças de direções; desequilibrantes: visando a perda de apoio dos segmentos corporais; projeçoes: visando a queda do adversário; imobilizações: aplicação de chaves nas articulações; estrangulamentos: realizados no pescoço do adversário; acrobáticos: movimentos plásticos, estéticos, dentre outros. Fonte: Paiva (2015). 13Classificação das artes marciais cipalmente na Franç a, os jovens aristocratas aprendiam, em sua formação pessoal e desde cedo, té cnicas de manuseio desses armamentos (BRASIL, 2016, documento on-line). As regras da esgrima (Figura 9) evoluíram e, da mesma forma, seus equipamentos, que se desenvolveram impedir ferimentos nos atletas — “a máscara utilizada é o maior exemplo da civilidade do novo esporte (formada por arames posicionados de maneira a possibilitar a visão dos desafi antes, ela impede que o armamento em posse do adversário atinja a face do atleta)” (BRASIL, 2016, documento on-line). As indumentárias da esgrima são máscara, luva, calça, sapato e meia, roupas sempre brancas e colete de proteção com sensores e a arma (florete, espada ou sabre). O combate é realizado numa pista (14 x 2 m) e, se um atleta sair pelo fundo dessa pista, marca-se um ponto para o adversá rio. Cada toque da arma no corpo do oponente vale um ponto e, nas principais competições, existem sensores posicionados nas armas dos atletas que impossibilitam erros na contagem dos pontos (BRASIL, 2016, documento on-line). Você sabia que o florete — uma das armas usadas na esgrima — é o segundo objeto mais rápido dos Jogos Olímpicos, perdendo apenas para a bala disparada na modali- dade de tiro ao alvo? Confira essa e mais informações sobre a esgrima na reportagem do programa ApêTV, disponível no link a seguir. https://qrgo.page.link/eyTt7 A esgrima é um esporte de valores nobres e, por esse motivo, algumas ati- tudes ainda sã o muito valorizadas nas disputas da modalidade, como o respeito ao adversário, aos á rbitros e ao pú blico. Quanto aos princípios operacionais, “há uma intenção direta quando se objetiva tocar, encostar o implemento na outra pessoa visando o outro como finalidade, ou seja, visando a pontuar ou encerrar o combate por meio do toque do implemento no outro, como na ação de encostar a ponta da espada da esgrima, visando pontuar” (RUFINO; DARIDO, 2015). Classificação das artes marciais14 Figura 9. Esgrima. Kendo A origem do kendo (Figura 10) foi escrita pelos nossos antepassados há mais de 657 anos a.C. Desde épocas remotas, o kendo nã o se limitava apenas à defesa pessoal ou à sua utilização em guerras, mas continha outro objetivo, que era adquirir um espírito. O kendo é uma prá tica de vida, que ocorre para o autoaperfeiç oamento mediante treinamentos disciplinares básicos que regem a arte do manejo da espada. Uma vez que a prática com espadas de combate em aço ou em madeira maciça provocava tantas ví timas desnecessá rias, criou-se, por volta de 1710, a prática com espadas de bambu, menos perigosas, que se mantêm até hoje (ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE KENDO, 2019). A indumentária utilizada no kendo consiste em uma armadura, que, em japonê s, é chamada bogu, uma espada de bambu, chamada de shinai e as roupas: hakama (tipo de vestimenta tradicional japonesa: saia calça com pregas) e keiko gi (quimono semelhante ao usado no caratê). No kendo, há duas maneiras de abordar o ataque: batidas e estocadas. Só sã opermitidos golpes nos seguintes pontos: Mem: a cabeça (no alto da máscara); Kote: o antebraço direito coberto pelo Kote (eventualmente, o esquerdo); Do: o tronco (lado direito ou esquerdo do protetor Do); Tsuki: o pescoço (no protetor de garganta). 15Classificação das artes marciais Quanto aos princípios operacionais, caracteriza-se como uma prática de intenção direta, como na ação de encostar a ponta da espada, visando pontuar. Figura 10. Kendo. Fonte: Kusuyama (2013, documento on-line). A partir de todos os exemplos supracitados, podemos verificar que o nível de contato é uma característica determinante que modifica as compreensões que se tem de cada prática e, consequentemente, interfere nas ações motoras que devem ser realizadas pelos praticantes. Rufino e Darido (2015) colocam, ainda, que o nível de contato é uma forma interessante de divisão do ensino das lutas no âmbito escolar. Vale ressaltar que, além da esgrima e do kendo, em alguns estilos de kung fu, são também utilizados implementos. Você sabia que, independentemente do estilos de lutas, tanto nas modalidades de agarre quanto nas sem agarre (de golpe ou com utilização de instrumentos), existem diversas características em comum que variam de acordo com as ações motoras desenvolvidas? Essas práticas podem ser definidas como de ataque e de defesa. Nas práticas de ataque, temos o agarre, a retenção, o desequilíbrio e a imobilização. Há diversas possíveis Classificação das artes marciais16 A partir desses pressupostos teóricos, podemos definir, de maneira holística, que a luta é uma “prática corporal imprevisível, caracterizada por determinado estado de contato, que possibilita a duas ou mais pessoas se enfrentarem numa constante troca de ações ofensivas e/ou defensivas, regida por regras, com o objetivo mútuo sobre um alvo móvel personificado no oponente” (GOMES, 2008, p. 49 apud RUFINO; DARIDO, 2015). Por fim, sem reduzir as múltiplas definições acerca da multidimensio- nalidade de possibilidades do universo das artes marciais, buscamos, neste capítulo, formas de compreender as lutas de modo a gerar, também, reflexões potenciais sobre essas práticas corporais. Um ponto que merece destaque é o quão difícil é limitar as lutas aos sistemas de classificação, que não são completos. Algumas modalidades vão além das proposições que lhes foram apresentadas, como a capoeira e o kung fu, que podem ser categorizados tanto como artes marciais baseadas em golpes que envolvem implementos quanto apenas como golpes/impactos, como ocorre na maioria dos seus estilos. Outro ponto importante a destacar é que a classificação das lutas abordadas neste capítulo foi baseada na classificação de Espartero (1999), que divide as práticas das artes marciais (ou lutas) a partir da terminologia empregada por ele em três níveis diferentes: esporte de luta com agarre, esportes de luta com golpes e esportes de luta com implementos. Desse modo, acredita-se que o conhecimento sobre a classificação adotado neste capítulo servirá como ponto de partida aos profissionais de educação física na elaboração de propostas de intervenções em lutas mais eficazes. ações que os representam, como, por exemplo, o apanhar/pegar (nos braços, nas pernas, na cintura, roupas), o puxar, o empurrar, o carregar, o projetar, o combinar ações, etc. Já nas práticas que envolvem as ações de defesa, podemos citar o esquivar-se, o resistir e o livrar-se, e suas representações possíveis estão no rolar, no saltar, no abaixar-se, no opor-se, no empurrar, no girar, no virar, entre outras. A forma como essas ações de lutas são representadas é interessante, e vale lem- brar que as ações tanto de ataque quanto de defesa costumam ser simultâneas e realizadas por cada um dos oponentes a qualquer momento. Um ponto importante a se destacar é que ações motoras como socar, chutar, bloquear, tocar também fazem parte, mas devem ser limitadas quando utilizadas no esporte educacional, por exemplo (PAIVA, 2015). 17Classificação das artes marciais ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE KENDO. Manual ilustrado de Kendo. São Paulo: Kendo Piratininga, 2019. Disponível em: http://www.kendopiratininga.com.br/down/manual2. pdf. Acesso em: 21 maio 2019. BRASIL. Ministério do Esporte. Esgrima. 2016. Disponível em: http://www.inteligencia- esportiva.ufpr.br/site_api/arquivos/esgrima.pdf. Acesso em: 21 maio 2019. CANOVA, I; GOMES, C. M.; TRACTENBERG, S. G. Percepções de pais e educadores sobre o desenvolvimento de comportamentos relacionados às funções executi- vas em crianças praticantes de Taekwondo. 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