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Prévia do material em texto

A LITERATURA COMO ACONTECIMENTO 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Weslley Barbosa 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
© José Weslley Barbosa de Lima 
 
Revisão, preparação e edição: 
Everton Avelino 
Diagramação, edição digital e visual: 
Thiago Almeida 
Capa: 
Weslley Barbosa 
 
A BIROSCA DO MEROVEU 
– EDITORA, SEBO E CAFÉ – 
omeroveu@gmail.com 
www.meroveu.com.br 
 
Dados internacionais de catalogação na publicação (CIP) 
(Câmara brasileira do livro, SP, Brasil) 
LIMA, José Weslley Barbosa 
 
A literatura como acontecimento [livro eletrônico] / Weslley 
Barbosa. -- 1. ed. -- Campina Grande, PB : A Birosca do Meroveu - 
Editora, Sebo e Café, 2022. 
PDF. 
 
Bibliografia. 
ISBN: 978-65-997133-3-0 
 
1. Ensaios brasileiros 2. Literatura – Estudo e ensino 3. Teoria 
literária - Estudo ensino 
I. Título. 
22-118290 CDD-801.07 
 
 
 
http://www.meroveu.com.br/
 
 
 
DOS DIREITOS DO AUTOR 
 
Por decisão do autor, este livro, em sua 
versão digital, não é um produto comercializável e 
pode ser livremente distribuído e acessado, sendo 
obrigatória apenas a citação do nome do autor e da 
origem da obra, em caso de o leitor se valer dela 
para trabalhos escolares ou acadêmicos, citação 
em livros, jornais, revistas etc. 
Não é permitida, sob qualquer hipótese, a 
adaptação, modificação, reescrita ou supressão de 
partes do texto, muito menos sua venda por 
terceiros, ou inclusão, em forma de coletânea, na 
íntegra ou em parte, em material comercializável. 
A apropriação indevida de obra intelectual, 
assumindo a autoria ou não reconhecendo a fonte 
é tida como plágio, de acordo com a Lei nº 9.610, 
de 19 de fevereiro de 1998. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Para Juliana, 
Letícia e Heitor 
 
 
 
SUMÁRIO 
DOS DIREITOS DO AUTOR 4 
ADVERTÊNCIA 7 
APRESENTAÇÃO 8 
INTRODUÇÃO 17 
CONCEITOS BASILARES 26 
LITERATURA E EXPRESSÃO 31 
A ARTE DA PALAVRA 41 
LITERATURA E HISTORICIDADE 49 
LITERATURA E INTUIÇÃO CRIATIVA 59 
A BUSCA PELO BELO 78 
PALAVRAS FINAIS 89 
BIBLIOGRAFIA 93 
SOBRE O AUTOR 98 
 
 
7 
 
ADVERTÊNCIA 
 
Os parágrafos deste ensaio são numerados 
(exceto na apresentação, na introdução e nas 
palavras finais). Produzindo o texto, 
constantemente me deparei com a necessidade de 
fazer menções às minhas próprias ideias, algo 
confuso quando ainda não se tem noção, no 
momento de produção, da página em que 
determinado trecho ocupará no livro. A solução 
que encontrei foi a numeração e creio que ela 
atendeu satisfatoriamente ao meu objetivo. 
 
8 
 
APRESENTAÇÃO 
 
Este ensaio surge com um objetivo 
modesto, porém necessário: apresentar a minha 
contribuição para a sondagem da natureza da 
literatura. Se é bem verdade que muito papel já foi 
gasto com tal objetivo e muitas palestras, 
simpósios e congressos já se realizaram buscando 
este mesmo fim, é fato também que tal 
preocupação está cada dia mais relegada a um 
segundo (terceiro, quarto?) plano, embora esteja 
longe de se esgotar, principalmente diante da 
enxurrada de novos textos, expressões e temas que 
as últimas décadas presenciaram. 
O fato é que ainda há muito o que dizer e, 
principalmente no Brasil, a carência de materiais 
9 
 
nesse sentido é notável. As grandes obras ou já 
estão esgotadas (e sem qualquer previsão ou 
esperança de reedição) ou, nos casos raros em que 
ainda é possível encontrá-las nas livrarias, 
refletem preocupações e discussões de algumas 
décadas atrás. 
Se é fato que no âmbito acadêmico tais 
discussões não estão mais na “crista da onda”, que 
outras preocupações entraram com mais força no 
centro das atenções dos pesquisadores, é fato 
também que o estudante ainda sente a 
necessidade de encontrar materiais que lhe deem 
um norte a seguir em suas próprias sondagens. E a 
questão é bem esta mesmo: um norte. Este livro é 
antes de tudo uma provocação, um convite à 
reflexão, ao estudo, ao aprofundamento. 
O leitor perceberá a minha preocupação de 
não apenas apresentar a minha visão sobre cada 
questão aqui discutida, mas também de indicar 
possíveis caminhos de aprofundamento. Entendo 
10 
 
que aquele que decide buscar o conhecimento 
adequado sobre todos os temas e aspectos ligados 
à problemática da literatura está assumindo não 
apenas a necessidade de uma atitude (o simples 
estudo), mas o imperativo de um processo (o 
primeiro passo será apenas o início de uma longa 
trajetória). 
Quando aqui me colocar a respeito de 
qualquer aspecto, estarei sempre procedendo com 
base naquilo que foi colhido da leitura de grandes 
mestres e mestras sobre os quais tenho me 
debruçado desde o início de minha trajetória. 
Embora não me negue a expressar muitas vezes 
um posicionamento particular sobre determinado 
ponto (ainda que discordante da opinião 
majoritária), não posso negar que esta obra é 
principalmente uma organização sucinta de toda 
uma rica tradição de estudos literários e estéticos. 
E, já que mencionei minha trajetória, talvez seja 
apropriado resumi-la aqui, para que o leitor tenha 
uma noção das minhas bases teóricas. 
11 
 
Minhas pesquisas sobre a literatura se 
iniciaram assim que ingressei no ensino superior, 
na Licenciatura Plena em Letras – Língua 
Portuguesa (UFCG, 2006 – 2010). Nos primeiros 
anos, minha formação foi bastante teórica, 
colhendo dos grandes manuais de Teoria Literária 
os aspectos metafísicos e historiográficos a 
respeito do tema. Foi uma época de muito 
questionamento a respeito do que é literatura, de 
sua função, sua divisão em gêneros e subgêneros 
(bem como toda a teoria a respeito das 
peculiaridades intrínsecas a cada um deles). Nesse 
período, ocorreu minha filiação à Estilística 
(método de abordagem que ainda hoje inspira 
muitos dos meus procedimentos quando do estudo 
cotextual de uma obra), bem como nasceu o 
interesse pela literatura paraibana, que mais tarde 
resultou no meu livro Ensaios de poesia 
paraibana (2014). 
Num segundo momento, a partir do final da 
graduação, mas principalmente após ingressar no 
12 
 
Programa de Pós-Graduação em Linguagem e 
Ensino da UFCG, para o mestrado em Literatura e 
Ensino (2012 – 2014), minhas preocupações se 
voltaram para o leitor e a recepção do texto 
literário. Foi o momento de entrar em contato com 
a Estética da Recepção e as teorias sobre leitura e 
ensino de literatura. A princípio, o choque de 
perspectivas foi grande e obviamente fui 
encontrando aos poucos o ponto de contato 
possível entre as duas abordagens para que o meu 
pensamento a respeito do acontecimento literário 
não se convertesse num posicionamento caótico 
que entendesse a literatura como algo dividido em 
dois momentos que fossem totalmente separados e 
independentes um do outro (a produção e a 
leitura). Precisava, certamente, relacionar tudo 
numa mesma direção, a fim de justificar a própria 
necessidade de cada uma das preocupações. 
Após concluir o mestrado, fui entrando em 
contato com todo um universo de leituras que 
ainda mais abriram meus horizontes e, posso 
13 
 
dizer, foram fundamentais para que a minha 
noção de um todo que envolve a literatura, da 
produção à leitura, se formasse: foi o momento de 
conhecer a Filosofia da Arte, a Estética, a 
Hermenêutica, a Sociologia da Arte, a Crítica 
Biográfica, o Marxismo etc. Obviamente, não 
posso deixar de reconhecer que a própria prática 
de produção e ensino da literatura me 
proporcionou um olhar sobre a vinculação de fato 
daquilo que eu ia lendo com o que se dava no 
âmbito real, pragmático. Toda essa gama de 
olhares e minha tendência de conciliar as 
contribuições que recebo das minhas leituras foi 
instigando as reflexões que hoje reúno neste 
ensaio. 
A literatura como acontecimento parte 
do pressuposto de que a literatura não surge do 
nada nem acaba com a publicação do texto. Acima 
de tudo, é algo como um processo que se espraia 
emvários momentos, em vários contextos (cada 
um com suas particularidades) e sempre coloca em 
14 
 
relação pelo menos dois sujeitos: um autor e um 
leitor. Argumentarei, nas páginas que seguem, 
sobre a necessidade de se pensar o texto não como 
um produto acabado, mas verdadeiramente como 
uma semente (pois se origina de algo, mas por sua 
vez é a própria origem de outra coisa). Tudo isso 
está ligado e sem essa íntima relação a arte, e 
consequentemente a literatura, não seria possível. 
Como toda obra que se pretende 
introdutória ao estudo de algum objeto, este texto 
se exime da tentação de aprofundamento (ainda 
que por vezes me pareça necessário). Às vezes, 
querer abordar tudo e a tudo explicar pode suprir 
muito mais as necessidades e o rigor de método do 
autor do que do leitor, prejudicando a fluidez do 
texto e trazendo, para um livro introdutório, 
aquilo que só caberia numa obra de maior fôlego. 
Por isso, sempre que julgue necessário o 
aprofundamento a respeito de algum assunto (e 
isso ocorre em vários pontos do ensaio), sugiro 
leituras por meio de notas de rodapé. Claro que 
15 
 
tais sugestões se ligam à minha própria trajetória 
de estudos e muitas outras coisas podem ser 
buscadas. Há sempre um mundo a se descobrir a 
respeito de cada tema. Se há vantagens em sermos 
indivíduos do século XXI, esta é uma delas. 
Também evito colocar citações diretas no 
corpo do texto, como é praticado em modelos 
acadêmicos de publicação (dissertações, teses, 
artigos científicos etc.). Inspirando-me numa vasta 
tradição ensaística, deixo por vezes as referências 
subentendidas, levando em conta que esta obra 
indica ao término do texto as leituras que lhe 
serviram de base. 
O leitor perceberá que este texto tem bem a 
proposta de ser acessível, de rápida leitura e 
rápida compreensão. O meu esforço aqui foi 
sempre ir até o ponto em que não se ultrapassa o 
nível da reflexão introdutória. O mais que não for 
possível, é que a natureza do objeto não permite 
simplificar tanto. 
16 
 
Aceito com esta publicação não apenas o 
desafio de posicionar-me a respeito de tema tão 
amplo, polêmico, multifacetado, mas também a 
possibilidade de receber críticas e o prazer de 
contar com sugestões e apontamentos que 
poderão aperfeiçoar o meu olhar a respeito da 
literatura e o meu trabalho com toda a gama de 
textos que ela engloba. Este ensaio, como a 
própria literatura, apenas começa sua história com 
a publicação. O resto é por conta de vocês! 
Campina Grande, julho de 2022. 
Weslley Barbosa 
 
17 
 
INTRODUÇÃO 
 
Opinar a respeito da natureza da arte e, por 
conseguinte, da literatura não é tarefa pacífica. A 
qualquer momento pode surgir (e surgirá!) um 
novo texto que extrapolará qualquer compreensão 
anteriormente apresentada sobre a questão. 
Quando se faz isso num livro, então, é grande a 
possibilidade de ver contrariadas, no dia seguinte 
ao da publicação (com o agravante de que já não é 
possível refazer), as reflexões desenvolvidas ao 
longo de anos. 
Nesse sentido, cabe sempre um pacto entre 
o estudioso e o leitor: é preciso ter-se em mente 
que um conceito é fruto das reflexões de alguém e 
que pode variar de autor para autor (ou, num 
18 
 
mesmo autor, ao longo do tempo). Não 
trabalhamos com definições acabadas em arte, ou 
pelo menos não devemos ser tão ingênuos a ponto 
de imaginar que elas são possíveis. Os conceitos 
são importantes, são essenciais mesmo quando se 
pensa na necessidade humana de refletir a 
respeito do que nos cerca, mas nunca são 
absolutos. 
Lembro de Terry Eagleton1, argumentando 
que não é possível afirmar que a literatura seja 
ficção por ser possível encontrar obras que 
contrariam essa vinculação ficcional. Em seguida, 
o mesmo autor alega ser mais apropriado falar na 
literatura como o conjunto de obras que 
apresentam uma utilização peculiar da linguagem. 
Ora, não precisa procurar muito para nos 
depararmos com o poema Veneza: com ou sem 
bienal, de José Paulo Paes ou o Poema do beco, 
de Manuel Bandeira, que não parecem, a menos 
 
1 (EAGLETON, 2019, p. 1 – 3). 
19 
 
que se force muito o conceito, proceder numa 
utilização especial da linguagem. 
Obviamente, pode-se argumentar que tais 
textos são exceções e que, de um modo geral, a 
literatura possui sim uma utilização especial da 
linguagem. Mas é obvio também que os 
partidários da posição de que a ficção é inerente ao 
acontecimento literário (entre os quais me coloco) 
podem também alegar que a ausência de ficção é 
uma exceção. Logo, nem uma nem outra posição 
estão anuladas, simplesmente porque a literatura é 
inalcançável a colocações absolutas. 
O fato é que muito se equivocaria aquele 
que procurasse explicar a arte a partir de um único 
aspecto. Ficção, linguagem especial, belas letras, 
textos criativos ou para deleite... nada disso abarca 
de modo satisfatório o acontecimento literário e, 
por isso, não se pode ser tão reducionista. Parece 
mais adequado tentar-se abarcar várias 
possibilidades e é isso que procuro fazer aqui. 
20 
 
A necessidade de apresentar respostas, de 
opinar, de analisar para deste processo se retirar 
ocorrências gerais, tudo isso (cuja importância não 
pode jamais ser negada) não implica a delimitação 
de fronteiras precisas. As fronteiras ou limites 
precisos2, felizmente, não existem na arte, que, 
como um rio caudaloso, sempre nos apresenta 
como única margem possível a terceira, como 
aquela do conto de Guimarães Rosa. 
Étienne Gilson3 afirmou a respeito da tarefa 
de filosofar sobre a arte que, ao afirmar-se o que a 
arte é, nega-se tudo o que ela não é. Embora sua 
discussão a respeito da essência das coisas e do 
objeto artístico seja bastante lúcida, tenho 
pensado diferente do grande filósofo. Penso que 
sempre que afirmamos algo a respeito da arte 
nunca devemos esperar ter conseguido delimitar o 
 
2 “quando o poeta diz: lata / pode estar querendo dizer o 
incontível” (Gilberto Gil, Metáfora). 
3 (GILSON, 2010). 
21 
 
que ela não é, mas apenas o que ela costuma 
rejeitar na maioria dos casos. Sempre aparecerá 
um texto que vai em direção oposta. 
Portanto, tendo em vista que os limites não 
estão na arte, mas nas interpretações que ela 
suscita, o que resta é aceitarmo-nos como 
portadores não de verdades, mas de possibilidades 
de entrada nas discussões a respeito dela. 
Como tudo que vem do ser humano, a 
literatura é também matéria de interesse, de 
curiosidade, de reflexão e de comentários de nossa 
parte. A quantidade de grupos de discussão, perfis 
em redes sociais, comentários os mais diversos nas 
mais diferentes plataformas digitais mostra (na 
internet, que é atualmente, para o bem e para o 
mal, um retrato perfeito das mais naturais 
inclinações humanas) que não nos contentamos 
apenas com o fruir a arte: queremos submetê-la a 
uma opinião, queremos sondar os seus “porquês”, 
os seus “comos”, as suas motivações. Deixar de 
22 
 
perguntar-se a respeito de sua natureza é negar 
nossa própria postura natural diante de qualquer 
objeto. 
Aceito aqui o desafio de lançar mais um 
olhar à questão. Espero que este ensaio possa 
auxiliar nos primeiros contatos do estudante de 
letras e do interessado em geral com o 
acontecimento literário, que possa esclarecer 
alguns pontos, inspirar indagações, reflexões. 
Antes de concluir e passarmos, enfim, às 
colocações específicas a respeito do acontecimento 
literário, é necessário que eu situe o termo 
literatura dentro de toda uma discussão a respeito 
dos limites que ele possui. Como nosso objetivo no 
próprio corpo do texto é sondar a natureza da 
literatura dentro de uma determinada 
compreensão a respeito do que tal palavra 
representa, é necessário que primeiro tratemos 
dessa palavra. 
23 
 
Durante muito tempo, o termo literatura 
foi relacionado às diversas áreas de conhecimento 
produzidaspelo homem, desde as ciências até a 
filosofia. Além disso, o termo também costuma ser 
usado, até mesmo nos dias atuais, para se referir à 
bibliografia produzida a respeito de determinado 
assunto, ou seja, o conjunto de obras de certa área 
do conhecimento: literatura jurídica, literatura 
médica etc.4. 
Cabe destacar, ainda, que litteratura (que 
remonta ao latim) tinha, nas origens de sua 
utilização, o mesmo sentido de grammatiké, seu 
correlato grego. Logo, originariamente literatura 
significava o ensino das Letras e da escrita em 
geral5, não tendo nada a ver com a arte produzida 
 
4 A respeito das várias aplicações do termo, sugiro a leitura 
de Wellek e Warren (1976), Veríssimo (2001), Moisés (2012) 
e Aguiar e Silva (2018). 
5 (TAVARES, 2002, p. 21). 
24 
 
por meio de palavras, conforme adotado 
atualmente. 
A partir do século XVIII passa-se 
gradualmente ao conceito de literatura hoje 
adotado pela maioria dos manuais e meio que já 
bastante difundido no senso comum, referindo-se 
às manifestações escritas com finalidade estética, 
ou seja, aos textos escritos com objetivos 
artísticos, dedicados à fruição, ao deleite. Quando 
aqui aparecer o termo literatura, é em tal acepção 
que ele deve ser entendido. 
Por isso e por tudo o que ainda será 
afirmado, o leitor certamente perceberá que tal 
conceito é amplo e poderá acolher uma grande 
variedade de obras. Nesse sentido, fica excluída 
aqui a noção de valor, não porque eu a julgue 
irrelevante, mas por acreditar que tal discussão 
foge aos objetivos de um texto que é antes de tudo 
uma reflexão sobre a natureza do acontecimento 
literário e, portanto, inscreve-se mais nos campos 
25 
 
da Teoria da Literatura e da Filosofia da Literatura 
do que no da Crítica Literária. 
26 
 
CONCEITOS BASILARES 
 
§ 1º A literatura é a expressão verbal e 
historicamente situada de uma intuição criativa, 
voltada para o belo. É sobre tal conceito que me 
apoiarei para desenvolver todas as considerações 
presentes neste ensaio. Cada um dos títulos que o 
dividem trata particularmente de uma das noções 
que compõem nosso conceito: expressão, 
linguagem verbal, vinculação histórica, intuição 
criativa e propensão para o belo. 
§ 2º O motivo de eu iniciar minhas 
colocações apresentando o conceito numa frase-
síntese é bem claro: quero que o estudante já 
comece sabendo em que tipo de solo está pisando. 
Não é o meu objetivo complicar a trajetória 
27 
 
daquele que a mim confiou o direcionamento do 
seu estudo. De um modo geral, o modelo atual de 
produção é bem distinto: recusa-se a apresentação 
de conceitos sob o pretexto da impossibilidade de 
eles serem universais, conforme apontei na 
introdução. Coloco-me em posição distinta porque 
creio ser bem mais proveitoso começar uma 
viagem sabendo-se o destino final do que se 
perguntando sobre o porquê de viajar. O conceito 
inspira os caminhos a buscar, enfatiza pontos de 
vista e até mesmo alerta para a necessidade de 
reflexão a respeito da sua validade. 
§ 3º Meu conceito busca abarcar alguns 
pontos fundamentais da produção literária: o que 
se expressa, como se expressa, de que lugar se 
expressa e com que objetivos se expressa. Como 
todo conceito, é provável que mereça revisões e 
críticas, mas nem por isso sua importância se 
anula. Temos aí um norte que guiará as opiniões 
aqui colocadas e poderá mostrar aos leitores os 
limites da minha abordagem. 
28 
 
§ 4º Ao longo deste ensaio, o leitor 
encontrará constantemente a expressão 
acontecimento literário6, que adoto sempre que 
quero me referir a algo que vai além do texto em 
si, mas que ainda é inerente à literatura. Trata-se 
do estar no mundo da literatura, que é concebida, 
mas nunca acabada e, por isso mesmo, sempre 
ressignificada num processo que não deve ser 
ignorado em detrimento do texto puro e simples. 
É, dessa forma, algo que percebo como uma 
 
6 É comum utilizar-se, nos estudos literários, a expressão 
“fenômeno literário” quando se pretende levar em 
consideração algo mais na natureza da literatura que o texto 
em si. Foi, durante certo tempo, o termo que também 
utilizei. Porém, atualmente não o tenho adotado pois 
percebo que muitas vezes ele aparece sem muito critério (ora 
tratando do texto, ora de suas características, ora da relação 
entre texto e leitura etc.). Outra possibilidade é a escolhida 
por Castagnino (1970), que adotou a expressão “fato 
literário”. Para os contornos que aqui eu pretendo dar à 
questão, pareceu-me mais apropriado utilizar um termo 
próprio, até porque a expressão “fenômeno” traz em si uma 
conotação um tanto “sobrenatural”, que não é o que eu 
pretendo inspirar com minhas colocações, e o termo “fato”, 
por sua vez, faz pensar em algo acabado, pronto, já dado. 
“Acontecimento” remete, ao mesmo tempo, ao ser e ao estar 
da literatura, sua natureza e sua relação com pelo menos um 
momento histórico, sua vinculação com o tempo. Eis aí a 
abordagem que é mais coerente com minhas reflexões. 
29 
 
trindade una, englobando a produção da obra em 
si, o texto dela resultante e a sua recepção 
(leitura), de forma indissociável. Não dá para 
pensar no autor sem observar o texto que 
produzirá nem a expectativa que tem de encontrar 
leitores para esse texto; não dá para pensar no 
texto como elemento isolado, sem imaginar os 
contextos históricos de sua produção ou recepção; 
não dá para pensar na recepção, senão numa 
relação constante com o texto e o contexto de sua 
produção. 
§ 5º Quando se falar em leitura7 neste 
texto, não se entenda jamais como uma situação 
ideal, seguindo um modelo esperado de leitor ou 
de recepção. A leitura aqui contemplada é plural: 
diz respeito a possibilidades, não a uma 
determinada expectativa. Perceba-se que, como 
 
7 Obviamente, temos aí uma simplificação. Como se verá ao 
longo do texto, considero como literatura também os textos 
orais. Portanto, onde se lê “leitura” e “leitor(es)” deve-se 
considerar, como possibilidades, também “audição” e 
“ouvinte(s)”. 
30 
 
irei argumentar no momento próprio, o 
acontecimento literário pressupõe o contato de 
várias subjetividades com o texto, em momentos 
distintos e com interesses distintos. É nisso que 
pensamos ao tratar de leitura, leitores e recepção. 
§ 6º Outra noção que merece explicação é 
a de tempo. Quando ela aqui aparecer não será em 
referência a um dos elementos da narrativa (como 
o narrador, o espaço etc.), pois este estudo não 
procede, em nenhum momento, na sondagem de 
questões particulares dos gêneros literários. 
“Tempo”, neste texto, tem a ver com questões 
extrínsecas, contextuais, históricas e se relaciona 
indistintamente tanto à prosa quanto à poesia e ao 
teatro. 
 
31 
 
LITERATURA E EXPRESSÃO 
 
§ 7º O termo expressão utilizado no § 1º 
deve aqui ser entendido de forma ampla. A arte 
necessariamente surge da intenção de 
comunicação despertada numa consciência. Trata-
se, portanto, de suprir uma necessidade básica de 
se fazer ouvir, de comunicar-se. 
§ 8º Logo, enquanto fruto inconteste da 
capacidade humana de linguagem, que é interativa 
e cultural8, a literatura não deixa de repercutir: i) 
 
8 A quantidade de estudos à disposição do interessado em 
sondar a problemática da linguagem é enorme. Não poderei 
dar uma noção completa da bibliografia já produzida, nem 
mesmo dos livros que possuo em minha biblioteca. Deixarei 
como indicações três obras introdutórias, a partir das quais o 
estudante poderá seguir seus próprios caminhos: i) LYONS, 
John. Lingua(gem) e linguística: uma introdução. Rio de 
Janeiro: LTC, 2013; ii) FIORIN, José Luiz (org.). 
32 
 
os anseios individuais, a necessidade de 
exteriorizar o que se sente, de encontrar a 
cumplicidade de uma consciência ouvinte/leitora; 
ii) o complexo sociocultural no qual o autor está 
inserido, pois parece impossível a expressão de 
conteúdos puramente subjetivos, semqualquer 
interferência exterior. 
§ 9º Porém, contiguamente à necessidade 
de se fazer ouvir vem o interesse por escutar. Está 
aí a outra face da capacidade de linguagem. A 
intenção comunicativa de que falamos não pode 
realizar-se senão tendo em vista alguém com quem 
nos comunicaremos. Não se fala para ninguém, 
não se escreve sem a ideia de um leitor (ainda que 
num diário, escreve-se ou para que o próprio autor 
possa ler no futuro ou na expectativa de que um 
dia alguém desvende os segredos ali contidos). A 
 
Introdução à linguística: I. objetos teóricos 6. ed. São 
Paulo: Contexto, 2019; iii) MARTELOTTA, Mário Eduardo 
et al. Manual de linguística. 2. ed. São Paulo: Contexto, 
2020. 
33 
 
literatura é expressão porque ela é fruto de uma 
necessidade de interação. 
§ 10 O impulso criativo é também um 
impulso da consciência que quer gritar ao mundo 
suas impressões a respeito de algo, que quer 
compartilhar com alguém os seus sentimentos e 
anseios. É o grito incontido de quem precisa ter 
voz, é o chamado ao diálogo ou à ação, é a ânsia 
pelo contato, o desejo de aceitação ou a 
expectativa do choque. 
§ 11 Expressar-se é também (ou 
principalmente) um ato de coragem. É aceitar o 
risco de expor sua subjetividade, de mostrar suas 
fraquezas e temores. É apresentar sua face para o 
beijo acolhedor ou o tapa de ódio. Nunca é um 
grito para o vazio, é um chamado à comunhão ou 
ao debate. 
§ 12 Assim sendo, como todo texto, a 
literatura serve de elo, de contato, entre duas 
subjetividades: a de quem produz/comunica e a de 
34 
 
quem exerce o papel de destinatário daquela 
informação. 
§ 13 Pelo que ficou dito no § 12, percebe-
se que o texto literário carrega em si o status de 
“ponto de encontro”. É provável que ninguém vá a 
um romance, um conto, um poema, buscando 
apenas as palavras. O grande foco nunca é o texto, 
não costumamos pensar nele quando abrimos um 
livro, por mais que saibamos ou imaginemos que 
aquele texto é envolvente, elegante, chamativo, 
intrigante. Abrimos um livro de literatura em 
busca de vivências, de experiências, de 
humanidade (ainda que aceitemos a possibilidade 
de aquelas vivências serem fruto de uma 
“invenção”, mas justamente por serem invenção 
apoiada, inspirada, ocasionada por sentimentos 
bem reais e bem humanos). Como ponto de 
encontro, o texto é aquele lugar privilegiado onde 
duas consciências interagem, dialogam, doam-se, 
completam-se, apaixonam-se, disputam, 
combatem. 
35 
 
§ 14 Perceba-se: foi dito no § 13 que num 
texto literário duas consciências “doam-se”, 
colocando não apenas o autor, mas também os 
leitores como sujeitos ativos do acontecimento 
literário. A verdade é que um bom autor reveste 
sim o seu texto de uma criatividade muitas vezes 
inebriante, mas isso de nada adiantaria sem o 
outro lado da história. O texto não termina quando 
o autor o coloca no papel. Ali apenas começa a sua 
história, que se completa um pouco mais a cada 
nova leitura. 
§ 15 Quando da leitura da obra literária, 
as consciências do autor e do leitor meio que 
ocupam o mesmo lugar, num diálogo. Daí porque 
a literatura é tão encantadora: nela encontramos 
as repercussões daquilo que sentimos, daquilo que 
sofremos, daquilo que ansiamos. O texto literário é 
tão intenso porque ao lê-lo não estamos apenas 
decodificando palavras, estamos dialogando. Ali 
experimentamos novas vidas, ali relembramos 
36 
 
experiências, ali nos assustamos com a 
possibilidade do futuro. 
§ 16 O encanto do acontecimento literário 
está no fato de que ele nunca é expressão a esmo e, 
muito mais: ele nunca expressa nada que não seja 
humanamente possível9 e que irá encontrar 
repercussão em outras consciências. Mais à frente 
(§ 50 e seguintes) será possível entender que a 
literatura é fruto de uma intuição e, por isso, 
resulta de um impulso natural que, no fim, 
desperta um novo e intenso impulso natural (nas 
mentes dos leitores). Isso é vida! 
§ 17 Os leitores são, portanto, não apenas 
receptores de informações e, por conseguinte, sua 
 
9 Certamente há de se ter a compreensão de que mesmo um 
texto de ficção científica reflete as expectativas do ser 
humano em relação ao futuro, à vida em outros planetas, a 
outras possibilidades de real amparados nos avanços 
científicos. Mesmo a literatura fantástica ou de horror, 
expressando o sobrenatural, reflete nossos medos, nossas 
crenças, nossos fantasmas interiores. Tudo isso é bem 
humano! 
37 
 
tarefa não é apenas interpretar os sentidos 
colocados numa obra. O ato da recepção do texto 
literário10, tal qual o compreendemos, é sempre 
uma coparticipação na criação de significados para 
um texto literário. 
§ 18 Portanto, o fato de a literatura ser 
fruto de uma “expressão” não quer dizer que sua 
natureza anula o diálogo e a interação11. Pelo 
contrário, pela própria exigência mesmo de um 
interlocutor, o caráter expressivo do texto literário 
aponta para o contato inevitável do autor com os 
leitores durante a efetivação do acontecimento 
literário. 
 
10 A respeito da importância da recepção para a constituição 
do acontecimento literário, indico o estudo da Estética da 
Recepção, tendo como ponto de partida a leitura dos vários 
textos presentes em Lima (2002). 
11 A leitura de Candido (2006) pode auxiliar na 
compreensão da literatura a partir do seu caráter dialógico, 
que ele chama de “sistema simbólico de comunicação inter-
humana” (p. 31). 
38 
 
§ 19 Os leitores, sujeitos ativos de todo 
esse processo, tomam conhecimento do universo 
sugerido pela obra (fruto do impulso criativo do 
autor, fruto de sua intuição) e, a partir daí, 
agregam-lhe significados. Dá-se, por meio do texto 
um encontro de subjetividades: i) aquela que 
inspirou o texto e que, por assim dizer, está dentro 
dele, de forma latente; ii) aquela que frui o texto, 
no momento da leitura, trazendo também, para 
esse momento de recepção, todo um complexo de 
sentimentos, experiências, ideologias, expectativas 
etc. 
§ 20 É óbvio que esse processo pode 
colocar em jogo não apenas um contato amistoso, 
integrado, harmonioso, prazeroso entre essas duas 
subjetividades. Como processo histórico e 
ideológico, o acontecimento literário pode resultar 
em crise, crítica, desconstrução, repulsa, negação 
etc. Da mesma forma que não se escreve um texto 
senão de um lugar ideológico, também não se lê 
um texto desvinculado desse caráter (nos 
39 
 
parágrafos destinados a tratar de literatura e 
historicidade - § 35 a 49 - voltarei a tratar disso). 
§ 21 Porém, é necessário estar atento a 
uma verdade inquestionável: se o texto literário 
inspira várias leituras, é bem verdade que ele não 
inspira todas. O leitor, por mais que esteja 
inserido nesse diálogo de subjetividades, não pode 
deixar de observar o texto. Suas colocações, suas 
interpretações devem partir do que 
verdadeiramente foi expresso pelo autor. É em 
relação a isso que o leitor deve se colocar, nunca 
baseando-se em “achismos” ou inferências falsas. 
Enfim, é necessário não cair no perigo da 
superinterpretação12. 
§ 22 O texto literário é um objeto palpável 
que representa, para contemplação do público, 
aquilo que se passou na mente do artista no 
momento de criação. Ali está o seu olhar, a sua 
visão de mundo, sua intuição a respeito de algo e 
 
12 Cf. Aguiar e Silva (2018, p. 35 e 36). 
40 
 
as conclusões que tirou daquilo. É nisso tudo que o 
leitor deve basear-se para construir sua 
interpretação, ainda que traga, também, toda uma 
série de elementos de sua própria experiência para 
agregar ao processo interpretativo. 
§ 23 Em momento oportuno (§ 50 e 
seguintes), voltarei a tratar da expressão literária 
no que diz respeito ao objeto dessa expressão. 
Agora, é chegado o momento de abordar a forma 
como o artista se expressa quando decide produzir 
literatura. De um modo geral, a noção de 
expressão podeser aplicada a todas as artes. A 
especificidade da expressão literária não está na 
comunicação de sentimentos ou na interação que 
daí resulta. Tem-se aqui uma forma particular 
plasmar sentimentos e impressões: a palavra. É 
dela que tratarei abaixo. 
 
 
41 
 
A ARTE DA PALAVRA 
 
§ 24 Foi dito no § 1º que a literatura é 
expressão, mas expressão verbal. Entende-se por 
verbal o tipo de linguagem que se expressa por 
meio de palavras, orais e/ou escritas. 
§ 25 Se a expressão em si é inerente ao 
próprio caráter humano e se, conforme apontado 
no § 7º, a arte de um modo geral é expressiva, 
faltava indicar o que necessariamente diferenciava 
a literatura das demais formas de produção 
humana no que diz respeito ao seu meio de 
expressão. 
§ 26 A diferença da literatura para as 
demais artes está no fato de que ela se utiliza das 
palavras como forma de expressão, assim como o 
42 
 
que torna a pintura única são as cores, o que 
constitui a matéria prima do músico é o som, o 
que faz o expectador tomar conhecimento da 
dança são os movimentos do corpo do dançarino. 
§ 27 O escritor literário é, portanto, 
aquele indivíduo que escolhe expressar sua 
intuição criativa por meio de textos, assentes sob a 
forma de gêneros literários13. Cada um à sua 
maneira, com sua organização e ponto de vista 
próprio, expressando também sempre um modo 
específico de intuição, os gêneros são um molde 
que o artista utiliza para orientar sua produção e, 
ao mesmo tempo, são as searas férteis em que ele 
cultivará novas formas de expressão. 
§ 28 Uma obra literária é 
consequentemente um artefato linguístico e, como 
 
13 Uma discussão a respeito dos gêneros literários escapa aos 
objetivos deste ensaio. Pretendo discuti-la a fundo em obra 
posterior. Por enquanto, para o estudante interessado, 
indico a leitura de Tavares (2002), Coutinho (2008), Samuel 
(2011), Moisés (2012), Hamburger (2013), Aguiar e Silva 
(2018), Todorov (2018). 
43 
 
tal, carrega em si todo o potencial significativo, 
estilístico, sonoro, morfológico, sintático que a 
língua na qual foi produzida possui (inclusive, a 
própria busca por explorar esse potencial 
significativo é condição para que o texto alcance o 
belo, conforme abordarei a partir do § 88). 
§ 29 Muitos estudiosos já se voltaram 
para a linguagem literária a fim de sondar suas 
especificidades14. Não cabendo aqui explorar a 
fundo tais aspectos, lembro que o texto literário é 
sempre assente numa determinada língua (pois a 
linguagem verbal não é possível de outra forma), 
elevando ao grau máximo as suas possibilidades 
expressivas. É sempre por meio da literatura que 
uma língua logra alcançar alguns dos patamares 
 
14 Para uma revisão do debate a respeito da natureza da 
literatura, indico as seguintes leituras: Castagnino (1969), 
Wellek e Warren (1976), Veríssimo (2001), Tavares (2002), 
Amora (2006), Samuel (2011), Moisés (2012), Hamburger 
(2013), Pound (2013), Aguiar e Silva (2018), Todorov (2018 
– principalmente o primeiro capítulo) e Eagleton (2019). 
44 
 
mais ricos de plurissignificação e da 
metaforização. 
§ 30 De tudo isso resulta a não submissão 
à clareza, à transparência na expressão das ideias. 
O texto literário por vezes é ambíguo, opaco, 
insubordinado sintaticamente, repleto de 
metáforas. Obras que serviriam de exemplo para 
tais afirmações são abundantes em qualquer 
literatura, pelo menos as ocidentais. 
§ 31 Na literatura, a escolha das palavras 
não obedece a critérios de clareza e 
informatividade, mas é sempre diretamente ligada 
ao objetivo estético, lúdico. 
§ 32 Em O ser e o tempo da poesia, 
Alfredo Bosi15 afirma que, no poema, força-se o 
signo para o reino do som. Parafraseando o 
mestre, eu diria que na literatura em geral força-se 
o signo para o reino do improvável. Dentro de uma 
 
15 BOSI, Alfredo. O ser e o tempo da poesia. São Paulo: 
Companhia das Letras, 2000. 
45 
 
obra literária uma palavra, um sintagma, uma 
imagem sempre podem ter significados variados, 
inesperados. O termo “memória”, ao aparecer no 
romance de Machado de Assis (Memórias 
póstumas de Brás Cubas), adquire um novo 
matiz, supera expectativas, ganha contornos 
inusitados. A palavra “pedra”, quando no poema 
de Drummond (No meio do caminho tinha 
uma pedra) é ressignificada, abunda em 
possibilidades interpretativas. 
§ 33 Retomando o que foi exposto no § 
24, chamo atenção para o fato de que, sendo a 
literatura uma expressão verbal, ela se constitui 
como uma materialização da capacidade 
linguística por meio de textos tanto orais quanto 
escritos. 
§ 34 Portanto, considero as manifestações 
orais como partes do conjunto que forma a 
literatura. Assim, ao lado de contos, romances, 
crônicas, poemas impressos, roteiros teatrais etc., 
46 
 
estão os mitos, as lendas, as parlendas, a poesia 
oral... Tais manifestações comungam de várias das 
características que exploro ao longo deste ensaio16 
e seria pouco criterioso exclui-las do âmbito da 
literatura apenas levando em conta sua não 
impressão no papel. Já em termos de abordagem 
crítica, parece adequado concordar com Massaud 
Moisés17, quando ele afirma que o exercício da 
crítica pressupõe a contemplação do texto 
impresso (ainda que seja o próprio pesquisador 
quem tome a iniciativa de verter para o papel o 
texto que até então apenas circulava oralmente). 
§ 35 O fato é que, oral ou escrita, a 
linguagem literária se reveste de peculiaridades. 
Cada estudioso vai aplicar a tais peculiaridades um 
determinado conceito: linguagem portadora de 
metáforas polivalentes (MOISÉS, 2012), de 
 
16 Embora, também, possuam suas determinações próprias, 
que implicam e exigem posturas específicas por parte 
daqueles que pretendem estudá-las. Sobre tais 
especificidades, sugiro a leitura de Candido (2006). 
17 (2012, p. 6). 
47 
 
literariedade (JAKOBSON apud EICHENBAUM, 
2013), de significantes parciais (ALONSO, 1966) ... 
Independentemente do termo utilizado, fica clara 
essa peculiaridade, que faz com que a linguagem 
seja o primeiro aspecto que salta os olhos na 
leitura de um romance, de um conto e 
principalmente da poesia. Dificilmente passam 
despercebidos os textos de Guimarães Rosa, de 
Clarice Lispector, de Manuel de Barros, de 
Augusto dos Anjos, de Machado de Assis. Cada um 
ao seu modo, uns de forma mais intensa, outros de 
modo mais comedido, todos apresentam um 
tratamento particular em relação à linguagem. 
§ 36 Se a linguagem literária tem na 
metáfora o seu núcleo18, se ela é “carregada de 
significados”19, se nela chama atenção “o valor 
significativo e expressivo dos termos”20, temos aí a 
justificativa do título desta seção. Estamos diante 
 
18 Moisés (1982). 
19 Pound (2013). 
20 Tavares (2002). 
48 
 
da arte da palavra, a arte que faz do verbo seu 
aliado para a reconstrução da realidade. 
49 
 
LITERATURA E HISTORICIDADE 
 
§ 37 A literatura é expressão verbal 
historicamente situada. Por isso, o acontecimento 
literário tem uma vinculação indiscutível com o 
tempo e a sociedade21. Não existe obra isolada 
desses dois fatores22, assim como a própria leitura 
 
21 Sobre a relação da literatura com a sociedade, com o 
tempo, com as ideologias há muitos trabalhos importantes à 
disposição. Indico principalmente a leitura de Candido 
(2006), mas também pode ser relevante a consulta de Bosi 
(2000, op. cit.). Embora trate especificamente do gênero 
poético, o livro de Bosi é de uma sensibilidade ímpar na 
consideração do caráter sempre socialmente vinculado da 
literatura. E muito influenciou a abordagem que ponho em 
prática neste ensaio. 
22 Nem sempre isso salta aos olhos. Em alguns casos tal 
caráter só é percebido quando refletimos melhor a respeito 
do texto. Como exemplo, cito o poema Namorados, de 
Manuel Bandeira. Num tom coloquial o poeta parece 
simplesmente abordar, com muita sensibilidade uma cena 
cotidianade um jovem casal. Mas a liberdade do texto, a 
50 
 
não pode alhear-se deles. Tempo cronológico, 
história, cultura e ideologias são aspectos 
(contextuais) essenciais da relação dos elementos 
linguísticos da obra literária (cotextuais) com o 
mundo palpável, real. Desconsiderá-los é correr o 
risco de não entender uma obra em sua totalidade, 
é privar-se de estar atento às referências que uma 
obra faz ou de compreender as ideias que 
motivaram sua produção. 
§ 38 A produção do texto literário é um 
ato historicamente vinculado e o texto carrega em 
si as marcas dessa vinculação. A recepção desse 
mesmo texto se constitui num novo ato histórico, 
que o ressignifica, o enriquece e o expande. Se um 
texto nunca é vazio de sentidos e de riqueza 
estética e estilística antes da leitura, é bem 
 
própria escolha do tema e a forma como é realizado 
evidenciam a vinculação do autor ao período literário 
conhecido como Modernismo. Às vezes a o momento 
histórico e a sociedade não são o tema, mas a inspiração ou, 
ainda, o elemento influenciador do estilo, que muitas vezes 
só é percebido num segundo momento, já de reflexão a 
respeito da leitura. 
51 
 
verdade que após ela (ou as várias leituras) aquele 
texto ganha um pouco mais de riqueza, pois foi 
ressignificado num novo contexto, contemplado 
sob um olhar diferente daquele que tivera o seu 
autor, expandido pelas nuances de um novo 
momento histórico. 
§ 39 Um estudo sério a respeito da 
literatura não pode deixar de mencionar essa 
vinculação, ainda que não possua como objetivo a 
sondagem detalhada de tal relação. Este ensaio 
não é nem pretenderia ser uma Sociologia da Arte 
ou uma Crítica Política, mas ao assumir a tarefa de 
apontar os principais aspectos que entram em jogo 
para a existência do acontecimento literário, eu 
não poderia me esquivar da necessidade (e mesmo 
da obrigação) de observar o quanto a arte em geral 
e a literatura bebem dos elementos contextuais. 
§ 40 A relação da literatura com a 
historicidade passa, inevitavelmente, pelo tempo. 
Enfatizo o termo “tempo” para referir-me aos 
52 
 
contextos historicamente situados em que cada 
texto é concebido e lido, que nunca são iguais, 
porque sempre recebem a influência do período 
em que se estabelecem23. A escolha tem também 
outra razão: a relação da obra literária com o 
tempo é tão forte que chega a ser conflitiva, de 
modo que o acontecimento literário pode colocar 
em jogo até quatro tempos distintos (de uma vez!). 
§ 41 Pense num leitor contemporâneo de 
Dom Casmurro, de Machado de Assis. Ao tomar 
o livro para leitura ele se insere num 
acontecimento literário que de pronto coloca em 
evidência dois tempos históricos e bem reais: o de 
produção da obra e o de recepção. São tempos 
diferentes, mas também sociedades diferentes que 
se relacionam naquele momento. Pode haver um 
choque, pode haver o estranhamento, pode haver a 
cumplicidade, mas a diferença estará sempre 
 
23 Talvez seja interessante, para entender a importância da 
historicidade na constituição do acontecimento literário, a 
leitura de Castagnino (1970). 
53 
 
latente. Porém, não é tudo: o próprio texto possui 
um tempo interno, como qualquer obra. Esse 
tempo interno menciona dias, anos, institui 
referências históricas de um passado anterior ao 
da escrita do texto... Perceba-se: temos um escritor 
produzindo uma obra na República Velha, 
ambientando seu livro no Segundo Império e 
sendo lido no século XXI. Mas é claro que não é só 
isso. Há ainda a sucessão das várias leituras da 
obra ao longo do tempo, os diferentes impactos 
que causou, as mudanças de opiniões (que 
refletem mudanças sociais) ... É provável que tudo 
isso venha à tona, principalmente num livro que já 
entrou para o imaginário cultural do país: 
certamente nosso leitor hipotético sabe da grande 
dúvida (traiu ou não?) antes mesmo de abrir o 
livro. Essa sucessividade de momentos e recepções 
inegavelmente contribui para a história do texto. 
§ 42 São quatro tempos em relação (em 
harmonia ou em choque), mas poderiam ser três, 
dois (às vezes o contexto de produção é o mesmo 
54 
 
da recepção, então não há nem a disparidade 
temporal nem uma sucessão de recepções). Não 
importa agora sondar tais questões quantitativas 
quando nosso objetivo é perceber que literatura (e 
arte) não seria nada se não trouxesse em si, em 
tudo o que a envolve desde a gênese até a leitura 
(complexo que chamo aqui de acontecimento 
literário) as repercussões da relação do homem 
com o tempo. Ela careceria de verdade. 
§ 43 História também é cultura e 
ideologia (desde aquilo que motiva as relações 
humanas até o que determina a própria narrativa 
da história). Quando um texto nasce, não flutua 
sobre as nuvens ou descansa sob uma redoma: ele 
nasce num mundo que pulsa com a variedade 
cultural, social, política, ideológica, religiosa. O 
autor se filia, ao seu modo, a cada um desses 
aspectos. Ele tem (ou não) uma religião, uma visão 
do que é a cultura, uma filiação política, um 
conjunto de ideologias, um lugar social... A obra 
traz tudo isso em si, mas não paramos por aqui. 
55 
 
Sendo fruto de uma vinculação cultural e 
ideológica, o acontecimento literário é palco de 
afirmações e de disputas. 
§ 44 O autor pretende muitas vezes não 
apenas se fazer ouvir, mas convencer, inspirar, 
afrontar. Se daí para o panfleto é um passo (e a 
arte perde muito quando é usada como pretexto 
para o puro panfleto), a verdade é que a boa 
literatura, logrando aliar a riqueza da forma com a 
força do conteúdo, irá sim, ao passo em que 
encanta, diverte, distrai, trazer em si as marcas 
dessas relações, com aquilo que tem de 
agregamento e disputa. 
§ 45 Parece mesmo que toda grande obra 
é política. É assim de Jorge Amado a Itamar Vieira 
Júnior, passando por Chico Buarque, por 
Drummond. Mas não nos enganemos: isso não é 
produto da contemporaneidade. Sempre foi assim! 
Homero (e sua tomada de partido em prol dos 
gregos na Ilíada - o “Catálogo das Naus” é um 
56 
 
grande canto sobre o poderio militar e político) e 
Victor Hugo (com seu monumental manifesto que 
é Os Miseráveis) são exemplos perfeitos. 
§ 46 Mas, assim como acontece com o 
tempo, que se liga não apenas à produção, mas 
também à recepção das obras, a cultura e as 
ideologias também estão presentes em cada leitor. 
§ 47 E, se no § 40 evidenciei que o 
acontecimento literário pode colocar em relação 
ou conflito até quatro tempos distintos, é 
importante destacar que o mesmo pode ser dito da 
cultura. Pode haver uma cultura do autor, uma do 
leitor, uma interna da obra e todo o complexo de 
diferentes culturas das várias possíveis recepções 
que somaram à obra visões de mundo, significados 
etc. ao longo do tempo. Pense no poema I-Juca-
Pirama, de Gonçalves Dias. Tal poema remete a 
uma cultura (que lhe “habita” internamente), mas 
que não é evidentemente a mesma do seu autor. 
Um leitor do interior do Nordeste brasileiro do 
57 
 
século XXI possui uma cultura distinta das duas já 
mencionadas e a história do texto desde a sua 
produção, há mais de 170 anos (que também 
integra o seu acontecimento literário, porque o 
texto sempre é ressignificado a cada leitura), 
evidencia a enorme quantidade de diferentes 
culturas que com ele já se relacionaram. 
§ 48 A história do texto literário vai se 
adensando e enriquecendo à medida em que novas 
leituras vão sendo feitas ao longo do tempo, cada 
uma delas trazendo para a recepção as marcas do 
seu contexto. 
§ 49 É por isso que obras são esquecidas, 
autores são “sepultados”, tendências estéticas 
surgem e desaparecem. Quando já não são aceitas 
como portadoras das mensagens que precisam ser 
ditas, as obras e as estéticas são relegadas ao 
ostracismo, novos autores são exaltados, novas 
obras passam a figurar entre as mais comentadas, 
estudadas, recomendadas. Mas, comonada é 
58 
 
eterno, ou mesmo como a história humana parece 
ser antes um grande ciclo do que um contínuo, não 
é incomum que tendências ressurjam, que autores 
sejam “ressuscitados”, que obras voltem a ser lidas 
e estudadas. Sobre isso, ninguém tem controle, 
apenas segue-se a marcha do tempo. 
59 
 
LITERATURA E INTUIÇÃO CRIATIVA 
 
§ 50 O texto literário é fruto de uma 
intuição criativa. Não basta, para tratar do 
acontecimento literário, associá-lo à expressão 
verbal ou à historicidade. O cientista, o jornalista, 
o historiador, todos eles se utilizam de palavras e, 
claro, em sua atuação profissional não se 
desvinculam de uma época nem de uma cultura. 
Porém, o escritor literário não produz o mesmo 
tipo de texto que o jornalista, o cientista, ou o 
historiador. Há na literatura uma postura 
diferente diante dos objetos e é sobre tal postura 
que pretendo tratar nos próximos parágrafos. 
60 
 
§ 51 É na noção de intuição24 que reside o 
cerne do fazer literário. Ao intuir a respeito de 
determinada coisa, o ser humano submete aquele 
objeto do mundo real ou realizável aos imperativos 
de sua consciência. A intuição independe de 
conhecimento teórico ou racional, tratando-se de 
uma faculdade subjetiva e inata de nossa espécie. 
 
24 A noção de intuição como fator fundamental do 
acontecimento literário foi explorada por Tavares (2002) e 
Amora (2006). Indico também a leitura de ALONSO, 
Dámaso. Poesía española: ensayo de métodos y limites 
estilísticos. Madrid: Gredos, 1966, que embora seja uma 
obra específica sobre o texto poético, muito pode esclarecer a 
respeito da intuição não apenas do autor, mas também do 
leitor para a consolidação do acontecimento literário. Em 
termos mais gerais, o livro de Croce (2008), tratando da arte 
como um todo, também aborda a questão. Já para uma 
noção mais ampla de intuição, extrapolando o campo 
estético e já dentro de uma perspectiva que sonda os 
componentes do pensamento e do conhecimento humano, 
indico STEINER, Rudolf. Intuitive thinking as a 
spiritual path. Hudson: Anthroposophic, 1995. Para um 
passeio rápido, porém panorâmico, das discussões acerca da 
intuição ao longo da história da filosofia, recomendo a 
leitura do verbete específico em ABBAGNANO, Nicola. 
Dicionário de filosofia. 6. Ed. São Paulo: Martins Fontes, 
2012. Vale ressaltar que, embora minha compreensão a 
respeito da intuição artística tenha como base esses e outros 
textos, ela assume aqui contornos bem específicos e, em 
certa medida, originais. 
61 
 
§ 52 O olhar intuitivo para o mundo é o 
olhar básico, primordial, essencial, não-mediado 
que estabelece uma relação subjetiva do indivíduo 
com aquilo que é contemplado. O mesmo dizemos 
dos sentimentos: também intuímos a respeito 
daquilo que sentimos e o resultado dessa intuição 
nem é nem precisa ser igual ao olhar 
especializado, como o do psicólogo, o do cientista 
etc. 
§ 53 Porém, se é verdade que a intuição 
pura e simples é natural e está presente, 
potencialmente, em todos os seres humanos, não 
há que se negar dois aspectos muito importantes 
na consideração da questão: i) não intuímos de 
forma semelhante - a experiência com o real, com 
o fato, o objeto, o sentimento é sempre única, 
como únicas são as personalidades; ii) em se 
tratando de arte, o processo de intuição vai além 
da pura impressão. Isso porque, partindo da 
contemplação, o olhar do artista se reveste de uma 
62 
 
intuição criativa, e a presença de tal adjetivo já 
demonstra uma postura diferente a ser adotada. 
§ 54 Com a intuição criativa é 
estabelecido um complexo de relações que passa 
pela contemplação, pela assimilação, pela 
pressuposição, pela idealização, pela avaliação e 
pela conclusão. 
§ 55 O ato de contemplar o objeto ou 
experimentar o sentimento é o primeiro passo da 
produção literária. É ele que desperta o artista 
para a necessidade de expressão, é ele o ponto 
inaugurador do acontecimento literário. Perceba-
se: aqui tenho me referido mais especificamente a 
“objetos” e “sentimentos”, mas a verdade é que a 
intuição pode partir de uma ideia. Isso não anula o 
processo: contemplar a ideia, o impulso cognitivo 
que veio à mente é, também, uma forma de iniciar 
a intuição criativa. 
§ 56 A assimilação pressupõe o início da 
reflexão a respeito do objeto. O ato de produção 
63 
 
literária nunca se esgota na simples observação ou 
no simples experimentar de um sentimento 
qualquer. É aqui que o escritor “traz” a realidade 
para o convívio de sua mente. Mais à frente, irei 
argumentar que a literatura nunca é a realidade e 
é na assimilação que se inicia esse processo de 
conversão da realidade em algo distinto. O objeto 
contemplado passa, agora, na mente do artista, 
pelo confronto com a subjetividade e os elementos 
de caráter histórico (como o tempo e a ideologia, 
que citei anteriormente). 
§ 57 Com a pressuposição inicia-se o 
processo de levantar-se conjecturas a respeito do 
objeto contemplado. Aqui a subjetividade do autor 
começa a trabalhar de modo mais intenso, 
trazendo contribuições importantes não apenas 
para a significação do objeto que será despertada 
na mente, mas principalmente para o confronto 
que o indivíduo fará dos seus sentimentos com o 
objeto. Que tipo de sentimentos aquilo desperta? 
Quais ideias são trazidas à mente? E por quê? 
64 
 
Nesta etapa os aspectos históricos e ideológicos 
que tinham entrado em cena na assimilação 
começam a influenciar o artista na compreensão 
que dará e nas afinidades que terá em relação ao 
que é contemplado. Também é nesta etapa que a 
intuição artística começa verdadeiramente a 
ganhar contornos diferenciados em relação à 
intuição natural presente em todos. 
§ 58 A idealização é a gênese da ficção. É 
aqui que o acontecimento literário se volta para o 
campo das possibilidades e o escritor começa a 
desprender-se dos contornos reais do objeto 
contemplado e a analisá-lo a partir dos contornos 
subjetivos que sua mente lhe foi dando desde o 
início do processo. Trata-se, pois, de colocar em 
evidência o processo imaginativo, a criatividade. 
§ 59 Na avaliação o autor reflete sobre o 
produto dos processos anteriormente realizados. É 
aqui que a ideia, já formada, passa pelo confronto 
com a consciência crítica do autor. Aqui, avaliar 
65 
 
não passa, obviamente, pela atribuição de critérios 
quantitativos, mas sim pela autocrítica e pela 
análise. 
§ 60 Na conclusão o processo intuitivo 
enfim se completa. É neste ponto que o autor já se 
prepara para sair do campo da intuição pura e 
simples e partir para o campo da expressão. 
Dando por finalizada a contemplação e retirando 
dela todo um jogo de relações e significados, o 
escritor se sente pronto para devolver ao mundo 
palpável aquilo que dele colheu. Sua contemplação 
não se dera sem propósito, pois desencadeou um 
processo que estabeleceu uma nova existência, 
distinta daquilo que foi contemplado: a ideia 
intuída, que resultará na obra expressa. 
§ 61 Do momento em que observamos a 
coisa ou experimentamos o sentimento até o exato 
ponto em que concluímos algo a seu respeito, tudo 
pode se dar de maneira muito rápida (e não 
necessariamente linear), mas sempre estabelece 
66 
 
fortíssimos impulsos emocionais em nossa 
consciência. Da observação de uma bela paisagem 
ou da experiência do amor ou do medo, podem 
resultar inúmeras impressões, todas elas 
estabelecidas a partir de uma atitude intuitiva. 
§ 62 Assim, um texto literário é sempre 
repleto de subjetivismo, de sentimentos e de 
visões do real, posto que é o resultado (e a 
expressão) de uma intuição. 
§ 63 Todavia, ao observar esse resultado, 
esse texto, veremos que aquele objeto que fora 
observado e intuído jamais será o mesmo. 
Submetido ao processo de idealização, o objeto ou 
sentimento agora não mais tem o aspecto de antes, 
mas aquele aspecto que lhe deu o autor. Trata-seda coisa não como ela é, mas como poderia ser, 
conforme já nos ensinava Aristóteles25. 
 
25 Aqui me refiro à questão da mimese aristotélica 
(ARISTÓTELES, 2017) e sua particularidade de ser não a 
cópia do real, mas a representação do real, de criar uma 
67 
 
§ 64 Ou seja, a literatura tem como base a 
realidade, mas nunca é a realidade. Por isso que a 
ficção é possível. Diante da pergunta: “o Poema 
tirado de uma notícia de jornal, de Manuel 
Bandeira é literatura?” a única resposta possível é 
que sim, pois ele não é uma notícia de jornal. Ele 
até pode ter se baseado em notícias reais, como já 
foi provado por estudiosos, mas ele não é a notícia. 
Sua organização (em versos), seu ritmo, o lugar 
que ocupa (um livro de poesia), tudo isso denuncia 
que o texto apresenta uma possibilidade de real, 
mas não é o real. Sua gênese não está no fato, mas 
na intuição do artista a respeito do fato. 
§ 65 Talvez agora seja possível entender 
porque eu argumentei no § 50 que o texto 
produzido pelo escritor literário é diferente 
daquele produzido pelo jornalista, o cientista ou o 
historiador: em todos estes casos o ponto de 
 
outra realidade, possível, em que seres agentes 
desempenham ações inspiradas no mundo real (LIMA, 
2003; HAMBURGER, 2013). 
68 
 
partida é o objeto real, é lá que o olhar do escritor 
está ancorado. Além disso, o real não é apenas o 
ponto de partida: o produto das reflexões e 
informações ali contidas também direciona o leitor 
para o mesmo real que originou o texto. Na 
literatura o ponto de partida não é o real, mas a 
intuição, e aquilo que estará no texto nunca será 
também o real em si, mas um real transfigurado, 
reconstruído, ressignificado. 
§ 66 Argumentei na seção anterior (§ 37 
até 49) que o texto literário é fruto não apenas dos 
sentimentos do artista, mas também da 
historicidade, sendo por ela influenciado a partir 
principalmente de dois elementos básicos: o 
tempo e a ideologia. Tais elementos obviamente 
têm sua influência direta no processo intuitivo, 
principalmente nas etapas de assimilação e 
pressuposição. É por isso que o resultado desse 
processo, plasmado no texto, reflete sempre uma 
69 
 
visão de mundo26 do autor, ou seja, seu modo 
pessoal de interpretar o mundo e as relações 
humanas. 
§ 67 Daí também resulta que, sendo a 
literatura fruto de um processo intuitivo e 
trazendo em si uma visão de mundo, ela não pode 
englobar todo o real. Temos aqui não apenas uma 
limitação, mas principalmente uma escolha. Pense 
num fotógrafo: ele não capta com sua câmera toda 
a realidade que o cerca, mas apenas aquela(s) 
cena(s), aquela(s) pessoa(s), aquele(s) 
acontecimento(s) que lhe parecem interessantes, 
intrigantes, marcantes, ou seja, dignos de 
eternizarem-se. O mesmo se dá com o escritor: sua 
sensibilidade se volta para um recorte do real e, 
consequentemente, o seu texto jamais poderá 
ultrapassar os limites desse olhar sensível. 
 
26 Massaud Moisés (2004 e 2012) discute com muita 
propriedade a relação entre a visão de mundo (cosmovisão; 
mundividência) e a literatura. Tal discussão extrapola os 
objetivos deste ensaio. 
70 
 
§ 68 A visão de mundo, pode-se concluir, 
é sempre um recorte possível, uma janela aberta 
que mostra apenas a parte do mundo exterior que 
cabe nas suas dimensões. O conjunto das obras 
literárias é como uma série de janelas numa 
parede de um casarão: cada uma mostra um ponto 
de vista, nenhuma mostra tudo, mas todas nos 
ajudam a entender melhor o que é o mundo. 
§ 69 Até o momento, tenho enfatizado um 
dos aspectos que formam o binômio que dá nome 
a esta seção: intuição criativa. Já tratei demasiado 
da intuição e sabemos como ela se dá e que dela 
não resulta o real, mas uma possibilidade do real. 
A essa possibilidade chamei de ficção. Agora resta 
refletir sobre tal termo. 
§ 70 O resultado do fazer literário é 
a ficção, porque esse fazer se apoia numa intuição, 
mas numa intuição criativa! O escritor literário 
“cria” uma realidade possível, inspirada no mundo 
real, mas nunca igual a ele, uma realidade 
71 
 
paralela. Sem esse passo decisivo não haveria 
literatura, mas apenas uma reflexão comum 
(senão um devaneio diante da emoção muitas 
vezes exagerada que toma o artista). 
§ 71 Logo, essa realidade possível, 
também chamada de pararrealidade,27 é um 
ambiente inspirado em nosso mundo real, mas 
diferente dele, porque, em última análise, ele não é 
o nosso mundo, mas uma possibilidade acerca de 
como ele poderia ser28, uma reconstrução do 
mundo, operada no interior da consciência do 
artista e externada por meio do texto literário. Tal 
é o grau de perícia e beleza conferido pelos bons 
artistas que, verdadeiramente, passamos a 
considerar os textos lidos como verdadeiros, de tal 
modo que, por meio deles, rimos, nos 
 
27 (MOISÉS, 2012, P. 11). Há autores que falam numa 
“supra-realidade” (TAVARES, 2002), termo com o qual não 
concordo. 
28 (ARISTÓTELES, 2017, p. 95). 
 
72 
 
emocionamos, nos revoltamos, refletimos... É 
como se estabelecêssemos um pacto com o autor, 
aceitando tomar sua obra como uma extensão do 
mundo palpável, como a confissão de algo real. Ou 
mais: como a confissão de algo nosso, ou pelo 
menos acontecendo ao nosso redor. 
§ 72 Porém, para que a minha posição 
fique clara, é necessário que eu explique duas 
coisas fundamentais a respeito do termo ficção 
antes de seguir adiante. 
§ 73 Em primeiro lugar, ao tratar da 
ficção como inerente à literatura, estou aqui 
englobando tanto a prosa de ficção propriamente 
dita, quanto a poesia e o teatro29. Isso quer dizer 
 
29 Há discussões a respeito de o teatro ser parte da literatura 
ou ser uma arte autônoma. Embora modernamente se 
agregue poesia, prosa e teatro sob o mesmo rótulo de 
literatura, a verdade é que o texto teatral, como o roteiro de 
cinema, tem propósitos diferentes. O acontecimento literário 
se dá num processo que começa com a intuição artística e 
termina com a recepção, ou seja a leitura (mas também 
audição, em caso de literatura oral) e interpretação da obra. 
O teatro, como o cinema, funciona de modo diferente. O 
acontecimento teatral envolve no meio do caminho entre 
73 
 
que toda obra que se pretende literária cria 
ficção30. Mesmo um poema lírico subjetivo e 
confessional, mesmo um romance histórico ou 
biográfico terá ficção (caso contrário não serão 
nem poema nem romance, ou seja, não serão 
literatura). Mesmo nesses casos o autor parte do 
sentimento real, do fato histórico ou da vida de 
alguém, mas só logrará êxito na escolha do nome 
que dá aos seus textos (poema ou romance) se de 
 
intuição e recepção todo um complexo de relações que lhe é 
próprio (ensaios, escolha do elenco, figurino, montagem do 
cenário, encenação em si etc.). Todavia, é fato que o texto 
teatral isolado (por mais que isolá-lo seja podar um pouco de 
sua natureza) pode ser lido perfeitamente como um 
romance, um conto... É, sem dúvidas, um tema complexo e, 
embora esteja chamando a atenção do leitor para tal fato, 
pretendo aqui apenas despertar a reflexão. Não é meu 
objetivo aqui, conforme já mencionado antes, tocar na 
problemática dos gêneros literários. Portanto, seguindo a 
prática majoritária, mencionei o teatro como parte das 
manifestações literárias. 
30 Käte Hamburger (2013) apresenta uma discussão 
interessante a respeito da relação da literatura com a ficção 
partindo da diferenciação entre a narrativa épica (terceira 
pessoa) e a narrativa em primeira pessoa e o gênero lírico. 
Tal distinção, embora relevante para a reflexão a respeito da 
natureza da literatura, não será contemplada aqui. 
74 
 
sua intuição resultar um texto em alguma medida 
criativo, ficcional. O fato é que um dado 
personagem histórico, quando no texto, está preso 
ao ponto de vista do autor (é a imagem da janela, 
que utilizei acima). Só nos será dado à 
contemplação aquilo que o autor vê(ou quer ver). 
Tal personagem não pode agir de tal ou tal modo, 
não tem liberdade alguma, além daquela que o 
texto lhe dá (ou lhe impõe)31. 
§ 74 No caso do poema lírico, a carga 
subjetiva colocada no momento da intuição a 
respeito do sentimento, da angústia, da paixão, da 
vivência é tão forte que o objeto que gerou a 
reflexão é muitas vezes exagerado, envolto numa 
aura mística, exaltado, desfigurado (expresso 
como belo ou feio ao extremo), enfim, o 
sentimento é real (como, de fato, todo ponto de 
 
31 Chamo atenção para as considerações de Wellek e Warren 
(1976, p. 27): “uma personagem de romance é diferente de 
uma figura histórica ou de uma figura do mundo real. É 
formada meramente pelas frases que a descrevem ou pelas 
que foram postas na sua boca pelo autor”. 
75 
 
partida em literatura tem alguma ancoragem no 
real), mas a obra que dele resulta é bem diferente. 
Não é o sentimento, é sua recriação. O poeta toma 
a realidade para dentro de si, submete-a a todas as 
etapas da intuição acima mencionadas e a devolve 
para contemplação, mas aí ela já não é a mesma. 
Portanto, tanto quanto a prosa, a poesia é também 
ficção! 
§ 75 No caso do romance histórico ou 
biográfico, creio ser presumível que o próprio 
olhar subjetivo cria um ponto de vista específico 
para o que é narrado, dá àquele fato ou vida real 
contornos bem particulares, indissociáveis da 
consciência que criou a obra. Os sertões não é a 
Guerra de Canudos, embora (ou justamente por 
isso) Euclides da Cunha tenha presenciado os fatos 
de perto, assim como a Batalha de Waterloo nOs 
miseráveis não é a batalha em si, bem como 
Inconfidências mineiras, de Sonia Sant’anna 
não é a vida dos inconfidentes. Tudo isso é a 
criação de mundos possíveis, ou seja, ficção. 
76 
 
§ 76 Em segundo lugar, quando falo em 
ficção, não estou anulando a possibilidade de o 
real servir de base para a obra, muito menos de 
esta ser verossímil, possuir uma verdade interna, 
como já ficou claro anteriormente. Ficção não 
necessariamente é mentira, ou negação do real. 
Como já foi dito, “o oposto da ficção não é a 
verdade, mas o fato”32. 
§ 77 Ao instaurar a ficção, o escritor 
literário não se nega a dialogar com o mundo real, 
a trazer para o texto os reflexos dos seus embates, 
das suas incoerências, daquilo que possui de 
encantador e de repulsivo. Ele não se nega a 
refletir no seu texto sentimentos bem humanos, 
esses mesmos sentimentos que repercutirão em 
nós, quando da leitura, e nos conduzirão à 
emoção, ao choro, ao riso, à revolta. O que ocorre é 
 
32 (WELLEK; WARREN, 1976, p. 37). Obviamente, como já 
demonstrei anteriormente, tenho conhecimento da posição 
de Eagleton (2019) a respeito da inutilidade da distinção 
entre “ficção” e “fato”. Não me filio à mesma posição, 
contudo. 
77 
 
que o escritor se propõe a não ficar preso ao fato, a 
não se subordinar aos seus limites, mas ir além, 
trabalhar com possibilidades, explorar vários 
matizes. É aí que reside o cerne da problemática 
da ficção. 
 
 
78 
 
A BUSCA PELO BELO 
 
§ 78 A literatura pode conseguir muito. 
Pode induzir o outro à reflexão, pode proporcionar 
um momento de distração e lazer, pode 
emocionar, revoltar, incomodar, conscientizar e 
ensinar. Ela pode ser o elo de comunicação entre o 
autor e os seus leitores. Ela pode tornar-se um 
documento histórico, um panfleto para 
determinada atuação social, o ponto de partida 
para acionarmos memórias há muito perdidas. 
Enfim, pode ser tudo isso e muito mais, mas é bom 
que se tenha em mente que, quando surge, a única 
e originária finalidade do texto literário é 
comunicar uma intuição a respeito de algo, mas 
79 
 
comunicar de forma interessante, de modo a 
encantar, emocionar, distrair33... 
§ 79 Quando se propõe a produzir um 
texto de cunho artístico, o escritor, muito mais que 
ensinar, criar uma teoria ou fazer história, 
pretende escrever um texto agradável, encantador, 
que sirva à fruição, ao deleite, ao entretenimento. 
É óbvio que não se exclui do processo de produção 
o objetivo de convencer, de despertar a reflexão, 
de inspirar atitudes. Porém, se o objetivo fosse 
apenas esse, poder-se-ia escrever um tratad0, um 
texto didático, uma reportagem etc. 
§ 80 Está claro que a literatura surge de 
um objetivo a mais. O escritor literário busca, 
acima de qualquer coisa, produzir arte e, para isso, 
ele pretende fundamentalmente comunicar-se 
através do belo. 
 
33 “Despertar no leitor o tipo especial de prazer, que é o 
sentimento estético” (COUTINHO, 2008, p. 23) 
80 
 
§ 81 Neste ponto do ensaio, eu acabo 
entrando, pela própria natureza das questões aqui 
desenvolvidas, numa discussão a respeito da 
função da literatura. Muitos estudos já se 
debruçaram sobre tal problemática, alguns dos 
quais são citados nas referências bibliográficas 
deste texto. Embora minhas colocações conduzam 
inevitavelmente para a compreensão de que a 
principal função da literatura é servir à fruição (e 
toda a argumentação que venho construindo se 
insere justamente neste posicionamento da arte 
como produção principalmente estética e não 
necessariamente útil), é bem verdade aquilo que 
nos afirmam Wellek e Warren (1976) e Gilson 
(2010) sobre toda boa arte conseguir harmonizar o 
“doce” e o “útil” (conceitos já presentes em 
HORÁCIO, 2005), o esteticamente agradável e o 
pragmaticamente situado34. 
 
34 Embora não se possa deixar de notar que há opiniões bem 
contrárias, como a de Croce (2008). 
81 
 
§ 82 O fato é que, embora possam (e 
mesmo devam ser úteis) a literatura e a arte em 
geral partem prioritariamente da intenção de 
serem fruídas, de instituírem um ponto mágico de 
contato entre a consciência que se confessa ou 
mostra sua visão particular da realidade e a 
consciência que será tomada pela beleza daquela 
obra, que inspirará o contato com uma nova 
experiência. Perceba-se que minha opinião é de 
que a utilidade vem como consequência do logro 
artístico, não como meta35. 
§ 83 Tendo em vista tais colocações, 
dentro dos limites deste ensaio, considero que 
belo36 é aquilo que agrada37, que prende a 
 
35 O próprio Gilson (2010) trata disso, ao diferenciar a 
beleza de objetos de utilidade prática e a beleza da obra de 
arte. 
36 É grande a discussão a respeito do belo, seus limites, suas 
especificidades. Como foge aos objetivos aqui estipulados 
discorrer detalhadamente a respeito de tal problemática, 
preferi apresentar um conceito suficientemente adequado 
aos meus objetivos, sem entrar em questões como gosto, 
utilidade, moralidade, ou categorias estéticas. Porém, fica o 
82 
 
atenção daquele que contempla o objeto e, em 
consequência disso, serve à fruição. 
§ 84 Embora tenha afirmado no § 83 que 
“belo é o que agrada”, estou ciente de que nem 
tudo o que agrada a um indivíduo agradará a 
outro. Trata-se de um conceito em si mesmo 
subjetivo, de modo que um texto certamente 
encontrará os aplausos de uns e a resistência de 
outros (isso por vezes aconteceu na literatura e na 
arte em geral). Além disso, nem sempre o que 
agrada à crítica agrada ao público, e vice-versa. 
Mas nada disso anula a validade do conceito, posto 
 
convite à pesquisa sobre o tema: para um contato inicial com 
a questão, sugiro a leitura de Tavares (2002), principalmente 
os capítulos iniciais. Em seguida, numa abordagem mais 
específica, pois filiado à filosofia da arte, sugiro a leitura de 
Gilson (2010), bem como o estudo introdutório de 
Rosenfield (2006). Num terceiro momento creio que já se 
esteja no ponto de conhecer obras mais específicas, como 
Longino (2005) e Horácio (2020), assim como as obras de 
Nunes (2016) e Croce (2008). Tal percurso já dará ao 
estudante uma visão bastante abrangente da problemática 
do belo (embora introdutória, em última análise, posto que 
não citei aqui as obras de um Herder, de um Hegel...). 
37 (NUNES, 2016; GILSON, 2010).83 
 
que sendo o belo uma busca constante do autor e 
uma característica que será percebida pelo leitor 
(conforme argumentarei no § 87), ele faz parte do 
acontecimento literário, ainda que nem sempre 
seja alcançado da maneira desejada pelos leitores, 
em todos os textos que se pretendem literários. 
Passemos, pois, à sondagem mais detalhada do 
belo. 
§ 85 A característica do belo que mais me 
é cara, dentre aquelas que têm sido destacadas 
pelos estudiosos do tema, é a harmonia. De 
acordo com tal princípio, algo é belo quando é bem 
formado, bem proporcionado, quando agrada 
pelos seus sons, por suas cores, por suas formas. 
Simetria e proporcionalidade são palavras-chave 
nesse sentido. Se por um lado tal conceito parece 
ser aplicável muito mais às artes plásticas, à 
música e às artes do espaço, não cremos ser 
inadequado associá-lo a uma manifestação 
particular como a literatura. 
84 
 
§ 86 A verdade inquestionável é que 
formas harmônicas são satisfatórias, tanto quando 
fruídas imediatamente pelos olhos ou os ouvidos, 
como quando são submetidas a um processo mais 
profundo, ou seja, intuídas pela mente, como 
acontece com o texto literário (aqui falamos do 
ponto de vista do leitor e isso já deixa claro algo 
fundamental, que discutiremos no próximo 
parágrafo). 
§ 87 O belo está presente no 
acontecimento literário tanto no que diz respeito à 
produção (enquanto busca, por parte do escritor) 
quanto no que se relaciona com a recepção (a 
fruição, por parte dos leitores). É essa fruição, essa 
satisfação do leitor que o escritor busca despertar 
com o seu texto e, por isso, todos os demais 
elementos do processo criativo (a intuição e a 
expressão) são etapas de um movimento “maior”, 
que conduz inquestionavelmente ao belo. 
85 
 
§ 88 Mas, afinal, como se dá essa 
harmonia que estabelece o belo dentro do texto 
literário? Creio que isso passa, primeiramente, 
pelos processos básicos de produção de qualquer 
texto. O texto harmônico e, portanto, belo, é 
aquele que não contradiz o critério da coesão, é 
aquele texto agradável à leitura, que não abusa de 
repetições enfadonhas nem de utilizações que 
prejudicam sua sonoridade (cacofonia, por 
exemplo). É um texto que possui uma boa 
organização dos sintagmas, dos parágrafos, dos 
versos, das estrofes. Que organiza adequadamente 
suas imagens, suas metáforas, sua sonoridade. 
Que não exagera, nem deixa faltar nada... Se a 
escrita elegante chama atenção até mesmo em 
textos técnicos, sua ocorrência num texto literário 
é fundamental para o encantamento que a obra 
produzirá nos leitores. 
§ 89 Mas há que se atentar para um fato: 
assim como o conceito de verossimilhança é 
aplicado a uma verdade interna da obra, o 
86 
 
conceito de harmonia também deve sujeitar-se às 
especificidades de cada texto. O texto literário 
pode ter uma coesão própria, que no seu caso 
específico lhe é adequada. Pode ter repetições, 
desde que elas contribuam para os sentidos ali 
colocados. E assim por diante, de modo a 
estabelecer-se que nenhum critério estético ou 
linguístico deve anteceder o texto. É apenas em 
relação à verdade da obra que se instauram os 
critérios que lhe devemos aplicar. 
§ 90 Porém, não se esgota na harmonia o 
belo artístico e, consequentemente, o literário. O 
belo também anseia pelo grandioso. Um texto 
literário sempre aspira ao máximo de 
expressividade, de inovação, de beleza. 
Obviamente, é comum encontrarmos exemplos de 
malogro, mas eu trato aqui da motivação artística, 
não do sucesso em si. O texto literário “volta-se” 
para o belo, conforme nosso conceito, mas apenas 
os bons textos logram alcançá-lo. A grandiosidade 
de que falo salta aos olhos na elaboração de 
87 
 
metáforas e no recurso aos demais tropos, na 
atenção à sonoridade, no cuidado com o léxico, 
com a forma, com o título... Não basta ser 
harmônico, busca-se o extraordinário, aquele texto 
que arrancará aplausos do público ao ouvi-lo ou 
suspiros dos leitores ao lê-lo no recolhimento de 
um quarto ou biblioteca. 
§ 91 Na busca do belo, o artista 
obviamente há de submeter a realidade à sua 
própria visão de mundo (a partir do processo de 
intuição, conforme já destaquei), intentando 
expressar aquilo que mais se aproxime dessa 
visão, enriquecida de uma força criativa (que 
resulta na ficção, como também já foi apontado). 
§ 92 Pelo que ficou dito, talvez o leitor já 
tenha percebido que o resultado do processo de 
produção da obra literária, tendo muito de 
intencionalidade, de escolha, de trabalho com as 
palavras, traz em si, obviamente, a marca da 
autoria. É por isso que cada texto literário, ainda 
88 
 
que tratando de tema já explorado, é único. É por 
isso que a literatura é sempre uma possibilidade 
de inovação. 
§ 93 Ao intuir o objeto, o artista busca 
expressar tal intuição por meio de palavras, mas 
ao ter o objetivo de agradar, de despertar o 
encanto e a fruição, ele inegavelmente faz 
escolhas, de modo que o mundo ficcional, a 
pararrealidade que dali resulta, é toda particular, 
diz muito de sua subjetividade38. 
 
 
 
 
38 “Atrás da obra de arte, sentimos sempre a presença do 
homem que a produziu” (GILSON, 2010, p. 33). 
89 
 
PALAVRAS FINAIS 
 
Ao longo deste ensaio, estabeleci uma 
compreensão da literatura bastante ampla. Se 
reconheço, por um lado, a importância do texto 
como expressão da visão particular do artista a 
respeito da realidade, se acredito na intuição 
artística como fundamental para a existência da 
arte, se defendo o texto como objeto de fruição 
portador de uma utilização especial dos recursos 
linguísticos, por outro lado não deixo de 
reconhecer a importância da recepção para que a 
obra siga tendo vida, para que ela seja 
ressignificada, para que encontre sua própria 
razão de ser, que é o diálogo com os leitores. 
90 
 
Por isso, a escolha por utilizar, além dos 
termos referentes ao texto em si, à obra, um termo 
mais abrangente (acontecimento literário), que 
englobasse cada um dos aspectos que, a meu ver, 
são fundamentais para a existência da literatura. 
Porque, de fato, nunca é só o texto. 
Considerar o acontecimento literário como 
um grande diálogo de subjetividades (e destas com 
o texto e o contexto) é fundamental para a 
compreensão da própria riqueza que envolve esta 
arte. 
Parti de um conceito (A literatura é a 
expressão verbal e historicamente situada de uma 
intuição criativa, voltada para o belo) e todo o 
percurso aqui empreendido buscou explicar cada 
termo que o compõe. Por isso mesmo, limitei-me: 
também não pude tratar de vários outros aspectos 
relevantes para o acontecimento literário, 
simplesmente pelo fato de não se relacionarem ao 
conceito aqui adotado e, por isso, não ajudarem a 
91 
 
responder à pergunta básica: que é literatura? Tais 
considerações, portanto, ficam para futuros 
estudos. 
Mas, creio que consegui alcançar os 
objetivos delimitados desde o princípio: 
apresentar possibilidades, suscitar reflexões e 
inspirar a sondagem da questão. Acredito que ao 
fim do percurso fica a certeza de que toda essa 
discussão não necessariamente precisa responder 
à referida pergunta, mas mostrar sua importância. 
Sigamos perguntando e aceitando o desafio 
de dar respostas. A verdade é que o trabalho não é 
inútil: talvez uma característica inerente não só ao 
acontecimento literário, mas à arte como um todo, 
seja essa necessidade de falar a seu respeito, de se 
perguntar sobre os motivos de suas 
especificidades, sobre suas motivações, seus 
limites. Parece que tal postura acompanha a arte 
desde seus primórdios e meio que faz parte da 
92 
 
própria relação do ser humano com sua produção 
artística. 
De certo modo, talvez a própria produção 
artística seja, no fundo, um conjunto de tentativas 
de responder o que é a arte. Parece que cada 
artista sempre se propõe a dara sua resposta. Por 
isso, somente observando o todo é que se pode ter 
uma noção da real abrangência da arte. 
Se todas essas perguntas e colocações 
servirem de estímulo para alguém, se elas 
despertarem as consciências dos estudantes que se 
debruçarem sobre este livro para essa necessidade 
de convivência com o texto literário, se delas 
algum ensinamento puder ser retirado, eu terei a 
certeza de que cheguei onde pretendia! 
 
 
 
93 
 
BIBLIOGRAFIA 
 
Observação: ao longo deste ensaio, citei algumas 
obras que serviram de norte para a 
fundamentação de muitas das ideias presentes 
aqui. Apenas esses livros fundamentais aparecerão 
na lista abaixo. Livros citados, mas relevantes 
apenas para alguns aspectos discutidos no texto 
foram indicados nas notas de rodapé ao longo de 
todo o livro. 
 
AGUIAR E SILVA, Victor Manuel de. Teoria da 
literatura. 8. ed. Coimbra: Almedina, 2018. 
AMORA, Antônio Soares. Introdução à teoria 
da literatura. 13. ed. São Paulo: Cultrix, 2006. 
ARISTÓTELES. Poética. 2. ed. São Paulo: Ed. 34, 
2017. 
94 
 
CANDIDO, Antonio. Literatura e sociedade. 9. 
ed. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2006. 
CASTAGNINO, Raúl. Que é literatura? São 
Paulo: Mestre Jou, 1969. 
______. Tempo e expressão literária. São 
Paulo: Mestre Jou, 1970. 
COUTINHO, Afrânio. Notas de teoria literária. 
Petrópolis: Vozes, 2008. 
CROCE, Benedetto. Breviário de estética. Lisboa: 
70, 2008. 
EAGLETON, Terry. Teoria da literatura: uma 
introdução. 7. ed. São Paulo: Martins Fontes, 
2019. 
EICHENBAUM, Boris. A teoria do método formal. 
In: TODOROV, Tzvetan. Teoria da literatura: 
textos dos formalistas russos. São Paulo: Unesp, 
2013. p. 31 – 82. 
95 
 
GILSON, Étienne. Introdução às artes do 
belo: o que é filosofar sobre a arte?. São Paulo: É 
Realizações, 2010. 
HAMBURGER, Käte. A lógica da criação 
literária. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 2013. 
HORÁCIO. Arte poética. In: ARISTÓTELES; 
HORÁCIO; LONGINO. A poética clássica. 12. 
ed. São Paulo: Cultrix, 2005. p. 53 – 68. 
LIMA, Luiz Costa (coord.). A literatura e o 
leitor: textos de estética da recepção. 2. ed. Rio de 
Janeiro: Paz e Terra, 2002. 
______. Mímesis e modernidade: formas das 
sombras. 2.ed. São Paulo: Paz e Terra, 2003. 
LONGINO. Do sublime. In: ARISTÓTELES; 
HORÁCIO; LONGINO. A poética clássica. 12. 
ed. São Paulo: Cultrix, 2005. p. 69 – 114. 
MOISÉS, Massaud. Literatura: mundo e forma. 
São Paulo: Cultrix, 1982. 
96 
 
______. Dicionário de termos literários. São 
Paulo: Cultrix, 2004. 
______. A criação literária: poesia e prosa. 
São Paulo: Cultrix, 2012. 
NUNES, Benedito. Introdução à filosofia da 
arte. São Paulo: Loyola, 2016. 
PORTELLA, Eduardo et al. Teoria literária. Rio 
de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1979. 
POUND, Ezra. ABC da literatura. 12. ed. São 
Paulo: Cultrix, 2013. 
ROSENFIELD, Kathrin H. Estética. 2. reimp. Rio 
de Janeiro: Zahar, 2006. 
SAMUEL, Rogel. Novo manual de teoria 
literária. 6. ed. Petrópolis: Vozes, 2011. 
SOUZA, Roberto Acízelo de. Teoria da 
literatura: trajetória, fundamentos, problemas. 
São Paulo: É Realizações, 2018. 
97 
 
TAVARES, Hênio. Teoria literária. 12. ed. Belo 
Horizonte: Itatiaia, 2002. 
TODOROV, Tzvetan. Teoria da literatura: 
textos dos formalistas russos. São Paulo: Unesp, 
2013. 
______. Os gêneros do discurso. São Paulo: 
Unesp, 2018. 
VERÍSSIMO, José. Que é literatura? In: ______. 
Que é literatura?: e outros ensaios. São Paulo: 
Landy, 2001. p. 23 – 35. 
WELLEK, René; WARREN, Austin. Teoria da 
literatura. 4. ed. Lisboa: Europa-América, 1976. 
 
 
98 
 
SOBRE O AUTOR 
 
Weslley Barbosa é graduado em Letras – Língua 
Portuguesa (UFCG, 2010) e mestre em Linguagem 
e Ensino (UFCG, 2014). Professor de Língua 
Portuguesa e Literatura, poeta e crítico literário, 
tem publicados os seguintes livros: Suspiros 
mal-ditos (poesia, 2010), Ensaios de poesia 
paraibana (crítica literária, 2014) e As nuances 
do mel (poesia, 2016). 
Contato: weslleybarbosa.contato@gmail.com 
Site: www.professorweslleybarbosa.net 
Canal do YouTube: 
www.youtube.com/c/ProfessorWeslleyBarbosa 
Perfil do Instagram: 
www.instagram.com/professor.weslleybarbosa 
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	DOS DIREITOS DO AUTOR
	ADVERTÊNCIA
	APRESENTAÇÃO
	INTRODUÇÃO
	CONCEITOS BASILARES
	LITERATURA E EXPRESSÃO
	A ARTE DA PALAVRA
	LITERATURA E HISTORICIDADE
	LITERATURA E INTUIÇÃO CRIATIVA
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