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As PESSOAS NA ORGANIZAÇÃO Ana Cristina Limongi-França André Luiz Fischer Arnaldo Jose França Mazzei Nogueira Eliete Bernal Areilano Germano Glufke Reis Gilberto Shinyashiki Jáder dos Reis Sampaio Joel Souza Dutra José Antonio Monteiro Hipólito Lindolfo Galvo de Albuquerque Maria Tereza Leme Fleury (org.) Mansa Eboli Moacir de Miranda Oliveira Junior Rosa Maria Fischer Tânia Casado Copyright © Editora Gente Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro. SP, Brasil) As pessoas na organização. São Paulo : Editora Gente, 2002. Vários autores. Índices para catálogo sistemático: 1. Gestão de pessoas: Administração de empresas 658.3 2. Pessoas: Gestão: Administração de empresas 658.3 Todos os direitos desta edição são reservados à Editora Gente. Rua Pedro Soares de Almeida, 114, São Paulo - SP CEP 05029-030 - Telefax: (11) 3670-2500 Site: www.editoragente.com.br E-mau: genteeditoragente.com.br 1. Introdução Toda e qualquer organização depende, em maior ou menor grau, do desempenho humano para seu sucesso. Por esse motivo, desenvolve e organiza uma forma de atuação sobre o comportamento que se convencionou chamar de modelo de gestão de pessoas. Tal modelo é determinado por fatores internos e externos à própria organização. � Assim, para diferentes contextos históricos ou setoriais são encontradas diferentes modalidades de gestão. O que distingue um modelo de outro são as características dos elementos que os compõem e sua capacidade de interferir na vida organizacional dando- lhe identidade própria. O modelo deve assim, por definição, diferenciar a empresa em seu mercado, contribuindo para a fixação de sua imagem e de sua competitividade. Entretanto, ao analisar a história dos modelos de gestão, observa-se que, em geral, eles se articulam em torno de alguns conceitoschave que determinam sua forma de operação e a maneira pela qual direcionam as relações organizacionais nas empresas. A análise desses grandes elementos de articulação possibilita entender as especificidades e as complementaridades que se formaram entre diversos modelos e épocas históricas. 11 Neste capítulo define-se o que é um modelo de gestão de pessoas e quais são os fatores que determinam sua configuração específica em uma organização ou um setor de atividade. Tendo-se por referência as perspectivas mais influentes da teoria organizacional, classificam-se as grandes correntes de gestão de pessoas em quatro categorias, que correspondem a períodos históricos e conceitos articuladores específicos. São elas: modelo de gestão de pessoas articulado como departamento pessoal, como gestão do comportamento, como gestão estratégica e, finalmente, como vantagem competitiva. As principais características de cada uma dessas escolas são analisadas a seguir. 2. O que é um modelo de gestão de pessoas Entende-se por modelo de gestão de pessoas a maneira pela qual uma empresa se organiza para gerenciar e orientar o comportamento humano no trabalho. Para isso, a empresa se estrutura definindo princípios, estratégias, políticas e práticas ou processos de gestão. Através desses mecanismos, implementa diretrizes e orienta os estilos de atuação dos gestores em sua relação com aqueles que nela trabalham. Parece evidente que todo e qualquer negócio é dependente de formas particulares de comportamento, sendo quase impossível dissociar determinadas marcas e produtos da expectativa de desempenho formada por seus clientes. Episódios de conhecimento público, que marcam a história das organizações, demonstram como determinadas marcas podem sofrer consequências desastrosas quando a ação humana interfere negativamente nos produtos e serviços prestados aos clientes. Tome-se o exemplo da Firestone e os pneus que provocaram uma sucessão de acidentes com vítimas entre proprietários de veículos Ford nos Estados Unidos ou o da Coca-Cola, cujos refrigerantes contaminados foram distribuídos na Bélgica e em parte da Europa, o que fez desabar o valor das ações da empresa durante vários meses em todo o mundo, ou os acidentes ecológicos que abalaram a Shell nos anos 1980. São situações-limite, carregadas de certa dose de imponderável, que não podem ser creditadas exclusivamente a falhas humanas, mas que, por sua dramaticidade, ilustram bem como o comportamento das pessoas no trabalho pode interferir na preservação e na agregação de valor das empresas. Alguns poderiam acreditar que, no mundo da informação, da eletrônica, da intangibilidade, do fast food e da competitividade exacerbada, o comportamento humano perderia espaço e relevância. Mas o que se vê, ao contrário disso, é que os negócios mais próximos desse mundo são aqueles que se tomam mais dependentes do comportamento humano. Não é � objetivo deste capítulo analisar a chamada economia virtual e seus impactos em RH, mas vale dizer que, quanto mais a empresa se concentra no chamado ativo intangível (marcas, performance, inovação tecnológica e de produto, atendimento diferenciado etc.), mais forte se torna a dependência dos negócios ao desempenho humano. A máxima high tech, high touch parece vir a confirmar-se. Do lado do mercado, parece razoável supor que a concorrência mais ampla é também fortemente valorizadora do comportamento humano. Quanto maiores 12 forem as opções de aquisição de bens e serviços, a transparência dos mercados e o acesso aos meios de comunicação, mais definitivo será o impacto do comportamento das pessoas nas decisões do consumidor. Em empresas submetidas a tal regime de mercado, o comportamento humano passa a integrar o caráter intrínseco dos negócios, tomando-se elemento de diferenciação e potencializando a vantagem competitiva. Vale ressaltar que não se pretende repetir o velho jargão otimista e utópico de que “o elemento humano vem sendo cada vez mais valorizado pelas organizações”. A organização não está se tornando mais humana por causa da nova onda competitiva, não está sendo regida por princípios que privilegiam o humano em detrimento de outros valores organizacionais. O que se quer dizer é que, quanto mais os negócios se sofisticam em qualquer de suas dimensões — tecnologia, mercado, expansão e abrangência etc. —, mais seu sucesso fica dependente de um padrão de comportamento coerente com esses negócios. É assim que não se imagina, por exemplo, uma loja do McDonald.s que não esteja imersa em um clima de alegria e jovialidade nem numa forma particular de manter a agilidade de atendimento. Tais características humanas, que fazem sucesso vendendo hambúrguer em todo o mundo, diferem completamente daquilo que se espera de uma empresa aérea, cujos funcionários devem inspirar cortesia, cordialidade, segurança e confiabilidade. Confiança e solidez são também parte integrante do portfólio de produtos das organizações bancárias e somente se traduzem em realidade com funcionários respeitosos, cautelosos e preocupados em conhecer o que queremos com a aplicação de nosso dinheiro. A importância que o comportamento humano vem assumindo no âmbito dos negócios fez com que a preocupação com sua gestão ganhasse espaço cada vez maior na teoria organizacional. É nesse contexto que surge o conceito de modelo de gestão de pessoas. Quando esse conceito é estrategicamente orientado, sua missão prioritária consiste em identificar padrões de comportamento coerentes com o negócio da organização. A partir de então, obtê-los, mantê-los, modificá-los e associá-los aos demais fatores organizacionais será o objetivo principal. Analisado no contexto organizacional, o modelo caracteriza-se assim como uma variável dependente das condições em que ocorrem os negócios. Somente com o entendimento adequado dos fatores que determinam essas condições é que se torna possível delinear um modelo coerente com as necessidades da empresa. 3. Fatores condicionantes do modelo de gestão de pessoas O desempenho que se espera das pessoas no trabalho e o modelo de gestão correspondente são determinados por fatores internos e extemos ao contexto organizacional. Dentre os fatores internos, destacam-se o produto ou serviço oferecido, a tecnologia adotada, a estratégia de organização do trabalho, a cultura e a estrutura organizacional. Quanto aos fatores externos, a cultura de trabalho de dada sociedade, sua legislação trabalhista e o papel conferido ao Estado e aos demais agentes que atuam � nas relações de trabalho vão estabelecer os limites nos quais o modelo de gestão de pessoas poderá atuar. Vale detalhar, ainda que sucintamente, o papel de cada fator: 13 3.1 TECNOLOGIA ADOTADA Parece senso comum que o padrão de máquinas utilizado pela empresa determina fortemente o comportamento que se espera dos funcionários. Operários que trabalham em linhas de produção acompanham o ritmo ditado pela velocidade da máquina. Deles não se esperam iniciativa nem autocontrole, bastando que o cartão de ponto, na entrada da fábrica, registre sua presença. A automatização ou robotização do processo transformará esse trabalhador de provedor de força e guia de ferramentas em monitor da atividade sob sua responsabilidade. Ele passará a atuar na irregularidade, e não na regularidade, o que tornará o trabalho dependente de autonomia e capacidade de antecipação. No primeiro caso, o modelo de gestão poderia limitar-se ao simples registro da presença e propiciar uma recompensa satisfatória ao trabalhador. No segundo, torna-se obrigatório garantir seu envolvimento com o que faz e estimular a iniciativa individual desse trabalhador. A tecnologia passa a demandar um comportamento e, por decorrência, um modelo diferenciado. 3.2 ESTRATÉGIA DE ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO Diferentes formas de organização do trabalho são, na verdade, diferentes maneiras de buscar o comportamento exigido pelo processo de trabalho adotado. Desse modo, pode- se dizer que trazem o mesmo impacto da tecnologia para o modelo de gestão. As práticas de TQM (total quality management), a adoção das várias formas de GSA (grupos semi-autônomos), os operadores multifuncionais e as células de trabalho serão totalmente inócuos se não estiverem acompanhados de políticas e práticas de gestão de pessoas que estimulem e orientem o padrão de desempenho desejado pela técnica de gestão do trabalho utilizada. Na verdade, pode-se mesmo dizer que é quase impossível separar o modelo de gestão de pessoas do modelo de gestão do trabalho. Trata-se de dois conjuntos de praticas que incidem sobre as mesmas instãncias organizacionais — as relações humanas na empresa — e que pretendem alcançar os mesmos objetivos: determinado padrão de desempenho no trabalho. 3.3 CULTURA ORGANIZACIONAL Parece evidente também quanto a cultura organizacional interfere e, ao mesmo tempo, recebe a influência do modelo de gestão de pessoas de uma organização. Edgard Schein, um dos autores mais citados nessa área, define a concepção de trabalho e o valor conferido ao ser humano como os pressupostos nucleares e fundamentais da cultura de um grupo. Um dos principais papéis do modelo de gestão é reforçar e reproduzir esses pressupostos na cultura organizacional vigente, diferenciando e moldando padrões de comportamento. � É relativamente fácil perceber isso no dia-a-dia das organizações. Nas empresas, aqueles que trabalham em determinadas áreas ou profissões são considerados 14 seres humanos diferentes dos outros. É assim que engenheiros são mais valorizados que profissionais de escritório em empresas metalúrgicas e de mineração — como demonstrou Fleury (1986) em seu estudo sobre a cultura organizacional de uma das maiores empresas brasileiras desse setor de atividade. Especialistas em marketing são mais considerados que funcionários de produção em empresas de bens de consumo não- duráveis. Financeiros são verdadeiras referências de comportamento nos grandes bancos. É notório que as práticas de recursos humanos ao mesmo tempo refletem, reproduzem e legitimam tais características culturais das organizações (Eboli, 1990; Fleur 1986). 3.4 ESTRUTURA ORGANIZACIONAL A estrutura ou modelo organizacional delineia também as características do modelo de gestão de pessoas dominante na empresa. Uma estrutura departamental, explicitamente orientada para a cadeia de comando e controle, implica um modelo igualmente segmentado e restritivo. À iniciativa limitada, à ordem supenor, ao manual de procedimentos, à ação voltada para os objetivos setoriais sem perspectiva sistêmica nem do conjunto da empresa corresponde determinada forma de remunerar, capacitar e recrutar pessoas. Por outro lado, uma estrutura matricial, por unidades de negócios ou em rede, demanda práticas de recursos humanos através das quais se perceba a empresa como uma totalidade. A remuneração não pode estar vinculada exclusivamente ao cargo ocupado, o processo de treinamento deve incentivar a visão sistêmica da organização e o recrutamento deve ser feito dentro de um perfil de competências que atendam ao conjunto da corporação, e não só às demandas da unidade em que a pessoa irá atuar. 3.5 FATORES EXTERNOS Os fatores externos à organização devem ser classificados, segundo sua origem, em duas categorias: os advindos da sociedade e os que têm origem no mercado. Os fatores sociais correspondem à forma pela qual a sociedade regula o trabalho e as relações de trabalho que ocorrem em seu âmbito. Prevalecem a cultura de trabalho dessa sociedade, a legislação e a intervenção dos diferentes agentes, dentre os quais se destacam o Estado e as instituições sindicais. Por fugir muito ao escopo deste capítulo, esses fatores não serão analisados em detalhe. É importante ressaltar que as variáveis sociais, na maior parte das vezes, exercem mais um papel de restrição que de definição das características do modelo, ou seja, definem os limites até os quais a organização e seus gestores podem decidir e agir na configuração de suas políticas e práticas de gestão. O mercado, por seu lado, deve ser considerado o fator preponderante na constituição do modelo, pois define o perfil de competências organizacionais exigido pelo negócio do setor de atividade em que atua. Como afirmam autores reconhecidos na área de estratégia empresarial, no mundo competitivo a empresa é vista � 15 como “um portfólio de competências”, vencendo aquela que melhor dominar a competência essencial de determinado setor de atividade (Prahalad e Hamel, 1995). É fácil perceber quanto a legitimidade de um modelo de gestão de pessoas está relacionada a sua capacidade de ser tributário do modelo de competências de uma organização. A determinado padrão de competências organizacionais correspondem competências humanas particulares — comportamentos organizacionais que lhes são específicos e contributivos. O reconhecimento do caráter dependente do modelo de gestão de pessoas e a identificação de seus fatores condicionantes permitem perceber as variações que ocorrem em seus diversos níveis de manifestação: a empresa(nível micro), o setor de atividade (nível meso) e a nação ou outra unidade demográfica (nível macro). À medida que ocorrem alterações nas vanáveis básicas que atuam em uma das dimensões desses níveis, o modelo sofre mudanças de configuração. O caráter contingencial e dependente da administração de recursos humanos é que explica por que o modelo de gestão pode manifestar-se de forma heterogênea dentro de contextos de análise aparentemente semelhantes. O senso comum, a observação empírica não sistematizada e pesquisas recentes indicam que é possível, e até muito provável, encontrar mais de um tipo de modelo de gestão convivendo harmoniosamente dentro da mesma empresa. É razoável pressupor também que, à medida que as empresas passam a competir pela competência que são capazes de agregar, as diferenças se intensificam no plano meso e no macro. Tudo isso dificulta sobremaneira a delimitação e a identificação do modelo em situações empíricas, dado o fato de que se manifesta de forma cada vez mais diversa quanto mais competitivo for o ambiente. Entretanto, algumas de suas características são mais genéricas e estruturais e podem ser mais bem especificadas como elementos componentes do modelo. 4. Elementos componentes do modelo de gestão de pessoas A rigor, tudo aquilo que interfere de alguma maneira nas relações organizacionais pode ser considerado um componente do modelo de gestão de pessoas. O comportamento organizacional não é produto direto de um processo de gestão, mas o resultado das relações pessoais, interpessoais e sociais que ocorrem na empresa. Gestão de pessoas significa orientação e direcionamento desse agregado de interações humanas. Nesse sentido, a definição de uma estratégia, a implementação de uma diretriz com impactos no comportamento dos empregados, a fusão ou transferência de uma unidade organizacional ou a busca de nova postura de atendimento ao cliente são intervenções de gestão de pessoas. A concordância com tal perspectiva implica o reconhecimento de que os limites entre o que é especialidade de recursos humanos e o que está na área de atuação dos planejadores estratégicos ou dos gestores de produção ou de marketing são muito tênues e de difícil determinação. De qualquer forma, ainda que seja para fins didáticos e de delimitação de campos teóricos de pesquisa, é importante circunscrever os elementos componentes do 16 � modelo de gestão de pessoas. Eles estão presentes em praticamente todas as organizações, mas não são identificados de imediato porque se manifestam de diferentes maneiras: mais ou menos formalizados, consolidados em uma estrutura organizacional própria ou ainda dispersos e pouco tangíveis, o que depende, fundamentalmente, da maior ou menor consciência que a própria empresa tem da importância de agir organizadamente sobre o comportamento humano aplicado ao trabalho. Embora a gestão de pessoas abranja, acima de tudo, determinado padrão de atitudes e posturas observáveis pelo analista externo que caracterizam o convívio humano na organização, é possível decompô-la em elementos menos abstratos. Os componentes formais de um modelo de gestão de pessoas se definem por princípios, políticas e processos que interferem nas relações humanas no interior das organizações. Por princípios entendem-se as orientações de valor e as crenças básicas que determinam o modelo e são adotadas pela empresa. Especial destaque deve ser dado para as já referidas anteriormente como fundamentais na definição da cultura de uma organização: o significado do homem e do trabalho. Observe-se o exemplo de uma das maiores organizações bancárias brasileiras. O Unibanco, ao definir sua estratégia de negócio no início da década de 1990, optou pela seguinte formulação: “É nossa diretriz estratégica atender de forma equilibrada aos interesses de clientes, acionistas e funcionários”. Com isso a empresa quer tornar público que defende uma cultura na qual esses três agentes organizacionais têm igual valor. Trata-se sem dúvida de uma definição de princípios de gestão de pessoas que orientará as características estruturais do modelo de gestão adotado. Outro exemplo conhecido é o da Disney. Ao definir como valores honestidade, integridade, respeito, determinação e diversidade, a conhecida corporação americana estabelece parâmetros de relacionamento entre as pessoas e das pessoas com a organização. O modelo de gestão deverá não só segui-los e respeitá-los como também reforçar esses valores na cultura da organização. As políticas, por sua vez, estabelecem diretrizes de atuação que buscam objetivos de médio e de longo prazo para as relações organizacionais. Em geral, são orientadoras e integradoras dos processos especificamente voltados para a gestão de pessoas. A Xerox do Brasil, por exemplo, definia: “A Xerox deve ser capaz de atrair e reter profissionais qualificados para diversas funções do negócio. Para isso, o mercado (outras empresas) é acompanhado continuamente, visando alinhar nossa estrutura de salários e conjunto de benefícios às empresas mais modernas do mercado”. Nesse caso, mais uma vez se estabelecem publicamente parâmetros que orientam as práticas de gestão, elementos balizadores das práticas de gestão de salários que deveriam ser conhecidos e válidos para toda a corporação. Os processos são os elementos mais visíveis do modelo, e boa parte da literatura sobre recursos humanos tem-se dedicado exclusivamente a eles. Processos são cursos de ação previamente determinados, não podem ultrapassar os limites dos princípios de gestão e visam alcançar os objetivos traçados, orientados por políticas específicas. São instrumentalizados por uma ou mais ferramentas de gestão que pressupõem procedimentos específicos. Caracterizam-se como processos de gestão os planos de cargos e salários, de capacitação e de sucessão, a administração de carreiras e as avaliações de desempe- 17 � nho, de performance e de pessoal. Pesquisas salariais, de clima organizacional e diagnósticos de cultura são exemplos de processos e ferramentas componentes do modelo. O importante, quando se fala em processos, é que somente ganham sentido efetivo num contexto dado, ou seja, o processo depende de um princípio ou crença que lhe dê conteúdo e direção e de sua capacidade de interferir nas relações organizacionais. Somente assim um processo poderá cumprir seu papel de orientar ou estimular o comportamento humano na empresa. Integra ainda o modelo de gestão de uma organização o estilo de gestão dos gerentes diretos das equipes de trabalho, ou seja, a maneira pela qual o gestor atua ao estabelecer limites ou estimular determinados padrões de comportamento. Pela orientação dos processos de capacitação gerencial ou mesmo da simples divulgação dos perfis de comportamento desejados a empresa procura intervir no estilo gerencial praticado por suas chefias dando coerência ao modelo. Assim, a P.hodia, um dos mais importantes exemplos de processo de mudança organizacional da década de 1980, para consolidar o novo perfil funcional desejado, começava por definir o estilo gerencial perseguido pela empresa. Os gerentes da Rhodia deveriam adotar os seguintes princípios: PRHOEX — Princípios gerenciais • Visão sistêmica • Foco nos processos • Organização que aprende • Valorização das pessoas • Gerenciamento interfuncional A experiência prática tem demonstrado que, dentre todos os componentes do modelo de gestão de pessoas, esse talvez venha a ser o mais crítico. Conflui para o gerente todo o processo de gestão, as ferramentas tomam vida quando são por ele utilizadas e sua inadequação põe em risco toda a composição do modelo. O desenho organizacional, ou seja, a maneira pela qual o modelo opera, a estrutura específica de organização do trabalho dos profissionais especializados e a forma pela qual eles prestam serviços a seus clientes também são elementos constituintes do modelo. Tais características, embora de extrema relevância, não são tratadas detalhadamente neste capítulo por fugir de seu objetivo central. 5. Um resgate histórico dos modelos de gestão de pessoas Observa-se até aqui quanto as organizações dependem de uma atuação estruturada sobre o comportamento humano e das características básicas dessa ação. Demonstrou- se também que tal ação é determinada por fatores internos e externos 18 à própria organização, sendo razoável supor que, para diferentes contextos históricos ou setoriais, encontram-se diferentes modalidades de gestão. O que diferencia um modelo de outro são as características de seus elementos, que, como se estudará a seguir, se articulam em torno de alguns conceitos-chave, que por sua vez determinam a forma de operação. Buscando explicitar e entender esses conceitos articuladores, classificam-se as grandes � correntes sobre gestão de pessoas em quatro categorias principais, que correspondem a períodos históricos distintos, como já foi mencionado anteriormente. São elas: modelo de gestão de pessoas articulado como departamento pessoal, como gestão do comportamento, como gestão estratégica e, finalmente, como vantagem competitiva. Analisam-se a seguir as principais características de cada uma dessas vertentes. 6. Modelo de gestão de pessoas como departamento pessoal A administração de recursos humanos, no sentido mais específico do termo (human resource management) , é resultado do desenvolvimento empresarial e da evolução da teoria organizacional nos Estados Unidos. Trata-se de produção tipicamente americana, que procura suplantar a visão de departamento pessoal. Um conceito que reflete a imagem de uma área de trabalho voltada prioritanamente para as transações processuais e os trâmites burocráticos. A história da human resource management (HRM) nos Estados Unidos, segundo Beverly Springer, inicia-se com o surgimento dos departamentos pessoais. Em 1990, a autora celebrou o centenário da história da gestão de recursos humanos nos Estados Unidos, cuja origem poderia ser datada de 1890, quando a NCR Corporation criou seu personnel office. O objetivo dos gerentes de pessoal, que atuariam nessa nova área, seria “estabelecer um método pelo qual pudessem discernir melhor, entre a extensa e diversificada massa de candidatos a emprego, que indivíduos poderiam tomar-se empregados eficientes ao melhor custo possível” (Springer e Springer, 1990). Ela define os fatores de ordem cultural, econômica e organizacional que determinaram o surgimento da função “gestão de pessoal” nessa época. Dentre eles destacam-se: -a NCR havia assumido porte e especialização que recomendavam uma função específica voltada para a administração de pessoal; -a livre empresa e o individualismo tomaram-se valores sedimentados na cultura americana, o que permitia às empresas escolher livremente com quem e como trabalhar; -a força de trabalho do país ganhara maior mobilidade, e era grande o contingente de migrantes que deveriam ser adaptados ao trabalho; -os sindicatos não se haviam disseminado dentro do novo tipo de corporação que surgia como modelo empresarial. Isso significa que o aparecimento do departamento pessoal ocorreu quando “os empregados se tornaram um fator de produção cujos custos deveriam ser admi- 19 nistrados tão racionalmente quanto os custos dos outros fatores de produção”. A raiz do que viria a ser chamado posteriormente de administração de recursos humanos e que neste capítulo se denomina modelo de gestão de pessoas estaria na necessidade da grande corporação de gerenciar os funcionários como custos, o elemento diferenciador de competitividade da época. Isso levou a NCR a investir em uma área especificamente voltada para tal finalidade. Tal constatação reforça a premissa de que os recursos humanos são resultado de um conjunto de necessidades empresariais delimitadas pelas características sociais e culturais da época — uma função organizacional que surge como conseqüencia, e não causa, dos processos de mudança que ocorriam na empresa e fora dela. No caso da grande empresa americana do início do século XX, o modelo de gestão deveria preocupar-se com as transações, os procedimentos e os processos que fizessem � o homem trabalhar da maneira mais efetiva possível: produtividade, recompensa e eficiência de custos com o trabalho eram os conceitos articuladores do modelo de gestão de pessoas do tipo departamento pessoal. O fato de que condições sociais, econômicas e organizacionais são determinantes das práticas de gestão de recursos humanos não constitui novidade. Tal conceito é observado ou é um pressuposto intrínseco para praticamente todos os autores da área (Cave, 1994). O que surpreende é a freqüência com que, mesmo assim, alguns analistas generalizam suas recomendações de ótimos modelos, que deveriam ser praticados pelas organizações sem levar em consideração os ambientes específicos em que estão inseridas. A produção teórica nacional e internacional apresenta-se recheada de prescrições genéricas, que buscam antever aquilo que todas as organizações precisariam fazer com seus recursos humanos para se tornar eficazes, estratégicas ou competitivas.. Em contrapartida, essa produção é absolutamente pobre em estudos específicos que reconheçam por meio da pesquisa aquilo que efetivamente as organizações adotam na gestão de suas relações com os empregados. A busca permanente de um padrão ótimo gera outra marca característica da gestão de recursos humanos: conviverá permanentemente com a tensão entre o modelo idealizado — concebido pelos teóricos como adequado — e o modelo praticado — efetivamente implementado pelas organizações. O divórcio entre teoria e prática começa a ser percebido com o advento das escolas marcadas pela influência da psicologia humanista. A ideologia organizacional dominante no início do século XX, a administração científica, era bastante compatível com um departamento pessoal voltado para a eficiência de custos e para a busca de trabalhadores adequados às tarefas cientificamente ordenadas. Mas, a julgar pela obra de Springer, já a partir dos anos 1920 esse descompasso começa a aparecer. Em sua reconstituição histórica, a autora afirma que, nesse período, os pressupostos taylonstas continuam sendo adotados por praticamente todas as empresas, enquanto a teoria avança em outra direção. Elton Mayo e seus seguido- 20 res estariam promovendo as primeiras experiências de contato mais intenso entre a administração e a psicologia, determinando uma nova fase na história da administração de recursos humanos. 7. Modelo de gestão de pessoas como gestão do comportamento humano A utilização da psicologia como ciência capaz de apoiar a comreensão e a intervenção na vida organizacional provocou nova orientação do foco de ação da gestão de recursos humanos. Ela deixou de concentrar-se exclusivamente na tarefa, nos custos e no resultado produtivo imediato para atuar sobre o comportamento das pessoas. Isso aconteceu por meio de duas escolas de psicologia, cuja influência se deu em diferentes épocas. Nas décadas de 1930 e 40, predominaria a linha behaviorista do Instituto de Relações Humanas da Universidade Yale. Sua principal contribuição seria a criação dos instrumentos e métodos de avaliação e desenvolvimento de pessoas que, nas empresas, formariam o arsenal da psicologia e da psicometria aplicadas aos procedimentos de gestão de recursos humanos. � Já nos anos 1930, Abraham Maslow romperia com a escola behaviorista para iniciar o período em que a psicologia humanista passaria a interferir decisivamente na teoria organizacional. Todos os demais autores de projeção da área, como Herzberg, Argyris e McGregor, podem ser, de alguma forma, vinculados a essa corrente. A expressão human resource management e o foco prioritário no comportamento humano podem ser considerados os principais resultados da afirmação definitiva da psicologia humanista na teoria organizacional. Tal expressão começaria a ser utilizada a partir de 1950 nos Estados Unidos “para designar uma expansão da tradicional administração de pessoal”, criada em 1890 pela NCR Corporation (Springer e Springer, 1990). Nos anos 1960 e 70, a escola de relações humanas, nome pelo qual ficou conhecida essa linha de pensamento, predominou como matriz de conhecimento em gestão de pessoas. Uma de suas principais contribuições foi descobrir que a relação entre a empresa e as pessoas é intermediada pelos gerentes de linha. Reconhecer a importância e levar o gerente de linha a exercer adequadamente seu papel constituiu a principal preocupação da gestão de recursos humanos. O foco de atuação se concentraria no treinamento gerencial, nas relações interpessoais, nos processos de avaliação de desempenho e de estímulo ao desenvolvimento de perfis gerenciais coerentes com o processo de gestão de pessoas desejado pela empresa. Motivação e liderança passariam a constituir os conceitos-chave do modelo humanista. Em um artigo da Harvard Business Review, Millesi tentaria estabelecer uma distinção entre os conceitos de relações humanas e de recursos humanos. Até hoje tal distinção não foi devidamente incorporada pelo senso comum e pela teoria, uma vez que, em geral, os dois conceitos são utilizados como sinõnimos. De qualquer maneira, para Millesi o modelo de recursos humanos corresponderia a uma nova fase do processo de gerenciamento de pessoas, na qual a diferença fundamental 21 estaria na postura do gerente na condução das equipes de trabalho (Conrad e Pieper, 1990). O mesmo autor publicaria, em 1975, Theories of management, propondo uma classificação composta de três modelos de gerenciamento: o tradicional, o modelo de relações humanas e o modelo de recursos humanos. No primeiro, o papel do gerente consiste em dar ordens e monitorar seus subordinados. No segundo, o de relações humanas, os gerentes devem reconhecer as expectativas dos funcionários, levando-os a sentir-se úteis e importantes naquilo que fazem. No terceiro e mais avançado modelo, o de recursos humanos, o papel do gerente seria promovr atitudes de autodeterminação e autogerenciamento entre os subordinados (Staehle, 1990). Ainda nos anos 1960, desenvolveram-se as teorias que buscavam valorizar o papel do elemento humano no sucesso das empresas. Em termos genéricos, incluem-se aqui autores como Likert, Schultz e Schuster, que desenvolveram os conceitos de human capital accounting ou human asset accounting (apud Conrad e Pieper, 1990). O objetivo básico era inverter a visão predominante de gestão de recursos humanos, segundo a qual a meta prioritária estaria centrada na otimização dos custos, para uma perspectiva de valorização de ativos. Dessa linha de pensamento surgiu o jargão, bastante conhecido e já desgastado, de que “o trabalho humano constitui o principal ativo de uma organização”. A persistência do jargão na cultura dos especialistas demonstra a importância dessa linha teórica na construção do conceito de administração de recursos humanos e na reorientação de sua prática no interior das organizações. Entre suas contribuições estão a � introdução da questão da mensuração econômica dos resultados da função de recursos humanos, uma embrionária valorização dos processos de desenvolvimento de pessoas em detrimento das atividades técnicas de gestão de salários e de cargos e a promoção de pesquisas empíricas que buscam comprovar a correlação entre o sucesso das organizações e o investimento em desenvolvimento de recursos humanos. Como se vê, embora por vezes sejam utilizadas como sinônimos, nota-se entre os estudiosos da questão a forte preocupação de distinguir a gestão de recursos humanos de administração de pessoal. Este segundo termo estaria vinculado a um passado marcado pelo caráter processual e burocrático da atividade, característico do modelo anteriormente analisado. Brewster e Hegewisch (1994), fazendo uma retrospectiva de vários estudos que estabelecem tal diferença, demonstram que, embora todos partam do mesmo princípio, o parâmetro de diferenciação varia bastante entre eles. Diferentemente da administração de pessoal, a gestão de recursos humanos estaria voltada para a integração, o comprometimento dos empregados, a flexibilidade, a adaptabilidade e a qualidade. Mais específicos, Mahoney e Deckop estabelecem seis aspectos que diferenciam ARH de administração de pessoal. Eles argumentam que ARH envolve uma visão ampla e profunda das seguintes áreas de atuação (apud Brewster e Hegewisch, 1994): > Planejamento da alocação das pessoas no trabalho: uso de técnicas que estabeleçam um elo entre a estratégia de negócios da empresa e as pessoas. > Comunicação com os empregados: adota como focos de atuação a comunicação direta e a negociação permanente com os empregados. 22 > Sentimentos dos funcionários: a gestão deveria concentrar-se na satisfação das pessoas e em tudo aquilo que possa interferir na cultura organizacional da empresa. Gestão dos empregados: ocorreria por meio dos mecanismos tradicionais de recursos humanos, na seleção, no treinamento e na compensação dos funcionários. Gestão de custos e benefícios: contemplaria os esforços orientados para a redução dos custos com mão-de-obra, tais como redução da rotatividade, do absenteísmo e outros fatores que interferem na efetividade oranizacional. Gestão do desenvolvimento: corresponde à preocupação com a criação de competências necessárias para o futuro da empresa. Nas propostas de Mahoney e Deckop começa a surgir, de forma mais completa e abrangente, o modelo de gestão de recursos humanos em sua concepção mais moderna: é constituído de um conjunto de processos que a empresa concebe e implementa com o objetivo de administrar suas relações com as pessoas buscando concretizar seus interesses. Tais interesses podem ser resumidos em três eixos principais: a efetividade econômica, a efetividade técnica e a efetividade comportamental. Por efetividade econômica entende-se o alcance dos resultados de redução de custos ou maximização de lucros através das práticas de gestão de pessoal, o que resgata os objetivos da escola anterior, porque pressupõe a mensuração do impacto efetivo do trabalho nos resultados da empresa. A efetividade técnica refere-se à manutenção da ação do homem em consonância com os padrões de qualidade requeridos pelos produtos, equipamentos e negócios realizados pela empresa. A efetividade comportamental corresponde à busca da motivação e da satisfação dos interesses dos � funcionários, atendendo adequadamente suas necessidades. Observe-se que nesse ponto se reconhece implicitamente a subjetividade, ou seja, para obter os resultados, os processos geridos pela empresa devem incidir, pnoritariamente, sobre as relações que ela estabelece com as pessoas. Tais resultados serão sempre soluções de consenso, negociadas entre as duas partes envolvidas: pessoas e organização. Reconhecer essa característica básica da gestão de recursos humanos significa reconhecer também quanto é limitado o grau de previsibilidade da empresa com relação aos produtos finais resultantes das práticas que adota. Como é possível observar, o modelo que reconhece o comportamento humano como foco principal da gestão se articula em torno dos binômios envolvimento-motivação, fidelidade- estabilidade e assistência-submissão. Cabe à empresa promover a motivação das pessoas, e às pessoas, manter-se permanentemente envolvidas com os projetos da organização num contrato de submissão de longo prazo — “vestir a camisa da empresa” constituía o siogan para empregar e manter as pessoas nas empresas. É em torno desses elementos básicos que se estrutura o mais influente e conhecido modelo de gestão de pessoas da história da teoria organizacional. 8. Modelo estratégico de gestão de pessoas Nas décadas de 1970 e 80, um novo critério de efetividade foi introduzido na modelagem dos sistemas de gestão de recursos humanos: seu caráter estratégico. A 23 necessidade de vincular a gestão de pessoas às estratégias da organização foi apon tada inicialmente pelos pesquisadores da Universidade de Michigan, dentre o quais se destacam Tichy, Fombrum e Devanna. Segundo Staehle (1990), a visão desses autores era de que a gestão de recursos humanos deveria buscar o melhor encaixe possível com as políticas empresariais e os fatores ambientais. Para isso, o. planos estratégicos dos vários processos de gestão de recursos humanos serian derivados das estratégias corporativas da empresa. Há nesse aspecto um indício de ruptura com as escolas comportamentais. Nã é mais a motivação genérica que o modelo deve buscar. Indivíduos motivados satisfeitos e bem atendidos em suas necessidades estão prontos para atuar, mas issc pode não significar absolutamente nada para as diretrizes estratégicas da empresa. Staehle reconhece o avanço proporcionado pelo grupo de Michigan ao demonstrar a importância do caráter estratégico no modelo de gestão de pessoas mas ressalta os limites dessa concepção. Para ele, tal perspectiva assume o pressuposto da adaptação e implementação, ou seja, o papel de recursos humanos se resu mina a adaptar-se à estratégia de negócio e a implementar sua diretriz específica. Não é levada em consideração a possibilidade de a ARH intervir na estratégia corporativa introduzindo nas decisões tomadas uma visão estratégica das pessoas e sua contribuição para a empresa. Nos anos 1980, caberia à Harvard Business School desenvolver nova perspectiva da gestão estratégica de pessoas. Staehle utiliza os tópicos abordados pelo curso de Administração de Recursos Humanos introduzido no MBA dessa escola para demonstrar como a abordagem de Harvard se mostra mais ampla e integradora do que as anteriores. Lançado em 1981, o curso estava estruturado nas seguintes áreas de políticas de recursos humanos: � >influência sobre os funcionários (filosofia de participação); >processos de recursos humanos (recrutamento, desenvolvimento e demissão); >sistemas de recompensa (incentivos, compensação e participação); >sistemas de trabalho (organização do trabalho). A abordagem de Harvard aponta a necessidade de o modelo de gestão de pessoas corresponder a fatores internos e externos à organização. As áreas de política mencionadas seriam afetadas pelos interesses dos stakeholders (acionistas, gerentes grupos de empregados, sindicatos, comunidade e governo) de um lado e por pressões situacionais de outro. As decisões de ARH deveriam estar pautadas pela gestão desses dois conjuntos de fatores, conciliando os interesses envolvidos. Como afirma Staehle, na visão de Harvard “a principal responsabilidade da gestão de recursos humanos é integrar harmoniosamente as quatro áreas entre si e com a estratégia corporativa da empresa” (Staehle, 1990). No Brasil, a perspectiva estratégica de gestão de recursos humanos influenciou as organizações mais bem estruturadas nessa área na década de 1980. Em 1987, Albuquerque realizou uma pesquisa abrangerite e elucidativa a esse respeito em um conjunto bastante amplo de empresas brasileiras. Nesse estudo é possível encontrar uma profunda revisão bibliográfica do conceito e constatações relevantes de sua 24 implementação prática no país. Dentre outras conclusões, o autor destaca que, “muito embora os resultados da pesquisa não evidenciem uma ligação forte entre planejamento estratégico de recursos humanos e planejamento estratégico, já se configura uma tendência de aceitação do planejamento estratégico de recursos humanos por parte da alta administração das empresas da amostra” (Albuquerque, 1987). Com referência à participação de recursos humanos nas estratégias de negócio, Albuquerque constata que o executivo de recursos humanos, na época da pesquisa, era “envolvido, de uma forma ou de outra, na formulacão das estratégias organizacionais na maioria das empresas pesquisadas” (Albuquerque, 1987). Fischer (1998) demonstrou que os formadores de opinião do setor percebem que as grandes organizações brasileiras enfrentam grandes dificuldades para adotar uma perspectiva estratégica de gestão de pessoas, embora a pesquisa também tenha constatado que praticamente todas se orientavam por esse ideal. De qualquer maneira, essa linha de pensamento trouxe novo conceito articulador do modelo de gestão: a busca de orientação estratégica para as políticas e práticas de RH. Seria preciso, a partir de então, intensificar os esforços de adaptação do modelo às necessidades da empresa, tornando-se insuficientes as soluções padronizadas capazes de atender a qualquer organização em qualquer tempo. As verdades sobre a gestão do comportamento humano deixaram de ser gerais para se tornar um problema do negócio e de sua estratégia. O modelo tornava-se assim cada vez menos prescritível e genérico para ocupar a função de elemento de diferenciação. 9. Modelo de gestão de pessoas articulado por competências O advento da era da competitividade exigiu novo papel da gestão de recursos humanos. A intenção de estabelecer vínculos cada vez mais estreitos entre o desempenho humano e os resultados do negócio da empresa, já presente na fase anterior, se intensifica a � ponto de requerer nova definição conceitual do modelo. A ênfase na competição, presente nas obras de autores como Porter, Hammer e Prahalad, direciona de forma decisiva toda a teoria organizacional e cria as bases do surgimento de um modelo de gestão de pessoas baseado em competências. Essa produção teórica tem origem nas mudanças ocorridas nos mercados internacionais a partir da década de 1980. Nessa época, a chamada ofensiva japonesa desestabilizou a hegemonia das grandes corporações americanas, tornando a busca da competitividade um tópico recorrente na literatura sobre gestão empresarial. Nela passam a predominar temas como estratégia competitiva, vantagem competitiva, reengenhana e reestruturação, competências essenciais e reinvenção do setor. Para entender a emergência do novo modelo é preciso resgatar a influência de tal visão de gestão de negócios na administração de recursos humanos. 9.1 GESTÃO DE PESSOAS E VANTAGEM COMPETITIVA A noção de vantagem competitiva aparece no título do segundo livro de Porter (1989), no qual o autor analisa o problema da incapacidade de as émpresas tradu- 25 zirem suas estratégias em ações práticas. O foco é a sustentação da vantagem competitiva, que introduz a noção de valor agregado ao produto e de cadeia de valor como elementos fundamentais na manutenção do posicionamento da empresa: “A vantagem competitiva surge do valor que uma empresa consegue criar para seus compradores e que ultrapassa o custo de fabricação pela empresa”. A cadeia de valor deve ser analisada nas diferentes atividades internas da organização e suas interações, uma vez que a vantagem competitiva “tem sua origem nas inúmeras atividades distintas que uma empresa executa no projeto, produção, marketing, entrega e suporte do produto. Cada uma dessas distintas atividades pode contribuir para a posição dos custos relativos de uma empresa, além de criar uma base para a diferenciação” (Porter, 1989). A partir de então se tornaria muito dificil falar de gestão de recursos humanos sem fazer referência à questão da competitividade e da agregação de valor para o negócio e os clientes. Embora não se alongue no tema, no mesmo livro Porter (1989) diz que “a gerência de recursos humanos afeta a vantagem competitiva em qualquer empresa”, chegando “em algumas indústrias a ser a chave para a vantagem competitiva”. Apesar de a obra constituir, na essência, um debate sobre como as pessoas transformam a estratégia em ações práticas, as referências do autor a recursos humanos limitam-se a não mais de duas páginas. Nelas, Porter recomenda algumas práticas de recursos humanos que levariam à melhor interação entre unidades organizacionais, tais como rotação de cargos — função comum a toda a empresa para contratar e treinar funcionários —, reuniões e fóruns cruzados e iniciativas de promoção interna. Não há, portanto, nenhuma preocupação específica de aprofundar os vínculos entre comportamento humano no trabalho e obtenção de vantagens competitivas. 9.2 GESTÃO DE PESSOAS E REENGENHARIA Famosa por ser considerada a principal responsável pelas conseqüências perversas das reestruturações empresariais nas décadas de 1980 e 90, a reengenharia, de Hammer e � Champy (1994), propõe a mudança radical de todos os princípios que orientaram a administração de empresas nos últimos dois séculos. Os autores são enfáticos e radicais ao demonstrar-se absolutamente convencidos de que dominam a única solução verdadeira para as grandes questões organizacionais da época. Essa postura, retratada no caráter quase doutrinário do texto, talvez justifique o estigma incorporado ao conceito: “Neste livro, dizemos que chegou a hora de aposentar esses princípios e de adotar um novo conjunto. A alternativa é as empresas fecharem as portas e encerrarem as atividades”. Em outra passagem, os autores afirmam categoricamente a supremacia de suas descobertas comparando-as às de Adam Smith: Demonstramos como as atuais empresas podem se reinventar a si próprias. Chamamos as técnicas que podem se valer para isso de reengenharia empresarial, as quais estão para a próxima revolução dos negócios como a especialização do trabalho esteve para a última. As grandes empresas, inclusive as mais bem-sucedidas e promissoras, precisam abraçar e aplicar os princípios da reengenhana empresarial ou serão eclipsadas pelo maior sucesso daquelas que o fizerem (Hammer e Champy, 1994). 26 Para tais autores, a história da teoria organizacional começou com sua obra. O passado é desconsiderado, assim como a história das empresas, que em nada deve pesar em seu presente e futuro. Antes de tudo é preciso esquecê-lo: “A reengenharia não é mais uma idéia importada do Japão. Não é outra solução rápida que os gerentes possam aplicar às suas organizações. […] A reengenhana empresarial não trata de consertar nada. […] A reengenharia empresarial significa começar de novo, começar do zero” (Hammer e Champy, 1994). Utilizando exemplos concretos de mudanças provocadas por iniciativas empresariais em determinados setores — “A Wal-Mart reinventou o comércio varejista” — os autores demonstram que alternativas convencionais não são suficientes para fazer frente às três forças que pressionam as organizações na atualidade: o acirramento inusitado da concorrência, o controle da relação com a empresa assumido pelo cliente e a mudança transformada em paradigma básico da gestão empresarial. A reengenharia tornou-se uma das estratégias organizacionais de competitividade mais divulgadas e polêmicas dos anos 1990. Foi largamente difundida e implementada, no exterior e no Brasil, seguindo-se ou não os preceitos de Hammer e Champy. Ao contrário das demais propostas, a reengenharia não utiliza os conceitos de estratégia, vantagem competitiva e competitividade. Tais conceitos estão implícitos, e o foco de atenção dessa linha teórica fica circunscrito à reformulação dos processos empresariais, o que, por vezes, parece confundir suas propostas com as antigas práticas de organização e métodos, com uma roupagem radicalizada e adaptada aos novos tempos. A questão da gestão de recursos humanos, como seria de prever, aparece pouco ou quase nada na perspectiva de Hammer e Champy. Quando isso acontece, o objetivo é racionalizar e diminuir o custo fixo com mão-de-obra, como se observa no exemplo da Ford transcrito a seguir: “O novo processo de contas a pagar da Ford é bem diferente. O pedido de compra, fatura e o documento de recebimento não são mais cotejados entre si basicamente porque o novo processo eliminou inteiramente a fatura. Os resultados revelaram-se drásticos. Em vez de quinhentos funcionários, a Ford conta agora com apenas 125 para o pagamento de fornecedores”. A reengenharia de processos provoca impactos fundamentais na gestão de recursos humanos, e sua introdução nas organizações sem dúvida significou um dos motivadores � principais da emergência do modelo de gestão competitivo. Com base na leitura da principal obra dos autores que lançaram essa proposta, relaciona-se a seguir uma síntese das mudanças decorrentes da prática da reengenharia diretamente ligadas a recursos humanos: >as unidades de trabalho mudam de departamentos funcionais para equipes de processo; > os serviços mudam de tarefas simples para trabalhos multidimensionais; > os papéis das pessoas mudam de controlados para autorizados; > a preparação para os serviços muda de treinamento para educação; >o enfoque das medidas de desempenho e remuneração se altera da atividade para os resultados; >os critérios das promoções mudam do desempenho para a habilidade; 27 > os valores mudam de protetores para produtivos: > os gerentes mudam de supervisores para instrutores; >as estruturas organizacionais mudam de hierárquicas para niveladas: > os executivos mudam de controladores do resultado para líderes. Mesmo que nos limites deste capítulo não seja possível aprofundar a análise das propostas de Hammer e Champy, é importante assinalar que ocorreram diferentes tipos de intervenção nas organizações brasileiras, e provavelmente também no exte nor, com o nome de reengenhana. Em geral, tratava-se de um processo de downsizing — que os autores insistem em diferenciar explicitamente da reengenharia — ou de iniciativas circunscritas de racionalização de processos de trabalho visando reduzir custos e pessoal. Isso terminou por dar uma conotação negativa à palavra, transformando-a, na linguagem habitual das empresas, em sinônimo de demissão em massa. Por outro lado, vale dizer que a grande contribuição da reengenharia foi alertar dirigentes e executivos para a necessidade de focalizar os processos em resultados. Empresas paquiderinicas e burocratizadas, paradas no tempo e acossadas pelo mercado sem vislumbrar caminhos de reação, encontraram nessa proposta uma fórmula para eliminar gorduras e atividades que não agregavam valor a elas nem a seus clientes. A reengenharia tornou-se, nesse caso, uma solução necessária e importante. Entretanto, quando o objetivo permaneceu exclusivamente na redução de custos, ou seja, não foi articulado a uma estratégia mais ampla, a reengenharia, como proposta em si, trouxe para as empresas apenas resultados e sobrevivência de curtíssimo prazo. 9.3 GESTÃO DE PESSOAS E COMPETÊNCIAS Embora a emergência de um modelo competitivo de gestão de pessoas esteja relacionada com todas as escolas que predominaram entre as décadas de 1980 e 90,a obra de Prahalad e Hamel é a que demonstra maior grau de interação com suas principais características. Por força da visão desses autores, as questões da estratégia e da competitividade retomam seus devidos lugares, readquirindo importáncia como dimensões essenciais da gestão empresarial. Implicitamente, eles polemizam com Porter e criticam abertamente a mudança centrada nos processos de Hammer. Defendem a perspectiva de que a competitividade está relacionada com a capacidade da empresa de reinventar seu setor. A empresa competitiva seria aquela que, além da reengenharia e da simples reestruturação operacional, tem condições de criar um novo espaço competitivo em vez de esforçar-se por se posicionar melhor no espaço competitivo atual. Por acreditar que as empresas que se empenham na reengenharia estão se esforçando � para alcançar seus concorrentes, e não para superá-los, os autores propõem regenerar a estratégia dando-lhe uma nova configuração: É inteiramente possível para uma empresa colocar em prática o downsizing e a reengenharia na sem nunca confrontar a necessidade de regenerar sua estratégia principal, sem nunca ser forçada a repensar as fronteiras de seu setor, sem nunca ter de imaginar o que os clien- 28 tes desejarão nos próximos dez anos e sem nunca ter de redefinir fundamentalmente o “mercado servido”. Contudo, sem essa reavaliação fundamental, a empresa será surpreendida a caminho do futuro. A defesa da posição atual de liderança não substitui a criação da futura liderança (Prahalad e Hamel, 1995). Citando uma pesquisa de The Wall Street Journal, os autores afirmam que o processo de reestruturação não garante necessariamente maior valor à empresa, podendo ocorrer até mesmo o contrário: A reestruturação raramente resulta em melhoria fundamental da empresa. Na melhor das hipóteses, consome tempo. Um estudo realizado com 16 grandes empresas norte- americanas com pelo menos três anos de experiência em reestruturação revelou que, embora a reestruturação normalmente tenha melhorado o preço das ações da empresa, a melhoria foi quase sempre temporária. Após três anos da reestruturação, esse preço era, em média, bem inferior às taxas de crescimento anteriores, registradas na época em que foi iniciada a reestruturação. O estudo concluiu que um investidor astuto deve interpretar um anúncio de reestruturação como um sinal para venda, e não para compra (Prahalad e Hamel, 1995). A abordagem de Prahalad e Hamel difere da de Porter em alguns aspectos que merecem ser ressaltados. O primeiro deles refere-se ao foco da transformação organizacional, dirigido predominantemente para fora. Isso deve acontecer não só do ponto de vista da busca de informações sobre o ambiente, como o planejamento estratégico tradicional recomenda e Porter reafirma, mas também como objetivo orientador do próprio processo de mudança que se quer implementar. Isso significa que, quando advogam a reinvenção do setor, Prahalad e Hamel afirmam que a competitividade empresarial está condicionada à possibilidade de a empresa transformar não só a si própria mas também seu setor, estabelecendo, com isso, uma referência nova para todos os que nele atuam: concorrentes, fornecedores, clientes etc. É interessante observar como essa posição reitera o caráter sistêmico dos diferentes níveis de manifestação da competitividade, demonstrando que os vínculos de dependência entre os diferentes níveis se estreitam no mundo moderno. A passagem a seguir ilustra essa afirmação: Muitos gerentes encarregados da tarefa de gerenciar a transformação organizacional se esquecem de perguntar: “Transformar-nos em quê?” O ponto é que a agenda da transformação organizacional precisa ser direcionada por uma visão da agenda de transformação do setor: como desejamos moldar o setor nos próximos cinco ou dez anos? O que precisamos fazer para garantir que o setor evolua da forma mais vantajosa para nós? Que habilidades e recursos precisamos começar a desenvolver agora para ocupar uma posição de liderança no setor no futuro? (Prahalad e Hamel, 1995.) Para Prahalad e Hamel, a diferença entre empresas competitivas e não competitivas é a diferença entre empresas líderes e empresas seguidoras dentro do mesmo setor. As primeiras, ao se reinventar, reestruturam o setor, enquanto as segundas beneficiam-se � das descobertas das líderes e da velocidade com que hoje é possível copiar e implementar as melhores soluções. 29 Competências essenciais e arena de oportunidades são também conceitos que conferem especificidade à obra de Prahalad e Hamel. Para eles, as “portas das oportunidades futuras” se abrem apenas para as empresas que desenvolvem competências para isso. Trata-se de uma espécie de decifra-me ou te devoro da competitividade empresarial, para o qual as empresas devem preparar-se. Os exemplos aparecem em grande quantidade: Uma competência essencial é um conjunto de habilidades e tecnofogias que permite a uma empresa oferecer um determinado benefício aos clientes. Na Sony, esse benefício é o “tamanho de bolso” de seus produtos e a competência essencial é a miniaturização. Na Federal Express, o benefício é a entrega rápida e a competência essencial, em nível bastante macro, é a gestão logística (Prahalad e Hamel, 1995). A importância da competição pela liderança em competências está na precedência da competição pela liderança em produtos. O desenvolvimento de uma competência não está vinculado diretamente a um produto, mas a vários deles, uma vez que o objetivo desse desenvolvimento é o benefício que trará ao cliente, e não o produto em si: “A busca incansável da Sony pela liderança em miniaturização permitiu à empresa acesso a uma ampla gama de produtos de áudio pessoais. As competências específicas da 3M em adesivos, substratos e materiais avançados geraram dezenas de produtos”. A busca e a internalização das competências essenciais definirão as empresas que estarão competindo pela arena de oportunidades do futuro. Entretanto, tal competição não ocorrerá exclusivamente entre empresas, mas também entre coalizões de empresas. Isso porque determinadas oportunidades somente poderão ser aproveitadas com a integração de competências que uma única empresa não teria condições de desenvolver isoladamente. Surgem assim as redes de empresas que caracterizam o ambiente de negócios da atualidade, normalmente aplicadas a setores complexos e de alta intensidade tecnológica, como a TV interativa, os conversores a cabo e os dispositivos de comunicação pessoal e de geração de imagens. Prahalad e Hamel valorizam a história das organizações e suas experiências acumuladas ao longo do tempo. Apesar de recomendar um processo de destruição criadora do conhecimento por meio do “desaprendizado”, eles consideram que a empresa “é um reservatório de experiências” vivenciadas por seus funcionários. O que as diferencia, em grande parte, é a “capacidade relativa” desses funcionários de extrair conhecimento dessas experiências. As pessoas aparecem no texto de Prahalad e Hamel com maior freqüência do que no dos demais autores analisados neste capítulo. Ocupam papel importante como agentes do processo de mudança estratégica, uma vez que “não é o dinheiro o combustível da viagem para o futuro, e sim a energia emocional e intelectual de cada funcionário”. Isso tem impacto na formulação da “intenção estratégica”, que não deve ser exclusivamente uma formulação correta e bem elaborada, mas precisa ter “pathos e paixão” e referir-se “tanto à criação de significado para os funcionários quanto à definição de direção”. 30 � A principal tarefa do modelo competitivo de gestão de pessoas seria mobilizar essa energia emocional, ou seja, desenvolver e estimular as competências humanas necessárias para que as competências organizacionais da empresa se viabilizem. É assim que, no final dos anos 1980 e início dos 90, a gestão de recursos humanos deixaria de ser estratégica devido a uma condição genérica, como o fato de as pessoas serem o principal ativo da organização ou porque pessoas motivadas seriam, por definição, mais produtivas e engajadas ou ainda por estar alinhada a uma estratégia global. Pessoas passam a ser estratégicas somente nas situações em que o ser humano “é visto e tratado como uma fonte de vantagem competitiva” (Kochan e Dyer, 1992). Essa tendência já podia ser identificada em 1986, quando Hendry e Pettigrew (apud Brewster e Hegewisch, 1994) demonstravam que a perspectiva estratégica da gestão de pessoas não podia resumir-se a uma ênfase maior das ações planejadas, integradas e coerentemente alinhadas à estratégia de negócios da empresa. Reinterpretando o conceito e introduzindo nele a noção de competitividade, os autores afirmam que é preciso ir além e fazer com que “as pessoas sejam vistas pela organização como um recurso estratégico”, ou seja, competências necessárias para atingir um posicionamento diferenciado. Reconhecido como um dos principais autores da área, Lawler apresenta alguns indícios importantes quando demonstra que são quatro as exigências que pesam sobre a função nas empresas pressionadas pelos tempos de globalização: devem ser estratégicas, competitivas, focadas nos processos de mudança organizacional e responsáveis pelo envolvimento do funcionário com elas, seus negócios, processos e produtos. Os aspectos destacados por Lawler de certa forma sintetizam o que o modelo competitivo de gestão de pessoas agregou das escolas anteriores. Continua tendo como núcleo de atuação o comportamento humano, como queria a escola de relações humanas; deve alinhar esse comportamento às estratégias da organização, sem o que sua ação seria absolutamente desarticulada e improdutiva; terá de lidar com um ambiente de permanente transformação, característico destes tempos de turbulência e mudança; e sobretudo terá de demonstrar sua capacidade de gerar, por meio das pessoas, maior competitividade para a empresa. Esse será o elemento básico de orientação do modelo competitivo de gestão de pessoas. Ele é qualificado como competitivo por dois motivos principais: porque deve ser condizente com o ambiente de competitividade que caracteriza as organizações contemporâneas e porque privilegia e se articula em torno de competências. 10. Considerações finais Como ficou demonstrado, a história da administração de recursos humanos revela que, mais que a adoção de políticas ou instrumentos padronizados, o que caracteriza uma nova fase é a internalização e a operacionalização de um novo conceito. Um novo modelo se caracteriza por uma nova lógica que dá coerência e direcionamento para as práticas de gestão. As organizações mais pressionadas pelo mercado e que têm acesso a técnicas e conceitos inovadores com maior facilidade chegam primeiro e passam a ser consideradas benchmarks da área. Elas estabelecem referên- 31 cias que passam a ser seguidas por aquelas que se espelham no que ocorre com o chamado mercado. Consultores indicam novos caminhos e profissionais se reciclam por � meio das mais variadas formas de aprendizagem, e assim se institui o novo conceito de realidade organizacional. A reduzida distância histórica não permite ainda visualizar o resultado final desse processo de mudança, mas há alguns sinais consistentes de como as organizações vêm tentando reposicionar-se. Em primeiro lugar, ao usar o termo modelo em substituição à idéia de sistema, área ou setor, busca-se ampliar o âmbito das ações de RH dando-lhes nova dimensão e abrangência. Assim, torna-se mais fluida e flexível a linha divisória que separa o que faz parte do que não faz parte da gestão de pessoas nas organizações. Isso leva a considerar não somente a estrutura, os instrumentos e as práticas normatizadas como elementos componentes do modelo, mas também tudo aquilo que interfere significativamente nas relações entre os indivíduos e a organização. O modelo pode abranger, por exemplo, os procedimentos que a empresa utiliza para envolver os funcionários com suas definições estratégicas, a maneira pela qual estimula determinado tipo de relação com os clientes ou a imagem que passa internamente de seus produtos, dos equipamentos utilizados, do desenvolvimento tecnológico e outros temas organizacionais de relevância. Os profissionais especializados passam a reconhecer tacitamente que a área de recursos humanos perde o poder de monopólio sobre o comportamento organizacional para compartilhá-lo com outras instâncias da empresa, em particular as próprias chefias diretas. A expressão gestão de pessoas também não significa a simples tentativa de encontrar um substituto renovador da noção, já desgastada, de administração de recursos humanos. Seu uso procura ressaltar o caráter da ação — a gestão e seu foco de atenção: as pessoas. Embora os conceitos de administração e de gestão sejam utilizados como sinônímos, em geral considera-se gestão uma ação na qual há menor grau de previsibilidade do resultado do processo a ser gerido. Um navio é dirigido, uma empresa administrada, uma relação humana pode, no máximo, ser orientada caso se admita que os dois agentes tenham consciência e vontade próprias. A opção por utilizar pessoas no lugar de recursos humanos é ainda mais diferenciadora do novo conceito. A administração tradicional foi construída em torno da idéia de otimização de recursos. Otimizar máquinas, equipamentos, materiais, recursos financeiros e pessoas sempre foi seu principal objetivo. Na fase das grandes máquinas mecanizadas, na fase da segunda onda de produção fabril massificada, como a denomina Toffler (1994), a “maximização” dos recursos era o paradigma básico. As pessoas foram transformadas em recursos para que se justificasse o investimento nelas e houvesse um parâmetro comum de como administrá-las. Essa foi uma maneira eficiente de demonstrar a preocupação específica da administração com o chamado fator humano na empresa. Nessa fase da teoria organizacional, administrar recursos humanos significava otimizar sua produtividade, sua competência e seu entusiasmo. Hoje, quando o papel do homem no trabalho vem-se transformando e suas características mais especificamente humanas, como o saber, a intuição e a criatividade, vêm sendo valorizadas, talvez se caminhe para uma transição na qual a empresa finalmente reconheça que se relaciona com pessoas, e não com recursos. 32 Referências bibliográficas ALBUQUERQUE, L. G. O papel estratégico de recursos humanos. São Paulo: FEA-USP, 1987. Tese de livre- docência. BREWSTER, C.; HEGEWISCH, A. Human resource management in Europe: issues and � opportunities in p0- licy and practice in european human resource management. The Price Waterhouse Cranfield survey London and New York: Routledge, 1994. CAVE, A. Employee relations: a new framework. 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As mudanças nas organizações, no ambiente empresarial e na sociedade são profundas e ocorrem em ritmo cada vez mais acelerado. A rapidez das mudanças tecnológicas, a globalização da economia e o acirramento da competição entre empresas e entre países geram impactos significativos sobre a gestão das organizações, levando à necessidade de repensar seus pressupostos e modelos. Um dos impactos mais expressivos dessas mudanças no ambiente é, por parte das organizações, o aumento do nível de qualificação e de conhecimentos exigido dos profissionais, com implicações diretas na gestão de pessoas e nos modelos utilizados em sua administração. O objetivo deste capítulo é examinar os pressupostos da gestão de pessoas sob o enfoque estratégico, procurando: >contribuir para o desenvolvimento das pessoas e das organizações; > ressaltar o papel do fator humano e de sua gestão na obtenção de vantagens competitivas sustentáveis pelas empresas; 35 > destacar a administração estratégica de pessoas como pano de fundo para promover mudanças organizacionais e como instrumento adequado para dar respostas aos desafios do ambiente empresarial. 2. O conceito de gestão estratégica de pessoas e sua evolução � A preocupação com a estratégia tem ocupado um espaço cada vez maior nas discussões empresariais, nos debates acadêmicos e na literatura de administração. Esse fato está relacionado com o acirramento da competição no nível local, regional e global, bem como com a revolução tecnológica e a do conhecimento. Por outro lado, o termo “estratégia” tem sido utilizado com sentidos diferentes, ora traduzindo expectativas e anseios, ora ações prescritivas e deliberadas, ora expressando a perplexidade dos atores sociais diante da abrangência e da velocidade das mudanças no ambiente e de seus impactos sobre a gestão das organizações. Dentro desse contexto, torna-se fundamental a discussão dos conceitos de estratégia, gestão estratégica e recursos humanos sob uma perspectiva evolutiva. O campo da estratégia empresarial representa uma temática relativamente recente na administração. Seus primeiros passos foram dados nas décadas de 1960 e 70, tendo apresentado um notável desenvolvimento na década de 1980 e, principalmente, nos anos 90. Zaccarelli (1996) resume alguns “marcos históricos” no estudo da estratégia nas empresas, associando-os a autores clássicos e suas obras. Segundo ele, em 1965 foi lançado o primeiro livro sobre estratégia empresarial, de autoria de Igor Ansoff, com ênfase no planejamento estratégico, que demorou para ser reconhecido. Por volta de 1973, os trabalhos apresentados no primeiro seminário internacional sobre administração estratégica, na Universidade Vanderbilt, deram origem ao livro Do planejamento estratégico à administração estratégica, organizado por Ansoff, Declerck e Hayes (1981), que ampliou o foco da discussão sobre estratégia empresarial. Outro marco importante no estudo de estratégia surgiu na década de 1980 com as obras Estratégia competitiva e Vantagem competitiva das nações, de Michael Porter, que apresentaram novos conceitos de estratégia e competitividade no âmbito empresarial e no dos países e até hoje influenciam fortemente os debates sobre competição. No início da década de 1990, outro livro marcou essa evolução com uma abordagem critica aos conceitos de planejamento estratégico: The rise and fali of strategic pianning, de Henry Mintzberg. O autor, docente da Universidade McGill, enfatizou os debates sobre os aspectos humanos envolvidos na formulação e implementação estratégica. Em meados dos anos 1990, a obra Competindo pelo futuro, de Prahalad e Hamel (1995), trouxe novos conceitos à estratégia empresarial, entre eles arquitetura estratégica, intento e competências essenciais, em continuidade à busca de foco pelas empresas, para sobreviverem no jogo competitivo. Uma contribuição importante para o entendimento do pensamento sobre estratégia foi dada em 1998 por Mintzberg, Ahlstrand e Lampel em Safári da estratégia (2000). A obra, ao mesmo tempo que auxilia o leitor a organizar o raciocínio a respeito de diversas correntes e enfoques no estudo da estratégia, desafia-o a 36 reconciliar as diferentes tendências nessa área. Utilizando a notória fábula dos cegos que queriam ver o elefante e a metáfora de um “safári pela selva da administração estratégica” (Mintzberg et al, 2000), os autores apresentam a classificação e a definição das dez escolas de pensamento em administração estratégica (as partes do elefante), a perspectiva de cada uma delas, suas limitações e contribuições e seus autores mais representativos. A seguir, a conceituação dessas escolas, sua visão do processo estratégico e seus principais autores. > Design: estratégia como um processo de CONCEPÇÃO (Silznik Andrews). � > Planejamento: estratégia como um processo FORMAL e sistemático (Ansoff). >Posicionamento: estratégia como um processo ANALÍTICO (Porter). > Empreendedora: estratégia como um processo VISIONÁRIO (Schumpeter). >Cognitiva: estratégica como um processo MENTAL (Simon; March e Simon). >Aprendizado: estratégia como um processo EMERGENTE (Lindblom; Cyert e March; Quinn; Prahaiad e Hamei). >Poder: estratégia como um processo de NEGOCIAÇÃO (Allison; Pfeffer e Solancick; Astley). > Cultural: estratégia como um processo COLETIVO (Rhenman e Norman). >Ambiental: estratégia como um processo REATIVO (Hannan e Freeman). > Configuração: estratégia como um processo de TRANSFORMAÇÃO (Chandler; Miles e Snow; Mintzberg). As três primeiras escolas — design, planejamento e posicionamento — são consideradas de natureza prescritiva, mais preocupadas em como as estratégias devem ser formuladas do que em como elas são formuladas; as escolas do segundo grupo — empreendedora, cognitiva, de aprendizado, do poder, cultural e ambiental — estão mais voltadas para a análise de como as estratégias são de fato formuladas; finalmente, a escola da configuração combina contribuições de várias outras, descrevendo a estratégia como um processo de mudança. Cada uma dessas escolas, portanto, empresta diferentes sentidos não conflitantes e complementares à estratégia. Além disso, ajudam a desmitificar a complexidade de um conceito tão importante e abrangente, fornecendo ao leitor o beneficio dessas diferentes contribuições. Por outro lado, embora a bibliografia contenha várias definições objetivas sobre estratégia e administração estratégica, é difícil encontrar uma única que traduza de forma plena seus diferentes significados. Entretanto, existem certos pontos em comum entre essas definições que podem auxiliar na formação e no entendimento do conceito de estratégia. São eles: > a estratégia dá a direção, fornece o direcionamento da empresa e provê consistência; >a estratégia resulta de um processo de decisão; > as decisões são principalmente de natureza qualitativa, interferem no todo da organização e buscam eficácia a longo prazo; >a estratégia abrange a organização e sua relação com o ambiente; >a estratégia envolve questões de conteúdo e de processo, em diferentes níveis. 37 De acordo com Hyden (1986), administração estratégica é o processo de administrar uma entidade de forma a atingir seu propósito. Sua definição mais ampla é a administração da vantagem competitiva, que inclui identificar objetivos analisando o ambiente, reconhecei aiieaças e oportunidades formulando estratégias, implementando e monitorando-as de forma a sustentar as vantagens competitivas no mercado. Os estrategistas que se utilizam desse conceito abrangente vêem a adniinistração estratégica sob um enfoque que permeia a administração de todos os aspectos da companhia. Eles consideram a formulação da estratégia corporativa e da estratégia competitiva, o processo de planejamento e a implenentação de todos os precedentes como partes da administração estratégica. A definição mais restrita de administração estratégica a limita a uma conceituação análoga á de administração de operações ou administração de marketing, mas com ênfase em atingir objetivos estratégicos em vez de objetivos funcionais. � Para alguns, a gestão estratégica é o processo de aplicação das funções administrativas, de planejamento, organização, direção e controle aos assuntos pertinentes ao nível estratégico. Para outros, gestão estratégica é o processo de clarificar a visão da organização, formulando e implementando estratégias e avaliando continuamente seus resultados. Envolve a definição e a articulação de estratégias, estruturas e sistemas, tendo como base os valores organizacionais e as tendências do ambiente a longo prazo. Dada a dificuldade de obter uma definição de estratégia que englobe todos os diferentes sentidos, para fins didáticos deste capítulo determina-se como conceito de estratégia: formulação da missão e dos objetivos da organização, bem como de políticas e planos de ação para alcançã-los, considerando os impactos das forças do ambiente e a competição. 3. No âmbito dos recursos humanos De acordo com Anthony et ai (1996), são as seguintes as características da administraçãõ estratégica de recursos humanos: > explicitamente reconhece os impactos do ambiente organizacional externo; > reconhece o impacto da competição e da dinâmica do mercado de trabalho; >apresenta foco no longo prazo; > enfatiza a escolha e a tomada de decisão; > considera todas as pessoas da empresa, e não apenas o grupo de executivos ou o de empregados operacionais; > está integrada com a estratégia corporativa e com as demais estratégias funcionais. A expressão “administração estratégica de recursos humanos” surgiu na literatura internacional no início da década de 1980, sob diferentes alegações, seja com base nas críticas ao papel funcional/burocrático e nas fraquezas percebidas da área, seja por pressões ambientais que demonstravam a natureza estratégica de recursos humanos e de sua gestão. Evoluções importantes estão ocorrendo em duas áreas distintas de administração, cuja convergência segue um novo conceito de administração estratégica de 38 pessoas. Existe uma aparente evolução do conceito de administração de recursos humanos que resulta da crescente necessidade de orientação para planejamento e de intervenções gradativas com orientação estratégica, visando à mudança do modelo de controle para o de comprometimento (Albuquerque, 1999). Essas duas estratégias básicas de recursos humanos — estratégia de controle e estratégia de comprometimento das pessoas com os objetivos organizacionais — se contrapõem. Trata-se de diferentes filosofias de administração, que dão origem a estratégias e a estruturas diferenciadas. Na estratégia de controle, os empregados são vistos como números, custos e fator de produção, que, para desempenhar bem as funções, devem ser mandados e controlados. Na estratégia de comprometimento, as pessoas são consideradas parceiros no trabalho, nos quais a empresa deve investir para conseguir melhores resultados empresariais. Essa estratégia baseia-se no pressuposto de que o comprometimento dos colaboradores está intimamente relacionado com o aumento de desempenho. O Quadro 1 apresenta as características distintivas dos modelos extremos que respaldam as estratégias de controle e de comprometimento quanto a estrutura � Quadro 1: Concepções organizacionais comparadas Características distintivas / modelo Estratégia de controle Estratégia de comprometimento ESTRUTURA ORGANIZACIONAL Altamente hierarquizada, separação “quem pensa” e “quem faz” Redução de nlveis hierárquicos e de chefias intermediárias, junção do fazer e do pensar — empowerment Organização do trabalho Trabalho muito especializado, gerando monotonia e frustrações Trabalho enriquecido, gerando desafios Realização do trabalho Individual Em grupo Sistema de controle Ênfase em controles explícitos do trabalho Ênfase no controle implícito pelo grupo RELAÇÕES DE TRABALHO Política de emprego Foco no cargo, emprego a curto prazo Foco no encarreiramento flexivel, emprego a longo prazo Nível de educação e formação requerido Baixo, trabalho automatizado e especializado Alto, trabalho enriquecido e intensivo em tecnologia Relações empregador- empregado Independência Interdependéncia, confiança mútua Relações com sindicatos Confronto baseado na divergência de interesses Diálogo, busca da convergência de interesses Participação dos empregados nas decisões Baixa, decisões tomadas de cima para baixo Alta, decisões tomadas em grupo POLÍTICA DE RECURSOS HUMANOS Contratação Contrata para um cargo ou para um conjunto especializado de cargos Contrata para uma carreira longa na empresa Treinamento Visa ao aumento do desempenho na função atual Visa preparar o empregado para futuras funções Carreira Carreiras rígidas e especializadas, de pequeno horizonte e amarradas na estrutura de cargos Carreiras flexíveis, de longo alcance, com permeabiíidade entre diferentes carreiras � Salarial Focada na estrutura de cargos, com alto grau de diferenciação salarial entre eles Focada na posição da carreira e no desempenho, com baixa diferenciação entre níveis incentivos Uso de incentivos individuais Foco nos incentivos grupais vinculados a resultados empresariais Fonte: Albuquerque, L. G. Estratégias de recursos humanos e competitividade (1999). 39 organizacional, organização do trabalho, relações de trabalho e políticas de recursos humanos. Essas duas visões opostas sobre o papel do ser humano no trabalho, altamente associadas aos valores do dirigente ou do formulador, implicam que estratégias distintas sejam adotadas. O estudo da evolução do conceito de estratégia tem demonstrado uma ênfase excessiva no planejamento estratégico e uma preocupação insuficiente com os aspectos de sua implementação. Esse fato relaciona-se com as questões principais da implementação estratégica — capacidades internas da organização e, especialmente, de seus recursos humanos —, que deveriam integrar o processo de formulação. A questão assume maior relevância no caso da “estratégia de comprometimento” das pessoas com os objetivos organizacionais, na medida em que a participação no processo de formulação estratégica se torna condição crucial para a obtenção do comprometimento. A consideração do processo de gestão estratégica em seu conceito mais amplo, envolvendo a visão, a formulação, a implementação e a avaliação de resultados, põe em destaque diversas questões relacionadas com o lado humano da organização: como prover a organização com as pessoas necessárias para viabilizar seus objetivos estratégicos? Como desenvolver as competências distintivas de que ela necessita para criar vantagens competitivas sustentáveis a longo prazo? Como minimizar resistências ou conseguir engajamento com as mudanças organizacionais e culturais imprescindíveis à implementação da estratégia? De que maneira poderão ser avaliados os resultados, considerando os aspectos integrativos tangíveis e intangíveis da implementação da estratégia? Como mobilizar pessoas para transformar as intenções da estratégia em ações efetivas que conduzem a resultados exemplares? A resposta a essas questões passa por uma nova leitura da abordagem estratégica na gestão de pessoas que possibilite sair do discurso para a prática e para a obtenção efetiva de vantagens competitivas sustentáveis a longo prazo, com equipes qualificadas e comprometidas com os objetivos mais amplos da organização. 4. Integração da estratégia de gestão de pessoas à estratégia organizacional A administração estratégica é um processo amplo que permite à organização procurar atingir o seu propósito ao longo do tempo. Esse processo abrange a visão, a formulação e � a implementação, bem como o feedback contínuo e a avaliação dos resultados, tendo em vista orientar e empreender as ações organizacionais de natureza estratégica, tática e operacional. 4.1 O PROCESSO DE FORMUlAÇÃO ESTRATÉGICA A base para a formulação da estratégia é, usualmente, o processo de planejamento estratégico — a determinação sistemática de objetivos estratégicos e de estratégias para 40 atingi-los. Os planos estratégicos são geralmente de longo prazo, envolvem decisões de alto impacto organizacional e despendem grande volume de recursos na busca dos macrobjetivos da empresa. É importante ressaltar, entretanto, que a formulação estratégica não deve ser confundida com um plano, que é a expressão escrita e sistematizada resultante desse processo em determinado momento. Trata-se, sobretudo, de um processo, de uma seqüência interativa de etapas que permite à organização refletir, discutir e definir seus propósitos e suas estratégias fundamentais. A importância do foco no processo fica mais evidente quando se examina a formulação estratégica sob o enfoque de um ativo intangível, como o ativo intelectual humano. Nessa abordagem, ressaltam-se as decisões ligadas ao aprendizado, à comunicação, à participação e ao comprometimento das pessoas com os objetivos e as estratégias, bem como aquelas relativas à administração das mudanças necessárias para viabilizá-los. Existem vários modelos utilizados para ilustrar os componentes ou as etapas do processo de formulação estratégica. O Quadro 2 apresenta um modelo de seqüência de etapas do processo, de caráter meramente ilustrativo, que mostra a integração da estratégia de gestão de pessoas na estratégia corporativa. A estratégia de recursos humanos deve seguir as etapas do processo de formulação e implementação da estratégia corporativa, baseando-se na visão do negócio para desenvolver as diversas etapas da estratégia funcional que irão integrar a estratégia da organização. Por outro lado, cabe ressaltar a importância do feedback ou da retroalimentação contínua de informações entre as diversas etapas do processo através de avaliações de resultados ao longo de seu desenvolvimento. Esse processo Quadro 2 - Integração da estratégia de RH na estratégia da empresa. Etapas do processo de formulação 41 torna-se mais ou menos eficaz na medida em que contribui para a fluência da comunicações entre as pessoas nos diversos níveis e para sua conscientização a re peito do direcionamento da organização. A participação mais ampla de colaboradores de diferentes níveis da organiza ção na formulação estratégica é adotada também como forma de tornar esse processo mais interativo e contínuo, estimulando a comunicação, o aprendizado e comprometimento. Segundo Wall (1997), muitas organizações estão descobrind os benefícios de ter mais � empregados envolvidos na formulação estratégica incluindo o desenvolvimento de um planejamento de alta qualidade, que reflete tanto a capacidade do negócio quanto a do mercado, o comprometimento das pessoas responsáveis pela implementação estratégica e a profunda compreensão d estratégias em todos os níveis da organização. Tendo como base uma pesquisa realizada por Wall com mais de cem executivos — membros de equipes e profissionais de recursos humanos em empresas inovadoras de diferentes setores de atividade — foram identificadas diferentes formas de aumentar o envolvimento dos empregados, tornando essas empresas mais flexíveis e competitivas. 4.2 CONSTRUINDO A VISÃO E A MISSÃO DA ORGANIZAÇÃO A gestão estratégica de uma empresa é condicionada, fundamentalmente, pela visão dos atores organizacionais envolvidos no processo. Fato comum ao tratar de estratégia, o tema tem sido usado com diferentes significados e entendimentos. Uma referência conceitual importante para entender a visão da organização foi proposta por Collins e Porras (2000), que afirmam que “uma visão bem concebida consiste de dois componentes principais: a ideologia essencial e o futuro imaginado”. A ideologia essencial compreende aquilo que defendemos (valores essenciais) e a razão de nossa existência (propósito essencial), expressando o caráter duradouro da organização. O futuro imaginado é o que aspiramos ser, alcançar, criar — é algo que exigirá mudança e progresso significativos —, incluindo objetivos e planos amplos, ambiciosos, complexos e audaciosos. A ideologia essencial traduz a identidade da organização (“quem você é”), enquanto o futuro imaginado define o direcionamento (“para onde a organização está indo” ou “pretende ir”). Portanto, a ideologia essencial permeia e condiciona toda a gestão estratégica da organização. Fazendo uso das palavras de Collins e Porras, “líderes morrem, produtos tornam-se obsoletos, mercados mudam, novas tecnologias emergem e os modismos de gerenciamento vêm e vão, mas a ideologia essencial de uma grande empresa permanece como uma fonte de orientação e inspiração”. Pode-se citar como exemplos de valores essenciais a responsabilidade social corporativa, a inovação baseada na ciência, a honestidade e integridade, o lucro decorrente do trabalho que beneficia a humanidade (Merck), criatividade, sonhos e imaginação, atenção fanática por consistência e detalhe, preservação e controle da magia (Disney). São exemplos de propósitos preservar e melhorar a vida humana (Merck), experimentar o prazer da inovação e a aplicação da tecnologia para o benefício do público (Sony), tornar as pessoas felizes (Disney). 42 Com base na ideologia essencial, nos valores e no propósito é que se delineia o futuro imaginado — a estratégia —, em que são consideradas: > a análise do ambiente organizacional (cenários, tendências, oportunidades e ameaças); >a avaliação interna (estrutura, cultura, pessoas, recursos, pontos fortes e pontos fracos da organização); >a definição de macrobjetivos, políticas e programas estratégitos prioritários. 4.2.1 Análise do ambiente organizacional � As organizações utilizam informações do ambiente para formular suas estratégias corporativas e de recursos humanos. A importância de analisar as tendências de mudanças do ambiente econômico, tecnológico, social, cultural e político e seus impactos sobre a organização e sua gestão é ressaltada na própria conceitualização de estratégia, esta, ao mesmo tempo, emergindo como resposta aos desafios ambientais. Em um ambiente turbulento, como o que tem caracterizado os dias atuais, em que o tempo se torna um recurso estratégico e a velocidade a nova palavra de ordem, monitorar continuamente o ambiente e assumir atitudes proativas em relação às mudanças, revendo cenários e reformulando estratégias, é fundamental para a maioria das organizações. As organizações, portanto, formulam estratégias lidando com seu ambiente. Anthony et ai (1996) consideram o ambiente de recursos humanos multifacetado e complexo, com muitos elementos impactantes sobre o sucesso de uma empresa a longo prazo. Esses elementos podem ser divididos em dois grandes tipos de ambiente: o social e o de tarefa. O ambiente social compreende as várias tendências e forças gerais que não estão diretamente relacionadas com a empresa, mas podem ter um impacto eventual ou indireto sobre a companhia. No ambiente social, estão incluídas as forças econômicas, tecnológicas, políticas, institucionais, socioculturais e demográficas. Elas podem afetar a empresa pelo impacto sobre o ambiente de tarefa, que inclui e aqueles elementos do ambiente que influenciam diretamente a estratégia e a operação da companhia, podendo também ser afetados por ela. Nesse ambiente estão incluídos o mercado de trabalho, o mercado de consumidores e clientes, a competição, os sindicatos e outros stakeholders, como governo e grupos de interesse especial, como pode ser visto na Figura 1 (à página 44). As empresas tendem a operar em um ambiente global e multicultural no qual a força de trabalho muda constantemente e é diversa e o cenário de avanços tecnológicos cada vez mais acirrado, o que mostra que a análise e o monitoramento contínuo do ambiente são tarefas fundamentais. A análise ambiental, que visa identificar tendências de mudanças a longo prazo, pode utilizar diferentes técnicas. Entre elas destaca-se a Delphi, “técnica que busca um consenso de opiniões de um grupo de especialistas a respeito de eventos 43 Figura 1. Ambiente social e ambiente de tarefa Fonte: Adaptado de Anthony et al (1996). futuros” (Wright, 1994). Ela tem sido utilizada para identificar as tendências na gestão de pessoas nas organizações brasileiras submetidas às pressões de competitividade características do cenário empresarial brasileiro (Albuquerque e Fischer, 2001). Nessa pesquisa, de caráter longitudinal, 168 respondentes participaram de duas rodadas de questionamentos e de um workshop, o que permitiu identificar mudanças previstas na gestão de pessoas no Brasil quanto à filosofia e aos princípios de gestão, às políticas, ao formato organizacional de recursos humanos e ao perfil necessário ao profissional especialista na área. � 4.2.2 Análise das capacidades internas A análise das capacidades internas tem por objetivo avaliar os recursos organizacionais, identificando as forças e as fraquezas da organização no processo de formulação da estratégia. Além de suportar a definição de opções estratégicos viáveis, serve de orientação sobre as necessidades futuras de recursos e de competências a serem desenvolvidas. A capacidade de uma organização de responder positivamente a novas oportunidades depende, em última instância, da competência de seus colaboradores. O conhecimento das capacidades internas é essencial, portanto, na formulação das estratégias de gestão de pessoas. Analisar as capacidades internas da organização implica, de forma ampla, o conhecimento de sua estrutura, de seus sistemas e processos, das pessoas que nela 44 trabalham e de sua cultura. Essa análise torna-se fundamental não apenas como subsídio para a formulação de estratégias (identificar pontos fortes e pontos fracos da organização vis-à-vis as oportunidades e as ameaças do ambiente) mas também como fonte de obtenção de vantagens competitivas sustentáveis a longo prazo. Para a formulação da estratégia de gestão de pessoas, evidentemente, interessa aprofundar os aspectos relativos às dimensões humanas, ou seja, a cultura e as pessoas, e como a interação das pessoas com a estrutura e com o sistema pode contribuir para a consecução dos objetivos estratégicos da organização. Figura 2 - Análise das capacidades organizacionais Baseando-se em pesquisas de diversas empresas transnacionais, como K-Mart, Wal- Mart, Honda, GM e Canon, Stalk, Evans e Schulman (2000) propõem o que denominam de “competição baseada em capacidades”. Através da análise do crescimento das empresas estudadas, os autores demonstraram a emergência de estratégias competitivas baseadas em capacidades intangíveis como “a excelência na assistência técnica”, “o sistema de gerenciamento de recursos humanos” e formas de “descentralização de decisões” e de “reorganização do trabalho”. Como exemplo, cita-se o caso do crescimento da Wal-Mart, que em dez anos transformou o setor varejista de lojas de desconto, crescendo cerca de 25% ao ano e atingindo uma taxa de retorno equivalente ao dobro da obtida pelo concorrente direto. A Wal-Mart transformou-se na maior e mais lucrativa empresa varejista do mundo, criando uma cultura de excelência em serviços e estimulando os funcionários a fazer parte do negócio. A intangibilidade dessas capacidades, por um lado, torna difícil, mas não impossível, a mensuração dos resultados de sua gestão; por outro, faz com que as vantagens competitivas centradas nessas capacidades dificilmente possam ser copiadas ou imitadas pelo concorrente, ampliando, portanto, sua duração. Curiosamente, embora os autores procurem distinguir o conceito de capacidades do conceito de competências essenciais (core competences) da organização 45 � (Prahalad e Hamel, 1995), é evidente uma certa superposição entre eles. Segund Prahalad e Hamel, uma competência essencial da organização permite oferecei benefícios reais aos consumidores, é de difícil imitação pelo concorrente e possibi lita o acesso a diferentes mercados. Conclui-se, portanto, que competências e capacidades são dimensões complementares de uma nova abordagem de estratégia empresarial que enfatizam os aspectos comportamentais da estratégia. As competências organizacionais e individuais constituem, atualmente, um importante e moderna linha de pensamento e de atuação na gestão estratégica de pessoas. Fleury e Fleury (2000), ao tratar do alinhamento entre estratégia e competências, afirmam que o processo de formulação estratégica pode partir de dua perspectivas distintas: da estratégia competitiva e dos recursos da empresa. A primeira, “de fora para dentro”, procura estabelecer uma vantagem competitiva no setor a partir da “identificação de oportunidades únicas em termos de produtos mercado”; a segunda, denominada resource based view of the firm, considera que cada empresa tem um portfólio de recursos tangíveis e intangíveis, podendo também obter vantagens competitivas “de dentro para fora”, através da mobilização organização desses recursos. Essas abordagens não podem ser consideradas excludentes, e sim complementares, pois procuram alinhar mercados, estratégias e competências. Capacidades e competências são faces da mesma moeda na obtenção de vantagens competitivas. Como já foi dito anteriormente, a estratégia de gestão de pessoas baseada em capacidades e competências assume a premissa de que a gestão de ativos intangíveis é de difícil imitação pelo concorrente e que os empregados devem agregar valor pelas suas competências, fator crítico de sucesso na era da informação e do conhecimento. 4.2.3 Implementação e avaliação de resultados O destaque da etapa de implementação dentro do processo de gestão estratégica tem a finalidade de chamar a atenção para a importância de considerar as questões de implementação de maneira integrada com a formulação. A separação entre formulação e implementação da estratégia, típica das escolas do design e do planejamento, tem sido objeto de várias críticas na literatura sobre gestão estratégica. De forma mais contundente, os estudos que defendem a idéia de administração estratégica como um processo interativo e participativo apresentam como argumentação a importância de engajar nesse processo os colaboradores dos mais diversos níveis, como condição fundamental para sua mobilização e comprometimento com a estratégia e as mudanças organizacionais necessárias para implementá-las. Argumentam também que a gestão estratégica é um processo contínuo, envolvendo do estratégias deliberadas e emergentes com forte retroalimentação. Além disso, há que considerar que muitas estratégias não são bem-sucedidas por falta de preocupação com a ação estratégica. A formulação é, essencialmente, um processo de reflexão, sistematizado e formalizado, ou implícito. A implementação é a estratégia em ação, a intenção convertendo-se em resultado, enfim, a capacidade de executar a estratégia. 46 � Entretanto, falhas na implementação, ligadas à resistência a mudanças, à falta de consistência na atuação de diferentes atores envolvidos no desenvolvimento e na administração de programas estratégicos, entre outras, têm dificultado, e muitas vezes impedido, que estratégias consideradas bem formuladas sejam implementadas com sucesso. Fischmann (1987) realizou uma ampla pesquisa a respeito de implementação de estratégias, na qual apresentou uma síntese com 21 categorias de problemas que impedem ou dificultam a implementação estratégica, entre as quais se destacam nove categorias relacionadas mais diretamente com o fator humano e a sua gestão: […] as estratégias a serem implementadas estavam em conflito com os valores culturais da empresa; a liderança e comando dos gerentes não foi eficaz o bastante; a alta administração não deu sustentação suficiente para a implementação; a coordenação das atividades de implementação não foi eficiente; a capacitação dos gerentes não foi suficiente; a disponibilidade de recursos humanos foi imprópria; as instruções e treinamento dados para o nível médio e subordinados não foram adequados; mecanismos de compensação, como prêmios e participação nos lucros ou resultados e outros, atrelados ao desempenho na implementação estratégica, não foram programados ou explicitados; e metas globais de decisão estratégica não foram bem compreendidas pelos empregados. Essas constatações reforçam a tese da importância do processo integrado e participativo da formulação e implementação estratégica, no qual os limites entre a formulação e a implementação perdem o sentido, o feedback de informações é contínuo em todas as etapas e os resultados mais importantes são a participação das pessoas no processo, seu aprendizado, sua conscientização e seu comprometimento com os intentos da organização e as formas a serem adotadas para realizá-los. Kaplan e Norton (2001) citam pesquisas realizadas entre executivos que mostram que a capacidade de executar a estratégia é mais importante do que a qualidade da estratégia em si e que 70% dos casos de fracassos de eminentes CEOs decorrem de problemas de má execução, e não de má estratégia, ou seja, estão relacionados com a implementação estratégica. Segundo os autores, as oportunidades para a criação de valor estão migrando da gestão de ativos tangíveis para a gestão de estratégias baseadas no conhecimento, que exploram os ativos intangíveis da organização (relacionamentos com os clientes, produtos e serviços inovadores, tecnologia de informação e bancos de dados, além de capacidades, habilidades e motivação dos empregados) e exigem ferramentas que descrevam os ativos com base no conhecimento e nas estratégias criadoras de valor, construídas a partir desses ativos. Além disso, necessitam de uma linguagem para a comunicação da estratégia e dos processos que contribuem para a sua implementação. Para isso, Kaplan e Norton propõem o uso do balanced scorecard como ferramenta gerencial, originalmente concebida com a finalidade de mensuração, procurando ampliar o conjunto de indicadores de resultado e incluindo, além dos tradicionais indicadores financeiros, outros vetores do desempenho futuro. Esse instrumento transformou-se em um processo gerencial eficaz que possibilita não apenas mensurar resultados estratégicos mas dar foco e alinhamento à estratégia organizacional. 47 Os objetivos e as medidas do balanced scorecard derivam da visão e da estratégia da empresa, e sua estrutura focaliza o desempenho organizacional sob quatro perspectivas: a financeira, a do cliente, a dos processos internos e a do aprendizado e crescimento. Os � executivos podem avaliar, por exemplo, até que ponto suas unidades de negócios geram valor para os clientes atuais e futuros e como devem aperfeiçoar as capacidades internas e os investimentos necessários em pessoas, sistemas e procedimentos, visando melhorar o desempenho futuro. O balanced scorecard capta as atividades críticas de geração de valor desenvolvidas por funcionários e executivos capazes e motivados da empresa. Na gestão estratégica de pessoas, a preocupação com a mensuração e com o alinhamento estratégico assume uma expressão ainda maior decorrente das dificuldades de mensuração. Nessa linha, Becker, Huselid e Ulrich (2001) propõem o denominado hunian resource scorecard, que desenvolve modelos de relações causais e, com base no conceito do balanced scorecard, mostra a relação dos valores gerados por recursos humanos e os resultados dos negócios. Além disso, apresentam um quadro de referência para que executivos de recursos humanos de organizações de alta performance formulem estratégias para o crescimento do capital humano e sugiram competências requeridas dos profissionais de RH para o desenvolvimento de sistemas de mensuração nessa área. Propõe-se uma “arquitetura estratégica de RH” com as seguintes etapas: > definir claramente a estratégia de negócio; > construir um business case para RH como um componente estratégico; > criar um mapa estratégico, identificando indicadores tangíveis e intangíveis; > identificar os “produtos” de RH no mapa estratégico; > alinhar a estrutura de RH com os “produtos” de RH; > desenhar sistemas de mensuração (scorecard); > implementar o gerenciamento por indicadores; > revisar continuamente as mensurações, comparando-as ao mapa estratégico. Merece destaque também o trabalho de Fitz-Enz (2000), fundador do Instituto Saratoga, nos Estados Unidos, que tem desenvolvido indicadores de resultados para a avaliação de recursos humanos. Para ele, todos os processos devem ter a finalidade de agregar valor, sendo fundamental desenvolver formas de mensuração e avaliar as mudanças nos processos associados aos objetivos estratégicos das empresas. São enfoques diferentes para o problema da mensuração e da avaliação, que, além de estar no âmago das questões de implementação de estratégias de gestão de pessoas, também podem contribuir para a definição do foco e o alinhamento estratégico, bem como para a eficácia de sua comunicação. 48 Referências bibliográficas ALBUQUERQUE, L. G. Estratégias de recursos humanos e competitividade. In: VIEIRA, M. M. E; OLIVEIRA, L M. B. (Orgs.) São Paulo: Atlas, 1999. _______ FISCHER, A. L. R1-I 2010: tendências na gestão de pessoas. São Paulo: FEA- USP, 2001. Relatório de pesquisa do Progep. ANSOFF, E Igor. Estratégia empresarial. McGraw-HiIl, 1965. _______ DECLERCK, R. P.; HAYES, R. L. (Org.) Do planejamento estratégico à administração estratégica. São Paulo: Atlas, 1981. ANTHONY, W. P; PERREWÉ, P L.; KACMAR, M. K. Strategic human resource management. Florida: Harcourt Brace Publishers & Co., 1996. � BECKER, Brian E.; HUSELID, Mark A. Strategic human resource management in five leading firms. 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Doutor e livre- docente em Administração — com distinção — pela FEA-USP Participou do programa “Training Trainers”, desenvolvido pelo Insead, em Fontainebleau, França, e de outros programas de intercãmbio, pesquisa e treinamento no exterior (Universidade Vanderbilt, Universidade Northwestern e Instituto Tecnológico Virginia). Professor em cursos de treinamento gerencial para Banco da Bahia, Banespa e Banco Central e empresas como Eletrobrás, Coelba, Philips, Klabin, Com Products, Perdigão, Compaq e Gafisa, entre outras. Consultor de empresas na área de recursos humanos, com especialização em estratégias de recursos humanos e planejamento de carreiras, participa de projetos de implantação em diversas organizações. Coordena projetos da Fundação Instituto de Administração (FIA-USP) desde 1974, sendo presidente do seu Conselho Curador desde 1998. Foi coordenador do Programa de Educação Continuada em Administração para Executivos — MBA-RH — da FIAIFEA-USP de 1996 a 2000. 50 A GESTÃO DE COMPETÊNCIA E A ESTRATÉGIA ORGANIZACIONAL Maria Tereza Leme Fleury 1. Introdução Nos últimos anos, as organizações vêm passando por crescentes mudanças em razão das transformações ocorridas no ambiente externo — cenário político, econõmico e social — e no ambiente interno. Entre as mudanças externas, destaca-se o processo de globalização financeira, comercial e produtiva, que provoca transformações também na atuação das organizações. Se no passado a maioria das empresas atuava apenas regionalmente ou nacionalmente (mesmo empresas multinacionais agiam sob essa lógica), hoje, para competir no mercado globalizado, precisam ampliar o escopo de atuação. Um exemplo disso são as empresas que trabalham de forma global o desenvolvimento e a operação de um produto ou serviço, com o objetivo de ampliar seu mercado: estabelecem as plantas em certos países, as unidades de concepção e desenvolvimento em outro, os departamentos de marketing, publicidade em mais outro, deixando a logística e a distribuição próximas dos centros consumidores. Há, enfim, a necessidade de as empresas definirem melhor sua visão estratégica, para estar bem posicionadas hoje e futuramente no cenário globalizado. 51 Paralelamente, no contexto interno, algumas mudanças põem em xeque o modelo tradicional de gestão adotado pela maioria das empresas. Esse modelo foi criado e desenvolvido segundo os princípios do taylonsmo-fordismo e do modelo hierárquico- funcional desenvolvido por Fayol no início do século XX. Nele, o homem é reduzido a uma dimensão secundária no processo produtivo, mera peça de uma máquina. Conceitos � como superespecialização, centralização da decisão, hierarquia, ordem, disciplina e unidade de comando eram usados na busca da “única maneira certa de fazer”, para maximizar a eficiência. Assim, fez-se uso da teoria de tempos e movimentos e da supervisão funcional (especialização da supervisão). A unidade básica, nesse modelo, é o cargo, sendo a empresa estruturada em uma hierarquia funcional. O pesquisador francês Philippe Zarifian enfoca três mutações no mundo do trabalho que justificam a emergência do modelo de competências em lugar do tradicional modelo de cargos e salários na gestão das organizações: > A noção de evento: aquilo que ocorre de forma imprevista, não programada, vindo a perturbar o desenrolar “normal” do sistema de produção e ultrapassando sua capacidade rotineira de assegurar a auto-regulação. Isso significa que a competência não pode estar contida nas precondições da tarefa; a pessoa precisa sempre mobilizar recursos para resolver as novas situações de trabalho. >Comunicação: implica compreender o outro e a si mesmo, significa entrar em acordo sobre objetivos organizacionais, partilhar normas sobre sua gestão. A estrutura hierárquica baseada em caixinhas, com linhas de comunicação verticais, precisa ser substituída por organizações com fronteiras mais flexíveis, em que pessoas, áreas e empresas se comuniquem facilmente. > A noção de serviço: cada vez mais essa noção precisa estar presente em todas as áreas e situações, não apenas direcionada ao cliente externo mas também ao cliente interno. Ninguém produz alguma coisa voltando-se para si mesmo, mas, sim, destinando- a aos outros. É nesse contexto que o modelo tradicional de organizar o trabalho e gerenciar pessoas não está mais de acordo com a realidade das organizações. É necessário substituir, como unidade básica de gestão, o cargo pelo indivíduo. O conceito de competência e o modelo de gestão de pessoas por competência ganham impulso tanto no mundo acadêmico como no empresarial. “Competência” é uma palavra do senso comum, utilizada para designar uma pessoa qualificada para realizar alguma coisa. O oposto, ou seu antônimo, não implica apenas a negação dessa capacidade como guarda um sentimento pej orativo, depreciativo. Chega mesmo a indicar que a pessoa se encontra, ou brevemente se encontrará, marginalizada dos circuitos de trabalho e do reconhecimento social. O dicionário inglês Webster (1981) define “competência” assim: “Qualidade ou estado de ser funcionalmente adequado ou de ter suficiente conhecimento, julgamento, habilidades ou força para determinada tarefa (the quality or state of beingfunctionally adequate or having sufficient skill or strenght for a particular duty) “. Tal definição, bastante genérica, menciona dois pontos principais ligados à competência: 52 conhecimento e tarefa. O dicionário de língua portuguesa Aurélio (1975) enfatiza, em sua definição, aspectos semelhantes — capacidade para resolver qualquer assunto, aptidão, idoneidade — e introduz outro: capacidade legal para julgar pleito. Nos últimos anos, o tema competência entrou na pauta das discussões acadêmicas e empresariais associado a diferentes instâncias de compreensão: no nível da pessoa (a competência do indivíduo), das organizações (core competences) e dos países (sistemas educacionais e formação de competências). Este capítulo tem como objetivos: >recuperar historicamente o conceito de competência, explicitando-o em seus vários � níveis de compreensão; > apresentar o conceito em um modelo que relaciona competência com estratégia organizacional e com os processos de aprendizagem; >exemplificar o tema através do estudo de caso. 2. O início do debate sobre competência Em 1973, McClelland publicou o artigo “Testing for competence rather than intelligence” (Testando por competências em vez de inteligência), que de certa forma iniciou o debate sobre competência entre psicólogos e administradores nos Estados Unidos. A competência, segundo o autor, é uma característica subjacente a uma pessoa casualmente relacionada com uma performance superior na realização de uma tarefa ou em determinada situação. Diferenciava, assim, competência de aptidões, talento natural da pessoa, o qual pode vir a ser aprimorado; de habilidades, demonstração de um talento particular na prática; e de conhecimentos, o que as pessoas precisam saber para desempenhar uma tarefa (Mirabile, 1997). Durante a década de 1980, Richard Boyatzis, reanalisando os dados de estudos realizados sobre competências gerenciais, identificou um conjunto de características e traços que, em sua opinião, definem uma performance superior. Os trabalhos de Spencer e Spencer (1993), Mirabile (1997) e McLangan (1997) marcaram significativamente a literatura americana a respeito do tema competência. Nessa perspectiva, o conceito de competência é pensado como o conjunto de conhecimentos, habilidades e atitudes (isto é, o conjunto de capacidades humanas) que justificam uma alta performance, acreditando-se que as melhores performances estão fundamentadas na inteligência e na personalidade das pessoas. Em outras palavras, a competência é percebida como um estoque de recursos que o indivíduo detém. Embora o foco da análise seja o indivíduo, a maioria dos autores americanos aponta a importância de alinhar as competências às necessidades estabelecidas pelos cargos ou posições existentes nas organizações. Tanto na literatura acadêmica como nos textos que fundamentam a prática administrativa, a referência que baliza o conceito de competência é a tarefa e o conjunto de tarefas prescritas de um cargo. Nessa linha, a gestão por competência é apenas um rótulo mais moderno para administrar uma realidade organizacional ainda fundada nos princípios do taylorismo-fordismo. 53 Observa-se, assim, que, enquanto prevaleceu o modelo taylorista-fordista de organização do trabalho e de definição das estratégias empresariais, o conceito de qualificação propiciava o referencial necessário para trabalhar a relação profissional indivíduo- organização. A qualificação era, então, definida pelos requisitos associados à posição ou ao cargo, ou pelos saberes ou estoque de conhecimentos da pessoa, que podem ser classificados e certificados pelo sistema educacional. Lawler (1994), no entanto, contrapõe-se a essa linha de raciocínio, mostrando que trabalhar com o conjunto de habilidades e requisitos definidos com base no sistema de cargos, próprio do modelo taylorista, não atende às demandas de uma organização complexa, mutável em um mundo globalizado. Em tais situações, afirma o autor, as organizações deverão competir não apenas por meio de produtos mas de competências, buscando atrair e propiciar o desenvolvimento de pessoas com combinações de � capacidades complexas, para atender às suas core competences. São as observações de Lawler, aliadas às de autores europeus, que fundamentam o modelo de análise proposto neste capítulo. O debate francês a respeito de competência nasceu nos anos 1970 justamente do questionamento do conceito de qualificação e do processo de formação profissional, principalmente técnica. Insatisfeitos com o descompasso que se observava nas necessidades do mundo do trabalho (principalmente na indústria), os franceses procuravam aproximar o ensino das necessidades reais das empresas, visando aumentar a capacitação dos trabalhadores e suas chances de se empregar. Buscava-se estabelecer a relação entre competências e os saberes — o saber agir — no referencial do diploma e do emprego. Do campo educacional, o conceito de competência passou a ser utilizado em outras áreas. No campo das relações trabalhistas, por exemplo, tal conceito foi empregado para avaliar as qualificações necessárias ao posto de trabalho, nascendo, assim, o inventário de competências, bilan de competences. O conceito de competência que emerge na literatura francesa dos anos 1990 procura ir além do conceito de qualificação. O trabalho não é mais o conjunto de tarefas associadas descritivamente ao cargo, mas se torna o prolongamento direto da competência que o individuo mobiliza em face de uma situação profissional cada vez mais mutável e complexa. Essa complexidade de situações torna o imprevisto cada vez mais cotidiano, rotineiro. No caso brasileiro, o debate emerge da discussão acadêmica, inicialmente fundamentado na literatura americana e pensando-se competência como input, algo que o indivíduo tem. A introdução de autores franceses, como Le Boterf e Zarifian, e de autores ingleses, como Elliott Jacques e seus seguidores — Billis e Rowbottom; Stamp e Stamp —, contribui para o enriquecimento conceitual e empírico da discussão, gerando novas perspectivas e enfoques (Amatucci, 2000; Dutra, 2001; Fleury e Fleury, 2000; Hipólito, 2000; Rhinow, 1998; Rodrigues, 2000; Ruas, 2000). 3. Construindo o conceito de competência do indivíduo Na perspectiva adotada neste capítulo, competência não se limita ao estoque de conhecimentos teóricos e empíricos do individuo nem se encontra encapsulada na 54 Figura 1. Competências como fonte de valor para o indivíduo e para a organização tarefa. Segundo Zarifian (1999), competência é a inteligência prática de situações que se apóia nos conhecimentos adquiridos e os transforma com tanto mais força quanto maior for a complexidade das situações. O conceito de competência procura ir além do conceito de qualificação, usualmente definida pelos requisitos associados à posição ou ao cargo, ou pelos saberes ou estoque de conhecimentos da pessoa, os quais podem ser classificados e certificados pelo sistema educacional, como já foi visto anteriormente. Já o conceito de competência refere-se à capacidade de a pessoa assumir iniciativas ir além das atividades prescritas, ser capaz de compreender e dominar novas situações no trabalho, ser responsável e reconhecida por isso (Zarifian, 1999). A competência do indivíduo não é um estado, não se reduz a um conhecimento ou know- how específico. Le Boterf (1995) define competência como o entrecruzamento de três eixos, formados pela pessoa (sua biografia, socialização), por sua formação educacional � e por sua experiência profissional. Competência é o conjunto de aprendizagens sociais e comunicacionais nutridas a montante pela aprendizagem e pela formação e a jusante pelo sistema de avaliações. Segundo Le Boterf, competência é um saber agir responsável, como tal reconhecido pelos outros. Implica saber como mobilizar, integrar e transferir os conhecimentos, recursos e habilidades num contexto profissional determinado. A competência individual encontra limites, mas não sua negação, no nível dos saberes alcançados pela sociedade, ou pela profissão do indivíduo, numa época determinada. As competências são sempre contextualizadas. Os conhecimentos e o know-how não adquirem status de competência a não ser que sejam comunicados e utilizados. A rede de conhecimento em que se insere o indivíduo é fundamental para que a comunicação seja eficiente e gere competência. A noção de competência aparece, assim, associada a verbos e expressões como: saber agir, mobilizar recursos, integrar saberes múltiplos e complexos, saber aprender, saber se engajar, assumir responsabilidades, ter visão estratégica. Do lado da organização, as competências devem agregar valor econômico para a organização e valor social para o indivíduo, conforme é apresentado na Figura 1. Definimos, assim, competência: um saber agir responsável e reconhecido que implica mobilizar integrar, transferir conhecimentos, recursos, habilidades, que agregue valor econômico à organização e valor social ao indivíduo. Afinal, o que significam os verbos expressos nesse conceito? O quadro a seguir, inspirado na obra de Le Boterf, propõe algumas definições: 55 Quadro 1. Competências para o profissional Saber agir Saber o que e por que faz. Saber julgar, escolher, decidir. Saber mobilizar recursos Criar sinergia e mobilizar recursos e competências. Saber comunicar Compreender, trabalhar, transmitir informações, conhecimentos. Saber aprender Trabalhar o conhecimento e a experiência, rever modelos mentais, saber se desenvolver. Saber se engajar e se comprometer Saber empreender, assumir riscos. Comprometer-se. Saber assumir responsabilidades Ser responsável, assumindo os riscos e as conseqüências de suas ações, sendo por isso reconhecido. Ter visão estratégica Conhecer e entender o negócio do organização, seu ambiente, identificando oportunidades e alternativas. Outra noção extremamente importante a ser incorporada ao conceito de competência é a de entrega, desenvolvida por Dutra (2001). As pessoas, segundo Dutra, possuem determinado conjunto de conhecimentos, habilidades e atitudes, o que não garante que a organização se beneficie diretamente deles. Para compreender melhor o conceito de competência, é preciso incorporar a noção de entrega, ou seja, aquilo que a pessoa realmente quer entregar à organização. O termo “entrega” refere-se ao indivíduo que sabe agir de forma responsável e é reconhecido por isso. � Figura2. Evolução do conceito de competências 56 4. As competências de uma organização: o Iink entre estratégia e competência A partir do modelo de análise de competência proposto, ocorre uma mudança de foco; a questão se desloca das competências do indivíduo para as das organizações. Introduz- se, assim, a noção da empresa como um portfólio de competências. Durand (1998) observa que, “nos tempos medievais, os alquimistas procuravam transformar metais em ouro; hoje os gerentes e as empresas procuram transformar recursos e ativos em lucro. Uma nova forma de alquimia é necessária às organizações. Vamos chamá-la „competência. “. Os artigos de Prahalad e Hamel (1990) sobre as core conlpetences da empresa despertaram o interesse não só de pesquisadores mas também dos profissionais de empresas para as teorias sobre recursos da firma (resource based view of the firm). Segundo os autores, para adquirir papel-chave as competências devem atender a três requisitos: 1) oferecer reais benefícios aos consumidores; 2) ser difíceis de imitar; 3) prover acesso a diferentes mercados. A questão principal diz respeito à possibilidade de combinação das várias competências que uma empresa pode conseguir para desenhar, produzir e distribuir produtos e serviços aos clientes. Competência seria, assim, a capacidade de combinar, misturar e integrar recursos em produtos e serviços. Uma competência essencial não precisa necessariamente basear-se em “tecnologia stncto sensu”: pode estar associada ao domínio de qualquer estágio do ciclo de negócios, como um profundo conhecimento das condições de operação de mercados específicos. Não obstante, para ser considerado uma competência essencial, esse conhecimento deve estar associado a um processo sistemático de aprendizagem, que envolve descoberta, inovação e capacitação de recursos humanos. Zarifian (1999) diferencia as seguintes competências em uma organização: >Sobre processos: conhecer o processo de trabalho. > Técnicas: conhecer especificamente o trabalho a ser realizado. >Sobre a organização: saber organizar os fluxos de trabalho. > De serviço: aliar à competência técnica a pergunta “que impacto este produto ou serviço terá sobre o consumidor final?”. >Sociais: saber ser, incluindo atitudes que sustentam os comportamentos das pessoas. O autor identifica três domínios dessas competências: autonomia, responsabilização e comunicação. A classificação proposta por Zarifian ilumina a formação de competências mais diretamente ligadas ao processo de trabalho de operações industriais. Entretanto, é � preciso ampliar o escopo de análise, relacionandó a formação de competências à definição da estratégia organizacional. 57 5. Exemplificando o modelo O esquema a seguir ilustra o raciocínio desenvolvido neste capítulo: De acordo com essa abordagem, a organização, situada em um ambiente institucional, define sua estratégia e as competências necessárias para implementá-la, num processo de aprendizagem permanente. Não existe ordem de precedência nesse processo, e sim um círculo virtuoso, em que uma alimenta a outra através do processo de aprendizagem. Os casos Embraer, Laboratório Fleury e McDonald.s ilustram como diferentes estratégias exigem diferentes competências organizacionais. 5.1 ESTRATÉGIA DA INOVAÇÃO EM PRODUTOS A Embraer é um dos (raros) casos de empresa brasileira que compete por inovação em produtos. Criada em 1969 por professores do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), ela utiliza o conhecimento acumulado e conta com o apoio das Forças Armadas, especialmente da Aeronáutica. Seu primeiro produto — o Bandeirante — pode ser considerado uma inovação radical, por ter sido desenvolvido para um mercado ainda não bem configurado na época: o de transporte aéreo regional. Foi nesse mercado que a empresa focou o desenvolvimento de competências, sendo o projeto de produtos (aeronaves) e do processo produtivo a competência essencial. Quando, ainda na década de 1970, precisou ampliar sua competência na área comercial, a Embraer associou-se à Piper, empresa americana que fabrica e distribui pequenos aviões em escala mundial. As alianças com parceiros internacionais para o desenvolvimento de aviões militares criaram as bases da consolidação de competências para a integração dos sistemas aeronáuticos, mecânicos, hidráulicos e eletrônicos que compõem a aeronave. A excessiva ênfase nas competências técnicas pode ser considerada uma das causas dos projetos malsucedidos no início da década de 1990: os produtos eram tão sofisticados do ponto de vista tecnológico que o preço inviabilizou sua venda. 58 Após a privatização, a nova diretoria aportou competências na área financeira e imprimiu uma forte orientação para o mercado, alterando a cultura organizacional e alavancando a competência para o desenvolvimento e a gestão de projetos. O reconhecimento internacional dessa competência é que possibilita à Embraer vender produtos que ainda estão na prancheta e contar, nesse projeto, com parceiros de risco do porte das maiores empresas aeronáuticas do mundo. � 5.2 ESTRATÉGIA DE EXCELÊNCIA OPERACIONAL De maneira geral, as empresas que competem em produtos padronizados ou normatizados devem pautar sua estratégia pela excelência operacional. O McDonald.s é um exemplo de empresa que possui estratégia de excelência operacional, procurando otimizar a relação preço/qualidade. Os clientes do McDonald.s sabem que encontrarão, em todas as lojas da rede, basicamente os mesmos produtos e serviços (com algumas adaptações locais), a mesma qualidade e rapidez, a preço compatível. Com isso, criou-se um sentimento de confiança por parte do cliente em relação à marca McDonald.s, o que acabou se tomando o diferencial competitivo da rede, ou seja, sua competência organizacional. 5.3 ESTRATÉGIA DE ORIENTAÇÃO PARA SERVIÇOS As empresas que adotam essa estratégia são voltadas para atender a necessidades de clientes específicos. Especializam-se em satisfazer, e até em antecipar, os desejos do cliente em virtude de sua proximidade com ele. A estratégia competitiva adotada pelo Laboratório Fleury, um centro de medicina diagnóstica, exemplifica o tipo de atuação orientada para serviços. A proposta da empresa é oferecer um serviço de alta qualidade e confiabilidade para um segmento de mercado disposto a pagar por ele. O Fleury busca a proximidade com seus clientes e oferece serviços diferenciados, como exames ultramodernos e específicos, atraindo determinado público e buscando satisfazê-lo. 59 Quadro 2. Tipos de estratégia e formação de competências ESTRATÉGIA EMPRESARIAL COMPETÊNCIAS ESSENCIAIS OPERAÇÕES PRODUTO MARKETING Excelência operacional Manufatura classe mundial Inovações incrementais Marketing de produto para mercados de massa Excelência em produto Sco!e up e fabricação primária Inovações radicais (breakthrough) Marketing seletivo para mercados/clientes receptivos à inovação Orientação para serviços Manufatura ágil, flexível Desenvolvimento de soluções e sistemas específicos Marketlng voltado para dientes específicos (customização) Referências bibliográficas AMATUCCI, M. Perfil do administrador brasileiro para o século XXI: um enfoque � metodológico. 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Diretora científica da Associação Nacional de Programas de Pós-Graduação em Administração (Anpad) e responsável por cursos de pós-graduação sobre cultura e poder nas organizações e módulos sobre processos de mudanças e cultura organizacional nos cursos de MBA da USE Desenvolve atividades de pesquisa, diagnóstico de clima e cultura organizacional para empresas estatais e privadas, nacionais e multinacionais, como FMC, Aracruz Celulose e Dow Química, entre outras. autora de diversos livros. 61 Os processos de recrutamento e seleção ANA CRISTINA LIMONGI-FRANÇA ELIETE BERNAL ARELLANO 1. Introdução Reconhece-se o recrutamento e seleção como ferramenta importante e integrada na estratégia de negócios da empresa. Se a empresa necessita passar por mudanças e � renovação, deverá buscar e atrair pessoas com tal potencial. Se, pelo contrário, tratar-se de uma empresa conservadora e enrijecida, o perfil do profissional de que necessitará será outro. Passamos por um momento histórico em que a competição é um fator presente nas organizações, e isso se reflete na concorrência por profissionais que agreguem condições determinantes no diferencial de qualidade das empresas. Recrutamento e seleção são processos que fazem parte da rotina de preenchimento de vagas em aberto, da rotina de admissão de pessoal. Pode-se utilizar grande quantidade de instrumentos comprovados cientificamente, que proporcionam melhor qualidade e maior precisão a esses processos. 63 2. O que é recrutamento? Recrutamento é a fase inicial do preenchimento de uma vaga em aberto. Lodi (1967 define recrutamento como “um processo de procurar empregados”. Tal procura se faz com base nas requisições de pessoal emitidas pelos supervisores e no mercadc de trabalho, no qual de um lado competem os empregadores e de outro os próprios profissionais. Os empregadores competem em termos de salários, condições de trabalho e benefícios oferecidos. Os candidatos competem en termos de qualificação pessoal, o que inclui habilidade, conhecimento, experiência e personalidade. O recrutamento é influenciado diretamente pelo mercado de trabalho. Em períodos de recessão, de crise econômica e poucos investimentos, o mercado de trabalho recebe maior oferta de mão-de-obra que de postos de trabalho. Em períodos de crescimento e desenvolvimento econômico, a disputa pelos candidatos torna-se acirrada. Flippo (1961) define o recrutamento como “um processo de procurar empregados, estimulá-los e encorajá-los a se candidatar” a vagas de determinada organização. Uma variável importante relaciona-se à imagem que a empresa projeta no mercado de trabalho. A empresa reconhecida como um bom lugar para trabalhar terá maior visibilidade e provavelmente maior número de candidatos. No entanto, é sempre necessário planejar e organizar esforços para estimular e atrair novos talentos, através do processo de recrutamento que a empresa expõe o grau de profissionalismo com que trata seus colaboradores. Um processo de recrutamento malconduzido projeta uma imagem negativa da empresa. O recrutamento dá subsídios para o processo de seleção. Se não existirem candidatos com potencial para o preenchimento de uma vaga, não haverá como efetuar a seleção. O processo de recrutamento necessita de criatividade para atrair o máximo de pessoas que tenham o perfil desejado e estejam interessadas em participar. O recrutamento pode ser feito de duas formas básicas: a) atraindo-se pessoas já contratadas pela empresa, mas que trabalham em outros cargos; b) buscando-se candidatos que não têm vínculo direto com a empresa no mercado de trabalho. 2.1 RECRUTAMENTO INTERNO a procura de candidatos para o preenchimento de uma vaga dentro da própria organização. Ao adotar essa técnica alguns cuidados de gerenciamento de expectativas � devem ser tomados. Há empresas que alegam que isso gera competição interna, descontentamento e frustração para aqueles que foram preteridos no processo. Por outro lado, o recrutamento interno estimula o desenvolvimento profissional e oferece perspectivas de crescimento na carreira aos funcionários da empresa. De qualquer forma, o recrutamento deve ter normas definidas, transparentes e conhecidas por todos para minimizar eventuais problemas. 64 As principais vantagens do recrutamento interno são: > menor custo direto; >conhecimento prévio do perfil de desempenho do “candidato”; > estímulo à preparação para a promoção, proporcionando medidas especiais de treinamento e criando um clima sadio de progresso profissional; > melhora do moral interno; >demonstração de valorização do pessoal que já compõe a emresa. A essas vantagens, Chiavenato (1999) agrega melhor aproveitamento do potencial humano da organização, incentivo à permanência dos funcionários e fidelidade à organização, adequação a situações de estabilidade e pouca mudança ambiental e ausência de necessidade de socialização organizacional de novos membros. 2.2 RECRUTAMENTO EXTERNO É a busca de candidatos no mercado de trabalho ou em fontes específicas para o preenchimento do cargo. A opção pelo recrutamento externo deve, preferencialmente, ser feita após avaliação da alocação de pessoas que já estejam empregadas na empresa. Esse critério gera expectativas positivas de carreira, além do sentido de justiça pelo oferecimento de oportunidades aos funcionários já comprometidos e fiéis aos objetivos da empresa. O recrutamento externo tem vantagens que devem ser ponderadas, levando-se em conta o contexto em que a empresa está inserida no momento. Algumas delas: >novas personalidades e talentos; >inovação da composição das equipes de trabalho; > atualização de estilo e tendências do mercado. Em geral, os custos diretos do recrutamento externo são maiores que os do recrutamento interno. Apesar de acarretar custos diretos menores, porém, o recrutamento interno leva a custos indiretos referentes ao remanejamento de cargos e ao processo seletivo em si. Algumas fontes de recrutamento podem ser citadas: > consulta ao cadastro de candidatos da própria empresa (processos seletivos anteriores ou apresentação espontânea de candidatos); > escolas de cursos técnicos, faculdades e universidades; > entidades de classe (sindicatos, associações e conselhos de classe); >anúncio de vagas em locais visíveis da empresa ou em locais específicos; >cadastros de outros recrutadores e grupos informais; >intercâmbio entre empresas; >sites especializados em oferta de candidatos; >empresas de outplacement; � 65 >anúncios em jornais, revistas, rádio e televisão; >agências de emprego ou headhunters; >site da própria empresa. As vagas (ou posições) de maior complexidade e responsabilidade ou que encontrem baixa oferta no mercado de trabalho em geral exigem maior investimento de recursos (múltiplos e combinados). 3. O que é seleção de pessoal? Seleção é a escolha do candidato mais adequado para a organização, dentre todos os recrutados, por meio de vários instrumentos de análise, avaliação e comparação de dados. Santos (1973) define seleção como um processo pelo qual são escolhidas pessoas adaptadas a determinada ocupação ou esquema operacional. Nem sempre isso significa escolher os candidatos que revelam aptidões ou capacidades em índices elevados. Em princípio, é a escolha dos candidatos com maior afinidade de expectativas e potencialidades com as expectativas e necessidades previstas para o cargo ou posição em processo de preenchimento. Isso significa aqueles que mais convêm a determinado plano de ação, pois em muitos casos os escolhidos não são os mais talentosos, e sim os mais adequados a uma função em uma situação predeterminada. Algumas vezes, admitir um funcionário cujo potencial é maior que a capacidade da empresa de oferecer oportunidades de desenvolvimento e crescimento provavelmente levará à desmotivação. Por essa razão, em caso de contratação, as expectativas devem ser gerenciadas para evitar sentimentos de desvalorização profissional no empregado. Da mesma forma, admitir um funcionário sem a qualificação necessária gerará tensão e ansiedade, estresse e até irritabilidade se essa admissão não for gerenciada adequadamente, investindo-se em treinamento e capacitação. Nessa situação, pode-se questionar: por que não investir em treinamento do funcionário que já faz parte da organização? A única resposta aceitável seria o caso de o investimento em qualificação e desenvolvimento ocorrer em prazo maior que o previsto para a obtenção do nível de produtividade esperado. Antes de o processo seletivo ser iniciado, há necessidade de obter informações sobre as atividades a serem desenvolvidas e as habilidades indispensáveis para sua execução. Em muitas empresas já existem descrições e análises das competências necessárias. Mesmo assim, é indispensável a realização de uma entrevista com o requisitante da vaga para conhecer suas necessidades e expectativas e confirmar c perfil psicológico desejado e a bagagem de conhecimentos do candidato. O contato com a área deve ser feito em todas as etapas do processo seletivo, incluindo- se obviamente o levantamento do perfil do candidato. A decisão sobre c preenchimento da vaga, a avaliação e a comparação dos candidatos e a decisão final sobre o escolhido devem ser feitas pela pessoa ou área que receberá o empregadc selecionado. Quanto mais envolvida a área estiver, maior a possibilidade de acertal na escolha. 66 � Por se tratar de um processo em que se pesquisam dados intrínsecos aos candidatos, a ética deve estar presente acima de tudo. Afinal, a pessoa está procurando emprego e depara com uma bateria de avaliações com o objetivo de revelar aspectos de sua inteligência, personalidade, interesses, sociabilidade, vida pessoal e vida profissional. Não ser contratado após um processo seletivo pode levar o candidato, mesmo sabendo que apenas um pode ocupar a vaga existente, a questionar suas capacidades e habilidades e a ter a auto-estima afetada. Por isso, os resultados devem ser comunicados, os critérios divulgados previamente e a posição geral da empresa esclarecida. Deve-se evitar personalizar restrições ou falhas observadas em entrevistas, testes ou técnicas vivenciais. Em casos especiais, deve-se recomendar melhorias ou investimentos pessoais-profissionais com o esclarecimento das razões da escolha ou da rejeição de maneira a evitar traumas ou frustrações. Da mesma forma, os resultados das várias etapas do processo devem ser confidenciais, restritos à área de seleção ou ao próprio candidato. 4. Técnicas utilizadas na seleção de pessoal A seleção de pessoal não pode ser feita apenas pela avaliação da experiência e do conhecimento do trabalho a ser realizado. Conhecer aspectos relacionados à personalidade do candidato é fundamental para verificar se a contratação será positiva para a empresa e para o empregado. Todos os métodos psicométricos prevêem uma margem de acerto e erro, por isso não são a expressão do futuro, mas a predição. A utilização de diversas técnicas que se complementam pode diminuir a possibilidade de erro na escolha do candidato. A seguir, serão abordadas as principais técnicas utilizadas no processo seletivo: 4.1 ENTREVISTAS A entrevista é o instrumento mais importante do processo de seleção. Exatamente por essa razão, deve ser conduzida por um profissional experiente e capaz de identificar que fatores de ordem pessoal podem interferir no processo (antipatia, atração, rejeição etc.). É recomendável que vários entrevistadores avaliem o mesmo candidato para minimizar esse problema. O entrevistador deve ter sempre em mente as expectativas da área. As entrevistas são utilizadas em vários momentos do processo seletivo. Com entrevistas de triagem pode-se verificar aspectos evidentes e determinantes para a ocupação do cargo. Para uma vaga de segurança, por exemplo, em que é necessário permanecer de pé e fazer rondas o dia todo, um candidato obeso não terá o preparo físico básico. Além do biótipo e de dados demográficos, pode-se também fazer uma averiguação inicial dos interesses e das expectativas do candidato, como pretensão salarial, desenvolvimento de carreira, horário e jornada de trabalho, disponibilidade para viagens, entre outros. 67 A entrevista pode aprofundar a pesquisa dos dados do candidato. Deve ser realizada por meio de questões semi-estruturadas, apresentadas no decorrer do diálogo entre entrevistador e entrevistado. Deve-se permitir a espontaneidade no momento da exposição do candidato. Quanto menos tensão for gerada e maior a confiança conquistada por ambos, melhor será a qualidade do diálogo. � Segundo Weiss (1992), a entrevista deve seguir quatro estágios: > Abertura: é a hora do aquecimento, na qual o entrevistador se apresenta e expõe a proposta da entrevista e como será conduzida. >Pesquisa: tem como objetivo obter do candidato as informações necessárias á avaliação de seu perfil pessoal e profissional. >Troca: é o momento em que o candidato faz as perguntas que revelam seus interesses, valores, atitudes e preocupações. Normalmente são perguntas relacionadas ao cargo, às condições de trabalho e à empresa. > Fechamento: nesse ponto, o entrevistador deve dar um breve feedback da entrevista e informar as etapas futuras do processo seletivo. A entrevista deve pesquisar aspectos de conteúdo profissional e pessoal do candidato tanto relacionados com a vida pregressa quanto com as expectativas de vida futura. Alguns tópicos são essenciais para apurar essas informações. O primeiro deles diz respeito ao desenvolvimento de carreira, em que são abordados aspectos de sua formação profissional, experiências anteriores, empresas em que trabalhou, motivos pelos quais saiu dessas empresas, insatisfações na vida profissional, planos e ambições de carreira. Outro ponto refere-se ao relacionamento profissional, ou seja, como o candidato se relacionava com colegas, subordinados e chefias nos empregos anteriores. O ambiente familiar — a estrutura familiar do candidato e as responsabilidades econômicas que tem — é outro assunto que deve ser abordado. Além disso, os interesses pessoais, isto é, a investigação de hobbies e hábitos que dão satisfação ao candidato, podem trazer revelações importantes sobre as preferências e realizações. Saber como o candidato se relaciona socialmente e se pertence a algum grupo, associação ou religião possibilitará verificar seu grau de sociabilidade. Finalmente, discutir as perspectivas futuras do candidato ajudará o entrevistador a verificar que planejamento de vida e autogestão de carreira o candidato possui e a avaliar de que maneira a empresa poderá incluir-se nesse projeto pessoal. Outra maneira de conduzir uma entrevista é a utilização do próprio currículo do candidato como roteiro, agregando-se as informações não mencionadas por ele. A linguagem do corpo, ou seja, gestos e posturas que indicam o estado emocional, o grau de interesse e a reação ao momento, deve ser observada, pois pode acrescentar informações importantes sobre o modo como o candidato responde a determinada situação. 68 4.2 PROVAS DE CONHECIMENTO Podem ser gerais ou específicas. As provas gerais visam avaliar o grau de cultura geral do candidato. Pode ser, por exemplo, uma simples redação para verificar a fluência escrita, o conhecimento de português e a ordenação de idéias e pensamentos ou uma prova de matemática, nos diversos níveis de complexidade, de acordo com a escolaridade exigida para o cargo. Essas provas têm baixa correlação com o desempenho profissional imediato, porém servem para entender melhor o universo do candidato e sua atitude pessoal-profissional. As provas específicas visam avaliar os conhecimentos profissionais que o candidato possui, imprescindíveis para o bom desempenho da função. Podem ser de cálculos matemáticos, matemática financeira, mecânica, idiomas etc. importante que esses � instrumentos sejam desenvolvidos e validados internamente na empresa para não eliminar bons candidatos. 4.3 TESTES PSICOLÓGICOS Testes psicológicos são instrumentos padronizados que servem de estímulo a determinado comportamento do examinado. Visam predizer o comportamento humano com base no que foi revelado na situação de teste. Santos (1973) define os testes psicológicos como provas ou verificações sistematizadas no sentido de medir (ou avaliar) um atributo qualquer: uma aptidão (a inteligência, por exemplo), uma atitude, o campo de interesses, a estabilidade emocional ou traços de personalidade (a dominância, a agressividade, a introextroversão etc.). Segundo Tiffin e McCormick (1969), o uso de testes e provas psicológicas, conjugado com outros recursos, é o procedimento de maior segurança de que se dispõe. Vários estudos indicam que o emprego de técnicas psicológicas de seleção supera os índices alcançados pelos processos tradicionais ou pelo recrutamento ocasional. Santos (1973) lembra que na escolha dos testes psicológicos deve-se observar: >se oferecem condições de sensibilidade, ou seja, se são adequados à idade, escolaridade e ao grupo social, econômico ou profissional daqueles que vão ser examinados; > se apresentam condições satisfatórias de validade, demonstrando suficiente evidência científica de que medem aquilo que se propõem medir; >se são precisos, ou seja, coerentes entre si e constantes na medida. Os testes psicológicos podem ser divididos em psicométricos e de personalidade. Os testes psicométricos são aqueles que medem as aptidões individuais, determinando um índice comparado com escores ponderados e validados anteriormente. É o caso dos testes de inteligência. De acordo com Binet, a inteligência visa ao ajustamento contínuo do indivíduo ao ambiente como resultado da organização mental, que envolve várias funções — compreensão, juízo crítico, invenção e direção. 69 A teoria de Thurstone avalia a inteligência no conceito expresso pelo fator G, mensurando a aptidão verbal, a fluência verbal, a aptidão numérica, a aptidão espacial, a memória associativa, a aptidão perceptiva e o raciocínio abstrato. Outros testes psicométricos utilizados no processo seletivo são: WAIS, WISC, cubos de Kohs, matrizes progressivas de Raven. Os testes de personalidade identificam traços de personalidade, aspectos motivacionais, interesses e distúrbios como o neuroticismo. Segundo Santos (1973), embora esses testes não permitam inferências precisas do possível sucesso profissional, indicam estados temperamentais, necessidades, pressões ou conflitos emocionais que, afetando a vida do indivíduo, podem refletir-se em sua atividade profissional. Nessa categoria existem os testes projetivos, em que o candidato associa conteúdos internos pessoais a estímulos apresentados, como o teste de Rorschach e o TAT, e os expressivos, em que se utilizam lápis e papel, como o PMK. 4.4 TÉCNICAS VIVENCIAIS � São técnicas que exigem respostas a situações de forma que os candidatos interajam e participem ativamente delas. Por se tratar de atividades que envolvem atuação e muitas vezes simulações de uma circunstância profissional, o controle da situação por parte do candidato fica diminuído e os resultados podem ser mais visíveis e espontâneos. Essas técnicas necessitam de estruturação anterior e devem ser aplicadas por profissionais qualificados, capazes de controlar a situação e evitar conflitos ou descontrole emocional de algum participante. Podem ser classificadas em: > Provas situacionais: relacionadas às tarefas do cargo. Podem ser, por exemplo, um teste de digitação e a operação de uma empilhadeira. > Dinâmica de grupo: envolve jogos de grupo com situações estruturadas, relativas ou não ao cargo, nas quais os integrantes interagem. E uma técnica muito utilizada, pois permite observar problemas de relacionamento, integração social, liderança etc. > Psicodrama: tem como pressuposto a expressão da personalidade através de um papel social atribuído, no qual o candidato deve expressar-se de acordo com a linguagem e as dimensões desse papel. Por se tratar de uma representação, o candidato fica livre para expressar sentimentos, valores e emoções. 4.5 AVALIAÇÃO DE SAÚDE O médico deve ter conhecimento da função para avaliar as condições de saúde do candidato e verificar se ele está ou não habilitado para seu desempenho. A avaliação de saúde é acompanhada de exames clínicos específicos de acordo com a legislação e a política da empresa. 70 5. A questão do recrutamento e seleção no contexto da gestão de pessoas Dutra (2001) insere os processos de recrutamento e seleção na denominação de captação de pessoas no âmbito das relações macroeconômicas de obtenção de mão-de- obra. Tal conceito sinaliza processos mais amplos, como a expatriação, isto é, as transferências entre áreas da mesma organização no âmbito nacional e no internacional. A captação de pessoas é uma das várias formas de movimento de funcionários nas organizações e no mercado. Na verdade, o trabalho de captação será sempre requisitado, qualquer que seja a movimentação de pessoas na empresa — por transferência, promoção, demissão ou contratação. Para muitos autores, a gestão estratégica de pessoas é definida como a forma de orientar essas pessoas a alcançarem os objetivos organizacionais e ao mesmo tempo os próprios (Chiavenato, 1999; Rothwell e Armstrong apud Dutra, 2001). Sob essa visão, o recrutamento e seleção passa a ter papel fundamental na renovação ou confirmação da estratégia adotada pela organização. Outro ponto importante refere-se ao planejamento do quadro de pessoas. Dutra (2001) considera-o importante na gestão do movimento de pessoas na organização, pois a empresa deve ter clareza de sua necessidade de pessoal ao longo do tempo tanto em termos quantitativos quanto em termos qualitativos. A captação de pessoas realizada com o conhecimento de necessidades futuras ou excessos presentes garante seu alinhamento com a estratégia da empresa, além de permitir melhor utilização dos recursos disponíveis tanto interna quanto externamente. � Um bom processo de recrutamento e seleção tem como vantagens a adequação potencial e a maior facilidade de negociação de metas de desempenho. Devem ser observados, entretanto, cuidados como a supervalorização da cultura interna, e a preferência pelo recrutamento interno deve ser consolidada na política de RH das empresas. Referências bibliográficas CHLAVENATO, 1. Administração de recursos humanos: fundamentos básicos. São Paulo: Atlas, 1999. DUTRA, Joel. Gestão por competências. São Paulo: Gente, 2001. FLIPPO, E. P PrincipIes of personnel management. New York: McGraw-Hill, 1961. LODI, J. B. Recrutamento de pessoal. São Paulo: Pioneira, 1967. OLIVEIRA, Marco Antônio. E agora, Josê? São Paulo: Senac, 1999. SANTOS, O. B. Psicologia aplicada à orientação e seleção de pessoal. São Paulo: Pioneira, 1973. TIFFIN, J; MCCORMICK, E. Psicologia industrial. Tradução de M. H. 5. Cappellato. São Paulo: Helder, 1969. WEISS, D. Entrevista de seleção: como conduzi-la com êxito. Tradução de 1. Dafonte. São Paulo: Nobel, 1992. 71 AUTORAS: ANA CRISTINA LIMONGI-FRANÇA Professora livre-docente da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP). Coordenadora e professora da área de recursos humanos do Departamento de Administração, psicóloga do trabalho, pesquisadora nas áreas de comportamento humano em questões psicossociais e qualidade de vida no trabalho. Trabalha com gestão de pessoas desde 1971 em organizações como Sesi-SP e Unibanco. Desenvolveu projetos na Fundacentro, Brasil Telecom, Nestlé, Alcoa, SefazMT, Banco do Brasil, Petrobrás, Antarctica, Visa, Viliares, Embrapa, Fiesc-Sesi, Metrô, entre outras. Membro do Conselho de Especialistas de Administração (Sesu) do Ministério da Educação e do Programa de Gestão de Pessoas (Progep) da FIA, conveniada à FEA- USP Professora nos MBA-FIA e da Fundação Vanzolini, conveniada à Poli-USE Ocupou cargos de direção e no Conselho Científico das seguintes associações: Brasileira de Qualidade de Vida (ABQV), Ergonomia (Abergo), Paulista de Recursos Humanos (APARH) e Medicina Psicossomàtica (ABMP). Co-autora, com A. L. Rodrigues, do livro Stress & trabalho, da Editora Atlas. Escreveu centenas de artigos e oito capítulos de livros relacionados à gestão de qualidade de vida no trabalho. ELIETE BERNAL ARELLANO Mestranda pela Universidade de São Paulo no Programa Interunidades em Nutrição Humana Aplicada — FEA-FSP-FCF —, bacharel e licenciada em Psicologia, além de pós- graduada em Psicodinâmica Infantil pelo Instituto Sedes Sapientiae. Ministra aulas na FEA-USP no Programa de Aperfeiçoamento de Ensino (PAE), na disciplina Comportamento Organizacional. Possui experiência em desenvolvimento de sistemas de administração de salários, desenvolvimento de carreiras, recrutamento e seleção, � sistemas gerenciais de desenvolvimento de pessoas, organização de rotinas de trabalho, avaliação de desempenho e projetos de qualidade de vida no trabalho. Foi assistente de pesquisa nos projetos: Pesquisa RH-2010 — Pesquisa em tendências de recursos humanos para os próximos dez anos (FIA-FEA-USP) e Anãlise do cumprimento da Norma Brasileira para Comercialização de Alimentos para Lactentes (NBCAL) pela indústria de alimentos brasileira. Consultora autônoma na Fischer & Dutra, atua em empresas como Petroquímica União, Unesp, Conab (trabalho desenvolvido em parceria com a Fundação Getúlio Vargas) e Condomínio Conjunto Nacional. 72 A avaliação como instrumento de gestão JOSÉ ANTONIO MONTEIRO HIPÓLITO GERMANO GLUFKE REIS 1. Introdução A prática da avaliação de pessoas no ambiente empresarial é frequentemente associada a um instrumento específico de gestão: a avaliação de desempenho. Pronunciar o termo avaliação é o suficiente para remeter as pessoas quase instantaneamente a tal instrumento, cujo propósito é verificar quanto o profissional se adapta aos objetivos da empresa e às demandas e exigéncias do trabalho. Não é difícil imaginar por que essa ferramenta é logo lembrada ao falar em avaliação nas empresas: afinal, na maioria das vezes, representa uma tarefa árdua e desafiadora tanto para aqueles que avaliam como para os que são avaliados, além de produzir implicações importantes em termos de remuneração e carreira. No entanto, a avaliação de desempenho se propõe a ser mais do que um recurso que auxilia a isolar, observar, mensurar, formalizar e recompensar comportamentos e resultados alcançados pelos indivíduos. Mesmo nos enfoques mais tradicionais, constitui- se num sistema que tem por objetivo a melhoria global do desempenho e da produtividade das pessoas ao longo do tempo (Latham e Wexley, 1994), configurando-se, portanto, em um sistema de gestão do desempenho. Nesse sentido, deve interconectar- se com outras 73 funções de gestão de recursos humanos intercambiando inputs com práticas de seleção, desenvolvimento profissional, gestão de carreira, remuneração e assim por diante a fim de alavancar os profissionais de uma empresa a níveis superiores de desempenho. Deve ser compreendido, também, como um sistema que impõe uma divisão de responsabilidades pela gestão de pessoas na organização e, mais especificamente, pelos esforços de melhoria de desempenho. Nesse processo, a área de recursos humanos apóia e gerencia o sistema, mas seus principais atores são, de fato, o avaliado e o � avaliador. Tradicionalmente, existe clara relação hierárquica entre os dois e normalmente o avaliador é superior imediato do avaliado. Assunto polêmico, o processo de avaliação encontra, no ambiente empresarial e no acadêmico, críticos e defensores. De qualquer maneira, é amplamente difundido como instrumento de gestão, embora, muitas vezes, seja pouco conhecido no que se refere a suas implicações. Este capítulo tem como objetivo principal ampliar a discussão sobre avaliação além do acompanhamento do desempenho e, para isso, pretende: >revisitar as principais bases históricas e conceituais que conduziram o processo de avaliação à forma como tem sido atualmente empregado nas organizações; >descrever os principais tipos de avaliação existentes e a forma como são aplicados; >discutir problemas-chave que costumam acompanhar as avaliações, apresentando os cuidados que tendem a minimizá-los; >ressaltar o papel dos gerentes na eficácia do processo; >apontar as principais tendências no campo da avaliação de pessoas nas empresas. 2. Bases históricas e conceituais Com o advento da administração científica, a prática da avaliação ganhou lugar nas organizações como forma de controlar e disciplinar a atuação do trabalhador em relação aos movimentos, tempos e à produtividade esperados (Brandão e Guimarães, 2001). Acompanhando a evolução da administração, tal prática incorporou contribuições do movimento de relações humanas, possibilitando maior interatividade entre chefia e subordinado no processo, bem como a preocupação com a motivação e o desenvolvimento profissional do avaliado. Ao longo do tempo, a prática da avaliação — notadamente da avaliação de desempenho — recebeu importantes contribuições conceituais de determinados campos de estudo e pesquisa de comportamento e gestão: >Da psicologia cognitiva e de teorias da motivação: principalmente da teoria da fixação de objetivos (goal-setting theory), que ressalta a importância de que sejam claramente definidos os objetivos e as expectativas relativos ao profissional — objetivos específicos, claros e desafiadores, bem como feedback constante, tenderiam a promover melhorias de desempenho (Latham e Yukl, 1975) —, e da teoria das expectativas, a qual argumenta que a inten_idade do investimento 74 pessoal no desempenho de determinada tarefa depende da expectativa de que esse desempenho seja acompanhado de consequência ou resultado atrativos para a pessoa. A intensidade desse investimento também depende da expectativa de que os resultados efetivamente possam ser alcançados (Vroom, 1964). >Da psicologia comportamental: enfatiza a utilização de comportamentos observáveis e mensuráveis como base da análise dos profissionais. Decorre daí um esforço para vincular comportamentos a consequências positivas como forma de estimular os comportamentos desejados pela organizaçãcl. >Da administração por objetivos (APO): apoiada na goal-setting theory, propagou a idéia do gerenciamento de pessoas baseado na negociação prévia de objetivos e metas � mensuráveis e observáveis. As avaliações de desempenho — sistemáticas — permitem acompanhar os resultados efetivamente alcançados e propor ações conetivas. >Do desenvolvimento organizacional (DO): difundiu novos instrumentos de avaliação, enfatizando a troca defeedbacks como forma de intervenção na dinâmica interpessoal de grupos de trabalho e de alavancagem de mudanças comportamentais. Estimulou a utilização de diferentes fontes de feedback (e não apenas a chefia) no processo de avaliação. A utilização da avaliação nas organizações, que se intensificou durante as décadas de 1960 e 1970, passou a ser duramente criticada no final dos anos 1980. Deming (1986), engenheiro que teve forte influência no movimento de qualidade do Japão e do Ocidente, caracterizou a avaliação de desempenho como uma das “sete pragas” que assolam as práticas de gestão norte-americanas. O autor argumenta que as avaliações tendem a atribuir aos indivíduos variações e problemas de desempenho que, na realidade, deveriam ser compreendidos como conseqüência de falhas dos sistemas. Outras críticas ressaltam o caráter meramente burocrático e pro forma que a avaliação acaba assumindo, bem como as distorções perceptivas de avaliados e avaliadores, que interferem nos resultados do processo. Em parte, as opiniões desfavoráveis à avaliação de desempenho são decorrência natural da ampla gama de transformações experimentadas pelas empresas nos últimos anos. Em sua origem, o processo de avaliação foi concebido na lógica da organização hierárquico- funcional, na qual quem avalia é a chefia imediata e a principal referência da análise do desempenho é o cargo, isto é, avalia-se a consecução de objetivos e atribuições relacionados a determinado cargo. Tais perspectivas entram em conflito com um ambiente organizacional cada vez mais caracterizado por relações multidirecionais e networhs com vinculos hierárquicos menos evidentes, nos quais os individuos e seus recursos, e não mais os cargos, são a principal referência de consecução da estratégia organizacional. Cabe ressaltar que a expectativa de desempenho de um profissional na organização — base do processo de avaliação de desempenho e das ações decorrentes — é função de outra dimensão que também merece ser acompanhada e, portanto, avaliada: o grau de desenvolvimento do profissional. Esse desenvolvimento, que tradicionalmente é observado pela análise do cargo, reflete, por sua vez, um conjunto de experiências e repertórios que foram “lapidados” ao longo da vida do profissio- 75 nal, com maior ou menor velocidade devido a seu potencial e à existência ou não de determinadas características comportamentais. Cada uma dessas dimensões, resumidas no Quadro 1, traduz um aspecto importante para a determinação da contribuição do profissional à organização e, dessa forma, deve ser monitorada. Quadro 1. Foco das avaliações Foco das avaliações Objetivos � Aferição de potencial Predizer a adequação futura do profissional a determinada situação ou objetivo trabalho. Propõe-se a prever o desempenho potencial de uma pessoa caso ocupe determinado cargo ou papel na organização. Análise comportamental Dar feedbacks de determinados comportamentos observáveis, alinhados a valores, missão e objetivos da empresa. Propõe-se a promover autoconhecimento e contribuir para a identificação de pontos fortes e oportunidades de melhoria, estimulando a adoção de comportamentos considerados críticos para a empresa. Desenvolvimento profissional Observar o grau de desenvolvimento e maturidade do profissional como subsidio à distribuição de responsabilidades, à definição de ações de capacitação e a movimentações salariais e de carreira. Realização de metas e resultados Orientar o desempenho para metas e objetivos da organização. Permite aferir, quantitativamente, o gap entre resultados individuais/grupais esperados e resultados efetivamente alcançados. A não observância da multiplicidade de aspectos pelos quais cada profissional deve ser avaliado pode ser vista como uma das principais causas das fortes críticas sofridas pelos processos de avaliação nas décadas de 1980 e 1990. Nessa época, segundo pesquisa apresentada por Vicere e Fulmer (1998), a avaliação de desempenho passou de uma das estratégias mais freqüentemente utilizadas no desenvolvimento gerencial a uma das menos empregadas. Isso significa que a análise do profissional em apenas uma de suas dimensões ou a avaliação de várias dimensões através de uma única ferramenta dificulta a boa compreensão dos indivíduos e o planejamento das ações dela decorrentes, tendo contribuído sobremaneira para a derrocada quase total das sistemáticas de avaliação de pessoas nesse período. No entanto, percebe-se forte reaquecimento do tema no final dos anos 1990 (Vicere e Fulmer, 1998), que traz consigo a preocupação de situar e distinguir diferentes tipos de avaliação, conforme seus objetivos e sua natureza. É importante compreender tal diferenciação, pois cada tipo de avaliação impacta na escolha dos conteúdos que se pretende avaliar, nos instrumentos a serem utilizados e nas ações decorrentes. 3. Tipos de avaliação 3.1 FOCO NA AFERIÇÃO DE POTENCIAL Na maioria das vezes esse tipo de avaliação é realizado para respaldar promoções, principalmente em níveis gerenciais. Utiliza intensamente simulações que permitem verificar o desempenho do profissional em situações com demandas semelhantes às que encontraria em posições hierárquicas superiores. Pode ocorrer em assess- 76 � ment centers, onde o profissional é avaliado por psicólogos em dimensões como comunicação oral, capacidade de decisão, iniciativa etc. A avaliação de potencial também pode ter foco no longo prazo, procurando identificar quanto um indivíduo poderá adaptar-se a uma função gerencial no futuro, após investimentos maciços em desenvolvimento. Dessa forma, as empresas identificam pessoas de alto potencial (high potential), que provavelmente ocuparão cargos-chave em sua estrutura. Em geral, essa segunda perspectiva apóia-se em algum modelo conceitual de identificação de potenciais. O modelo desenvolvido por Jaques e Cason (1998), por exemplo, pressupõe que a capacidade de processar informações, na dimensão cognitiva, é decisiva no desempenho profissional. Tal dimensão, que para os autores é inata e amadurece ao longo da vida segundo uma curva específica de potencial, varia de pessoa para pessoa, permitindo a alguns atingir determinados patamares de capacidade e a outros não. Essa variável cognitiva determina a forma como uma pessoa consegue responder a diferentes graus de complexidade em suas atribuições. Com base em capacidades apresentadas pela pessoa hoje, seria possível prever, com certa precisão, a evolução dessa dimensão no futuro. 3.2 FOCO NA ANÁLISE COMPORTAMENTA Esse tipo de avaliação tem sido realizado, com freqüência, com os principais gestores das companhias. O ponto de partida é a identificação dos comportamentos de liderança que a empresa pretende estimular e que traduzem seus objetivos e valores. Esses comportamentos são observáveis no ambiente de trabalho e constituem um “inventário de práticas de liderança”. Exemplos hipotéticos desses comportamentos poderiam ser: comunicar à equipe os objetivos da companhia, fornecer feedbacks sistemáticos aos membros de sua equipe, certificar-se de que as necessidades do cliente estejam sendo efetivamente atendidas, entre outros. Esse inventário de comportamentos é a base dos questionários de avaliação e auto- avaliação utilizados no processo. Quando a avaliação tem como foco a análise comportamental, é freqüente sua aplicação por múltiplas fontes, que se utilizam defeedbacks provenientes de diversos componentes do network pessoal do avaliado. Os resultados das avaliações, por sua vez, são cuidadosamente repassados para os avaliados na forma de relatórios de feedback. 3.3 FOCO NO DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL Quando se observa a dinâmica do trabalho nas organizações, fica evidente a existência de pessoas em diferentes estágios de desenvolvimento profissional. Percebese, por exemplo, que um supervisor de produção se encontra em estágio de desenvolvimento mais avançado que um auxiliar de produção, um analista sênior está à frente de um analista júnior e o presidente da companhia está em posição superior a seus gerentes. Mas com que parâmetros essas diferenças podem ser avaliadas? 77 Avaliação 360 graus � A avaliação 360 graus — também conhecida como feedback 360 graus, feedback com múltiplas fontes, avaliação multivisão, entre outros — tem sido uma prática cada vez mais freqüente em organizações ocidentais. Como técnica utilizada principalmente em programas de desenvolvimento gerencial, a avaliação 360 graus consiste em coletar feedbacks dos comportamentos de liderança dos principais gestores no ambiente interno e no externo da organização. Quem emite os feedbacks são pessoas situadas em diferentes posições em redor do avaliado e que fazem parte de seu netowk: superior imediato, pares, clientes e outros stakeholders. Figura 1. Avaliação 360 graus: recebimento de feedbacks do network pessoal Aqueles que fornecem os feedbacks avaliam a freqüência com que o profissional põe em prática comportamentos considerados críticos para a consecução dos objetivos organizacionais. Em geral, os avaliadores são treinados previamente e seu número pode variar entre três e vinte pessoas para cada avaliado, dependendo do caso. Além disso, há a auto-avaliação, na qual o receptor de feedbacks registra as próprias percepções. Contrastar a auto-imagem profissional com as percepções de colegas de trabalho é um dos momentos de maior aprendizagem e reflexão, o que contribui para o autoconhecimento do participante. Nesse processo, é possível identificar claramente os pontos fortes e as oportunidades de melhoria. Um consultor pode apoiar a pessoa nessa análise e na construção de um plano pessoal de desenvolvimento. Nos últimos anos, artigos a respeito do assunto têm surgido de forma crescente em revistas norte-americanas da administração e mesmo na imprensa. Em 1993, uma pesquisa indicou que 26% das empresas norte-americanas já utilizavam algum tipo de avaliação de desempenho com múltiplos avaliadores (Newman, 1993). No mesmo ano, a revista Fortune (edição de 27 de dezembro de 1993) apresentou uma relação de vinte grandes empresas que desenvolviam essa prática, entre elas Alcoa, AT&T, Bell South, DuPont, Hewlett-Packard,J.P. Morgan, 3M, Motorola, Procter & Gamble. No Brasil, empresas como Aracruz, Amex, Merck, Schahin, Shell, Sun Microsystems e tess são alguns exemplos de corporações que já utilizaram esse técnica. Tanto nos Estados Uni- 78 dos quanto no Brasil, essa utilização tem sido vinculada principalmente a esforços de desenvolvimento de lideranças, embora no cenário norte-americano esteja crescendo a vinculação da avaliação 360 graus a práticas de remuneração, promoção e downsizing, o que pode ser arriscado para a maioria das empresas, normalmente pouco habituadas ao intercâmbio franco de feedbacks entre seus profissionais. Resultados de pesquisas sugerem que avaliações sistemáticas com múltiplas fontes tendem a contribuir para que os profissionais tenham percepção mais acurada de si mesmos e de sua atuação (Cheston, 1996), o que impacta positivamente no desempenho (London e Smither, 1995). Além disso, as pessoas que participam do processo modificam � determinados comportamentos ao longo do tempo (Hazucha et al, 1993; Smither et al, 1995; Goldsmith, 1996). Embora especialistas, gestores e consultores apontem os benefícios da avaliação 360 graus para indivíduos e empresas, também são levantados questionamentos. Um artigo de 1997 publicado pela Academy of Management Executive critica a utilização do 360 graus como panacéia (Waldman et al, 1997), Os autores denunciam os riscos das pressões de modismos sobre a decisão de utilizar novas práticas de gestão e desenvolvimento de pessoas. Segundo eles, muitas organizações adotam o 360 graus por imitação simplesmente porque os concorrentes ou bench-marks já o fizeram, sem considerar que nem todo contexto é propício para sua utilização. Tradicionalmente, as diferenças de grau de desenvolvimento dos profissionais eram — e, em muitos casos, ainda são — equacionadas por meio do conceito de cargos. Esses cargos, ao remeter os profissionais que os ocupam a determinado conjunto de atividades, delimitam seu espaço de atuação e seu nível de responsabilidade. Daí surge a pergunta: por que o cargo de presidente foi alocado ao profissional X, e não ao profissional Y, que recebeu a incumbência de desempenhar as atividades definidas para o cargo de gerente? Certamente porque o profissional X encontra-se num estágio de desenvolvimento que lhe permite tomar decisões com o nível de complexidade e abstração exigido pela posição de presidente e, provavelmente, o profissional Y não. Praticamente toda a literatura que procura esclarecer a lógica de desenvolvimento das pessoas — seja com o objetivo de equacionar a gestão de carreiras nas empresas, seja de estabelecer programas de capacitação adequados, seja de definir o padrão remuneratório a ser atribuído aos profissionais — trabalha, implícita ou explicitamente, com a lógica de complexidade de trabalho. Nessa perspectiva pressupõe-se haver relação direta entre a complexidade do trabalho executado por um profissional, seu estágio de desenvolvimento (sua capacidade de tomar decisões corretas no grau de complexidade ao qual está sendo submetido) e seu reconhecimento na organização. Dessa forma, o cargo, ao definir a pnon o que se espera da atuação do profissional nele alocado, determina, para os trabalhadores, a complexidade de suas funções e aponta os requisitos exigidos para seu desempenho (formação mínima, experiência necessária, conhecimentos específicos etc.). É tradicionalmente visto, portanto, como capaz de conferir parâmetros às diversas ações em gestão de pessoas. Assim, capacita-se para o desempenho de cargos, remunera-se com base neles e promove-se para cargos mais elevados na estrutura organizacional. Embora o uso de cargos como parâmetro principal em gestão de pessoas mostre-se obsoleto diante da emergência de situações dinâmicas de trabalho, em que as pessoas assumem responsabilidades relativas às necessidades da organização e a sua 79 capacidade — e vontade — de assumi-Ias, e não devido ao que está definido na descrição de seu cargo, a lógica de complexidade do trabalho permanece válida, estando presente em diversas outras teorias que focam a gestão de pessoas (para mais detalhes sobre tais teorias veja Jaques, 1967 e 1990, Mishina e Inaba, 1985, e Hipólito, 2000). Isso significa dizer que, havendo necessidade da organização de que se faça uma ação, assume a incumbência de realizá-la o profissional que se encontra num nível de � desenvolvimento que o torna capaz disso. Nessa linha, as avaliações devem deixar de focar o simples cumprimento do que está descrito no cargo e passar a observar diretamente o grau de complexidade das responsabilidades assumidas pelas pessoas em sua interação com as necessidades organizacionais. Quando o assunto é avaliação do desenvolvimento, portanto, o desafio consiste em elaborar ferramentas capazes de apontar o grau de complexidade do trabalho com que os profissionais conseguem lidar e o conjunto de capacidades necessárias para sua realização. Sistemas de gestão por competências são exemplos de uma base a partir da qual se pode avaliar o desenvolvimento das pessoas e, daí em diante, decidir sobre ações de capacitação, carreira ou remuneração. 3.4 FOCO NA REALIZAÇÃO DE METAS E RESULTADOS Esse foco do processo de avaliação consiste na tentativa de depreender o esforço e a dedicação dos profissionais na execução do trabalho. Nesse caso, a recompensa ocorre sobretudo por meio de práticas de remuneração variável, já que o esforço, por ser circunstancial, pode oscilar com o tempo. A avaliação do esforço, no entanto, não é fácil, uma vez que exigiria, a rigor, a observação e o acompanhamento dos profissionais ao longo de todo o período de tempo em que se dedicam ao trabalho. Certamente tal método seria inviável, o que leva ao surgimento de alternativas que priorizam a observância dos resultados obtidos pelos profissionais como fruto do esforço, dando origem aos sistemas de avaliação de metas e resultados. Nesses sistemas, define-se previamente um conjunto de metas ou resultados esperados com base na atuação dos indivíduos ou grupos e acompanha-se sua realização, atentando para a existência de fatores externos que possam influenciá-la. Três aspectos críticos devem ser considerados na estruturação de sistemas de avaliação de metas e resultados: > Considerar uma expectativa desafiadora, porém factível, dos resultados esperados da atuação do indivíduo ou grupo que está sendo acompanhado. Tal expectativa, em geral, é desenhada considerando-se o estágio de desenvolvimento dos profissionais envolvidos, conforme definido no tópico sobre foco no desenvolvimento profissional. 80 > Definir com clareza a expectativa do resultado a ser alcançado para que as pessoas possam direcionar seus esforços no sentido de atingi-lo e negociá-lo previamente entre as partes interessadas. > Estabelecer antecipadamente critérios de revisão das metas traçadas quando fatores externos significativamente fortes interferirem na expectativa de resultados a serem alcançados. Ao conceber um sistema de avaliação focado na realização de metas e resultados, há uma tendência natural de buscar indicadores quantitativos — em geral financeiros — para acompanhamento. Essa escolha, embora dê concretude e maior objetividade à avaliação, leva, muitas vezes, ao estímulo a ações cujos resultados são observados no curto prazo, em detrimento da observância de aspectos importantes para a sobrevivência da organização cujos resultados, porém, não aparecem em curto período de tempo. � Como alternativa, têm-se formulado metodologias de desenvolvimento de medidas de desempenho que vão além da definição de indicadores de resultados de curto prazo, como o balanced scorecard, e introduzido estímulos à obtenção de resultados de longo prazo, como é o caso das stock options. Como saídas (outputs) do processo de avaliação de metas e resultados, espera-se obter sincronia das ações individuais e grupais com os resultados desejados pela organização, a possibilidade de identificar obstáculos à realização dessas ações e o conseqüente planejamento de medidas para superá-los, a identificação de necessidades de qualificação dos profissionais ou de revisão das configurações das equipes e a base de decisões remuneratórias, especialmente no que se refere à remuneração variável. 4. Cuidados especiais Existem alguns pontos que merecem atenção especial na implementação de processos de avaliação. Em primeiro lugar, é necessário lembrar que o campo da avaliação de pessoas é repleto de nuances e subjetividade: de forma geral, o mesmo comportamento ou competência pode ser percebido e interpretado de maneira diversa pelas pessoas. Isso significa que um dos principais problemas associados aos sistemas de avaliação refere-se às diferenças de percepção dos envolvidos, o que pode comprometer a precisão das avaliações. Alguns procedimentos, entretanto, contribuem para que isso seja minimizado: > Utilização de critérios claros de avaliação, negociados e legitimados, como instrumento adequado de acompanhamento do profissional ou grupo. Esses instrumentos devem originar-se das necessidades da organização contrapostas a sua cultura, crenças, valores e objetivos. 81 >Ampla comunicação de objetivos, etapas e impactos do processo, criando-se um significado e enfatizando-se seus resultados positivos para a empresa e para cada profissional que dela faz parte. Embora todo instrumento de avaliação de pessoas seja subjetivo por natureza, deve-se dedicar atenção especial à minimização desse aspecto, caracterizando-se com precisão os fatores a serem avaliados, estimulando-se a troca de experiências entre avaliadores ou estabelecendo-se mecanismos de controle que apontem desvios em relação ao resultado médio esperado. > Capacitação dos usuários do sistema (avaliadores e avaliados) quanto à importância e utilidade de cada um dos instrumentos de avaliação utilizados e à compreensão das ações deles decorrentes. > Apresentação da avaliação como elemento de apoio ao desenvolvimento organizacional e profissional, desmistificando-se a relação usualmente estabelecida entre avaliação e punição. >Adoção de uma sistemática que transcenda a dimensão unidirecional (chefe- subordinado), estimulando-se a auto-avaliação e a avaliação com múltiplas fontes. A adoção desses cuidados ajuda, em primeiro lugar, a minimizar outro efeito colateral do processo: a ansiedade excessiva. Não é incomum as pessoas associarem a avaliação a auditorias de RH ou a processos de enxugamento de quadro anteriormente vivenciados. Em segundo lugar, as mudanças comportamentais almejadas pelos processos de � avaliação demandam um conjunto de ações integradas para que, de fato, venham a ocorrer; requerem esforços combinados do individuo — com suas aspirações e seus projetos pessoais — e da organização, gerando-se oportunidades e estímulos ao desenvolvimento dos atributos desejados; e necessitam ser reforçadas por práticas de gestão de pessoas condizentes com os comportamentos sinalizados como críticos para o sucesso da empresa. A falta de cuidado nesse sentido leva, muitas vezes, a avaliações que enfatizam comportamentos que, na prática, são até mesmo punidos no dia-a-dia da organização. Possíveis incongruências entre os sistemas de avaliação aplicados pela organização e suas práticas de gestão (como ênfase nos valores integridade e ética em avaliações, enquanto o sistema de remuneração premia resultados alcançados a qualquer preço, ou o discurso da preferência pelo trabalho em grupo, em times, quando se recompensa de forma essencialmente centrada no individuo) tendem a gerar descrédito em relação à sistemática de avaliação e à própria organização. Um terceiro cuidado na condução das sistemáticas de avaliação consiste no uso efetivo dos resultados para subsidiar ações concretas e na transparência com que isso ocorre. Caso contrário, a avaliação perde significado, passando a sensação de se tratar apenas da aplicação de mero instrumento burocrático. Nesse caso, sua aplicação será evitada ou feita com pouca atenção. Finalmente, cabe destacar a importância da atuação gerencial na condução de sistemáticas de avaliação. Seu papel no processo envolve, por exemplo, o uso dos meios disponibilizados como elemento de apoio à gestão e à tomada de decisão, o 82 esclarecimento aos profissionais locados em sua equipe dos objetivos da avaliação e de sua importância, a condução do processo de maneira clara, imparcial e negociada, a prática do feedback e a orientação aos subordinados no tocante a ações que devem ser realizadas como forma de suprir pontos de melhoria identificados no processo de avaliação e a sugestão de revisões dos processos e instrumentos de avaliação para adequá-los às necessidades e características concretas da organização. 5. Tendências As principais tendências do processo de avaliação de pessoas podem ser resumidas nos seguintes pontos: >Estabelecimento de um compromisso cada vez mais direto com a estratégia da empresa. Para isso, têm-se inserido, com freqüência, no cenário das avaliações a utilização de modelos de gestão por competências e a adoção de metas e indicadores de desempenho que são desdobramentos da estratégia organizacional e balancejam indicadores financeiros com indicadores de outra natureza: clientes, processos, inovação, pessoas etc. A utilização do balanced scorecard, por exemplo, ou de instrumentos semelhantes permite maior ênfase na gestão de vetores do desempenho futuro da organização e das pessoas (a avaliação de desempenho tradicional enfatiza a mensuração do desempenho passado, dos resultados já alcançados), bem como o estabelecimento integrado de metas corporativas, de grupos/equipes e individuais. � >Utilização de modelos que integram as diferentes funções de gestão de pessoas, ou seja, a aplicação de sistemas que orientem tanto a gestão do desempenho quanto ações de seleção, desenvolvimento, carreiras, promoção etc. Os modelos de gestão de pessoas por competências, mais uma vez, se enquadram nessa categoria. >Avaliação cada vez mais compreendida como um espaço para negociação e equilíbrio entre expectativas da empresa e da pessoa, devendo-se balizar decisões que contribuam para ambas as partes. > Fortalecimento do papel dos gerentes como coaches no apoio ao desenvolvimento e à melhoria de desempenho. Em paralelo, reforça-se o papel dos avaliados como gestores das próprias competências e da carreira. >Avaliação seguida de um processo de feedback e encarada como oportunidade de autoconhecimento. Nesse sentido, cada vez mais têm-se utilizado auto-avaliações, contrapondo-as a avaliações de outras fontes. >Utilização de diversas ferramentas de avaliação, cada qual muito bem definida quanto ao foco e aos resultados pretendidos. > Sistematização prévia de possíveis ações decorrentes de um processo de avaliação como subsídio à decisão gerencial. > Utilização de avaliações com múltiplas fontes (avaliação 360 graus) com feedbacks de chefias, pares, subordinados e clientes internos e externos. O caso da Indústria de Alimentos S.A., baseado em experiências reais, ilustra um sistema de melhoria de desempenho no qual se integram algumas das novas práticas mencionadas neste capítulo. 83 Estudo de caso: avaliação de gerentes da Indústris de Alimentos S.A. Empresa transnacional, de origem norte-americana, está instalada no Brasil e atua no setor de alimentos. É líder de mercado com algumas de suas marcas. As avaliações ocorrem em um sistema denominado de processo de melhoria de desempenho, tendo como público-alvo o corpo gerencial da companhia (cerca de 150 pessoas). Esse processo corre internacionalmente e tem por objetivo alinhar a melhoria de desempenho individual e organizacional, assim como o crescimento futuro e o desenvolvimento da equipe mundial da Indústria de Alimentos S.A. Está focado nas seguintes dimensões: 1. Desempenho atual: os resultados alcançados pelo profissional em suas metas individuais do ano anterior. 2. Desempenho futuro: engloba as metas do próximo período e também ações que irão viabilizar seu desempenho no futuro, o que inclui ações de desenvolvimento de determinados atributos de liderança. Para alcançar seus objetivos, o processo envolve: > A definição de metas individuais que resultam do desdobramento, em cascata, do balanced scorecard daorganização, desenvolvido com base nas escolhas estratégicas da � empresa. Tal desdobramento resulta em metas e indicadores de desempenho individuais — alguns deles relacionados aos vetores de desempenho futuro da empresa — que são negociados com a chefia imediata no início do período, revisados em um momento intermediário e avaliados no final do período. > A identificação das competências prioritárias a serem desenvolvidas pelos gerentes no próximo período de forma que possam atingir, no futuro, desempenho superior em sua função. Essas competências — as dez Competências de Liderança da Indústria de Alimentos S.A. — são consideradas críticas para o sucesso da companhia. Todas elas apresentam definições detalhadas e pressupões-se que a expressão de cada uma,na forma de comportamentos, possa ser observável no ambiente de trabalho. No final de cada período, o gerente indentifica em conjunto com sua chefia imediata as competências prioritárias para desenvolvimento. Nesse momento é empregada a avaliação 360 graus, que contribui oara a identificação das competências de liderança. A avaliação 360 graus ocorre com input do processo de melhoria de desempenho no momento da avaliação de fechamento, no final do período. Disponibiliza percepções de pares, subordinados, clientes e fornecedores internos, ue serão analisadas pelo gerente e sua chefia antes de se chegar a um acordo com relação às competências de liderança a serem priorizadas. A expextativa é balancear as percepções do chefe e do gerente com outras perspectivas e identificar pontos fortes e oportunidades de melhoria individual com base nas percepções de pessoas com as quais o gerente estabeleceu, durante o período, uma relação de trabalho. O objetivo principal é desenvolver o profissional, contribuindo com a alavancagem de suas competências de liderança. O desenvolvimento dos profissionais é apoiado por um programa de desenvolvimento gerencial, que tem por objetivos impulsionar a compreensão do novo modelo de negócios e da cadeia de fornecimento para o cliente, bem como disseminar o novo conceito comercial da companhia e explorar e aprofundar temas relacionados às competências de liderança prioritárias, identificadas por meio do processo de melhoria de desempenho. Assim, baseada das avaliações finais de todos os gerentes, a área de recursos humanos levanta as competências que foram apontadas com mais freqüência como prioridades de desenvolvimento e que serão enfatizadas no programa de desenvolvimento gerencial. 84 6. Conclusões Avaliações fazem parte do cotidiano de qualquer organização, sendo necessárias para averiguar a correção das ações organizacionais e identificar as necessidades de revisão e melhoria. Mesmo que de maneira informal, a cada momento os gestores se envolvem em algum processo de avaliação — inclusive de pessoas —, e os profissionais se vêem refletindo (avaliando) se suas decisões, suas ações e seus encaminhamentos de carreira estão indo ao encontro de expectativas previamente programadas. A vantagem de estruturar esse processo e introduzi-lo como prática formal nas organizações está em produzir ferramentas comuns aos diversos gestores e profissionais, � vinculadas aos objetivos e às estratégias da organização. Dessa forma, é possível dar parâmetros às decisões decorrentes do processo de avaliação, aproximar as interpretações de avaliadores e avaliados em torno de um ponto comum e diminuir a influência de idiossincrasias no processo e nos resultados das avaliações. A importância das avaliações está, portanto, no subsídio à decisão gerencial com base em critérios definidos como legítimos pela organização e pelos profissionais. Dessa forma, é possível ter uma visão mais apurada e ampla da empresa e de seu quadro de profissionais, de suas fragilidades e de seus pontos fortes, oferecer feedback e coaching estruturado e obter informações que sirvam de base a decisões relativas à gestão de pessoas. O resgate do uso de avaliações formais nas organizações, nos últimos anos, certamente objetiva alcançar esses resultados pela busca de instrumentos alinhados a suas características, cultura e necessidades. Infelizmente, não existem soluções únicas nem respostas definitivas quando o assunto é avaliação. Cabe lembrar, no entanto, a importância de conduzir esse processo com cuidado, de forma estruturada e planejada, para que não se cometam os mesmos erros que levaram à descrença nas avaliações nas décadas de 1980 e 1990, a ponto de terem sido apontadas como uma das “sete pragas” dentre as práticas de gestão das empresas. Referências bibliográficas BERGAMINI, C. W; BERALDO, D. G. R. 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AUTORES JOSÉ ANTONIO MONTEIRO HIPÓLITO Bacharel em Administração de Empresas e mestre em Administração com foco em recursos humanos pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP). Professor do Curso de Extensão em Administração Industrial (Ceai), da Fundação Carlos Alberto Vanzolini, e tcnico- pesquisador do Programa de Gestão de Pessoas (Progep), ambos da USE Autor do livro Administração salarial — A remuneração por competências como diferencial competitivo (Editora Atlas). Sócio da Fischer & Dutra Gestão Organizacional, tendo desenvolvido vários projetos de consultoria em sistemas de gestão de RH para empresas de grande porte. GERMANO GLUFKE REIS Psicólogo organizacional pela Universidade de Brasília e mestre em Administração de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas de São Paulo. Tem atuado como consultor pela IDEA — Desenvolvimento Empresarial, prestando assessoria a empresas como KPMG, Wyeth-Whitehall, Siemens, Sun Microsystems e Tess, entre outras, em projetos nas áreas de gestão de pessoas e desenvolvimento gerencial. Professor da ESPM e da Facamp. Autor do livro Avaliação 360 graus: um instrumento de desenvolvimento gerencial (Editora Atlas). 86 Sistema de recompensas: uma abordagem atual � JOSÉ ANTONIO MONTEIRO HIPÓLITO 1. Introdução Decisões sobre a estruturação e o funcionamento da sistemática de recompensas e seu gerenciamento no dia-a-dia organizacional constituem, sem dúvida, uma das dimensões críticas em gestão de pessoas. Mais que o poder de compra ou o padrão de vida que o salário ou outras formas de recompensa podem proporcionar, sua importância está atrelada a um valor simbólico, que representa quanto o indivíduo vale para a organização. esse caráter simbólico que reforça a importância de uma relação próxima entre aquilo que a organização valoriza ou quer estimular em seus profissionais e a prática de recompensas, de modo a incentivar comportamentos e ações que agreguem valor. O fato de o montante distribuído a título de recompensa representar, na maior parte dos casos, parcela significativa do total de dispêndio das empresas realça a necessidade de alinhá-lo à contribuição dos profissionais para a organização, de forma a não gerar desequilíbrio entre a estrutura compensatóna vigente e os resultados obtidos em sua prática. Tradicionalmente, o cargo é utilizado por grande parte das organizações como elemento decodificador do valor agregado pelos profissionais e, portanto, como principal referência na definição de 87 sua recompensa. Essa pratica, eficiente quando se esperava das pessoas apenas a reprodução de um conjunto de atividades definidas pelo cargo, vem se demonstrando frágil em realidades dinâmicas, nas quais a ação do indivíduo é significativamente influenciada pelas necessidades organizacionais (que mudam com intensidade crescente) e pelo nível de competência do próprio profissional. Nesse novo contexto, o uso do cargo, ao despersonificar a recompensa, impede que se reconheçam de forma diferenciada as pessoas que mais contribuem para a consecução dos objetivos organizacionais. Este capítulo elucida as limitações das práticas usuais de recompensa e aponta alternativas alinhadas com o cenário competitivo e com os resultados pretendidos por meio de sua aplicação. Dentre essas alternativas, destacam-se o uso do conceito de competências para balizar recompensas, a intensificação do emprego da remuneração variável e a adoção de benefícios flexíveis, escolhidos e estruturados com base na análise dos métodos existentes contrapostos ao ambiente, às características e às possibilidades concretas da organização. Este capítulo inicia-se com uma retrospectiva da prática de recompensas, apresenta as limitações dos sistemas de remuneração usualmente utilizados e culmina com a apresentação das tendências na estruturação e no gerenciamento da prática compensatória. 2. Evolução da prática de recompensas 2.1 SISTEMAS BASEADOS EM CARGOS Embora a prática de recompensar pessoas pelo seu trabalho esteja presente desde os primórdios do sistema capitalista de produção, a utilização de métodos sistemáticos para a definição do padrão de recompensas surgiu somente a partir da Primeira Guerra � Mundial (Albuquerque, 1982), com o crescimento das organizações em tamanho e complexidade. Esses métodos surgiram num contexto histórico-social específico, no qual prevaleciam os princípios tayloristas-fordistas de produção (e de gestão de pessoas), que apregoavam a estruturação e a divisão de tarefas como as grandes âncoras de todo o processo produtivo. Esperava-se dos trabalhadores, portanto, a simples reprodução de um conjunto de atividades definidas em seu cargo e, quanto melhor o fizessem, mais estariam contribuindo para o sucesso organizacional. A equação é simples: conhecendo-se os produtos (ou serviços) oferecidos ao mercado e o conjunto de atividades necessárias para produzi-los, bastava distribuíIas ao longo da força de trabalho, e sua execução conduziria, naturalmente, à obtenção dos resultados desejados. Uma vez que as atividades executadas eram quase todas rotineiras e metodicamente estruturadas, parte do ganho na produção resultava da especialização do profissional, ou seja, do quanto ele era hábil, veloz e efetivo na realização das atividades a ele atribuídas. Essa habilidade tendia a desenvolver-se com a prática, reforçando o conceito de divisão e estruturação do trabalho. 88 Figura 1. A lógica funcional de recompensas Como, nesse modelo, o trabalho do profissional é determinado pelo conjunto de atividades que lhe competem, e esse conjunto pode ser comum a vários empregados, parece sensato remunerar da mesma forma todos que exerçam atividades semelhantes. Origina-se aí o conceito de cargos e sua aplicação enquanto elemento principal na determinação das recompensas. Ao estabelecer a priori as atividades pelas quais cada profissional é responsável, define- se seu espaço de atuação na organização e, portanto, o valor agregado pelo seu trabalho. Uma vez que é objetivo das organizações recompensar em função desse valor agregado, nada mais natural que utilizar o conjunto de atividades designado ao profissional — ou estabelecido na descrição de seu cargo — como elemento essencial na determinação de sua recompensa. Portanto, na sistemática funcional de compensação (centrada em cargos), mensura-se o valor dos cargos para a organização e, quanto maior for esse valor, maior deve ser a recompensa atnbuída aos profissionais neles alocados. O modelo funcional de recompensas cresceu de forma avassaladora com o aumento de complexidade das organizações e com a necessidade de estabelecer parâmetros que auxiliassem no gerenciamento dessa complexidade. Dentre os fatores que o impulsionaram, destacam-se: 89 >seu alinhamento com as necessidades das organizações e com a filosofia de gestão que preponderou por décadas, centrada na estruturação de tarefas e no comando e controle; >a percepção de objetividade no método, em função de se utilizarem técnicas estatísticas sofisticadas para pontuar a importância relativa dos cargos para a organização. A � cientificidade do método serve de argumento para justificar as diferenciações salariais e, ao ter cargos e não pessoas como foco principal, sugere imparcialidade; > o fato de ser um método “bem avaliado” e, portanto, estimulado pelos órgãos que regulam as práticas trabalhistas. Isso porque, ao estabelecer regras para a diferenciação das recompensas que independem da análise dos individuos, torna-se mais difícil determinar recompensas por critérios discriminatórios (seja em função de gênero e raça, seja outro critério). Essa preocupação está bastante presente na literatura, sobretudo a norte-americana. A lógica de remunerar conforme o cargo funcionou bem (e em alguns casos ainda funciona) enquanto suas premissas permaneceram válidas, ou seja, a existência de situações de trabalho em que se espera dos profissionais essencialmente a reprodução de uma série de procedimentos previamente definidos. No entanto, à medida que as organizações mudam (ou são pressionadas a mudar) e passam a utilizar seus profissionais de outra forma, com muito mais flexibilidade, autonomia e delegação de responsabilidades, cai por terra a base de sustentação dos sistemas funcionais de recompensa. Ao apontar a inconsistência entre o que se paga (e se valoriza) com os sistemas funcionais e o que se espera dos profissionais nos dias de hoje, Emerson (1991) discute as limitações dos cargos enquanto parâmetro principal para definir a remuneração. Analisando-os atentamente, percebe-se que o descompasso é decorrente da incongruência entre suas premissas e o mundo organizacional atual, levando a uma série de restrições, dentre as quais destacam-se: >inflexibilidade, reduzindo a agilidade da organização para acompanhar as mudanças internas e do mercado de trabalho; >desalinhamento em relação aos objetivos estratégicos da empresa, por ser definido a partir de configurações organizacionais momentâneas; > inviabilidade de descentralizar as decisões de recompensa para os gestores, uma vez que os critérios utilizados na maior parte das vezes são complexos e restritos à área de compensação; > alto custo de atualização do sistema, típico da utilização de métodos comparativos. Tem-se, portanto, um método que não atende às atuais necessidades das organizações e, ao focalizar os cargos e não as pessoas que os ocupam, deixa de reconhecer os talentos, aqueles que realmente se destacam, que assumem responsabilidades e, portanto, agregam mais valor, com o conseqüente risco de perdê-los para o mercado de trabalho. Ao mesmo tempo, a complexidade e a padronízação dos sistemas 90 funcionais inviabilizam sua utilização como elemento de disseminação dos valores e objetivos organizacionais, essencial para que os profissionais possam se auto-regular diante das situações e decisões inerentes ao dia-a-dia do trabalho. 2.2 BUSCA DE ALTERNATIVAS AOS SISTEMAS BASEADOS EM CARGOS No extremo oposto ao método de remuneração funcional, que subjuga as pessoas ao cargo no qual estão alocadas, vê-se a alternativa de remunerar com base na análise da pessoa e de seu conjunto de habilidades. Essa alternativa já abrangia, no início da � década passada, 40% das grandes organizações americanas (Lawler, 1990). Sua aplicação, no entanto, estava restrita a posições operacionais, em que a relação entre a habilidade e a obtenção de resultados para a organização é bastante próxima, e para alguns casos de profissionais em áreas de pesquisa e desenvolvimento. A dificuldade de expandir o conceito para outras posições está justamente na necessidade de garantir que, ao recompensar habilidades, se esteja reconhecendo a contribuição, o valor agregado para a organização. Caso contrário, estar-se-á gerando um desequilíbrio entre o que se recompensa e o que se obtém em troca. No entanto, a literatura e a experiência têm demonstrado que, para posições não estruturadas, que envolvem em sua essência análise e tomada de decisão, não é possível estabelecer relação direta entre habilidades e/ou conhecimentos e a contribuição do profissional, restringindo o uso desse método e impedindo que seja visto como alternativa ao método funcional. As limitações das técnicas tradicionalmente utilizadas para estabelecer recompensas têm levado à busca de alternativas mais alinhadas com o atual contexto organizacional que possibilitem reconhecer a entrega, o valor agregado pelos profissionais, seja em função do nível de decisões e responsabilidades esperado de sua atuação, seja pelo acompanhamento dos resultados efetivamente obtidos por eles. Isso significa que o foco de observação passa a ser o indivíduo (e não seu cargo), que é então medido com base em réguas que traduzem a agregação de valor sob o ponto de vista da organização. Essa visão, cada vez mais presente nas empresas modernas, sustenta-se nas seguintes constatações: > em situações de trabalho dinâmicas, pouco estruturadas, a pessoa faz seu espaço, independentemente do que está descrito em seu cargo e, caso não seja adequadamente recompensada, sofrerá grave injustiça; > os profissionais reconhecem o nível de recompensa como justo quando percebem que ele está relacionado com seu potencial para resultados e com seu conjunto efetivo de responsabilidades (laques, 1990). Pesquisas apontam que a mesma relação é observada como reguladora da prática compensatória do mercado, ao menos quando se considera a dimensão dos salários (Hipólito, 2000); >recompensar o valor agregado pelo profissional, seja expresso pelo conjunto de responsabilidades que assume, seja pelo acompanhamento da realização de metas atribuídas, é plenamente compatível com a lógica vigente no sistema de produção capitalista. 91 A Figura 2 ilustra a lógica de distribuição de atribuições ou de definição do espaço de atuação dos profissionais. Cada vez mais presente nas organizações, ela tem influenciado na concepção dos sistemas de recompensa. A partir das necessidades apresentadas pelos clientes e da análise do ambiente como um todo (fornecedores, concorrentes etc.), estabelecem-se relações e assumem-se responsabilidades de modo a obter os resultados desejados. A configuração ou distribuição das responsabilidades se dá, portanto, de forma dinâmica, em função das necessidades da empresa e da competência de seus profissionais. Figura 2. Definição dos espaços de atuação num contexto dinâmico O panorama apresentado até aqui servirá de base para a discussão das tendências de formatação dos sistemas de recompensa a partir da análise de cada um de seus � componentes. A estruturação de um sistema de recompensas deve considerar, dentre as inúmeras possibilidades de composição, asforinas mais alinhadas á “filosofia” de gestão da organização e ao que se quer, de fato, valorizar e estimular. Os possíveis componentes de um sistema de recompensas são apresentados na Figura 3. Serão analisados somente os componentes que se relacionam com a categoria de remuneração. 3. Componentes dos sistemas de recompensa 3.1 SALÁRIO Trata-se da parcela fixa da remuneração, paga regularmente (Ceriello e Freeman, 1991). Representa, geralmente, o principal componente do mix de recompensas 92 Figura 3. Componentes de um sistema de recompensas oferecido pelas organizações, sobretudo quando se observam relações estáveis de trabalho. Como visto, as práticas de recompensa, historicamente, definem o salário de acordo com o cargo ocupado pelo profissional (como critério principal), possibilitando pequenas diferenciações em funçáo de seu nível de maturidade, tempo de atuação na empresa, conjunto de conhecimentos ou habilidades, dentre outros. No entanto, as limitações encontradas no conceito de cargos têm levado a variações em seu uso no estabelecimento dos salários para, assim, alinhá-lo a interesses e necessidades das organizações. Como exemplo dessas variações, destacam- se a utilização de caracterizações de cargos mais abrangentes e genéricas, com foco nos processos internos da companhia (Wood e Picarelli, 1996), e o estabelecimento de bandas salariais largas (broadbandings), de forma a possibilitar diferenças salariais maiores entre os ocupantes de determinada posição, flexibilizando seu uso. Como as variações no emprego da sistemática funcional de compensação nem sempre se mostram suficientes, alternativas têm surgido no mercado. Destaque-se a emergência do conceito de competências, entendido como “um saber agir responsável e reconhecido, que implica em mobilizar, integrar, transferir conhecimentos, recursos, habilidades, que agreguem valor econômico à organização e valor social ao indivíduo” (Fleury e Fleury, 2000). Os modelos de gestão salarial por competências mais efetivos têm por foco, portanto, a agregação de valor, e não a simples aquisição de conhecimentos ou habilidades, como muitos imaginam. A construção de sistemas de administração salarial por competências parte, em geral, de uma análise da organização, seu conjunto de valores, visão de futuro e orientações estratégicas. Definem-se, então, as competências necessárias aos profissionais para que mantenham a empresa competitiva no longo prazo e caracteriza-se a evolução no exercício dessas competências (Hipólito, 2000). Essa caracterização é concebida e organizada por meio de frases, espelhando, para cada competência, o crescimento de complexidade e responsabilidades na sua aplicação. A Figura 4 ilustra um conjunto de competências típico de posições de natureza gerencial, com a caracterização de uma dessas competências em níveis de complexidade, que ser- � 93 Figura 4. Exemplo de competências gerenciais e sua caracterização ao longo de níveis crescentes de complexidade Para cada nível de complexidade/responsabilidade criado a partir das competências, é possível construir faixas salariais e critérios de evolução dos profissionais ao longo delas. A complexidade da atuação do profissional no conjunto de competências estabelecido pela organização define, portanto, a faixa salarial na qual o profissional será administrado e é um dos elementos de decisão sobre seu posicionamento ao longo da faixa. É possível, no entanto, inserir outros elementos na decisão sobre esse posicionamento, como contemplar a política salarial da organização para as posições em análise, sua situação em relação ao mercado de trabalho, as disponibilidades financeiras da companhia e, no nível individual, considerar o desempenho, a aquisição e o uso de determinada habilidade técnica. Ao contrário do modelo funcional, o sistema de gestão por competências pressupõe a ampla divulgação dos critérios definidos, de forma a servir como orientador das ações individuais. Possibilita, ainda, intensa flexibilidade em seu uso, uma vez que está dissociado de qualquer configuração organizacional momentânea, como a estrutura de cargos, a estrutura organizacional ou a organização de seus processos internos. Embora as vantagens do uso do conceito de competências para fins de gestão salarial sejam nítidas em comparação com os sistemas funcionais (ao menos para empresas situadas em ambientes competitivos, com forte pressão para mudanças), tem-se percebido, em muitas ocasiões, a dificuldade em romper totalmente com o 94 conceito de cargos. Nesses casos, em geral, opta-se pela manutenção dessas estruturas em paralelo, como complementares, até que o abandono da estrutura funcional de recompensas possa ocorrer. 3.2 REMUNERAÇÃO VARIÁVEL Enquanto o salário é definido nas organizações em função do conjunto de responsabilidades e da complexidade do trabalho esperado de um profissional (avaliado ou não com base no conceito de competências) e é atribuído regularmente, a remuneração variável (em suas diversas formas) está atrelada ao acompanhamento da performance/desempenho, podendo ou não existir, com maior ou nenor intensidade, em face dos resultados alcançados. Embora no passado a utilização de uma parcela variável na remuneração estivesse restrita a algumas posições da área comercial e à alta direção (na forma de bônus), percebe-se, atualmente, que essa forma de recompensa tem crescido substancialmente como alternativa à parcela fixa de compensação. Dentre os motivos para o crescimento da remuneração variável, destacam-se: a busca, por parte das organizações, da redução dos custos fixos, substituindo- os � sempre que possível por custos variáveis; a possibilidade de oferecer maiores ganhos aos profissionais em anos de bons resultados, uma vez que, ao contrário do salário, não é selado um compromisso de sustentação do nível de pagamento, dado a título de variável em anos subseqüentes; a aceitação dessa prática por trabalhadores, sindicatos e empresas, deixando as organizações que não a adotam com menor poder competitivo no mercado de trabalho; os incentivos fiscais que vêm sendo atribuídos à prática de um tipo específico de remuneração variável, a participação nos lucros e resultados (Rosa, 2000), regulada pela Lei Federal n° 10.101, de 19/12/2000. A própria regulação em lei da participação nos lucros e resultados estimula as empresas a se prepararem para seu cumprimento. A avaliação da performance, base para a remuneração variável, em geral é feita por meio do acompanhamento da realização de metas predefinidas para determinado período de tempo. A definição pode ocorrer no âmbito da organização, área, equipe e, em alguns casos, no nível individual, dependendo para isso de algumas precondições, como a existência de uma cultura organizacional favorável e a possibilidade de acompanhar a interferência individual no cumprimento das metas (o que é mais dificil em algumas posições e/ou setores de atuação e, normalmente, requer um longo período de maturação dessa prática na organização). Em razão disso, percebe-se a tendência à utilização de parâmetros de acompanhamento de resultados de grupos para determinar a remuneração variável e distinguir individualmente os profissionais a partir da remuneração fixa. Outro fator que 95 estimula as empresas a olharem prioritariamente grupos como referência para a remuneração variável é o objetivo de grande parte delas: estimular a atuação em equipe e a cooperação como elementos de convergência das ações individuais em torno dos objetivos maiores da companhia. Vale reforçar que nem sempre o melhor resultado individual significa o melhor para a equipe e para a organização. Fica claro que as parcelas de remuneração fixa e variável se complementam, reconhecendo-se aspectos diferentes nos profissionais: enquanto o salário vem sendo vinculado à competência, e esta se demonstra aditiva ao longo do tempo (isto é, não diminui, a não ser em casos excepcionais), a parcela váriável da remuneração tem como foco principal o acompanhamento de resultados, que se caracterizam, na essência, pela circunstancialidade. Podem, portanto, diminuir ou aumentar em função do ambiente, da organização ou do estado de ânimo/esforço do profissional ou da equipe. Embora se verifique a tendência de aumento da parcela variável no composto remuneratório, em detrimento da parcela fixa, nota-se que essa premissa (alinhamento entre remuneração fixa e fatores aditivos no tempo e entre remuneração variável e fatores pontuais/circunstanciais) mantém-se inalterada. 3.3 BENEFÍCIOS Embora os pacotes de benefícios (compensação indireta) tenham sido desenhados inicialmente para ir ao encontro das necessidades básicas da maioria — procurando contemplar aspectos que possibilitem, fora do trabalho, uma vida mais gerenciável e segura —, eles se transformaram com o tempo num mecanismo de atração e retenção de pessoas talentosas (Cascio, 1992), ganhando popularidade nos anos seguintes à � Segunda Guerra Mundial (Flannery et al, 1997). Ao mesmo tempo, cresce a importância de administrá-los com cuidado na medida em que representam um dispêndio anual significativo (Cascio, 1992). De acordo com pesquisa realizada pelo Hay Group (consultoria especializada em remuneração) em 1994, nos Estados Unidos, os benefícios representavam, em média, “25% dos custos totais da folha de pagamento” (Flannery et al, 1997). A gestão de benefícios nem sempre é simples; ao contrário, exige certa complexidade administrativa. Em função disso e da dificuldade de reduzir benefícios, uma vez concedidos, toda decisão em relação ao tema deve contemplar uma análise da organização no longo prazo, dos resultados pretendidos com sua aplicação e dos custos dela decorrentes. Deve-se atentar, ainda, para o papel reservado aos benefícios dentro do composto remuneratório. Cascio (1992) comenta que as diferentes perspectivas na análise dos benefícios entre organização e profissionais contribuem para tornar sua gestão complexa: enquanto as empresas olham essencialmente os custos do beneficio, os profissionais direcionam a análise para o valor dele, dimensões nem sempre alinhadas. Por exemplo, a empresa pode estar despendendo recursos para prover um plano de saúde no qual determinado profissional não tem interesse, seja porque prefere manter um 96 convênio particular já existente, seja por poder usufruir do plano de saúde do cônjuge. O autor acrescenta que, para evitar essa situação e potencializar o impacto da prática de benefícios, algumas empresas estão oferecendo planos de benefícios flexíveis, nos quais o profissional escolhe a totalidade ou parte do conjunto de benefícios com base em alternativas oferecidas pela organização. Trata-se, no entanto, de uma opção que aumenta a complexidade administrativa de manter o pacote de benefícios, aspecto que deve ser levado em conta antes de sua introdução. 4. Conclusão As possibilidades de desenho da estrutura de recompensas são inúmeras, o que torna crítica a escolha de formas alinhadas com as características da organização e do ambiente na qual ela se insere, de modo a reforçar o conjunto de sinalizações que a empresa quer passar e mantê-la competitiva no mercado de trabalho. Percebe-se, no entanto, que os profissionais de recompensa têm focalizado mais a dimensão operacional de atuação, explorando possibilidades técnicas complexas, porém desconectadas da análise ampla de seus efeitos como elemento de atuação estratégica. A crescente importância dos sistemas de gestão de pessoas, incluindo recompensas, põe em xeque a atuação dos profissionais da área de recursos humanos. Impõe-lhes a necessidade de entender de maneira ampla a organização, seus valores, cultura e objetivos, de conhecer, ao menos conceitualmente, as formas de compensação e o que são capazes de estimular, de buscar constantemente alternativas de compensação mais alinhadas com as necessidades da empresa e de promover a capacitação dos gestores para que atuem nas decisões de recompensa. Todo esse leque de conhecimentos e percepções deve ser mobilizado de forma a � viabilizar uma atuação dos profissionais de recompensa capaz de, efetivamente, alavancar os objetivos e resultados estabelecidos pela organização. Referências bibliográficas ALBUQUERQUE, L. G. Administração salarial e aspectos comportamentais em instituições de pesquisa e desenvolvimento. São Paulo: FEA-USP, 1982. Tese de doutoramento. cASCIO, W E Managing human resources: productivity, quality of work life, profits. 3. ed. New York: McGraw-Hill, 1992. CERIELLO, V. R.; FREEMAN, C. Human resource management systems: strategies, tactics and techniques. New York: Lexington Books, 1991. EMERSON, 5. M. Job evaluation: a barrier to excelience? Cornpensation and Benefits Review, v. 23, n. 1, p. 39-51, Jan.fFeb. 1991. FLANNERY, T. E; HOFRICHTER, D.; PLATTEN, E E. Pessoas, desempenho e salários: as mudanças na forma de remuneração nas empresas. São Paulo: Futura, 1997. FLEURY, A.; FLEURY, M. T. L. Estratégias empresariais eformação de competências: um quebra-cabeça caleidoscópico da indústria brasileira. São Paulo: Atlas, 2000. 97 HIPÓLITO, J. A. M. A gestão da administração salarial em ambientes competitivos: análise de un gia para construção de sistemas de remuneração por competências. São Paulo: FE Dissertação de mestrado. .JAQUES, E. In praise of hierarchy. Harvard Business Review, Jan.fFeb. 1990. LAWLER III, E. Strategic pay: aligning organizational strategies and pay systems. San Franci. Bass, 1990. ROSA, E D. Participação nos lucros ou resultados: a grande vantagem competitiva: como pessoas podem potencializar resultados e reduzir os custos das empresas. São Paulo: Atlas, 2000 WOOD JR., T,; PICARELLI FILHO, V. Remuneração estratégica: a nova vantagem competitiva. Atlas, 1996. AUTOR JOSÉ ANTONIO MONTEIRO HIPÓLITO Bacharel em Administração de Empresas e mestre em Administração com foco em recursos humanos pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP). Professor do Curso de Extensão em Administração Industrial (Cmi), da Fundação Carlos Alberto Vanzolini, e técnico- pesquisador do Programa de Gestão de Pessoas (Progep), ambos da USP. Autor do livro Administração salarial — A remuneração por competências como diferencial competitivo � (Editora Atlas). Sócio da Fischer & Dutra Gestão Organizacional, tendo desenvolvido vários projetos de consultoria em sistemas de gestão de RH para empresas de grande porte. 98 A GESTÃO DE CARREIRA JOSÉ SOUZA DUTRA 1. Introdução A gestão de carreira por parte das organizações e por parte das pessoas tem sido objeto de grande discussão em revistas especializadas e na literatura contemporânea. As discussões tomaram dois rumos: o primeiro foca o papel da pessoa na gestão de sua carreira e de sua competitividade profissional e o segundo o papel da organização no estímulo e suporte ao desenvolvimento da carreira da pessoa. O objetivo deste capítulo é oferecer uma visão ampla da gestão de carreira. Será apresentada a evolução do pensamento sobre gestão de carreira e serão discutidos o papel da pessoa e da organização e as tendências nessa área. 2. Conceituação Como se trata de um termo bastante utilizado, ao qual se agregam vários significados, carreira é uma palavra de dificil definição. Podemos utilizar carreira para nos referir à mobilidade ocupacional, como o caminho a ser trilhado por um executivo — carreira de negócios —, ou à estabilidade ocupacional, ou seja, a carreira como 99 profissão, como a carreira militar. Em ambos os casos, carreira passa a idéia de um caminho estruturado e organizado no tempo e no espaço que pode ser percorrido por alguém (Van Maanen, 1977). Partindo dessa mesma linha de raciocínio, Hall (1976) sugere a seguinte definição: “Carreira é uma sequência de atitudes e comportamentos, associada com experiências e atividades relacionadas ao trabalho, durante o período de vida de uma pessoa”. Entretanto, a definição de carreira cunhada por London e Stumph (1982) torna-se a mais adequada para orientar a discussão contemporânea do tema: Carreira são as seqüências de posições ocupadas e de trabalhos realizados durante a vida de uma pessoa. A carreira envolve uma série de estágios e a ocorrência de transições que refletem necessidades, motivos e aspirações individuais e expectativas e imposições da organização e da sociedade. Da perspectiva do indivíduo, engloba o entendimento e a avaliação de sua experiência profissional, enquanto da perspectiva da organização engloba políticas, procedimentos e decisões ligadas a espaços ocupacionais, níveis organizacionais, compensação e movimento de pessoas. Estas perspectivas são � conciliadas pela carreira dentro de um contexto de constante ajuste, desenvolvimento e mudança. Tal definição encerra conceitos importantes. Em primeiro lugar, não trata a carreira como uma seqüência linear de experiências e trabalhos, mas como uma série de estágios e transições que vão variar em função das pressões sobre o individuo, originadas dele próprio e do ambiente onde está inserido. Em segundo lugar, pensa a carreira como fruto da relação estabelecida entre a pessoa e a empresa, englobando as perspectivas de ambas. Finalmente, trata a carreira como elemento de conciliação dinâmica das expectativas entre a pessoa e a empresa. Durante os anos 1970 foram feitas as primeiras tentativas de estruturar a discussão sobre carreira levando-se em conta a relação entre a empresa e as pessoas. Um marco desse trabalho é o livro de Douglas Hail (1976) Careers in organizations, que procura efetuar uma relação entre o sucesso das pessoas em sua carreira profissional e o desenvolvimento organizacional. Outra obra importante é a de Edgar H. Schein (1978), Career dynamics, que analisa a relação dinâmica entre pessoa e empresa com base na construção de processos de carreira. Nessa década, vários autores procuraram discutir o papel das pessoas, da empresa e do meio social na construção de carreiras. A produção dos anos 1980 é muito rica tanto na qualidade das reflexões quanto na diversidade dos temas abordados. A principal produção ocorre nos Estados Unidos devido aos seguintes aspectos: No início dos anos 1980, os chamados babyboomers (pessoas nascidas no período do pós-guerra, que provocou uma explosão de nascimentos nos Estados Unidos e na Europa) ocupam todas as posições de média gerência e não deixam espaço para as gerações seguintes. Durante os anos 1970, a mulher entra mais fortemente no mercado de trabalho, gerando alterações na malha de concorrência e preocupações com a carreira do casal. Isso significa que a mobilidade geográfica vai se tornando mais complexa porque as empresas passam a ter de se ocupar não só da carreira de seus empregados mas também da de seus cônjuges. 100 Nos anos 1980, o mercado sofre grandes transformações com a entrada do Japão como novo concorrente internacional. As organizações são pressionadas a dar respostas mais rápidas para o mercado, com mais qualidade e menor custo. Os pais ficam muito mais preocupados com a carreira de seus filhos. Esse conjunto de fatores pressiona tanto empresa quanto pessoas a pensarem em carreira. A produção dos anos 1980 vai naturalmente se especializando em uma literatura voltada para as pessoas, que apresenta temas como escolha de carreira, mercado de trabalho, formas de planejar a carreira, como negociar a carreira com a empresa, como se recolocar etc., além de em livros voltados para as organizações que abordam temas como estímulo e suporte ao autodesenvolvimento, estruturação de carreiras, acesso democratizado às oportunidades etc. A produção dos anos 1990 seguiu essa mesma tendência, ou seja, a segmentação da produção para as pessoas e para as empresas. Nesse período, o mercado de trabalho ficou mais exigente, globalizou-se e ganhou mais mobilidade. Com o crescimento do mercado de comunicações surgem novas e inesperadas carreiras. A discussão sobre � carreira ganha força nas escolas, nas empresas, nos sindicatos e na sociedade como um todo nos Estados Unidos e na Europa. No Brasil, essa discussão sobre carreira começou a fazer sentido somente nos anos 1990. Existem poucas empresas preocupadas com o tema, e boa parte das pessoas não pensa sobre o assunto. Enquanto nos Estados Unidos e na Europa há vasta literatura a respeito do tema, no Brasil a produção é escassa. Existem razões para acreditar que daqui para a frente haverá grande mudança nesse quadro devido ao desenvolvimento econômico do país e ao mercado de trabalho cada vez mais exigente. Para compreensão mais profunda da gestão de carreira, será didaticamente separada a apresentação do tema, primeiramente com a discussão sobre o papel da pessoa e depois sobre o papel da empresa. 3. O papel da pessoa na gestão de carreira Há, por parte das pessoas, uma natural resistência ao planejamento de sua vida profissional tanto pelo fato de encararem a trilha profissional como algo dado quanto pelo fato de não terem tido nenhum estímulo ao longo da vida. A resistência ao planejamento individual de carreira é ainda muito grande no Brasil, pois as pessoas tendem a guiar suas carreiras mais por apelos externos, como remuneração, status, prestígio etc., do que por preferências pessoais. Embora não existam até aqui pesquisas que confirmem essa afirmação, há a seu favor inúmeras constatações empíricas oriundas de eventos em que esse assunto foi discutido, intervenções em empresas e trabalhos com estudantes de nível superior. Acredita-se que tal quadro venha a ser modificado nos próximos anos graças a mudanças de postura e comportamento exigidas das pessoas pelas empresas e pelas pressões sociais ç econômicas. Observa-se ainda que, em momentos de crise e escassez de emprego, as pessoas tomam-se naturalmente mais preocupadas em 101 planejar suas carreiras, buscando conselhos, métodos e instrumentos que as ajudem no processo. De outro lado, verifica-se a empresa cada vez mais preocupada em estimular as pessoas a planejar suas carreiras. Os motivos que têm levado a isso são: A busca de posicionamento mais competitivo em seus mercados tem conduzido as empresas à redefinição do perfil exigido de seus recursos humanos. Tal perfil desloca-se da postura e do comportamento obedientes e disciplinados para a inovação e a capacidade de empreender. Essa situação, observada em todo o mundo, pôde ser comprovada no Brasil por pesquisa realizada pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da Universidade de São Paulo (USP) com 250 dirigentes empresariais no início de 1993. Observa-se que, de modo geral, a mudança de comportamento é de responsabilidade da pessoa, assim como seu desenvolvimento. Cabe à empresa estimular e oferecer todo o apoio necessário para que o indivíduo possa empreender seu desenvolvimento e sua carreira. Essa postura é cada vez mais identificada nas grandes organizações brasileiras. > O estímulo para que as pessoas planejem suas carreiras tem sido um instrumento importante para torná-las empreendedoras consigo próprias. O planejamento da carreira faz com que as pessoas reflitam sobre seu desenvolvimento e as posiciona para negociar � com a empresa. Tal prática é cada vez mais disseminada nos Estados Unidos, no Canadá e nos países europeus e é identificada em alguns países asiáticos e na Austrália, enquanto na América Latina é vista com menos freqüência. No Brasil, há poucos exemplos de empresas que estimulam e oferecem condições concretas para que as pessoas possam planejar a carreira. Além dos aspectos ligados aos estímulos gerados pela empresa, pode-se ante- ver maior pressão do ambiente social sobre as pessoas para que planejem suas carreiras. Tal antevisão é alicerçada nos seguintes argumentos: >Aumento da diversificação das oportunidades profissionais ocasionado pelos movimentos de maior complexidade organizacional e tecnológica das empresas, de revisão das estruturas organizacionais e de diversificação do mercado de produtos e serviços, o que exige das pessoas posicionamento cada vez mais consciente quanto à trajetória profissional. > Disseminação maior da idéia de que as pessoas são capazes de influenciar as próprias carreiras tanto no setor privado quanto no público. >Valorização social do contínuo crescimento, da mobilidade, da flexibilidade e da notoriedade. Esse tipo de valorização pressiona as pessoas a competir consigo próprias e a rever sempre suas expectativas e necessidades. Esses aspectos deverão criar a demanda crescente por um projeto profissional consciente, ou seja, por uma visão das possibilidades concretas de desenvolvimento profissional. Pesquisas demonstram que a ausência de um projeto profissional consciente leva as pessoas a situações cujos riscos mais comuns são: 102 > Armadilhas profissionais: cai-se em uma armadilha quando se executa um trabalho que demanda pouco dos pontos fortes e muito dos pontos fracos. Esse trabalho, na maior parte do tempo, gera grande desgaste e pouca satisfação, minando a energia, conduzindo a uma situação de estresse e inibindo o desenvolvimento. Existem dois tipos de armadilha: a que se percebe imediatamente e a que é notada vários anos após nela termos entrado, sendo esta muito pior que a primeira. Em um ambiente de grande competitividade profissional, cair em uma armadilha pode trazer muitas dificuldades ao processo de desenvolvimento. > Falta de foco: as pessoas só se incomodam com a carreira quando sentem desconforto profissional. O processo que envolve a instalação do desconforto profissional, a percepção, a ação de mudança e a saída da situação de desconforto demora de dois a cinco anos. Isso significa que, durante o período de desconforto, o autodesenvolvimento fica estagnado ou ocorre lentamente. > Alternativas restritas: visão limitada das alternativas de desenvolvimento profissional tanto na empresa quanto no mercado. O projeto profissional consciente minimiza tais riscos porque pressupõe uma visão de carreira de dentro para fora, ou seja, que a pessoa tome a si própria como referência para desenvolver seu projeto priorizando seus pontos fortes, o que gosta de fazer e o que faz bem. Para o estabelecimento de um projeto profissional podem ser utilizadas várias técnicas. As mais comuns são: Manuais de autopreenchimento, como os apresentados por Savioli (1991) e por Kotter, Faux e McArthur (em London e Stumph, 1982). Workshops de planejamento de carreira em que os participantes trabalham sua avaliação � individualmente e em grupo e discutem preferências e objetivos de carreira. Esses trabalhos podem gerar ainda insumos para uma continuidade de trabalho individual (homework) a ser confrontado com opiniões de familiares, amigos e, eventualmente, parceiros de empresa (Gutteridge em HaIl, 1986). Suporte de consultores especializados que utilizam um mix de técnicas que envolvem preenchimento de manuais de auto-avaliação e entrevistas de aconselhamento. Geralmente esse tipo de serviço está associado a uma exigência de empresas a seus empregados, quer visando a trabalhos de desenvolvimento, quer visando a trabalhos de recolocação (outplacement). Tal suporte pode ser dado por conselheiros da própria empresa ou contratados. As etapas de construção de um projeto profissional podem ser realizadas de diferentes maneiras. Um modelo que sintetiza de forma genérica as proposições de diversos autores para planejamento de carreira é apresentado por London e Stumph (1982). Segundo eles, o planejamento de carreira depende de três tarefas de responsabilidade do indivíduo. A primeira delas é a auto-avaliação, isto é, a avaliação das próprias qualidades, interesses e potencial para vários espaços organizacionais. A segunda diz respeito ao estabelecimento de objetivos de carreira, ou seja, a iden- 103 tificação de objetivos de carreira e de um plano realista baseado na auto-avaliação e na avaliação das oportunidades oferecidas pela empresa. A terceira refere-se à implementação do plano de carreira, que consiste na obtenção de capacitação e acesso às experiências profissionais necessárias para competir pelas oportunidades e para atingir as metas de carreira. London e Stumph afirmam que as pessoas podem conduzir seu planejamento de carreira de várias formas. Duas preocupações, porém, são essenciais: formar uma visão realista, clara e apurada das próprias qualidades, interesses e inclinações pessoais e estabelecer objetivos de carreira e preferências profissionais. A proposta desses autores apresenta-se esquematizada na Figura 1. Figura 1. Etapas do processo de planejamento de carreira A Figura 1 aponta como ponto de partida a auto-avaliação, o autoconhecimento. a partir daí que devem ser desenvolvidos os objetivos de carreira e o plano de ação para a consecução dos objetivos. Com base nesse exercício, será possível identificar as oportunidades de carreira. Naturalmente tais etapas são interativas, ocorrendo contínua influência entre elas ao longo do processo de planejamento de carreira. Pode-se estabelecer as seguintes etapas para a construção de um projeto profissional: > 1º passo — autoconhecimento: é, sem dúvida, a parte mais importante e difícil do processo, o saber-se, o conhecer-se, o olhar-se. As técnicas mais comuns são a análise de realizações, a análise de valores pessoais e a análise de personalidade. Pelo levantamento de realizações a pessoa percebe sua evolução e seus pontos fortes. O mapeamento de valores pessoais é efetuado usando-se parâmetros estabelecidos por pesquisadores como Edgar Schein (1990) e Derr (1988). A análise de personalidade é feita por testes de diversas origens. Os mais comuns são baseados em Jung. Informações sobre o tema podem ser encontradas em Casado (1998). > 2º passo — conhecimento do mercado: o mercado, dentro e fora da empresa, deve � ser sempre analisado observando-se as opções, as tendências, as limitações e as alternativas de desenvolvimento profissional. Verifica-se, por meio de pesquisas, que as pessoas orientam suas carreiras considerando o organograma da empresa ou seu plano de cargos e salários. Esse é umgrande equívoco, 104 pois o organograma e os cargos refletem o passado ou o presente. Quando se pensa em carreira a cabeça deve estar no amanhã, e não no ontem. > 3º passo — objetivos de carreira: uma parte significativa da literatura estimula as pessoas a iniciar sua reflexão estabelecendo objetivos de carreira. Isso, porém, pode conduzi-las ao risco de fechar demais o foco. Por exemplo: uma pessoa estabelece o objetivo de chegar ao cargo X na empresa Y em cinco anos, mas nem sequer é possível saber se a empresa Y e o cargo X existirão daqui a cinco anos. Portanto, utilizar-se de qualquer referencial extelno é perigoso, pois esse referencial sempre será movediço. O único referencial que não muda é o individual. A recomendação é procurar estabelecer objetivos centrados no aspecto pessoal utilizando-se de perguntas do tipo: “Como posso estar mais feliz profissionalmente daqui a cinco anos?” Para responder, é essencial o auto- conhecimento para saber o que fará a pessoa feliz profissionalmente. Recomenda- se ainda que os objetivos sejam pensados em todas as dimensões relevantes: familiar, social, pessoal, econômico-financeira etc. >4º passo — estratégias de carreira: uma vez definido o objetivo, a pergunta seguinte será: “Qual é a estratégia para alcançá-lo?” Rothwell e Kazanas (1988) propõem como principais estratégias o crescimento na empresa ou no mercado, a diversificação com a agregação de novas responsabilidades ou atribuições, a integração com a agregação de nova área de trabalho na empresa ou novas ocupações fora dela, a revisão com a desaceleração ou o reforço de determinadas áreas de atuação e, finalmente, a combinação de todas as estratégias. > 5º passo — plano de ação: após a definição da estratégia, é importante a elaboração de um plano de ação. O plano de ação deve conter metas de curto prazo, indicadores de sucesso, fatores críticos para o sucesso e uma avaliação dos recursos de tempo, dinheiro e aperfeiçoamento necessários. 6º passo — acompanhamento do plano: a avaliação dos resultados das estratégias de carreira deve ser um processo contínuo. Para isso, os objetivos ou metas fixados representam um padrão de mensuração essencial. Além disso, é importante avaliar a consistência das ações e dos próprios objetivos ou metas quanto a valores e interesses, demandas da empresa e da ocupação, demandas do ambiente, praticidade, disponibilidade de informações e recursos, compatibilidade com a vida familiar, lazer e interesses pessoais e nível dos riscos envolvidos. Muitas dessas questões não poderão ser respondidas com precisão, mas servirão para indicar necessidades de revisão do planejamento de carreira. Uma vez construído o projeto profissional, o processo seguinte é a negociação com a empresa. Nesse caso, quatro aspectos principais devem ser considerados. importante definir o posicionamento da empresa no projeto de carreira. A empresa pode estar ou não no projeto. Caso não esteja, é importante avaliar quais são as alternativas fora dela, tais como: mudar de empresa, montar um negócio, transformar-se em prestador de serviços, dedicar-se á vida acadêmica etc. A inclusão da empresa no projeto significa que é possível vislumbrar oportunidades. � 105 O segundo ponto é a avaliação de oportunidades. A empresa em geral não divulga formalmente as oportunidades. Muitas vezes, nem tem consciência de todas as oportunidades existentes. Portanto, é importante estar em constante avaliação da situação. As melhores fontes de informação são as pessoas, pois elas formam a rede de relacionamentos. É essencial também a avaliação dos requisitos exigidos, cuja clareza auxiliará na busca das posições nas quais há interesse e na definição do perfil adequado para ocupar tais posições. Por fim, a negociação com a empresa traz segurança à carreira. Isso significa que escolhas estão sendo feitas: sabe-se á que se quer e o que não se quer. À medida que as prioridades são definidas, investe-se naturalmente a energia nesse caminho, passa-se a ocupar espaços e a sinalizar com mais clareza o rumo a tomar. Outro aspecto fundamental quando se analisa o papel da pessoa é o processo de escolha da carreira e qual a dinâmica desse processo ao longo da vida. Essa questão tem sido pesquisada em vários campos das ciências sociais. HalI (1976) e Van Maanen (1977) procuraram analisar toda a produção dessa área até o final dos anos 1970. Segundo os autores, as teorias da escolha de carreira podem ser agrupadas em duas categorias gerais. A primeira delas é a compatibilidade, isto é, determinadas pessoas escolhem determinadas ocupações com base em medidas de compatibilidade entre a pessoa e a ocupação escolhida. A segunda refere-se ao processo de escolha, ou seja, a pessoa, ao longo de sua trajetória de vida, vai gradualmente chegando à escolha de sua ocupação. Dentro da categoria da compatibilidade, acredita-se que as pessoas estejam naturalmente preocupadas em escolher uma carreira que atenda a suas necessidades e seus interesses e que os expresse, uma vez que grande parte de suas vidas gira em torno do trabalho. A compatibilidade entre uma pessoa e sua carreira pode ser explicada por quatro características individuais: interesse, identidade, personalidade (valores, necessidades, orientação pessoal etc.) e experiência social (Hall, 1976). Essas teorias são fortemente embasadas, em sua elaboração e divulgação, em referenciais psicanalíticos e biológicos (Van Maanen, 1977). A categoria da compatibilidade dá maior ênfase a explicações sobre o que influencia a escolha da carreira, oferecendo uma visão estática da escolha, e menor ênfase à forma como se processa essa escolha e a seu motivo. Os autores que enfocam o processo de escolha procuram dar respostas a essas perguntas. De acordo com Ginzberg et al. (1951), o processo de escolha de uma carreira pode ser dividido em três estágios ao longo da vida de uma pessoa: >Estágio da fantasia: cobre o período da infância até os 11 anos. > Estágio das escolhas tentativas: geralmente dos 11 aos 16 anos e está baseado primeiramente em interesses e posteriormente em capacidades e valores. > Estágio das escolhas realistas: a partir dos 17 anos e geralmente subdividido em três períodos — exploração, no qual é examinada uma série de opções de carreira, cristalização, quando as opções começam a ser mais bem focadas, e especificação, período em que a pessoa escolhe uma carreira em particular. 106 � Durante a idade adulta, as pessoas podem viver vários ciclos de exploração, cristalização ou especificação de modo a encontrar a carreira que melhor se adapte a suas necessidades, interesses e habilidades. Tal processo pode arrastar-se além dos 30 anos nas pessoas que continuam investindo em seu processo educacional. Uma escolha mais definitiva da carreira ocorre por volta dos 40 anos, na chamada crise da meia-idade (HalI, 1976; Super e Bohn, 1972). Van Maanen (1977) afirma que a abordagem dos sociólogos tem sido bem diversa. Eles acreditam que diferenças de raça, classe, sexo, religião, nacionalidade, educação, família ou área de residência têm papel importante não só na escolha da carreira mas também na construção de expectativas. Dentre os sociólogos, destacam-se três categorias de abordagem: sociologia industrial, ocupacional e organizacional. Tais categorias influenciam-se mutuamente e são diferenciadas pelas questões que procuram responder, pelos modelos de análise empregados e pelo grupo de pessoas com que trabalham — sociologia industrial com operários, sociologia ocupacional com todos os membros de determinada atividade e sociologia organizacional com gerentes e profissionais dessa área (Salaman e Thompson, 1974). Os sociólogos contribuíram com uma visão crítica do processo de escolha de carreira analisando como as pessoas apreendem normas e valores de atuação no mundo do trabalho, como o status de uma ocupação influencia sua escolha e como a ideologia dá suporte a pequenas relações entre pessoas dentro de determinada carreira. 4. O processo de escolha de uma carreira A compreensão do processo de escolha da carreira por parte de uma pessoa é importante para entender o conjunto de pressões que pesam sobre ela na realização de seu planejamento. Para tanto, as contribuições oferecidas por Super (1957), Super e Bohn (1972) e Schein (1978) acerca de estágios de vida e sua influência sobre os processos de escolha e desenvolvimento de carreira são fundamentais. A psicologia vocacional desenvolveu em seus estudos os estágios de vida das pessoas e as expectativas de carreira (Super e Bohn, 1972), cuja realização se deu com registros de vários depoimentos. Super (1957) aponta os cinco estágios de vida — infância, adolescência, idade adulta, maturidade e velhice — catalogados nesse tipo de análise. No que tange às opções de carreira, a infância (até 14 anos) é uma fase de fantasia, enquanto a adolescência (15 a 24 anos) é caracterizada pela exploração, na qual a triagem de oportunidades de carreira é muito hesitante porque a pessoa não utiliza plenamente suas aptidões e seus interesses. É na idade adulta (25 a 44 anos) que a pessoa, devido aos compromissos sociais que assume, tende para a estabilização profissional. “O compromisso com uma profissão (ou com a família) tomase mais definido com o realismo produzido pela modificação das aspirações para a utilização das capacidades e para a busca de canalização dos interesses num mundo que já é, então, mais bem compreendido” (Super, 1957). O estágio de maturidade (45 a 64 anos) é apontado como a fase da permanência. Super estuda, entretanto, uma série de pessoas que vivetam processos de 107 mudança significativa em suas carreiras nessa fase. Tais casos são notados principalmente em função da turbulência vivida no ambiente profissional, o que obngou as � pessoas a estar em constante reciclagem de conhecimentos. São notados também em decorrência de mudanças na estrutura familiar, quando os filhos estão deixando o convívio dos pais, o que faz com que a mulher reveja seu papel e o casal suas relações. O estágio da velhice (após os 64 anos) é visto como uma fase de declínio das capacidades físicas e mentais, o que estimula os indivíduos a retirar-se gradativamente de sua atividade predominante durante a fase adultá e a de maturidade. Esses estágios, embora não ocorram de forma linear e uniforme em termos individuais, mostram que a relação das pessoas com a carreira sofre alterações ao longo do tempo. O comportamento das pessoas em relação à escolha e ao desenvolvimento da carreira segue padrões determinados por sua condição socioeconômica e racial, pelo sexo, nível de inteligência etc. Super (1957) agrupa tais determinantes em psicológicas, sociais e ambientais (guerras, ciclos econômicos, alterações tecnológicas, entre outras). Schein (1978) encara a questão da carreira como um processo de desenvolvimento da pessoa como ser integral. Argumenta que, para refletir sobre a carreira das pessoas, é preciso entender suas necessidades e características, que não estão ligadas apenas à vida no trabalho. São fruto, isso sim, da interação da pessoa com todos os espaços de sua vida. Nesse sentido, Schein acredita que as pessoas devem ser encaradas como parte efetiva de um mundo onde enfrentam múltiplos problemas e pressões. Na sociedade ocidental, tais pressões e problemas podem ser agrupados em três categorias: > Pressões e problemas decorrentes do processo biológico e social associado ao envelhecimento. De forma geral, relacionam-se à idade determinantes de natureza biológica, como alterações no corpo e alterações na capacidade física e mental, e de natureza sociocultural. Essa associação permite configurar um ciclo biossocial que irá influenciar o comportamento e as preferências das pessoas. > Outro conjunto de pressões e problemas é decorrente das relações estabelecidas entre a pessoa e sua família. Tal categoria apresenta características peculiares que a diferenciam da categoria biossocial (embora também possa ser associada a ela). As pressões aqui estão relacionadas à natureza da relação com a família e aos diferentes compromissos assumidos, como a condição de casado, solteiro, viúvo, separado ou divorciado, com filhos pequenos ou não, com filhos adolescentes ou não, com suporte financeiro e emocional a pais idosos ou não etc. Nessa categoria, também é possível definir um conjunto de pressões e problemas típicos das várias fases das relações estabelecidas com a família, configurando-se um ciclo familiar ou de procriação. >A terceira categoria está associada ao trabalho ou à construção da carreira. As pessoas têm domínio parcial sobre pressões e problemas decorrentes dessa categoria, uma vez que estes emanam de necessidades definidas pela sociedade, suas instituições econômicas, suas tradições e políticas educacionais etc. De 108 outro lado, a relação que as pessoas estabelecem com o trabalho ou com a carreira não sofre o determinismo das outras duas categorias, já que os indivíduos podem truncar, mudar ou alavancar a carreira. As relações que as pessoas estabelecem com sua ocupação ou com empresas formam também um ciclo a cujas etapas ou estágios podem ser associadas determinadas características. Os três ciclos são descritos na Figura 2. Percebe-se que há momentos na vida em que, devido à idade, relação profissional e situação familiar, as pessoas recebem grande conjunto de pressões. Esses momentos, apresentados na Figura 2, tendem a exercer grande influência nas decisões sobre projetos de vida pessoal e profissional. � Figura 2. Ciclos de influência sobre as pessoas Essas fases, ou ciclos, vêm sofrendo alterações nos últimos anos, motivadas basicamente por dois fatores: aumento da longevidade das pessoas e redução da oferta de empregos. Observa-se o aumento da expectativa de vida das pessoas graças aos avanços da medicina. Os futurólogos acreditam que as pessoas nascidas após o ano 2000 poderão contar com uma expectativa de vida de 120 anos. Tal afirmação está baseada em tendências como o contínuo avanço da medicina e a disposição da humanidade para investir cada vez mais em pesquisas ligadas à saúde e em formas de disseminar rapidamente as conquistas desse campo; o aumento da preocupação da humanidade com o meio ambiente e a busca de maior qualidade de vida; e a maior consciência das pessoas de si próprias, buscando manter sua integridade física, psíquica e social. Futurologias à parte, a maior longevidade não é algo episódico, mas uma tendência importante que influi decisivamente na vida e na construção de expectativas e projetos. Alterações importantes de padrões comportamentais em decorrência 109 disso já podem ser observadas: o ápice da carreira profissional, que era aos 40 anos, deslocou-se, nos países desenvolvidos, para os 50 anos. O mesmo fenômeno pode ser identificado no Brasil com pessoas da classe média e da alta: os planos de aposentadoria, que estabeleciam 55 anos como data-limite de retirada da vida profissional até meados da década de 1980, passaram a ser reformulados, uma vez que as pessoas, aos 55 anos, estão cheias de vitalidade. Por outro lado, a complexidade das empresas aumentou e elas necessitam de gente mais experiente. Além disso, não há sistema previdenciário, público ou privado, que suporte pessoas que contribuem durante trinta ou 35 anos e depois usufruem outros trinta ou 35 anos. As pessoas afinal não têm mais como objetivo de fim de vida o ócio. Pelo contrário, estão cada vez mais empenhadas em se tornar úteis e usufruir a vida. Quanto mais as pessoas têm consciência de si próprias, mais esse movimento se intensifica. O fator da longevidade é suficiente para rever alguns aspectos importantes de expectativas e projetos. Se anteriormente uma pessoa de 40 anos começava a pensar em aposentadoria, atualmente cultiva projetos de ascensão, de investimento em desenvolvimento pessoal e visualiza um largo horizonte à frente. A reflexão sobre tendências oferece munição para pensar com mais clareza sobre as possibilidades de desenvolvimento e seu dimensionamento no tempo. 5. O papel da empresa na gestão de carreira Quando as pessoas falam de planos de carreira, têm em mente projetos que deixam absolutamente claras as possibilidades de desenvolvimento profissional ou apontam com precisão esse horizonte. Associa-se, portanto, à noção de plano de carreira a idéia de uma estrada plana, asfaltada e bem conservada que, trilhada pela pessoa, a conduzirá ao sucesso, à riqueza e à satisfação profissional. Quando se olha para a realidade das empresas, verifica-se que a carreira é uma sucessão de acontecimentos inesperados de parte a parte, ou seja, tanto para a pessoa quanto para a empresa. Deve-se pensar a carreira, portanto, como uma estrada sempre em construção pela pessoa e pela empresa. � Desse modo, ao olhar para a frente, se verá sempre o caos a ser ordenado e, olhando-se para trás, será possível enxergar a estrada já construída. Uma empresa que administra de forma compartilhada as carreiras de seus profissionais terá diante de si várias estradas em construção. Para uma empresa que trabalha com centenas, milhares ou até dezenas de milhares de profissionais, seria impossível conciliar as diferentes expectativas de carreira dessas pessoas com as necessidades organizacionais sem diretrizes, estruturas de carreira ou instrumentos de gestão, isto é, sem um sistema de administração de carreiras. Tal sistema não deve ser entendido como uma moldura na qual as pessoas devem obrigatoriamente se encaixar, mas como a estruturação de opçôes, como forma de organizar possibilidades e como suporte para que seja possível planejar a carreira dentro da empresa. Diversos autores têm apresentado diferentes posições acerca da caracterização do sistema de administração de carreiras: 110 >Gutteridge (1986) caracteriza-o como um conjunto de instrumentos e técnicas que visam permitir a contínua negociação entre a pessoa e a empresa; >Walker (1980) considera o sistema um conjunto de procedimentos que permitem à empresa identificar as pessoas mais adequadas às suas necessidades, facultando a estas planejar suas carreiras e implementá-las; >London e Stumph (1982) procuram caracterizar o sistema na mesma linha adotada por Gutteridge, enfatizando, porém, as questões de planejamento e acompanhamento das necessidades da empresa; >Leibowitz et ai. (1986) caracterizam o sistema de administração de carreiras constituído de diretrizes, instrumentos de gestão de carreira integrados aos demais instrumentos de gestão de recursos humanos, estrutura de carreira e um conjunto de políticas e procedimentos que visam conciliar as expectativas das pessoas e da empresa. Com base na contribuição desses autores pode-se dividir o sistema de administração de carreiras, com o objetivo de melhor estudá-lo, nas seguintes partes: 5.1 PRINCÍPIOS O sistema deve estar assentado sobre princípios que representam os compromissos acordados entre a empresa e as pessoas. Embora possam ser revistos ao longo do tempo para ajustar-se a novas necessidades, está pressuposto que sua alteração seja lenta, uma vez que dificilmente ocorre uma situação em que todos os princípios sejam integralmente revistos a um só tempo. Os princípios garantem, portanto, a consistência do sistema de administração de carreiras ao longo do tempo. 5.2 ESTRUTURA DE CARREIRA A estrutura de carreira dá concretude ao sistema, uma vez que define a sucessão de posições, sua valorização e seus requisitos de acesso. Geralmente, ao desenhar uma carreira, se delineia sua estrutura — uma carreira em linha, uma carreira paralela em Y, uma carreira paralela múltipla etc. � 5.3 INSTRUMENTOS DE GESTÃO Os instrumentos de gestão dão suporte à relação contínua entre as pessoas e a empresa. São eles que garantem o nível de informação das pessoas em relação à empresa e vice- versa, estimulam e oferecem o suporte necessário para que a pessoa planeje sua carreira, permitem à empresa decidir sobre oportunidades de carreira e sobre a escolha de pessoas, garantem os espaços necessários para que pessoas e empresa negociem suas expectativas e sustentam a revisão contínua do sistema como um todo. 111 5.4 DEFINIÇÃO DE PAPÉIS Alguns autores simplificam o papel da empresa na administração de carreira reduzindo-o à estruturação de processos sucessórios, O papel da empresa é bem mais amplo e, para compreendê-lo, vamos dividi-lo em três categorias, conforme a natureza das decisões: >Definição estratégica: nesta categoria são agrupadas decisões ligadas à compatibilização do sistema de administração de carreiias com os princípios que balizam a gestão de recursos humanos e com as estratégias organizacionais e de negócios da empresa. Podem ser incluídas aqui decisões como conciliação entre desenvolvimento da empresa e das pessoas, definição de trajetórias de carreira e especializações importantes para a manutenção ou incorporação de vantagens competitivas, grau de liberdade dado às pessoas para efetuar opções de carreira e de compartilhamento das decisões sobre trajetórias profissionais e nível do suporte dado ao planejamento individual de carreira. >Definição do sistema de administração de carreiras: incluem-se nesta categoria decisões ligadas à configuração técnica do sistema. Tais decisões formam a base de funcionamento do sistema e devem, portanto, estar alinhadas com a definição estratégica. Podem ser incluídos na categoria: formatação e características das estruturas de carreira, níveis (degraus) dentro de cada estrutura e requisitos de acesso e escolha dos instrumentos de gestão a serem incorporados no sistema. >Definição da metodologia de concepção, implementação e atualização do sistema: se as decisões anteriores formam a base de funcionamento do sistema, as decisões abrangidas por essa categoria estabelecem seu funcionamento. A simples importação de modelos de administração de carreiras não torna efetivo um sistema. É necessário que sejam levados em conta a cultura da empresa, seu momento histórico e suas necessidades concretas. Assim sendo, o processo utilizado na concepção do sistema é fundamental. As decisões incluídas na categoria são: pessoas abrangidas pelo sistema e grau de envolvimento em sua concepção e implementação, nível de consenso sobre o atendimento das necessidades e expectativas da empresa e das pessoas pelo sistema, grau de compatibilização do sistema com os demais instrumentos de gestão de recursos humanos e timing de implementação do sistema. 6. Efetividade da carreira da pessoa e da empresa O compartilhamento das decisões sobre carreira apresenta-se como resposta às pressões sobre a organização para obter maior envolvimento das pessoas com o trabalho, torná-las mais responsáveis por seu futuro profissional e adequar o processo de seu desenvolvimento às necessidades da empresa. Entretanto, há um grande fosso entre � a idealização e a prática da gestão compartilhada de carreira, causado por resistências das pessoas e das empresas (Hail, 1986; Gutteridge, 1986). 112 Algumas pessoas percebem o desenvolvimento de carreira como responsabilidade primária ou exclusiva da empresa. Há quem ache que a ascensão na carreira é uma questão de sorte, bastando estar no lugar certo na hora certa. Por sua vez, outros acreditam que, para fazer carreira, devem pular de empresa em empresa, uma vez que “santo de casa não faz milagre”. Outras pessoas não vêem sentido em pensar no planejamento de carreira, uma vez que não é possível prever o futuro. E, finalmente, há aqueles que ao efetuar sua auto-avaliação, atitude inerente ao processo de planejamento de carreira, não têm coragem de encarar a si próprios ou relutam em fazer as mudanças necessárias ao plano de carreira. Nas empresas, a baixa apetência por mudanças é traduzida por expressões do tipo: “Nós sabemos o que é melhor para nossos empregados”, “Um sistema dessa natureza é muito custoso”, “Esse sistema pode despertar expectativas irreais em nossos empregados” etc. Além disso, há a resistência dos gestores em assumir o papel de mediadores entre as necessidades da empresa e as expectativas de seus subordinados, e a falta de legitimidade do sistema, devido à forma como foi desenvolvido e implementado, faz com que seja encarado como mais um modismo da empresa. Aliada a todos esses fatores, a resistência da empresa também se dá pela falta de persistência, com o abandono gradativo do sistema à medida que deixa de trazer resultados imediatos (segundo Hail e Gutteridge, são necessários pelo menos cinco anos para sua consolidação). Hali (1986) afirma que as resistências serão cada vez mais brandas à medida que as pessoas forem pressionadas a fazer uma revisão da própria posição em relação à carreira e que as empresas descobrirem o paralelismo que há entre seu sucesso e o sucesso das pessoas que para elas trabalham. Referências bibliográficas CASADO, Tânia. Tipos psicológicos: uma proposta de instrumento para diagnóstico do potencial humano nas organizações. São Paulo: FEA/USP, 1998. Tese de doutoramento. DERR, Clyde Brooklyn. Managing the new careerist. San Francisco: Jossey-Bass, 1988. GINZBERG, E. et ai. Occupacional choice: an approach to a general theory. New York: Columbia University Press, 1951. GUTTERIDGE, Thomas G. Organizational career development systems The state of the practice. In: HALL, Douglas 1. Career development in organizations. San Francisco: Jossey-Bass, 1986. HALL, Dougias 1. et ai. Career development in organizations. San Francisco: Jossey- Bass, 1986. _______ Career in organizations. 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New York: John Wiley & Sons, 19 WALKER, James W Human resource planning. New York: McGraw-Hill, 1980. AUTOR JOEL SOUZA DUTRA Professor-doutor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP), onde ministra cursos de graduação e pós- graduação. Tem mestrado na Fundação Getúlio Vargas e doutorado na FEA-USP Coordenador do curso MBA/RH e vice-coordenador do Programa de Gestão de Pessoas (Progep), ambos da FEA-USP Atua como administrador em níveis gerenciais e diretivos nas áreas de organização e de recursos humanos em empresas industriais de grande porte do setor metalúrgico e de informática. Trabalhou como consultor coordenando projetos nas áreas de planejamento estratégico, estrutura e desenvolvimento organizacional e sistemas de gestão de recursos humanos. É diretor-instituidor da Fischer & Dutra Gestão Organizacional e supervisor de projetos de pesquisa, consultoria e treinamento da Fundação Instituto de Administração, da FEA-USP Supervisionou projetos de capacitação para Grupo Abril, Unibanco, FMC e Brasilprev. 114 Gestão estratégica das relações de trabalho ARNALDO JOSÉ FRANÇA MAZZEI NOGUEIRA 1. Introdução � Este capítulo visa delimitar o campo da gestão das relações de trabalho com base num enfoque crítico e estratégico. Inicia-se por uma breve discussão do conceito de relações de trabalho e pela análise dessas relações sob dois pontos de vista: da gestão e dos gestores das organizações e do trabalho e das organizações dos trabalhadores. Discute a questão dos sistemas de relações de trabalho em alguns países de referência e sua configuração no Brasil. Relaciona as mudanças recentes dos paradigmas do trabalho e da gestão e conclui indagando sobre a pertinência da gestão estratégica das relações de trabalho. O objetivo deste capítulo, portanto, é contribuir com a formação de competências dos agentes de gestão das relações de trabalho nas empresas, nos sindicatos, no governo e nas organizações da sociedade civil. 2. Conceito de relações de trabalho O conceito de relações de trabalho abrange o conjunto de arranjos institucionais e informais que modelam e transformam as relações entre capital e trabalho em suas diversas dimensões na complexa formação 115 social e econômica capitalista, cuja totalidade está determinada pelo modo de produção das mercadorias, isto é, pela contradição entre o desenvolvimento das forças produtivas tecnológicas e do trabalho e as relações sociais de produção. Por estar no campo das relações sociais, as relações de trabalho são influenciadas por costumes, tradições, ideologias, culturas e, em especial, pelos valores atnbuídos à categoria trabalho, originários das sociedades que ingressam de forma particular no capitalismo universal. As relações de trabalho, apreendidas desse modo mais complexo, distinguem-se da noção de relações industriais, muito difundida nos Estados Unidos e na Inglaterra, cujo significado abrange apenas o sistema de normas e regulamentação das relações de trabalho dentro de uma visão estática e normativa que aspira à estabilidade e à ordem social, omitindo assim a questão essencial da contradição e do conflito entre capital e trabalho, que imprime a dinâmica de mudança das relações de trabalho ao longo do tempo. Ainda, do ponto de vista conceitual, observa-se que as relações de trabalhc não se restríngem à noção de relações trabalhistas, dado o corte jurídico e normativo dessa concepção, geralmente definida em texto de lei ou legislação trabalhista € social, assunto da especialidade do advogado e do direito social e do trabalho. Tampouco à noção de relações interpessoats no trabalho, que abrange dimensões individuais e comportamentais, assuntos da especialidade da psicologia organizacional e comportamental. Três pressupostos são essenciais para a atualização do conceito de relações de trabalho como relações entre forças sociais contraditórias: as relações entre proprietários e não-proprietários dos meios de produção continuam a prevalecer mesmo com o >advento da informação, do conhecimento e da imaterialidade nos processos organizacionais e empresariais; > o trabalhador assalariado é livre para vender sua força de trabalho, realidade contradítória incontestável porque, caso não consiga vender sua força de trabalho, deixa de ser livre para viver; � >a produção de bens e serviços, apesar de coletiva e social, marcada pela interdependência complexa e internacional dos setores de produção material e imaterial, as chamadas cadeias produtivas, continua determinada em última instância, em contrapartida, pela apropriação privada dos resultados e concentrada em pequenos grupos proprietários e gestores. Em uma única frase: nunca houve, como hoje, tanta concentração de riquezas e de renda em parcelas minoritárias da sociedade, o que reforça o caráter contraditório dos sistemas e das formas de trabalho do capitalismo contemporâneo. Permanece a desigualdade na origem da relação social estabelecida entre agentes antes do exercício do trabalho na organização e, com efeito, ainda predominam na organização o domínio e a subordinação do trabalho com respeito ao capital. Convém observar, de um lado, o surgimento de novas formas precárias de trabalho e, de outro, os deslocamentos imigratórios em busca de trabalho, cuja mobilidade e liberdade no campo internacional, tanto incentivada no passado, hoje tem sido coibida e reprimida em plena universalização do regime de salariado. 116 A novidade principal reside nas relações de trabalho estabelecidas nos proces sos organizacionais e de trabalho chamados imateriais, informacionais e subjetivos, nos quais aparentemente ocorre uma individualização e autonomização do trabalho das pessoas. Na verdade, verificam-se a interface e a dependência direta dessas atividades com relação às cadeias produtivas complexas e baseadas na tecnologia micro- eletrônica, de hardware e software. Assim, as relações de trabalho, como arranjos formais e informais entre capia tal e trabalho, têm uma dinâmica determinada pelos conflitos otiundos da estrutu) ração da sociedade capitalista, cuja visualização e entendimento são dados através de um recorte das dimensões micro, meso, macro e hipermacro sociais, que serão estudadas a seguir. Introduzir a problemática da gestão estratégica das relações de s trabalho e informar sobre as competências essenciais para lidar com esse campo tem como requisito básico o conhecimento dessas dimensões, de acordo com a par ticularidade das sociedades e economias nacionais, nas quais variam as dimensões que são mais ou menos determinantes na configuração das relações de trabalho. A dimensão microssocial abrange o local de trabalho, o processo de trabalho, a empresa ou a organização, nos quais se estabelecem políticas de recursos humas nos e gerenciais baseadas em filosofias e culturas organizacionais. Consideram-se também, nessa dimensão, as novas relações de trabalho estabelecidas com as organizações formais, desde a subcontratação, a terceirização, o trabalho parcial e temporário até o trabalho informal. A dimensão mesossocial abrange principalmente as agências de mediação dos trabalhadores e dos empresários, tais como sindicatos, associações, federações, os setores empresariais e as cadeias produtivas. É o espaço dos arranjos e sociais e institucionais que ultrapassa os limites da empresa ou organização e exige da gestão uma visão setorial e estratégica que articule tanto o ambiente e interno quanto o externo. A dimensão macrossocial abrange os arranjos do Estado, as políticas públicas e sociais, a legislação social e trabalhista, o Parlamento e as relações entre forças políticas, que representam campos de força cujas decisões interferem na sociedade e na economia como um todo, em particular no mercado de trabalho, na distribuição de renda, no custo da força de trabalho, na regulamentação das condições a gerais do trabalho etc. Exige da � gestão uma visão macroestratégica capaz de abranger cenários sociais, políticos e institucionais complexos. Uma quarta dimensão poderia ser introduzida como hipermacrossocial global devido à globalização das economias, à atuação das empresas transnacionais, aos arranjos dos blocos internacionais, como União Européia, Mercosul, Alca, e ao papel cada vez mais relevante das agências internacionais, como OIT, ONU, FMI e OMC. Cenário particularmente interessante, nessa dimensão, ocorreu com a realização simultânea em janeiro e fevereiro de 2001, respectivamente, do Fórum Social Mundial de Porto Alegre, que reuniu organizações sociais, ONGs, sindicatos e movimentos alternativos, entre outros, e do Fórum Econômico Mundial de Davos, que reuniu as principais lideranças econômicas do mundo, com alguma participação de organizações sociais. Outras questões conflituosas das relações de trabalho têm mostrado sinais de que problemas corporativos, setoriais e regionais estão 117 sendo encaminhados e decididos de forma global, ou seja, nas matrizes das empresas. O caso da Multibrás, no primeiro semestre de 2001, e o caso da Volkswagen, no segundo semestre do mesmo ano, ambos envolvendo o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, são exemplos relevantes. 3. As relações de trabalho na perspedíva da gestão e dos gestores A gestão, em geral concebida de forma pragmática, significa a tomada de decisões sobre os recursos para atingir objetivos e compreende as funções de planejamento, organização, direção e controle. A palavra-chave na gestão das relações de trabalho é controle. As tentativas, as formas e os processos de controle sobre a força de trabalho caracterizam a gestão das relações de trabalho ao longo da História. Do passado aos dias de hoje, apesar de ser visto como a característica básica das relações de trabalho, o controle sobre a força de trabalho também pode ser considerado o problema principal desse tipo de relação no sentido de garantir, por meios inter- pessoais, científicos, burocráticos, comportamentais e tecnológicos, a transformação da força de trabalho alienada (comprada) em produtiva para o capital. A organização capitalista tem origem na passagem do artesanato à manufatura, no contexto da transição do feudalismo ao capitalismo. Consolida-se com a fábrica moderna ou a grande indústria, organizações típicas da fase concorrencial e competitiva do capitalismo, cuja expansão desemboca na empresa moderna concentrada, unidade típica da fase monopolista do capitalismo. A internacionalização crescente da empresa moderna produtiva cria as condições para a emergência do fenômeno da globalização ou mundialização, termos contemporâneos que indicam a mobilidade flexível do capital em uma economia cada vez mais informacional, imaterial e de serviços. O controle e a transferência do saber e do agir operário para a gerência foram a principal tarefa da escola científica de gestão centrada na dimensão econômica e salarial. Para administrar o processo organizacional e as relações de trabalho, após a separação do planejamento e da execução do trabalho, o foco era a recompensa material e salarial oferecida pela organização formal. O pressuposto da identidade de interesses entre empresa e empregado reforçava esse ideal de eliminação do conflito. Em seguida, a ênfase desloca-se para a dimensão social, na qual o trabalhador é � reconhecido como pessoa com necessidades sociais, como estabelecer relações informais integradoras, sentir-se bem no grupo, envolvimento e reconhecimento social. Assim, também pressupondo-se a identidade de interesses, a eliminação do conflito dar- se-ia gradativamente pela expansão da produtividade e do bem-estar na empresa e na sociedade. As escolas de gestão (estruturalistas, comportamentalistas e sistêmicas) desde então passam a responder com mais sofisticação aos problemas sociais do trabalho e, com algumas diferenças entre si, entendem a natureza humana como adaptativa às organizações e funções, admitem a existência do conflito entre capital e trabalho, sugerem recompensas mistas (sociais e econômicas) para sua administração e propõem uma organização cooperativa e sistêmica aberta ao ambiente. A abordagem sis- 118 têmica de gestão com a finalidade de buscar maior adaptação da empresa ao ambiente entende que o subsistema social de valores, papéis e comportamentos deva estar funcionalmente integrado com o subsistema técnico. O ideal da integração funcional acaba por prevalecer sobre qualquer perspectiva relacional. É nesse contexto de predominância da teoria dos sistemas aplicada a todas as esferas da sociedade que a noção de sistema de relações de trabalho ganha também maior sentido. Destacam-se ainda, no campo da gestão, dois tipos de abordagem: a sociotécnica e a contingencial. A primeira introduz o problema de forma muito mais adequada: o sistema social influenciado por normas, valores e aspirações tem eficiência real, enquanto o sistema técnico tem apenas eficiência potencial — isso pressupõe que o grupo social deve ser consultado e participar das escolhas para uma interação mais adequada entre empresa e ambiente. A segunda abordagem introduz as contingências da tecnologia e do ambiente nas escolhas organizacionais dos modelos de gestão das organizações e da organização do trabalho e das relações de trabalho: o modo semi-artesanal, o modo burocrático, tayloristalfordista, o modo baseado no enriquecimento de cargos e o modo dos grupos semi-autônomos. Daí por diante, os modelos de gestão da força de trabalho tendem à descentralização e ao participacionismo com a formação dos grupos semi-autônomos, das células de manufatura, do trabalho de equipe, dos círculos de controle de qualidade, o que em síntese se entende como a passagem do paradigma fordista para o toyotista, até o limite da produção enxuta determinada pela introdução intensiva das tecnologias microeletrônicas. A função de recursos humanos como subsistema da gestão evoluiu, e muito, dentro desse processo de mudanças: desde a antiga função de pessoal, passando pela formação do departamento de recursos humanos, até assumir posição sistêmica e estratégica na empresa, habilitando-se de forma crescente a lidar com a gestão das relações de trabalho. No momento em que a função de RH assume o modelo sistêmico — como resultado da integração funcional dos subsistemas de suprimento, aplicação, manutenção, desenvolvimento e avaliação — está completo o ciclo de crescimento, independência e autonomia relativa, e o RH já está habilitado a disputar um papel estratégico na gestão da empresa moderna e a lidar mais diretamente com a gestão das relações de trabalho. A abrangência dos assuntos internos de cada subsistema de. recursos humanos no fundo pretende estabelecer controle total e sistêmico sobre a força de trabalho no nível da empresa, o que também significa uma estrutura de alto custo. A gestão de pessoas como � desdobramento desse processo, nesse contexto, assume um compromisso maior com a individualização da relação de trabalho e com a reestruturação da área. Enfim, muitas empresas modernas vincularam a área de relações trabalhistas ou de relações industriais à diretoria (ou vice-presidência) de recursos humanos. Não se trata, aqui, de recolocar “os pingos nos is” na discussão (Fischer, 1985), mas há ainda hoje certa confusão entre relações de trabalho e função de recursos humanos. Há uma resistência enorme dos representantes de RH em compreender sob uma perspectiva relacional a configuração de sua área de atuação, ou seja, como agente e resultado complexo de relações sociais de trabalho. 119 Essa perspectiva relacional implicaria compromisso muito maior com a democratização da empresa e com uma negociação mais ampla das atribuições da área de RH comparativamente às praticas ainda em vigência. De todo modo, arrisca-se projetar uma nova função para a gestão de pessoas: na imagem da figura de um pêndulo representado pela função da gestão de pessoas, em que o pólo do trabalho está à esquerda e o pólo do capital à direita, propõe-se alterar o movimento do pêndulo, quase sempre atraído pelo pólo extremo do capital, para o sentido do pólo do trabalho. Isso implicaria repensar a gestão do trabalho abstrato, a força de trabalho como mercadoria, a coisficação do humano, para outra gestão, centrada nas pessoas propriamente ditas. Em outras palavras, significa buscar o caminho da integralidade do ser humano, tendo-se em vista a qualidade de vida e a realização do ser que trabalha. Essa utopia, entretanto, também pressupõe outras transformações na organização econômica, social e política das sociedades, ainda desconhecidas. 4. As relações de trabalho na perspectiva do trabalho e dos trabalhadores Eis a outra parte do problema dos processos de controle das relações de trabalho: as organizações e as ações coletivas dos trabalhadores, em particular o sindicalismo. No tópico anterior, foram examinadas a forma de organização do capital inscrita nas escolas e as abordagens da gestão. Além disso, foi apresentada uma pequena introdução a respeito dos novos papéis da função de RH em face dos problemas existentes nas relações de trabalho. A questão ainda não discutida refere-se à causalidade e ao sentido das mudanças de gestão. É evidente que a concorrência e a competitividade entre as empresas, a necessidade de realização e de expansão do capital e dos negócios, o desejo de aperfeiçoamento técnico e de desenvolvimento tecnológico, entre outros aspectos objetivos, apresentam a necessidade de mudanças na gestão das organizações. No entanto, o que se deseja enfatizar é o papel central da contradição entre trabalho e capital, em especial no momento em que as ações e organizações coletivas dos trabalhadores são desenvolvidas e pressionam por mudanças nos padrões das relações de trabalho e de gestão. Toda a estrutura montada para gerir as relações de trabalho na era contemporãnea do capitalismo, isto é, durante o século XX, entendido por I-lobsbawm (1995) em um dos seus últimos livros como a era dos extremos, está na proporção direta da atuação da mais importante organização dos trabalhadores: o sindicato e suas diversas formas de organização. Em contrapartida, a dessindicalização da força de trabalho está na razão � direta da desregulamentação, da flexibilização, da precarização do trabalho e das novas configurações das relações de trabalho, na maioria das vezes inseguras e instáveis. A questão central que se propõe, desde o nascimento e a consolidação dos sindicatos como agentes de mediação e controle da força de trabalho, é seu significado para o cotidiano do trabalho nas organizações. Isso quer dizer o que significam as relações de trabalho sem e com a representação sindical. 120 O sindicato adquiriu poder semelhante ao da empresa ao longo do século XX. Transformado em objeto de estudo da sociologia do trabalho, da economia do trae balho, da teoria das organizações e da ciência política, representa também o prin cipa e mais estável instrumento de ação, luta e organização dos trabalhadores. O Muitas outras formas de organização surgiram nas lutas trabalhistas, tais como comissões de fábrica, conselhos de empresa e representantes de fábrica, embora não tenham sobrevivido com o mesmo vigor se comparadas aos sindicatos. O sindicato é sobretudo um fenômeno do capitalismo e unia organização de defesa do valor da força de trabalho no mercado capitalista. Nesse caminho, o sindicato se desenvolveu nas dimensões da união, associação e solidariedade dos trabalhadores na organização da luta econômica, salarial e social, nas dimensões políticas e ideológicas desde o anarquismo, do reformismo social e cristão até o socialismo e o comunismo, das dimensões da consciência de classe ou de agente de mediação para a luta política. O sindicato é uma forma de associação e organização social duplamente determinada: de um lado por aspectos externos, como os processos econômicos, industriais, tecnológicos, de gestão, político-ideológicos, sociais e culturais, e de outro pela própria dinâmica interna como organização socialmente delimitada com capacidade de desenvolver relações, estratégias, orientações próprias e de mudar a sociedade. As metamorfoses mais importantes dos sindicatos, da economia ao patamar da política, foram a formação do sindicato corporativo e profissional e sua transformação em sindicato de indústria, de massa e de todos os trabalhadores (qualificados e não-qualificados) e a passagem do sindicalismo de confronto e de oposição para o sindicalismo de controle e de participação. Ocorrem, a partir de então, a institucionalização e a burocratização dos sindicatos com a emergência da democracia industrial e com a introdução de mecanismos de participação e co-gestão, principalmente após a Segunda Guerra Mundial, transformando-os em verdadeiras máquinas de negociação social e política. O chamado pacto fordista, keynesiano ou social-democrático foi fechado entre os sindicatos e os partidos políticos que detinham praticamente o monopólio da representação da classe trabalhadora. Assim, há a expansão dos sindicatos nos segmentos dos serviços e nas classes médias em um cenário cada vez mais de serviços e menos industrial, isto é, em uma sociedade muito mais organizada e preparada para lidar com os conflitos sociais, institucionalizando as lutas de classes com a criação de canais de negociação e participação. O resultado dessa perspectiva foi a predominância da lógica instrumental da economia sobre a política, que contribuiu com a inclusão dos trabalhadores na democracia social capitalista, mas não desenvolveu a perspectiva mais ampla de transformação e emancipação presente nas origens do sindicalismo. Em certo sentido, as cúpulas e as direções sindicais, nesse processo, acabam por se distanciar dos trabalhadores de base e não têm interesse em desenvolver alternativas de organização. Engessados e institucionalizados, os sindicatos não resistem á crise sistêmica iniciada na década de � 1980. A crise do sindicalismo é conseqüência das mudanças ocasionadas pela terceira revolução industrial e pela reestruturação produtiva e tecnológica conduzida 121 pelo pólo do capital em detrimento do mundo do trabalho. Na sociedade contemporânea, o efeito disso pode ser observado nos dados sobre a queda de sindicalização, a queda de cobertura dos contratos coletivos sindicais, a crise política e ideológica com a derrocada do socialismo real, o refluxo das greves e das mobilizações sindicais, a multiplicação de novos movimentos sociais e de organizações sociais das chamadas minorias, o pluralismo de idéias e a polêmica discussão da perda da centralidade da categoria do trabalho na forma de pleno emprego ou de emprego de oito horas de jornada. Veja a esse respeito as resenhas produzidas por este autor sobre os livros de Antunes (1995 e 2000). Observando-se a evolução do sindicalismo, é facilmente perceptível o fato de que no pólo do trabalho ocorre um problema semelhante em relação ao pólo de gestão, apesar das contradições, em termos de concepção de mundo: nesse segmento, os sindicatos também não foram capazes de avançar em uma concepção emancipadora do trabalho, o que significaria considerar a dimensão social determinante sobre a econômica, a idéia de humanizar cada vez mais as relações de trabalho no sentido II de superar uma visão instrumental, coisifi cada, alienada e estranhada do trabalho. Hoje os desafios para a recuperação dos sindicatos colocam-se nos seguintes termos: serão capazes de romper barreiras entre os trabalhadores “estáveis” e os precarizados, desempregados, terceirizados? De transformar o sindicalismo de participação e envolvimento? De superar o corporativismo de categorias? De estruturar um sindicalismo horizontal e romper com a burocratização e de recuperar um projeto de emancipação? 5. Sistemas de relações de trabalho Já discutidas as questões da gestão e do trabalho, argumentar-se-á sobre os sistemas de relações de trabalho. Ainda que a idéia de sistema não seja a preferida para discussão, é impossível fugir ao desafio. Antes, porém, fazem-se necessárias algumas considerações. Foi Hyman (1981) que realizou importante discussão teórica e conceitual sobre as abordagens conservadoras das relações industriais que se utilizam da noção de sistema. Essas abordagens tiveram o mérito de elaborar uma teoria sobre as relações industriais. Utilizaram a noção de sistema de relações que priorizava a verificação da institucionalização das normas e das regras, preocupadas que estavam com a manutenção da ordem geral da sociedade em detrimento da existência de interesses particulares que concorriam e disputavam na prática os espaços do trabalho. A contraposição a essa tendência conservadora seria encarar a noção de sistema incorporando-se a existência de forças e processos contraditórios que ocasionam tanto estabilidade temporária quanto instabilidades como conseqüência dos conflitos laborais, além de entender a regulamentação do trabalho. A crítica de Hyman à noção de sistema de relações industriais ou de trabalho considera que tal concepção perde de vista as estruturas de poder e de interesses, bem como a dinâmica social, econômica e política da sociedade. Por outro lado, acaba 122 � por se converter em coisificação do social ao ignorar as práticas humanas definidoras das relações sociais de trabalho no cotidiano. Esse também é um problema da perspectiva da gestão estratégica das relações de trabalho quando pnoriza o controle e o interesse instrumental pelos resultados econômicos em detrimento das necesis sidades e aspirações sociais do trabalho. Feitas as ressalvas, neste ponto é importante discutir o significado de sistema de relações de trabalho na teoria e na prática, o que implica examinar como são estabelecidas as regras, as normas e as instituições das relações entre trabalho e capital. Qual o papel dos antagonistas sociais diretos e do Estado na configuração do sistema? De que maneira as dimensões definidoras das relações de trabalho participam da configuração de um sistema? Quais instituições permanecem e quais são obsoletas? Por que, para quem, em que momento, em que contexto? Pode-se falar hoje em dia em sistema de relações de trabalho? A dinâmica dos sistemas de relações de trabalho é em geral definida por questões como negociação, acordo, contrato, reivindicação de salário, condição de trabalho, jornada de trabalho, benefício, introdução de novas tecnologias, políticas de qualificação e de demissão, garantia de representação e participação sindical, entre outras. Cada país, entretanto, estabelece seu sistema de regras de acordo com suas realidades e com as práticas e o jogo de forças entre os agentes privados e públicos. Um ponto de partida dessa análise reside na formação de uma visão geral dos países capitalistas avançados, como Estados Unidos, Japão, Alemanha, França, Itália e Grã- Bretanha, entre outros. Apesar da característica semelhante entre esses países na adoção de um sistema de relações de trabalho baseado na livre negociação e na contratação do trabalho sem a intervenção direta nem a tutela do Estado, na realidade ocorrem diferenças paradigmáticas entre eles. Pelo menos três padrões diferenciados podem ser visualizados: primeiro, o sistema de relações de trabalho no qual predomina a dimensão microssocial, que se refere à relação direta entre trabalho e capital no âmbito da empresa, com a presença ou não do sindicato. É o caso de Estados Unidos, Japão e Inglaterra. O caso americano e o inglês apresentaram uma dessindicahzação crescente das relações de trabalho nas últimas décadas e o caso japonês é o paradigma do sindicalismo de empresa. Segundo, o sistema de arranjos sociais amplos, no qual a dimensão mesossocial das agências de mediação — arranjos sindicais setoriais e nacionais — é predominante. É o caso de Suécia, Itália e Espanha. E terceiro, os sistemas de relações mais burocratizados, institucionalizados e politizados nos quais predominam a dimensão macrossocial, política e ideológica. É o caso da França e da Alemanha. O sistema alemão de co-gestão e previdência e o caso da política de redução da jornada de trabalho para 35 horas na França na forma de lei podem servir de exemplo. A negociação e a contratação coletivas podem ser consideradas as características mais gerais dos sistemas de relações de trabalho. Em um sistema negocial, mais descentralizado, as partes sociais em disputa, ou seja, os antagonistas sociais — trabalho e capital — estabelecem com maior autonomia e independência as regras do sistema, criando uma herança, uma cultura, uma tradição e um acúmulo de experiências e ajustes dos conflitos e das contradições no âmbito da empresa ou estabelecimento. 123 � Diferentes são as negociações e contratações coletivas setoriais e nacionais, que abrangem as relações entre sindicatos de trabalhadores e o setor empresarial por inteuo, representado por associações ou sindicatos patronais, que estabelecem regras e regulamentações válidas por certo período. E ainda negociações de caráter político, que envolvem o estabelecimento de regras abrangentes e válidas para um país inteiro e geralmente abarcam sindicatos nacionais, centrais sindicais e partidos políticos que, por pressão, conseguem criar ou alterar leis ou instituições. No contexto atual, independentemente do sistema adotado, as tendências de mudanças ocasionadas pela era da acumulação flexível (Harvey, 1992), baseadas na divisão do mundo do trabalho — entre o trabalho regular e o irregular, o trabalho formal e o informal, o sindicalizado e o não-sindicalizado, o trabalho estável e o temporário, o contratado e o subcontratado, o trabalho de tempo integral e o de tempo parcial —, impõem novos desafios para as relações de trabalho. Tanto as instituições trabalhistas estatizadas ou institucionalizadas quanto os arranjos negociados diretamente estão ameaçados. A impressão que se tem é de uma força estrutural que pressiona para a desregulamentação geral das relações de trabalho. Uma hipótese a ser discutida, em parte já realidade, é a inadequação da noção de sistema de relações de trabalho vis-à-vis a diversidade, a heterogeneidade e a complexidade das relações de trabalho. Talvez o mais adequado fosse definir “mundos diversos do trabalho” como as relações específicas de trabalho fragmentadas do ponto de vista estrutural. Qualquer perspectiva unitária ou de reunificação desse conjunto diverso e heterogêneo, no sentido da formação de uma consciência de classe trabalhadora, estaria sobretudo determinada pelo campo da política ampla e pública. 6. Sobre o sistema brasileiro de relações de trabalho A especificidade do sistema brasileiro de relações de trabalho está na persistência do regime tutelar baseado no controle e na intervenção do Estado sobre as relações entre trabalho e capital. O sentido essencial da criação do sistema e da legislação trabalhista era garantir, por meio do controle e da regulamentação das relações de trabalho, a acumulação e a modernização capitalista em sua fase de industrialização. Desde os anos 1930, as iniciativas do governo Vargas com a criação do Ministério do Trabalho e em seguida no campo da legislação trabalhista tinham nítida vocação corporativista, cuja característica essencial era o controle sobre a ação dos trabalhadores e suas organizações. No auge do Estado Novo, em 1943, foi criada a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que define as características básicas do sistema legal e oficial de relações de trabalho. As peças básicas que compõem a CLT são: Normas Gerais e Especiais de Tutela do Trabalho, Contrato Individual de Trabalho, Organização Sindical, Convenções Coletivas de Trabalho, Processos de Multas, Justiça do Trabalho, Ministério Público do Trabalho e Processo Judiciário do Trabalho. Ao longo das décadas de 1950 e 1960, muitas outras iniciativas na forma de decretos e medidas legais foram responsáveis pela revisão e adequação da legisla- 124 ção ao contexto socioeconômico e político mais geral. E, particularmente nos anos 1960, a criação do Sistema Único de Previdência Pública e do Fundo de Garantia por Tempo de � Serviço completou a organização do sistema. Portanto, criou-se um sistema único federal, centralizado e formal em um meio heterogêneo. O fato é que a CLT representava ao mesmo tempo atraso e modernização de acordo com a diversidade de situações de trabalho no Brasil. Um sistema ambíguo que reconhecia e regulamentava os direitos sociais do trabalho, mas inibia as lutas trabalhistas e sindicais por melhores condições salariais e de trabalho. Por outro lado, protegia os empregadores do conflito, mas gerava a falta de cumprimento da legislação por parte deles (os motivos iam desde o alto custo da contratação do trabalho até uma cultura de desprezo e desrespeito pelo trabalho alheio, cujas raízes são históricas), o que acionava permanentemente a função fiscalizadora e judiciária do aparato estatal do trabalho. É possível verificar o funcionamento do sistema oficial de relações de trabalho baseado na CLT desde o início até o fim de um contrato formal e individual de trabalho. A legislação social — Previdência Social, Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, férias, décimo terceiro salário, cobertura por acidentes e doenças etc. — estabelece uma relação de dependência com o vínculo empregatício. O controle e a proteção do trabalhador individual estendem-se á esfera coletiva de uma categoria ou setor econômico, cuja atualização das condições de trabalho depende dos arranjos negociais, por meio de acordos e convenções coletivas de trabalho, cujo processo, definido em lei, nunca poderia subtrair direitos já definidos na lei maior. O problema social maior ocorre, como se sabe, quando cessa o contrato de trabalho, pois todo o edifício de proteção social tende a desmoronar, provocando a chamada precanzação e degradação do trabalho e produzindo a informalidade e a economia subterrânea. Enfim, o sistema oficial de relações de trabalho no Brasil tem uma imagem de rigidez devido a esse caráter corporativista, fiscalizador e de estrutura complexa de controle e organização, dependente do Estado, sem liberdade plena para os sindicatos, sem a livre contratação e negociação entre as partes, bastante diferente dos sistemas utilizados nos países capitalistas avançados, como foi estudado anteriormente. De outro lado, revela-se o caráter de proteção social importante no mundo de hoje. Do ponto de vista histórico, o efeito desse processo foram a inibição do nível microssocial — empresarial e organizacional — para desenvolver e criar formas de gestão das relações de trabalho de acordo com a emergência dos conflitos nas organizações, a definição de um sistema de relações burocratizado e controlado entre os sindicatos e os setores empresariais e a predominância da dimensão macroinstitucional determinada pelo controle do Estado sobre as partes, o que levou a uma acomodação generalizada em relação ao sistema (sua longevidade é uma das provas desse argumento). As mudanças nesse cenário iniciam-se com a transição da ditadura para a democracia e as relações dialéticas do processo com as relações de trabalho. Emergem um novo sindicalismo e um padrão mais descentralizado de relações de trabalho, principalmente nos pólos avançados e dinâmicos do capitalismo brasileiro. A Constituição de 1988 representou uma inflexão nesse processo na medida em 125 que estabeleceu alguns princípios democráticos no interior do sistema. No entanto, garantiu a permanência de institutos do passado, mantendo em grande parte a tutela e o controle sobre as relações de trabalho dada pela permanência do papel antigo da Justiça do Trabalho, da estrutura sindical corporativista baseada no monopólio e na unicidade da representação entre outras instituições tutelares. O resultado foi a configuração de um sistema híbrido de relações de trabalho, que permanece até os dias de hoje, � acrescentado de medidas flexibilizadoras e desregulamentadoras estabelecidas na década de 1990. A seguir, descrevem-se as principais fases do sistema brasileiro de relações de trabalho, relacionadas com a estrutura e a ação dos sindicatos: Antes de 1930: > Autonomia sindical e ausência de liberdade sindical. >A qustão operária e trabalhista era caso de polícia. 1930-45: >Montagem gradual da legislação trabalhista e sindical corporativista. >Institucionalização da estrutura sindical oficial. >Controle dos sindicatos pelo Estado. >Criação da CLT, em 1943 1946-63: >Período de redemocratização e persistência do corporativismo trabalhista. >Dinamização, mobilização e participação crescente dos sindicatos oficiais na vida política nacional. >Politização do sindicalismo. 1964-77: >Golpe militar e repressão aos sindicatos. >Exclusão política dos trabalhadores. >Fim da estabilidade e criação do FGTS. 1978-87: >Renascimento do movimento sindical e surgimento do novo sindicalismo. >Explosão das greves. >Criação das centrais sindicais. >Implementação da negociação coletiva direta. >Presença das comissões de fábrica. � >Sistema híbrido de relações de trabalho. 1988-94: >Nova Constituição e liberaçização restritas dos sindicatos. >Livre associação sindical no setor público. >Fim da intervenção no Ministério do Trabalho nos sindicatos. >manutenção do corporativismo. >Unicidade sindical. >Monopólio de representação. >Justiça do trabalho. >Introdução da flexibilização nas relações de trabalho. 1995-2000: > Avanço da flexibilação das relações de trabalho. >Explosão do trabalho informal e da precarização do trabalho. >Terceirização do trabalho. >Aumento do trabalho temporário e autônomo. > Crise do sindicalismo. Para compreender as mudanças no sistema brasileiro de relações de trabalho, é necessário que fatores importantes sejam observados: >fatores econômicos, relacionados com a transição da inflação para a estabilização da moeda, com a abertura de mercado e a globalização; >fatores tecnológicos e padrões de gestão, relacionados às mudanças tecnológicas da automação e criação de sistemas flexíveis de acumulação, à introdução parcial da gestão participativa baseada nos CCQs — células e trabalho em grupo —, como alternativas da gestão baseada na rotinização e na variante brasileira do taylorismo e do fordismo; 126 >fatores políticos relacionados à democratização e à Constituição de 1988 e à derrocada do socialismo real, com a queda do Muro de Berlim no plano internacional; > aspectos propriamente sindicais, tais como a organização do novo sindicalismo, a consolidação das centrais sindicais como interlocutoras dos trabalhadores e a divisão do � sindicalismo em várias vertentes. Desde a introdução do Plano Real (após 1994), novas questões que antes não figuravam no cenário entram em pauta no cotidiano das organizações, muitas vezes sem o concurso das negociações efetivas, o que, além da novidade, demonstra o predomínio dos interesses do capital sobre o trabalho. Essas questões referem-se à competitividade global, à qualidade dos processos, à produtividade e à reestruturação produtiva, bem como à flexibilização das relações de trabalho com a adoção da jornada flexível, o banco de horas com redução e aumento da jornada de trabalho, a participação nos lucros, os programas de demissão voluntária, a terceirização e a subcontratação. Evidentemente existem setores nos quais essas inovações passam por processos de negociação coletiva e pelo poder de barganha das partes em questão, como no caso paradigmático do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. Expenéncias como as das câmaras setoriais, das comissões de fábrica, das negociações de processos de reestruturação produtiva, das câmaras privadas de entendimento e, atualmente, das câmaras voluntárias de conciliação amenizaram ou mesmo amorteceram crises maiores nas relações entre trabalho e capital no caso brasileiro. O papel do governo também se altera substantivamente porque, apesar das oscilações, a orientação geral do Ministério do Trabalho é favorável às reformas no sentido da desregulamentaçâo e da flexibilização das relações de trabalho, cujos marcos seriam: a reforma sindical (fim do imposto sindical obrigatório, fim da uni- cidade e instalação do pluralismo sindical), a valorização dos mecanismos de mediação nas questões trabalhistas, a diminuição dos recursos à Justiça do Trabalho e a substituição de mesas- redondas das DRTs por câmaras privadas e públicas de conciliação, a redução do custo da contratação do trabalho etc. No plano judiciário, não são ínfimas as decisões contrárias aos interesses dos trabalhadores quando o Tribunal Superior do Trabalho impede decisões de aumentos salariais dos Tribunais Regionais do Trabalho ou intervém em greves e conflitos atribuindo multas exorbitantes aos sindicatos, por exemplo. O sentido mais geral das mudanças do sistema brasileiro de relações de trabalho no atual contexto político, social e econômico aponta para um conteúdo nitidamente liberalizante até o ponto no qual o negociado pode prevalecer sobre o legislado. Uma série de medidas tomadas durante os últimos governos desde 1994 — entre as quais participação nos lucros e resultados, desindexaçâo salarial, rejeição da Convenção 158 da OIT, que limita a demissão de trabalhadores, cooperativas profissionais, contratação por tempo determinado, trabalho em tempo parcial, banco de horas, suspensão temporária do trabalho, garantia de emprego com redução do FGTS, reformulação da organização sindical e reformulação da Justiça do Trabalho com a introdução de mecanismos de mediação e conciliação de conflitos 127 individuais — flexibilizou a própria CLT, representando uma forte desregulamentação com efeitos nefastos de precarização das condições de trabalho e de emprego. Dessa forma, as relações entre capital e trabalho estão longe de atingir o equilíbrio e tendem a reproduzir com maior gravidade a desigualdade e a injustiça sociais no mundo do trabalho. É nesse aspecto que se desenvolve, no âmbito do fim do segundo governo de Fernando Henrique Cardoso, a luta entre trabalho e capital mediada pelo Estado, na figura do Ministério do Trabalho, cuja proposta visa flexibilizar a CLT no sentido de que o negociado � prevaleça sobre o legislado. Enfim, há uma pressão significativa para imprimir mudanças no sistema de relações de trabalho — em grande parte desfavorável ao pólo do trabalho. O momento não favorece os sindicatos, que vivem uma crise estrutural que abrange aspectos financeiros, poder de atração para a sindicalização, diminuição das bases trabalhadoras devido às reestruturações organizacionais e aos deslocamentos do capital e uma crise de natureza subjetiva que envolve a política, a ideologia e a cultura na relação entre tendências sindicais e entre dirigentes e bases. Para a formulação de um sistema de relações de trabalho mais democrático no Brasil será preciso reorganizar e revitalizar as forças do mundo do trabalho, e os sindicatos terão importante papel a desempenhar no sentido de ampliar seu poder de representação e negociação, horizontalizar sua estrutura, diminuir a enorme pulverização e fragmentação atual, unificando dentro das possibilidades as lutas trabalhistas, globalizar e mundializar suas atividades. 7. Mudanças nos paradigmas da gestão e do trabalho Os novos tempos devem ser os espectadores do aprofundamento das alterações nos processos de produção e circulação de mercadorias, produtos e serviços, com a aplicação intensiva da ciência e da tecnologia, orientada pela acumulação de capital cada vez mais flexível e mundializada. Assim, os padrões de gestão das empresas devem buscar maior flexibilidade, competitividade, inovação, conhecimento e redução de custos para desenvolver os negócios. Contudo, tanto as empresas quanto outras organizações sociais encontrarão dificuldades de desenvolvimento devido a problemas sociopolíticos que poderão criar limites enormes no que se refere à dimensão da demanda. Curiosamente, no interior dessa “nova” ordem nunca se falou tanto em pessoas, gestão de pessoas, competências e talentos pessoais e organizacionais, aprendizagem, ética e responsabilidade social. Tudo indica que, no âmbito do novo paradigma de gestão das organizações, ocorre um conjunto de ações inovadoras e destrutivas de processos, modos e estruturas de trabalho anteriores, articuladas com um complexo de justificativas morais e sociais para firmar no nível subjetivo, ou mesmo superestrutural e ideológico, a dominância do tal paradigma. Nessa “nova” ordem, muitos são os efeitos e os desafios para os trabalhadores e para as relações de trabalho em qualquer canto do mundo. A objetividade e a subjetividade do trabalho foram afetadas profundamente. Assim, alteraram-se tanto as 128 práticas de trabalho, redefinindo-se as condições, o ambiente, o mercado, o perfil das ocupações, o emprego e a renda, quanto as identidades políticas e ideológicas do trabalho, as imagens e o próprio sentido do trabalho e as relações entre capital e trabalho em cada organização, nas cadeias produtivas e na sociedade. A nova realidade, sintetizada na figura do trabalhador hifenizado (trabalho-parcial, trabalho-temporário, trabalho-casual, trabalho-por-conta-própria, trabalho- em-casa etc.), vem acompanhada, em geral, da precarização e degradação das condições de trabalho e renda. A expansão da força de trabalho ferfiinina está relacionada com tal figura e tem sido alvo de maior exploração e desvalorização nos setores industriais e de serviços. Acentuam-se as dificuldades de ingresso dos mais jovens e de permanência dos mais � velhos nos mercados de trabalho. Quadros técnicos, gerentes e executivos de empresas, como os demais assalariados, em suas diferenças, vivem situações de instabilidade semelhantes. No setor público, a privatização, o controle dos gastos públicos e o arrocho salarial têm provocado constantes ameaças às condições de vida e trabalho do funcionalismo, apesar dos mecanismos legais e corporativos de proteção. Enfim, a heterogeneidade, a fragmentação e a complexidade do mundo do trabalho combinam-se com o aumento da insegurança, da instabilidade e do estresse nesse campo. As organizações sindicais e os partidos políticos, outrora atuantes na defesa econômica e política dos trabalhadores, não estão conseguindo manter o poder de intervenção conquistado, o que aumenta cada vez mais os flancos do trabalho. As empresas privadas, agentes e pacientes do acirramento da competição, promovem com maior velocidade a destruição criativa de processos, estruturas, tecnologias organizacionais e postos de trabalho. Os efeitos práticos disso são mudanças velozes nas cadeias produtivas e de serviços com a emergência de novos setores e a obsolescência dos antigos. Alguns exemplos podem ser mencionados para ilustrar esse processo: >a Amazon, maior empresa do mundo de comércio virtual, adquiriu uma carteira de clientes de 10,7 milhões em quatro anos de vida, enquanto as tradicionais redes brasileiras de lojas Mappin e Mesbla quase se extinguiram não fossem os arranjos de aquisição por um grande grupo varejista; >a Brastemp, do grupo Multibrás, fechou as portas de suas fábricas no ABC, liquidando mais de mil postos de trabalho, e se instalou em Joinville. Os governos dos estados, envergonhados e oscilantes na desmontagem do bem-estar social, sentem-se pressionados pelos mercados competitivos e, contraditoriamente, atuam na manutenção e na desestruturação da ordem social e institucional construída no passado recente. O terceiro setor, composto de organizações não-lucrativas e não-governamentais, apesar do crescimento e da relevância na promoção de ações sociais, comunitárias e coletivas diversas (ver a título de exemplo estudo de Rifkin, de 1995, sobre o fim do emprego e a instigante discussão sobre o terceiro setor como a aurora pósmercado e suas possibilidades de elaboração de um novo contrato social), apresen- 129 ta limites organizacionais, estruturais e financeiros e procura compensar fragmentariamente, com base na iniciativa privada e social, as lacunas deixadas pelo mercado e pelo Estado nas esferas culturais, sociais e ambientais, essenciais à qualidade de vida das pessoas. Os novos paradigmas do sistema capitalista comprimiram tempo e espaço dentro da lógica maníaca de busca de resultados e desempenho. Em outros termos, aprofundou-se a contradição entre a racionalidade, baseada no avanço do conhecimento, da ciéncia e da tecnologia, e a irracionalidade, baseada na perda de controle pessoal dos processos, ocasionando o aumento do risco e da insegurança sociais. Nesse contexto, toma-se difícil imaginar a manutenção de sistemas de relações de trabalho, o que paradoxalmente ameaça a ordem geral da sociedade, outrora fundada no trabalho, pois não se sabe se está preparada para uma desestruturação dessa magnitude. Observe-se passagem lapidar de Sennett (1999), que aborda a preocupação com a corrosão geral do caráter e dos impactos da flexibilidade na vida social contemporânea: A cultura da nova ordem perturba profundamente a auto-organização. Pode separar a experiência flexível da ética pessoal estática […], pode separar o trabalho fácil, superficial, � da compreensão e do empenho […], pode tornar o constante correr riscos um exercício de depressão. […] A mudança irreversível e múltipla, a atividade fragmentada podem ser confortáveis para os senhores do novo regime, […] mas podem desorientar os servos do regime. E o novo ethos cooperativo do trabalho em equipe instala como senhores os “facilitadores” e “administradores de processo”, que fogem ao verdadeiro compromisso com seus servos. Quer dizer que o antes era melhor? Nenhum de nós poderia desejar o retomo da segurança — […] era claustrofóbica […] —, seus termos de auto-organização eram rígidos. Numa visão de longo prazo, embora a conquista de segurança pessoal servisse a uma profunda necessidade prática e psicológica no capitalismo moderno, essa conquista custava um alto preço. Uma debilitante política de antigüidade e direitos por tempo de serviço governava os trabalhadores sindicalizados […]; continuar esse estado mental hoje seria uma receita de autodestruição nos atuais mercados e redes flexíveis. O problema que enfrentamos é como organizar as histórias de nossas vidas agora, num capitalismo que nos deixa à deriva. 8. Considerações finais Este capítulo termina com uma indagação: é possível a gestão estratégica das relações de trabalho? Diante do que já foi estudado, a resposta parece evidente: é possível gerir as relações de trabalho quando se articulam diversas dimensões complexas, e isso requer visão estratégica, do micro ao contexto macroglobal, para compreender os arranjos institucionais e informais de regulação que interferem nas relações sociais e entre classes sociais, grupos e indivíduos em situação de trabalho. Na medida em que o planejamento foi separado da execução do trabalho, a gestão das relações de trabalho se impõe e permeia todo o processo sistêmico de trabalho desde o ingresso no mercado de trabalho, o recrutamento e a seleção em uma 130 organização e o processamento nas organizações até a dispensa do trabalhador da organização através de desligamento ou demissão. Aqui cessa a responsabilidade da gestão da organização, apesar de que o retomo ao mercado de trabalho no caso do trabalhador ativo é inevitável, como desempregado, trabalhador informal, precário e temporário, ou a situação define-se pela inatividade, como o aposentado. O problema central é o estabelecimento dos parâmetros de avaliação da qualidade desses processos comparativamente às diversas realidades nacionais e suas relações no campo internacional. Aqui se poderia indagar sobre a tendência para uni sistema global de relações de trabalho baseado em princípios ou parâmetros universais de justiça, direitos e liberdade. Entretanto, torna-se difícil pensar nesses termos à medida que o capitalismo se movimenta em busca de vantagens comparativas e competitivas. Por outro lado, do ponto de vista qualitativo e da efetividade, a questão é complexa. A gestão das relações de trabalho no contexto capitalista não deve recorrer à idéia da eliminação do conflito, determinado que está pela dialética e contradição entre capital e trabalho. O máximo atingível é a cooperação instável por algum tempo, dependendo das habilidades e competências dos agentes envolvidos nas dimensões micro, meso e macrossocial e, cada vez mais, global. � Outro caminho mais radical e — por que não dizer? — utópico seria responder à indagação de forma negativa. No contexto capitalista, não há possibilidade de gestão positiva das relações de trabalho porque, sem a transformação radical do sistema, a gestão confunde-se com a dominação do capital sobre o trabalho. Nesse sentido, uma concepção avançada de gestão de pessoas pressuporia o pós-capitalismo? É possível um sistema de trabalho no qual existam a superação das pessoas como recursos e ainda relações sociais de produção em relações de trabalho não alienadas e não estranhadas? Em que consistiria um novo processo de gestão de pessoas diverso da tergiversação sobre a velha administração de recursos humanos? A gestão de RH em nada escondia a finalidade de tornar o ser humano um recurso como unidade de medida e a força de trabalho uma mercadoria. Agora a gestão sem o componente do controle, voltada para a melhoria da qualidade de vida das pessoas e em busca do sentido substantivo do trabalho cotidiano, seria bem diferente. Recomendação final: para uma fertilíssima discussão do assunto relações de trabalho na economia de serviços no paradigma americano, recomenda-se o filme Bread and roses (Pão e rosas), dirigido por Ken Loach. Alguém disse que no século XX a degradação do trabalho iria se estabelecer. Essa é uma verdade maior para os imigrantes da nova economia americana (o que hoje tem o pomposo nome de diversidade social, étnica e racial), em particular para a força de trabalho feminina. Nele se vê também o papel do sindicato e da militância sindical, trazendo a velha questão da consciência de classe em si, categoria hoje tão desprezada, e da qualidade de vida dentro e fora do trabalho, isto é, dentro de um edifício de escritórios em Los Angeles e fora, na comunidade imigrante dos hispânicos. Apesar do drama e da tragédia de alguns personagens, o filme tem final feliz, do jeito americano, com a comemoração da conquista da abertura de negociações entre a empresa contratante dos serviços temporários, os trabalhadores do sindicato e os faxineiros desempregados do edifício. Bom filme! E é sempre importante elaborar um relatório com suas impressões. 131 Referências bibliográficas ALVES, E. (Org.) 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Autor de livros, capítulos, vários artigos e resenhas na área de sociologia do trabalho. � 132 Aprendizagem e gestão do conhecimento MARIA TEREZA LEME FLEURY MOACIR DE MIRANDA OLIVEIRA JUNIOR 1. Introdução Organizações que enfrentam condições de incerteza, ambientes em mudança e intensa competição devem ser capazes de aprender e, ao fazê-lo, desenvolver novos conhecimentos. Já se tomou lugar-comum afirmar que o recurso mais valioso das organizações em um cenário de mudanças e crescente complexidade são as pessoas. Temas como capital humano, capital intelectual, inteligência competitiva e gestão do conhecimento vêm se tomando palavras de ordem nas organizações, com diferentes significados e implicações. Todo processo de aprendizagem e criação de novo conhecimento começa no nível individual, isto é, nas pessoas. São as pessoas o ponto de partida e de sus- tentação para a ação estratégica da organização em seu dia-a-dia. Esses temas tomam-se cada vez mais importantes em razão do ambiente competitivo em que se inserem as organizações. Do ponto de vista da competitividade das empresas, a perspectiva dominante — a análise da indústria, que tem em Porter (1986) seu principal representante — vem sendo confrontada com a chamada visão da empresa baseada em recursos (Wernerfelt, 1984; Barney, 1991, entre outros), que afirma que os recursos e as competências da empresa são os principais determinantes de sua vantagem competitiva. 133 Tal visão tem duas implicações relevantes para os estudos de aprendizagem e gestão do conhecimento. Primeira, o reconhecimento de que recursos implicam ativos tangíveis e intangíveis. Conjuntos de habilidades e conhecimento, desenvolvidos através de processos de aprendizagem, são ativos que desempenham um papel estratégico na “economia do conhecimento”. Segunda, à medida que os recursos específicos da empresa recebem maior atenção, questões relacionadas a como eles podem ser desenvolvidos tornam-se cada vez mais relevantes e decorrem de processos de aprendizagem (Moingeon e Edmondson, 1996). O conhecimento desempenha um papel central e estratégico nos processos econômicos, e os investimentos nos ativos intangíveis crescem mais rápido do que os investimentos nos ativos físicos ou tangíveis. Países, empresas, pessoas com mais conhecimento são mais bem-sucedidos, produtivos e reconhecidos. O objetivo deste capítulo é propor o debate dos conceitos de aprendizagem e gestão do conhecimento, no intuito de clarificar idéias e encaminhar discussões práticas, através do processo de aprendizagem e gestão do conhecimento que as organizações podem desenvolver as competências necessárias para a realização de sua estratégia competitiva (Fleury e Fleury 2000). � 2. Recuperação do conceito de aprendizagem A aprendizagem pode ser entendida como um processo de mudança provocado por estímulos diversos e mediado por emoções que podem ou não produzir mudança no comportamento da pessoa. Para muitos especialistas, existe uma distinção entre o processo de aprendizagem, que ocorre dentro do organismo de quem aprende, e as respostas emitidas pelo indivíduo, as quais podem ser observáveis e mensuráveis. Dentro dessa concepção, há duas vertentes teóricas em que, basicamente, os modelos de aprendizagem se sustentam: >Modelo behaviorista: tem como principal foco o comportamento, que pode ser observado e mensurado. Nesse caso, planejar o processo de aprendizagem implica concebê-lo como passível de observação, mensuração e réplica científica. >Modelo cognitivo: enfoca tanto aspectos objetivos e comportamentais quanto aspectos subjetivos. Leva em consideração as crenças e as percepções dos indivíduos, que influenciam seu próprio processo de apreensão da realidade. As discussões sobre aprendizagem em organizações enraízam-se mais fortemente na perspectiva cognitivista, enfatizando, porém, as mudanças comportamentais observáveis. 3. Aprendizagem organizacional Em uma organização, o processo de aprendizagem pode ocorrer em três níveis: > Nível do indivíduo: é o primeiro nível do processo de aprendizagem. Está carregado de emoções positivas ou negativas, por meio de caminhos diversos. > Nível do grupo: a aprendizagem pode vir a constituir um processo social partilhado pelas pessoas do grupo. 134 >Nível da organização: o processo de aprendizagem individual, de compreensão e interpretação partilhados pelo grupo, torna-se institucionalizado e se expressa em diversos artefatos organizacionais, como estrutura, regras, procedimentos e elementos simbólicos. As organizações desenvolvem memórias que retêm e recuperam informações. Peter Senge (1990), em seus textos sobre aprendizagem organizacional, comenta que o ser humano vem ao mundo motivado a aprender, explorar e experimentar. Infelizmente, a maioria das instituições sociais é orientada mais para controlar o indivíduo do que para propiciar-lhe condições de aprendizagem; recompensa o desempenho das pessoas pela obediência a padrões estabelecidos, e não por seu desejo de aprender. Senge foca inicialmente o indivíduo, seu processo de autoconhecimento, de clarificação de objetivos e projetos sociais. Em seguida, esse foco se desloca para o grupo e, finalmente, através do raciocínio sistêmico, para a organização. Senge procurou construir guias de ação que visam ao desenvolvimento da aprendizagem organizacional por meio do conhecimento e explicitação dos modelos mentais individuais, de grupo e da construção de projetos coletivos. Utilizando a idéia de modelos mentais de Senge, Daniel Kim (1993) analisou a passagem da aprendizagem individual para a coletiva. O autor divide o processo de aprendizagem em dois níveis: >Aprendizagem operacional: consiste na aquisição e no desenvolvimento de habilidades � físicas para produzir ações (know-how). >Aprendizagem conceitual: ocorre com a aquisição e o desenvolvimento da capacidade para articular conhecimentos conceituais sobre uma experiência (know-why). Embora o conhecimento operacional seja essencial para o funcionamento de qualquer organização, cada vez mais tem de estar associado ao conhecimento conceitual. Os dois processos têm de ocorrer em todos os níveis da organização, ou seja, não deve haver fronteiras rígidas entre os quadros operacionais, que detêm apenas o conhecimento operacional, e os quadros diretivos, que detêm o conhecimento conceitual, superando-se, assim, a concepção taylorista entre aqueles que pensam e aqueles que fazem. O quadro a seguir resume algumas das principais definições de aprendizagem organizacional. Aprendizagem organizacional é um processo de identificação e correção de erros (Argyris,1992) Aprendizagem organizacional significa im processo de aperfeiçoar as ações pelo melhor conhecimento e compreensão (Fiol e Lyles, 1985). Organizações que aprendem são organizações capazes de criar, adquirir e transferir conhecimentos e modificar seus comportamentos para refletir esses novos conhecimentos e insights (Garvin, 1993). Uma organização está continuamente expandindo sua capacidade de criar o futuro (Senge, 1990). 135 Senge apresenta o processo de aprendizagem como um ciclo contínuo, composto de três conjuntos de elementos: aptidões e habilidades, conhecimentos e sensibilidades, atitudes e crenças. Figura 1. Ciclo de aprendizagem proposto por Senge A partir do desenvolvimento de novas habilidades e aptidões, altera-se a compreensão dos indivíduos sobre a realidade. Novos conhecimentos e sensibilidades são então incorporados, modificando seus modelos mentais, compostos de “idéias profundamente arraigadas, generalizações ou mesmo imagens que influenciam - nosso modo de encarar o mundo e nossas atitudes” (Senge, 1994). Novas crenças e atitudes, baseadas na interpretação da realidade, poderão surgir, enriquecendo esse mecanismo e estimulando o desenvolvimento contínuo de habilidades e aptidões, retroalimentando o sistema, que se transforma em um ciclo reforçador. As etapas de ação e reflexão realimentam-se mutuamente. A geração e a aplicação de conhecimento ocorrerão a partir da seqüência contínua dessas etapas. A aprendizagem adquire uma dimensão organizacional quando o ciclo de aprendizado individual se amplia para a dimensão da organização. Nas organizações, há um processo permanente de mudança, e ele se dá com a mobilização contínua dos ciclos de aprendizagem individual e organizacional, caracterizando o estabelecimento da dinâmica de aprendizagem constante. � 4. Circuitos de aprendizagem O tema da aprendizagem organizacional ganhou notoriedade a partir do início da década de 1990, principalmente após a publicação dos trabalhos de Peter Senge. Os estudos sobre aprendizagem organizacional, no entanto, já eram recorrentes na área de administração desde a década de 1970. Chns Argyris e Donald Schõn, em parceria, são responsáveis por alguns dos textos seminais sobre aprendizagem organizacional. A contribuição mais disseminada de Argyris e Schõn (1974, 1978) diz respeito ao conceito de circuitos de aprendizagem, que trata de como os pressupostos que orientam o comportamento dos indivíduos e grupos nas organizações podem ser alterados em um processo de aprendizagem organizacional. 136 Um aspecto fundamental para a melhoria de desempenho e para o sucesso das organizações é a forma como tratam suas experiências, positivas ou negativas, e como mantêm ou mudam suas diretrizes para a ação organizacional, incorporando essas experiências. Argyris e Schõn (1978) afirmam que nas organizações o processo que as habilita a encaminhar suas políticas ou a atingir seus objetivos pode ser chamado de aprendizagem em circuito simples. Os autores citam o exemplo de um termostato, capaz de “aprender a sentir” quando está muito quente ou frio e, ao receber essa informação, produzir uma ação corretiva. Quando o processo questiona as bases para a ação, que estão explicitadas nos objetivos e políticas organizacionais e às vezes em normas de conduta não escritas, pode ser chamado de aprendizagem em circuito duplo. Voltando ao exemplo do termostato, Argyris e Schõn afirmam que, se além de detectar o problema o termostato pudesse questionar as razões pelas quais os problemas (erros) estão ocorrendo, ele estaria desenvolvendo o processo em circuito duplo. Schõn (1983) empresta de Ashby (1940) o conceito de circuito simples e duplo no sentido de distinguir o grau de profundidade e extensão em que as mudanças organizacionais incursas se constituem em aprendizagem. No circuito simples, um feedback conecta o erro/problema detectado à sua estratégia de ação, enquanto as normas que sustentam a ação são mantidas inalteradas. Como exemplo, ele cita uma falha na produção, a partir da qual seus membros instituem um novo sistema de trabalho extraordinário para conduzir a produção de volta ao nível desejado. Já a aprendizagem que ocorre no circuito duplo liga o erro ou problema detectado às estratégias de ação e às normas pelas quais as ações são avaliadas. Utilizando o mesmo exemplo, quando o trabalho extraordinário realizado pelo grupo não surte o efeito desejado e os problemas tomam a ocorrer, é necessário rever algumas questões mais profundas, os pressupostos ou os valores fundamentais adotados pelo grupo. Por exemplo: “Nossas metas são realistas?” “Estamos avaliando adequadamente nossos concorrentes?” “Nossas estratégias mercadológicas são as mais adequadas?” “Definimos adequadamente nossos segmentos-alvo?” Com base nas respostas a essas perguntas, devem ocorrer mudanças nos pressupostos que orientam as ações dos grupos nas organizações. Uma aprendizagem em circuito duplo implica uma profundidade e amplitude de mudanças bem superior àquela que pode ocorrer em circuito simples. Em outro trabalho, Argyris (1992) afirma que o circuito simples resolve os problemas visíveis, porém não soluciona a questão mais básica de por que os problemas existem. � No circuito duplo, diz o autor, primeiro é necessário alterar os pressupostos ou valores fundamentais que governam as ações, ou seja, deve-se aprender uma nova teoria aplicada. A Figura 2 ilustra bem os dois conceitos de aprendizagem. Argyris explica que, para que os membros da organização desenvolvam a capacidade de produzir circuitos duplos, é necessário desenvolver antes uma cultura que premie ações dessa natureza, em que os problemas fáceis e rotineiros, que não requerem monitoramento de longo prazo para sua efetivação, sejam tratados como aspectos inerentes às atribuições dos indivíduos na organização, com a autonomia devida e prevista nas organizações que aprendem. Em ambientes turbulentos, a capacidade de aprender nos dois níveis toma-se ainda mais relevante (Oliveira Jr., 1996). 137 figura 2. Circuito simples e circuito duplo de aprendizagem Entretanto, foi a partir da divulgação dos trabalhos de Peter Senge sobre as chamadas learning organizations, ou organizações que aprendem, que o tema ganhou destaque, extrapolando o mundo acadêmico. É evidente, porém, que um pesquisador/consultor, por mais prestigiado que seja, não consegue por si só deflagrar uma nova onda de pensamento na administração se ela não encontrar ressonância e for consistente com as necessidades das empresas naquele momento histórico. E foi justamente isso o que aconteceu com esse conceito e com as propostas de desenvolvimento de dinâmicas de aprendizagem nas organizações. É por intermédio do processo de aprendizagem que a organização pode desenvolver as competências essenciais ao seu posicionamento estratégico. O processo de aprendizagem está intimamente ligado à gestão do conhecimento nas empresas, como se verá mais adiante. 5. Aprendizagem e gestão do conhecimento As organizações podem não ter cérebros, mas possuem sistemas cognitivos e memórias e desenvolvem rotinas, ou seja, procedimentos relativamente padronizados para hdar com problemas internos e externos. Tais rotinas vão sendo incorporadas na memória organizacional. As mudanças em processos, estruturas ou comportamentos não seriam, por si sós, indicadores de que a aprendizagem realmente aconteceu: é necessário também que esse conhecimento sej a recuperado pelos membros da organização. O conhecimento é um recurso que pode e deve ser gerenciado para melhorar o desempenho da empresa. Ela, portanto, precisa descobrir as formas pelas quais o processo de aprendizagem organizacional pode ser estimulado e investigar como o conhecimento organizacional pode ser administrado para atender às suas necessidades estratégicas, disseminado e aplicado por todos como uma ferramenta para o sucesso da empresa. Conhecimento pode ser definido como “o conjunto de crenças mantidas por um individuo acerca de relações causais entre fenômenos” (Sanchez, Heene e Thomas, 138 � 1996), entendendo relações causais como relações de causa e efeito entre ações e eventos imagináveis e suas prováveis consequências. O conhecimento da empresa é fruto das interações que ocorrem no ambiente de negócios e se desenvolve através do processo de aprendizagem. O conhecimento pode ser entendido como o conjunto de informações associadas à expenência, à intuição e aos valores (Fleury e OliveiraJr., 2001). É possível distinguir dois tipos de conhecimento: o explícito e o tácito. O conhecimento explícito, ou codificado, refere-se ao conhecimento transmissível em linguagem formal, sistemática, enquanto o conhecimento tácito possui uma qualidade pessoal, tomando-se mais difícil de ser formalizado e comunicado: “O conhecimento tácito é profundamente enraizado na ação, no comprometimento e no envolvimento em um contexto específico” (Nonaka, 1994). O conhecimento tácito, segundo Nonaka, consiste em parte de habilidades técnicas, o tipo de destreza informal e de difícil especificação incorporado ao termo know-how (Nonaka, 2001). Na visão de Spender (2001), tácito não significa conhecimento que não pode ser codificado, mas que ainda não foi explicado. O autor menciona que o conhecimento tácito, rio local de trabalho, apresenta três componentes: > Consciente: facilmente codificável, pois o indivíduo consegue entender e explicar o que está fazendo. > Automático: o indivíduo não tem a consciência de que o está aplicando. > Coletivo: conhecimento desenvolvido pelo indivíduo e compartilhado com outros; é resultado da formação aprendida em um contexto social específico. Pode-se distinguir diversos níveis de interação social através dos quais se cria conhecimento na organização. É importante que a organização seja capaz de integrar aspectos relevantes do conhecimento desenvolvido a partir dessas interações. A fim de apresentar uma compreensão melhor de como o conhecimento é criado e de como a criação do conhecimento pode ser gerenciada, Nonaka e Takeuchi (1995) propõem um modelo de conversão de conhecimento. Ele pressupõe quatro formas de conversão de conhecimento. 139 Por socialização os autores entendem a conversão que surge da interação do conhecimento tácito entre indivíduos, principalmente através da observação, imitação e prática. A chave para adquirir conhecimento desse modo é a experiência compartilhada. Combinação é uma forma de conversão do conhecimento que envolve diferentes conjuntos de conhecimento explícito controlados por indivíduos. O mecanismo de troca pode ser reuniões, conversas por telefone e sistemas de computadores, que tornam possível a reconfiguração da informação existente, levando a um novo conhecimento. Internalização é a conversão de conhecimento explícito em conhecimento tácito, no qual os autores identificam alguma similaridade com a noção de “aprendizagem”. Externalização é a conversão de conhecimento tácito em conhecimento explícito, apesar de este não ser um conceito bem desenvolvido, de acordo com os autores. A abordagem de criação de conhecimento de Nonaka (1994) e Nonaka e Takeuchi (1995) estabelece importantes nexos com o trabalho de Brown e Duguid (1991): “Tentativas de resolver problemas práticos freqüentemente geram relações entre indivíduos que podem proporcionar informação útil. A troca e desenvolvimento de informação dentro dessas comunidades em amadurecimento facilitam a criação de conhecimento, estabelecendo � uma relação entre as dimensões rotineiras do trabalho do dia-a-dia e aprendizagem e inovação ativas” (Nonaka, 1994). Essas comunidades representam, portanto, um papel- chave no processo de socialização apresentado por Nonaka e Takeuchi, no qual o conhecimento tácito entre indivíduos é integrado, passo importante para o desenvolvimento de conhecimento coletivo na empresa. Nonaka (1994) e Nonaka e Takeuchi (1995) afirmam que os quatro modos de conversão de conhecimento devem ser gerenciados de forma articulada e cíclica e denominam o conjunto dos quatro processos de “espiral de criação de conhecimento”. Nessa espiral, conhecimento começa no nível individual, move-se para o nível grupal e então para o nível da empresa. À medida que a espiral de conhecimento sobe na empresa, ela pode ser enriquecida e estendida, seguindo a interação dos indivíduos uns com os outros e com suas organizações. A criação de conhecimento organizacional requer a partilha e a disseminação de experiências individuais. Em alianças entre empresas, cada processo deve proporcionar um caminho para que gerentes estejam expostos a conhecimento e a idéias fora dos limites tradicionais da organização (lnkpen, 1996). Nonaka (1994) explica que existem diversos gatilhos que induzem os modos de conversão de conhecimento. A socialização normalmente se inicia com a construção de um time ou campo de interação, o que facilita a troca de perspectivas e de experiências entre seus membros. A extemalização pode ser iniciada com sucessivas rodadas de diálogo, em que a utilização de metáforas pode ser estimulada para ajudar os membros do grupo a articular suas perspectivas e a revelar conhecimento tácito. A combinação é facilitada pela coordenação entre membros do time e outras áreas da organização e pela documentação do conhecimento existente. A internalização pode ser estimulada por processos de aprender fazendo (learning by doing), em que os indivíduos passam pela experiência de compartilhar conhecimento 140 explícito gradualmente traduzido, em um processo de tentativa e erro, em diferentes aspectos de conhecimento tácito. Socialização, externalização, combinação e intemalização devem ser integradas como etapas de um processo contínuo e circular que ocorre no meio de um grupo, coletividade ou comunidade de praticantes na organização. Como conseqüência, esse processo é basicamente interdependente. A prática desenvolve a compreensão, que pode reciprocamente mudar essa prática e estendê-la à comunidade, de forma que conhecimento e prática estejam inter-relacionados (Browri e Duguid, 2001). No processo de transferência do conhecimento tácito, pode haver imperfeições, já que não é diretamente apropriável. Trata-se de um conhecimento muito específico à realidade daquela determinada atividade, por isso sua transferência é difícil, custosa e incerta. Já o conhecimento explícito, de fácil transferência, corre o risco de ser revendido, perdido ou comercializado por alguém que o adquire, o que o torna mais acessível a concorrentes potenciais. Alguns especialistas aconselham as empresas a se concentrar no desenvolvimento de conhecimento explícito que possa ser retido através de patentes e copyrights e também no desenvolvimento de conhecimento coletivo tácito, que, embora mais difícil de transferir, é mais fácil de proteger. Segundo Spender (2001), embora o conhecimento seja um importante ativo fluido, ele necessita de gerenciamento. O autor parte da crença de que “o conhecimento não pode ser gerenciado a menos que seja identificado”. O conhecimento é identificado quando faz � sentido para a organização, ou seja, quando está relacionado com seus objetivos estratégicos. Nesse sentido, a identificação, o monitoramento, a retenção dos conhecimentos e competências-chave para a organização constituem processos cruciais para o seu posicionamento estratégico. 6. Caráter estratégico do conhecimento Três pontos principais acerca da natureza intrínseca do conhecimento são relevantes para a ação estratégica (Oliveira Jr., 2001): a definição de qual conhecimento realmente vale a pena ser desenvolvido pela empresa; as formas pelas quais é possível ou não que esse conhecimento venha a ser compartilhado pelas pessoas, constituindo vantagem para a empresa; > as formas pelas quais o conhecimento que constitui a vantagem da empresa pode ser protegido. Embora seja comum a disseminação e o compartilhamento do conhecimento por todos nas empresas, existem também conjuntos de conhecimento pertencentes somente a alguns indivíduos, a pequenos grupos ou a áreas funcionais. Para tomar o conhecimento acessível a toda a organização, as empresas buscam codificá-lo e simplificá-lo. Procuram estabelecer uma linguagem comum, permitindo, assim, a criação de uma estrutura para o conhecimento organizacional. Os esforços para agilizar a multiplicação do conhecimento atual e também de um novo conhecimento reproduzem um paradoxo central: a codificação e a simplificação do conhecimento acarretam maior facilidade de imitação (Kogut e Zander, 1992). Apesar da necessidade estratégica de as empresas transferirem conhecimento 141 para se desenvolver, é preciso evitar que os competidores tenham facilidade de imitação, o que levaria à corrosão da vantagem competitiva anteriormente estabelecida. Segundo Grant (1996), para que o conhecimento agregue valor à organização, algumas condições devem ser observadas: >Transferibilidade: capacidade de transferir conhecimento não apenas entre empresas, mas principalmente dentro da empresa. >Capacidade de agregação: associada à transferência de conhecimento. Capacidade de o conhecimento transferido ser agregado pelo recebedor e adicionado a conhecimentos previamente existentes. >Apropriabilidade: habilidade do proprietário de um recurso em receber retorno equivalente ao valor criado pelo recurso. >Especialização na aquisição de conhecimento: reconhece que o cérebro humano possui capacidade limitada de adquirir, armazenar e processar conhecimentos. Como conseqüência, para que o conhecimento seja adquirido, são necessários indivíduos especialistas na aquisição, armazenagem e processamento em alguma área do conhecimento. >Importância para a produção: parte do pressuposto de que o insumo crítico para a produção e a principal fonte de valor é o conhecimento. É fundamental que o conhecimento agregue valor ao processo produtivo. Ações relacionadas com a criação e a transferência de conhecimento devem estar comprometidas com o desenvolvimento das competências estratégicas definidas pela � empresa. A natureza do conhecimento agregado às competências será decisiva para a sustentabilidade da vantagem competitiva conferida por tal competência (Oliveira Jr., 1999 e 2001). O conhecimento pode ser desenvolvido internamente na empresa, pode ser coletado externamente (por exemplo, pela contratação de pessoas que detêm o conhecimento necessário e pelo monitoramento do ambiente externo) ou pode ser desenvolvido através de relações de parceria ou alianças estratégicas com empresas, universidades ou instituições externas à organização. Por meio de processos de aprendizagem que cruzam conjuntos de conhecimentos individuais, unidades individuais isoladas e parcerias com outras organizações, forma-se o know-how coletivo, ou conhecimento coletivo, no qual estão insendas as competências essenciais da empresa. Tal conhecimento, aperfeiçoado pela prática de trabalho, possui uma natureza dinâmica para atender às demandas contínuas do mercado. Em suma, ao analisar como uma organização gerencia o conhecimento, é possível distinguir três momentos nesse processo: >aquisição e desenvolvimento de conhecimentos; >disseminação do conhecimento; >construção da memória. 142 Figura 3. Gestão do conhecimento 6.1 AQUISIÇÃO E DESENVOLVIMENTO DE CONHECIMENTOS A aquisição de conhecimentos e o desenvolvimento de competências podem ocorrer por processos proativos ou por processos reativos. Os processos proativos incluem a experimentação e a inovação, que implicam a geração de novos conhecimentos e metodologias, criando novos produtos ou serviços com base em situações não rotineiras. A experimentação usualmente é motivada por oportunidades de expandir horizontes, e não pelas dificuldades existentes. Os processos reativos compreendem três modalidades: >Resolução sistemática de problemas: nos últimos anos, esse processo ganhou especial destaque em virtude dos princípios e métodos dos programas de qualidade. Suas ferramentas estão atualmente disseminadas, como diagnóstico feito com métodos, uso de informações para a tomada de decisões e uso de instrumental estatístico para organizar os dados e proceder a inferências. >Experiências realizadas por outros: a observação das experiências realizadas por outras organizações pode constituir um importante caminho para a aprendizagem organizacional. O benchmarlzing, por exemplo, tem sido usado como ferramenta para repensar a própria organização. >Contratação de pessoal: o chamado “sangue novo” pode constituir importante fonte de renovação dos conhecimentos da organização. 6.2 DISSEMINAÇÃO DO CONHECIMENTO � Pode ocorrer por processos diversos: >Comunicação e circulação de conhecimentos: o conhecimento precisa circular rápida e eficientemente pela organização. Observa-se que novas idéias têm maior impacto quando compartilhadas coletivamente do que quando são propriedade de poucos. >Treinamento: talvez seja a forma mais corriqueira de pensar o processo de aprendizagem e disseminação de novas competências. >Rotação de pessoas: por áreas, unidades, posições na empresa, de forma a vivenciar novas situações de trabalho e compreender a contribuição das diferentes posições para o sistema-empresa. 143 >Trabalho em equipes diversas: a interação com pessoas de background cultural diferente — em termos de origem, formação ou experiência profissional — propicia a disseminação de idéias e o surgimento de propostas e soluções para os problemas. 6.3 CONSTRUÇÃO DA MEMÓRIA A construção da inemóna organizacional refere-se ao processo de armazenagem de informações com base na história organizacional, as quais podem, assim, ser recuperadas e auxiliar na tomada de decisões. As informações são estocadas, e tanto as experiências bem-sucedidas como as malsucedidas devem ser de fácil recuperação e estar à disposição das pessoas. Uma organização pode existir independentemente deste ou daquele indivíduo. O foco nas atividades cognitivas individuais, como elemento central no processo de aquisição de informações, reflete um construto ativo da memória. Entretanto, interpretações de problemas variam conforme os indivíduos. A tendência à coerência que caracteriza as interpretações organizacionais é possível pela partilha de informações; assim, transcende o nível individual. Isso mostra como a organização preserva o conhecimento do passado, mesmo quando alguns elementoschave a deixam. As interpretações do passado estão embutidas em sistemas e artefatos, em estruturas e nos indivíduos. : Alguns autores diferenciam duas estratégias para a construção da memória organizacional (Hansen, Nohria e Tierney, 1999): primeiro, por meio de estratégias mais centralizadoras, com a construção de bancos de dados, em que o conhecimento é codificado e estocado e depois disponibilizado para todos os membros da organização — estratégia particularmente relevante para o conhecimento explícito; segundo, através do indivíduo, que disponibiliza o conhecimento para os demais membros por sua rede de interações — isso é particularmente relevante para o conhecimento tácito. Em suma, a gestão do conhecimento está imbricada nos processos de aprendizagem nas organizações e na conjugação destes três processos: aquisição e desenvolvimento de conhecimentos, disseminação de conhecimentos e construção de memórias. Ocorre assim um processo coletivo de elaboração das competências necessárias à organização. Referências bibliográficas ARGYRIS, C. Enfrentando defesas empresariais: facilitando o aprendizado organizacional. Rio de Janeiro: � Campus, 1992. ARGYRIS, C; SCHON, D. Theoiy in practice. San Francisco: Jossey-Bass Publishers, 1974. Organizational learning. Reading, MA: Addison-Wesley, 1978. ASHBY, W R. Adaptiveness and equilibrium. Journal of Mental Science, n. 86, p. 478-83, 1940. BARNEY. Firm resources and sustained competitive advantage. Journal of Management 17, p. 99-120, 1991. 144 BROWN, J. S.; DUGUID, P Organizational learning and communities-of-practice: towards a unified view of working, learning, and innovation. Organization Science, 2:40-5 7, 1991. _______ Estrutura e espontaneidade: conhecimento e organização. In: FLEURY, M. T.; OL.IVEIRA JR., M. M. Gestão estratégica do conhecimento: integrando aprendizagem, conhecimento e competências. São Paulo: Atlas, 2001. FIOL, C. 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Editora da Revista de Administração da USP (RAUSP) e coordenadora do Programa de Pós-Graduação da FEA, tendo orientado diversos trabalhos de dissertaçôes de mestrdo e teses de doutorado. Diretora científica da Associação Nacional de Programas de Pós-Graduação em Administração (Anpad) e responsável por cursos de pós-graduação sobre cultura e poder nas organizações e módulos sobre processos de mudanças e cultura organizacional nos cursos de MBA da USP Desenvolve atividades de pesquisa, diagnóstico de clima e cultura organizacional para empresas estatais e privadas, nacionais e muhinacionais, como FMC, Aracruz Celulose e Dow Química, entre outras. É autora de diversos livros. MOACIR DE MIRANDA OLIVEIRA JUNIOR � Doutor em Administração pela FEA-USP e professor da PUC-SP e da Fundação Dom Cabral. Foi pesquisador visitante da Universidade Cambrige (1997/1998), na Inglaterra. Consultor de empresas e professor convidado dos programas de MBA da Fundace-USP, em Ribeirão Preto, e da FIA-USP, em São Paulo. 146 Mudança e transformação organizacional ROSA MARIA FISCHER 1. Mudando os paradigmas da mudança “Nos mesmos rios entramos e não entramos, somos e não somos.” Ninguém atravessa duas vezes o mesmo rio. Essa reflexão, atribuida a Heráclito, filósofo grego do século V a.C., provavelmente é a mais citada assertiva para ilustrar que a mudança é um atributo inerente à natureza humana e às relações do homem em sociedade. Nem a pessoa que atravessa o rio permanece a mesma cada vez que o faz, nem o rio, seguindo o caminho irrevogável de seu fluxo, consegue banhar com as mesmas águas os pés daquele que o atravessa em diversas oportunidades. O curso do tempo, essa entidade abstrata criada pela necessidade humana de conhecer e controlar, é o primeiro e o mais inexorável determinante para que todas as coisas estejam em permanente processo de mudança. Seja na natureza, seja no ambiente social culturalmente delimitado, todos os elementos — com ritmos e velocidades específicos a cada um — vivenciam alterações que os tornam diferentes, em maior ou menor grau, do que eram no momento anterior e do que serão no momento seguinte. As organizações não escapam a essa inexorabilidade. Ainda que a observação do funcionamento e do desempenho de uma organização 147 cause a impressão de permanência, uma análise mais aprofundada permitirá identificar indícios de modificações em curso. Alguns desses indícios são mais visíveis porque alteram características muito evidentes, como episódios de crescimento organizacional acelerado ou quando a organização decide, intencionalmente, modificar suas finalidades, a forma de atuar, seus procedimentos técnicos ou administrativos. Como os quadros de mudanças intencionais ou mais radicais são mais evidentes, tende-se a considerá-los únicos e a subestimar a importância dos processos de mudança contínuos, que constituem a dinâmica própria de cada, organização. Essa tendência permitiu que a produção de conhecimentos sobre mudança organizacional fosse muito displicente, tratando-a como um fenômeno episódico que poderia ser administrado de forma circunstancial. Até a década de 1970, a teoria das organizações oferece pouco espaço ao � tratamento do tema, ressaltando mais os aspectos e os desdobramentos negativos do que orientando o gestor sobre as formas de lidar com esse fenômeno, que, afinal, constituía parte inerente da entidade organizacional. A teoria das organizações, principalmente a originada da produção americana, estava sustentada por um paradigma explicativo da estrutura e funcionamento das organizações que preconizava sua estabilidade. Estabilidade, aqui, era sinônimo de perenidade, de permanência no tempo e no espaço. Isto é, as organizações — e nesse caso, principalmente, a grande corporação industrial, que era o tipo de organização para quem se produziam as teorias de gestão — deveriam ser administradas de forma a permanecer grandes e poderosas. Essa visão de mundo e de como as organizações devem estar nesse mundo é, evidentemente, um paradigma’ que contém em si os elementos ideológicos e os juízos de valor próprios desse mesmo mundo; vale dizer, dessa época, dos ambientes socioeconômicos nos quais são formulados, da correlação de forças que caracteriza tais ambientes e das perspectivas desejadas para o desenvolvimento desse cenário. O paradigma da estabilidade não nega que as organizações estão em mudança constante, porém pressupõe que as alterações possam ser sempre tão harmônicas e sutis que tais modificações sejam sempre incrementais e, principalmente, nunca desestabilizem o desempenho organizacional. Mudanças em larga escala, que abranjam diversos espaços da organização ou alterem diferentes processos, afetando as pessoas e suas relações, são encaradas, no escopo desse paradigma, como crises de alto risco geradoras de conflitos inadministráveis. Por isso, esse tipo de mudança deveria ser evitado, todo esforço da administração deveria ser colocado na manutenção do status quo e, quando uma modificação fosse absolutamente inevitável, o gestor deveria circunscrevê-la ao mínimo espaço organizacional. 148 A visão de mudança que prevaleceu na teoria e prática administrativa até os anos 1960 fortaleceu algumas características básicas do modelo de managernent fundamentado no paradigma da estabilidade. Entre elas destacam-se: >- o papel mais importante do gestor é o controle , para assegurar que procedimentos sejam realizados sempre conforme as rotinas-padrão; >- para desempenhar com eficiência esse tipo de controle, o gestor deve centralizar as informações, as decisões e o comando das ações; >- quando administra uma mudança, o gestor deve limitar sua abrangência ao espaço organizacional mínimo necessário , evitando que as alterações contaminem grupos de pessoas e funções organizacionais que não estejam diretamente relacionados com as características da organização que estão sendo alteradas; 149 > o gestor deve conceber e implementar um projeto que permita implantar a mudança em prazo reduzido, com o mínimo de recursos e com o foco em metas estritamente controladas. � Como se vê, o tratamento da mudança organizacional como um “mal necessário” refletia uma visão de mundo para a qual o controle era a função mais importante; o sucesso era assegurado pela capacidade de reproduzir rotinas e procedimentos, e a inovação — mesmo quando valorizada como expressão da módernidade — deveria ser temida e afastada porque trazia consigo a fragmentação da ordem vigente. A partir da década de 1970, contudo, essa visão é modificada pelas profundas alterações de natureza social, econômica e política que começam a afetar o mundo dos negócios, pressionando as organizações empresariais a rever seus modelos de gestão e, portanto, os paradigmas que lhe dão sustentação. Daí em diante, o conceito de mudança — como acontecimento tópico e pontual, gerenciado no ãmbito de um projeto específico e restrito — começa a se mostrar insuficiente para dar conta de uma realidade muito mais complexa e multidimensionada. O paradigma da estabilidade cede espaço ao paradigma da transformação organizacional. Foi um momento em que a teoria precisou ampliar seu espectro e aprofundar sua abordagem porque as organizações, principalmente as empresas, estavam vivenciando processos nos quais as mudanças não eram simplesmente lineares e incrementais, mas abrangentes e transformadoras; elas não afetavam apenas algumas áreas organizacionais, mas espraiavam-se por diferentes espaços, atingindo, simultaneamente, diversos processos; as mudanças não estavam focadas em um elemento da organização, mas tinham um caráter multidimensional. Impressionados com a amplitude desses processos, alguns autores dos anos 1970 e 1980 lançaram o conceito de “mudanças de larga escala”, definindo-as como “uma transformação durável no caráter organizacional que altera significativamente a performance da organização” (Lawler III, 1989). Quando falam de “caráter organizacional”, os autores dessa linha de pensamento referem-se ao que se poderia denominar de características genéticas da organização: > a natureza dos produtos ou serviços que justificam sua existência; os processos produtivos que adota para realizá-los, assim como os procedimentos administrativos e as práticas gerenciais com que conduz tais atividades; > o modo como estrutura e distribui os espaços, as atribuições e as responsabilidades; > os critérios de integração, coordenação e diferenciação com os quais determina os padrões de relações internas; > os canais de relacionamento que estabelece com o ambiente em que está inserida, com os stakeholders com quem interage e com as comunidades sociais que estão em seu entorno. Considerando a multidimensionalidade dessas características, constata-se que a mudança organizacional não pode mais ser vista como um projeto isolado que 150 ocorre esporadicamente no cotidiano organizacional, instalando alterações em algum aspecto da estrutura, ou em alguma etapa de um processo, e depois se � encerra, devolvendo a organização a um novo patamar de estabilidade. Sendo de larga escala, abrangente, profunda e multidimensional, a mudança tem de ser conceituada, concebida e gerenciada como um processo de transformação contínua. A reconceptualização, aqui proposta, do conceito de mudança como definido no paradigma da estabilidade para o conceito de transformação organizacional não se reduz a preciosismo acadêmico. De fato, reflete o rearranjo do ambiente no qual as organizações estão inseridas. Os fenômenos recentes da ampliação do acesso à tecnologia da comunicação, do redesenho das relações econômicas no mundo glo- 151 balizado e das mudanças comportamentais que eles desencadearam vem condicionando empresas e organizações de todos os tipos a reverem suas “características genéticas”. O conceito de transformação, no lugar da concepção anterior de mudança organizacional, reflete também uma profunda alteração da visão de mundo e do conteúdo ideológico dos modelos de gestão. O paradigma da transformação pressupõe que o esforço de direcionamento de uma organização deve estar voltado para o aperfeiçoamento contínuo, e não para a estabilidade de normas, padrões e regras previamente instaurados e perenemente tornados rotineiros. E que o gestor deve funcionar como facilitador de condições e recursos que propiciam o desenvolvimento permanente. Ele não centraliza, mas mobiliza, as informações e o conhecimento; ele não limita, mas amplia, a participação e o intercâmbio; ele não restringe a abrangência, mas coordena as ações específicas de mudança para assegurar sua integração. 2. Modelando o processo de transformação A concepção e a implantação de um processo de mudança organizacional exigem que se assuma um conjunto de pressupostos básicos. O primeiro é que nas modernas organizações complexas que atuam no âmbito do Estado, do mercado ou do chamado terceiro setor a transformação organizacional é um dos processos organizacionais inerentes à dinâmica de funcionamento e às estratégias de ação definidas pela organização. Ela funciona como um processo contínuo de construção e reconstrução do significado da organização, com o qual se busca aperfeiçoar sistemas, processos, políticas e práticas que constituem sua gestão e desenvolver as competências — pessoais e organizacionais — que constituem seu mais valioso patrimônio. Como um dos mais importantes processos organizacionais, a transformação não pode ocorrer de forma imprevista e extemporânea, ao sabor de acontecimentos fortuitos, mas deve ser modelada e gerenciada com instrumentos que assegurem sua internalização nas esferas mais íntimas da organização. O pressuposto seguinte estabelece a conexão entre estratégia e transformação. Isto é, o diagnóstico de “por que mudar” e “o que mudar” depende da clara compreensão de como interagem dois pólos de qualquer organização: de um lado, o direcionamento estratégico, constituído pelo intento estratégico e pelos focos que direcionam as estratégias propriamente ditas; de outro, o conjunto de � elementos que integram o conteúdo de sua gestão e cuja composição determina seu nível de excelência. A Figura 1 ilustra a sinergia entre os componentes da lógica do funcionamento organizacional. O direcionamento estratégico é a face visível do desempenho organizacional, como a organização quer ser vista e como ela é vista e avaliada nas relações estabelecidas com o ambiente externo. É pelo desempenho dessa engrenagem que ela é mensurada em termos de competitividade externa. Ter atingido ou não os focos de suas estratégias confere-lhe a medida de sucesso ou fracasso. Contudo, apesar de sua visibilidade predominante, a engrenagem do direcionamento estratégico não tem força motriz própria. Ela depende do acionamento da 152 :Figura 1. Sinergia entre os componentes da lógica do funcionamento organizacional energia e da velocidade que são produzidas e lhe são transferidas pelo movimento da engrenagem menor. Esta é composta de todos os elementos constituintes da configuração organizacional, e seu funcionamento gera um fator que se pode chamar, provisoriamente, de competitividade interna por analogia com o desempenho competitivo usado para mensurar a organização. A competitividade interna não é um indicador de concorrência entre os componentes do contexto interno, mas do grau de higidez, de condicionamento, de prontidão com que se apresentam no processo de gerir a organização2. comum que esses componentes apresentem diferentes graus de desenvolvimento e aptidão para alavancar a competitividade externa. A organização pode, por exemplo, dispor de excelentes instrumentos de gestão, porém não oferecer às pessoas condições de desenvolver habilidades que façam esses instrumentos funcionar com rendimento máximo. Ou então foram feitos investimentos para modelar uma estrutura organizacional moderna e flexível, mas nenhum aperfeiçoamento foi levado a efeito para superar as deficiências de comunicação interna. Assincronias desse tipo não impedem o funcionamento da organização, mas acarretam perdas e disfunções que, se não podem ser diretamente observáveis no movimento da engrena- 153 gem menor, com certeza estarão refletidas nos resultados do desempenho da engrenagem maior. O terceiro e último pressuposto é o de que a transformação organizacional só se efetiva com as pessoas, para as pessoas e através do envolvimento e do comprometimento das pessoas. Portanto, a cultura da organização deve se fundamentar na valorização do ser humano, de seu trabalho, da inteligência que ele aplica nesse trabalho e na geração de conhecimento organizacional advinda � da inter-relação pessoalsaber/organização. O grau de competitividade que a empresa revela no ambiente externo como resultado de suas estratégias de ação é condicionado pelo nível de desenvolvimento de sua competitividade interna. Esta resulta de um processo de gestão que mobiliza a inteligência e o conhecimento organizacional para que a organização se desenvolva e se aperfeiçoe continuamente. Esses aperfeiçoamentos ocorrem, concomitantemente, em diversos aspectos da organização — como a definição de focos estratégicos, o modelo organizacional e seus sistemas de gestão, as políticas e os processos organizacionais, as técnicas e os instrumentos gerenciais —, mas estão modelados em um processo transformacional que os agrega em linhas de ação sinérgicas. Tal modelagem exige que o processo de mudança seja enfocado segundo uma abordagem contextualista, pois tanto os fatores do ambiente externo como os do ambiente interno influem no sentido e na orientação da transformação. O contexto, o conteúdo e o processo da mudança são as respostas para três questões básicas e preliminares a sua concepção: por que mudar, o que mudar e como mudar (Pettigrew, 1986). O desafio de mudar uma organização não se resolve apenas com a percepção da necessidade de inovar e remodelar seu perfil, mas envolve o desafio de encontrar o modo mais adequado de como mudar e conseguir transformar a organização no sentido determinado pela percepção do que é preciso mudar. Esse “como” é próprio das especificidades de cada organização e do desejo de mudança expresso em seus objetivos estratégicos. Por isso, o “como mudar” passa, necessariamente, pelo desenvolvimento das pessoas, pela capacidade que elas têm e querem disponibilizar para compreender e internalizar os valores da mudança, transformando-os em práticas organizacionais que concretizem o desejo de transformação. Em seu design, o processo deve admitir, necessariamente, os parâmetros de abrangência, integração e sustentação. O processo precisa ser abrangente, a fim de conter, simultaneamente, os aspectos organizacionais e os aspectos técnicos e comportamentais que configuram o cenário específico de cada organização. Integrado, para atuar em diversas esferas e através de diferentes linhas de ação, mantendo a consistência interna essencial à manutenção e à solidez do processo. Sustentado, com o objetivo de buscar a consecução de metas concretas de transformação, com resultados observáveis através de indicadores do desempenho das pessoas e dos negócios. Para dar conta dessa amplitude, o processo de transformação organizacional deve se constituir em um eixo gerador de mudanças organizacionais que guardem consistência entre si e estejam sempre voltadas para o desenvolvimento da competitividade interna da organização. Vale dizer, mobilizar a inteligência organizacional Figura 2. Etapas do processo de transformação organizacional � estocada, otimizando o emprego dos recursos humanos e estimulando o desenvolvimento de suas competências pessoais e profissionais. Concebido desse modo, o processo busca delinear um modelo de gestão focado em resultados; identificar os fatores restntores e facilitadores de sua implementação; gerar um programa de disseminação que assegure a compreensão e a adesão do público interno; delinear os instrumentos gerenciais necessários para alcançar a excelência de gestão. A metodologia empregada na concepção e implementação do processo de transformação organizacional pode ser sintetizada no modelo de quatro etapas interdependentes: auscultação, concepção, disseminação e sustentação. Como as transformações organizacionais são processos, e não uma sucessão de mudanças estanques e isoladas, as etapas podem tanto se sobrepor umas às outras como ser conduzidas concomitantemente, conforme as especificidades do processo de transformação organizacional. Assim, a nítida separação entre as etapas do processo mostrada na Figura 2 é apenas um recurso utilizado para facilitar a compreensão dos objetivos, das finalidades e dos procedimentos empregados em cada fase. 155 A primeira etapa do processo é denominada auscultação. Nela realizam-se os levantamentos e as análises de dados que ajudam a identificar as características dos processos de trabalho, os fluxos de comunicação e a interação entre as diferentes áreas organizacionais. O objetivo dessa abordagem analítico-descritiva é determinar os fatores restritores e alavancadores da eficiência dos procedimentos e da eficácia dos resultados das práticas administrativas, técnicas e gerenciais em uso na organização. As atividades desenvolvidas nessa etapa diferenciam-se de um diagnóstico organizacional tradicional em virtude das seguintes características: > trata-se de uma intervenção breve que busca evitar a morosidade inerente aos levantamentos minuciosos, pois eles geralmente tendem a perder sua efetividade diagnóstica; > supera a superficialidade do levantamento breve mediante o emprego de técnicas interativas; elas possibilitam que o próprio agente da ação coopere no levantamento, na análise e na interpretação dos dados e vivencie, assim, um processo de aprendizagem organizacional; „ utiliza uma análise focada, isto é, com base no uso de dados secundários da própria organização, seleciona previamente os processos ou áreas-chave para levantamento e análise, partindo do pressuposto de que as intervenções de aperfeiçoamento organizacional nesses pontos focais exercerão o efeito- demonstração ou, ainda, um efeito sinérgico sobre as áreas/processos em interação. Na auscultação, são também mapeados e analisados os projetos de aperfeiçoamento organizacional já existentes na organização, para verificar a possibilidade de adequá-los e integrá-los ao processo de transformação em delineamento. Evita-se, dessa forma, desperdiçar recursos e energia já mobilizados, bem como desrespeitar os padrões próprios da cultura � organizacional. Parte-se do pressuposto de que a organização pode ter, dentro de si própria, idéias que possam gerar as melhores soluções para seus problemas de desenvolvimento. Já nessa etapa inicia-se o processo de estabelecimento de compromisso com o corpo diretivo, gerencial e técnico da organização, que participa das atividades de levantamento de dados, elaboração de informações e geração de análises. O objetivo é impedir que o diagnóstico deixe de incorporar a visão e os valores da comunidade organizacional, tendendo a expressar a extemalidade da concepção do “dever ser” da organização. Empregam-se técnicas tradicionais de levantamento de dados, como o mapeamento de documentos e a aplicação de questionários padronizados e de entrevistas semi-estruturadas, visando coletar material quantitativo e qualitativo. Todo o material é sistematizado e pré-analisado e, em seguida, submetido a análises em profundidade e/ou detalhamento; recebe também sugestões de aperfeiçoamento, por meio de clínicas temáticas e/ou workshops estruturados. importante que a apresentação e a análise dos resultados da auscultação sejam compartilhadas, de modo que haja clareza e concordância quanto aos principais problemas da organização, pois é em tomo deles, em última instância, que a organização deverá trabalhar para conceber propostas de mudança e aperfeiçoamento. Os 156 participantes dos eventos de apresentação dos resultados da fase de auscultação são, geralmente, os prováveis componentes de um grupo estratégico, que se encarregará de formular e disseminar as proposições de mudanças que compõem o processo de transformação. Recomenda-se que o grupo seja formado por pessoas de áreas e níveis hierárquicos heterogêneos na organização e que detenham um perfil de competências que lhes possibilite assumir o objetivo de conceber a transformação e gerir sua transição sem que haja uma ruptura da legitimidade do poder organizacional. A etapa de concepção do processo de transformação organizacinal representa a transição entre a constatação de problemas, carências e necessidades de aperfeiçoamento técnico e gerencial e a construção de uma forma exeqüível de conceber e implementar as mudanças e os