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As PESSOAS NA 
ORGANIZAÇÃO 
Ana Cristina Limongi-França André Luiz Fischer 
Arnaldo Jose França Mazzei Nogueira 
Eliete Bernal Areilano 
Germano Glufke Reis 
Gilberto Shinyashiki 
Jáder dos Reis Sampaio 
Joel Souza Dutra 
José Antonio Monteiro Hipólito 
Lindolfo Galvo de Albuquerque 
Maria Tereza Leme Fleury (org.) 
Mansa Eboli 
Moacir de Miranda Oliveira Junior 
Rosa Maria Fischer 
Tânia Casado 
Copyright © Editora Gente 
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro. SP, Brasil) 
As pessoas na organização. São Paulo : Editora Gente, 2002. 
Vários autores. 
Índices para catálogo sistemático: 
1. Gestão de pessoas: Administração de empresas 658.3 
2. Pessoas: Gestão: Administração de empresas 658.3 
Todos os direitos desta 
edição são reservados à Editora Gente. 
Rua Pedro Soares de Almeida, 114, São Paulo - SP CEP 05029-030 - Telefax: (11) 3670-2500 
Site: www.editoragente.com.br 
E-mau: genteeditoragente.com.br 
 
 
1. Introdução 
Toda e qualquer organização depende, em maior ou menor grau, do desempenho 
humano para seu sucesso. Por esse motivo, desenvolve e organiza uma forma de 
atuação sobre o comportamento que se convencionou chamar de modelo de gestão de 
pessoas. Tal modelo é determinado por fatores internos e externos à própria organização. 
�
Assim, para diferentes contextos históricos ou setoriais são encontradas diferentes 
modalidades de gestão. O que distingue um modelo de outro são as características dos 
elementos que os compõem e sua capacidade de interferir na vida organizacional dando-
lhe identidade própria. O modelo deve assim, por definição, diferenciar a empresa em seu 
mercado, contribuindo para a fixação de sua imagem e de sua competitividade. 
Entretanto, ao analisar a história dos modelos de gestão, observa-se que, em geral, eles 
se articulam em torno de alguns conceitoschave que determinam sua forma de operação 
e a maneira pela qual direcionam as relações organizacionais nas empresas. A análise 
desses grandes elementos de articulação possibilita entender as especificidades e as 
complementaridades que se formaram entre diversos modelos e épocas históricas. 
11 
 
Neste capítulo define-se o que é um modelo de gestão de pessoas e quais são os fatores 
que determinam sua configuração específica em uma organização ou um setor de 
atividade. Tendo-se por referência as perspectivas mais influentes da teoria 
organizacional, classificam-se as grandes correntes de gestão de pessoas em quatro 
categorias, que correspondem a períodos históricos e conceitos articuladores específicos. 
São elas: modelo de gestão de pessoas articulado como departamento pessoal, como 
gestão do comportamento, como gestão estratégica e, finalmente, como vantagem 
competitiva. As principais características de cada uma dessas escolas são analisadas a 
seguir. 
2. O que é um modelo de gestão de pessoas 
Entende-se por modelo de gestão de pessoas a maneira pela qual uma empresa se 
organiza para gerenciar e orientar o comportamento humano no trabalho. Para isso, a 
empresa se estrutura definindo princípios, estratégias, políticas e práticas ou processos 
de gestão. Através desses mecanismos, implementa diretrizes e orienta os estilos de 
atuação dos gestores em sua relação com aqueles que nela trabalham. 
Parece evidente que todo e qualquer negócio é dependente de formas particulares de 
comportamento, sendo quase impossível dissociar determinadas marcas e produtos da 
expectativa de desempenho formada por seus clientes. Episódios de conhecimento 
público, que marcam a história das organizações, demonstram como determinadas 
marcas podem sofrer consequências desastrosas quando a ação humana interfere 
negativamente nos produtos e serviços prestados aos clientes. Tome-se o exemplo da 
Firestone e os pneus que provocaram uma sucessão de acidentes com vítimas entre 
proprietários de veículos Ford nos Estados Unidos ou o da Coca-Cola, cujos refrigerantes 
contaminados foram distribuídos na Bélgica e em parte da Europa, o que fez desabar o 
valor das ações da empresa durante vários meses em todo o mundo, ou os acidentes 
ecológicos que abalaram a Shell nos anos 1980. São situações-limite, carregadas de 
certa dose de imponderável, que não podem ser creditadas exclusivamente a falhas 
humanas, mas que, por sua dramaticidade, ilustram bem como o comportamento das 
pessoas no trabalho pode interferir na preservação e na agregação de valor das 
empresas. 
Alguns poderiam acreditar que, no mundo da informação, da eletrônica, da intangibilidade, 
do fast food e da competitividade exacerbada, o comportamento humano perderia espaço 
e relevância. Mas o que se vê, ao contrário disso, é que os negócios mais próximos desse 
mundo são aqueles que se tomam mais dependentes do comportamento humano. Não é 
�
objetivo deste capítulo analisar a chamada economia virtual e seus impactos em RH, mas 
vale dizer que, quanto mais a empresa se concentra no chamado ativo intangível (marcas, 
performance, inovação tecnológica e de produto, atendimento diferenciado etc.), mais 
forte se torna a dependência dos negócios ao desempenho humano. A máxima high tech, 
high touch parece vir a confirmar-se. 
Do lado do mercado, parece razoável supor que a concorrência mais ampla é também 
fortemente valorizadora do comportamento humano. Quanto maiores 
12 
 
forem as opções de aquisição de bens e serviços, a transparência dos mercados e o 
acesso aos meios de comunicação, mais definitivo será o impacto do comportamento das 
pessoas nas decisões do consumidor. 
Em empresas submetidas a tal regime de mercado, o comportamento humano passa a 
integrar o caráter intrínseco dos negócios, tomando-se elemento de diferenciação e 
potencializando a vantagem competitiva. Vale ressaltar que não se pretende repetir o 
velho jargão otimista e utópico de que “o elemento humano vem sendo cada vez mais 
valorizado pelas organizações”. A organização não está se tornando mais humana por 
causa da nova onda competitiva, não está sendo regida por princípios que privilegiam o 
humano em detrimento de outros valores organizacionais. O que se quer dizer é que, 
quanto mais os negócios se sofisticam em qualquer de suas dimensões — tecnologia, 
mercado, expansão e abrangência etc. —, mais seu sucesso fica dependente de um 
padrão de comportamento coerente com esses negócios. É assim que não se imagina, 
por exemplo, uma loja do McDonald.s que não esteja imersa em um clima de alegria e 
jovialidade nem numa forma particular de manter a agilidade de atendimento. Tais 
características humanas, que fazem sucesso vendendo hambúrguer em todo o mundo, 
diferem completamente daquilo que se espera de uma empresa aérea, cujos funcionários 
devem inspirar cortesia, cordialidade, segurança e confiabilidade. Confiança e solidez são 
também parte integrante do portfólio de produtos das organizações bancárias e somente 
se traduzem em realidade com funcionários respeitosos, cautelosos e preocupados em 
conhecer o que queremos com a aplicação de nosso dinheiro. 
A importância que o comportamento humano vem assumindo no âmbito dos negócios fez 
com que a preocupação com sua gestão ganhasse espaço cada vez maior na teoria 
organizacional. É nesse contexto que surge o conceito de modelo de gestão de pessoas. 
Quando esse conceito é estrategicamente orientado, sua missão prioritária consiste em 
identificar padrões de comportamento coerentes com o negócio da organização. A partir 
de então, obtê-los, mantê-los, modificá-los e associá-los aos demais fatores 
organizacionais será o objetivo principal. 
Analisado no contexto organizacional, o modelo caracteriza-se assim como uma variável 
dependente das condições em que ocorrem os negócios. Somente com o entendimento 
adequado dos fatores que determinam essas condições é que se torna possível delinear 
um modelo coerente com as necessidades da empresa.
3. Fatores condicionantes do modelo de gestão de pessoas 
O desempenho que se espera das pessoas no trabalho e o modelo de gestão 
correspondente são determinados por fatores internos e extemos ao contexto 
organizacional. Dentre os fatores internos, destacam-se o produto ou serviço oferecido, a 
tecnologia adotada, a estratégia de organização do trabalho, a cultura e a estrutura 
organizacional. Quanto aos fatores externos, a cultura de trabalho de dada sociedade, 
sua legislação trabalhista e o papel conferido ao Estado e aos demais agentes que atuam 
�
nas relações de trabalho vão estabelecer os limites nos quais o modelo de gestão de 
pessoas poderá atuar. 
Vale detalhar, ainda que sucintamente, o papel de cada fator: 
13 
 
3.1 TECNOLOGIA ADOTADA 
Parece senso comum que o padrão de máquinas utilizado pela empresa determina 
fortemente o comportamento que se espera dos funcionários. Operários que trabalham 
em linhas de produção acompanham o ritmo ditado pela velocidade da máquina. Deles 
não se esperam iniciativa nem autocontrole, bastando que o cartão de ponto, na entrada 
da fábrica, registre sua presença. 
A automatização ou robotização do processo transformará esse trabalhador de provedor 
de força e guia de ferramentas em monitor da atividade sob sua responsabilidade. Ele 
passará a atuar na irregularidade, e não na regularidade, o que tornará o trabalho 
dependente de autonomia e capacidade de antecipação. 
No primeiro caso, o modelo de gestão poderia limitar-se ao simples registro da presença e 
propiciar uma recompensa satisfatória ao trabalhador. No segundo, torna-se obrigatório 
garantir seu envolvimento com o que faz e estimular a iniciativa individual desse 
trabalhador. A tecnologia passa a demandar um comportamento e, por decorrência, um 
modelo diferenciado. 
3.2 ESTRATÉGIA DE ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO 
Diferentes formas de organização do trabalho são, na verdade, diferentes maneiras de 
buscar o comportamento exigido pelo processo de trabalho adotado. Desse modo, pode-
se dizer que trazem o mesmo impacto da tecnologia para o modelo de gestão. 
As práticas de TQM (total quality management), a adoção das várias formas de GSA 
(grupos semi-autônomos), os operadores multifuncionais e as células de trabalho serão 
totalmente inócuos se não estiverem acompanhados de políticas e práticas de gestão de 
pessoas que estimulem e orientem o padrão de desempenho desejado pela técnica de 
gestão do trabalho utilizada. 
Na verdade, pode-se mesmo dizer que é quase impossível separar o modelo de gestão 
de pessoas do modelo de gestão do trabalho. Trata-se de dois conjuntos de praticas que 
incidem sobre as mesmas instãncias organizacionais — as relações humanas na 
empresa — e que pretendem alcançar os mesmos objetivos: determinado padrão de 
desempenho no trabalho. 
3.3 CULTURA ORGANIZACIONAL 
Parece evidente também quanto a cultura organizacional interfere e, ao mesmo tempo, 
recebe a influência do modelo de gestão de pessoas de uma organização. Edgard Schein, 
um dos autores mais citados nessa área, define a concepção de trabalho e o valor 
conferido ao ser humano como os pressupostos nucleares e fundamentais da cultura de 
um grupo. Um dos principais papéis do modelo de gestão é reforçar e reproduzir esses 
pressupostos na cultura organizacional vigente, diferenciando e moldando padrões de 
comportamento. 
�
É relativamente fácil perceber isso no dia-a-dia das organizações. Nas empresas, aqueles 
que trabalham em determinadas áreas ou profissões são considerados 
14 
 
seres humanos diferentes dos outros. É assim que engenheiros são mais valorizados que 
profissionais de escritório em empresas metalúrgicas e de mineração — como 
demonstrou Fleury (1986) em seu estudo sobre a cultura organizacional de uma das 
maiores empresas brasileiras desse setor de atividade. Especialistas em marketing são 
mais considerados que funcionários de produção em empresas de bens de consumo não-
duráveis. Financeiros são verdadeiras referências de comportamento nos grandes 
bancos. É notório que as práticas de recursos humanos ao mesmo tempo refletem, 
reproduzem e legitimam tais características culturais das organizações (Eboli, 1990; Fleur 
1986). 
3.4 ESTRUTURA ORGANIZACIONAL 
A estrutura ou modelo organizacional delineia também as características do modelo de 
gestão de pessoas dominante na empresa. Uma estrutura departamental, explicitamente 
orientada para a cadeia de comando e controle, implica um modelo igualmente 
segmentado e restritivo. À iniciativa limitada, à ordem supenor, ao manual de 
procedimentos, à ação voltada para os objetivos setoriais sem perspectiva sistêmica nem 
do conjunto da empresa corresponde determinada forma de remunerar, capacitar e 
recrutar pessoas. 
Por outro lado, uma estrutura matricial, por unidades de negócios ou em rede, demanda 
práticas de recursos humanos através das quais se perceba a empresa como uma 
totalidade. A remuneração não pode estar vinculada exclusivamente ao cargo ocupado, o 
processo de treinamento deve incentivar a visão sistêmica da organização e o 
recrutamento deve ser feito dentro de um perfil de competências que atendam ao 
conjunto da corporação, e não só às demandas da unidade em que a pessoa irá atuar. 
3.5 FATORES EXTERNOS 
Os fatores externos à organização devem ser classificados, segundo sua origem, em 
duas categorias: os advindos da sociedade e os que têm origem no mercado. Os fatores 
sociais correspondem à forma pela qual a sociedade regula o trabalho e as relações de 
trabalho que ocorrem em seu âmbito. Prevalecem a cultura de trabalho dessa sociedade, 
a legislação e a intervenção dos diferentes agentes, dentre os quais se destacam o 
Estado e as instituições sindicais. 
Por fugir muito ao escopo deste capítulo, esses fatores não serão analisados em detalhe. 
É importante ressaltar que as variáveis sociais, na maior parte das vezes, exercem mais 
um papel de restrição que de definição das características do modelo, ou seja, definem os 
limites até os quais a organização e seus gestores podem decidir e agir na configuração 
de suas políticas e práticas de gestão. 
O mercado, por seu lado, deve ser considerado o fator preponderante na constituição do 
modelo, pois define o perfil de competências organizacionais exigido pelo negócio do 
setor de atividade em que atua. Como afirmam autores reconhecidos na área de 
estratégia empresarial, no mundo competitivo a empresa é vista 
�
15 
 
como “um portfólio de competências”, vencendo aquela que melhor dominar a 
competência essencial de determinado setor de atividade (Prahalad e Hamel, 1995). É 
fácil perceber quanto a legitimidade de um modelo de gestão de pessoas está relacionada 
a sua capacidade de ser tributário do modelo de competências de uma organização. A 
determinado padrão de competências organizacionais correspondem competências 
humanas particulares — comportamentos organizacionais que lhes são específicos e 
contributivos. 
O reconhecimento do caráter dependente do modelo de gestão de pessoas e a 
identificação de seus fatores condicionantes permitem perceber as variações que ocorrem 
em seus diversos níveis de manifestação: a empresa(nível micro), o setor de atividade 
(nível meso) e a nação ou outra unidade demográfica (nível macro). À medida que 
ocorrem alterações nas vanáveis básicas que atuam em uma das dimensões desses 
níveis, o modelo sofre mudanças de configuração. 
O caráter contingencial e dependente da administração de recursos humanos é que 
explica por que o modelo de gestão pode manifestar-se de forma heterogênea dentro de 
contextos de análise aparentemente semelhantes. O senso comum, a observação 
empírica não sistematizada e pesquisas recentes indicam que é possível, e até muito 
provável, encontrar mais de um tipo de modelo de gestão convivendo harmoniosamente 
dentro da mesma empresa. É razoável pressupor também
que, à medida que as 
empresas passam a competir pela competência que são capazes de agregar, as 
diferenças se intensificam no plano meso e no macro. 
Tudo isso dificulta sobremaneira a delimitação e a identificação do modelo em situações 
empíricas, dado o fato de que se manifesta de forma cada vez mais diversa quanto mais 
competitivo for o ambiente. Entretanto, algumas de suas características são mais 
genéricas e estruturais e podem ser mais bem especificadas como elementos 
componentes do modelo. 
4. Elementos componentes do modelo de gestão de pessoas 
A rigor, tudo aquilo que interfere de alguma maneira nas relações organizacionais pode 
ser considerado um componente do modelo de gestão de pessoas. O comportamento 
organizacional não é produto direto de um processo de gestão, mas o resultado das 
relações pessoais, interpessoais e sociais que ocorrem na empresa. Gestão de pessoas 
significa orientação e direcionamento desse agregado de interações humanas. 
Nesse sentido, a definição de uma estratégia, a implementação de uma diretriz com 
impactos no comportamento dos empregados, a fusão ou transferência de uma unidade 
organizacional ou a busca de nova postura de atendimento ao cliente são intervenções de 
gestão de pessoas. A concordância com tal perspectiva implica o reconhecimento de que 
os limites entre o que é especialidade de recursos humanos e o que está na área de 
atuação dos planejadores estratégicos ou dos gestores de produção ou de marketing são 
muito tênues e de difícil determinação. 
De qualquer forma, ainda que seja para fins didáticos e de delimitação de campos 
teóricos de pesquisa, é importante circunscrever os elementos componentes do 
16 
�
 modelo de gestão de pessoas. Eles estão presentes em praticamente todas as 
organizações, mas não são identificados de imediato porque se manifestam de diferentes 
maneiras: mais ou menos formalizados, consolidados em uma estrutura organizacional 
própria ou ainda dispersos e pouco tangíveis, o que depende, fundamentalmente, da 
maior ou menor consciência que a própria empresa tem da importância de agir 
organizadamente sobre o comportamento humano aplicado ao trabalho. 
Embora a gestão de pessoas abranja, acima de tudo, determinado padrão de atitudes e 
posturas observáveis pelo analista externo que caracterizam o convívio humano na 
organização, é possível decompô-la em elementos menos abstratos. Os componentes 
formais de um modelo de gestão de pessoas se definem por princípios, políticas e 
processos que interferem nas relações humanas no interior das organizações. 
Por princípios entendem-se as orientações de valor e as crenças básicas que determinam 
o modelo e são adotadas pela empresa. Especial destaque deve ser dado para as já 
referidas anteriormente como fundamentais na definição da cultura de uma organização: o 
significado do homem e do trabalho. Observe-se o exemplo de uma das maiores 
organizações bancárias brasileiras. O Unibanco, ao definir sua estratégia de negócio no 
início da década de 1990, optou pela seguinte formulação: “É nossa diretriz estratégica 
atender de forma equilibrada aos interesses de clientes, acionistas e funcionários”. Com 
isso a empresa quer tornar público que defende uma cultura na qual esses três agentes 
organizacionais têm igual valor. Trata-se sem dúvida de uma definição de princípios de 
gestão de pessoas que orientará as características estruturais do modelo de gestão 
adotado. Outro exemplo conhecido é o da Disney. Ao definir como valores honestidade, 
integridade, respeito, determinação e diversidade, a conhecida corporação americana 
estabelece parâmetros de relacionamento entre as pessoas e das pessoas com a 
organização. O modelo de gestão deverá não só segui-los e respeitá-los como também 
reforçar esses valores na cultura da organização. 
As políticas, por sua vez, estabelecem diretrizes de atuação que buscam objetivos de 
médio e de longo prazo para as relações organizacionais. Em geral, são orientadoras e 
integradoras dos processos especificamente voltados para a gestão de pessoas. A Xerox 
do Brasil, por exemplo, definia: “A Xerox deve ser capaz de atrair e reter profissionais 
qualificados para diversas funções do negócio. Para isso, o mercado (outras empresas) é 
acompanhado continuamente, visando alinhar nossa estrutura de salários e conjunto de 
benefícios às empresas mais modernas do mercado”. Nesse caso, mais uma vez se 
estabelecem publicamente parâmetros que orientam as práticas de gestão, elementos 
balizadores das práticas de gestão de salários que deveriam ser conhecidos e válidos 
para toda a corporação. 
Os processos são os elementos mais visíveis do modelo, e boa parte da literatura sobre 
recursos humanos tem-se dedicado exclusivamente a eles. Processos são cursos de 
ação previamente determinados, não podem ultrapassar os limites dos princípios de 
gestão e visam alcançar os objetivos traçados, orientados por políticas específicas. São 
instrumentalizados por uma ou mais ferramentas de gestão que pressupõem 
procedimentos específicos. 
Caracterizam-se como processos de gestão os planos de cargos e salários, de 
capacitação e de sucessão, a administração de carreiras e as avaliações de desempe- 
17 
 
�
nho, de performance e de pessoal. Pesquisas salariais, de clima organizacional e 
diagnósticos de cultura são exemplos de processos e ferramentas componentes do 
modelo. O importante, quando se fala em processos, é que somente ganham sentido 
efetivo num contexto dado, ou seja, o processo depende de um princípio ou crença que 
lhe dê conteúdo e direção e de sua capacidade de interferir nas relações organizacionais. 
Somente assim um processo poderá cumprir seu papel de orientar ou estimular o 
comportamento humano na empresa. 
Integra ainda o modelo de gestão de uma organização o estilo de gestão dos gerentes 
diretos das equipes de trabalho, ou seja, a maneira pela qual o gestor atua ao estabelecer 
limites ou estimular determinados padrões de comportamento. Pela orientação dos 
processos de capacitação gerencial ou mesmo da simples divulgação dos perfis de 
comportamento desejados a empresa procura intervir no estilo gerencial praticado por 
suas chefias dando coerência ao modelo. Assim, a P.hodia, um dos mais importantes 
exemplos de processo de mudança organizacional da década de 1980, para consolidar o 
novo perfil funcional desejado, começava por definir o estilo gerencial perseguido pela 
empresa. Os gerentes da Rhodia deveriam adotar os seguintes princípios: 
PRHOEX — Princípios gerenciais 
• Visão sistêmica 
• Foco nos processos 
• Organização que aprende 
• Valorização das pessoas 
• Gerenciamento interfuncional 
A experiência prática tem demonstrado que, dentre todos os componentes do modelo de 
gestão de pessoas, esse talvez venha a ser o mais crítico. Conflui para o gerente todo o 
processo de gestão, as ferramentas tomam vida quando são por ele utilizadas e sua 
inadequação põe em risco toda a composição do modelo. 
O desenho organizacional, ou seja, a maneira pela qual o modelo opera, a estrutura 
específica de organização do trabalho dos profissionais especializados e a forma pela 
qual eles prestam serviços a seus clientes também são elementos constituintes do 
modelo. Tais características, embora de extrema relevância, não são tratadas 
detalhadamente neste capítulo por fugir de seu objetivo central. 
5. Um resgate histórico dos modelos de gestão de pessoas 
Observa-se até aqui quanto as organizações dependem de uma atuação estruturada 
sobre o comportamento humano e das características básicas dessa ação. Demonstrou-
se também que tal ação é determinada por fatores internos e externos 
18 
 
à própria organização, sendo razoável supor que, para diferentes contextos históricos ou 
setoriais, encontram-se diferentes modalidades de gestão. O que diferencia um modelo 
de outro são as características de seus
elementos, que, como se estudará a seguir, se 
articulam em torno de alguns conceitos-chave, que por sua vez determinam a forma de 
operação. 
Buscando explicitar e entender esses conceitos articuladores, classificam-se as grandes 
�
correntes sobre gestão de pessoas em quatro categorias principais, que correspondem a 
períodos históricos distintos, como já foi mencionado anteriormente. São elas: modelo de 
gestão de pessoas articulado como departamento pessoal, como gestão do 
comportamento, como gestão estratégica e, finalmente, como vantagem competitiva. 
Analisam-se a seguir as principais características de cada uma dessas vertentes. 
6. Modelo de gestão de pessoas como departamento pessoal 
A administração de recursos humanos, no sentido mais específico do termo (human 
resource management) , é resultado do desenvolvimento empresarial e da evolução da 
teoria organizacional nos Estados Unidos. Trata-se de produção tipicamente americana, 
que procura suplantar a visão de departamento pessoal. Um conceito que reflete a 
imagem de uma área de trabalho voltada prioritanamente para as transações processuais 
e os trâmites burocráticos. 
A história da human resource management (HRM) nos Estados Unidos, segundo Beverly 
Springer, inicia-se com o surgimento dos departamentos pessoais. Em 1990, a autora 
celebrou o centenário da história da gestão de recursos humanos nos Estados Unidos, 
cuja origem poderia ser datada de 1890, quando a NCR Corporation criou seu personnel 
office. O objetivo dos gerentes de pessoal, que atuariam nessa nova área, seria 
“estabelecer um método pelo qual pudessem discernir melhor, entre a extensa e 
diversificada massa de candidatos a emprego, que indivíduos poderiam tomar-se 
empregados eficientes ao melhor custo possível” (Springer e Springer, 1990). Ela define 
os fatores de ordem cultural, econômica e organizacional que determinaram o surgimento 
da função “gestão de pessoal” nessa época. Dentre eles destacam-se: 
-a NCR havia assumido porte e especialização que recomendavam uma função 
específica voltada para a administração de pessoal; 
-a livre empresa e o individualismo tomaram-se valores sedimentados na cultura 
americana, o que permitia às empresas escolher livremente com quem e como trabalhar; 
-a força de trabalho do país ganhara maior mobilidade, e era grande o contingente de 
migrantes que deveriam ser adaptados ao trabalho; 
-os sindicatos não se haviam disseminado dentro do novo tipo de corporação que surgia 
como modelo empresarial. 
Isso significa que o aparecimento do departamento pessoal ocorreu quando “os 
empregados se tornaram um fator de produção cujos custos deveriam ser admi- 
19 
 
nistrados tão racionalmente quanto os custos dos outros fatores de produção”. A raiz do 
que viria a ser chamado posteriormente de administração de recursos humanos e que 
neste capítulo se denomina modelo de gestão de pessoas estaria na necessidade da 
grande corporação de gerenciar os funcionários como custos, o elemento diferenciador de 
competitividade da época. Isso levou a NCR a investir em uma área especificamente 
voltada para tal finalidade. Tal constatação reforça a premissa de que os recursos 
humanos são resultado de um conjunto de necessidades empresariais delimitadas pelas 
características sociais e culturais da época — uma função organizacional que surge como 
conseqüencia, e não causa, dos processos de mudança que ocorriam na empresa e fora 
dela. No caso da grande empresa americana do início do século XX, o modelo de gestão 
deveria preocupar-se com as transações, os procedimentos e os processos que fizessem 
�
o homem trabalhar da maneira mais efetiva possível: produtividade, recompensa e 
eficiência de custos com o trabalho eram os conceitos articuladores do modelo de gestão 
de pessoas do tipo departamento pessoal. 
O fato de que condições sociais, econômicas e organizacionais são determinantes das 
práticas de gestão de recursos humanos não constitui novidade. Tal conceito é observado 
ou é um pressuposto intrínseco para praticamente todos os autores da área (Cave, 1994). 
O que surpreende é a freqüência com que, mesmo assim, alguns analistas generalizam 
suas recomendações de ótimos modelos, que deveriam ser praticados pelas 
organizações sem levar em consideração os ambientes específicos em que estão 
inseridas. A produção teórica nacional e internacional apresenta-se recheada de 
prescrições genéricas, que buscam antever aquilo que todas as organizações precisariam 
fazer com seus recursos humanos para se tornar eficazes, estratégicas ou competitivas.. 
Em contrapartida, essa produção é absolutamente pobre em estudos específicos que 
reconheçam por meio da pesquisa aquilo que efetivamente as organizações adotam na 
gestão de suas relações com os empregados. 
A busca permanente de um padrão ótimo gera outra marca característica da gestão de 
recursos humanos: conviverá permanentemente com a tensão entre o modelo idealizado 
— concebido pelos teóricos como adequado — e o modelo praticado — efetivamente 
implementado pelas organizações. 
O divórcio entre teoria e prática começa a ser percebido com o advento das escolas 
marcadas pela influência da psicologia humanista. A ideologia organizacional dominante 
no início do século XX, a administração científica, era bastante compatível com um 
departamento pessoal voltado para a eficiência de custos e para a busca de 
trabalhadores adequados às tarefas cientificamente ordenadas. Mas, a julgar pela obra de 
Springer, já a partir dos anos 1920 esse descompasso começa a aparecer. Em sua 
reconstituição histórica, a autora afirma que, nesse período, os pressupostos taylonstas 
continuam sendo adotados por praticamente todas as empresas, enquanto a teoria 
avança em outra direção. Elton Mayo e seus seguido- 
20 
 
res estariam promovendo as primeiras experiências de contato mais intenso entre a 
administração e a psicologia, determinando uma nova fase na história da administração 
de recursos humanos. 
7. Modelo de gestão de pessoas como gestão do comportamento humano 
A utilização da psicologia como ciência capaz de apoiar a comreensão e a intervenção na 
vida organizacional provocou nova orientação do foco de ação da gestão de recursos 
humanos. Ela deixou de concentrar-se exclusivamente na tarefa, nos custos e no 
resultado produtivo imediato para atuar sobre o comportamento das pessoas. Isso 
aconteceu por meio de duas escolas de psicologia, cuja influência se deu em diferentes 
épocas. Nas décadas de 1930 e 40, predominaria a linha behaviorista do Instituto de 
Relações Humanas da Universidade Yale. Sua principal contribuição seria a criação dos 
instrumentos e métodos de avaliação e desenvolvimento de pessoas que, nas empresas, 
formariam o arsenal da psicologia e da psicometria aplicadas aos procedimentos de 
gestão de recursos humanos. 
�
Já nos anos 1930, Abraham Maslow romperia com a escola behaviorista para iniciar o 
período em que a psicologia humanista passaria a interferir decisivamente na teoria 
organizacional. Todos os demais autores de projeção da área, como Herzberg, Argyris e 
McGregor, podem ser, de alguma forma, vinculados a essa corrente. 
A expressão human resource management e o foco prioritário no comportamento humano 
podem ser considerados os principais resultados da afirmação definitiva da psicologia 
humanista na teoria organizacional. Tal expressão começaria a ser utilizada a partir de 
1950 nos Estados Unidos “para designar uma expansão da tradicional administração de 
pessoal”, criada em 1890 pela NCR Corporation (Springer e Springer, 1990). 
Nos anos 1960 e 70, a escola de relações humanas, nome pelo qual ficou conhecida essa 
linha de pensamento, predominou como matriz de conhecimento em gestão de pessoas. 
Uma de suas principais contribuições foi descobrir que a relação entre a empresa e as 
pessoas é intermediada pelos gerentes de linha.
Reconhecer a importância e levar o 
gerente de linha a exercer adequadamente seu papel constituiu a principal preocupação 
da gestão de recursos humanos. O foco de atuação se concentraria no treinamento 
gerencial, nas relações interpessoais, nos processos de avaliação de desempenho e de 
estímulo ao desenvolvimento de perfis gerenciais coerentes com o processo de gestão de 
pessoas desejado pela empresa. Motivação e liderança passariam a constituir os 
conceitos-chave do modelo humanista. 
Em um artigo da Harvard Business Review, Millesi tentaria estabelecer uma distinção 
entre os conceitos de relações humanas e de recursos humanos. Até hoje tal distinção 
não foi devidamente incorporada pelo senso comum e pela teoria, uma vez que, em geral, 
os dois conceitos são utilizados como sinõnimos. De qualquer maneira, para Millesi o 
modelo de recursos humanos corresponderia a uma nova fase do processo de 
gerenciamento de pessoas, na qual a diferença fundamental 
21 
 
estaria na postura do gerente na condução das equipes de trabalho (Conrad e Pieper, 
1990). 
O mesmo autor publicaria, em 1975, Theories of management, propondo uma 
classificação composta de três modelos de gerenciamento: o tradicional, o modelo de 
relações humanas e o modelo de recursos humanos. No primeiro, o papel do gerente 
consiste em dar ordens e monitorar seus subordinados. No segundo, o de relações 
humanas, os gerentes devem reconhecer as expectativas dos funcionários, levando-os a 
sentir-se úteis e importantes naquilo que fazem. No terceiro e mais avançado modelo, o 
de recursos humanos, o papel do gerente seria promovr atitudes de autodeterminação e 
autogerenciamento entre os subordinados (Staehle, 1990). 
Ainda nos anos 1960, desenvolveram-se as teorias que buscavam valorizar o papel do 
elemento humano no sucesso das empresas. Em termos genéricos, incluem-se aqui 
autores como Likert, Schultz e Schuster, que desenvolveram os conceitos de human 
capital accounting ou human asset accounting (apud Conrad e Pieper, 1990). O objetivo 
básico era inverter a visão predominante de gestão de recursos humanos, segundo a qual 
a meta prioritária estaria centrada na otimização dos custos, para uma perspectiva de 
valorização de ativos. Dessa linha de pensamento surgiu o jargão, bastante conhecido e 
já desgastado, de que “o trabalho humano constitui o principal ativo de uma organização”. 
A persistência do jargão na cultura dos especialistas demonstra a importância dessa linha 
teórica na construção do conceito de administração de recursos humanos e na 
reorientação de sua prática no interior das organizações. Entre suas contribuições estão a 
�
introdução da questão da mensuração econômica dos resultados da função de recursos 
humanos, uma embrionária valorização dos processos de desenvolvimento de pessoas 
em detrimento das atividades técnicas de gestão de salários e de cargos e a promoção de 
pesquisas empíricas que buscam comprovar a correlação entre o sucesso das 
organizações e o investimento em desenvolvimento de recursos humanos. 
Como se vê, embora por vezes sejam utilizadas como sinônimos, nota-se entre os 
estudiosos da questão a forte preocupação de distinguir a gestão de recursos humanos 
de administração de pessoal. Este segundo termo estaria vinculado a um passado 
marcado pelo caráter processual e burocrático da atividade, característico do modelo 
anteriormente analisado. Brewster e Hegewisch (1994), fazendo uma retrospectiva de 
vários estudos que estabelecem tal diferença, demonstram que, embora todos partam do 
mesmo princípio, o parâmetro de diferenciação varia bastante entre eles. Diferentemente 
da administração de pessoal, a gestão de recursos humanos estaria voltada para a 
integração, o comprometimento dos empregados, a flexibilidade, a adaptabilidade e a 
qualidade. Mais específicos, Mahoney e Deckop estabelecem seis aspectos que 
diferenciam ARH de administração de pessoal. Eles argumentam que ARH envolve uma 
visão ampla e profunda das seguintes áreas de atuação (apud Brewster e Hegewisch, 
1994): 
> Planejamento da alocação das pessoas no trabalho: uso de técnicas que 
estabeleçam um elo entre a estratégia de negócios da empresa e as pessoas. 
> Comunicação com os empregados: adota como focos de atuação a comunicação 
direta e a negociação permanente com os empregados. 
22 
 
> Sentimentos dos funcionários: a gestão deveria concentrar-se na satisfação das 
pessoas e em tudo aquilo que possa interferir na cultura organizacional da empresa. 
Gestão dos empregados: ocorreria por meio dos mecanismos tradicionais de recursos 
humanos, na seleção, no treinamento e na compensação dos funcionários. 
Gestão de custos e benefícios: contemplaria os esforços orientados para a redução dos 
custos com mão-de-obra, tais como redução da rotatividade, do absenteísmo e outros 
fatores que interferem na efetividade oranizacional. 
Gestão do desenvolvimento: corresponde à preocupação com a criação de 
competências necessárias para o futuro da empresa. 
Nas propostas de Mahoney e Deckop começa a surgir, de forma mais completa e 
abrangente, o modelo de gestão de recursos humanos em sua concepção mais moderna: 
é constituído de um conjunto de processos que a empresa concebe e implementa com o 
objetivo de administrar suas relações com as pessoas buscando concretizar seus 
interesses. Tais interesses podem ser resumidos em três eixos principais: a efetividade 
econômica, a efetividade técnica e a efetividade comportamental. 
Por efetividade econômica entende-se o alcance dos resultados de redução de custos ou 
maximização de lucros através das práticas de gestão de pessoal, o que resgata os 
objetivos da escola anterior, porque pressupõe a mensuração do impacto efetivo do 
trabalho nos resultados da empresa. A efetividade técnica refere-se à manutenção da 
ação do homem em consonância com os padrões de qualidade requeridos pelos 
produtos, equipamentos e negócios realizados pela empresa. A efetividade 
comportamental corresponde à busca da motivação e da satisfação dos interesses dos 
�
funcionários, atendendo adequadamente suas necessidades. 
Observe-se que nesse ponto se reconhece implicitamente a subjetividade, ou seja, para 
obter os resultados, os processos geridos pela empresa devem incidir, pnoritariamente, 
sobre as relações que ela estabelece com as pessoas. Tais resultados serão sempre 
soluções de consenso, negociadas entre as duas partes envolvidas: pessoas e 
organização. Reconhecer essa característica básica da gestão de recursos humanos 
significa reconhecer também quanto é limitado o grau de previsibilidade da empresa com 
relação aos produtos finais resultantes das práticas que adota. 
Como é possível observar, o modelo que reconhece o comportamento humano como foco 
principal da gestão se articula em torno dos binômios envolvimento-motivação, fidelidade-
estabilidade e assistência-submissão. Cabe à empresa promover a motivação das 
pessoas, e às pessoas, manter-se permanentemente envolvidas com os projetos da 
organização num contrato de submissão de longo prazo — “vestir a camisa da empresa” 
constituía o siogan para empregar e manter as pessoas nas empresas. É em torno 
desses elementos básicos que se estrutura o mais influente e conhecido modelo de 
gestão de pessoas da história da teoria organizacional. 
8. Modelo estratégico de gestão de pessoas 
Nas décadas de 1970 e 80, um novo critério de efetividade foi introduzido na modelagem 
dos sistemas de gestão de recursos humanos: seu caráter estratégico. A 
23 
 
necessidade de vincular a gestão de pessoas às estratégias da organização foi apon tada 
inicialmente pelos pesquisadores da Universidade de Michigan, dentre o quais se 
destacam Tichy, Fombrum e Devanna. Segundo Staehle (1990), a visão desses autores 
era de que a gestão de recursos humanos deveria buscar o melhor encaixe possível com 
as políticas empresariais
e os fatores ambientais. Para isso, o. planos estratégicos dos 
vários processos de gestão de recursos humanos serian derivados das estratégias 
corporativas da empresa. 
Há nesse aspecto um indício de ruptura com as escolas comportamentais. Nã é mais a 
motivação genérica que o modelo deve buscar. Indivíduos motivados satisfeitos e bem 
atendidos em suas necessidades estão prontos para atuar, mas issc pode não significar 
absolutamente nada para as diretrizes estratégicas da empresa. 
Staehle reconhece o avanço proporcionado pelo grupo de Michigan ao demonstrar a 
importância do caráter estratégico no modelo de gestão de pessoas mas ressalta os 
limites dessa concepção. Para ele, tal perspectiva assume o pressuposto da adaptação e 
implementação, ou seja, o papel de recursos humanos se resu mina a adaptar-se à 
estratégia de negócio e a implementar sua diretriz específica. Não é levada em 
consideração a possibilidade de a ARH intervir na estratégia corporativa introduzindo nas 
decisões tomadas uma visão estratégica das pessoas e sua contribuição para a empresa. 
Nos anos 1980, caberia à Harvard Business School desenvolver nova perspectiva da 
gestão estratégica de pessoas. Staehle utiliza os tópicos abordados pelo curso de 
Administração de Recursos Humanos introduzido no MBA dessa escola para demonstrar 
como a abordagem de Harvard se mostra mais ampla e integradora do que as anteriores. 
Lançado em 1981, o curso estava estruturado nas seguintes áreas de políticas de 
recursos humanos: 
�
>influência sobre os funcionários (filosofia de participação); 
>processos de recursos humanos (recrutamento, desenvolvimento e demissão); 
>sistemas de recompensa (incentivos, compensação e participação); 
>sistemas de trabalho (organização do trabalho). 
A abordagem de Harvard aponta a necessidade de o modelo de gestão de pessoas 
corresponder a fatores internos e externos à organização. As áreas de política 
mencionadas seriam afetadas pelos interesses dos stakeholders (acionistas, gerentes 
grupos de empregados, sindicatos, comunidade e governo) de um lado e por pressões 
situacionais de outro. As decisões de ARH deveriam estar pautadas pela gestão desses 
dois conjuntos de fatores, conciliando os interesses envolvidos. Como afirma Staehle, na 
visão de Harvard “a principal responsabilidade da gestão de recursos humanos é integrar 
harmoniosamente as quatro áreas entre si e com a estratégia corporativa da empresa” 
(Staehle, 1990). 
No Brasil, a perspectiva estratégica de gestão de recursos humanos influenciou as 
organizações mais bem estruturadas nessa área na década de 1980. Em 1987, 
Albuquerque realizou uma pesquisa abrangerite e elucidativa a esse respeito em um 
conjunto bastante amplo de empresas brasileiras. Nesse estudo é possível encontrar uma 
profunda revisão bibliográfica do conceito e constatações relevantes de sua 
24 
 
implementação prática no país. Dentre outras conclusões, o autor destaca que, “muito 
embora os resultados da pesquisa não evidenciem uma ligação forte entre planejamento 
estratégico de recursos humanos e planejamento estratégico, já se configura uma 
tendência de aceitação do planejamento estratégico de recursos humanos por parte da 
alta administração das empresas da amostra” (Albuquerque, 1987). 
Com referência à participação de recursos humanos nas estratégias de negócio, 
Albuquerque constata que o executivo de recursos humanos, na época da pesquisa, era 
“envolvido, de uma forma ou de outra, na formulacão das estratégias organizacionais na 
maioria das empresas pesquisadas” (Albuquerque, 1987). 
Fischer (1998) demonstrou que os formadores de opinião do setor percebem que as 
grandes organizações brasileiras enfrentam grandes dificuldades para adotar uma 
perspectiva estratégica de gestão de pessoas, embora a pesquisa também tenha 
constatado que praticamente todas se orientavam por esse ideal. 
De qualquer maneira, essa linha de pensamento trouxe novo conceito articulador do 
modelo de gestão: a busca de orientação estratégica para as políticas e práticas de RH. 
Seria preciso, a partir de então, intensificar os esforços de adaptação do modelo às 
necessidades da empresa, tornando-se insuficientes as soluções padronizadas capazes 
de atender a qualquer organização em qualquer tempo. As verdades sobre a gestão do 
comportamento humano deixaram de ser gerais para se tornar um problema do negócio e 
de sua estratégia. O modelo tornava-se assim cada vez menos prescritível e genérico 
para ocupar a função de elemento de diferenciação. 
9. Modelo de gestão de pessoas articulado por competências 
O advento da era da competitividade exigiu novo papel da gestão de recursos humanos. 
A intenção de estabelecer vínculos cada vez mais estreitos entre o desempenho humano 
e os resultados do negócio da empresa, já presente na fase anterior, se intensifica a 
�
ponto de requerer nova definição conceitual do modelo. A ênfase na competição, presente 
nas obras de autores como Porter, Hammer e Prahalad, direciona de forma decisiva toda 
a teoria organizacional e cria as bases do surgimento de um modelo de gestão de 
pessoas baseado em competências. 
Essa produção teórica tem origem nas mudanças ocorridas nos mercados internacionais 
a partir da década de 1980. Nessa época, a chamada ofensiva japonesa desestabilizou a 
hegemonia das grandes corporações americanas, tornando a busca da competitividade 
um tópico recorrente na literatura sobre gestão empresarial. Nela passam a predominar 
temas como estratégia competitiva, vantagem competitiva, reengenhana e reestruturação, 
competências essenciais e reinvenção do setor. Para entender a emergência do novo 
modelo é preciso resgatar a influência de tal visão de gestão de negócios na 
administração de recursos humanos. 
9.1 GESTÃO DE PESSOAS E VANTAGEM COMPETITIVA 
A noção de vantagem competitiva aparece no título do segundo livro de Porter (1989), no 
qual o autor analisa o problema da incapacidade de as émpresas tradu- 
25 
 
zirem suas estratégias em ações práticas. O foco é a sustentação da vantagem 
competitiva, que introduz a noção de valor agregado ao produto e de cadeia de valor 
como elementos fundamentais na manutenção do posicionamento da empresa: “A 
vantagem competitiva surge do valor que uma empresa consegue criar para seus 
compradores e que ultrapassa o custo de fabricação pela empresa”. A cadeia de valor 
deve ser analisada nas diferentes atividades internas da organização e suas interações, 
uma vez que a vantagem competitiva “tem sua origem nas inúmeras atividades distintas 
que uma empresa executa no projeto, produção, marketing, entrega e suporte do produto. 
Cada uma dessas distintas atividades pode contribuir para a posição dos custos relativos 
de uma empresa, além de criar uma base para a diferenciação” (Porter, 1989). 
A partir de então se tornaria muito dificil falar de gestão de recursos humanos sem fazer 
referência à questão da competitividade e da agregação de valor para o negócio e os 
clientes. Embora não se alongue no tema, no mesmo livro Porter (1989) diz que “a 
gerência de recursos humanos afeta a vantagem competitiva em qualquer empresa”, 
chegando “em algumas indústrias a ser a chave para a vantagem competitiva”. Apesar de 
a obra constituir, na essência, um debate sobre como as pessoas transformam a 
estratégia em ações práticas, as referências do autor a recursos humanos limitam-se a 
não mais de duas páginas. Nelas, Porter recomenda algumas práticas de recursos 
humanos que levariam à melhor interação entre unidades organizacionais, tais como 
rotação de cargos — função comum a toda a empresa para contratar e treinar 
funcionários —, reuniões e fóruns cruzados e iniciativas de promoção interna. Não há, 
portanto, nenhuma preocupação específica de aprofundar os vínculos entre 
comportamento humano no trabalho e obtenção de vantagens competitivas. 
9.2 GESTÃO DE PESSOAS
E REENGENHARIA 
Famosa por ser considerada a principal responsável pelas conseqüências perversas das 
reestruturações empresariais nas décadas de 1980 e 90, a reengenharia, de Hammer e 
�
Champy (1994), propõe a mudança radical de todos os princípios que orientaram a 
administração de empresas nos últimos dois séculos. Os autores são enfáticos e radicais 
ao demonstrar-se absolutamente convencidos de que dominam a única solução 
verdadeira para as grandes questões organizacionais da época. Essa postura, retratada 
no caráter quase doutrinário do texto, talvez justifique o estigma incorporado ao conceito: 
“Neste livro, dizemos que chegou a hora de aposentar esses princípios e de adotar um 
novo conjunto. A alternativa é as empresas fecharem as portas e encerrarem as 
atividades”. Em outra passagem, os autores afirmam categoricamente a supremacia de 
suas descobertas comparando-as às de Adam Smith: 
Demonstramos como as atuais empresas podem se reinventar a si próprias. Chamamos 
as técnicas que podem se valer para isso de reengenharia empresarial, as quais estão 
para a próxima revolução dos negócios como a especialização do trabalho esteve para a 
última. As grandes empresas, inclusive as mais bem-sucedidas e promissoras, precisam 
abraçar e aplicar os princípios da reengenhana empresarial ou serão eclipsadas pelo 
maior sucesso daquelas que o fizerem (Hammer e Champy, 1994). 
26 
 
Para tais autores, a história da teoria organizacional começou com sua obra. O passado é 
desconsiderado, assim como a história das empresas, que em nada deve pesar em seu 
presente e futuro. Antes de tudo é preciso esquecê-lo: “A reengenharia não é mais uma 
idéia importada do Japão. Não é outra solução rápida que os gerentes possam aplicar às 
suas organizações. […] A reengenhana empresarial não trata de consertar nada. […] A 
reengenharia empresarial significa começar de novo, começar do zero” (Hammer e 
Champy, 1994). 
Utilizando exemplos concretos de mudanças provocadas por iniciativas empresariais em 
determinados setores — “A Wal-Mart reinventou o comércio varejista” — os autores 
demonstram que alternativas convencionais não são suficientes para fazer frente às três 
forças que pressionam as organizações na atualidade: o acirramento inusitado da 
concorrência, o controle da relação com a empresa assumido pelo cliente e a mudança 
transformada em paradigma básico da gestão empresarial. 
A reengenharia tornou-se uma das estratégias organizacionais de competitividade mais 
divulgadas e polêmicas dos anos 1990. Foi largamente difundida e implementada, no 
exterior e no Brasil, seguindo-se ou não os preceitos de Hammer e Champy. Ao contrário 
das demais propostas, a reengenharia não utiliza os conceitos de estratégia, vantagem 
competitiva e competitividade. Tais conceitos estão implícitos, e o foco de atenção dessa 
linha teórica fica circunscrito à reformulação dos processos empresariais, o que, por 
vezes, parece confundir suas propostas com as antigas práticas de organização e 
métodos, com uma roupagem radicalizada e adaptada aos novos tempos. 
A questão da gestão de recursos humanos, como seria de prever, aparece pouco ou 
quase nada na perspectiva de Hammer e Champy. Quando isso acontece, o objetivo é 
racionalizar e diminuir o custo fixo com mão-de-obra, como se observa no exemplo da 
Ford transcrito a seguir: “O novo processo de contas a pagar da Ford é bem diferente. O 
pedido de compra, fatura e o documento de recebimento não são mais cotejados entre si 
basicamente porque o novo processo eliminou inteiramente a fatura. Os resultados 
revelaram-se drásticos. Em vez de quinhentos funcionários, a Ford conta agora com 
apenas 125 para o pagamento de fornecedores”. 
A reengenharia de processos provoca impactos fundamentais na gestão de recursos 
humanos, e sua introdução nas organizações sem dúvida significou um dos motivadores 
�
principais da emergência do modelo de gestão competitivo. Com base na leitura da 
principal obra dos autores que lançaram essa proposta, relaciona-se a seguir uma síntese 
das mudanças decorrentes da prática da reengenharia diretamente ligadas a recursos 
humanos: 
>as unidades de trabalho mudam de departamentos funcionais para equipes de processo; 
> os serviços mudam de tarefas simples para trabalhos multidimensionais; 
> os papéis das pessoas mudam de controlados para autorizados; 
> a preparação para os serviços muda de treinamento para educação; 
>o enfoque das medidas de desempenho e remuneração se altera da atividade para os 
resultados; 
>os critérios das promoções mudam do desempenho para a habilidade; 
27 
> os valores mudam de protetores para produtivos: 
> os gerentes mudam de supervisores para instrutores; 
>as estruturas organizacionais mudam de hierárquicas para niveladas: 
> os executivos mudam de controladores do resultado para líderes. 
Mesmo que nos limites deste capítulo não seja possível aprofundar a análise das 
propostas de Hammer e Champy, é importante assinalar que ocorreram diferentes tipos 
de intervenção nas organizações brasileiras, e provavelmente também no exte nor, com o 
nome de reengenhana. Em geral, tratava-se de um processo de downsizing 
— que os autores insistem em diferenciar explicitamente da reengenharia — ou de 
iniciativas circunscritas de racionalização de processos de trabalho visando reduzir custos 
e pessoal. Isso terminou por dar uma conotação negativa à palavra, transformando-a, na 
linguagem habitual das empresas, em sinônimo de demissão em massa. 
Por outro lado, vale dizer que a grande contribuição da reengenharia foi alertar dirigentes 
e executivos para a necessidade de focalizar os processos em resultados. Empresas 
paquiderinicas e burocratizadas, paradas no tempo e acossadas pelo mercado sem 
vislumbrar caminhos de reação, encontraram nessa proposta uma fórmula para eliminar 
gorduras e atividades que não agregavam valor a elas nem a seus clientes. A 
reengenharia tornou-se, nesse caso, uma solução necessária e importante. Entretanto, 
quando o objetivo permaneceu exclusivamente na redução de custos, ou seja, não foi 
articulado a uma estratégia mais ampla, a reengenharia, como proposta em si, trouxe 
para as empresas apenas resultados e sobrevivência de curtíssimo prazo. 
9.3 GESTÃO DE PESSOAS E COMPETÊNCIAS 
Embora a emergência de um modelo competitivo de gestão de pessoas esteja 
relacionada com todas as escolas que predominaram entre as décadas de 1980 e 90,a 
obra de Prahalad e Hamel é a que demonstra maior grau de interação com suas 
principais características. Por força da visão desses autores, as questões da estratégia e 
da competitividade retomam seus devidos lugares, readquirindo importáncia como 
dimensões essenciais da gestão empresarial. Implicitamente, eles polemizam com Porter 
e criticam abertamente a mudança centrada nos processos de Hammer. Defendem a 
perspectiva de que a competitividade está relacionada com a capacidade da empresa de 
reinventar seu setor. A empresa competitiva seria aquela que, além da reengenharia e da 
simples reestruturação operacional, tem condições de criar um novo espaço competitivo 
em vez de esforçar-se por se posicionar melhor no espaço competitivo atual. 
Por acreditar que as empresas que se empenham na reengenharia estão se esforçando 
�
para alcançar seus concorrentes, e não para superá-los, os autores propõem regenerar a 
estratégia dando-lhe uma nova configuração: 
É inteiramente possível para uma empresa colocar em prática o downsizing e a 
reengenharia na sem nunca confrontar a necessidade de regenerar sua estratégia 
principal, sem nunca ser forçada a repensar as fronteiras de seu setor, sem nunca ter de 
imaginar o que os clien- 
28 
 
tes desejarão nos próximos dez anos e sem nunca ter de redefinir fundamentalmente o 
“mercado servido”. Contudo, sem essa reavaliação fundamental, a empresa será 
surpreendida a caminho do futuro. A
defesa da posição atual de liderança não substitui a 
criação da futura liderança (Prahalad e Hamel, 1995). 
Citando uma pesquisa de The Wall Street Journal, os autores afirmam que o processo de 
reestruturação não garante necessariamente maior valor à empresa, podendo ocorrer até 
mesmo o contrário: 
A reestruturação raramente resulta em melhoria fundamental da empresa. Na melhor das 
hipóteses, consome tempo. Um estudo realizado com 16 grandes empresas norte-
americanas com pelo menos três anos de experiência em reestruturação revelou que, 
embora a reestruturação normalmente tenha melhorado o preço das ações da empresa, a 
melhoria foi quase sempre temporária. Após três anos da reestruturação, esse preço era, 
em média, bem inferior às taxas de crescimento anteriores, registradas na época em que 
foi iniciada a reestruturação. O estudo concluiu que um investidor astuto deve interpretar 
um anúncio de reestruturação como um sinal para venda, e não para compra (Prahalad e 
Hamel, 1995). 
A abordagem de Prahalad e Hamel difere da de Porter em alguns aspectos que merecem 
ser ressaltados. O primeiro deles refere-se ao foco da transformação organizacional, 
dirigido predominantemente para fora. Isso deve acontecer não só do ponto de vista da 
busca de informações sobre o ambiente, como o planejamento estratégico tradicional 
recomenda e Porter reafirma, mas também como objetivo orientador do próprio processo 
de mudança que se quer implementar. Isso significa que, quando advogam a reinvenção 
do setor, Prahalad e Hamel afirmam que a competitividade empresarial está condicionada 
à possibilidade de a empresa transformar não só a si própria mas também seu setor, 
estabelecendo, com isso, uma referência nova para todos os que nele atuam: 
concorrentes, fornecedores, clientes etc. É interessante observar como essa posição 
reitera o caráter sistêmico dos diferentes níveis de manifestação da competitividade, 
demonstrando que os vínculos de dependência entre os diferentes níveis se estreitam no 
mundo moderno. A passagem a seguir ilustra essa afirmação: 
Muitos gerentes encarregados da tarefa de gerenciar a transformação organizacional se 
esquecem de perguntar: “Transformar-nos em quê?” O ponto é que a agenda da 
transformação organizacional precisa ser direcionada por uma visão da agenda de 
transformação do setor: como desejamos moldar o setor nos próximos cinco ou dez 
anos? O que precisamos fazer para garantir que o setor evolua da forma mais vantajosa 
para nós? Que habilidades e recursos precisamos começar a desenvolver agora para 
ocupar uma posição de liderança no setor no futuro? (Prahalad e Hamel, 1995.) 
Para Prahalad e Hamel, a diferença entre empresas competitivas e não competitivas é a 
diferença entre empresas líderes e empresas seguidoras dentro do mesmo setor. As 
primeiras, ao se reinventar, reestruturam o setor, enquanto as segundas beneficiam-se 
�
das descobertas das líderes e da velocidade com que hoje é possível copiar e 
implementar as melhores soluções. 
29 
 
Competências essenciais e arena de oportunidades são também conceitos que conferem 
especificidade à obra de Prahalad e Hamel. Para eles, as “portas das oportunidades 
futuras” se abrem apenas para as empresas que desenvolvem competências para isso. 
Trata-se de uma espécie de decifra-me ou te devoro da competitividade empresarial, para 
o qual as empresas devem preparar-se. Os exemplos aparecem em grande quantidade: 
Uma competência essencial é um conjunto de habilidades e tecnofogias que permite a 
uma empresa oferecer um determinado benefício aos clientes. Na Sony, esse benefício é 
o “tamanho de bolso” de seus produtos e a competência essencial é a miniaturização. Na 
Federal Express, o benefício é a entrega rápida e a competência essencial, em nível 
bastante macro, é a gestão logística (Prahalad e Hamel, 1995). 
A importância da competição pela liderança em competências está na precedência da 
competição pela liderança em produtos. O desenvolvimento de uma competência não 
está vinculado diretamente a um produto, mas a vários deles, uma vez que o objetivo 
desse desenvolvimento é o benefício que trará ao cliente, e não o produto em si: “A busca 
incansável da Sony pela liderança em miniaturização permitiu à empresa acesso a uma 
ampla gama de produtos de áudio pessoais. As competências específicas da 3M em 
adesivos, substratos e materiais avançados geraram dezenas de produtos”. 
A busca e a internalização das competências essenciais definirão as empresas que 
estarão competindo pela arena de oportunidades do futuro. Entretanto, tal competição não 
ocorrerá exclusivamente entre empresas, mas também entre coalizões de empresas. Isso 
porque determinadas oportunidades somente poderão ser aproveitadas com a integração 
de competências que uma única empresa não teria condições de desenvolver 
isoladamente. Surgem assim as redes de empresas que caracterizam o ambiente de 
negócios da atualidade, normalmente aplicadas a setores complexos e de alta intensidade 
tecnológica, como a TV interativa, os conversores a cabo e os dispositivos de 
comunicação pessoal e de geração de imagens. 
Prahalad e Hamel valorizam a história das organizações e suas experiências acumuladas 
ao longo do tempo. Apesar de recomendar um processo de destruição criadora do 
conhecimento por meio do “desaprendizado”, eles consideram que a empresa “é um 
reservatório de experiências” vivenciadas por seus funcionários. O que as diferencia, em 
grande parte, é a “capacidade relativa” desses funcionários de extrair conhecimento 
dessas experiências. 
As pessoas aparecem no texto de Prahalad e Hamel com maior freqüência do que no dos 
demais autores analisados neste capítulo. Ocupam papel importante como agentes do 
processo de mudança estratégica, uma vez que “não é o dinheiro o combustível da 
viagem para o futuro, e sim a energia emocional e intelectual de cada funcionário”. Isso 
tem impacto na formulação da “intenção estratégica”, que não deve ser exclusivamente 
uma formulação correta e bem elaborada, mas precisa ter “pathos e paixão” e referir-se 
“tanto à criação de significado para os funcionários quanto à definição de direção”. 
30 
 
�
A principal tarefa do modelo competitivo de gestão de pessoas seria mobilizar essa 
energia emocional, ou seja, desenvolver e estimular as competências humanas 
necessárias para que as competências organizacionais da empresa se viabilizem. É 
assim que, no final dos anos 1980 e início dos 90, a gestão de recursos humanos deixaria 
de ser estratégica devido a uma condição genérica, como o fato de as pessoas serem o 
principal ativo da organização ou porque pessoas motivadas seriam, por definição, mais 
produtivas e engajadas ou ainda por estar alinhada a uma estratégia global. Pessoas 
passam a ser estratégicas somente nas situações em que o ser humano “é visto e tratado 
como uma fonte de vantagem competitiva” (Kochan e Dyer, 1992). 
Essa tendência já podia ser identificada em 1986, quando Hendry e Pettigrew (apud 
Brewster e Hegewisch, 1994) demonstravam que a perspectiva estratégica da gestão de 
pessoas não podia resumir-se a uma ênfase maior das ações planejadas, integradas e 
coerentemente alinhadas à estratégia de negócios da empresa. Reinterpretando o 
conceito e introduzindo nele a noção de competitividade, os autores afirmam que é 
preciso ir além e fazer com que “as pessoas sejam vistas pela organização como um 
recurso estratégico”, ou seja, competências necessárias para atingir um posicionamento 
diferenciado. 
Reconhecido como um dos principais autores da área, Lawler apresenta alguns indícios 
importantes quando demonstra que são quatro as exigências que pesam sobre a função 
nas empresas pressionadas pelos tempos de globalização: devem ser estratégicas, 
competitivas, focadas nos processos de mudança organizacional e responsáveis pelo 
envolvimento do funcionário com elas, seus negócios,
processos e produtos. 
Os aspectos destacados por Lawler de certa forma sintetizam o que o modelo competitivo 
de gestão de pessoas agregou das escolas anteriores. Continua tendo como núcleo de 
atuação o comportamento humano, como queria a escola de relações humanas; deve 
alinhar esse comportamento às estratégias da organização, sem o que sua ação seria 
absolutamente desarticulada e improdutiva; terá de lidar com um ambiente de permanente 
transformação, característico destes tempos de turbulência e mudança; e sobretudo terá 
de demonstrar sua capacidade de gerar, por meio das pessoas, maior competitividade 
para a empresa. Esse será o elemento básico de orientação do modelo competitivo de 
gestão de pessoas. Ele é qualificado como competitivo por dois motivos principais: porque 
deve ser condizente com o ambiente de competitividade que caracteriza as organizações 
contemporâneas e porque privilegia e se articula em torno de competências. 
10. Considerações finais 
Como ficou demonstrado, a história da administração de recursos humanos revela que, 
mais que a adoção de políticas ou instrumentos padronizados, o que caracteriza uma 
nova fase é a internalização e a operacionalização de um novo conceito. Um novo modelo 
se caracteriza por uma nova lógica que dá coerência e direcionamento para as práticas 
de gestão. As organizações mais pressionadas pelo mercado e que têm acesso a 
técnicas e conceitos inovadores com maior facilidade chegam primeiro e passam a ser 
consideradas benchmarks da área. Elas estabelecem referên- 
31 
 
cias que passam a ser seguidas por aquelas que se espelham no que ocorre com o 
chamado mercado. Consultores indicam novos caminhos e profissionais se reciclam por 
�
meio das mais variadas formas de aprendizagem, e assim se institui o novo conceito de 
realidade organizacional. 
A reduzida distância histórica não permite ainda visualizar o resultado final desse 
processo de mudança, mas há alguns sinais consistentes de como as organizações vêm 
tentando reposicionar-se. Em primeiro lugar, ao usar o termo modelo em substituição à 
idéia de sistema, área ou setor, busca-se ampliar o âmbito das ações de RH dando-lhes 
nova dimensão e abrangência. Assim, torna-se mais fluida e flexível a linha divisória que 
separa o que faz parte do que não faz parte da gestão de pessoas nas organizações. Isso 
leva a considerar não somente a estrutura, os instrumentos e as práticas normatizadas 
como elementos componentes do modelo, mas também tudo aquilo que interfere 
significativamente nas relações entre os indivíduos e a organização. 
O modelo pode abranger, por exemplo, os procedimentos que a empresa utiliza para 
envolver os funcionários com suas definições estratégicas, a maneira pela qual estimula 
determinado tipo de relação com os clientes ou a imagem que passa internamente de 
seus produtos, dos equipamentos utilizados, do desenvolvimento tecnológico e outros 
temas organizacionais de relevância. Os profissionais especializados passam a 
reconhecer tacitamente que a área de recursos humanos perde o poder de monopólio 
sobre o comportamento organizacional para compartilhá-lo com outras instâncias da 
empresa, em particular as próprias chefias diretas. 
A expressão gestão de pessoas também não significa a simples tentativa de encontrar um 
substituto renovador da noção, já desgastada, de administração de recursos humanos. 
Seu uso procura ressaltar o caráter da ação — a gestão e seu foco de atenção: as 
pessoas. Embora os conceitos de administração e de gestão sejam utilizados como 
sinônímos, em geral considera-se gestão uma ação na qual há menor grau de 
previsibilidade do resultado do processo a ser gerido. Um navio é dirigido, uma empresa 
administrada, uma relação humana pode, no máximo, ser orientada caso se admita que 
os dois agentes tenham consciência e vontade próprias. 
A opção por utilizar pessoas no lugar de recursos humanos é ainda mais diferenciadora 
do novo conceito. A administração tradicional foi construída em torno da idéia de 
otimização de recursos. Otimizar máquinas, equipamentos, materiais, recursos financeiros 
e pessoas sempre foi seu principal objetivo. Na fase das grandes máquinas mecanizadas, 
na fase da segunda onda de produção fabril massificada, como a denomina Toffler 
(1994), a “maximização” dos recursos era o paradigma básico. As pessoas foram 
transformadas em recursos para que se justificasse o investimento nelas e houvesse um 
parâmetro comum de como administrá-las. Essa foi uma maneira eficiente de demonstrar 
a preocupação específica da administração com o chamado fator humano na empresa. 
Nessa fase da teoria organizacional, administrar recursos humanos significava otimizar 
sua produtividade, sua competência e seu entusiasmo. 
Hoje, quando o papel do homem no trabalho vem-se transformando e suas características 
mais especificamente humanas, como o saber, a intuição e a criatividade, vêm sendo 
valorizadas, talvez se caminhe para uma transição na qual a empresa finalmente 
reconheça que se relaciona com pessoas, e não com recursos. 
32 
 
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33 
AUTOR 
ANDRÉ LUIZ FISCHER 
 
Professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de 
São Paulo (FEA-USP). Mestre em Ciências Sociais e doutor em Administração de 
Empresas pela FEA-USP Vice-coordenador do curso de MBA/RH da FIA-FEA-USP e 
supervisor de projetos de pesquisa e consultoria da Fundação Instituto de Administração 
(FIA), instituição convcniada com a FEA-USP Atua como consultor de empresas em áreas 
como diagnóstico de ambiente e gestão da cultura e do clima organizacional, entre outras. 
 
34 
 
 
1. Introdução 
A transformação é uma das características mais marcantes do ambiente empresarial no 
Brasil e no mundo nos dias de hoje. 
As mudanças nas organizações, no ambiente empresarial e na sociedade são profundas 
e ocorrem em ritmo cada vez mais acelerado. A rapidez das mudanças tecnológicas, a 
globalização da economia e o acirramento da competição entre empresas e entre países 
geram impactos significativos sobre a gestão das organizações, levando à necessidade 
de repensar seus pressupostos e modelos. Um dos impactos mais expressivos dessas 
mudanças no ambiente é, por parte das organizações, o aumento do nível de qualificação 
e de conhecimentos exigido dos profissionais, com implicações diretas na gestão de 
pessoas e nos modelos utilizados em sua administração. 
O objetivo deste capítulo é examinar os pressupostos da gestão de pessoas sob o 
enfoque estratégico, procurando: 
>contribuir para o desenvolvimento das pessoas e das organizações; 
> ressaltar o papel do fator humano e de sua gestão na obtenção de vantagens 
competitivas sustentáveis pelas empresas; 
35 
 
> destacar a administração estratégica de pessoas como pano de fundo para promover 
mudanças organizacionais e como instrumento adequado para dar respostas aos desafios 
do ambiente empresarial. 
2. O conceito de gestão estratégica de pessoas e sua evolução 
�
A preocupação com a estratégia tem ocupado um espaço cada vez maior nas discussões 
empresariais, nos debates acadêmicos e na literatura de administração. Esse fato está 
relacionado com o acirramento da competição no nível local, regional e global, bem como 
com a revolução tecnológica e a do conhecimento. Por outro lado, o termo “estratégia” 
tem sido utilizado com sentidos diferentes, ora traduzindo expectativas e anseios, ora 
ações prescritivas e deliberadas, ora expressando a perplexidade dos atores sociais 
diante da abrangência e da velocidade das mudanças no ambiente e de seus impactos 
sobre a gestão das organizações. 
Dentro desse contexto, torna-se fundamental a discussão dos conceitos de estratégia, 
gestão estratégica e recursos humanos sob uma perspectiva evolutiva. 
O campo da estratégia empresarial representa uma temática relativamente recente na 
administração. Seus primeiros passos foram dados nas décadas de 1960 e 70, tendo 
apresentado um notável desenvolvimento na década de 1980 e, principalmente, nos anos 
90. 
Zaccarelli (1996) resume alguns “marcos históricos” no estudo da estratégia nas 
empresas, associando-os a autores clássicos e suas obras. Segundo ele, em 1965 foi 
lançado o primeiro livro sobre estratégia empresarial, de autoria de Igor Ansoff, com 
ênfase no planejamento estratégico, que demorou para ser reconhecido. Por volta de 
1973, os trabalhos apresentados no primeiro seminário internacional sobre administração 
estratégica, na Universidade Vanderbilt, deram origem ao livro Do planejamento 
estratégico à administração estratégica, organizado por Ansoff, Declerck e Hayes (1981), 
que ampliou o foco da discussão sobre estratégia empresarial. 
Outro marco importante no estudo de estratégia surgiu na década de 1980 com as obras 
Estratégia competitiva e Vantagem competitiva das nações, de Michael Porter, que 
apresentaram novos conceitos de estratégia e competitividade no âmbito empresarial e no 
dos países e até hoje influenciam fortemente os debates sobre competição. No início da 
década de 1990, outro livro marcou essa evolução com uma abordagem critica aos 
conceitos de planejamento estratégico: The rise and fali of strategic pianning, de Henry 
Mintzberg. O autor, docente da Universidade McGill, enfatizou os debates sobre os 
aspectos humanos envolvidos na formulação e implementação estratégica. 
Em meados dos anos 1990, a obra Competindo pelo futuro, de Prahalad e Hamel (1995), 
trouxe novos conceitos à estratégia empresarial, entre eles arquitetura estratégica, intento 
e competências essenciais, em continuidade à busca de foco pelas empresas, para 
sobreviverem no jogo competitivo. 
Uma contribuição importante para o entendimento do pensamento sobre estratégia foi 
dada em 1998 por Mintzberg, Ahlstrand e Lampel em Safári da estratégia (2000). A obra, 
ao mesmo tempo que auxilia o leitor a organizar o raciocínio a respeito de diversas 
correntes e enfoques no estudo da estratégia, desafia-o a 
36 
 
reconciliar as diferentes tendências nessa área. Utilizando a notória fábula dos cegos que 
queriam ver o elefante e a metáfora de um “safári pela selva da administração estratégica” 
(Mintzberg et al, 2000), os autores apresentam a classificação e a definição das dez 
escolas de pensamento em administração estratégica (as partes do elefante), a 
perspectiva de cada uma delas, suas limitações e contribuições e seus autores mais 
representativos. A seguir, a conceituação dessas escolas, sua visão do processo 
estratégico e seus principais autores. 
> Design: estratégia como um processo de CONCEPÇÃO (Silznik Andrews). 
�
> Planejamento: estratégia como um processo FORMAL e sistemático (Ansoff). 
>Posicionamento: estratégia como um processo ANALÍTICO (Porter). 
> Empreendedora: estratégia como um processo VISIONÁRIO (Schumpeter). 
>Cognitiva: estratégica como um processo MENTAL (Simon; March e Simon). 
>Aprendizado: estratégia como um processo EMERGENTE (Lindblom; Cyert e March; 
Quinn; Prahaiad e Hamei). 
>Poder: estratégia como um processo de NEGOCIAÇÃO (Allison; Pfeffer e Solancick; 
Astley). 
> Cultural: estratégia como um processo COLETIVO (Rhenman e Norman). 
>Ambiental: estratégia como um processo REATIVO (Hannan e Freeman). 
> Configuração: estratégia como um processo de TRANSFORMAÇÃO (Chandler; Miles 
e Snow; Mintzberg). 
As três primeiras escolas — design, planejamento e posicionamento — são consideradas 
de natureza prescritiva, mais preocupadas em como as estratégias devem ser formuladas 
do que em como elas são formuladas; as escolas do segundo grupo — empreendedora, 
cognitiva, de aprendizado, do poder, cultural e ambiental — estão mais voltadas para a 
análise de como as estratégias são de fato formuladas; finalmente, a escola da 
configuração combina contribuições de várias outras, descrevendo a estratégia como um 
processo de mudança. 
Cada uma dessas escolas, portanto, empresta diferentes sentidos não conflitantes e 
complementares à estratégia. Além disso, ajudam a desmitificar a complexidade de um 
conceito tão importante e abrangente, fornecendo ao leitor o beneficio dessas diferentes 
contribuições. Por outro lado, embora a bibliografia contenha várias definições
objetivas 
sobre estratégia e administração estratégica, é difícil encontrar uma única que traduza de 
forma plena seus diferentes significados. Entretanto, existem certos pontos em comum 
entre essas definições que podem auxiliar na formação e no entendimento do conceito de 
estratégia. São eles: 
> a estratégia dá a direção, fornece o direcionamento da empresa e provê consistência; 
>a estratégia resulta de um processo de decisão; 
> as decisões são principalmente de natureza qualitativa, interferem no todo da 
organização e buscam eficácia a longo prazo; 
>a estratégia abrange a organização e sua relação com o ambiente; 
>a estratégia envolve questões de conteúdo e de processo, em diferentes níveis. 
37 
 
De acordo com Hyden (1986), administração estratégica é o processo de administrar uma 
entidade de forma a atingir seu propósito. Sua definição mais ampla é a administração da 
vantagem competitiva, que inclui identificar objetivos analisando o ambiente, reconhecei 
aiieaças e oportunidades formulando estratégias, implementando e monitorando-as de 
forma a sustentar as vantagens competitivas no mercado. Os estrategistas que se utilizam 
desse conceito abrangente vêem a adniinistração estratégica sob um enfoque que 
permeia a administração de todos os aspectos da companhia. Eles consideram a 
formulação da estratégia corporativa e da estratégia competitiva, o processo de 
planejamento e a implenentação de todos os precedentes como partes da administração 
estratégica. 
A definição mais restrita de administração estratégica a limita a uma conceituação 
análoga á de administração de operações ou administração de marketing, mas com 
ênfase em atingir objetivos estratégicos em vez de objetivos funcionais. 
�
Para alguns, a gestão estratégica é o processo de aplicação das funções administrativas, 
de planejamento, organização, direção e controle aos assuntos pertinentes ao nível 
estratégico. Para outros, gestão estratégica é o processo de clarificar a visão da 
organização, formulando e implementando estratégias e avaliando continuamente seus 
resultados. Envolve a definição e a articulação de estratégias, estruturas e sistemas, 
tendo como base os valores organizacionais e as tendências do ambiente a longo prazo. 
Dada a dificuldade de obter uma definição de estratégia que englobe todos os diferentes 
sentidos, para fins didáticos deste capítulo determina-se como conceito de estratégia: 
formulação da missão e dos objetivos da organização, bem como de políticas e planos de 
ação para alcançã-los, considerando os impactos das forças do ambiente e a competição. 
3. No âmbito dos recursos humanos 
De acordo com Anthony et ai (1996), são as seguintes as características da administraçãõ 
estratégica de recursos humanos: 
> explicitamente reconhece os impactos do ambiente organizacional externo; 
> reconhece o impacto da competição e da dinâmica do mercado de trabalho; 
>apresenta foco no longo prazo; 
> enfatiza a escolha e a tomada de decisão; 
> considera todas as pessoas da empresa, e não apenas o grupo de executivos ou o de 
empregados operacionais; 
> está integrada com a estratégia corporativa e com as demais estratégias funcionais. 
A expressão “administração estratégica de recursos humanos” surgiu na literatura 
internacional no início da década de 1980, sob diferentes alegações, seja com base nas 
críticas ao papel funcional/burocrático e nas fraquezas percebidas da área, seja por 
pressões ambientais que demonstravam a natureza estratégica de recursos humanos e 
de sua gestão. 
Evoluções importantes estão ocorrendo em duas áreas distintas de administração, cuja 
convergência segue um novo conceito de administração estratégica de 
38 
 
pessoas. Existe uma aparente evolução do conceito de administração de recursos 
humanos que resulta da crescente necessidade de orientação para planejamento e de 
intervenções gradativas com orientação estratégica, visando à mudança do modelo de 
controle para o de comprometimento (Albuquerque, 1999). 
Essas duas estratégias básicas de recursos humanos — estratégia de controle e 
estratégia de comprometimento das pessoas com os objetivos organizacionais — se 
contrapõem. Trata-se de diferentes filosofias de administração, que dão origem a 
estratégias e a estruturas diferenciadas. Na estratégia de controle, os empregados são 
vistos como números, custos e fator de produção, que, para desempenhar bem as 
funções, devem ser mandados e controlados. Na estratégia de comprometimento, as 
pessoas são consideradas parceiros no trabalho, nos quais a empresa deve investir para 
conseguir melhores resultados empresariais. Essa estratégia baseia-se no pressuposto 
de que o comprometimento dos colaboradores está intimamente relacionado com o 
aumento de desempenho. 
O Quadro 1 apresenta as características distintivas dos modelos extremos que respaldam 
as estratégias de controle e de comprometimento quanto a estrutura 
�
Quadro 1: Concepções organizacionais comparadas 
Características 
distintivas / modelo 
Estratégia de controle 
Estratégia de comprometimento 
ESTRUTURA 
ORGANIZACIONAL 
Altamente hierarquizada, 
separação “quem pensa” e 
“quem faz” 
Redução de nlveis hierárquicos 
e de chefias intermediárias, 
junção do fazer e do pensar — 
empowerment 
Organização do 
trabalho 
Trabalho muito 
especializado, gerando 
monotonia e frustrações 
Trabalho enriquecido, gerando 
desafios 
Realização do trabalho 
Individual 
Em grupo 
Sistema de controle 
Ênfase em controles 
explícitos do trabalho 
Ênfase no controle implícito pelo 
grupo 
RELAÇÕES DE 
TRABALHO 
Política de emprego 
Foco no cargo, emprego a 
curto prazo 
Foco no encarreiramento 
flexivel, emprego a longo prazo 
Nível de educação e 
formação requerido 
Baixo, trabalho 
automatizado e 
especializado 
Alto, trabalho enriquecido e 
intensivo em tecnologia 
Relações empregador-
empregado 
Independência 
Interdependéncia, confiança 
mútua 
Relações com 
sindicatos 
Confronto baseado na 
divergência de interesses 
Diálogo, busca da convergência 
de interesses 
Participação dos 
empregados nas 
decisões 
Baixa, decisões tomadas de 
cima para baixo 
Alta, decisões tomadas em 
grupo 
POLÍTICA DE 
RECURSOS 
HUMANOS 
Contratação 
Contrata para um cargo ou 
para um conjunto 
especializado de cargos 
Contrata para uma carreira 
longa na empresa 
Treinamento 
Visa ao aumento do 
desempenho na função 
atual 
Visa preparar o empregado para 
futuras funções 
Carreira 
Carreiras rígidas e 
especializadas, de pequeno 
horizonte e amarradas na 
estrutura de cargos 
Carreiras flexíveis, de longo 
alcance, com permeabiíidade 
entre diferentes carreiras 
�
Salarial 
Focada na estrutura de 
cargos, com alto 
grau de diferenciação 
salarial entre eles 
Focada na posição da carreira e 
no desempenho, com baixa 
diferenciação entre níveis 
incentivos 
Uso de incentivos 
individuais 
Foco nos incentivos grupais 
vinculados a resultados 
empresariais 
 
Fonte: Albuquerque, L. G. Estratégias de recursos humanos e competitividade (1999). 
 
39 
 
organizacional, organização do trabalho, relações de trabalho e políticas de recursos 
humanos. 
Essas duas visões opostas sobre o papel do ser humano no trabalho, altamente 
associadas aos valores do dirigente ou do formulador, implicam que estratégias distintas 
sejam adotadas. 
O estudo da evolução do conceito de estratégia tem demonstrado uma ênfase excessiva 
no planejamento estratégico e uma preocupação insuficiente com os aspectos de sua 
implementação. Esse fato relaciona-se com as questões principais da implementação 
estratégica — capacidades internas da organização e, especialmente, de seus recursos 
humanos —, que deveriam integrar o processo de formulação. A questão assume
maior 
relevância no caso da “estratégia de comprometimento” das pessoas com os objetivos 
organizacionais, na medida em que a participação no processo de formulação estratégica 
se torna condição crucial para a obtenção do comprometimento. 
A consideração do processo de gestão estratégica em seu conceito mais amplo, 
envolvendo a visão, a formulação, a implementação e a avaliação de resultados, põe em 
destaque diversas questões relacionadas com o lado humano da organização: 
como prover a organização com as pessoas necessárias para viabilizar seus objetivos 
estratégicos? Como desenvolver as competências distintivas de que ela necessita para 
criar vantagens competitivas sustentáveis a longo prazo? Como minimizar resistências ou 
conseguir engajamento com as mudanças organizacionais e culturais imprescindíveis à 
implementação da estratégia? De que maneira poderão ser avaliados os resultados, 
considerando os aspectos integrativos tangíveis e intangíveis da implementação da 
estratégia? Como mobilizar pessoas para transformar as intenções da estratégia em 
ações efetivas que conduzem a resultados exemplares? 
A resposta a essas questões passa por uma nova leitura da abordagem estratégica na 
gestão de pessoas que possibilite sair do discurso para a prática e para a obtenção 
efetiva de vantagens competitivas sustentáveis a longo prazo, com equipes qualificadas e 
comprometidas com os objetivos mais amplos da organização. 
4. Integração da estratégia de gestão de pessoas à estratégia organizacional 
A administração estratégica é um processo amplo que permite à organização procurar 
atingir o seu propósito ao longo do tempo. Esse processo abrange a visão, a formulação e 
�
a implementação, bem como o feedback contínuo e a avaliação dos resultados, tendo em 
vista orientar e empreender as ações organizacionais de natureza estratégica, tática e 
operacional. 
4.1 O PROCESSO DE FORMUlAÇÃO ESTRATÉGICA 
A base para a formulação da estratégia é, usualmente, o processo de planejamento 
estratégico — a determinação sistemática de objetivos estratégicos e de estratégias para 
40 
 
atingi-los. Os planos estratégicos são geralmente de longo prazo, envolvem decisões de 
alto impacto organizacional e despendem grande volume de recursos na busca dos 
macrobjetivos da empresa. 
É importante ressaltar, entretanto, que a formulação estratégica não deve ser confundida 
com um plano, que é a expressão escrita e sistematizada resultante desse processo em 
determinado momento. Trata-se, sobretudo, de um processo, de uma seqüência interativa 
de etapas que permite à organização refletir, discutir e definir seus propósitos e suas 
estratégias fundamentais. 
A importância do foco no processo fica mais evidente quando se examina a formulação 
estratégica sob o enfoque de um ativo intangível, como o ativo intelectual humano. Nessa 
abordagem, ressaltam-se as decisões ligadas ao aprendizado, à comunicação, à 
participação e ao comprometimento das pessoas com os objetivos e as estratégias, bem 
como aquelas relativas à administração das mudanças necessárias para viabilizá-los. 
Existem vários modelos utilizados para ilustrar os componentes ou as etapas do processo 
de formulação estratégica. O Quadro 2 apresenta um modelo de seqüência de etapas do 
processo, de caráter meramente ilustrativo, que mostra a integração da estratégia de 
gestão de pessoas na estratégia corporativa. 
A estratégia de recursos humanos deve seguir as etapas do processo de formulação e 
implementação da estratégia corporativa, baseando-se na visão do negócio para 
desenvolver as diversas etapas da estratégia funcional que irão integrar a estratégia da 
organização. Por outro lado, cabe ressaltar a importância do feedback ou da 
retroalimentação contínua de informações entre as diversas etapas do processo através 
de avaliações de resultados ao longo de seu desenvolvimento. Esse processo 
Quadro 2 - Integração da estratégia de RH na estratégia da empresa. Etapas do 
processo de formulação 
41 
 
torna-se mais ou menos eficaz na medida em que contribui para a fluência da 
comunicações entre as pessoas nos diversos níveis e para sua conscientização a re peito 
do direcionamento da organização. 
A participação mais ampla de colaboradores de diferentes níveis da organiza ção na 
formulação estratégica é adotada também como forma de tornar esse processo mais 
interativo e contínuo, estimulando a comunicação, o aprendizado e comprometimento. 
Segundo Wall (1997), muitas organizações estão descobrind os benefícios de ter mais 
�
empregados envolvidos na formulação estratégica incluindo o desenvolvimento de um 
planejamento de alta qualidade, que reflete tanto a capacidade do negócio quanto a do 
mercado, o comprometimento das pessoas responsáveis pela implementação estratégica 
e a profunda compreensão d estratégias em todos os níveis da organização. Tendo como 
base uma pesquisa realizada por Wall com mais de cem executivos — membros de 
equipes e profissionais de recursos humanos em empresas inovadoras de diferentes 
setores de atividade — foram identificadas diferentes formas de aumentar o envolvimento 
dos empregados, tornando essas empresas mais flexíveis e competitivas. 
4.2 CONSTRUINDO A VISÃO E A MISSÃO DA ORGANIZAÇÃO 
A gestão estratégica de uma empresa é condicionada, fundamentalmente, pela visão dos 
atores organizacionais envolvidos no processo. Fato comum ao tratar de estratégia, o 
tema tem sido usado com diferentes significados e entendimentos. Uma referência 
conceitual importante para entender a visão da organização foi proposta por Collins e 
Porras (2000), que afirmam que “uma visão bem concebida consiste de dois componentes 
principais: a ideologia essencial e o futuro imaginado”. A ideologia essencial compreende 
aquilo que defendemos (valores essenciais) e a razão de nossa existência (propósito 
essencial), expressando o caráter duradouro da organização. O futuro imaginado é o que 
aspiramos ser, alcançar, criar — é algo que exigirá mudança e progresso significativos —, 
incluindo objetivos e planos amplos, ambiciosos, complexos e audaciosos. 
A ideologia essencial traduz a identidade da organização (“quem você é”), enquanto o 
futuro imaginado define o direcionamento (“para onde a organização está indo” ou 
“pretende ir”). Portanto, a ideologia essencial permeia e condiciona toda a gestão 
estratégica da organização. Fazendo uso das palavras de Collins e Porras, “líderes 
morrem, produtos tornam-se obsoletos, mercados mudam, novas tecnologias emergem e 
os modismos de gerenciamento vêm e vão, mas a ideologia essencial de uma grande 
empresa permanece como uma fonte de orientação e inspiração”. Pode-se citar como 
exemplos de valores essenciais a responsabilidade social corporativa, a inovação 
baseada na ciência, a honestidade e integridade, o lucro decorrente do trabalho que 
beneficia a humanidade (Merck), criatividade, sonhos e imaginação, atenção fanática por 
consistência e detalhe, preservação e controle da magia (Disney). 
São exemplos de propósitos preservar e melhorar a vida humana (Merck), experimentar o 
prazer da inovação e a aplicação da tecnologia para o benefício do público (Sony), tornar 
as pessoas felizes (Disney). 
42 
 
Com base na ideologia essencial, nos valores e no propósito é que se delineia o futuro 
imaginado — a estratégia —, em que são consideradas: 
> a análise do ambiente organizacional (cenários, tendências, oportunidades e ameaças); 
>a avaliação interna (estrutura, cultura, pessoas, recursos, pontos fortes e pontos fracos 
da organização); 
>a definição de macrobjetivos, políticas e programas estratégitos prioritários. 
4.2.1 Análise do ambiente organizacional 
�
As organizações utilizam informações do ambiente para formular suas estratégias 
corporativas e de recursos humanos. A importância de analisar as tendências de 
mudanças do ambiente econômico,
tecnológico, social, cultural e político e seus impactos 
sobre a organização e sua gestão é ressaltada na própria conceitualização de estratégia, 
esta, ao mesmo tempo, emergindo como resposta aos desafios ambientais. 
Em um ambiente turbulento, como o que tem caracterizado os dias atuais, em que o 
tempo se torna um recurso estratégico e a velocidade a nova palavra de ordem, monitorar 
continuamente o ambiente e assumir atitudes proativas em relação às mudanças, revendo 
cenários e reformulando estratégias, é fundamental para a maioria das organizações. 
As organizações, portanto, formulam estratégias lidando com seu ambiente. 
Anthony et ai (1996) consideram o ambiente de recursos humanos multifacetado e 
complexo, com muitos elementos impactantes sobre o sucesso de uma empresa a longo 
prazo. Esses elementos podem ser divididos em dois grandes tipos de ambiente: o social 
e o de tarefa. 
O ambiente social compreende as várias tendências e forças gerais que não estão 
diretamente relacionadas com a empresa, mas podem ter um impacto eventual ou indireto 
sobre a companhia. No ambiente social, estão incluídas as forças econômicas, 
tecnológicas, políticas, institucionais, socioculturais e demográficas. Elas podem afetar a 
empresa pelo impacto sobre o ambiente de tarefa, que inclui e aqueles elementos do 
ambiente que influenciam diretamente a estratégia e a operação da companhia, podendo 
também ser afetados por ela. Nesse ambiente estão incluídos o mercado de trabalho, o 
mercado de consumidores e clientes, a competição, os sindicatos e outros stakeholders, 
como governo e grupos de interesse especial, como pode ser visto na Figura 1 (à página 
44). 
As empresas tendem a operar em um ambiente global e multicultural no qual a força de 
trabalho muda constantemente e é diversa e o cenário de avanços tecnológicos cada vez 
mais acirrado, o que mostra que a análise e o monitoramento contínuo do ambiente são 
tarefas fundamentais. 
A análise ambiental, que visa identificar tendências de mudanças a longo prazo, pode 
utilizar diferentes técnicas. Entre elas destaca-se a Delphi, “técnica que busca um 
consenso de opiniões de um grupo de especialistas a respeito de eventos 
43 
 
Figura 1. 
Ambiente social e ambiente de tarefa 
Fonte: Adaptado de Anthony et al (1996). 
futuros” (Wright, 1994). Ela tem sido utilizada para identificar as tendências na gestão de 
pessoas nas organizações brasileiras submetidas às pressões de competitividade 
características do cenário empresarial brasileiro (Albuquerque e Fischer, 2001). Nessa 
pesquisa, de caráter longitudinal, 168 respondentes participaram de duas rodadas de 
questionamentos e de um workshop, o que permitiu identificar mudanças previstas na 
gestão de pessoas no Brasil quanto à filosofia e aos princípios de gestão, às políticas, ao 
formato organizacional de recursos humanos e ao perfil necessário ao profissional 
especialista na área. 
�
4.2.2 Análise das capacidades internas 
A análise das capacidades internas tem por objetivo avaliar os recursos organizacionais, 
identificando as forças e as fraquezas da organização no processo de formulação da 
estratégia. Além de suportar a definição de opções estratégicos viáveis, serve de 
orientação sobre as necessidades futuras de recursos e de competências a serem 
desenvolvidas. A capacidade de uma organização de responder positivamente a novas 
oportunidades depende, em última instância, da competência de seus colaboradores. O 
conhecimento das capacidades internas é essencial, portanto, na formulação das 
estratégias de gestão de pessoas. 
Analisar as capacidades internas da organização implica, de forma ampla, o 
conhecimento de sua estrutura, de seus sistemas e processos, das pessoas que nela 
44 
 
trabalham e de sua cultura. Essa análise torna-se fundamental não apenas como subsídio 
para a formulação de estratégias (identificar pontos fortes e pontos fracos da organização 
vis-à-vis as oportunidades e as ameaças do ambiente) mas também como fonte de 
obtenção de vantagens competitivas sustentáveis a longo prazo. Para a formulação da 
estratégia de gestão de pessoas, evidentemente, interessa aprofundar os aspectos 
relativos às dimensões humanas, ou seja, a cultura e as pessoas, e como a interação das 
pessoas com a estrutura e com o sistema pode contribuir para a consecução dos 
objetivos estratégicos da organização. 
Figura 2 - Análise das capacidades organizacionais 
 
Baseando-se em pesquisas de diversas empresas transnacionais, como K-Mart, Wal-
Mart, Honda, GM e Canon, Stalk, Evans e Schulman (2000) propõem o que denominam 
de “competição baseada em capacidades”. 
Através da análise do crescimento das empresas estudadas, os autores demonstraram a 
emergência de estratégias competitivas baseadas em capacidades intangíveis como “a 
excelência na assistência técnica”, “o sistema de gerenciamento de recursos humanos” e 
formas de “descentralização de decisões” e de “reorganização do trabalho”. Como 
exemplo, cita-se o caso do crescimento da Wal-Mart, que em dez anos transformou o 
setor varejista de lojas de desconto, crescendo cerca de 25% ao ano e atingindo uma taxa 
de retorno equivalente ao dobro da obtida pelo concorrente direto. A Wal-Mart 
transformou-se na maior e mais lucrativa empresa varejista do mundo, criando uma 
cultura de excelência em serviços e estimulando os funcionários a fazer parte do negócio. 
A intangibilidade dessas capacidades, por um lado, torna difícil, mas não impossível, a 
mensuração dos resultados de sua gestão; por outro, faz com que as vantagens 
competitivas centradas nessas capacidades dificilmente possam ser copiadas ou imitadas 
pelo concorrente, ampliando, portanto, sua duração. 
Curiosamente, embora os autores procurem distinguir o conceito de capacidades do 
conceito de competências essenciais (core competences) da organização 
45 
�
 
(Prahalad e Hamel, 1995), é evidente uma certa superposição entre eles. Segund 
Prahalad e Hamel, uma competência essencial da organização permite oferecei 
benefícios reais aos consumidores, é de difícil imitação pelo concorrente e possibi lita o 
acesso a diferentes mercados. Conclui-se, portanto, que competências e capacidades são 
dimensões complementares de uma nova abordagem de estratégia empresarial que 
enfatizam os aspectos comportamentais da estratégia. 
As competências organizacionais e individuais constituem, atualmente, um importante e 
moderna linha de pensamento e de atuação na gestão estratégica de pessoas. Fleury e 
Fleury (2000), ao tratar do alinhamento entre estratégia e competências, afirmam que o 
processo de formulação estratégica pode partir de dua perspectivas distintas: da 
estratégia competitiva e dos recursos da empresa. A primeira, “de fora para dentro”, 
procura estabelecer uma vantagem competitiva no setor a partir da “identificação de 
oportunidades únicas em termos de produtos mercado”; a segunda, denominada resource 
based view of the firm, considera que cada empresa tem um portfólio de recursos 
tangíveis e intangíveis, podendo também obter vantagens competitivas “de dentro para 
fora”, através da mobilização organização desses recursos. 
Essas abordagens não podem ser consideradas excludentes, e sim complementares, pois 
procuram alinhar mercados, estratégias e competências. Capacidades e competências 
são faces da mesma moeda na obtenção de vantagens competitivas. Como já foi dito 
anteriormente, a estratégia de gestão de pessoas baseada em capacidades e 
competências assume a premissa de que a gestão de ativos intangíveis é de difícil 
imitação pelo concorrente e que os empregados devem agregar valor pelas suas 
competências, fator crítico de sucesso na era da informação e do conhecimento. 
4.2.3 Implementação e avaliação de resultados 
O destaque da etapa de implementação dentro do processo de gestão estratégica tem a 
finalidade de chamar a atenção
para a importância de considerar as questões de 
implementação de maneira integrada com a formulação. A separação entre formulação e 
implementação da estratégia, típica das escolas do design e do planejamento, tem sido 
objeto de várias críticas na literatura sobre gestão estratégica. De forma mais 
contundente, os estudos que defendem a idéia de administração estratégica como um 
processo interativo e participativo apresentam como argumentação a importância de 
engajar nesse processo os colaboradores dos mais diversos níveis, como condição 
fundamental para sua mobilização e comprometimento com a estratégia e as mudanças 
organizacionais necessárias para implementá-las. Argumentam também que a gestão 
estratégica é um processo contínuo, envolvendo do estratégias deliberadas e emergentes 
com forte retroalimentação. 
Além disso, há que considerar que muitas estratégias não são bem-sucedidas por falta de 
preocupação com a ação estratégica. A formulação é, essencialmente, um processo de 
reflexão, sistematizado e formalizado, ou implícito. A implementação é a estratégia em 
ação, a intenção convertendo-se em resultado, enfim, a capacidade de executar a 
estratégia. 
46 
 
�
Entretanto, falhas na implementação, ligadas à resistência a mudanças, à falta de 
consistência na atuação de diferentes atores envolvidos no desenvolvimento e na 
administração de programas estratégicos, entre outras, têm dificultado, e muitas vezes 
impedido, que estratégias consideradas bem formuladas sejam implementadas com 
sucesso. Fischmann (1987) realizou uma ampla pesquisa a respeito de implementação de 
estratégias, na qual apresentou uma síntese com 21 categorias de problemas que 
impedem ou dificultam a implementação estratégica, entre as quais se destacam nove 
categorias relacionadas mais diretamente com o fator humano e a sua gestão: 
[…] as estratégias a serem implementadas estavam em conflito com os valores culturais 
da empresa; a liderança e comando dos gerentes não foi eficaz o bastante; a alta 
administração não deu sustentação suficiente para a implementação; a coordenação das 
atividades de implementação não foi eficiente; a capacitação dos gerentes não foi 
suficiente; a disponibilidade de recursos humanos foi imprópria; as instruções e 
treinamento dados para o nível médio e subordinados não foram adequados; mecanismos 
de compensação, como prêmios e participação nos lucros ou resultados e outros, 
atrelados ao desempenho na implementação estratégica, não foram programados ou 
explicitados; e metas globais de decisão estratégica não foram bem compreendidas pelos 
empregados. 
Essas constatações reforçam a tese da importância do processo integrado e participativo 
da formulação e implementação estratégica, no qual os limites entre a formulação e a 
implementação perdem o sentido, o feedback de informações é contínuo em todas as 
etapas e os resultados mais importantes são a participação das pessoas no processo, seu 
aprendizado, sua conscientização e seu comprometimento com os intentos da 
organização e as formas a serem adotadas para realizá-los. 
Kaplan e Norton (2001) citam pesquisas realizadas entre executivos que mostram que a 
capacidade de executar a estratégia é mais importante do que a qualidade da estratégia 
em si e que 70% dos casos de fracassos de eminentes CEOs decorrem de problemas de 
má execução, e não de má estratégia, ou seja, estão relacionados com a implementação 
estratégica. 
Segundo os autores, as oportunidades para a criação de valor estão migrando da gestão 
de ativos tangíveis para a gestão de estratégias baseadas no conhecimento, que 
exploram os ativos intangíveis da organização (relacionamentos com os clientes, produtos 
e serviços inovadores, tecnologia de informação e bancos de dados, além de 
capacidades, habilidades e motivação dos empregados) e exigem ferramentas que 
descrevam os ativos com base no conhecimento e nas estratégias criadoras de valor, 
construídas a partir desses ativos. Além disso, necessitam de uma linguagem para a 
comunicação da estratégia e dos processos que contribuem para a sua implementação. 
Para isso, Kaplan e Norton propõem o uso do balanced scorecard como ferramenta 
gerencial, originalmente concebida com a finalidade de mensuração, procurando ampliar 
o conjunto de indicadores de resultado e incluindo, além dos tradicionais indicadores 
financeiros, outros vetores do desempenho futuro. Esse instrumento transformou-se em 
um processo gerencial eficaz que possibilita não apenas mensurar resultados estratégicos 
mas dar foco e alinhamento à estratégia organizacional. 
47 
 
Os objetivos e as medidas do balanced scorecard derivam da visão e da estratégia da 
empresa, e sua estrutura focaliza o desempenho organizacional sob quatro perspectivas: 
a financeira, a do cliente, a dos processos internos e a do aprendizado e crescimento. Os 
�
executivos podem avaliar, por exemplo, até que ponto suas unidades de negócios geram 
valor para os clientes atuais e futuros e como devem aperfeiçoar as capacidades internas 
e os investimentos necessários em pessoas, sistemas e procedimentos, visando melhorar 
o desempenho futuro. O balanced scorecard capta as atividades críticas de geração de 
valor desenvolvidas por funcionários e executivos capazes e motivados da empresa. 
Na gestão estratégica de pessoas, a preocupação com a mensuração e com o 
alinhamento estratégico assume uma expressão ainda maior decorrente das dificuldades 
de mensuração. Nessa linha, Becker, Huselid e Ulrich (2001) propõem o denominado 
hunian resource scorecard, que desenvolve modelos de relações causais e, com base no 
conceito do balanced scorecard, mostra a relação dos valores gerados por recursos 
humanos e os resultados dos negócios. Além disso, apresentam um quadro de referência 
para que executivos de recursos humanos de organizações de alta performance formulem 
estratégias para o crescimento do capital humano e sugiram competências requeridas dos 
profissionais de RH para o desenvolvimento de sistemas de mensuração nessa área. 
Propõe-se uma “arquitetura estratégica de RH” com as seguintes etapas: 
> definir claramente a estratégia de negócio; 
> construir um business case para RH como um componente estratégico; 
> criar um mapa estratégico, identificando indicadores tangíveis e intangíveis; 
> identificar os “produtos” de RH no mapa estratégico; 
> alinhar a estrutura de RH com os “produtos” de RH; 
> desenhar sistemas de mensuração (scorecard); 
> implementar o gerenciamento por indicadores; 
> revisar continuamente as mensurações, comparando-as ao mapa estratégico. 
Merece destaque também o trabalho de Fitz-Enz (2000), fundador do Instituto Saratoga, 
nos Estados Unidos, que tem desenvolvido indicadores de resultados para a avaliação de 
recursos humanos. Para ele, todos os processos devem ter a finalidade de agregar valor, 
sendo fundamental desenvolver formas de mensuração e avaliar as mudanças nos 
processos associados aos objetivos estratégicos das empresas. 
São enfoques diferentes para o problema da mensuração e da avaliação, que, além de 
estar no âmago das questões de implementação de estratégias de gestão de pessoas, 
também podem contribuir para a definição do foco e o alinhamento estratégico, bem como 
para a eficácia de sua comunicação. 
48 
 
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49 
 
AUTOR 
LINDOLFO GALVÂO DE ALBUQUERQUE 
�
Professor titular do Departamento de Administração da Faculdade de Economia, 
Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP). Doutor e livre-
docente em Administração — com distinção — pela FEA-USP Participou do programa 
“Training Trainers”, desenvolvido pelo Insead, em Fontainebleau, França, e de outros 
programas de intercãmbio, pesquisa e treinamento no exterior (Universidade Vanderbilt, 
Universidade Northwestern e Instituto Tecnológico Virginia). Professor em cursos de 
treinamento gerencial para Banco da Bahia, Banespa e Banco Central e empresas como 
Eletrobrás, Coelba, Philips, Klabin, Com Products, Perdigão, Compaq e Gafisa, entre 
outras. Consultor de empresas na área de recursos humanos, com especialização em 
estratégias de recursos humanos e planejamento de carreiras, participa de projetos de 
implantação em diversas organizações. Coordena projetos da Fundação Instituto de 
Administração (FIA-USP) desde 1974, sendo presidente do seu Conselho Curador desde 
1998. Foi coordenador do Programa de Educação Continuada em Administração para 
Executivos — MBA-RH 
— da FIAIFEA-USP de 1996 a 2000. 
50 
 
 
A GESTÃO DE COMPETÊNCIA E A ESTRATÉGIA ORGANIZACIONAL 
Maria Tereza Leme Fleury 
1. Introdução 
Nos últimos anos, as organizações vêm passando por crescentes mudanças em razão 
das transformações ocorridas no ambiente externo — cenário político, econõmico e social 
— e no ambiente interno. 
Entre as mudanças externas, destaca-se o processo de globalização financeira, comercial 
e produtiva, que provoca transformações também na atuação das organizações. Se no 
passado a maioria das empresas atuava apenas regionalmente ou nacionalmente 
(mesmo empresas multinacionais agiam sob essa lógica), hoje, para competir no mercado 
globalizado, precisam ampliar o escopo de atuação. Um exemplo disso são as empresas 
que trabalham de forma global o desenvolvimento e a operação de um produto ou serviço, 
com o objetivo de ampliar seu mercado: estabelecem as plantas em certos países, as 
unidades de concepção e desenvolvimento em outro, os departamentos de marketing, 
publicidade em mais outro, deixando a logística e a distribuição próximas dos centros 
consumidores. Há, enfim, a necessidade de as empresas definirem melhor sua visão 
estratégica, para estar bem posicionadas hoje e futuramente no cenário globalizado. 
51 
 
Paralelamente, no contexto interno, algumas mudanças põem em xeque o modelo 
tradicional de gestão adotado pela maioria das empresas. Esse modelo foi criado e 
desenvolvido segundo os princípios do taylonsmo-fordismo e do modelo hierárquico-
funcional desenvolvido por Fayol no início do século XX. Nele, o homem é reduzido a uma 
dimensão secundária no processo produtivo, mera peça de uma máquina. Conceitos 
�
como superespecialização, centralização da decisão, hierarquia, ordem, disciplina e 
unidade de comando eram usados na busca da “única maneira certa de fazer”, para 
maximizar a eficiência. Assim, fez-se uso da teoria de tempos e movimentos e da 
supervisão funcional (especialização da supervisão). A unidade básica, nesse modelo, é o 
cargo, sendo a empresa estruturada em uma hierarquia funcional. 
O pesquisador francês Philippe Zarifian enfoca três mutações no mundo do trabalho que 
justificam a emergência do modelo de competências em lugar do tradicional modelo de 
cargos e salários na gestão das organizações: 
> A noção de evento: aquilo que ocorre de forma imprevista, não programada, vindo a 
perturbar o desenrolar “normal” do sistema de produção e ultrapassando sua capacidade 
rotineira de assegurar a auto-regulação. Isso significa que a competência não pode estar 
contida nas precondições da tarefa; a pessoa precisa sempre mobilizar recursos para 
resolver as novas situações de trabalho. 
>Comunicação: implica compreender o outro e a si mesmo, significa entrar em acordo 
sobre objetivos organizacionais, partilhar normas sobre sua gestão. A estrutura 
hierárquica baseada em caixinhas, com linhas de comunicação verticais, precisa ser 
substituída por organizações com fronteiras mais flexíveis, em que pessoas, áreas e 
empresas se comuniquem facilmente. 
> A noção de serviço: cada vez mais essa noção precisa estar presente em todas as 
áreas e situações, não apenas direcionada ao cliente externo mas também ao cliente 
interno. Ninguém produz alguma coisa voltando-se para si mesmo, mas, sim, destinando-
a aos outros. 
É nesse contexto que o modelo tradicional de organizar o trabalho e gerenciar pessoas 
não está mais de acordo com a realidade das organizações. É necessário substituir, como 
unidade básica de gestão, o cargo pelo indivíduo. O conceito de competência e o modelo 
de gestão de pessoas por competência ganham impulso tanto no mundo acadêmico como 
no empresarial. 
“Competência” é uma palavra do senso comum, utilizada para designar uma pessoa 
qualificada para realizar alguma coisa. O oposto, ou seu antônimo, não implica apenas a 
negação dessa capacidade como guarda um sentimento pej orativo, depreciativo. Chega 
mesmo a indicar que a pessoa se encontra, ou brevemente se encontrará,
marginalizada 
dos circuitos de trabalho e do reconhecimento social. 
O dicionário inglês Webster (1981) define “competência” assim: “Qualidade ou estado de 
ser funcionalmente adequado ou de ter suficiente conhecimento, julgamento, habilidades 
ou força para determinada tarefa (the quality or state of beingfunctionally adequate or 
having sufficient skill or strenght for a particular duty) “. Tal definição, bastante genérica, 
menciona dois pontos principais ligados à competência: 
52 
 
conhecimento e tarefa. O dicionário de língua portuguesa Aurélio (1975) enfatiza, em sua 
definição, aspectos semelhantes — capacidade para resolver qualquer assunto, aptidão, 
idoneidade — e introduz outro: capacidade legal para julgar pleito. 
Nos últimos anos, o tema competência entrou na pauta das discussões acadêmicas e 
empresariais associado a diferentes instâncias de compreensão: no nível da pessoa (a 
competência do indivíduo), das organizações (core competences) e dos países (sistemas 
educacionais e formação de competências). 
Este capítulo tem como objetivos: 
>recuperar historicamente o conceito de competência, explicitando-o em seus vários 
�
níveis de compreensão; 
> apresentar o conceito em um modelo que relaciona competência com estratégia 
organizacional e com os processos de aprendizagem; 
>exemplificar o tema através do estudo de caso. 
2. O início do debate sobre competência 
Em 1973, McClelland publicou o artigo “Testing for competence rather than intelligence” 
(Testando por competências em vez de inteligência), que de certa forma iniciou o debate 
sobre competência entre psicólogos e administradores nos Estados Unidos. A 
competência, segundo o autor, é uma característica subjacente a uma pessoa 
casualmente relacionada com uma performance superior na realização de uma tarefa ou 
em determinada situação. Diferenciava, assim, competência de aptidões, talento natural 
da pessoa, o qual pode vir a ser aprimorado; de habilidades, demonstração de um talento 
particular na prática; e de conhecimentos, o que as pessoas precisam saber para 
desempenhar uma tarefa (Mirabile, 1997). Durante a década de 1980, Richard Boyatzis, 
reanalisando os dados de estudos realizados sobre competências gerenciais, identificou 
um conjunto de características e traços que, em sua opinião, definem uma performance 
superior. Os trabalhos de Spencer e Spencer (1993), Mirabile (1997) e McLangan (1997) 
marcaram significativamente a literatura americana a respeito do tema competência. 
Nessa perspectiva, o conceito de competência é pensado como o conjunto de 
conhecimentos, habilidades e atitudes (isto é, o conjunto de capacidades humanas) que 
justificam uma alta performance, acreditando-se que as melhores performances estão 
fundamentadas na inteligência e na personalidade das pessoas. Em outras palavras, a 
competência é percebida como um estoque de recursos que o indivíduo detém. Embora o 
foco da análise seja o indivíduo, a maioria dos autores americanos aponta a importância 
de alinhar as competências às necessidades estabelecidas pelos cargos ou posições 
existentes nas organizações. 
Tanto na literatura acadêmica como nos textos que fundamentam a prática administrativa, 
a referência que baliza o conceito de competência é a tarefa e o conjunto de tarefas 
prescritas de um cargo. Nessa linha, a gestão por competência é apenas um rótulo mais 
moderno para administrar uma realidade organizacional ainda fundada nos princípios do 
taylorismo-fordismo. 
53 
 
Observa-se, assim, que, enquanto prevaleceu o modelo taylorista-fordista de organização 
do trabalho e de definição das estratégias empresariais, o conceito de qualificação 
propiciava o referencial necessário para trabalhar a relação profissional indivíduo-
organização. A qualificação era, então, definida pelos requisitos associados à posição ou 
ao cargo, ou pelos saberes ou estoque de conhecimentos da pessoa, que podem ser 
classificados e certificados pelo sistema educacional. 
Lawler (1994), no entanto, contrapõe-se a essa linha de raciocínio, mostrando que 
trabalhar com o conjunto de habilidades e requisitos definidos com base no sistema de 
cargos, próprio do modelo taylorista, não atende às demandas de uma organização 
complexa, mutável em um mundo globalizado. Em tais situações, afirma o autor, as 
organizações deverão competir não apenas por meio de produtos mas de competências, 
buscando atrair e propiciar o desenvolvimento de pessoas com combinações de 
�
capacidades complexas, para atender às suas core competences. São as observações de 
Lawler, aliadas às de autores europeus, que fundamentam o modelo de análise proposto 
neste capítulo. 
O debate francês a respeito de competência nasceu nos anos 1970 justamente do 
questionamento do conceito de qualificação e do processo de formação profissional, 
principalmente técnica. Insatisfeitos com o descompasso que se observava nas 
necessidades do mundo do trabalho (principalmente na indústria), os franceses 
procuravam aproximar o ensino das necessidades reais das empresas, visando aumentar 
a capacitação dos trabalhadores e suas chances de se empregar. Buscava-se 
estabelecer a relação entre competências e os saberes — o saber agir — no referencial 
do diploma e do emprego. Do campo educacional, o conceito de competência passou a 
ser utilizado em outras áreas. No campo das relações trabalhistas, por exemplo, tal 
conceito foi empregado para avaliar as qualificações necessárias ao posto de trabalho, 
nascendo, assim, o inventário de competências, bilan de competences. 
O conceito de competência que emerge na literatura francesa dos anos 1990 procura ir 
além do conceito de qualificação. O trabalho não é mais o conjunto de tarefas associadas 
descritivamente ao cargo, mas se torna o prolongamento direto da competência que o 
individuo mobiliza em face de uma situação profissional cada vez mais mutável e 
complexa. Essa complexidade de situações torna o imprevisto cada vez mais cotidiano, 
rotineiro. 
No caso brasileiro, o debate emerge da discussão acadêmica, inicialmente fundamentado 
na literatura americana e pensando-se competência como input, algo que o indivíduo tem. 
A introdução de autores franceses, como Le Boterf e Zarifian, e de autores ingleses, como 
Elliott Jacques e seus seguidores — Billis e Rowbottom; Stamp e Stamp —, contribui para 
o enriquecimento conceitual e empírico da discussão, gerando novas perspectivas e 
enfoques (Amatucci, 2000; Dutra, 2001; Fleury e Fleury, 2000; Hipólito, 2000; Rhinow, 
1998; Rodrigues, 2000; Ruas, 2000). 
3. Construindo o conceito de competência do indivíduo 
Na perspectiva adotada neste capítulo, competência não se limita ao estoque de 
conhecimentos teóricos e empíricos do individuo nem se encontra encapsulada na 
54 
Figura 1. Competências como fonte de valor para o indivíduo e para a organização 
tarefa. Segundo Zarifian (1999), competência é a inteligência prática de situações que se 
apóia nos conhecimentos adquiridos e os transforma com tanto mais força quanto maior 
for a complexidade das situações. 
O conceito de competência procura ir além do conceito de qualificação, usualmente 
definida pelos requisitos associados à posição ou ao cargo, ou pelos saberes ou estoque 
de conhecimentos da pessoa, os quais podem ser classificados e certificados pelo 
sistema educacional, como já foi visto anteriormente. Já o conceito de competência 
refere-se à capacidade de a pessoa assumir iniciativas ir além das atividades prescritas, 
ser capaz de compreender e dominar novas situações no trabalho, ser responsável e 
reconhecida por isso (Zarifian, 1999). 
A competência do indivíduo não é um estado, não se reduz a um conhecimento ou know-
how específico. Le Boterf (1995) define competência como o entrecruzamento de três 
eixos, formados pela pessoa (sua biografia, socialização), por sua formação educacional 
�
e por sua experiência
profissional. Competência é o conjunto de aprendizagens sociais e 
comunicacionais nutridas a montante pela aprendizagem e pela formação e a jusante pelo 
sistema de avaliações. Segundo Le Boterf, competência é um saber agir responsável, 
como tal reconhecido pelos outros. Implica saber como mobilizar, integrar e transferir os 
conhecimentos, recursos e habilidades num contexto profissional determinado. 
A competência individual encontra limites, mas não sua negação, no nível dos saberes 
alcançados pela sociedade, ou pela profissão do indivíduo, numa época determinada. As 
competências são sempre contextualizadas. Os conhecimentos e o know-how não 
adquirem status de competência a não ser que sejam comunicados e utilizados. A rede de 
conhecimento em que se insere o indivíduo é fundamental para que a comunicação seja 
eficiente e gere competência. 
A noção de competência aparece, assim, associada a verbos e expressões como: 
saber agir, mobilizar recursos, integrar saberes múltiplos e complexos, saber aprender, 
saber se engajar, assumir responsabilidades, ter visão estratégica. Do lado da 
organização, as competências devem agregar valor econômico para a organização e 
valor social para o indivíduo, conforme é apresentado na Figura 1. 
Definimos, assim, competência: um saber agir responsável e reconhecido que implica 
mobilizar integrar, transferir conhecimentos, recursos, habilidades, que agregue valor 
econômico à organização e valor social ao indivíduo. 
Afinal, o que significam os verbos expressos nesse conceito? O quadro a seguir, inspirado 
na obra de Le Boterf, propõe algumas definições: 
55 
Quadro 1. 
Competências para o profissional 
Saber agir Saber o que e por que faz. 
Saber julgar, escolher, decidir. 
Saber mobilizar recursos Criar sinergia e mobilizar recursos e competências. 
Saber comunicar Compreender, trabalhar, transmitir informações, 
conhecimentos. 
Saber aprender Trabalhar o conhecimento e a experiência, rever modelos 
mentais, saber se desenvolver. 
Saber se engajar e se comprometer Saber empreender, assumir riscos. 
Comprometer-se. 
Saber assumir responsabilidades Ser responsável, assumindo os riscos e as 
conseqüências 
de suas ações, sendo por isso reconhecido. 
Ter visão estratégica Conhecer e entender o negócio do organização, seu 
ambiente, identificando oportunidades e alternativas. 
Outra noção extremamente importante a ser incorporada ao conceito de competência é a 
de entrega, desenvolvida por Dutra (2001). As pessoas, segundo Dutra, possuem 
determinado conjunto de conhecimentos, habilidades e atitudes, o que não garante que a 
organização se beneficie diretamente deles. Para compreender melhor o conceito de 
competência, é preciso incorporar a noção de entrega, ou seja, aquilo que a pessoa 
realmente quer entregar à organização. O termo “entrega” refere-se ao indivíduo que sabe 
agir de forma responsável e é reconhecido por isso. 
�
Figura2. Evolução do conceito de competências 
 
56 
 
 
4. As competências de uma organização: o Iink entre estratégia e competência 
A partir do modelo de análise de competência proposto, ocorre uma mudança de foco; a 
questão se desloca das competências do indivíduo para as das organizações. Introduz-
se, assim, a noção da empresa como um portfólio de competências. 
Durand (1998) observa que, “nos tempos medievais, os alquimistas procuravam 
transformar metais em ouro; hoje os gerentes e as empresas procuram transformar 
recursos e ativos em lucro. Uma nova forma de alquimia é necessária às organizações. 
Vamos chamá-la „competência. “. 
Os artigos de Prahalad e Hamel (1990) sobre as core conlpetences da empresa 
despertaram o interesse não só de pesquisadores mas também dos profissionais de 
empresas para as teorias sobre recursos da firma (resource based view of the firm). 
Segundo os autores, para adquirir papel-chave as competências devem atender a três 
requisitos: 
1) oferecer reais benefícios aos consumidores; 
2) ser difíceis de imitar; 
3) prover acesso a diferentes mercados. 
A questão principal diz respeito à possibilidade de combinação das várias competências 
que uma empresa pode conseguir para desenhar, produzir e distribuir produtos e serviços 
aos clientes. Competência seria, assim, a capacidade de combinar, misturar e integrar 
recursos em produtos e serviços. 
Uma competência essencial não precisa necessariamente basear-se em “tecnologia 
stncto sensu”: pode estar associada ao domínio de qualquer estágio do ciclo de negócios, 
como um profundo conhecimento das condições de operação de mercados específicos. 
Não obstante, para ser considerado uma competência essencial, esse conhecimento deve 
estar associado a um processo sistemático de aprendizagem, que envolve descoberta, 
inovação e capacitação de recursos humanos. 
Zarifian (1999) diferencia as seguintes competências em uma organização: 
>Sobre processos: conhecer o processo de trabalho. 
> Técnicas: conhecer especificamente o trabalho a ser realizado. 
>Sobre a organização: saber organizar os fluxos de trabalho. 
> De serviço: aliar à competência técnica a pergunta “que impacto este produto ou serviço 
terá sobre o consumidor final?”. 
>Sociais: saber ser, incluindo atitudes que sustentam os comportamentos das pessoas. O 
autor identifica três domínios dessas competências: autonomia, responsabilização e 
comunicação. 
A classificação proposta por Zarifian ilumina a formação de competências mais 
diretamente ligadas ao processo de trabalho de operações industriais. Entretanto, é 
�
preciso ampliar o escopo de análise, relacionandó a formação de competências à 
definição da estratégia organizacional. 
57 
 
5. Exemplificando o modelo 
O esquema a seguir ilustra o raciocínio desenvolvido neste capítulo: 
De acordo com essa abordagem, a organização, situada em um ambiente institucional, 
define sua estratégia e as competências necessárias para implementá-la, num processo 
de aprendizagem permanente. Não existe ordem de precedência nesse processo, e sim 
um círculo virtuoso, em que uma alimenta a outra através do processo de aprendizagem. 
Os casos Embraer, Laboratório Fleury e McDonald.s ilustram como diferentes estratégias 
exigem diferentes competências organizacionais. 
5.1 ESTRATÉGIA DA INOVAÇÃO EM PRODUTOS 
A Embraer é um dos (raros) casos de empresa brasileira que compete por inovação em 
produtos. Criada em 1969 por professores do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), 
ela utiliza o conhecimento acumulado e conta com o apoio das Forças Armadas, 
especialmente da Aeronáutica. 
Seu primeiro produto — o Bandeirante — pode ser considerado uma inovação radical, por 
ter sido desenvolvido para um mercado ainda não bem configurado na época: o de 
transporte aéreo regional. Foi nesse mercado que a empresa focou o desenvolvimento de 
competências, sendo o projeto de produtos (aeronaves) e do processo produtivo a 
competência essencial. 
Quando, ainda na década de 1970, precisou ampliar sua competência na área comercial, 
a Embraer associou-se à Piper, empresa americana que fabrica e distribui pequenos 
aviões em escala mundial. As alianças com parceiros internacionais para o 
desenvolvimento de aviões militares criaram as bases da consolidação de competências 
para a integração dos sistemas aeronáuticos, mecânicos, hidráulicos e eletrônicos que 
compõem a aeronave. 
A excessiva ênfase nas competências técnicas pode ser considerada uma das causas 
dos projetos malsucedidos no início da década de 1990: os produtos eram tão 
sofisticados do ponto de vista tecnológico que o preço inviabilizou sua venda. 
58 
 
Após a privatização, a nova diretoria aportou competências na área financeira e imprimiu 
uma forte orientação para o mercado, alterando a cultura organizacional e alavancando a 
competência para o desenvolvimento e a gestão de projetos. 
O reconhecimento internacional dessa competência
é que possibilita à Embraer vender 
produtos que ainda estão na prancheta e contar, nesse projeto, com parceiros de risco do 
porte das maiores empresas aeronáuticas do mundo. 
�
5.2 ESTRATÉGIA DE EXCELÊNCIA OPERACIONAL 
De maneira geral, as empresas que competem em produtos padronizados ou 
normatizados devem pautar sua estratégia pela excelência operacional. O McDonald.s é 
um exemplo de empresa que possui estratégia de excelência operacional, procurando 
otimizar a relação preço/qualidade. 
Os clientes do McDonald.s sabem que encontrarão, em todas as lojas da rede, 
basicamente os mesmos produtos e serviços (com algumas adaptações locais), a mesma 
qualidade e rapidez, a preço compatível. Com isso, criou-se um sentimento de confiança 
por parte do cliente em relação à marca McDonald.s, o que acabou se tomando o 
diferencial competitivo da rede, ou seja, sua competência organizacional. 
5.3 ESTRATÉGIA DE ORIENTAÇÃO PARA SERVIÇOS 
As empresas que adotam essa estratégia são voltadas para atender a necessidades de 
clientes específicos. Especializam-se em satisfazer, e até em antecipar, os desejos do 
cliente em virtude de sua proximidade com ele. 
A estratégia competitiva adotada pelo Laboratório Fleury, um centro de medicina 
diagnóstica, exemplifica o tipo de atuação orientada para serviços. A proposta da 
empresa é oferecer um serviço de alta qualidade e confiabilidade para um segmento de 
mercado disposto a pagar por ele. O Fleury busca a proximidade com seus clientes e 
oferece serviços diferenciados, como exames ultramodernos e específicos, atraindo 
determinado público e buscando satisfazê-lo. 
59 
 
Quadro 2. Tipos de estratégia e formação de competências 
ESTRATÉGIA 
EMPRESARIAL 
COMPETÊNCIAS ESSENCIAIS 
OPERAÇÕES PRODUTO MARKETING 
Excelência 
operacional 
Manufatura 
classe 
mundial 
Inovações 
incrementais 
Marketing de produto para 
mercados de massa 
Excelência 
em produto 
Sco!e up e 
fabricação 
primária 
Inovações 
radicais 
(breakthrough) 
Marketing seletivo para 
mercados/clientes 
receptivos à inovação 
Orientação para 
serviços 
Manufatura 
ágil, 
flexível 
Desenvolvimento 
de 
soluções e 
sistemas 
específicos 
Marketlng voltado para 
dientes específicos 
(customização) 
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AUTORA 
MARIA TEREZA LEME FLEURY 
Vice-diretora e professora titular da Faculdade de Economia, Administração e 
Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA/USP), atua na área de recursos 
humanos. Mestre e doutora em Sociologia pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências 
Humanas da USP e pós-graduada pela Universidade Stanford (EUA). Editora da Revista 
de Administração da USP (RAUSP) e coordenadora do Programa de Pós- Graduação da 
FEA, tendo orientado diversos trabalhos de dissertações de mestrado e teses de 
doutorado. Diretora científica da Associação Nacional de Programas de Pós-Graduação 
em Administração (Anpad) e responsável por cursos de pós-graduação sobre cultura e 
poder nas organizações e módulos sobre processos de mudanças e cultura 
organizacional nos cursos de MBA da USE Desenvolve atividades de pesquisa, 
diagnóstico de clima e cultura organizacional para empresas estatais e privadas, 
nacionais e multinacionais, como FMC, Aracruz Celulose e Dow Química, entre outras. 
autora de diversos livros. 
61 
 
 
Os processos de recrutamento e seleção 
ANA CRISTINA LIMONGI-FRANÇA 
ELIETE BERNAL ARELLANO 
1. Introdução 
Reconhece-se o recrutamento e seleção como ferramenta importante e integrada na 
estratégia de negócios da empresa. Se a empresa necessita passar por mudanças e 
�
renovação, deverá buscar e atrair pessoas com tal potencial. Se, pelo contrário, tratar-se 
de uma empresa conservadora e enrijecida, o perfil do profissional de que necessitará 
será outro. 
Passamos por um momento histórico em que a competição é um fator presente nas 
organizações, e isso se reflete na concorrência
por profissionais que agreguem condições 
determinantes no diferencial de qualidade das empresas. 
Recrutamento e seleção são processos que fazem parte da rotina de preenchimento de 
vagas em aberto, da rotina de admissão de pessoal. Pode-se utilizar grande quantidade 
de instrumentos comprovados cientificamente, que proporcionam melhor qualidade e 
maior precisão a esses processos. 
63 
 
2. O que é recrutamento? 
Recrutamento é a fase inicial do preenchimento de uma vaga em aberto. Lodi (1967 
define recrutamento como “um processo de procurar empregados”. Tal procura se faz 
com base nas requisições de pessoal emitidas pelos supervisores e no mercadc de 
trabalho, no qual de um lado competem os empregadores e de outro os próprios 
profissionais. Os empregadores competem em termos de salários, condições de trabalho 
e benefícios oferecidos. Os candidatos competem en termos de qualificação pessoal, o 
que inclui habilidade, conhecimento, experiência e personalidade. 
O recrutamento é influenciado diretamente pelo mercado de trabalho. Em períodos de 
recessão, de crise econômica e poucos investimentos, o mercado de trabalho recebe 
maior oferta de mão-de-obra que de postos de trabalho. Em períodos de crescimento e 
desenvolvimento econômico, a disputa pelos candidatos torna-se acirrada. 
Flippo (1961) define o recrutamento como “um processo de procurar empregados, 
estimulá-los e encorajá-los a se candidatar” a vagas de determinada organização. Uma 
variável importante relaciona-se à imagem que a empresa projeta no mercado de 
trabalho. A empresa reconhecida como um bom lugar para trabalhar terá maior 
visibilidade e provavelmente maior número de candidatos. No entanto, é sempre 
necessário planejar e organizar esforços para estimular e atrair novos talentos, através do 
processo de recrutamento que a empresa expõe o grau de profissionalismo com que trata 
seus colaboradores. Um processo de recrutamento malconduzido projeta uma imagem 
negativa da empresa. 
O recrutamento dá subsídios para o processo de seleção. Se não existirem candidatos 
com potencial para o preenchimento de uma vaga, não haverá como efetuar a seleção. O 
processo de recrutamento necessita de criatividade para atrair o máximo de pessoas que 
tenham o perfil desejado e estejam interessadas em participar. 
O recrutamento pode ser feito de duas formas básicas: 
a) atraindo-se pessoas já contratadas pela empresa, mas que trabalham em outros 
cargos; 
b) buscando-se candidatos que não têm vínculo direto com a empresa no mercado de 
trabalho. 
2.1 RECRUTAMENTO INTERNO 
a procura de candidatos para o preenchimento de uma vaga dentro da própria 
organização. Ao adotar essa técnica alguns cuidados de gerenciamento de expectativas 
�
devem ser tomados. Há empresas que alegam que isso gera competição interna, 
descontentamento e frustração para aqueles que foram preteridos no processo. Por outro 
lado, o recrutamento interno estimula o desenvolvimento profissional e oferece 
perspectivas de crescimento na carreira aos funcionários da empresa. De qualquer forma, 
o recrutamento deve ter normas definidas, transparentes e conhecidas por todos para 
minimizar eventuais problemas. 
64 
 
As principais vantagens do recrutamento interno são: 
> menor custo direto; 
>conhecimento prévio do perfil de desempenho do “candidato”; 
> estímulo à preparação para a promoção, proporcionando medidas especiais de 
treinamento e criando um clima sadio de progresso profissional; 
> melhora do moral interno; 
>demonstração de valorização do pessoal que já compõe a emresa. 
A essas vantagens, Chiavenato (1999) agrega melhor aproveitamento do potencial 
humano da organização, incentivo à permanência dos funcionários e fidelidade à 
organização, adequação a situações de estabilidade e pouca mudança ambiental e 
ausência de necessidade de socialização organizacional de novos membros. 
2.2 RECRUTAMENTO EXTERNO 
É a busca de candidatos no mercado de trabalho ou em fontes específicas para o 
preenchimento do cargo. A opção pelo recrutamento externo deve, preferencialmente, ser 
feita após avaliação da alocação de pessoas que já estejam empregadas na empresa. 
Esse critério gera expectativas positivas de carreira, além do sentido de justiça pelo 
oferecimento de oportunidades aos funcionários já comprometidos e fiéis aos objetivos da 
empresa. 
O recrutamento externo tem vantagens que devem ser ponderadas, levando-se em conta 
o contexto em que a empresa está inserida no momento. Algumas delas: 
>novas personalidades e talentos; 
>inovação da composição das equipes de trabalho; 
> atualização de estilo e tendências do mercado. 
Em geral, os custos diretos do recrutamento externo são maiores que os do recrutamento 
interno. Apesar de acarretar custos diretos menores, porém, o recrutamento interno leva a 
custos indiretos referentes ao remanejamento de cargos e ao processo seletivo em si. 
Algumas fontes de recrutamento podem ser citadas: 
> consulta ao cadastro de candidatos da própria empresa (processos seletivos anteriores 
ou apresentação espontânea de candidatos); 
> escolas de cursos técnicos, faculdades e universidades; 
> entidades de classe (sindicatos, associações e conselhos de classe); 
>anúncio de vagas em locais visíveis da empresa ou em locais específicos; 
>cadastros de outros recrutadores e grupos informais; 
>intercâmbio entre empresas; 
>sites especializados em oferta de candidatos; 
>empresas de outplacement; 
�
65 
 
>anúncios em jornais, revistas, rádio e televisão; 
>agências de emprego ou headhunters; 
>site da própria empresa. 
As vagas (ou posições) de maior complexidade e responsabilidade ou que encontrem 
baixa oferta no mercado de trabalho em geral exigem maior investimento de recursos 
(múltiplos e combinados). 
3. O que é seleção de pessoal? 
Seleção é a escolha do candidato mais adequado para a organização, dentre todos os 
recrutados, por meio de vários instrumentos de análise, avaliação e comparação de 
dados. 
Santos (1973) define seleção como um processo pelo qual são escolhidas pessoas 
adaptadas a determinada ocupação ou esquema operacional. Nem sempre isso significa 
escolher os candidatos que revelam aptidões ou capacidades em índices elevados. Em 
princípio, é a escolha dos candidatos com maior afinidade de expectativas e 
potencialidades com as expectativas e necessidades previstas para o cargo ou posição 
em processo de preenchimento. Isso significa aqueles que mais convêm a determinado 
plano de ação, pois em muitos casos os escolhidos não são os mais talentosos, e sim os 
mais adequados a uma função em uma situação predeterminada. 
Algumas vezes, admitir um funcionário cujo potencial é maior que a capacidade da 
empresa de oferecer oportunidades de desenvolvimento e crescimento provavelmente 
levará à desmotivação. Por essa razão, em caso de contratação, as expectativas devem 
ser gerenciadas para evitar sentimentos de desvalorização profissional no empregado. 
Da mesma forma, admitir um funcionário sem a qualificação necessária gerará tensão e 
ansiedade, estresse e até irritabilidade se essa admissão não for gerenciada 
adequadamente, investindo-se em treinamento e capacitação. Nessa situação, pode-se 
questionar: por que não investir em treinamento do funcionário que já faz parte da 
organização? A única resposta aceitável seria o caso de o investimento em qualificação e 
desenvolvimento ocorrer em prazo maior que o previsto para a obtenção do nível de 
produtividade esperado. 
Antes de o processo seletivo ser iniciado, há necessidade de obter informações sobre as 
atividades a serem desenvolvidas e as habilidades indispensáveis para sua execução. Em 
muitas empresas já existem descrições e análises das competências necessárias. Mesmo 
assim, é indispensável a realização de uma entrevista com o requisitante da vaga para 
conhecer suas necessidades e expectativas e confirmar
c perfil psicológico desejado e a 
bagagem de conhecimentos do candidato. 
O contato com a área deve ser feito em todas as etapas do processo seletivo, incluindo-
se obviamente o levantamento do perfil do candidato. A decisão sobre c preenchimento 
da vaga, a avaliação e a comparação dos candidatos e a decisão final sobre o escolhido 
devem ser feitas pela pessoa ou área que receberá o empregadc selecionado. Quanto 
mais envolvida a área estiver, maior a possibilidade de acertal na escolha. 
66 
 
�
Por se tratar de um processo em que se pesquisam dados intrínsecos aos candidatos, a 
ética deve estar presente acima de tudo. Afinal, a pessoa está procurando emprego e 
depara com uma bateria de avaliações com o objetivo de revelar aspectos de sua 
inteligência, personalidade, interesses, sociabilidade, vida pessoal e vida profissional. Não 
ser contratado após um processo seletivo pode levar o candidato, mesmo sabendo que 
apenas um pode ocupar a vaga existente, a questionar suas capacidades e habilidades e 
a ter a auto-estima afetada. 
Por isso, os resultados devem ser comunicados, os critérios divulgados previamente e a 
posição geral da empresa esclarecida. Deve-se evitar personalizar restrições ou falhas 
observadas em entrevistas, testes ou técnicas vivenciais. Em casos especiais, deve-se 
recomendar melhorias ou investimentos pessoais-profissionais com o esclarecimento das 
razões da escolha ou da rejeição de maneira a evitar traumas ou frustrações. Da mesma 
forma, os resultados das várias etapas do processo devem ser confidenciais, restritos à 
área de seleção ou ao próprio candidato. 
4. Técnicas utilizadas na seleção de pessoal 
A seleção de pessoal não pode ser feita apenas pela avaliação da experiência e do 
conhecimento do trabalho a ser realizado. Conhecer aspectos relacionados à 
personalidade do candidato é fundamental para verificar se a contratação será positiva 
para a empresa e para o empregado. Todos os métodos psicométricos prevêem uma 
margem de acerto e erro, por isso não são a expressão do futuro, mas a predição. A 
utilização de diversas técnicas que se complementam pode diminuir a possibilidade de 
erro na escolha do candidato. 
A seguir, serão abordadas as principais técnicas utilizadas no processo seletivo: 
4.1 ENTREVISTAS 
A entrevista é o instrumento mais importante do processo de seleção. Exatamente por 
essa razão, deve ser conduzida por um profissional experiente e capaz de identificar que 
fatores de ordem pessoal podem interferir no processo (antipatia, atração, rejeição etc.). É 
recomendável que vários entrevistadores avaliem o mesmo candidato para minimizar 
esse problema. O entrevistador deve ter sempre em mente as expectativas da área. 
As entrevistas são utilizadas em vários momentos do processo seletivo. Com entrevistas 
de triagem pode-se verificar aspectos evidentes e determinantes para a ocupação do 
cargo. Para uma vaga de segurança, por exemplo, em que é necessário permanecer de 
pé e fazer rondas o dia todo, um candidato obeso não terá o preparo físico básico. Além 
do biótipo e de dados demográficos, pode-se também fazer uma averiguação inicial dos 
interesses e das expectativas do candidato, como pretensão salarial, desenvolvimento de 
carreira, horário e jornada de trabalho, disponibilidade para viagens, entre outros. 
67 
 
A entrevista pode aprofundar a pesquisa dos dados do candidato. Deve ser realizada por 
meio de questões semi-estruturadas, apresentadas no decorrer do diálogo entre 
entrevistador e entrevistado. Deve-se permitir a espontaneidade no momento da 
exposição do candidato. Quanto menos tensão for gerada e maior a confiança 
conquistada por ambos, melhor será a qualidade do diálogo. 
�
Segundo Weiss (1992), a entrevista deve seguir quatro estágios: 
> Abertura: é a hora do aquecimento, na qual o entrevistador se apresenta e expõe a 
proposta da entrevista e como será conduzida. 
>Pesquisa: tem como objetivo obter do candidato as informações necessárias á avaliação 
de seu perfil pessoal e profissional. 
>Troca: é o momento em que o candidato faz as perguntas que revelam seus interesses, 
valores, atitudes e preocupações. Normalmente são perguntas relacionadas ao cargo, às 
condições de trabalho e à empresa. 
> Fechamento: nesse ponto, o entrevistador deve dar um breve feedback da entrevista e 
informar as etapas futuras do processo seletivo. 
A entrevista deve pesquisar aspectos de conteúdo profissional e pessoal do candidato 
tanto relacionados com a vida pregressa quanto com as expectativas de vida futura. 
Alguns tópicos são essenciais para apurar essas informações. O primeiro deles diz 
respeito ao desenvolvimento de carreira, em que são abordados aspectos de sua 
formação profissional, experiências anteriores, empresas em que trabalhou, motivos pelos 
quais saiu dessas empresas, insatisfações na vida profissional, planos e ambições de 
carreira. Outro ponto refere-se ao relacionamento profissional, ou seja, como o candidato 
se relacionava com colegas, subordinados e chefias nos empregos anteriores. O 
ambiente familiar — a estrutura familiar do candidato e as responsabilidades econômicas 
que tem — é outro assunto que deve ser abordado. 
Além disso, os interesses pessoais, isto é, a investigação de hobbies e hábitos que dão 
satisfação ao candidato, podem trazer revelações importantes sobre as preferências e 
realizações. Saber como o candidato se relaciona socialmente e se pertence a algum 
grupo, associação ou religião possibilitará verificar seu grau de sociabilidade. Finalmente, 
discutir as perspectivas futuras do candidato ajudará o entrevistador a verificar que 
planejamento de vida e autogestão de carreira o candidato possui e a avaliar de que 
maneira a empresa poderá incluir-se nesse projeto pessoal. 
Outra maneira de conduzir uma entrevista é a utilização do próprio currículo do candidato 
como roteiro, agregando-se as informações não mencionadas por ele. 
A linguagem do corpo, ou seja, gestos e posturas que indicam o estado emocional, o grau 
de interesse e a reação ao momento, deve ser observada, pois pode acrescentar 
informações importantes sobre o modo como o candidato responde a determinada 
situação. 
68 
 
4.2 PROVAS DE CONHECIMENTO 
Podem ser gerais ou específicas. As provas gerais visam avaliar o grau de cultura geral 
do candidato. Pode ser, por exemplo, uma simples redação para verificar a fluência 
escrita, o conhecimento de português e a ordenação de idéias e pensamentos ou uma 
prova de matemática, nos diversos níveis de complexidade, de acordo com a 
escolaridade exigida para o cargo. Essas provas têm baixa correlação com o 
desempenho profissional imediato, porém servem para entender melhor o universo do 
candidato e sua atitude pessoal-profissional. 
As provas específicas visam avaliar os conhecimentos profissionais que o candidato 
possui, imprescindíveis para o bom desempenho da função. Podem ser de cálculos 
matemáticos, matemática financeira, mecânica, idiomas etc. importante que esses 
�
instrumentos sejam desenvolvidos e validados internamente na empresa para não 
eliminar bons candidatos. 
4.3 TESTES PSICOLÓGICOS 
Testes psicológicos são instrumentos padronizados que servem de estímulo a 
determinado comportamento do examinado. Visam predizer o comportamento humano 
com base no que foi revelado na situação de teste. 
Santos (1973) define os testes psicológicos como provas ou verificações sistematizadas 
no sentido de medir (ou avaliar) um atributo qualquer: uma aptidão (a inteligência, por 
exemplo), uma atitude, o campo de interesses, a estabilidade emocional ou traços de 
personalidade (a dominância, a agressividade, a introextroversão etc.). Segundo Tiffin e 
McCormick (1969), o uso de testes e provas psicológicas, conjugado com outros recursos, 
é o procedimento de maior segurança de que se dispõe. Vários estudos indicam que o 
emprego
de técnicas psicológicas de seleção supera os índices alcançados pelos 
processos tradicionais ou pelo recrutamento ocasional. 
Santos (1973) lembra que na escolha dos testes psicológicos deve-se observar: 
>se oferecem condições de sensibilidade, ou seja, se são adequados à idade, 
escolaridade e ao grupo social, econômico ou profissional daqueles que vão ser 
examinados; 
> se apresentam condições satisfatórias de validade, demonstrando suficiente evidência 
científica de que medem aquilo que se propõem medir; 
>se são precisos, ou seja, coerentes entre si e constantes na medida. 
Os testes psicológicos podem ser divididos em psicométricos e de personalidade. Os 
testes psicométricos são aqueles que medem as aptidões individuais, determinando um 
índice comparado com escores ponderados e validados anteriormente. É o caso dos 
testes de inteligência. De acordo com Binet, a inteligência visa ao ajustamento contínuo 
do indivíduo ao ambiente como resultado da organização mental, que envolve várias 
funções — compreensão, juízo crítico, invenção e direção. 
69 
 
A teoria de Thurstone avalia a inteligência no conceito expresso pelo fator G, mensurando 
a aptidão verbal, a fluência verbal, a aptidão numérica, a aptidão espacial, a memória 
associativa, a aptidão perceptiva e o raciocínio abstrato. Outros testes psicométricos 
utilizados no processo seletivo são: WAIS, WISC, cubos de Kohs, matrizes progressivas 
de Raven. 
Os testes de personalidade identificam traços de personalidade, aspectos motivacionais, 
interesses e distúrbios como o neuroticismo. Segundo Santos (1973), embora esses 
testes não permitam inferências precisas do possível sucesso profissional, indicam 
estados temperamentais, necessidades, pressões ou conflitos emocionais que, afetando a 
vida do indivíduo, podem refletir-se em sua atividade profissional. Nessa categoria 
existem os testes projetivos, em que o candidato associa conteúdos internos pessoais a 
estímulos apresentados, como o teste de Rorschach e o TAT, e os expressivos, em que 
se utilizam lápis e papel, como o PMK. 
4.4 TÉCNICAS VIVENCIAIS 
�
São técnicas que exigem respostas a situações de forma que os candidatos interajam e 
participem ativamente delas. Por se tratar de atividades que envolvem atuação e muitas 
vezes simulações de uma circunstância profissional, o controle da situação por parte do 
candidato fica diminuído e os resultados podem ser mais visíveis e espontâneos. Essas 
técnicas necessitam de estruturação anterior e devem ser aplicadas por profissionais 
qualificados, capazes de controlar a situação e evitar conflitos ou descontrole emocional 
de algum participante. Podem ser classificadas em: 
> Provas situacionais: relacionadas às tarefas do cargo. Podem ser, por exemplo, um 
teste de digitação e a operação de uma empilhadeira. 
> Dinâmica de grupo: envolve jogos de grupo com situações estruturadas, relativas ou 
não ao cargo, nas quais os integrantes interagem. E uma técnica muito utilizada, pois 
permite observar problemas de relacionamento, integração social, liderança etc. 
> Psicodrama: tem como pressuposto a expressão da personalidade através de um papel 
social atribuído, no qual o candidato deve expressar-se de acordo com a linguagem e as 
dimensões desse papel. Por se tratar de uma representação, o candidato fica livre para 
expressar sentimentos, valores e emoções. 
4.5 AVALIAÇÃO DE SAÚDE 
O médico deve ter conhecimento da função para avaliar as condições de saúde do 
candidato e verificar se ele está ou não habilitado para seu desempenho. A avaliação de 
saúde é acompanhada de exames clínicos específicos de acordo com a legislação e a 
política da empresa. 
70 
 
5. A questão do recrutamento e seleção no contexto da gestão de pessoas 
Dutra (2001) insere os processos de recrutamento e seleção na denominação de 
captação de pessoas no âmbito das relações macroeconômicas de obtenção de mão-de-
obra. Tal conceito sinaliza processos mais amplos, como a expatriação, isto é, as 
transferências entre áreas da mesma organização no âmbito nacional e no internacional. 
A captação de pessoas é uma das várias formas de movimento de funcionários nas 
organizações e no mercado. Na verdade, o trabalho de captação será sempre requisitado, 
qualquer que seja a movimentação de pessoas na empresa — por transferência, 
promoção, demissão ou contratação. 
Para muitos autores, a gestão estratégica de pessoas é definida como a forma de orientar 
essas pessoas a alcançarem os objetivos organizacionais e ao mesmo tempo os próprios 
(Chiavenato, 1999; Rothwell e Armstrong apud Dutra, 2001). Sob essa visão, o 
recrutamento e seleção passa a ter papel fundamental na renovação ou confirmação da 
estratégia adotada pela organização. 
Outro ponto importante refere-se ao planejamento do quadro de pessoas. Dutra (2001) 
considera-o importante na gestão do movimento de pessoas na organização, pois a 
empresa deve ter clareza de sua necessidade de pessoal ao longo do tempo tanto em 
termos quantitativos quanto em termos qualitativos. A captação de pessoas realizada com 
o conhecimento de necessidades futuras ou excessos presentes garante seu alinhamento 
com a estratégia da empresa, além de permitir melhor utilização dos recursos disponíveis 
tanto interna quanto externamente. 
�
Um bom processo de recrutamento e seleção tem como vantagens a adequação potencial 
e a maior facilidade de negociação de metas de desempenho. Devem ser observados, 
entretanto, cuidados como a supervalorização da cultura interna, e a preferência pelo 
recrutamento interno deve ser consolidada na política de RH das empresas. 
Referências bibliográficas 
CHLAVENATO, 1. Administração de recursos humanos: fundamentos básicos. São Paulo: 
Atlas, 1999. 
DUTRA, Joel. Gestão por competências. São Paulo: Gente, 2001. 
FLIPPO, E. P PrincipIes of personnel management. New York: McGraw-Hill, 1961. 
LODI, J. B. Recrutamento de pessoal. São Paulo: Pioneira, 1967. 
OLIVEIRA, Marco Antônio. E agora, Josê? São Paulo: Senac, 1999. 
SANTOS, O. B. Psicologia aplicada à orientação e seleção de pessoal. São Paulo: 
Pioneira, 1973. 
TIFFIN, J; MCCORMICK, E. Psicologia industrial. Tradução de M. H. 5. Cappellato. São 
Paulo: Helder, 1969. 
WEISS, D. Entrevista de seleção: como conduzi-la com êxito. Tradução de 1. Dafonte. 
São Paulo: Nobel, 1992. 
71 
 
AUTORAS: 
ANA CRISTINA LIMONGI-FRANÇA 
Professora livre-docente da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da 
Universidade de São Paulo (FEA-USP). Coordenadora e professora da área de recursos 
humanos do Departamento de Administração, psicóloga do trabalho, pesquisadora nas 
áreas de comportamento humano em questões psicossociais e qualidade de vida no 
trabalho. Trabalha com gestão de pessoas desde 1971 em organizações como Sesi-SP e 
Unibanco. Desenvolveu projetos na Fundacentro, Brasil Telecom, Nestlé, Alcoa, SefazMT, 
Banco do Brasil, Petrobrás, Antarctica, Visa, Viliares, Embrapa, Fiesc-Sesi, Metrô, entre 
outras. Membro do Conselho de Especialistas de Administração (Sesu) do Ministério da 
Educação e do Programa de Gestão de Pessoas (Progep) da FIA, conveniada à FEA-
USP Professora nos MBA-FIA e da Fundação Vanzolini, conveniada à Poli-USE Ocupou 
cargos de direção e no Conselho Científico das seguintes associações: Brasileira de 
Qualidade de Vida (ABQV), Ergonomia (Abergo), Paulista de Recursos Humanos 
(APARH) e Medicina Psicossomàtica (ABMP). Co-autora, com A. L. Rodrigues, do livro 
Stress & trabalho, da Editora Atlas. Escreveu centenas de artigos e oito capítulos de livros 
relacionados à gestão de qualidade de vida no trabalho. 
ELIETE BERNAL ARELLANO 
Mestranda pela Universidade de São Paulo no Programa Interunidades em Nutrição 
Humana Aplicada — FEA-FSP-FCF —, bacharel e licenciada em Psicologia, além de pós-
graduada em Psicodinâmica Infantil pelo Instituto Sedes Sapientiae. Ministra
aulas na 
FEA-USP no Programa de Aperfeiçoamento de Ensino (PAE), na disciplina 
Comportamento Organizacional. Possui experiência em desenvolvimento de sistemas de 
administração de salários, desenvolvimento de carreiras, recrutamento e seleção, 
�
sistemas gerenciais de desenvolvimento de pessoas, organização de rotinas de trabalho, 
avaliação de desempenho e projetos de qualidade de vida no trabalho. Foi assistente de 
pesquisa nos projetos: Pesquisa RH-2010 — Pesquisa em tendências de recursos 
humanos para os próximos dez anos (FIA-FEA-USP) e Anãlise do cumprimento da Norma 
Brasileira para Comercialização de Alimentos para Lactentes (NBCAL) pela indústria de 
alimentos brasileira. Consultora autônoma na Fischer & Dutra, atua em empresas como 
Petroquímica União, Unesp, Conab (trabalho desenvolvido em parceria com a Fundação 
Getúlio Vargas) e Condomínio Conjunto Nacional. 
72 
 
 
A avaliação como instrumento de gestão 
JOSÉ ANTONIO MONTEIRO HIPÓLITO 
GERMANO GLUFKE REIS 
1. Introdução 
A prática da avaliação de pessoas no ambiente empresarial é frequentemente associada 
a um instrumento específico de gestão: a avaliação de desempenho. Pronunciar o termo 
avaliação é o suficiente para remeter as pessoas quase instantaneamente a tal 
instrumento, cujo propósito é verificar quanto o profissional se adapta aos objetivos da 
empresa e às demandas e exigéncias do trabalho. Não é difícil imaginar por que essa 
ferramenta é logo lembrada ao falar em avaliação nas empresas: afinal, na maioria das 
vezes, representa uma tarefa árdua e desafiadora tanto para aqueles que avaliam como 
para os que são avaliados, além de produzir implicações importantes em termos de 
remuneração e carreira. 
No entanto, a avaliação de desempenho se propõe a ser mais do que um recurso que 
auxilia a isolar, observar, mensurar, formalizar e recompensar comportamentos e 
resultados alcançados pelos indivíduos. Mesmo nos enfoques mais tradicionais, constitui-
se num sistema que tem por objetivo a melhoria global do desempenho e da 
produtividade das pessoas ao longo do tempo (Latham e Wexley, 1994), configurando-se, 
portanto, em um sistema de gestão do desempenho. Nesse sentido, deve interconectar-
se com outras 
73 
 
funções de gestão de recursos humanos intercambiando inputs com práticas de seleção, 
desenvolvimento profissional, gestão de carreira, remuneração e assim por diante a fim 
de alavancar os profissionais de uma empresa a níveis superiores de desempenho. 
Deve ser compreendido, também, como um sistema que impõe uma divisão de 
responsabilidades pela gestão de pessoas na organização e, mais especificamente, pelos 
esforços de melhoria de desempenho. Nesse processo, a área de recursos humanos 
apóia e gerencia o sistema, mas seus principais atores são, de fato, o avaliado e o 
�
avaliador. Tradicionalmente, existe clara relação hierárquica entre os dois e normalmente 
o avaliador é superior imediato do avaliado. 
Assunto polêmico, o processo de avaliação encontra, no ambiente empresarial e no 
acadêmico, críticos e defensores. De qualquer maneira, é amplamente difundido como 
instrumento de gestão, embora, muitas vezes, seja pouco conhecido no que se refere a 
suas implicações. Este capítulo tem como objetivo principal ampliar a discussão sobre 
avaliação além do acompanhamento do desempenho e, para isso, pretende: 
>revisitar as principais bases históricas e conceituais que conduziram o processo de 
avaliação à forma como tem sido atualmente empregado nas organizações; 
>descrever os principais tipos de avaliação existentes e a forma como são aplicados; 
>discutir problemas-chave que costumam acompanhar as avaliações, apresentando os 
cuidados que tendem a minimizá-los; 
>ressaltar o papel dos gerentes na eficácia do processo; 
>apontar as principais tendências no campo da avaliação de pessoas nas empresas. 
2. Bases históricas e conceituais 
Com o advento da administração científica, a prática da avaliação ganhou lugar nas 
organizações como forma de controlar e disciplinar a atuação do trabalhador em relação 
aos movimentos, tempos e à produtividade esperados (Brandão e Guimarães, 2001). 
Acompanhando a evolução da administração, tal prática incorporou contribuições do 
movimento de relações humanas, possibilitando maior interatividade entre chefia e 
subordinado no processo, bem como a preocupação com a motivação e o 
desenvolvimento profissional do avaliado. 
Ao longo do tempo, a prática da avaliação — notadamente da avaliação de desempenho 
— recebeu importantes contribuições conceituais de determinados campos de estudo e 
pesquisa de comportamento e gestão: 
>Da psicologia cognitiva e de teorias da motivação: principalmente da teoria da fixação de 
objetivos (goal-setting theory), que ressalta a importância de que sejam claramente 
definidos os objetivos e as expectativas relativos ao profissional — objetivos específicos, 
claros e desafiadores, bem como feedback constante, tenderiam a promover melhorias de 
desempenho (Latham e Yukl, 1975) —, e da teoria das expectativas, a qual argumenta 
que a inten_idade do investimento 
74 
 
pessoal no desempenho de determinada tarefa depende da expectativa de que esse 
desempenho seja acompanhado de consequência ou resultado atrativos para a pessoa. A 
intensidade desse investimento também depende da expectativa de que os resultados 
efetivamente possam ser alcançados (Vroom, 1964). 
>Da psicologia comportamental: enfatiza a utilização de comportamentos observáveis e 
mensuráveis como base da análise dos profissionais. Decorre daí um esforço para 
vincular comportamentos a consequências positivas como forma de estimular os 
comportamentos desejados pela organizaçãcl. 
>Da administração por objetivos (APO): apoiada na goal-setting theory, propagou a 
idéia do gerenciamento de pessoas baseado na negociação prévia de objetivos e metas 
�
mensuráveis e observáveis. As avaliações de desempenho — sistemáticas — permitem 
acompanhar os resultados efetivamente alcançados e propor ações conetivas. 
>Do desenvolvimento organizacional (DO): difundiu novos instrumentos de avaliação, 
enfatizando a troca defeedbacks como forma de intervenção na dinâmica interpessoal de 
grupos de trabalho e de alavancagem de mudanças comportamentais. Estimulou a 
utilização de diferentes fontes de feedback (e não apenas a chefia) no processo de 
avaliação. 
A utilização da avaliação nas organizações, que se intensificou durante as décadas de 
1960 e 1970, passou a ser duramente criticada no final dos anos 1980. Deming (1986), 
engenheiro que teve forte influência no movimento de qualidade do Japão e do Ocidente, 
caracterizou a avaliação de desempenho como uma das “sete pragas” que assolam as 
práticas de gestão norte-americanas. O autor argumenta que as avaliações tendem a 
atribuir aos indivíduos variações e problemas de desempenho que, na realidade, 
deveriam ser compreendidos como conseqüência de falhas dos sistemas. Outras críticas 
ressaltam o caráter meramente burocrático e pro forma que a avaliação acaba 
assumindo, bem como as distorções perceptivas de avaliados e avaliadores, que 
interferem nos resultados do processo. 
Em parte, as opiniões desfavoráveis à avaliação de desempenho são decorrência natural 
da ampla gama de transformações experimentadas pelas empresas nos últimos anos. Em 
sua origem, o processo de avaliação foi concebido na lógica da organização hierárquico-
funcional, na qual quem avalia é a chefia imediata e a principal referência da análise do 
desempenho é o cargo, isto é, avalia-se a consecução de objetivos e atribuições 
relacionados a determinado cargo. Tais perspectivas entram em conflito com um 
ambiente organizacional cada vez mais caracterizado por relações multidirecionais e 
networhs com vinculos hierárquicos menos evidentes, nos quais os individuos e seus 
recursos, e não mais os cargos, são a principal
referência de consecução da estratégia 
organizacional. 
Cabe ressaltar que a expectativa de desempenho de um profissional na organização — 
base do processo de avaliação de desempenho e das ações decorrentes — é função de 
outra dimensão que também merece ser acompanhada e, portanto, avaliada: o grau de 
desenvolvimento do profissional. Esse desenvolvimento, que tradicionalmente é 
observado pela análise do cargo, reflete, por sua vez, um conjunto de experiências e 
repertórios que foram “lapidados” ao longo da vida do profissio- 
75 
 
nal, com maior ou menor velocidade devido a seu potencial e à existência ou não de 
determinadas características comportamentais. Cada uma dessas dimensões, resumidas 
no Quadro 1, traduz um aspecto importante para a determinação da contribuição do 
profissional à organização e, dessa forma, deve ser monitorada. 
Quadro 1. Foco das avaliações 
 
Foco das avaliações 
Objetivos 
�
Aferição de 
potencial 
Predizer a adequação futura do profissional a determinada situação ou objetivo trabalho. Propõe-se a prever o desempenho potencial de uma pessoa caso ocupe 
determinado cargo ou papel na organização. 
Análise 
comportamental 
Dar feedbacks de determinados comportamentos observáveis, alinhados a valores, 
missão e objetivos da empresa. Propõe-se a promover autoconhecimento e 
contribuir para a identificação de pontos fortes e oportunidades de melhoria, 
estimulando a adoção de comportamentos considerados críticos para a empresa. 
Desenvolvimento 
profissional 
Observar o grau de desenvolvimento e maturidade do profissional como subsidio 
à distribuição de responsabilidades, à definição de ações de capacitação e a 
movimentações salariais e de carreira. 
Realização de metas 
e resultados 
Orientar o desempenho para metas e objetivos da organização. Permite aferir, 
quantitativamente, o gap entre resultados individuais/grupais esperados e 
resultados efetivamente alcançados. 
 
A não observância da multiplicidade de aspectos pelos quais cada profissional deve ser 
avaliado pode ser vista como uma das principais causas das fortes críticas sofridas pelos 
processos de avaliação nas décadas de 1980 e 1990. Nessa época, segundo pesquisa 
apresentada por Vicere e Fulmer (1998), a avaliação de desempenho passou de uma das 
estratégias mais freqüentemente utilizadas no desenvolvimento gerencial a uma das 
menos empregadas. Isso significa que a análise do profissional em apenas uma de suas 
dimensões ou a avaliação de várias dimensões através de uma única ferramenta dificulta 
a boa compreensão dos indivíduos e o planejamento das ações dela decorrentes, tendo 
contribuído sobremaneira para a derrocada quase total das sistemáticas de avaliação de 
pessoas nesse período. 
No entanto, percebe-se forte reaquecimento do tema no final dos anos 1990 (Vicere e 
Fulmer, 1998), que traz consigo a preocupação de situar e distinguir diferentes tipos de 
avaliação, conforme seus objetivos e sua natureza. É importante compreender tal 
diferenciação, pois cada tipo de avaliação impacta na escolha dos conteúdos que se 
pretende avaliar, nos instrumentos a serem utilizados e nas ações decorrentes. 
3. Tipos de avaliação 
3.1 FOCO NA AFERIÇÃO DE POTENCIAL 
Na maioria das vezes esse tipo de avaliação é realizado para respaldar promoções, 
principalmente em níveis gerenciais. Utiliza intensamente simulações que permitem 
verificar o desempenho do profissional em situações com demandas semelhantes às que 
encontraria em posições hierárquicas superiores. Pode ocorrer em assess- 
76 
 
 
�
ment centers, onde o profissional é avaliado por psicólogos em dimensões como 
comunicação oral, capacidade de decisão, iniciativa etc. 
A avaliação de potencial também pode ter foco no longo prazo, procurando identificar 
quanto um indivíduo poderá adaptar-se a uma função gerencial no futuro, após 
investimentos maciços em desenvolvimento. Dessa forma, as empresas identificam 
pessoas de alto potencial (high potential), que provavelmente ocuparão cargos-chave em 
sua estrutura. 
Em geral, essa segunda perspectiva apóia-se em algum modelo conceitual de 
identificação de potenciais. O modelo desenvolvido por Jaques e Cason (1998), por 
exemplo, pressupõe que a capacidade de processar informações, na dimensão cognitiva, 
é decisiva no desempenho profissional. Tal dimensão, que para os autores é inata e 
amadurece ao longo da vida segundo uma curva específica de potencial, varia de pessoa 
para pessoa, permitindo a alguns atingir determinados patamares de capacidade e a 
outros não. Essa variável cognitiva determina a forma como uma pessoa consegue 
responder a diferentes graus de complexidade em suas atribuições. Com base em 
capacidades apresentadas pela pessoa hoje, seria possível prever, com certa precisão, a 
evolução dessa dimensão no futuro. 
3.2 FOCO NA ANÁLISE COMPORTAMENTA 
Esse tipo de avaliação tem sido realizado, com freqüência, com os principais gestores das 
companhias. O ponto de partida é a identificação dos comportamentos de liderança que a 
empresa pretende estimular e que traduzem seus objetivos e valores. Esses 
comportamentos são observáveis no ambiente de trabalho e constituem um “inventário de 
práticas de liderança”. Exemplos hipotéticos desses comportamentos poderiam ser: 
comunicar à equipe os objetivos da companhia, fornecer feedbacks sistemáticos aos 
membros de sua equipe, certificar-se de que as necessidades do cliente estejam sendo 
efetivamente atendidas, entre outros. 
Esse inventário de comportamentos é a base dos questionários de avaliação e auto-
avaliação utilizados no processo. Quando a avaliação tem como foco a análise 
comportamental, é freqüente sua aplicação por múltiplas fontes, que se utilizam 
defeedbacks provenientes de diversos componentes do network pessoal do avaliado. Os 
resultados das avaliações, por sua vez, são cuidadosamente repassados para os 
avaliados na forma de relatórios de feedback. 
3.3 FOCO NO DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL 
Quando se observa a dinâmica do trabalho nas organizações, fica evidente a existência 
de pessoas em diferentes estágios de desenvolvimento profissional. Percebese, por 
exemplo, que um supervisor de produção se encontra em estágio de desenvolvimento 
mais avançado que um auxiliar de produção, um analista sênior está à frente de um 
analista júnior e o presidente da companhia está em posição superior a seus gerentes. 
Mas com que parâmetros essas diferenças podem ser avaliadas? 
77 
Avaliação 360 graus 
�
A avaliação 360 graus — também conhecida como feedback 360 graus, feedback com 
múltiplas fontes, avaliação multivisão, entre outros — tem sido uma prática cada vez mais 
freqüente em organizações ocidentais. 
Como técnica utilizada principalmente em programas de desenvolvimento gerencial, a 
avaliação 360 graus consiste em coletar feedbacks dos comportamentos de liderança dos 
principais gestores no ambiente interno e no externo da organização. Quem emite os 
feedbacks são pessoas situadas em diferentes posições em redor do avaliado e que 
fazem parte de seu netowk: superior imediato, pares, clientes e outros stakeholders. 
Figura 1. Avaliação 360 graus: recebimento de feedbacks do network pessoal 
Aqueles que fornecem os feedbacks avaliam a freqüência com que o profissional põe em 
prática comportamentos considerados críticos para a consecução dos objetivos 
organizacionais. Em geral, os avaliadores são treinados previamente e seu número pode 
variar entre três e vinte pessoas para cada avaliado, dependendo do caso. 
Além disso, há a auto-avaliação, na qual o receptor de feedbacks registra as próprias 
percepções. Contrastar a auto-imagem profissional com as percepções de colegas de 
trabalho é um dos momentos de maior aprendizagem e reflexão, o que contribui para o 
autoconhecimento do participante. Nesse processo, é possível identificar
claramente os 
pontos fortes e as oportunidades de melhoria. Um consultor pode apoiar a pessoa nessa 
análise e na construção de um plano pessoal de desenvolvimento. 
Nos últimos anos, artigos a respeito do assunto têm surgido de forma crescente em 
revistas norte-americanas da administração e mesmo na imprensa. Em 1993, uma 
pesquisa indicou que 26% das empresas norte-americanas já utilizavam algum tipo de 
avaliação de desempenho com múltiplos avaliadores (Newman, 1993). No mesmo ano, a 
revista Fortune (edição de 27 de dezembro de 1993) apresentou uma relação de vinte 
grandes empresas que desenvolviam essa prática, entre elas Alcoa, AT&T, Bell South, 
DuPont, Hewlett-Packard,J.P. Morgan, 3M, Motorola, Procter & Gamble. 
No Brasil, empresas como Aracruz, Amex, Merck, Schahin, Shell, Sun Microsystems e 
tess são alguns exemplos de corporações que já utilizaram esse técnica. Tanto nos 
Estados Uni- 
78 
 
dos quanto no Brasil, essa utilização tem sido vinculada principalmente a esforços de 
desenvolvimento de lideranças, embora no cenário norte-americano esteja crescendo a 
vinculação da avaliação 360 graus a práticas de remuneração, promoção e downsizing, o 
que pode ser arriscado para a maioria das empresas, normalmente pouco habituadas ao 
intercâmbio franco de feedbacks entre seus profissionais. 
Resultados de pesquisas sugerem que avaliações sistemáticas com múltiplas fontes 
tendem a contribuir para que os profissionais tenham percepção mais acurada de si 
mesmos e de sua atuação (Cheston, 1996), o que impacta positivamente no desempenho 
(London e Smither, 1995). Além disso, as pessoas que participam do processo modificam 
�
determinados comportamentos ao longo do tempo (Hazucha et al, 1993; Smither et al, 
1995; Goldsmith, 1996). 
Embora especialistas, gestores e consultores apontem os benefícios da avaliação 360 
graus para indivíduos e empresas, também são levantados questionamentos. Um artigo 
de 1997 publicado pela Academy of Management Executive critica a utilização do 360 
graus como panacéia (Waldman et al, 1997), Os autores denunciam os riscos das 
pressões de modismos sobre a decisão de utilizar novas práticas de gestão e 
desenvolvimento de pessoas. Segundo eles, muitas organizações adotam o 360 graus 
por imitação simplesmente porque os concorrentes ou bench-marks já o fizeram, sem 
considerar que nem todo contexto é propício para sua utilização. 
Tradicionalmente, as diferenças de grau de desenvolvimento dos profissionais eram — e, 
em muitos casos, ainda são — equacionadas por meio do conceito de cargos. Esses 
cargos, ao remeter os profissionais que os ocupam a determinado conjunto de atividades, 
delimitam seu espaço de atuação e seu nível de responsabilidade. Daí surge a pergunta: 
por que o cargo de presidente foi alocado ao profissional X, e não ao profissional Y, que 
recebeu a incumbência de desempenhar as atividades definidas para o cargo de gerente? 
Certamente porque o profissional X encontra-se num estágio de desenvolvimento que lhe 
permite tomar decisões com o nível de complexidade e abstração exigido pela posição de 
presidente e, provavelmente, o profissional Y não. 
Praticamente toda a literatura que procura esclarecer a lógica de desenvolvimento das 
pessoas — seja com o objetivo de equacionar a gestão de carreiras nas empresas, seja 
de estabelecer programas de capacitação adequados, seja de definir o padrão 
remuneratório a ser atribuído aos profissionais — trabalha, implícita ou explicitamente, 
com a lógica de complexidade de trabalho. 
Nessa perspectiva pressupõe-se haver relação direta entre a complexidade do trabalho 
executado por um profissional, seu estágio de desenvolvimento (sua capacidade de tomar 
decisões corretas no grau de complexidade ao qual está sendo submetido) e seu 
reconhecimento na organização. Dessa forma, o cargo, ao definir a pnon o que se espera 
da atuação do profissional nele alocado, determina, para os trabalhadores, a 
complexidade de suas funções e aponta os requisitos exigidos para seu desempenho 
(formação mínima, experiência necessária, conhecimentos específicos etc.). É 
tradicionalmente visto, portanto, como capaz de conferir parâmetros às diversas ações em 
gestão de pessoas. Assim, capacita-se para o desempenho de cargos, remunera-se com 
base neles e promove-se para cargos mais elevados na estrutura organizacional. 
Embora o uso de cargos como parâmetro principal em gestão de pessoas mostre-se 
obsoleto diante da emergência de situações dinâmicas de trabalho, em que as pessoas 
assumem responsabilidades relativas às necessidades da organização e a sua 
79 
 
capacidade — e vontade — de assumi-Ias, e não devido ao que está definido na 
descrição de seu cargo, a lógica de complexidade do trabalho permanece válida, estando 
presente em diversas outras teorias que focam a gestão de pessoas (para mais detalhes 
sobre tais teorias veja Jaques, 1967 e 1990, Mishina e Inaba, 1985, e Hipólito, 2000). Isso 
significa dizer que, havendo necessidade da organização de que se faça uma ação, 
assume a incumbência de realizá-la o profissional que se encontra num nível de 
�
desenvolvimento que o torna capaz disso. Nessa linha, as avaliações devem deixar de 
focar o simples cumprimento do que está descrito no cargo e passar a observar 
diretamente o grau de complexidade das responsabilidades assumidas pelas pessoas em 
sua interação com as necessidades organizacionais. 
Quando o assunto é avaliação do desenvolvimento, portanto, o desafio consiste em 
elaborar ferramentas capazes de apontar o grau de complexidade do trabalho com que os 
profissionais conseguem lidar e o conjunto de capacidades necessárias para sua 
realização. Sistemas de gestão por competências são exemplos de uma base a partir da 
qual se pode avaliar o desenvolvimento das pessoas e, daí em diante, decidir sobre ações 
de capacitação, carreira ou remuneração. 
3.4 FOCO NA REALIZAÇÃO DE METAS E RESULTADOS 
Esse foco do processo de avaliação consiste na tentativa de depreender o esforço e a 
dedicação dos profissionais na execução do trabalho. Nesse caso, a recompensa ocorre 
sobretudo por meio de práticas de remuneração variável, já que o esforço, por ser 
circunstancial, pode oscilar com o tempo. 
A avaliação do esforço, no entanto, não é fácil, uma vez que exigiria, a rigor, a 
observação e o acompanhamento dos profissionais ao longo de todo o período de tempo 
em que se dedicam ao trabalho. Certamente tal método seria inviável, o que leva ao 
surgimento de alternativas que priorizam a observância dos resultados obtidos pelos 
profissionais como fruto do esforço, dando origem aos sistemas de avaliação de metas e 
resultados. 
Nesses sistemas, define-se previamente um conjunto de metas ou resultados esperados 
com base na atuação dos indivíduos ou grupos e acompanha-se sua realização, 
atentando para a existência de fatores externos que possam influenciá-la. Três aspectos 
críticos devem ser considerados na estruturação de sistemas de avaliação de metas e 
resultados: 
> Considerar uma expectativa desafiadora, porém factível, dos resultados esperados da 
atuação do indivíduo ou grupo que está sendo acompanhado. Tal expectativa, em geral, é 
desenhada considerando-se o estágio de desenvolvimento dos profissionais envolvidos, 
conforme definido no tópico sobre foco no desenvolvimento profissional. 
80 
 
> Definir com clareza a expectativa do resultado a ser alcançado para que as pessoas 
possam direcionar seus esforços no sentido de atingi-lo e negociá-lo previamente entre as 
partes interessadas. 
> Estabelecer antecipadamente critérios de revisão das metas traçadas quando fatores 
externos significativamente fortes interferirem na expectativa de resultados a serem 
alcançados. 
Ao conceber um sistema de avaliação focado na realização de metas e resultados, há 
uma tendência natural de buscar indicadores quantitativos
— em geral financeiros — para 
acompanhamento. Essa escolha, embora dê concretude e maior objetividade à avaliação, 
leva, muitas vezes, ao estímulo a ações cujos resultados são observados no curto prazo, 
em detrimento da observância de aspectos importantes para a sobrevivência da 
organização cujos resultados, porém, não aparecem em curto período de tempo. 
�
Como alternativa, têm-se formulado metodologias de desenvolvimento de medidas de 
desempenho que vão além da definição de indicadores de resultados de curto prazo, 
como o balanced scorecard, e introduzido estímulos à obtenção de resultados de longo 
prazo, como é o caso das stock options. 
Como saídas (outputs) do processo de avaliação de metas e resultados, espera-se obter 
sincronia das ações individuais e grupais com os resultados desejados pela organização, 
a possibilidade de identificar obstáculos à realização dessas ações e o conseqüente 
planejamento de medidas para superá-los, a identificação de necessidades de 
qualificação dos profissionais ou de revisão das configurações das equipes e a base de 
decisões remuneratórias, especialmente no que se refere à remuneração variável. 
4. Cuidados especiais 
Existem alguns pontos que merecem atenção especial na implementação de processos 
de avaliação. Em primeiro lugar, é necessário lembrar que o campo da avaliação de 
pessoas é repleto de nuances e subjetividade: de forma geral, o mesmo comportamento 
ou competência pode ser percebido e interpretado de maneira diversa pelas pessoas. 
Isso significa que um dos principais problemas associados aos sistemas de avaliação 
refere-se às diferenças de percepção dos envolvidos, o que pode comprometer a precisão 
das avaliações. Alguns procedimentos, entretanto, contribuem para que isso seja 
minimizado: 
> Utilização de critérios claros de avaliação, negociados e legitimados, como instrumento 
adequado de acompanhamento do profissional ou grupo. Esses instrumentos devem 
originar-se das necessidades da organização contrapostas a sua cultura, crenças, valores 
e objetivos. 
81 
 
>Ampla comunicação de objetivos, etapas e impactos do processo, criando-se um 
significado e enfatizando-se seus resultados positivos para a empresa e para cada 
profissional que dela faz parte. Embora todo instrumento de avaliação de pessoas seja 
subjetivo por natureza, deve-se dedicar atenção especial à minimização desse aspecto, 
caracterizando-se com precisão os fatores a serem avaliados, estimulando-se a troca de 
experiências entre avaliadores ou estabelecendo-se mecanismos de controle que 
apontem desvios em relação ao resultado médio esperado. 
> Capacitação dos usuários do sistema (avaliadores e avaliados) quanto à importância e 
utilidade de cada um dos instrumentos de avaliação utilizados e à compreensão das 
ações deles decorrentes. 
> Apresentação da avaliação como elemento de apoio ao desenvolvimento organizacional 
e profissional, desmistificando-se a relação usualmente estabelecida entre avaliação e 
punição. 
>Adoção de uma sistemática que transcenda a dimensão unidirecional (chefe-
subordinado), estimulando-se a auto-avaliação e a avaliação com múltiplas fontes. 
A adoção desses cuidados ajuda, em primeiro lugar, a minimizar outro efeito colateral do 
processo: a ansiedade excessiva. Não é incomum as pessoas associarem a avaliação a 
auditorias de RH ou a processos de enxugamento de quadro anteriormente vivenciados. 
Em segundo lugar, as mudanças comportamentais almejadas pelos processos de 
�
avaliação demandam um conjunto de ações integradas para que, de fato, venham a 
ocorrer; requerem esforços combinados do individuo — com suas aspirações e seus 
projetos pessoais — e da organização, gerando-se oportunidades e estímulos ao 
desenvolvimento dos atributos desejados; e necessitam ser reforçadas por práticas de 
gestão de pessoas condizentes com os comportamentos sinalizados como críticos para o 
sucesso da empresa. 
A falta de cuidado nesse sentido leva, muitas vezes, a avaliações que enfatizam 
comportamentos que, na prática, são até mesmo punidos no dia-a-dia da organização. 
Possíveis incongruências entre os sistemas de avaliação aplicados pela organização e 
suas práticas de gestão (como ênfase nos valores integridade e ética em avaliações, 
enquanto o sistema de remuneração premia resultados alcançados a qualquer preço, ou o 
discurso da preferência pelo trabalho em grupo, em times, quando se recompensa de 
forma essencialmente centrada no individuo) tendem a gerar descrédito em relação à 
sistemática de avaliação e à própria organização. 
Um terceiro cuidado na condução das sistemáticas de avaliação consiste no uso efetivo 
dos resultados para subsidiar ações concretas e na transparência com que isso ocorre. 
Caso contrário, a avaliação perde significado, passando a sensação de se tratar apenas 
da aplicação de mero instrumento burocrático. Nesse caso, sua aplicação será evitada ou 
feita com pouca atenção. 
Finalmente, cabe destacar a importância da atuação gerencial na condução de 
sistemáticas de avaliação. Seu papel no processo envolve, por exemplo, o uso dos meios 
disponibilizados como elemento de apoio à gestão e à tomada de decisão, o 
 82 
 
esclarecimento aos profissionais locados em sua equipe dos objetivos da avaliação e de 
sua importância, a condução do processo de maneira clara, imparcial e negociada, a 
prática do feedback e a orientação aos subordinados no tocante a ações que devem ser 
realizadas como forma de suprir pontos de melhoria identificados no processo de 
avaliação e a sugestão de revisões dos processos e instrumentos de avaliação para 
adequá-los às necessidades e características concretas da organização. 
5. Tendências 
As principais tendências do processo de avaliação de pessoas podem ser resumidas nos 
seguintes pontos: 
>Estabelecimento de um compromisso cada vez mais direto com a estratégia da 
empresa. Para isso, têm-se inserido, com freqüência, no cenário das avaliações a 
utilização de modelos de gestão por competências e a adoção de metas e indicadores de 
desempenho que são desdobramentos da estratégia organizacional e balancejam 
indicadores financeiros com indicadores de outra natureza: 
clientes, processos, inovação, pessoas etc. A utilização do balanced scorecard, por 
exemplo, ou de instrumentos semelhantes permite maior ênfase na gestão de vetores do 
desempenho futuro da organização e das pessoas (a avaliação de desempenho 
tradicional enfatiza a mensuração do desempenho passado, dos resultados já 
alcançados), bem como o estabelecimento integrado de metas corporativas, de 
grupos/equipes e individuais. 
�
>Utilização de modelos que integram as diferentes funções de gestão de pessoas, ou 
seja, a aplicação de sistemas que orientem tanto a gestão do desempenho quanto ações 
de seleção, desenvolvimento, carreiras, promoção etc. Os modelos de gestão de pessoas 
por competências, mais uma vez, se enquadram nessa categoria. 
>Avaliação cada vez mais compreendida como um espaço para negociação e equilíbrio 
entre expectativas da empresa e da pessoa, devendo-se balizar decisões que contribuam 
para ambas as partes. 
> Fortalecimento do papel dos gerentes como coaches no apoio ao desenvolvimento e à 
melhoria de desempenho. Em paralelo, reforça-se o papel dos avaliados como gestores 
das próprias competências e da carreira. 
>Avaliação seguida de um processo de feedback e encarada como oportunidade de 
autoconhecimento. Nesse sentido, cada vez mais têm-se utilizado auto-avaliações, 
contrapondo-as a avaliações de outras fontes. 
>Utilização de diversas ferramentas de avaliação, cada qual muito bem definida quanto ao 
foco e aos resultados pretendidos. 
> Sistematização prévia de possíveis ações decorrentes de um processo de avaliação 
como subsídio à decisão gerencial. 
> Utilização de avaliações com múltiplas fontes (avaliação 360 graus) com feedbacks de 
chefias,
pares, subordinados e clientes internos e externos. 
O caso da Indústria de Alimentos S.A., baseado em experiências reais, ilustra um sistema 
de melhoria de desempenho no qual se integram algumas das novas práticas 
mencionadas neste capítulo. 
83 
 
Estudo de caso: avaliação de gerentes da Indústris de Alimentos S.A. 
Empresa transnacional, de origem norte-americana, está instalada no Brasil e atua no 
setor de alimentos. É líder de mercado com algumas de suas marcas. As avaliações 
ocorrem em um sistema denominado de processo de melhoria de desempenho, tendo 
como público-alvo o corpo gerencial da companhia (cerca de 150 pessoas). 
Esse processo corre internacionalmente e tem por objetivo alinhar a melhoria de 
desempenho individual e organizacional, assim como o crescimento futuro e o 
desenvolvimento da equipe mundial da Indústria de Alimentos S.A. Está focado nas 
seguintes dimensões: 
1. Desempenho atual: os resultados alcançados pelo profissional em suas metas 
individuais do ano anterior. 
2. Desempenho futuro: engloba as metas do próximo período e também ações que irão 
viabilizar seu desempenho no futuro, o que inclui ações de desenvolvimento de 
determinados atributos de liderança. 
Para alcançar seus objetivos, o processo envolve: 
> A definição de metas individuais que resultam do desdobramento, em cascata, do 
balanced scorecard daorganização, desenvolvido com base nas escolhas estratégicas da 
�
empresa. Tal desdobramento resulta em metas e indicadores de desempenho individuais 
— alguns deles relacionados aos vetores de desempenho futuro da empresa — que são 
negociados com a chefia imediata no início do período, revisados em um momento 
intermediário e avaliados no final do período. 
> A identificação das competências prioritárias a serem desenvolvidas pelos gerentes no 
próximo período de forma que possam atingir, no futuro, desempenho superior em sua 
função. Essas competências — as dez Competências de Liderança da Indústria de 
Alimentos S.A. — são consideradas críticas para o sucesso da companhia. Todas elas 
apresentam definições detalhadas e pressupões-se que a expressão de cada uma,na 
forma de comportamentos, possa ser observável no ambiente de trabalho. No final de 
cada período, o gerente indentifica em conjunto com sua chefia imediata as competências 
prioritárias para desenvolvimento. Nesse momento é empregada a avaliação 360 graus, 
que contribui oara a identificação das competências de liderança. 
A avaliação 360 graus ocorre com input do processo de melhoria de desempenho no 
momento da avaliação de fechamento, no final do período. Disponibiliza percepções de 
pares, subordinados, clientes e fornecedores internos, ue serão analisadas pelo gerente e 
sua chefia antes de se chegar a um acordo com relação às competências de liderança a 
serem priorizadas. 
A expextativa é balancear as percepções do chefe e do gerente com outras perspectivas 
e identificar pontos fortes e oportunidades de melhoria individual com base nas 
percepções de pessoas com as quais o gerente estabeleceu, durante o período, uma 
relação de trabalho. O objetivo principal é desenvolver o profissional, contribuindo com a 
alavancagem de suas competências de liderança. 
O desenvolvimento dos profissionais é apoiado por um programa de desenvolvimento 
gerencial, que tem por objetivos impulsionar a compreensão do novo modelo de negócios 
e da cadeia de fornecimento para o cliente, bem como disseminar o novo conceito 
comercial da companhia e explorar e aprofundar temas relacionados às competências de 
liderança prioritárias, identificadas por meio do processo de melhoria de desempenho. 
Assim, baseada das avaliações finais de todos os gerentes, a área de recursos humanos 
levanta as competências que foram apontadas com mais freqüência como prioridades de 
desenvolvimento e que serão enfatizadas no programa de desenvolvimento gerencial. 
84 
 
6. Conclusões 
Avaliações fazem parte do cotidiano de qualquer organização, sendo necessárias para 
averiguar a correção das ações organizacionais e identificar as necessidades de revisão e 
melhoria. Mesmo que de maneira informal, a cada momento os gestores se envolvem em 
algum processo de avaliação — inclusive de pessoas —, e os profissionais se vêem 
refletindo (avaliando) se suas decisões, suas ações e seus encaminhamentos de carreira 
estão indo ao encontro de expectativas previamente programadas. 
A vantagem de estruturar esse processo e introduzi-lo como prática formal nas 
organizações está em produzir ferramentas comuns aos diversos gestores e profissionais, 
�
vinculadas aos objetivos e às estratégias da organização. Dessa forma, é possível dar 
parâmetros às decisões decorrentes do processo de avaliação, aproximar as 
interpretações de avaliadores e avaliados em torno de um ponto comum e diminuir a 
influência de idiossincrasias no processo e nos resultados das avaliações. 
A importância das avaliações está, portanto, no subsídio à decisão gerencial com base 
em critérios definidos como legítimos pela organização e pelos profissionais. Dessa 
forma, é possível ter uma visão mais apurada e ampla da empresa e de seu quadro de 
profissionais, de suas fragilidades e de seus pontos fortes, oferecer feedback e coaching 
estruturado e obter informações que sirvam de base a decisões relativas à gestão de 
pessoas. O resgate do uso de avaliações formais nas organizações, nos últimos anos, 
certamente objetiva alcançar esses resultados pela busca de instrumentos alinhados a 
suas características, cultura e necessidades. 
Infelizmente, não existem soluções únicas nem respostas definitivas quando o assunto é 
avaliação. Cabe lembrar, no entanto, a importância de conduzir esse processo com 
cuidado, de forma estruturada e planejada, para que não se cometam os mesmos erros 
que levaram à descrença nas avaliações nas décadas de 1980 e 1990, a ponto de terem 
sido apontadas como uma das “sete pragas” dentre as práticas de gestão das empresas. 
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85 
 
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AUTORES 
JOSÉ ANTONIO MONTEIRO HIPÓLITO 
Bacharel em Administração de Empresas e mestre em Administração com foco em 
recursos humanos pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da 
Universidade de São Paulo (FEA-USP). Professor do Curso de Extensão em 
Administração Industrial (Ceai), da Fundação Carlos Alberto Vanzolini, e tcnico-
pesquisador do Programa de Gestão de Pessoas (Progep), ambos da USE Autor do livro 
Administração salarial — A remuneração por competências como diferencial competitivo 
(Editora Atlas). Sócio da Fischer & Dutra Gestão Organizacional, tendo desenvolvido 
vários projetos de consultoria em sistemas de gestão de RH para empresas de grande 
porte. 
GERMANO GLUFKE REIS 
Psicólogo organizacional pela Universidade de Brasília e mestre em Administração de 
Empresas pela Fundação Getúlio Vargas de São Paulo. Tem atuado como consultor pela 
IDEA — Desenvolvimento Empresarial, prestando assessoria a empresas como KPMG, 
Wyeth-Whitehall, Siemens, Sun Microsystems e Tess, entre outras, em projetos nas áreas 
de gestão de pessoas e desenvolvimento gerencial. Professor da ESPM e da Facamp. 
Autor do livro Avaliação 360 graus: um instrumento de desenvolvimento gerencial (Editora 
Atlas). 
86 
 
 
Sistema de recompensas: uma abordagem atual 
�
JOSÉ ANTONIO MONTEIRO HIPÓLITO 
1. Introdução 
Decisões sobre a estruturação e o funcionamento da sistemática de recompensas e seu 
gerenciamento no dia-a-dia organizacional constituem, sem dúvida, uma das dimensões 
críticas em gestão de pessoas. Mais que o poder de compra ou o padrão de vida que o 
salário ou outras formas de recompensa podem proporcionar, sua importância está 
atrelada a um valor simbólico, que representa quanto o indivíduo vale para a organização. 
esse caráter simbólico que reforça a importância de uma relação próxima entre aquilo que 
a organização valoriza ou quer estimular em seus profissionais e a prática de 
recompensas, de modo a incentivar comportamentos e ações que agreguem valor. O fato 
de o montante distribuído a título de recompensa representar, na maior parte dos casos, 
parcela significativa do total de dispêndio das empresas realça a necessidade de alinhá-lo 
à contribuição dos profissionais para a organização, de forma a não gerar desequilíbrio 
entre a estrutura compensatóna vigente e os resultados obtidos em sua prática. 
Tradicionalmente, o cargo é utilizado por grande parte das organizações como elemento 
decodificador do valor agregado pelos profissionais e, portanto, como principal referência 
na definição de 
 
87 
 
sua recompensa. Essa pratica, eficiente quando se esperava das pessoas apenas a 
reprodução de um conjunto de atividades definidas pelo cargo, vem se demonstrando 
frágil em realidades dinâmicas, nas quais a ação do indivíduo é significativamente 
influenciada pelas necessidades organizacionais (que mudam com intensidade crescente) 
e pelo nível de competência do próprio profissional. Nesse novo contexto, o uso do cargo, 
ao despersonificar a recompensa, impede que se reconheçam de forma diferenciada as 
pessoas que mais contribuem para a consecução dos objetivos organizacionais. 
Este capítulo elucida as limitações das práticas usuais de recompensa e aponta 
alternativas alinhadas com o cenário competitivo e com os resultados pretendidos por 
meio de sua aplicação. Dentre essas alternativas, destacam-se o uso do conceito de 
competências para balizar recompensas, a intensificação do emprego da remuneração 
variável e a adoção de benefícios flexíveis, escolhidos e estruturados com base na 
análise dos métodos existentes contrapostos ao ambiente, às características e às 
possibilidades concretas da organização. 
Este capítulo inicia-se com uma retrospectiva da prática de recompensas, apresenta as 
limitações dos sistemas de remuneração usualmente utilizados e culmina com a 
apresentação das tendências na estruturação e no gerenciamento da prática 
compensatória. 
2. Evolução da prática de recompensas 
2.1 SISTEMAS BASEADOS EM CARGOS 
Embora a prática de recompensar pessoas pelo seu trabalho esteja presente desde os 
primórdios do sistema capitalista de produção, a utilização de métodos sistemáticos para 
a definição do padrão de recompensas surgiu somente a partir da Primeira Guerra 
�
Mundial (Albuquerque, 1982), com o crescimento das organizações em tamanho e 
complexidade. 
Esses métodos surgiram num contexto histórico-social específico, no qual prevaleciam os 
princípios tayloristas-fordistas de produção (e de gestão de pessoas), que apregoavam a 
estruturação e a divisão de tarefas como as grandes âncoras de todo o processo 
produtivo. Esperava-se dos trabalhadores, portanto, a simples reprodução de um conjunto 
de atividades definidas em seu cargo e, quanto melhor o fizessem, mais estariam 
contribuindo para o sucesso organizacional. 
A equação é simples: conhecendo-se os produtos (ou serviços) oferecidos ao mercado e 
o conjunto de atividades necessárias para produzi-los, bastava distribuíIas ao longo da 
força de trabalho, e sua execução conduziria, naturalmente, à obtenção dos resultados 
desejados. Uma vez que as atividades executadas eram quase todas rotineiras e 
metodicamente estruturadas, parte do ganho na produção resultava da especialização do 
profissional, ou seja, do quanto ele era hábil, veloz e efetivo na realização das atividades 
a ele atribuídas. Essa habilidade tendia a desenvolver-se com a prática, reforçando o 
conceito de divisão e estruturação do trabalho. 
88 
 
Figura 1. A lógica funcional de recompensas 
Como, nesse modelo, o trabalho do profissional é determinado pelo conjunto de 
atividades que lhe competem, e esse conjunto pode ser comum a vários empregados, 
parece sensato remunerar da mesma forma todos que exerçam atividades semelhantes. 
Origina-se aí o conceito de cargos e sua aplicação enquanto elemento principal na 
determinação das recompensas. 
Ao estabelecer a priori as atividades pelas quais cada profissional é responsável, define-
se seu espaço de atuação na organização e, portanto, o valor agregado pelo seu trabalho. 
Uma vez que é objetivo das organizações recompensar em função desse valor agregado, 
nada mais natural que utilizar o conjunto de atividades designado ao profissional — ou 
estabelecido na descrição de seu cargo — como elemento essencial na determinação de 
sua recompensa. Portanto, na sistemática funcional de compensação (centrada em 
cargos), mensura-se o valor dos cargos para a organização e, quanto maior for esse 
valor, maior deve ser a recompensa atnbuída aos profissionais neles alocados. 
O modelo funcional de recompensas cresceu de forma avassaladora com o aumento de 
complexidade das organizações e com a necessidade de estabelecer parâmetros que 
auxiliassem no gerenciamento dessa complexidade. Dentre os fatores que o 
impulsionaram, destacam-se: 
89
>seu alinhamento com as necessidades das organizações e com a filosofia de gestão que 
preponderou por décadas, centrada na estruturação de tarefas e no comando e controle; 
>a percepção de objetividade no método, em função de se utilizarem técnicas estatísticas 
sofisticadas para pontuar a importância relativa dos cargos para a organização. A 
�
cientificidade do método serve de argumento para justificar as diferenciações salariais e, 
ao ter cargos e não pessoas como foco principal, sugere imparcialidade; 
> o fato de ser um método “bem avaliado” e, portanto, estimulado pelos órgãos que 
regulam as práticas trabalhistas. Isso porque, ao estabelecer regras para a diferenciação 
das recompensas que independem da análise dos individuos, torna-se mais difícil 
determinar recompensas por critérios discriminatórios (seja em função de gênero e raça, 
seja outro critério). Essa preocupação está bastante presente na literatura, sobretudo a 
norte-americana. 
A lógica de remunerar conforme o cargo funcionou bem (e em alguns casos ainda 
funciona) enquanto suas premissas permaneceram válidas, ou seja, a existência de 
situações de trabalho em que se espera dos profissionais essencialmente a reprodução 
de uma série de procedimentos previamente definidos. No entanto, à medida que as 
organizações mudam (ou são pressionadas a mudar) e passam a utilizar seus 
profissionais de outra forma, com muito mais flexibilidade, autonomia e delegação de 
responsabilidades, cai por terra a base de sustentação dos sistemas funcionais de 
recompensa. 
Ao apontar a inconsistência entre o que se paga (e se valoriza) com os sistemas 
funcionais e o que se espera dos profissionais nos dias de hoje, Emerson (1991) discute 
as limitações dos cargos enquanto parâmetro principal para definir a remuneração. 
Analisando-os atentamente, percebe-se que o descompasso é decorrente da 
incongruência entre suas premissas e o mundo organizacional atual, levando a uma série 
de restrições, dentre as quais destacam-se: 
>inflexibilidade, reduzindo a agilidade da organização para acompanhar as mudanças 
internas e do mercado de trabalho; 
>desalinhamento em relação aos objetivos estratégicos da empresa, por ser definido a 
partir de configurações organizacionais momentâneas; 
> inviabilidade de descentralizar as decisões de recompensa para os gestores, uma vez 
que os critérios utilizados na maior parte das vezes são complexos e restritos à área de 
compensação; 
> alto custo de atualização do sistema, típico da utilização de métodos comparativos. 
Tem-se, portanto, um método que não atende às atuais necessidades das organizações 
e, ao focalizar os cargos e não as pessoas que os ocupam, deixa de reconhecer os 
talentos, aqueles que realmente se destacam, que assumem responsabilidades e, 
portanto, agregam mais valor, com o conseqüente risco de perdê-los para o mercado de 
trabalho. Ao mesmo tempo, a complexidade e a padronízação dos sistemas 
90 
 
funcionais inviabilizam sua utilização como elemento de disseminação dos valores e 
objetivos organizacionais, essencial para que os profissionais possam se auto-regular 
diante das situações e decisões inerentes ao dia-a-dia do trabalho. 
2.2 BUSCA DE ALTERNATIVAS AOS SISTEMAS BASEADOS EM CARGOS 
No extremo oposto ao método de remuneração funcional, que subjuga as pessoas ao 
cargo no qual estão alocadas, vê-se a alternativa de remunerar com base na análise da 
pessoa e de seu conjunto de habilidades. Essa alternativa já abrangia, no início da 
�
década passada, 40% das grandes organizações americanas (Lawler, 1990). Sua 
aplicação, no entanto, estava restrita a posições operacionais, em que a relação entre a 
habilidade e a obtenção de resultados para a organização é bastante próxima, e para 
alguns casos de profissionais em áreas de pesquisa e desenvolvimento. 
A dificuldade de expandir o conceito para outras posições está justamente na 
necessidade de garantir que, ao recompensar habilidades, se esteja reconhecendo a 
contribuição, o valor agregado para a organização. Caso contrário, estar-se-á gerando um 
desequilíbrio entre o que se recompensa e o que se obtém em troca. No entanto, a 
literatura e a experiência têm demonstrado que, para posições não estruturadas, que 
envolvem em sua essência análise e tomada de decisão, não é possível estabelecer 
relação direta entre habilidades e/ou conhecimentos e a contribuição do profissional, 
restringindo o uso desse método e impedindo que seja visto como alternativa ao método 
funcional. 
As limitações das técnicas tradicionalmente utilizadas para estabelecer recompensas têm 
levado à busca de alternativas mais alinhadas com o atual contexto organizacional que 
possibilitem reconhecer a entrega, o valor agregado pelos profissionais, seja em função 
do nível de decisões e responsabilidades esperado de sua atuação, seja pelo 
acompanhamento dos resultados efetivamente obtidos por eles. Isso significa que o foco 
de observação passa a ser o indivíduo (e não seu cargo), que é então medido com base 
em réguas que traduzem a agregação de valor sob o ponto de vista da organização. Essa 
visão, cada vez mais presente nas empresas modernas, sustenta-se nas seguintes 
constatações: 
> em situações de trabalho dinâmicas, pouco estruturadas, a pessoa faz seu espaço, 
independentemente do que está descrito em seu cargo e, caso não seja adequadamente 
recompensada, sofrerá grave injustiça; 
> os profissionais reconhecem o nível de recompensa como justo quando percebem que 
ele está relacionado com seu potencial para resultados e com seu conjunto efetivo de 
responsabilidades (laques, 1990). Pesquisas apontam que a mesma relação é observada 
como reguladora da prática compensatória do mercado, ao menos quando se considera a 
dimensão dos salários (Hipólito, 2000); 
>recompensar o valor agregado pelo profissional, seja expresso pelo conjunto de 
responsabilidades que assume, seja pelo acompanhamento da realização de metas 
atribuídas, é plenamente compatível com a lógica vigente no sistema de produção 
capitalista. 
91 
A Figura 2 ilustra a lógica de distribuição de atribuições ou de definição do espaço de 
atuação dos profissionais. Cada vez mais presente nas organizações, ela tem 
influenciado na concepção dos sistemas de recompensa. A partir das necessidades 
apresentadas pelos clientes e da análise do ambiente como um todo (fornecedores, 
concorrentes etc.), estabelecem-se relações e assumem-se responsabilidades de modo a 
obter os resultados desejados. A configuração ou distribuição das responsabilidades se 
dá, portanto, de forma dinâmica, em função das necessidades da empresa e da 
competência de seus profissionais. 
Figura 2. Definição dos espaços de atuação num contexto dinâmico 
O panorama apresentado até aqui servirá de base para a discussão das tendências de 
formatação dos sistemas de recompensa a partir da análise de cada um de seus 
�
componentes. 
A estruturação de um sistema de recompensas deve considerar, dentre as inúmeras 
possibilidades de composição, asforinas mais alinhadas á “filosofia” de gestão da 
organização e ao que se quer, de fato, valorizar e estimular. Os possíveis componentes 
de um sistema de recompensas são apresentados na Figura 3. Serão analisados somente 
os componentes que se relacionam com a categoria de remuneração. 
3. Componentes dos sistemas de recompensa 
3.1 SALÁRIO 
Trata-se da parcela fixa da remuneração, paga regularmente (Ceriello e Freeman, 1991). 
Representa, geralmente, o principal componente do mix de recompensas 
92 
 
Figura 3. Componentes de um sistema de recompensas 
oferecido pelas organizações, sobretudo quando se observam relações estáveis de 
trabalho. 
Como visto, as práticas de recompensa, historicamente, definem o salário de acordo com 
o cargo ocupado pelo profissional (como critério principal), possibilitando pequenas 
diferenciações em funçáo
de seu nível de maturidade, tempo de atuação na empresa, 
conjunto de conhecimentos ou habilidades, dentre outros. 
No entanto, as limitações encontradas no conceito de cargos têm levado a variações em 
seu uso no estabelecimento dos salários para, assim, alinhá-lo a interesses e 
necessidades das organizações. Como exemplo dessas variações, destacam- se a 
utilização de caracterizações de cargos mais abrangentes e genéricas, com foco nos 
processos internos da companhia (Wood e Picarelli, 1996), e o estabelecimento de 
bandas salariais largas (broadbandings), de forma a possibilitar diferenças salariais 
maiores entre os ocupantes de determinada posição, flexibilizando seu uso. 
Como as variações no emprego da sistemática funcional de compensação nem sempre 
se mostram suficientes, alternativas têm surgido no mercado. Destaque-se a emergência 
do conceito de competências, entendido como “um saber agir responsável e reconhecido, 
que implica em mobilizar, integrar, transferir conhecimentos, recursos, habilidades, que 
agreguem valor econômico à organização e valor social ao indivíduo” (Fleury e Fleury, 
2000). Os modelos de gestão salarial por competências mais efetivos têm por foco, 
portanto, a agregação de valor, e não a simples aquisição de conhecimentos ou 
habilidades, como muitos imaginam. 
A construção de sistemas de administração salarial por competências parte, em geral, de 
uma análise da organização, seu conjunto de valores, visão de futuro e orientações 
estratégicas. Definem-se, então, as competências necessárias aos profissionais para que 
mantenham a empresa competitiva no longo prazo e caracteriza-se a evolução no 
exercício dessas competências (Hipólito, 2000). Essa caracterização é concebida e 
organizada por meio de frases, espelhando, para cada competência, o crescimento de 
complexidade e responsabilidades na sua aplicação. A Figura 4 ilustra um conjunto de 
competências típico de posições de natureza gerencial, com a caracterização de uma 
dessas competências em níveis de complexidade, que ser- 
�
 
93 
 
Figura 4. Exemplo de competências gerenciais e sua caracterização ao longo de 
níveis crescentes de 
complexidade 
Para cada nível de complexidade/responsabilidade criado a partir das competências, é 
possível construir faixas salariais e critérios de evolução dos profissionais ao longo delas. 
A complexidade da atuação do profissional no conjunto de competências estabelecido 
pela organização define, portanto, a faixa salarial na qual o profissional será administrado 
e é um dos elementos de decisão sobre seu posicionamento ao longo da faixa. 
É possível, no entanto, inserir outros elementos na decisão sobre esse posicionamento, 
como contemplar a política salarial da organização para as posições em análise, sua 
situação em relação ao mercado de trabalho, as disponibilidades financeiras da 
companhia e, no nível individual, considerar o desempenho, a aquisição e o uso de 
determinada habilidade técnica. 
Ao contrário do modelo funcional, o sistema de gestão por competências pressupõe a 
ampla divulgação dos critérios definidos, de forma a servir como orientador das ações 
individuais. Possibilita, ainda, intensa flexibilidade em seu uso, uma vez que está 
dissociado de qualquer configuração organizacional momentânea, como a estrutura de 
cargos, a estrutura organizacional ou a organização de seus processos internos. 
Embora as vantagens do uso do conceito de competências para fins de gestão salarial 
sejam nítidas em comparação com os sistemas funcionais (ao menos para empresas 
situadas em ambientes competitivos, com forte pressão para mudanças), tem-se 
percebido, em muitas ocasiões, a dificuldade em romper totalmente com o 
94 
 
conceito de cargos. Nesses casos, em geral, opta-se pela manutenção dessas estruturas 
em paralelo, como complementares, até que o abandono da estrutura funcional de 
recompensas possa ocorrer. 
3.2 REMUNERAÇÃO VARIÁVEL 
Enquanto o salário é definido nas organizações em função do conjunto de 
responsabilidades e da complexidade do trabalho esperado de um profissional (avaliado 
ou não com base no conceito de competências) e é atribuído regularmente, a 
remuneração variável (em suas diversas formas) está atrelada ao acompanhamento da 
performance/desempenho, podendo ou não existir, com maior ou nenor intensidade, em 
face dos resultados alcançados. 
Embora no passado a utilização de uma parcela variável na remuneração estivesse 
restrita a algumas posições da área comercial e à alta direção (na forma de bônus), 
percebe-se, atualmente, que essa forma de recompensa tem crescido substancialmente 
como alternativa à parcela fixa de compensação. Dentre os motivos para o crescimento 
da remuneração variável, destacam-se: 
a busca, por parte das organizações, da redução dos custos fixos, substituindo- os 
�
sempre que possível por custos variáveis; 
a possibilidade de oferecer maiores ganhos aos profissionais em anos de bons 
resultados, uma vez que, ao contrário do salário, não é selado um compromisso de 
sustentação do nível de pagamento, dado a título de variável em anos subseqüentes; 
a aceitação dessa prática por trabalhadores, sindicatos e empresas, deixando as 
organizações que não a adotam com menor poder competitivo no mercado de trabalho; 
os incentivos fiscais que vêm sendo atribuídos à prática de um tipo específico de 
remuneração variável, a participação nos lucros e resultados (Rosa, 2000), regulada pela 
Lei Federal n° 10.101, de 19/12/2000. A própria regulação em lei da participação nos 
lucros e resultados estimula as empresas a se prepararem para seu cumprimento. 
A avaliação da performance, base para a remuneração variável, em geral é feita por meio 
do acompanhamento da realização de metas predefinidas para determinado período de 
tempo. A definição pode ocorrer no âmbito da organização, área, equipe e, em alguns 
casos, no nível individual, dependendo para isso de algumas precondições, como a 
existência de uma cultura organizacional favorável e a possibilidade de acompanhar a 
interferência individual no cumprimento das metas (o que é mais dificil em algumas 
posições e/ou setores de atuação e, normalmente, requer um longo período de maturação 
dessa prática na organização). 
Em razão disso, percebe-se a tendência à utilização de parâmetros de acompanhamento 
de resultados de grupos para determinar a remuneração variável e distinguir 
individualmente os profissionais a partir da remuneração fixa. Outro fator que 
95 
 
estimula as empresas a olharem prioritariamente grupos como referência para a 
remuneração variável é o objetivo de grande parte delas: estimular a atuação em equipe e 
a cooperação como elementos de convergência das ações individuais em torno dos 
objetivos maiores da companhia. Vale reforçar que nem sempre o melhor resultado 
individual significa o melhor para a equipe e para a organização. 
Fica claro que as parcelas de remuneração fixa e variável se complementam, 
reconhecendo-se aspectos diferentes nos profissionais: enquanto o salário vem sendo 
vinculado à competência, e esta se demonstra aditiva ao longo do tempo (isto é, não 
diminui, a não ser em casos excepcionais), a parcela váriável da remuneração tem como 
foco principal o acompanhamento de resultados, que se caracterizam, na essência, pela 
circunstancialidade. Podem, portanto, diminuir ou aumentar em função do ambiente, da 
organização ou do estado de ânimo/esforço do profissional ou da equipe. Embora se 
verifique a tendência de aumento da parcela variável no composto remuneratório, em 
detrimento da parcela fixa, nota-se que essa premissa (alinhamento entre remuneração 
fixa e fatores aditivos no tempo e entre remuneração variável e fatores 
pontuais/circunstanciais) mantém-se inalterada. 
3.3 BENEFÍCIOS 
Embora os pacotes de benefícios (compensação indireta) tenham sido desenhados 
inicialmente para ir
ao encontro das necessidades básicas da maioria — procurando 
contemplar aspectos que possibilitem, fora do trabalho, uma vida mais gerenciável e 
segura —, eles se transformaram com o tempo num mecanismo de atração e retenção de 
pessoas talentosas (Cascio, 1992), ganhando popularidade nos anos seguintes à 
�
Segunda Guerra Mundial (Flannery et al, 1997). Ao mesmo tempo, cresce a importância 
de administrá-los com cuidado na medida em que representam um dispêndio anual 
significativo (Cascio, 1992). De acordo com pesquisa realizada pelo Hay Group 
(consultoria especializada em remuneração) em 1994, nos Estados Unidos, os benefícios 
representavam, em média, “25% dos custos totais da folha de pagamento” (Flannery et al, 
1997). 
A gestão de benefícios nem sempre é simples; ao contrário, exige certa complexidade 
administrativa. Em função disso e da dificuldade de reduzir benefícios, uma vez 
concedidos, toda decisão em relação ao tema deve contemplar uma análise da 
organização no longo prazo, dos resultados pretendidos com sua aplicação e dos custos 
dela decorrentes. Deve-se atentar, ainda, para o papel reservado aos benefícios dentro 
do composto remuneratório. 
Cascio (1992) comenta que as diferentes perspectivas na análise dos benefícios entre 
organização e profissionais contribuem para tornar sua gestão complexa: 
enquanto as empresas olham essencialmente os custos do beneficio, os profissionais 
direcionam a análise para o valor dele, dimensões nem sempre alinhadas. Por exemplo, a 
empresa pode estar despendendo recursos para prover um plano de saúde no qual 
determinado profissional não tem interesse, seja porque prefere manter um 
96 
 
convênio particular já existente, seja por poder usufruir do plano de saúde do cônjuge. O 
autor acrescenta que, para evitar essa situação e potencializar o impacto da prática de 
benefícios, algumas empresas estão oferecendo planos de benefícios flexíveis, nos quais 
o profissional escolhe a totalidade ou parte do conjunto de benefícios com base em 
alternativas oferecidas pela organização. Trata-se, no entanto, de uma opção que 
aumenta a complexidade administrativa de manter o pacote de benefícios, aspecto que 
deve ser levado em conta antes de sua introdução. 
4. Conclusão 
As possibilidades de desenho da estrutura de recompensas são inúmeras, o que torna 
crítica a escolha de formas alinhadas com as características da organização e do 
ambiente na qual ela se insere, de modo a reforçar o conjunto de sinalizações que a 
empresa quer passar e mantê-la competitiva no mercado de trabalho. Percebe-se, no 
entanto, que os profissionais de recompensa têm focalizado mais a dimensão operacional 
de atuação, explorando possibilidades técnicas complexas, porém desconectadas da 
análise ampla de seus efeitos como elemento de atuação estratégica. 
A crescente importância dos sistemas de gestão de pessoas, incluindo recompensas, põe 
em xeque a atuação dos profissionais da área de recursos humanos. Impõe-lhes a 
necessidade de entender de maneira ampla a organização, seus valores, cultura e 
objetivos, de conhecer, ao menos conceitualmente, as formas de compensação e o que 
são capazes de estimular, de buscar constantemente alternativas de compensação mais 
alinhadas com as necessidades da empresa e de promover a capacitação dos gestores 
para que atuem nas decisões de recompensa. 
Todo esse leque de conhecimentos e percepções deve ser mobilizado de forma a 
�
viabilizar uma atuação dos profissionais de recompensa capaz de, efetivamente, 
alavancar os objetivos e resultados estabelecidos pela organização. 
Referências bibliográficas 
ALBUQUERQUE, L. G. Administração salarial e aspectos comportamentais em 
instituições de pesquisa e desenvolvimento. São Paulo: FEA-USP, 1982. Tese de 
doutoramento. 
cASCIO, W E Managing human resources: productivity, quality of work life, profits. 3. ed. 
New York: 
McGraw-Hill, 1992. 
CERIELLO, V. R.; FREEMAN, C. Human resource management systems: strategies, 
tactics and techniques. New York: Lexington Books, 1991. 
EMERSON, 5. M. Job evaluation: a barrier to excelience? Cornpensation and Benefits 
Review, v. 23, n. 1, p. 39-51, Jan.fFeb. 1991. 
FLANNERY, T. E; HOFRICHTER, D.; PLATTEN, E E. Pessoas, desempenho e salários: 
as mudanças na forma de remuneração nas empresas. São Paulo: Futura, 1997. 
FLEURY, A.; FLEURY, M. T. L. Estratégias empresariais eformação de competências: um 
quebra-cabeça caleidoscópico da indústria brasileira. São Paulo: Atlas, 2000. 
97 
 
HIPÓLITO, J. A. M. A gestão da administração salarial em ambientes competitivos: 
análise de un 
gia para construção de sistemas de remuneração por competências. São Paulo: FE 
Dissertação de mestrado. 
.JAQUES, E. In praise of hierarchy. Harvard Business Review, Jan.fFeb. 1990. 
LAWLER III, E. Strategic pay: aligning organizational strategies and pay systems. San 
Franci. 
Bass, 1990. 
ROSA, E D. Participação nos lucros ou resultados: a grande vantagem competitiva: como 
pessoas 
podem potencializar resultados e reduzir os custos das empresas. São Paulo: Atlas, 2000 
WOOD JR., T,; PICARELLI FILHO, V. Remuneração estratégica: a nova vantagem 
competitiva. 
Atlas, 1996. 
 
AUTOR 
 
JOSÉ ANTONIO MONTEIRO HIPÓLITO 
Bacharel em Administração de Empresas e mestre em Administração com foco em 
recursos humanos pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da 
Universidade de São Paulo (FEA-USP). Professor do Curso de Extensão em 
Administração Industrial (Cmi), da Fundação Carlos Alberto Vanzolini, e técnico-
pesquisador do Programa de Gestão de Pessoas (Progep), ambos da USP. Autor do livro 
Administração salarial — A remuneração por competências como diferencial competitivo 
�
(Editora Atlas). Sócio da Fischer & Dutra Gestão Organizacional, tendo desenvolvido 
vários projetos de consultoria em sistemas de gestão de RH para empresas de grande 
porte. 
98 
 
 
A GESTÃO DE CARREIRA 
JOSÉ SOUZA DUTRA 
1. Introdução 
A gestão de carreira por parte das organizações e por parte das pessoas tem sido objeto 
de grande discussão em revistas especializadas e na literatura contemporânea. As 
discussões tomaram dois rumos: 
o primeiro foca o papel da pessoa na gestão de sua carreira e de sua competitividade 
profissional e o segundo o papel da organização no estímulo e suporte ao 
desenvolvimento da carreira da pessoa. 
O objetivo deste capítulo é oferecer uma visão ampla da gestão de carreira. Será 
apresentada a evolução do pensamento sobre gestão de carreira e serão discutidos o 
papel da pessoa e da organização e as tendências nessa área. 
2. Conceituação 
Como se trata de um termo bastante utilizado, ao qual se agregam vários significados, 
carreira é uma palavra de dificil definição. Podemos utilizar carreira para nos referir à 
mobilidade ocupacional, como o caminho a ser trilhado por um executivo — carreira de 
negócios —, ou à estabilidade ocupacional, ou seja, a carreira como 
99 
 
profissão, como a carreira militar. Em ambos os casos, carreira passa a idéia de um 
caminho estruturado e organizado no tempo e no espaço que pode ser percorrido por 
alguém (Van Maanen, 1977). Partindo dessa mesma linha de raciocínio, Hall (1976) 
sugere a seguinte definição: “Carreira é uma sequência de atitudes e comportamentos, 
associada com experiências e atividades relacionadas ao trabalho, durante o período de 
vida de uma pessoa”. 
Entretanto, a definição de carreira cunhada por London e Stumph (1982) torna-se a mais 
adequada para orientar a discussão contemporânea do tema: 
Carreira são as seqüências de posições ocupadas e de trabalhos realizados durante a 
vida de uma pessoa. A carreira envolve uma série de estágios e a ocorrência de 
transições que refletem necessidades, motivos e aspirações individuais e expectativas e 
imposições da organização e da sociedade. Da perspectiva do indivíduo,
engloba o 
entendimento e a avaliação de sua experiência profissional, enquanto da perspectiva da 
organização engloba políticas, procedimentos e decisões ligadas a espaços ocupacionais, 
níveis organizacionais, compensação e movimento de pessoas. Estas perspectivas são 
�
conciliadas pela carreira dentro de um contexto de constante ajuste, desenvolvimento e 
mudança. 
Tal definição encerra conceitos importantes. Em primeiro lugar, não trata a carreira como 
uma seqüência linear de experiências e trabalhos, mas como uma série de estágios e 
transições que vão variar em função das pressões sobre o individuo, originadas dele 
próprio e do ambiente onde está inserido. Em segundo lugar, pensa a carreira como fruto 
da relação estabelecida entre a pessoa e a empresa, englobando as perspectivas de 
ambas. Finalmente, trata a carreira como elemento de conciliação dinâmica das 
expectativas entre a pessoa e a empresa. 
Durante os anos 1970 foram feitas as primeiras tentativas de estruturar a discussão sobre 
carreira levando-se em conta a relação entre a empresa e as pessoas. Um marco desse 
trabalho é o livro de Douglas Hail (1976) Careers in organizations, que procura efetuar 
uma relação entre o sucesso das pessoas em sua carreira profissional e o 
desenvolvimento organizacional. Outra obra importante é a de Edgar H. Schein (1978), 
Career dynamics, que analisa a relação dinâmica entre pessoa e empresa com base na 
construção de processos de carreira. Nessa década, vários autores procuraram discutir o 
papel das pessoas, da empresa e do meio social na construção de carreiras. 
A produção dos anos 1980 é muito rica tanto na qualidade das reflexões quanto na 
diversidade dos temas abordados. A principal produção ocorre nos Estados Unidos 
devido aos seguintes aspectos: 
No início dos anos 1980, os chamados babyboomers (pessoas nascidas no período do 
pós-guerra, que provocou uma explosão de nascimentos nos Estados Unidos e na 
Europa) ocupam todas as posições de média gerência e não deixam espaço para as 
gerações seguintes. 
Durante os anos 1970, a mulher entra mais fortemente no mercado de trabalho, gerando 
alterações na malha de concorrência e preocupações com a carreira do casal. Isso 
significa que a mobilidade geográfica vai se tornando mais complexa porque as empresas 
passam a ter de se ocupar não só da carreira de seus empregados mas também da de 
seus cônjuges. 
100 
 
Nos anos 1980, o mercado sofre grandes transformações com a entrada do Japão como 
novo concorrente internacional. 
As organizações são pressionadas a dar respostas mais rápidas para o mercado, com 
mais qualidade e menor custo. 
Os pais ficam muito mais preocupados com a carreira de seus filhos. 
Esse conjunto de fatores pressiona tanto empresa quanto pessoas a pensarem em 
carreira. A produção dos anos 1980 vai naturalmente se especializando em uma literatura 
voltada para as pessoas, que apresenta temas como escolha de carreira, mercado de 
trabalho, formas de planejar a carreira, como negociar a carreira com a empresa, como se 
recolocar etc., além de em livros voltados para as organizações que abordam temas como 
estímulo e suporte ao autodesenvolvimento, estruturação de carreiras, acesso 
democratizado às oportunidades etc. 
A produção dos anos 1990 seguiu essa mesma tendência, ou seja, a segmentação da 
produção para as pessoas e para as empresas. Nesse período, o mercado de trabalho 
ficou mais exigente, globalizou-se e ganhou mais mobilidade. Com o crescimento do 
mercado de comunicações surgem novas e inesperadas carreiras. A discussão sobre 
�
carreira ganha força nas escolas, nas empresas, nos sindicatos e na sociedade como um 
todo nos Estados Unidos e na Europa. 
No Brasil, essa discussão sobre carreira começou a fazer sentido somente nos anos 
1990. Existem poucas empresas preocupadas com o tema, e boa parte das pessoas não 
pensa sobre o assunto. Enquanto nos Estados Unidos e na Europa há vasta literatura a 
respeito do tema, no Brasil a produção é escassa. Existem razões para acreditar que 
daqui para a frente haverá grande mudança nesse quadro devido ao desenvolvimento 
econômico do país e ao mercado de trabalho cada vez mais exigente. 
Para compreensão mais profunda da gestão de carreira, será didaticamente separada a 
apresentação do tema, primeiramente com a discussão sobre o papel da pessoa e depois 
sobre o papel da empresa. 
3. O papel da pessoa na gestão de carreira 
Há, por parte das pessoas, uma natural resistência ao planejamento de sua vida 
profissional tanto pelo fato de encararem a trilha profissional como algo dado quanto pelo 
fato de não terem tido nenhum estímulo ao longo da vida. A resistência ao planejamento 
individual de carreira é ainda muito grande no Brasil, pois as pessoas tendem a guiar suas 
carreiras mais por apelos externos, como remuneração, status, prestígio etc., do que por 
preferências pessoais. Embora não existam até aqui pesquisas que confirmem essa 
afirmação, há a seu favor inúmeras constatações empíricas oriundas de eventos em que 
esse assunto foi discutido, intervenções em empresas e trabalhos com estudantes de 
nível superior. 
Acredita-se que tal quadro venha a ser modificado nos próximos anos graças a mudanças 
de postura e comportamento exigidas das pessoas pelas empresas e pelas pressões 
sociais ç econômicas. Observa-se ainda que, em momentos de crise e escassez de 
emprego, as pessoas tomam-se naturalmente mais preocupadas em 
101 
 
planejar suas carreiras, buscando conselhos, métodos e instrumentos que as ajudem no 
processo. 
De outro lado, verifica-se a empresa cada vez mais preocupada em estimular as pessoas 
a planejar suas carreiras. Os motivos que têm levado a isso são: 
A busca de posicionamento mais competitivo em seus mercados tem conduzido as 
empresas à redefinição do perfil exigido de seus recursos humanos. Tal perfil desloca-se 
da postura e do comportamento obedientes e disciplinados para a inovação e a 
capacidade de empreender. Essa situação, observada em todo o mundo, pôde ser 
comprovada no Brasil por pesquisa realizada pela Faculdade de Economia, Administração 
e Contabilidade (FEA) da Universidade de São Paulo (USP) com 250 dirigentes 
empresariais no início de 1993. Observa-se que, de modo geral, a mudança de 
comportamento é de responsabilidade da pessoa, assim como seu desenvolvimento. 
Cabe à empresa estimular e oferecer todo o apoio necessário para que o indivíduo possa 
empreender seu desenvolvimento e sua carreira. Essa postura é cada vez mais 
identificada nas grandes organizações brasileiras. 
> O estímulo para que as pessoas planejem suas carreiras tem sido um instrumento 
importante para torná-las empreendedoras consigo próprias. O planejamento da carreira 
faz com que as pessoas reflitam sobre seu desenvolvimento e as posiciona para negociar 
�
com a empresa. Tal prática é cada vez mais disseminada nos Estados Unidos, no Canadá 
e nos países europeus e é identificada em alguns países asiáticos e na Austrália, 
enquanto na América Latina é vista com menos freqüência. No Brasil, há poucos 
exemplos de empresas que estimulam e oferecem condições concretas para que as 
pessoas possam planejar a carreira. 
Além dos aspectos ligados aos estímulos gerados pela empresa, pode-se ante- ver maior 
pressão do ambiente social sobre as pessoas para que planejem suas carreiras. Tal 
antevisão é alicerçada nos seguintes argumentos: 
>Aumento da diversificação das oportunidades profissionais ocasionado pelos 
movimentos de maior complexidade organizacional e tecnológica das empresas, de 
revisão das estruturas organizacionais e de diversificação do mercado de produtos e 
serviços, o que exige das pessoas posicionamento cada vez mais consciente quanto à 
trajetória profissional. 
> Disseminação maior da idéia de que as pessoas são capazes de influenciar as próprias 
carreiras tanto no setor privado quanto no público.
>Valorização social do contínuo crescimento, da mobilidade, da flexibilidade e da 
notoriedade. Esse tipo de valorização pressiona as pessoas a competir consigo próprias e 
a rever sempre suas expectativas e necessidades. 
Esses aspectos deverão criar a demanda crescente por um projeto profissional 
consciente, ou seja, por uma visão das possibilidades concretas de desenvolvimento 
profissional. Pesquisas demonstram que a ausência de um projeto profissional consciente 
leva as pessoas a situações cujos riscos mais comuns são: 
102 
 
> Armadilhas profissionais: cai-se em uma armadilha quando se executa um trabalho 
que demanda pouco dos pontos fortes e muito dos pontos fracos. Esse trabalho, na maior 
parte do tempo, gera grande desgaste e pouca satisfação, minando a energia, conduzindo 
a uma situação de estresse e inibindo o desenvolvimento. Existem dois tipos de 
armadilha: a que se percebe imediatamente e a que é notada vários anos após nela 
termos entrado, sendo esta muito pior que a primeira. Em um ambiente de grande 
competitividade profissional, cair em uma armadilha pode trazer muitas dificuldades ao 
processo de desenvolvimento. 
> Falta de foco: as pessoas só se incomodam com a carreira quando sentem desconforto 
profissional. O processo que envolve a instalação do desconforto profissional, a 
percepção, a ação de mudança e a saída da situação de desconforto demora de dois a 
cinco anos. Isso significa que, durante o período de desconforto, o autodesenvolvimento 
fica estagnado ou ocorre lentamente. 
> Alternativas restritas: visão limitada das alternativas de desenvolvimento profissional 
tanto na empresa quanto no mercado. 
O projeto profissional consciente minimiza tais riscos porque pressupõe uma visão de 
carreira de dentro para fora, ou seja, que a pessoa tome a si própria como referência para 
desenvolver seu projeto priorizando seus pontos fortes, o que gosta de fazer e o que faz 
bem. 
Para o estabelecimento de um projeto profissional podem ser utilizadas várias técnicas. 
As mais comuns são: 
Manuais de autopreenchimento, como os apresentados por Savioli (1991) e por Kotter, 
Faux e McArthur (em London e Stumph, 1982). 
Workshops de planejamento de carreira em que os participantes trabalham sua avaliação 
�
individualmente e em grupo e discutem preferências e objetivos de carreira. Esses 
trabalhos podem gerar ainda insumos para uma continuidade de trabalho individual 
(homework) a ser confrontado com opiniões de familiares, amigos e, eventualmente, 
parceiros de empresa (Gutteridge em HaIl, 1986). 
Suporte de consultores especializados que utilizam um mix de técnicas que envolvem 
preenchimento de manuais de auto-avaliação e entrevistas de aconselhamento. 
Geralmente esse tipo de serviço está associado a uma exigência de empresas a seus 
empregados, quer visando a trabalhos de desenvolvimento, quer visando a trabalhos de 
recolocação (outplacement). Tal suporte pode ser dado por conselheiros da própria 
empresa ou contratados. 
As etapas de construção de um projeto profissional podem ser realizadas de diferentes 
maneiras. Um modelo que sintetiza de forma genérica as proposições de diversos autores 
para planejamento de carreira é apresentado por London e Stumph (1982). Segundo eles, 
o planejamento de carreira depende de três tarefas de responsabilidade do indivíduo. A 
primeira delas é a auto-avaliação, isto é, a avaliação das próprias qualidades, interesses e 
potencial para vários espaços organizacionais. A segunda diz respeito ao estabelecimento 
de objetivos de carreira, ou seja, a iden- 
103 
 
tificação de objetivos de carreira e de um plano realista baseado na auto-avaliação e na 
avaliação das oportunidades oferecidas pela empresa. A terceira refere-se à 
implementação do plano de carreira, que consiste na obtenção de capacitação e acesso 
às experiências profissionais necessárias para competir pelas oportunidades e para 
atingir as metas de carreira. 
London e Stumph afirmam que as pessoas podem conduzir seu planejamento de carreira 
de várias formas. Duas preocupações, porém, são essenciais: formar uma visão realista, 
clara e apurada das próprias qualidades, interesses e inclinações pessoais e estabelecer 
objetivos de carreira e preferências profissionais. A proposta desses autores apresenta-se 
esquematizada na Figura 1. 
Figura 1. Etapas do processo de planejamento de carreira 
A Figura 1 aponta como ponto de partida a auto-avaliação, o autoconhecimento. a partir 
daí que devem ser desenvolvidos os objetivos de carreira e o plano de ação para a 
consecução dos objetivos. Com base nesse exercício, será possível identificar as 
oportunidades de carreira. Naturalmente tais etapas são interativas, ocorrendo contínua 
influência entre elas ao longo do processo de planejamento de carreira. Pode-se 
estabelecer as seguintes etapas para a construção de um projeto profissional: 
> 1º passo — autoconhecimento: é, sem dúvida, a parte mais importante e difícil do 
processo, o saber-se, o conhecer-se, o olhar-se. As técnicas mais comuns são a análise 
de realizações, a análise de valores pessoais e a análise de personalidade. Pelo 
levantamento de realizações a pessoa percebe sua evolução e seus pontos fortes. O 
mapeamento de valores pessoais é efetuado usando-se parâmetros estabelecidos por 
pesquisadores como Edgar Schein (1990) e Derr (1988). A análise de personalidade é 
feita por testes de diversas origens. Os mais comuns são baseados em Jung. 
Informações sobre o tema podem ser encontradas em Casado (1998). 
> 2º passo — conhecimento do mercado: o mercado, dentro e fora da empresa, deve 
�
ser sempre analisado observando-se as opções, as tendências, as limitações e as 
alternativas de desenvolvimento profissional. Verifica-se, por meio de pesquisas, que as 
pessoas orientam suas carreiras considerando o organograma da empresa ou seu plano 
de cargos e salários. Esse é umgrande equívoco, 
104 
 
pois o organograma e os cargos refletem o passado ou o presente. Quando se pensa em 
carreira a cabeça deve estar no amanhã, e não no ontem. 
> 3º passo — objetivos de carreira: uma parte significativa da literatura estimula as 
pessoas a iniciar sua reflexão estabelecendo objetivos de carreira. Isso, porém, pode 
conduzi-las ao risco de fechar demais o foco. Por exemplo: uma pessoa estabelece o 
objetivo de chegar ao cargo X na empresa Y em cinco anos, mas nem sequer é possível 
saber se a empresa Y e o cargo X existirão daqui a cinco anos. Portanto, utilizar-se de 
qualquer referencial extelno é perigoso, pois esse referencial sempre será movediço. O 
único referencial que não muda é o individual. A recomendação é procurar estabelecer 
objetivos centrados no aspecto pessoal utilizando-se de perguntas do tipo: “Como posso 
estar mais feliz profissionalmente daqui a cinco anos?” Para responder, é essencial o 
auto- conhecimento para saber o que fará a pessoa feliz profissionalmente. Recomenda-
se ainda que os objetivos sejam pensados em todas as dimensões relevantes: familiar, 
social, pessoal, econômico-financeira etc. 
>4º passo — estratégias de carreira: uma vez definido o objetivo, a pergunta seguinte 
será: “Qual é a estratégia para alcançá-lo?” Rothwell e Kazanas (1988) propõem como 
principais estratégias o crescimento na empresa ou no mercado, a diversificação com a 
agregação de novas responsabilidades ou atribuições, a integração com a agregação de 
nova área de trabalho na empresa ou novas ocupações fora dela, a revisão com a 
desaceleração ou o reforço de determinadas áreas de atuação e, finalmente, a 
combinação de todas as estratégias. 
> 5º passo — plano de ação: após a definição da estratégia, é importante a elaboração 
de um plano de ação. O plano de ação deve conter metas de curto prazo, indicadores de 
sucesso, fatores críticos para o sucesso e uma avaliação dos recursos de tempo, dinheiro 
e aperfeiçoamento necessários.
6º passo — acompanhamento do plano: a avaliação dos resultados das estratégias de 
carreira deve ser um processo contínuo. Para isso, os objetivos ou metas fixados 
representam um padrão de mensuração essencial. Além disso, é importante avaliar a 
consistência das ações e dos próprios objetivos ou metas quanto a valores e interesses, 
demandas da empresa e da ocupação, demandas do ambiente, praticidade, 
disponibilidade de informações e recursos, compatibilidade com a vida familiar, lazer e 
interesses pessoais e nível dos riscos envolvidos. Muitas dessas questões não poderão 
ser respondidas com precisão, mas servirão para indicar necessidades de revisão do 
planejamento de carreira. 
Uma vez construído o projeto profissional, o processo seguinte é a negociação com a 
empresa. Nesse caso, quatro aspectos principais devem ser considerados. importante 
definir o posicionamento da empresa no projeto de carreira. A empresa pode estar ou não 
no projeto. Caso não esteja, é importante avaliar quais são as alternativas fora dela, tais 
como: mudar de empresa, montar um negócio, transformar-se em prestador de serviços, 
dedicar-se á vida acadêmica etc. A inclusão da empresa no projeto significa que é 
possível vislumbrar oportunidades. 
�
105 
 
O segundo ponto é a avaliação de oportunidades. A empresa em geral não divulga 
formalmente as oportunidades. Muitas vezes, nem tem consciência de todas as 
oportunidades existentes. Portanto, é importante estar em constante avaliação da 
situação. As melhores fontes de informação são as pessoas, pois elas formam a rede de 
relacionamentos. 
É essencial também a avaliação dos requisitos exigidos, cuja clareza auxiliará na busca 
das posições nas quais há interesse e na definição do perfil adequado para ocupar tais 
posições. Por fim, a negociação com a empresa traz segurança à carreira. Isso significa 
que escolhas estão sendo feitas: sabe-se á que se quer e o que não se quer. À medida 
que as prioridades são definidas, investe-se naturalmente a energia nesse caminho, 
passa-se a ocupar espaços e a sinalizar com mais clareza o rumo a tomar. 
Outro aspecto fundamental quando se analisa o papel da pessoa é o processo de escolha 
da carreira e qual a dinâmica desse processo ao longo da vida. Essa questão tem sido 
pesquisada em vários campos das ciências sociais. HalI (1976) e Van Maanen (1977) 
procuraram analisar toda a produção dessa área até o final dos anos 1970. Segundo os 
autores, as teorias da escolha de carreira podem ser agrupadas em duas categorias 
gerais. A primeira delas é a compatibilidade, isto é, determinadas pessoas escolhem 
determinadas ocupações com base em medidas de compatibilidade entre a pessoa e a 
ocupação escolhida. A segunda refere-se ao processo de escolha, ou seja, a pessoa, ao 
longo de sua trajetória de vida, vai gradualmente chegando à escolha de sua ocupação. 
Dentro da categoria da compatibilidade, acredita-se que as pessoas estejam naturalmente 
preocupadas em escolher uma carreira que atenda a suas necessidades e seus 
interesses e que os expresse, uma vez que grande parte de suas vidas gira em torno do 
trabalho. A compatibilidade entre uma pessoa e sua carreira pode ser explicada por 
quatro características individuais: interesse, identidade, personalidade (valores, 
necessidades, orientação pessoal etc.) e experiência social (Hall, 1976). Essas teorias 
são fortemente embasadas, em sua elaboração e divulgação, em referenciais 
psicanalíticos e biológicos (Van Maanen, 1977). 
A categoria da compatibilidade dá maior ênfase a explicações sobre o que influencia a 
escolha da carreira, oferecendo uma visão estática da escolha, e menor ênfase à forma 
como se processa essa escolha e a seu motivo. Os autores que enfocam o processo de 
escolha procuram dar respostas a essas perguntas. De acordo com Ginzberg et al. 
(1951), o processo de escolha de uma carreira pode ser dividido em três estágios ao 
longo da vida de uma pessoa: 
>Estágio da fantasia: cobre o período da infância até os 11 anos. 
> Estágio das escolhas tentativas: geralmente dos 11 aos 16 anos e está baseado 
primeiramente em interesses e posteriormente em capacidades e valores. 
> Estágio das escolhas realistas: a partir dos 17 anos e geralmente subdividido em três 
períodos — exploração, no qual é examinada uma série de opções de carreira, 
cristalização, quando as opções começam a ser mais bem focadas, e especificação, 
período em que a pessoa escolhe uma carreira em particular. 
106 
 
�
Durante a idade adulta, as pessoas podem viver vários ciclos de exploração, cristalização 
ou especificação de modo a encontrar a carreira que melhor se adapte a suas 
necessidades, interesses e habilidades. Tal processo pode arrastar-se além dos 30 anos 
nas pessoas que continuam investindo em seu processo educacional. Uma 
escolha mais definitiva da carreira ocorre por volta dos 40 anos, na chamada crise da 
meia-idade (HalI, 1976; Super e Bohn, 1972). 
Van Maanen (1977) afirma que a abordagem dos sociólogos tem sido bem diversa. Eles 
acreditam que diferenças de raça, classe, sexo, religião, nacionalidade, educação, família 
ou área de residência têm papel importante não só na escolha da carreira mas também 
na construção de expectativas. Dentre os sociólogos, destacam-se três categorias de 
abordagem: sociologia industrial, ocupacional e organizacional. Tais categorias 
influenciam-se mutuamente e são diferenciadas pelas questões que procuram responder, 
pelos modelos de análise empregados e pelo grupo de pessoas com que trabalham — 
sociologia industrial com operários, sociologia ocupacional com todos os membros de 
determinada atividade e sociologia organizacional com gerentes e profissionais dessa 
área (Salaman e Thompson, 1974). Os sociólogos contribuíram com uma visão crítica do 
processo de escolha de carreira analisando como as pessoas apreendem normas e 
valores de atuação no mundo do trabalho, como o status de uma ocupação influencia sua 
escolha e como a ideologia dá suporte a pequenas relações entre pessoas dentro de 
determinada carreira. 
4. O processo de escolha de uma carreira 
A compreensão do processo de escolha da carreira por parte de uma pessoa é importante 
para entender o conjunto de pressões que pesam sobre ela na realização de seu 
planejamento. Para tanto, as contribuições oferecidas por Super (1957), Super e Bohn 
(1972) e Schein (1978) acerca de estágios de vida e sua influência sobre os processos de 
escolha e desenvolvimento de carreira são fundamentais. 
A psicologia vocacional desenvolveu em seus estudos os estágios de vida das pessoas e 
as expectativas de carreira (Super e Bohn, 1972), cuja realização se deu com registros de 
vários depoimentos. Super (1957) aponta os cinco estágios de vida — infância, 
adolescência, idade adulta, maturidade e velhice — catalogados nesse tipo de análise. 
No que tange às opções de carreira, a infância (até 14 anos) é uma fase de fantasia, 
enquanto a adolescência (15 a 24 anos) é caracterizada pela exploração, na qual a 
triagem de oportunidades de carreira é muito hesitante porque a pessoa não utiliza 
plenamente suas aptidões e seus interesses. É na idade adulta (25 a 44 anos) que a 
pessoa, devido aos compromissos sociais que assume, tende para a estabilização 
profissional. “O compromisso com uma profissão (ou com a família) tomase mais definido 
com o realismo produzido pela modificação das aspirações para a utilização das 
capacidades e para a busca de canalização dos interesses num mundo que já é, então, 
mais bem compreendido” (Super, 1957). 
O estágio de maturidade (45 a 64 anos) é apontado como a fase da permanência. Super 
estuda, entretanto, uma série de pessoas que vivetam processos de 
107 
 
mudança significativa em suas carreiras nessa fase. Tais casos são notados 
principalmente em função da turbulência vivida no ambiente profissional, o que obngou as 
�
pessoas
a estar em constante reciclagem de conhecimentos. São notados também em 
decorrência de mudanças na estrutura familiar, quando os filhos estão deixando o 
convívio dos pais, o que faz com que a mulher reveja seu papel e o casal suas relações. 
O estágio da velhice (após os 64 anos) é visto como uma fase de declínio das 
capacidades físicas e mentais, o que estimula os indivíduos a retirar-se gradativamente 
de sua atividade predominante durante a fase adultá e a de maturidade. 
Esses estágios, embora não ocorram de forma linear e uniforme em termos individuais, 
mostram que a relação das pessoas com a carreira sofre alterações ao longo do tempo. 
O comportamento das pessoas em relação à escolha e ao desenvolvimento da carreira 
segue padrões determinados por sua condição socioeconômica e racial, pelo sexo, nível 
de inteligência etc. Super (1957) agrupa tais determinantes em psicológicas, sociais e 
ambientais (guerras, ciclos econômicos, alterações tecnológicas, entre outras). 
Schein (1978) encara a questão da carreira como um processo de desenvolvimento da 
pessoa como ser integral. Argumenta que, para refletir sobre a carreira das pessoas, é 
preciso entender suas necessidades e características, que não estão ligadas apenas à 
vida no trabalho. São fruto, isso sim, da interação da pessoa com todos os espaços de 
sua vida. Nesse sentido, Schein acredita que as pessoas devem ser encaradas como 
parte efetiva de um mundo onde enfrentam múltiplos problemas e pressões. Na 
sociedade ocidental, tais pressões e problemas podem ser agrupados em três categorias: 
> Pressões e problemas decorrentes do processo biológico e social associado ao 
envelhecimento. De forma geral, relacionam-se à idade determinantes de natureza 
biológica, como alterações no corpo e alterações na capacidade física e mental, e de 
natureza sociocultural. Essa associação permite configurar um ciclo biossocial que irá 
influenciar o comportamento e as preferências das pessoas. 
> Outro conjunto de pressões e problemas é decorrente das relações estabelecidas entre 
a pessoa e sua família. Tal categoria apresenta características peculiares que a 
diferenciam da categoria biossocial (embora também possa ser associada a ela). As 
pressões aqui estão relacionadas à natureza da relação com a família e aos diferentes 
compromissos assumidos, como a condição de casado, solteiro, viúvo, separado ou 
divorciado, com filhos pequenos ou não, com filhos adolescentes ou não, com suporte 
financeiro e emocional a pais idosos ou não etc. Nessa categoria, também é possível 
definir um conjunto de pressões e problemas típicos das várias fases das relações 
estabelecidas com a família, configurando-se um ciclo familiar ou de procriação. 
>A terceira categoria está associada ao trabalho ou à construção da carreira. As pessoas 
têm domínio parcial sobre pressões e problemas decorrentes dessa categoria, uma vez 
que estes emanam de necessidades definidas pela sociedade, suas instituições 
econômicas, suas tradições e políticas educacionais etc. De 
108 
 
outro lado, a relação que as pessoas estabelecem com o trabalho ou com a carreira não 
sofre o determinismo das outras duas categorias, já que os indivíduos podem truncar, 
mudar ou alavancar a carreira. As relações que as pessoas estabelecem com sua 
ocupação ou com empresas formam também um ciclo a cujas etapas ou estágios podem 
ser associadas determinadas características. 
Os três ciclos são descritos na Figura 2. Percebe-se que há momentos na vida em que, 
devido à idade, relação profissional e situação familiar, as pessoas recebem grande 
conjunto de pressões. Esses momentos, apresentados na Figura 2, tendem a exercer 
grande influência nas decisões sobre projetos de vida pessoal e profissional. 
�
Figura 2. Ciclos de influência sobre as pessoas 
Essas fases, ou ciclos, vêm sofrendo alterações nos últimos anos, motivadas 
basicamente por dois fatores: aumento da longevidade das pessoas e redução da oferta 
de empregos. Observa-se o aumento da expectativa de vida das pessoas graças aos 
avanços da medicina. Os futurólogos acreditam que as pessoas nascidas após o ano 
2000 poderão contar com uma expectativa de vida de 120 anos. Tal afirmação está 
baseada em tendências como o contínuo avanço da medicina e a disposição da 
humanidade para investir cada vez mais em pesquisas ligadas à saúde e em formas de 
disseminar rapidamente as conquistas desse campo; o aumento da preocupação da 
humanidade com o meio ambiente e a busca de maior qualidade de vida; e a maior 
consciência das pessoas de si próprias, buscando manter sua integridade física, psíquica 
e social. 
Futurologias à parte, a maior longevidade não é algo episódico, mas uma tendência 
importante que influi decisivamente na vida e na construção de expectativas 
e projetos. Alterações importantes de padrões comportamentais em decorrência 
109 
 
disso já podem ser observadas: o ápice da carreira profissional, que era aos 40 anos, 
deslocou-se, nos países desenvolvidos, para os 50 anos. O mesmo fenômeno pode ser 
identificado no Brasil com pessoas da classe média e da alta: os planos de aposentadoria, 
que estabeleciam 55 anos como data-limite de retirada da vida profissional até meados da 
década de 1980, passaram a ser reformulados, uma vez que as pessoas, aos 55 anos, 
estão cheias de vitalidade. Por outro lado, a complexidade das empresas aumentou e elas 
necessitam de gente mais experiente. Além disso, não há sistema previdenciário, público 
ou privado, que suporte pessoas que contribuem durante trinta ou 35 anos e depois 
usufruem outros trinta ou 35 anos. As pessoas afinal não têm mais como objetivo de fim 
de vida o ócio. Pelo contrário, estão cada vez mais empenhadas em se tornar úteis e 
usufruir a vida. Quanto mais as pessoas têm consciência de si próprias, mais esse 
movimento se intensifica. 
O fator da longevidade é suficiente para rever alguns aspectos importantes de 
expectativas e projetos. Se anteriormente uma pessoa de 40 anos começava a pensar em 
aposentadoria, atualmente cultiva projetos de ascensão, de investimento em 
desenvolvimento pessoal e visualiza um largo horizonte à frente. 
A reflexão sobre tendências oferece munição para pensar com mais clareza sobre as 
possibilidades de desenvolvimento e seu dimensionamento no tempo. 
5. O papel da empresa na gestão de carreira 
Quando as pessoas falam de planos de carreira, têm em mente projetos que deixam 
absolutamente claras as possibilidades de desenvolvimento profissional ou apontam com 
precisão esse horizonte. Associa-se, portanto, à noção de plano de carreira a idéia de 
uma estrada plana, asfaltada e bem conservada que, trilhada pela pessoa, a conduzirá ao 
sucesso, à riqueza e à satisfação profissional. Quando se olha para a realidade das 
empresas, verifica-se que a carreira é uma sucessão de acontecimentos inesperados de 
parte a parte, ou seja, tanto para a pessoa quanto para a empresa. Deve-se pensar a 
carreira, portanto, como uma estrada sempre em construção pela pessoa e pela empresa. 
�
Desse modo, ao olhar para a frente, se verá sempre o caos a ser ordenado e, olhando-se 
para trás, será possível enxergar a estrada já construída. Uma empresa que administra de 
forma compartilhada as carreiras de seus profissionais terá diante de si várias estradas 
em construção. 
Para uma empresa que trabalha com centenas, milhares ou até dezenas de milhares de 
profissionais, seria impossível conciliar as diferentes expectativas de carreira dessas 
pessoas com as necessidades organizacionais sem diretrizes, estruturas de carreira ou 
instrumentos de gestão, isto é, sem um sistema de administração de carreiras. Tal 
sistema não deve ser entendido como uma moldura na qual as pessoas devem 
obrigatoriamente se encaixar, mas como a estruturação de opçôes, como forma de 
organizar possibilidades e como suporte para que seja possível planejar a carreira
dentro 
da empresa. 
Diversos autores têm apresentado diferentes posições acerca da caracterização do 
sistema de administração de carreiras: 
110 
 
>Gutteridge (1986) caracteriza-o como um conjunto de instrumentos e técnicas que visam 
permitir a contínua negociação entre a pessoa e a empresa; 
>Walker (1980) considera o sistema um conjunto de procedimentos que permitem à 
empresa identificar as pessoas mais adequadas às suas necessidades, facultando a 
estas planejar suas carreiras e implementá-las; 
>London e Stumph (1982) procuram caracterizar o sistema na mesma linha adotada por 
Gutteridge, enfatizando, porém, as questões de planejamento e acompanhamento das 
necessidades da empresa; 
>Leibowitz et ai. (1986) caracterizam o sistema de administração de carreiras constituído 
de diretrizes, instrumentos de gestão de carreira integrados aos demais instrumentos de 
gestão de recursos humanos, estrutura de carreira e um conjunto de políticas e 
procedimentos que visam conciliar as expectativas das pessoas e da empresa. 
Com base na contribuição desses autores pode-se dividir o sistema de administração de 
carreiras, com o objetivo de melhor estudá-lo, nas seguintes partes: 
5.1 PRINCÍPIOS 
O sistema deve estar assentado sobre princípios que representam os compromissos 
acordados entre a empresa e as pessoas. Embora possam ser revistos ao longo do 
tempo para ajustar-se a novas necessidades, está pressuposto que sua alteração seja 
lenta, uma vez que dificilmente ocorre uma situação em que todos os princípios sejam 
integralmente revistos a um só tempo. Os princípios garantem, portanto, a consistência do 
sistema de administração de carreiras ao longo do tempo. 
5.2 ESTRUTURA DE CARREIRA 
A estrutura de carreira dá concretude ao sistema, uma vez que define a sucessão de 
posições, sua valorização e seus requisitos de acesso. Geralmente, ao desenhar uma 
carreira, se delineia sua estrutura — uma carreira em linha, uma carreira paralela em Y, 
uma carreira paralela múltipla etc. 
�
5.3 INSTRUMENTOS DE GESTÃO 
Os instrumentos de gestão dão suporte à relação contínua entre as pessoas e a empresa. 
São eles que garantem o nível de informação das pessoas em relação à empresa e vice-
versa, estimulam e oferecem o suporte necessário para que a pessoa planeje sua 
carreira, permitem à empresa decidir sobre oportunidades de carreira e sobre a escolha 
de pessoas, garantem os espaços necessários para que pessoas e empresa negociem 
suas expectativas e sustentam a revisão contínua do sistema como um todo. 
111 
 
5.4 DEFINIÇÃO DE PAPÉIS 
Alguns autores simplificam o papel da empresa na administração de carreira reduzindo-o 
à estruturação de processos sucessórios, O papel da empresa é bem mais amplo e, para 
compreendê-lo, vamos dividi-lo em três categorias, conforme a natureza das decisões: 
>Definição estratégica: nesta categoria são agrupadas decisões ligadas à 
compatibilização do sistema de administração de carreiias com os princípios que balizam 
a gestão de recursos humanos e com as estratégias organizacionais e de negócios da 
empresa. Podem ser incluídas aqui decisões como conciliação entre desenvolvimento da 
empresa e das pessoas, definição de trajetórias de carreira e especializações importantes 
para a manutenção ou incorporação de vantagens competitivas, grau de liberdade dado 
às pessoas para efetuar opções de carreira e de compartilhamento das decisões sobre 
trajetórias profissionais e nível do suporte dado ao planejamento individual de carreira. 
>Definição do sistema de administração de carreiras: incluem-se nesta categoria 
decisões ligadas à configuração técnica do sistema. Tais decisões formam a base de 
funcionamento do sistema e devem, portanto, estar alinhadas com a definição estratégica. 
Podem ser incluídos na categoria: formatação e características das estruturas de carreira, 
níveis (degraus) dentro de cada estrutura e requisitos de acesso e escolha dos 
instrumentos de gestão a serem incorporados no sistema. 
>Definição da metodologia de concepção, implementação e atualização do sistema: 
se as decisões anteriores formam a base de funcionamento do sistema, as decisões 
abrangidas por essa categoria estabelecem seu funcionamento. A simples importação de 
modelos de administração de carreiras não torna efetivo um sistema. É necessário que 
sejam levados em conta a cultura da empresa, seu momento histórico e suas 
necessidades concretas. Assim sendo, o processo utilizado na concepção do sistema é 
fundamental. As decisões incluídas na categoria são: pessoas abrangidas pelo sistema e 
grau de envolvimento em sua concepção e implementação, nível de consenso sobre o 
atendimento das necessidades e expectativas da empresa e das pessoas pelo sistema, 
grau de compatibilização do sistema com os demais instrumentos de gestão de recursos 
humanos e timing de implementação do sistema. 
6. Efetividade da carreira da pessoa e da empresa 
O compartilhamento das decisões sobre carreira apresenta-se como resposta às 
pressões sobre a organização para obter maior envolvimento das pessoas com o 
trabalho, torná-las mais responsáveis por seu futuro profissional e adequar o processo de 
seu desenvolvimento às necessidades da empresa. Entretanto, há um grande fosso entre 
�
a idealização e a prática da gestão compartilhada de carreira, causado por resistências 
das pessoas e das empresas (Hail, 1986; Gutteridge, 1986). 
112 
 
Algumas pessoas percebem o desenvolvimento de carreira como responsabilidade 
primária ou exclusiva da empresa. Há quem ache que a ascensão na carreira é uma 
questão de sorte, bastando estar no lugar certo na hora certa. Por sua vez, outros 
acreditam que, para fazer carreira, devem pular de empresa em empresa, uma vez que 
“santo de casa não faz milagre”. Outras pessoas não vêem sentido em pensar no 
planejamento de carreira, uma vez que não é possível prever o futuro. E, finalmente, há 
aqueles que ao efetuar sua auto-avaliação, atitude inerente ao processo de planejamento 
de carreira, não têm coragem de encarar a si próprios ou relutam em fazer as mudanças 
necessárias ao plano de carreira. 
Nas empresas, a baixa apetência por mudanças é traduzida por expressões do tipo: “Nós 
sabemos o que é melhor para nossos empregados”, “Um sistema dessa natureza é muito 
custoso”, “Esse sistema pode despertar expectativas irreais em nossos empregados” etc. 
Além disso, há a resistência dos gestores em assumir o papel de mediadores entre as 
necessidades da empresa e as expectativas de seus subordinados, e a falta de 
legitimidade do sistema, devido à forma como foi desenvolvido e implementado, faz com 
que seja encarado como mais um modismo da empresa. Aliada a todos esses fatores, a 
resistência da empresa também se dá pela falta de persistência, com o abandono 
gradativo do sistema à medida que deixa de trazer resultados imediatos (segundo Hail e 
Gutteridge, são necessários pelo menos cinco anos para sua consolidação). 
Hali (1986) afirma que as resistências serão cada vez mais brandas à medida que as 
pessoas forem pressionadas a fazer uma revisão da própria posição em relação à carreira 
e que as empresas descobrirem o paralelismo que há entre seu sucesso e o sucesso das 
pessoas que para elas trabalham. 
Referências bibliográficas 
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potencial humano nas organizações. São Paulo: FEA/USP, 1998. Tese de doutoramento. 
DERR, Clyde Brooklyn. Managing the new careerist. San Francisco: Jossey-Bass, 1988. 
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Columbia University Press, 1951. 
GUTTERIDGE, Thomas G. Organizational career development systems The state of the 
practice. In: 
HALL, Douglas 1. Career development in organizations. San Francisco: Jossey-Bass, 
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113 
 
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SUPER, Donald E. The psychology ojcareers: an introduction to vocational development. 
New York: Fiar 
Er Brothers, 1957. 
VAN MA.ANEN, John. Organizational careers: some new perspectives. New York: John 
Wiley & Sons, 19 
WALKER, James W Human resource planning. New York: McGraw-Hill, 1980. 
AUTOR 
JOEL SOUZA DUTRA 
Professor-doutor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da 
Universidade de São Paulo (FEA-USP), onde ministra cursos de graduação e pós-
graduação. Tem mestrado na Fundação Getúlio Vargas e doutorado na FEA-USP 
Coordenador do curso MBA/RH e vice-coordenador do Programa de Gestão de Pessoas 
(Progep), ambos da FEA-USP Atua como administrador em níveis gerenciais e diretivos 
nas áreas de organização e de recursos humanos em empresas industriais de grande 
porte do setor metalúrgico e de informática. Trabalhou como consultor coordenando 
projetos nas áreas de planejamento estratégico, estrutura e desenvolvimento 
organizacional e sistemas de gestão de recursos humanos. É diretor-instituidor da Fischer 
& Dutra Gestão Organizacional e supervisor de projetos de pesquisa, consultoria e 
treinamento da Fundação Instituto de Administração, da FEA-USP Supervisionou projetos 
de capacitação para Grupo Abril, Unibanco, FMC e Brasilprev. 
114 
 
 
Gestão estratégica das relações de trabalho 
ARNALDO JOSÉ FRANÇA MAZZEI NOGUEIRA 
1. Introdução 
�
Este capítulo visa delimitar o campo da gestão das relações de trabalho com base num 
enfoque crítico e estratégico. Inicia-se por uma breve discussão do conceito de relações 
de trabalho e pela análise dessas relações sob dois pontos de vista: da gestão e dos 
gestores das organizações e do trabalho e das organizações dos trabalhadores. Discute a 
questão dos sistemas de relações de trabalho em alguns países de referência e sua 
configuração no Brasil. Relaciona as mudanças recentes dos paradigmas do trabalho e da 
gestão e conclui indagando sobre a pertinência da gestão estratégica das relações de 
trabalho. 
O objetivo deste capítulo, portanto, é contribuir com a formação de competências dos 
agentes de gestão das relações de trabalho nas empresas, nos sindicatos, no governo e 
nas organizações da sociedade civil. 
2. Conceito de relações de trabalho 
O conceito de relações de trabalho abrange o conjunto de arranjos institucionais e 
informais que modelam e transformam as relações entre capital e trabalho em suas 
diversas dimensões na complexa formação 
115 
 
social e econômica capitalista, cuja totalidade está determinada pelo modo de produção 
das mercadorias, isto é, pela contradição entre o desenvolvimento das forças produtivas 
tecnológicas e do trabalho e as relações sociais de produção. Por estar no campo das 
relações sociais, as relações de trabalho são influenciadas por costumes, tradições, 
ideologias, culturas e, em especial, pelos valores atnbuídos à categoria trabalho, 
originários das sociedades que ingressam de forma particular no capitalismo universal. 
As relações de trabalho, apreendidas desse modo mais complexo, distinguem-se da 
noção de relações industriais, muito difundida nos Estados Unidos e na Inglaterra, cujo 
significado abrange apenas o sistema de normas e regulamentação das relações de 
trabalho dentro de uma visão estática e normativa que aspira à estabilidade e à ordem 
social, omitindo assim a questão essencial da contradição e do conflito entre capital e 
trabalho, que imprime a dinâmica de mudança das relações de trabalho ao longo do 
tempo. 
Ainda, do ponto de vista conceitual, observa-se que as relações de trabalhc não se 
restríngem à noção de relações trabalhistas, dado o corte jurídico e normativo dessa 
concepção, geralmente definida em texto de lei ou legislação trabalhista € social, assunto 
da especialidade do advogado e do direito social e do trabalho. Tampouco à noção de 
relações interpessoats no trabalho, que abrange dimensões individuais e 
comportamentais, assuntos da especialidade da psicologia organizacional e 
comportamental. 
Três pressupostos são essenciais para a atualização do conceito de relações de trabalho 
como relações entre forças sociais contraditórias: 
as relações entre proprietários e não-proprietários dos meios de produção continuam a 
prevalecer mesmo com o >advento da informação, do conhecimento e da imaterialidade 
nos processos organizacionais e empresariais; 
> o trabalhador assalariado é livre para vender sua força de trabalho, realidade 
contradítória incontestável porque, caso não consiga vender sua força de trabalho, deixa 
de ser livre para viver; 
�
>a produção de bens e serviços, apesar de coletiva e social, marcada pela 
interdependência complexa e internacional dos setores de produção material e imaterial, 
as chamadas cadeias produtivas, continua determinada em última instância, em 
contrapartida, pela apropriação privada dos resultados e concentrada em pequenos 
grupos proprietários e gestores. 
Em uma única frase: nunca houve, como hoje, tanta concentração de riquezas e de renda 
em parcelas minoritárias da sociedade, o que reforça o caráter contraditório dos sistemas 
e das formas de trabalho do capitalismo contemporâneo. 
Permanece a desigualdade na origem da relação social estabelecida entre agentes antes 
do exercício do trabalho na organização e, com efeito, ainda predominam na organização 
o domínio e a subordinação do trabalho com respeito ao capital. Convém observar, de um 
lado, o surgimento de novas formas precárias de trabalho e, de outro, os deslocamentos 
imigratórios em busca de trabalho, cuja mobilidade e liberdade no campo internacional, 
tanto incentivada no passado, hoje tem sido coibida e reprimida em plena universalização 
do regime de salariado. 
116 
 
 A novidade principal reside nas relações de trabalho estabelecidas nos proces sos 
organizacionais e de trabalho chamados imateriais, informacionais e subjetivos, nos quais 
aparentemente ocorre uma individualização e autonomização do trabalho das pessoas. 
Na verdade, verificam-se a interface e a dependência direta dessas 
atividades com relação às cadeias produtivas complexas e baseadas na tecnologia micro-
eletrônica, de hardware e software. 
Assim, as relações de trabalho, como arranjos formais e informais entre capia tal e 
trabalho, têm uma dinâmica determinada pelos conflitos otiundos da estrutu) ração da 
sociedade capitalista, cuja visualização e entendimento são dados através de um recorte 
das dimensões micro, meso, macro e hipermacro sociais, que serão estudadas a seguir. 
Introduzir a problemática da gestão estratégica das relações de 
s trabalho e informar sobre as competências essenciais para lidar com esse campo tem 
como requisito básico o conhecimento dessas dimensões, de acordo com a par 
ticularidade das sociedades e economias nacionais, nas quais variam as dimensões que 
são mais ou menos determinantes na configuração das relações de trabalho. 
A dimensão microssocial abrange o local
de trabalho, o processo de trabalho, a empresa 
ou a organização, nos quais se estabelecem políticas de recursos humas nos e gerenciais 
baseadas em filosofias e culturas organizacionais. Consideram-se também, nessa 
dimensão, as novas relações de trabalho estabelecidas com as organizações formais, 
desde a subcontratação, a terceirização, o trabalho parcial e temporário até o trabalho 
informal. 
A dimensão mesossocial abrange principalmente as agências de mediação dos 
trabalhadores e dos empresários, tais como sindicatos, associações, federações, os 
setores empresariais e as cadeias produtivas. É o espaço dos arranjos e sociais e 
institucionais que ultrapassa os limites da empresa ou organização e exige da gestão uma 
visão setorial e estratégica que articule tanto o ambiente e interno quanto o externo. 
A dimensão macrossocial abrange os arranjos do Estado, as políticas públicas e sociais, a 
legislação social e trabalhista, o Parlamento e as relações entre forças políticas, que 
representam campos de força cujas decisões interferem na sociedade e na economia 
como um todo, em particular no mercado de trabalho, na distribuição de renda, no custo 
da força de trabalho, na regulamentação das condições a gerais do trabalho etc. Exige da 
�
gestão uma visão macroestratégica capaz de abranger cenários sociais, políticos e 
institucionais complexos. 
Uma quarta dimensão poderia ser introduzida como hipermacrossocial global devido à 
globalização das economias, à atuação das empresas transnacionais, aos arranjos dos 
blocos internacionais, como União Européia, Mercosul, Alca, e ao papel cada vez mais 
relevante das agências internacionais, como OIT, ONU, FMI e OMC. Cenário 
particularmente interessante, nessa dimensão, ocorreu com a realização simultânea em 
janeiro e fevereiro de 2001, respectivamente, do Fórum Social Mundial de Porto Alegre, 
que reuniu organizações sociais, ONGs, sindicatos e movimentos alternativos, entre 
outros, e do Fórum Econômico Mundial de Davos, que reuniu as principais lideranças 
econômicas do mundo, com alguma participação de organizações sociais. Outras 
questões conflituosas das relações de trabalho têm mostrado sinais de que problemas 
corporativos, setoriais e regionais estão 
117 
 
sendo encaminhados e decididos de forma global, ou seja, nas matrizes das empresas. O 
caso da Multibrás, no primeiro semestre de 2001, e o caso da Volkswagen, no segundo 
semestre do mesmo ano, ambos envolvendo o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, são 
exemplos relevantes. 
3. As relações de trabalho na perspedíva da gestão e dos gestores 
A gestão, em geral concebida de forma pragmática, significa a tomada de decisões sobre 
os recursos para atingir objetivos e compreende as funções de planejamento, 
organização, direção e controle. A palavra-chave na gestão das relações de trabalho é 
controle. As tentativas, as formas e os processos de controle sobre a força de trabalho 
caracterizam a gestão das relações de trabalho ao longo da História. Do passado aos dias 
de hoje, apesar de ser visto como a característica básica das relações de trabalho, o 
controle sobre a força de trabalho também pode ser considerado o problema principal 
desse tipo de relação no sentido de garantir, por meios inter- pessoais, científicos, 
burocráticos, comportamentais e tecnológicos, a transformação da força de trabalho 
alienada (comprada) em produtiva para o capital. 
A organização capitalista tem origem na passagem do artesanato à manufatura, no 
contexto da transição do feudalismo ao capitalismo. Consolida-se com a fábrica moderna 
ou a grande indústria, organizações típicas da fase concorrencial e competitiva do 
capitalismo, cuja expansão desemboca na empresa moderna concentrada, unidade típica 
da fase monopolista do capitalismo. A internacionalização crescente da empresa moderna 
produtiva cria as condições para a emergência do fenômeno da globalização ou 
mundialização, termos contemporâneos que indicam a mobilidade flexível do capital em 
uma economia cada vez mais informacional, imaterial e de serviços. 
O controle e a transferência do saber e do agir operário para a gerência foram a principal 
tarefa da escola científica de gestão centrada na dimensão econômica e salarial. Para 
administrar o processo organizacional e as relações de trabalho, após a separação do 
planejamento e da execução do trabalho, o foco era a recompensa material e salarial 
oferecida pela organização formal. O pressuposto da identidade de interesses entre 
empresa e empregado reforçava esse ideal de eliminação do conflito. 
Em seguida, a ênfase desloca-se para a dimensão social, na qual o trabalhador é 
�
reconhecido como pessoa com necessidades sociais, como estabelecer relações 
informais integradoras, sentir-se bem no grupo, envolvimento e reconhecimento social. 
Assim, também pressupondo-se a identidade de interesses, a eliminação do conflito dar-
se-ia gradativamente pela expansão da produtividade e do bem-estar na empresa e na 
sociedade. 
As escolas de gestão (estruturalistas, comportamentalistas e sistêmicas) desde então 
passam a responder com mais sofisticação aos problemas sociais do trabalho e, com 
algumas diferenças entre si, entendem a natureza humana como adaptativa às 
organizações e funções, admitem a existência do conflito entre capital e trabalho, 
sugerem recompensas mistas (sociais e econômicas) para sua administração e propõem 
uma organização cooperativa e sistêmica aberta ao ambiente. A abordagem sis- 
118 
 
têmica de gestão com a finalidade de buscar maior adaptação da empresa ao ambiente 
entende que o subsistema social de valores, papéis e comportamentos deva estar 
funcionalmente integrado com o subsistema técnico. O ideal da integração funcional 
acaba por prevalecer sobre qualquer perspectiva relacional. É nesse contexto de 
predominância da teoria dos sistemas aplicada a todas as esferas da sociedade que a 
noção de sistema de relações de trabalho ganha também maior sentido. 
Destacam-se ainda, no campo da gestão, dois tipos de abordagem: a sociotécnica e a 
contingencial. A primeira introduz o problema de forma muito mais adequada: o sistema 
social influenciado por normas, valores e aspirações tem eficiência real, enquanto o 
sistema técnico tem apenas eficiência potencial — isso pressupõe que o grupo social 
deve ser consultado e participar das escolhas para uma interação mais adequada entre 
empresa e ambiente. A segunda abordagem introduz as contingências da tecnologia e do 
ambiente nas escolhas organizacionais dos modelos de gestão das organizações e da 
organização do trabalho e das relações de trabalho: o modo semi-artesanal, o modo 
burocrático, tayloristalfordista, o modo baseado no enriquecimento de cargos e o modo 
dos grupos semi-autônomos. 
Daí por diante, os modelos de gestão da força de trabalho tendem à descentralização e 
ao participacionismo com a formação dos grupos semi-autônomos, das células de 
manufatura, do trabalho de equipe, dos círculos de controle de qualidade, o que em 
síntese se entende como a passagem do paradigma fordista para o toyotista, até o limite 
da produção enxuta determinada pela introdução intensiva das tecnologias 
microeletrônicas. 
A função de recursos humanos como subsistema da gestão evoluiu, e muito, dentro 
desse processo de mudanças: desde a antiga função de pessoal, passando pela 
formação do departamento de recursos humanos, até assumir posição sistêmica e 
estratégica na empresa, habilitando-se de forma crescente a lidar com a gestão das 
relações de trabalho. 
No momento em que a função de RH assume o modelo sistêmico — como resultado da 
integração funcional dos subsistemas de suprimento, aplicação, manutenção, 
desenvolvimento e avaliação — está completo o ciclo de crescimento, independência e 
autonomia relativa, e o RH já está habilitado a disputar um papel estratégico na gestão da 
empresa moderna e a
lidar mais diretamente com a gestão das relações de trabalho. A 
abrangência dos assuntos internos de cada subsistema de. recursos humanos no fundo 
pretende estabelecer controle total e sistêmico sobre a força de trabalho no nível da 
empresa, o que também significa uma estrutura de alto custo. A gestão de pessoas como 
�
desdobramento desse processo, nesse contexto, assume um compromisso maior com a 
individualização da relação de trabalho e com a reestruturação da área. 
Enfim, muitas empresas modernas vincularam a área de relações trabalhistas ou de 
relações industriais à diretoria (ou vice-presidência) de recursos humanos. Não se trata, 
aqui, de recolocar “os pingos nos is” na discussão (Fischer, 1985), mas há ainda hoje 
certa confusão entre relações de trabalho e função de recursos humanos. Há uma 
resistência enorme dos representantes de RH em compreender sob uma perspectiva 
relacional a configuração de sua área de atuação, ou seja, como agente e resultado 
complexo de relações sociais de trabalho. 
119 
 
Essa perspectiva relacional implicaria compromisso muito maior com a democratização da 
empresa e com uma negociação mais ampla das atribuições da área de RH 
comparativamente às praticas ainda em vigência. De todo modo, arrisca-se projetar uma 
nova função para a gestão de pessoas: na imagem da figura de um pêndulo representado 
pela função da gestão de pessoas, em que o pólo do trabalho está à esquerda e o pólo do 
capital à direita, propõe-se alterar o movimento do pêndulo, quase sempre atraído pelo 
pólo extremo do capital, para o sentido do pólo do trabalho. Isso implicaria repensar a 
gestão do trabalho abstrato, a força de trabalho como mercadoria, a coisficação do 
humano, para outra gestão, centrada nas pessoas propriamente ditas. Em outras 
palavras, significa buscar o caminho da integralidade do ser humano, tendo-se em vista a 
qualidade de vida e a realização do ser que trabalha. Essa utopia, entretanto, também 
pressupõe outras transformações na organização econômica, social e política das 
sociedades, ainda desconhecidas. 
4. As relações de trabalho na perspectiva do trabalho e dos trabalhadores 
Eis a outra parte do problema dos processos de controle das relações de trabalho: 
as organizações e as ações coletivas dos trabalhadores, em particular o sindicalismo. No 
tópico anterior, foram examinadas a forma de organização do capital inscrita nas escolas 
e as abordagens da gestão. Além disso, foi apresentada uma pequena introdução a 
respeito dos novos papéis da função de RH em face dos problemas existentes nas 
relações de trabalho. 
A questão ainda não discutida refere-se à causalidade e ao sentido das mudanças de 
gestão. É evidente que a concorrência e a competitividade entre as empresas, a 
necessidade de realização e de expansão do capital e dos negócios, o desejo de 
aperfeiçoamento técnico e de desenvolvimento tecnológico, entre outros aspectos 
objetivos, apresentam a necessidade de mudanças na gestão das organizações. No 
entanto, o que se deseja enfatizar é o papel central da contradição entre trabalho e 
capital, em especial no momento em que as ações e organizações coletivas dos 
trabalhadores são desenvolvidas e pressionam por mudanças nos padrões das relações 
de trabalho e de gestão. 
Toda a estrutura montada para gerir as relações de trabalho na era contemporãnea do 
capitalismo, isto é, durante o século XX, entendido por I-lobsbawm (1995) em um dos 
seus últimos livros como a era dos extremos, está na proporção direta da atuação da mais 
importante organização dos trabalhadores: o sindicato e suas diversas formas de 
organização. Em contrapartida, a dessindicalização da força de trabalho está na razão 
�
direta da desregulamentação, da flexibilização, da precarização do trabalho e das novas 
configurações das relações de trabalho, na maioria das vezes inseguras e instáveis. 
A questão central que se propõe, desde o nascimento e a consolidação dos sindicatos 
como agentes de mediação e controle da força de trabalho, é seu significado para o 
cotidiano do trabalho nas organizações. Isso quer dizer o que significam as relações de 
trabalho sem e com a representação sindical. 
120 
 
O sindicato adquiriu poder semelhante ao da empresa ao longo do século XX. 
Transformado em objeto de estudo da sociologia do trabalho, da economia do trae balho, 
da teoria das organizações e da ciência política, representa também o prin cipa e mais 
estável instrumento de ação, luta e organização dos trabalhadores. 
O Muitas outras formas de organização surgiram nas lutas trabalhistas, tais como 
comissões de fábrica, conselhos de empresa e representantes de fábrica, embora não 
tenham sobrevivido com o mesmo vigor se comparadas aos sindicatos. 
O sindicato é sobretudo um fenômeno do capitalismo e unia organização de defesa do 
valor da força de trabalho no mercado capitalista. Nesse caminho, o sindicato se 
desenvolveu nas dimensões da união, associação e solidariedade dos trabalhadores na 
organização da luta econômica, salarial e social, nas dimensões políticas e ideológicas 
desde o anarquismo, do reformismo social e cristão até o socialismo e o comunismo, das 
dimensões da consciência de classe ou de agente de mediação para a luta política. 
O sindicato é uma forma de associação e organização social duplamente determinada: de 
um lado por aspectos externos, como os processos econômicos, industriais, tecnológicos, 
de gestão, político-ideológicos, sociais e culturais, e de outro pela própria dinâmica interna 
como organização socialmente delimitada com capacidade de desenvolver relações, 
estratégias, orientações próprias e de mudar a sociedade. 
As metamorfoses mais importantes dos sindicatos, da economia ao patamar da política, 
foram a formação do sindicato corporativo e profissional e sua transformação em sindicato 
de indústria, de massa e de todos os trabalhadores (qualificados e não-qualificados) e a 
passagem do sindicalismo de confronto e de oposição para o sindicalismo de controle e 
de participação. 
Ocorrem, a partir de então, a institucionalização e a burocratização dos sindicatos com a 
emergência da democracia industrial e com a introdução de mecanismos de participação 
e co-gestão, principalmente após a Segunda Guerra Mundial, transformando-os em 
verdadeiras máquinas de negociação social e política. O chamado pacto fordista, 
keynesiano ou social-democrático foi fechado entre os sindicatos e os partidos políticos 
que detinham praticamente o monopólio da representação da classe trabalhadora. Assim, 
há a expansão dos sindicatos nos segmentos dos serviços e nas classes médias em um 
cenário cada vez mais de serviços e menos industrial, isto é, em uma sociedade muito 
mais organizada e preparada para lidar com os conflitos sociais, institucionalizando as 
lutas de classes com a criação de canais de negociação e participação. 
O resultado dessa perspectiva foi a predominância da lógica instrumental da economia 
sobre a política, que contribuiu com a inclusão dos trabalhadores na democracia social 
capitalista, mas não desenvolveu a perspectiva mais ampla de transformação e 
emancipação presente nas origens do sindicalismo. Em certo sentido, as cúpulas e as 
direções sindicais, nesse processo, acabam por se distanciar dos trabalhadores de base e 
não têm interesse em desenvolver alternativas de organização. Engessados e 
institucionalizados, os sindicatos não resistem á crise sistêmica iniciada na década de 
�
1980. 
A crise do sindicalismo é conseqüência das mudanças ocasionadas pela terceira 
revolução industrial e pela reestruturação produtiva e tecnológica conduzida 
121 
 
pelo pólo do capital em detrimento do mundo do trabalho. Na sociedade contemporânea, 
o efeito disso pode ser observado nos dados sobre a queda de sindicalização, a queda de 
cobertura dos contratos coletivos sindicais, a crise política e ideológica
com a derrocada 
do socialismo real, o refluxo das greves e das mobilizações sindicais, a multiplicação de 
novos movimentos sociais e de organizações sociais das chamadas minorias, o 
pluralismo de idéias e a polêmica discussão da perda da centralidade da categoria do 
trabalho na forma de pleno emprego ou de emprego de oito horas de jornada. Veja a esse 
respeito as resenhas produzidas por este autor sobre os livros de Antunes (1995 e 2000). 
Observando-se a evolução do sindicalismo, é facilmente perceptível o fato de que no pólo 
do trabalho ocorre um problema semelhante em relação ao pólo de gestão, apesar das 
contradições, em termos de concepção de mundo: nesse segmento, os sindicatos 
também não foram capazes de avançar em uma concepção emancipadora do trabalho, o 
que significaria considerar a dimensão social determinante sobre a econômica, a idéia de 
humanizar cada vez mais as relações de trabalho no sentido 
II de superar uma visão instrumental, coisifi cada, alienada e estranhada do trabalho. 
Hoje os desafios para a recuperação dos sindicatos colocam-se nos seguintes termos: 
serão capazes de romper barreiras entre os trabalhadores “estáveis” e os precarizados, 
desempregados, terceirizados? De transformar o sindicalismo de participação e 
envolvimento? De superar o corporativismo de categorias? De estruturar um sindicalismo 
horizontal e romper com a burocratização e de recuperar um projeto de emancipação? 
5. Sistemas de relações de trabalho 
Já discutidas as questões da gestão e do trabalho, argumentar-se-á sobre os sistemas de 
relações de trabalho. Ainda que a idéia de sistema não seja a preferida para discussão, é 
impossível fugir ao desafio. Antes, porém, fazem-se necessárias algumas considerações. 
Foi Hyman (1981) que realizou importante discussão teórica e conceitual sobre as 
abordagens conservadoras das relações industriais que se utilizam da noção de sistema. 
Essas abordagens tiveram o mérito de elaborar uma teoria sobre as relações industriais. 
Utilizaram a noção de sistema de relações que priorizava a verificação da 
institucionalização das normas e das regras, preocupadas que estavam com a 
manutenção da ordem geral da sociedade em detrimento da existência de interesses 
particulares que concorriam e disputavam na prática os espaços do trabalho. 
A contraposição a essa tendência conservadora seria encarar a noção de sistema 
incorporando-se a existência de forças e processos contraditórios que ocasionam tanto 
estabilidade temporária quanto instabilidades como conseqüência dos conflitos laborais, 
além de entender a regulamentação do trabalho. 
A crítica de Hyman à noção de sistema de relações industriais ou de trabalho considera 
que tal concepção perde de vista as estruturas de poder e de interesses, bem como a 
dinâmica social, econômica e política da sociedade. Por outro lado, acaba 
122 
�
 
por se converter em coisificação do social ao ignorar as práticas humanas definidoras das 
relações sociais de trabalho no cotidiano. Esse também é um problema da perspectiva da 
gestão estratégica das relações de trabalho quando pnoriza o controle e o interesse 
instrumental pelos resultados econômicos em detrimento das necesis sidades e 
aspirações sociais do trabalho. 
Feitas as ressalvas, neste ponto é importante discutir o significado de sistema de relações 
de trabalho na teoria e na prática, o que implica examinar como são estabelecidas as 
regras, as normas e as instituições das relações entre trabalho e capital. Qual o papel dos 
antagonistas sociais diretos e do Estado na configuração do sistema? De que maneira as 
dimensões definidoras das relações de trabalho participam da configuração de um 
sistema? Quais instituições permanecem e quais são obsoletas? Por que, para quem, em 
que momento, em que contexto? Pode-se falar hoje em dia em sistema de relações de 
trabalho? 
A dinâmica dos sistemas de relações de trabalho é em geral definida por questões como 
negociação, acordo, contrato, reivindicação de salário, condição de trabalho, jornada de 
trabalho, benefício, introdução de novas tecnologias, políticas de qualificação e de 
demissão, garantia de representação e participação sindical, entre outras. Cada país, 
entretanto, estabelece seu sistema de regras de acordo com suas realidades e com as 
práticas e o jogo de forças entre os agentes privados e públicos. 
Um ponto de partida dessa análise reside na formação de uma visão geral dos países 
capitalistas avançados, como Estados Unidos, Japão, Alemanha, França, Itália e Grã-
Bretanha, entre outros. Apesar da característica semelhante entre esses países na 
adoção de um sistema de relações de trabalho baseado na livre negociação e na 
contratação do trabalho sem a intervenção direta nem a tutela do Estado, na realidade 
ocorrem diferenças paradigmáticas entre eles. 
Pelo menos três padrões diferenciados podem ser visualizados: primeiro, o sistema de 
relações de trabalho no qual predomina a dimensão microssocial, que se refere à relação 
direta entre trabalho e capital no âmbito da empresa, com a presença ou não do sindicato. 
É o caso de Estados Unidos, Japão e Inglaterra. O caso americano e o inglês 
apresentaram uma dessindicahzação crescente das relações de trabalho nas últimas 
décadas e o caso japonês é o paradigma do sindicalismo de empresa. Segundo, o 
sistema de arranjos sociais amplos, no qual a dimensão mesossocial das agências de 
mediação — arranjos sindicais setoriais e nacionais — é predominante. É o caso de 
Suécia, Itália e Espanha. E terceiro, os sistemas de relações mais burocratizados, 
institucionalizados e politizados nos quais predominam a dimensão macrossocial, política 
e ideológica. É o caso da França e da Alemanha. O sistema alemão de co-gestão e 
previdência e o caso da política de redução da jornada de trabalho para 35 horas na 
França na forma de lei podem servir de exemplo. 
A negociação e a contratação coletivas podem ser consideradas as características mais 
gerais dos sistemas de relações de trabalho. Em um sistema negocial, mais 
descentralizado, as partes sociais em disputa, ou seja, os antagonistas sociais — trabalho 
e capital — estabelecem com maior autonomia e independência as regras do sistema, 
criando uma herança, uma cultura, uma tradição e um acúmulo de experiências e ajustes 
dos conflitos e das contradições no âmbito da empresa ou estabelecimento. 
123 
 
�
Diferentes são as negociações e contratações coletivas setoriais e nacionais, que 
abrangem as relações entre sindicatos de trabalhadores e o setor empresarial por inteuo, 
representado por associações ou sindicatos patronais, que estabelecem regras e 
regulamentações válidas por certo período. E ainda negociações de caráter político, que 
envolvem o estabelecimento de regras abrangentes e válidas para um país inteiro e 
geralmente abarcam sindicatos nacionais, centrais sindicais e partidos políticos que, por 
pressão, conseguem criar ou alterar leis ou instituições. 
No contexto atual, independentemente do sistema adotado, as tendências de mudanças 
ocasionadas pela era da acumulação flexível (Harvey, 1992), baseadas na divisão do 
mundo do trabalho — entre o trabalho regular e o irregular, o trabalho formal e o informal, 
o sindicalizado e o não-sindicalizado, o trabalho estável e o temporário, o contratado e o 
subcontratado, o trabalho de tempo integral e o de tempo parcial —, impõem novos 
desafios para as relações de trabalho. Tanto as instituições trabalhistas estatizadas ou 
institucionalizadas quanto os arranjos negociados diretamente estão ameaçados. A 
impressão que se tem é de uma força estrutural que pressiona para a desregulamentação 
geral das relações de trabalho. 
Uma hipótese a ser discutida, em parte já realidade, é a inadequação da noção de 
sistema de relações de trabalho vis-à-vis a diversidade, a heterogeneidade e a 
complexidade das relações de trabalho. Talvez o mais
adequado fosse definir “mundos 
diversos do trabalho” como as relações específicas de trabalho fragmentadas do ponto de 
vista estrutural. Qualquer perspectiva unitária ou de reunificação desse conjunto diverso e 
heterogêneo, no sentido da formação de uma consciência de classe trabalhadora, estaria 
sobretudo determinada pelo campo da política ampla e pública. 
6. Sobre o sistema brasileiro de relações de trabalho 
A especificidade do sistema brasileiro de relações de trabalho está na persistência do 
regime tutelar baseado no controle e na intervenção do Estado sobre as relações entre 
trabalho e capital. O sentido essencial da criação do sistema e da legislação trabalhista 
era garantir, por meio do controle e da regulamentação das relações de trabalho, a 
acumulação e a modernização capitalista em sua fase de industrialização. 
Desde os anos 1930, as iniciativas do governo Vargas com a criação do Ministério do 
Trabalho e em seguida no campo da legislação trabalhista tinham nítida vocação 
corporativista, cuja característica essencial era o controle sobre a ação dos trabalhadores 
e suas organizações. No auge do Estado Novo, em 1943, foi criada a Consolidação das 
Leis do Trabalho (CLT), que define as características básicas do sistema legal e oficial de 
relações de trabalho. 
As peças básicas que compõem a CLT são: Normas Gerais e Especiais de Tutela do 
Trabalho, Contrato Individual de Trabalho, Organização Sindical, Convenções Coletivas 
de Trabalho, Processos de Multas, Justiça do Trabalho, Ministério Público do Trabalho e 
Processo Judiciário do Trabalho. 
Ao longo das décadas de 1950 e 1960, muitas outras iniciativas na forma de decretos e 
medidas legais foram responsáveis pela revisão e adequação da legisla- 
124 
 
ção ao contexto socioeconômico e político mais geral. E, particularmente nos anos 1960, 
a criação do Sistema Único de Previdência Pública e do Fundo de Garantia por Tempo de 
�
Serviço completou a organização do sistema. Portanto, criou-se um sistema único federal, 
centralizado e formal em um meio heterogêneo. 
O fato é que a CLT representava ao mesmo tempo atraso e modernização de acordo com 
a diversidade de situações de trabalho no Brasil. Um sistema ambíguo que reconhecia e 
regulamentava os direitos sociais do trabalho, mas inibia as lutas trabalhistas e sindicais 
por melhores condições salariais e de trabalho. Por outro lado, protegia os empregadores 
do conflito, mas gerava a falta de cumprimento da legislação por parte deles (os motivos 
iam desde o alto custo da contratação do trabalho até uma cultura de desprezo e 
desrespeito pelo trabalho alheio, cujas raízes são históricas), o que acionava 
permanentemente a função fiscalizadora e judiciária do aparato estatal do trabalho. 
É possível verificar o funcionamento do sistema oficial de relações de trabalho baseado 
na CLT desde o início até o fim de um contrato formal e individual de trabalho. A 
legislação social — Previdência Social, Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, férias, 
décimo terceiro salário, cobertura por acidentes e doenças etc. — estabelece uma relação 
de dependência com o vínculo empregatício. O controle e a proteção do trabalhador 
individual estendem-se á esfera coletiva de uma categoria ou setor econômico, cuja 
atualização das condições de trabalho depende dos arranjos negociais, por meio de 
acordos e convenções coletivas de trabalho, cujo processo, definido em lei, nunca poderia 
subtrair direitos já definidos na lei maior. O problema social maior ocorre, como se sabe, 
quando cessa o contrato de trabalho, pois todo o edifício de proteção social tende a 
desmoronar, provocando a chamada precanzação e degradação do trabalho e produzindo 
a informalidade e a economia subterrânea. 
Enfim, o sistema oficial de relações de trabalho no Brasil tem uma imagem de rigidez 
devido a esse caráter corporativista, fiscalizador e de estrutura complexa de controle e 
organização, dependente do Estado, sem liberdade plena para os sindicatos, sem a livre 
contratação e negociação entre as partes, bastante diferente dos sistemas utilizados nos 
países capitalistas avançados, como foi estudado anteriormente. De outro lado, revela-se 
o caráter de proteção social importante no mundo de hoje. 
Do ponto de vista histórico, o efeito desse processo foram a inibição do nível microssocial 
— empresarial e organizacional — para desenvolver e criar formas de gestão das 
relações de trabalho de acordo com a emergência dos conflitos nas organizações, a 
definição de um sistema de relações burocratizado e controlado entre os sindicatos e os 
setores empresariais e a predominância da dimensão macroinstitucional determinada pelo 
controle do Estado sobre as partes, o que levou a uma acomodação generalizada em 
relação ao sistema (sua longevidade é uma das provas desse argumento). 
As mudanças nesse cenário iniciam-se com a transição da ditadura para a democracia e 
as relações dialéticas do processo com as relações de trabalho. Emergem um novo 
sindicalismo e um padrão mais descentralizado de relações de trabalho, principalmente 
nos pólos avançados e dinâmicos do capitalismo brasileiro. A Constituição de 1988 
representou uma inflexão nesse processo na medida em 
125 
 
que estabeleceu alguns princípios democráticos no interior do sistema. No entanto, 
garantiu a permanência de institutos do passado, mantendo em grande parte a tutela e o 
controle sobre as relações de trabalho dada pela permanência do papel antigo da Justiça 
do Trabalho, da estrutura sindical corporativista baseada no monopólio e na unicidade da 
representação entre outras instituições tutelares. O resultado foi a configuração de um 
sistema híbrido de relações de trabalho, que permanece até os dias de hoje, 
�
acrescentado de medidas flexibilizadoras e desregulamentadoras estabelecidas na 
década de 1990. 
A seguir, descrevem-se as principais fases do sistema brasileiro de relações de trabalho, 
relacionadas com a estrutura e a ação dos sindicatos: 
Antes de 1930: 
> Autonomia sindical e ausência de liberdade sindical. 
>A qustão operária e trabalhista era caso de polícia. 
1930-45: 
>Montagem gradual da legislação trabalhista e sindical corporativista. 
>Institucionalização da estrutura sindical oficial. 
>Controle dos sindicatos pelo Estado. 
>Criação da CLT, em 1943 
1946-63: 
>Período de redemocratização e persistência do corporativismo trabalhista. 
>Dinamização, mobilização e participação crescente dos sindicatos oficiais na vida 
política nacional. 
>Politização do sindicalismo. 
1964-77: 
>Golpe militar e repressão aos sindicatos. 
>Exclusão política dos trabalhadores. 
>Fim da estabilidade e criação do FGTS. 
1978-87: 
>Renascimento do movimento sindical e surgimento do novo sindicalismo. 
>Explosão das greves. 
>Criação das centrais sindicais. 
>Implementação da negociação coletiva direta. 
>Presença das comissões de fábrica. 
�
>Sistema híbrido de relações de trabalho. 
1988-94: 
>Nova Constituição e liberaçização restritas dos sindicatos. 
>Livre associação sindical no setor público. 
>Fim da intervenção no Ministério do Trabalho nos sindicatos. 
>manutenção do corporativismo. 
>Unicidade sindical. 
>Monopólio de representação. 
>Justiça do trabalho. 
>Introdução da flexibilização nas relações de trabalho. 
1995-2000: 
> Avanço da flexibilação das relações de trabalho. 
>Explosão do trabalho informal e da precarização do trabalho. 
>Terceirização do trabalho. 
>Aumento do trabalho temporário e autônomo. 
> Crise do sindicalismo. 
Para compreender as mudanças no sistema brasileiro de relações de trabalho, é 
necessário que fatores importantes sejam observados: 
>fatores econômicos, relacionados com a transição da inflação para a estabilização da 
moeda, com a abertura de mercado e a globalização; 
>fatores tecnológicos
e padrões de gestão, relacionados às mudanças tecnológicas da 
automação e criação de sistemas flexíveis de acumulação, à introdução parcial da gestão 
participativa baseada nos CCQs — células e trabalho em grupo —, como alternativas da 
gestão baseada na rotinização e na variante brasileira do taylorismo e do fordismo; 
126 
 
>fatores políticos relacionados à democratização e à Constituição de 1988 e à derrocada 
do socialismo real, com a queda do Muro de Berlim no plano internacional; 
> aspectos propriamente sindicais, tais como a organização do novo sindicalismo, a 
consolidação das centrais sindicais como interlocutoras dos trabalhadores e a divisão do 
�
sindicalismo em várias vertentes. 
Desde a introdução do Plano Real (após 1994), novas questões que antes não figuravam 
no cenário entram em pauta no cotidiano das organizações, muitas vezes sem o concurso 
das negociações efetivas, o que, além da novidade, demonstra o predomínio dos 
interesses do capital sobre o trabalho. Essas questões referem-se à competitividade 
global, à qualidade dos processos, à produtividade e à reestruturação produtiva, bem 
como à flexibilização das relações de trabalho com a adoção da jornada flexível, o banco 
de horas com redução e aumento da jornada de trabalho, a participação nos lucros, os 
programas de demissão voluntária, a terceirização e a subcontratação. 
Evidentemente existem setores nos quais essas inovações passam por processos de 
negociação coletiva e pelo poder de barganha das partes em questão, como no caso 
paradigmático do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. Expenéncias como as das câmaras 
setoriais, das comissões de fábrica, das negociações de processos de reestruturação 
produtiva, das câmaras privadas de entendimento e, atualmente, das câmaras voluntárias 
de conciliação amenizaram ou mesmo amorteceram crises maiores nas relações entre 
trabalho e capital no caso brasileiro. 
O papel do governo também se altera substantivamente porque, apesar das oscilações, a 
orientação geral do Ministério do Trabalho é favorável às reformas no sentido da 
desregulamentaçâo e da flexibilização das relações de trabalho, cujos marcos seriam: a 
reforma sindical (fim do imposto sindical obrigatório, fim da uni- cidade e instalação do 
pluralismo sindical), a valorização dos mecanismos de mediação nas questões 
trabalhistas, a diminuição dos recursos à Justiça do Trabalho e a substituição de mesas-
redondas das DRTs por câmaras privadas e públicas de conciliação, a redução do custo 
da contratação do trabalho etc. 
No plano judiciário, não são ínfimas as decisões contrárias aos interesses dos 
trabalhadores quando o Tribunal Superior do Trabalho impede decisões de aumentos 
salariais dos Tribunais Regionais do Trabalho ou intervém em greves e conflitos 
atribuindo multas exorbitantes aos sindicatos, por exemplo. 
O sentido mais geral das mudanças do sistema brasileiro de relações de trabalho no atual 
contexto político, social e econômico aponta para um conteúdo nitidamente liberalizante 
até o ponto no qual o negociado pode prevalecer sobre o legislado. Uma série de medidas 
tomadas durante os últimos governos desde 1994 
— entre as quais participação nos lucros e resultados, desindexaçâo salarial, rejeição da 
Convenção 158 da OIT, que limita a demissão de trabalhadores, cooperativas 
profissionais, contratação por tempo determinado, trabalho em tempo parcial, banco de 
horas, suspensão temporária do trabalho, garantia de emprego com redução do FGTS, 
reformulação da organização sindical e reformulação da Justiça do Trabalho com a 
introdução de mecanismos de mediação e conciliação de conflitos 
127 
 
individuais — flexibilizou a própria CLT, representando uma forte desregulamentação com 
efeitos nefastos de precarização das condições de trabalho e de emprego. Dessa forma, 
as relações entre capital e trabalho estão longe de atingir o equilíbrio e tendem a 
reproduzir com maior gravidade a desigualdade e a injustiça sociais no mundo do 
trabalho. 
É nesse aspecto que se desenvolve, no âmbito do fim do segundo governo de Fernando 
Henrique Cardoso, a luta entre trabalho e capital mediada pelo Estado, na figura do 
Ministério do Trabalho, cuja proposta visa flexibilizar a CLT no sentido de que o negociado 
�
prevaleça sobre o legislado. 
Enfim, há uma pressão significativa para imprimir mudanças no sistema de relações de 
trabalho — em grande parte desfavorável ao pólo do trabalho. O momento não favorece 
os sindicatos, que vivem uma crise estrutural que abrange aspectos financeiros, poder de 
atração para a sindicalização, diminuição das bases trabalhadoras devido às 
reestruturações organizacionais e aos deslocamentos do capital e uma crise de natureza 
subjetiva que envolve a política, a ideologia e a cultura na relação entre tendências 
sindicais e entre dirigentes e bases. 
Para a formulação de um sistema de relações de trabalho mais democrático no Brasil 
será preciso reorganizar e revitalizar as forças do mundo do trabalho, e os sindicatos 
terão importante papel a desempenhar no sentido de ampliar seu poder de representação 
e negociação, horizontalizar sua estrutura, diminuir a enorme pulverização e 
fragmentação atual, unificando dentro das possibilidades as lutas trabalhistas, globalizar e 
mundializar suas atividades. 
7. Mudanças nos paradigmas da gestão e do trabalho 
Os novos tempos devem ser os espectadores do aprofundamento das alterações nos 
processos de produção e circulação de mercadorias, produtos e serviços, com a 
aplicação intensiva da ciência e da tecnologia, orientada pela acumulação de capital cada 
vez mais flexível e mundializada. Assim, os padrões de gestão das empresas devem 
buscar maior flexibilidade, competitividade, inovação, conhecimento e redução de custos 
para desenvolver os negócios. Contudo, tanto as empresas quanto outras organizações 
sociais encontrarão dificuldades de desenvolvimento devido a problemas sociopolíticos 
que poderão criar limites enormes no que se refere à dimensão da demanda. 
Curiosamente, no interior dessa “nova” ordem nunca se falou tanto em pessoas, gestão 
de pessoas, competências e talentos pessoais e organizacionais, aprendizagem, ética e 
responsabilidade social. Tudo indica que, no âmbito do novo paradigma de gestão das 
organizações, ocorre um conjunto de ações inovadoras e destrutivas de processos, 
modos e estruturas de trabalho anteriores, articuladas com um complexo de justificativas 
morais e sociais para firmar no nível subjetivo, ou mesmo superestrutural e ideológico, a 
dominância do tal paradigma. 
Nessa “nova” ordem, muitos são os efeitos e os desafios para os trabalhadores 
e para as relações de trabalho em qualquer canto do mundo. A objetividade e a 
subjetividade do trabalho foram afetadas profundamente. Assim, alteraram-se tanto as 
128 
 
práticas de trabalho, redefinindo-se as condições, o ambiente, o mercado, o perfil das 
ocupações, o emprego e a renda, quanto as identidades políticas e ideológicas do 
trabalho, as imagens e o próprio sentido do trabalho e as relações entre capital e trabalho 
em cada organização, nas cadeias produtivas e na sociedade. 
A nova realidade, sintetizada na figura do trabalhador hifenizado (trabalho-parcial, 
trabalho-temporário, trabalho-casual, trabalho-por-conta-própria, trabalho- em-casa etc.), 
vem acompanhada, em geral, da precarização e degradação das condições de trabalho e 
renda. A expansão da força de trabalho ferfiinina está relacionada com tal figura e tem 
sido alvo de maior exploração e desvalorização nos setores industriais e de serviços. 
Acentuam-se as dificuldades de ingresso dos mais jovens e de permanência dos mais 
�
velhos nos mercados de trabalho. Quadros técnicos, gerentes e executivos de empresas, 
como os demais assalariados, em suas diferenças, vivem situações de instabilidade 
semelhantes. No setor público, a privatização, o
controle dos gastos públicos e o arrocho 
salarial têm provocado constantes ameaças às condições de vida e trabalho do 
funcionalismo, apesar dos mecanismos legais e corporativos de proteção. Enfim, a 
heterogeneidade, a fragmentação e a complexidade do mundo do trabalho combinam-se 
com o aumento da insegurança, da instabilidade e do estresse nesse campo. 
As organizações sindicais e os partidos políticos, outrora atuantes na defesa econômica e 
política dos trabalhadores, não estão conseguindo manter o poder de intervenção 
conquistado, o que aumenta cada vez mais os flancos do trabalho. 
As empresas privadas, agentes e pacientes do acirramento da competição, promovem 
com maior velocidade a destruição criativa de processos, estruturas, tecnologias 
organizacionais e postos de trabalho. Os efeitos práticos disso são mudanças velozes nas 
cadeias produtivas e de serviços com a emergência de novos setores e a obsolescência 
dos antigos. Alguns exemplos podem ser mencionados para ilustrar esse processo: 
>a Amazon, maior empresa do mundo de comércio virtual, adquiriu uma carteira de 
clientes de 10,7 milhões em quatro anos de vida, enquanto as tradicionais redes 
brasileiras de lojas Mappin e Mesbla quase se extinguiram não fossem os arranjos de 
aquisição por um grande grupo varejista; 
>a Brastemp, do grupo Multibrás, fechou as portas de suas fábricas no ABC, liquidando 
mais de mil postos de trabalho, e se instalou em Joinville. 
Os governos dos estados, envergonhados e oscilantes na desmontagem do bem-estar 
social, sentem-se pressionados pelos mercados competitivos e, contraditoriamente, 
atuam na manutenção e na desestruturação da ordem social e institucional construída no 
passado recente. 
O terceiro setor, composto de organizações não-lucrativas e não-governamentais, apesar 
do crescimento e da relevância na promoção de ações sociais, comunitárias e coletivas 
diversas (ver a título de exemplo estudo de Rifkin, de 1995, sobre o fim do emprego e a 
instigante discussão sobre o terceiro setor como a aurora pósmercado e suas 
possibilidades de elaboração de um novo contrato social), apresen- 
129 
 
ta limites organizacionais, estruturais e financeiros e procura compensar 
fragmentariamente, com base na iniciativa privada e social, as lacunas deixadas pelo 
mercado e pelo Estado nas esferas culturais, sociais e ambientais, essenciais à qualidade 
de vida das pessoas. 
Os novos paradigmas do sistema capitalista comprimiram tempo e espaço dentro da 
lógica maníaca de busca de resultados e desempenho. Em outros termos, aprofundou-se 
a contradição entre a racionalidade, baseada no avanço do conhecimento, da ciéncia e da 
tecnologia, e a irracionalidade, baseada na perda de controle pessoal dos processos, 
ocasionando o aumento do risco e da insegurança sociais. Nesse contexto, toma-se difícil 
imaginar a manutenção de sistemas de relações de trabalho, o que paradoxalmente 
ameaça a ordem geral da sociedade, outrora fundada no trabalho, pois não se sabe se 
está preparada para uma desestruturação dessa magnitude. 
Observe-se passagem lapidar de Sennett (1999), que aborda a preocupação com a 
corrosão geral do caráter e dos impactos da flexibilidade na vida social contemporânea: 
A cultura da nova ordem perturba profundamente a auto-organização. Pode separar a 
experiência flexível da ética pessoal estática […], pode separar o trabalho fácil, superficial, 
�
da compreensão e do empenho […], pode tornar o constante correr riscos um exercício 
de depressão. […] A mudança irreversível e múltipla, a atividade fragmentada podem ser 
confortáveis para os senhores do novo regime, […] mas podem desorientar os servos do 
regime. E o novo ethos cooperativo do trabalho em equipe instala como senhores os 
“facilitadores” e “administradores de processo”, que fogem ao verdadeiro compromisso 
com seus servos. Quer dizer que o antes era melhor? 
Nenhum de nós poderia desejar o retomo da segurança — […] era claustrofóbica […] —, 
seus termos de auto-organização eram rígidos. Numa visão de longo prazo, embora a 
conquista de segurança pessoal servisse a uma profunda necessidade prática e 
psicológica no capitalismo moderno, essa conquista custava um alto preço. Uma 
debilitante política de antigüidade e direitos por tempo de serviço governava os 
trabalhadores sindicalizados […]; continuar esse estado mental hoje seria uma receita de 
autodestruição nos atuais mercados e redes flexíveis. O problema que enfrentamos é 
como organizar as histórias de nossas vidas agora, num capitalismo que nos deixa à 
deriva. 
8. Considerações finais 
Este capítulo termina com uma indagação: é possível a gestão estratégica das relações 
de trabalho? 
Diante do que já foi estudado, a resposta parece evidente: é possível gerir as relações de 
trabalho quando se articulam diversas dimensões complexas, e isso requer visão 
estratégica, do micro ao contexto macroglobal, para compreender os arranjos 
institucionais e informais de regulação que interferem nas relações sociais e entre classes 
sociais, grupos e indivíduos em situação de trabalho. 
Na medida em que o planejamento foi separado da execução do trabalho, a gestão das 
relações de trabalho se impõe e permeia todo o processo sistêmico de trabalho desde o 
ingresso no mercado de trabalho, o recrutamento e a seleção em uma 
130 
 
organização e o processamento nas organizações até a dispensa do trabalhador da 
organização através de desligamento ou demissão. Aqui cessa a responsabilidade da 
gestão da organização, apesar de que o retomo ao mercado de trabalho no caso do 
trabalhador ativo é inevitável, como desempregado, trabalhador informal, precário e 
temporário, ou a situação define-se pela inatividade, como o aposentado. O problema 
central é o estabelecimento dos parâmetros de avaliação da qualidade desses processos 
comparativamente às diversas realidades nacionais e suas relações no campo 
internacional. Aqui se poderia indagar sobre a tendência para uni sistema global de 
relações de trabalho baseado em princípios ou parâmetros universais de justiça, direitos e 
liberdade. Entretanto, torna-se difícil pensar nesses termos à medida que o capitalismo se 
movimenta em busca de vantagens comparativas e competitivas. 
Por outro lado, do ponto de vista qualitativo e da efetividade, a questão é complexa. A 
gestão das relações de trabalho no contexto capitalista não deve recorrer à idéia da 
eliminação do conflito, determinado que está pela dialética e contradição entre capital e 
trabalho. O máximo atingível é a cooperação instável por algum tempo, dependendo das 
habilidades e competências dos agentes envolvidos nas dimensões micro, meso e 
macrossocial e, cada vez mais, global. 
�
Outro caminho mais radical e — por que não dizer? — utópico seria responder à 
indagação de forma negativa. No contexto capitalista, não há possibilidade de gestão 
positiva das relações de trabalho porque, sem a transformação radical do sistema, a 
gestão confunde-se com a dominação do capital sobre o trabalho. Nesse sentido, uma 
concepção avançada de gestão de pessoas pressuporia o pós-capitalismo? É possível 
um sistema de trabalho no qual existam a superação das pessoas como recursos e ainda 
relações sociais de produção em relações de trabalho não alienadas e não estranhadas? 
Em que consistiria um novo processo de gestão de pessoas diverso da tergiversação 
sobre a velha administração de recursos humanos? A gestão de RH em nada escondia a 
finalidade de tornar o ser humano um recurso como unidade de medida e a força de 
trabalho uma mercadoria. Agora a gestão sem o componente do controle, voltada para a 
melhoria da qualidade de vida das pessoas e em busca do sentido substantivo do 
trabalho cotidiano, seria bem diferente. 
Recomendação final: para uma fertilíssima discussão do assunto relações de trabalho 
na economia de serviços no paradigma americano, recomenda-se
o filme Bread and 
roses (Pão e rosas), dirigido por Ken Loach. Alguém disse que no século XX a 
degradação do trabalho iria se estabelecer. Essa é uma verdade maior para os imigrantes 
da nova economia americana (o que hoje tem o pomposo nome de diversidade social, 
étnica e racial), em particular para a força de trabalho feminina. Nele se vê também o 
papel do sindicato e da militância sindical, trazendo a velha questão da consciência de 
classe em si, categoria hoje tão desprezada, e da qualidade de vida dentro e fora do 
trabalho, isto é, dentro de um edifício de escritórios em Los Angeles e fora, na 
comunidade imigrante dos hispânicos. Apesar do drama e da tragédia de alguns 
personagens, o filme tem final feliz, do jeito americano, com a comemoração da conquista 
da abertura de negociações entre a empresa contratante dos serviços temporários, os 
trabalhadores do sindicato e os faxineiros desempregados do edifício. Bom filme! E é 
sempre importante elaborar um relatório com suas impressões. 
131 
 
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São Paulo: IPE/USP, 1988. 
AUTOR 
 
ARNALDO JOSÉ FRANÇA MAZZEI NOGUEIRA 
 
Professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de 
São Paulo (FEA- USP) 
desde 1991 e da PUC-SP desde 1982. Doutor em Ciências Sociais (1996) e mestre em 
Ciência Política (1990) pelo IFCH-Unicamp. Coordenador técnico do curso de 
especialização em Economia e Gestão das Relações da Cogeae-PUC-SP (1999-2000). 
Professor do Programa de Educação Continuada para Executivos (MBA-RH) da FIA-FEA-
USP desde 1997 e coordenador do módulo Relações de Trabalho e Sindicalismo. 
Membro do Programa de Estudos em Gestão de Pessoas (Progep), da FIA-FEA-USP .Foi 
consultor da área de educação profissional da Fundação Bradesco (2000). Autor de livros, 
capítulos, vários artigos e resenhas na área de sociologia do trabalho. 
 
�
132 
 
 
Aprendizagem e gestão do conhecimento 
MARIA TEREZA LEME FLEURY 
MOACIR DE MIRANDA OLIVEIRA JUNIOR 
1. Introdução 
Organizações que enfrentam condições de incerteza, ambientes em mudança e intensa 
competição devem ser capazes de aprender e, ao fazê-lo, desenvolver novos 
conhecimentos. Já se tomou lugar-comum afirmar que o recurso mais valioso das 
organizações em um cenário de mudanças e crescente complexidade são as pessoas. 
Temas como capital humano, capital intelectual, inteligência competitiva e gestão do 
conhecimento vêm se tomando palavras de ordem nas organizações, com diferentes 
significados e implicações. Todo processo de aprendizagem e criação de novo 
conhecimento começa no nível individual, isto é, nas pessoas. São as pessoas o ponto de 
partida e de sus- tentação para a ação estratégica da organização em seu dia-a-dia. 
Esses temas tomam-se cada vez mais importantes em razão do ambiente competitivo em 
que se inserem as organizações. Do ponto de vista da competitividade das empresas, a 
perspectiva dominante — a análise da indústria, que tem em Porter (1986) seu principal 
representante — vem sendo confrontada com a chamada visão da empresa baseada em 
recursos (Wernerfelt, 1984; Barney, 1991, entre outros), que afirma que os recursos e as 
competências da empresa são os principais determinantes de sua vantagem competitiva. 
133 
 
Tal visão tem duas implicações relevantes para os estudos de aprendizagem e gestão do 
conhecimento. Primeira, o reconhecimento de que recursos implicam ativos tangíveis e 
intangíveis. Conjuntos de habilidades e conhecimento, desenvolvidos através de 
processos de aprendizagem, são ativos que desempenham um papel estratégico na 
“economia do conhecimento”. Segunda, à medida que os recursos específicos da 
empresa recebem maior atenção, questões relacionadas a como eles podem ser 
desenvolvidos tornam-se cada vez mais relevantes e decorrem de processos de 
aprendizagem (Moingeon e Edmondson, 1996). O conhecimento desempenha um papel 
central e estratégico nos processos econômicos, e os investimentos nos ativos intangíveis 
crescem mais rápido do que os investimentos nos ativos físicos ou tangíveis. Países, 
empresas, pessoas com mais conhecimento são mais bem-sucedidos, produtivos e 
reconhecidos. 
O objetivo deste capítulo é propor o debate dos conceitos de aprendizagem e gestão do 
conhecimento, no intuito de clarificar idéias e encaminhar discussões práticas, através do 
processo de aprendizagem e gestão do conhecimento que as organizações podem 
desenvolver as competências necessárias para a realização de sua estratégia competitiva 
(Fleury e Fleury 2000). 
�
2. Recuperação do conceito de aprendizagem 
A aprendizagem pode ser entendida como um processo de mudança provocado por 
estímulos diversos e mediado por emoções que podem ou não produzir mudança no
comportamento da pessoa. 
Para muitos especialistas, existe uma distinção entre o processo de aprendizagem, que 
ocorre dentro do organismo de quem aprende, e as respostas emitidas pelo indivíduo, as 
quais podem ser observáveis e mensuráveis. Dentro dessa concepção, há duas vertentes 
teóricas em que, basicamente, os modelos de aprendizagem se sustentam: 
>Modelo behaviorista: tem como principal foco o comportamento, que pode ser 
observado e mensurado. Nesse caso, planejar o processo de aprendizagem implica 
concebê-lo como passível de observação, mensuração e réplica científica. 
>Modelo cognitivo: enfoca tanto aspectos objetivos e comportamentais quanto aspectos 
subjetivos. Leva em consideração as crenças e as percepções dos indivíduos, que 
influenciam seu próprio processo de apreensão da realidade. 
As discussões sobre aprendizagem em organizações enraízam-se mais fortemente na 
perspectiva cognitivista, enfatizando, porém, as mudanças comportamentais observáveis. 
3. Aprendizagem organizacional 
Em uma organização, o processo de aprendizagem pode ocorrer em três níveis: 
> Nível do indivíduo: é o primeiro nível do processo de aprendizagem. Está carregado 
de emoções positivas ou negativas, por meio de caminhos diversos. 
> Nível do grupo: a aprendizagem pode vir a constituir um processo social partilhado 
pelas pessoas do grupo. 
134 
 
>Nível da organização: o processo de aprendizagem individual, de compreensão e 
interpretação partilhados pelo grupo, torna-se institucionalizado e se expressa em 
diversos artefatos organizacionais, como estrutura, regras, procedimentos e elementos 
simbólicos. As organizações desenvolvem memórias que retêm e recuperam informações. 
Peter Senge (1990), em seus textos sobre aprendizagem organizacional, comenta que o 
ser humano vem ao mundo motivado a aprender, explorar e experimentar. Infelizmente, a 
maioria das instituições sociais é orientada mais para controlar o indivíduo do que para 
propiciar-lhe condições de aprendizagem; recompensa o desempenho das pessoas pela 
obediência a padrões estabelecidos, e não por seu desejo de aprender. 
Senge foca inicialmente o indivíduo, seu processo de autoconhecimento, de clarificação 
de objetivos e projetos sociais. Em seguida, esse foco se desloca para o grupo e, 
finalmente, através do raciocínio sistêmico, para a organização. Senge procurou construir 
guias de ação que visam ao desenvolvimento da aprendizagem organizacional por meio 
do conhecimento e explicitação dos modelos mentais individuais, de grupo e da 
construção de projetos coletivos. 
Utilizando a idéia de modelos mentais de Senge, Daniel Kim (1993) analisou 
a passagem da aprendizagem individual para a coletiva. O autor divide o processo 
de aprendizagem em dois níveis: 
>Aprendizagem operacional: consiste na aquisição e no desenvolvimento de habilidades 
�
físicas para produzir ações (know-how). 
>Aprendizagem conceitual: ocorre com a aquisição e o desenvolvimento da capacidade 
para articular conhecimentos conceituais sobre uma experiência (know-why). 
Embora o conhecimento operacional seja essencial para o funcionamento de qualquer 
organização, cada vez mais tem de estar associado ao conhecimento conceitual. Os dois 
processos têm de ocorrer em todos os níveis da organização, ou seja, não deve haver 
fronteiras rígidas entre os quadros operacionais, que detêm apenas o conhecimento 
operacional, e os quadros diretivos, que detêm o conhecimento conceitual, superando-se, 
assim, a concepção taylorista entre aqueles que pensam e aqueles que fazem. O quadro 
a seguir resume algumas das principais definições de aprendizagem organizacional. 
Aprendizagem organizacional é um processo de identificação e correção de erros 
(Argyris,1992) 
Aprendizagem organizacional significa im processo de aperfeiçoar as ações pelo melhor 
conhecimento e compreensão (Fiol e Lyles, 1985). 
Organizações que aprendem são organizações capazes de criar, adquirir e transferir 
conhecimentos e modificar seus comportamentos para refletir esses novos 
conhecimentos e insights (Garvin, 1993). 
Uma organização está continuamente expandindo sua capacidade de criar o futuro 
(Senge, 1990). 
135 
 
Senge apresenta o processo de aprendizagem como um ciclo contínuo, composto de três 
conjuntos de elementos: aptidões e habilidades, conhecimentos e sensibilidades, atitudes 
e crenças. 
Figura 1. Ciclo de aprendizagem proposto por Senge 
A partir do desenvolvimento de novas habilidades e aptidões, altera-se a compreensão 
dos indivíduos sobre a realidade. Novos conhecimentos e sensibilidades são então 
incorporados, modificando seus modelos mentais, compostos de “idéias profundamente 
arraigadas, generalizações ou mesmo imagens que influenciam 
- nosso modo de encarar o mundo e nossas atitudes” (Senge, 1994). Novas crenças e 
atitudes, baseadas na interpretação da realidade, poderão surgir, enriquecendo esse 
mecanismo e estimulando o desenvolvimento contínuo de habilidades e aptidões, 
retroalimentando o sistema, que se transforma em um ciclo reforçador. 
As etapas de ação e reflexão realimentam-se mutuamente. A geração e a aplicação de 
conhecimento ocorrerão a partir da seqüência contínua dessas etapas. A aprendizagem 
adquire uma dimensão organizacional quando o ciclo de aprendizado individual se amplia 
para a dimensão da organização. 
Nas organizações, há um processo permanente de mudança, e ele se dá com a 
mobilização contínua dos ciclos de aprendizagem individual e organizacional, 
caracterizando o estabelecimento da dinâmica de aprendizagem constante. 
�
4. Circuitos de aprendizagem 
O tema da aprendizagem organizacional ganhou notoriedade a partir do início da década 
de 1990, principalmente após a publicação dos trabalhos de Peter Senge. Os estudos 
sobre aprendizagem organizacional, no entanto, já eram recorrentes na área de 
administração desde a década de 1970. Chns Argyris e Donald Schõn, em parceria, são 
responsáveis por alguns dos textos seminais sobre aprendizagem organizacional. A 
contribuição mais disseminada de Argyris e Schõn (1974, 1978) diz respeito ao conceito 
de circuitos de aprendizagem, que trata de como os pressupostos que orientam o 
comportamento dos indivíduos e grupos nas organizações podem ser alterados em um 
processo de aprendizagem organizacional. 
136 
 
Um aspecto fundamental para a melhoria de desempenho e para o sucesso das 
organizações é a forma como tratam suas experiências, positivas ou negativas, e como 
mantêm ou mudam suas diretrizes para a ação organizacional, incorporando essas 
experiências. Argyris e Schõn (1978) afirmam que nas organizações o processo que as 
habilita a encaminhar suas políticas ou a atingir seus objetivos pode ser chamado de 
aprendizagem em circuito simples. 
Os autores citam o exemplo de um termostato, capaz de “aprender a sentir” quando está 
muito quente ou frio e, ao receber essa informação, produzir uma ação corretiva. Quando 
o processo questiona as bases para a ação, que estão explicitadas nos objetivos e 
políticas organizacionais e às vezes em normas de conduta não escritas, pode ser 
chamado de aprendizagem em circuito duplo. Voltando ao exemplo do termostato, Argyris 
e Schõn afirmam que, se além de detectar o problema o termostato pudesse questionar 
as razões pelas quais os problemas (erros) estão ocorrendo, ele estaria desenvolvendo o 
processo em circuito duplo. 
Schõn (1983) empresta de Ashby (1940) o conceito de circuito simples e duplo no sentido 
de distinguir o grau de profundidade e extensão em que as mudanças organizacionais 
incursas se constituem em aprendizagem. No circuito simples, um feedback conecta o 
erro/problema detectado à sua estratégia de ação, enquanto as normas que sustentam a 
ação são mantidas inalteradas. Como exemplo, ele cita uma falha na produção, a partir da 
qual seus membros instituem um novo sistema de trabalho extraordinário
para conduzir a 
produção de volta ao nível desejado. 
Já a aprendizagem que ocorre no circuito duplo liga o erro ou problema detectado às 
estratégias de ação e às normas pelas quais as ações são avaliadas. Utilizando o mesmo 
exemplo, quando o trabalho extraordinário realizado pelo grupo não surte o efeito 
desejado e os problemas tomam a ocorrer, é necessário rever algumas questões mais 
profundas, os pressupostos ou os valores fundamentais adotados pelo grupo. Por 
exemplo: “Nossas metas são realistas?” “Estamos avaliando adequadamente nossos 
concorrentes?” “Nossas estratégias mercadológicas são as mais adequadas?” “Definimos 
adequadamente nossos segmentos-alvo?” Com base nas respostas a essas perguntas, 
devem ocorrer mudanças nos pressupostos que orientam as ações dos grupos nas 
organizações. Uma aprendizagem em circuito duplo implica uma profundidade e 
amplitude de mudanças bem superior àquela que pode ocorrer em circuito simples. 
Em outro trabalho, Argyris (1992) afirma que o circuito simples resolve os problemas 
visíveis, porém não soluciona a questão mais básica de por que os problemas existem. 
�
No circuito duplo, diz o autor, primeiro é necessário alterar os pressupostos ou valores 
fundamentais que governam as ações, ou seja, deve-se aprender uma nova teoria 
aplicada. A Figura 2 ilustra bem os dois conceitos de aprendizagem. 
Argyris explica que, para que os membros da organização desenvolvam a capacidade de 
produzir circuitos duplos, é necessário desenvolver antes uma cultura que premie ações 
dessa natureza, em que os problemas fáceis e rotineiros, que não requerem 
monitoramento de longo prazo para sua efetivação, sejam tratados como aspectos 
inerentes às atribuições dos indivíduos na organização, com a autonomia devida e 
prevista nas organizações que aprendem. Em ambientes turbulentos, a capacidade de 
aprender nos dois níveis toma-se ainda mais relevante (Oliveira Jr., 1996). 
137 
figura 2. Circuito simples e circuito duplo de aprendizagem 
Entretanto, foi a partir da divulgação dos trabalhos de Peter Senge sobre as chamadas 
learning organizations, ou organizações que aprendem, que o tema ganhou destaque, 
extrapolando o mundo acadêmico. É evidente, porém, que um pesquisador/consultor, por 
mais prestigiado que seja, não consegue por si só deflagrar uma nova onda de 
pensamento na administração se ela não encontrar ressonância e for consistente com as 
necessidades das empresas naquele momento histórico. E foi justamente isso o que 
aconteceu com esse conceito e com as propostas de desenvolvimento de dinâmicas de 
aprendizagem nas organizações. 
É por intermédio do processo de aprendizagem que a organização pode desenvolver as 
competências essenciais ao seu posicionamento estratégico. O processo de 
aprendizagem está intimamente ligado à gestão do conhecimento nas empresas, como se 
verá mais adiante. 
5. Aprendizagem e gestão do conhecimento 
As organizações podem não ter cérebros, mas possuem sistemas cognitivos e memórias 
e desenvolvem rotinas, ou seja, procedimentos relativamente padronizados para hdar 
com problemas internos e externos. Tais rotinas vão sendo incorporadas na memória 
organizacional. As mudanças em processos, estruturas ou comportamentos não seriam, 
por si sós, indicadores de que a aprendizagem realmente aconteceu: é necessário 
também que esse conhecimento sej a recuperado pelos membros da organização. 
O conhecimento é um recurso que pode e deve ser gerenciado para melhorar o 
desempenho da empresa. Ela, portanto, precisa descobrir as formas pelas quais o 
processo de aprendizagem organizacional pode ser estimulado e investigar como o 
conhecimento organizacional pode ser administrado para atender às suas necessidades 
estratégicas, disseminado e aplicado por todos como uma ferramenta para o sucesso da 
empresa. 
Conhecimento pode ser definido como “o conjunto de crenças mantidas por um individuo 
acerca de relações causais entre fenômenos” (Sanchez, Heene e Thomas, 
138 
 
�
1996), entendendo relações causais como relações de causa e efeito entre ações e 
eventos imagináveis e suas prováveis consequências. O conhecimento da empresa é 
fruto das interações que ocorrem no ambiente de negócios e se desenvolve através do 
processo de aprendizagem. O conhecimento pode ser entendido como o conjunto de 
informações associadas à expenência, à intuição e aos valores (Fleury e OliveiraJr., 
2001). 
É possível distinguir dois tipos de conhecimento: o explícito e o tácito. O conhecimento 
explícito, ou codificado, refere-se ao conhecimento transmissível em linguagem formal, 
sistemática, enquanto o conhecimento tácito possui uma qualidade pessoal, tomando-se 
mais difícil de ser formalizado e comunicado: “O conhecimento tácito é profundamente 
enraizado na ação, no comprometimento e no envolvimento em um contexto específico” 
(Nonaka, 1994). 
O conhecimento tácito, segundo Nonaka, consiste em parte de habilidades técnicas, o 
tipo de destreza informal e de difícil especificação incorporado ao termo know-how 
(Nonaka, 2001). 
Na visão de Spender (2001), tácito não significa conhecimento que não pode ser 
codificado, mas que ainda não foi explicado. O autor menciona que o conhecimento tácito, 
rio local de trabalho, apresenta três componentes: 
> Consciente: facilmente codificável, pois o indivíduo consegue entender e explicar o que 
está fazendo. 
> Automático: o indivíduo não tem a consciência de que o está aplicando. 
> Coletivo: conhecimento desenvolvido pelo indivíduo e compartilhado com outros; é 
resultado da formação aprendida em um contexto social específico. 
Pode-se distinguir diversos níveis de interação social através dos quais se cria 
conhecimento na organização. É importante que a organização seja capaz de integrar 
aspectos relevantes do conhecimento desenvolvido a partir dessas interações. A fim de 
apresentar uma compreensão melhor de como o conhecimento é criado e de como a 
criação do conhecimento pode ser gerenciada, Nonaka e Takeuchi (1995) propõem um 
modelo de conversão de conhecimento. Ele pressupõe quatro formas de conversão de 
conhecimento. 
139 
 
Por socialização os autores entendem a conversão que surge da interação do 
conhecimento tácito entre indivíduos, principalmente através da observação, imitação e 
prática. A chave para adquirir conhecimento desse modo é a experiência compartilhada. 
Combinação é uma forma de conversão do conhecimento que envolve diferentes 
conjuntos de conhecimento explícito controlados por indivíduos. O mecanismo de troca 
pode ser reuniões, conversas por telefone e sistemas de computadores, que tornam 
possível a reconfiguração da informação existente, levando a um novo conhecimento. 
Internalização é a conversão de conhecimento explícito em conhecimento tácito, no qual 
os autores identificam alguma similaridade com a noção de “aprendizagem”. 
Externalização é a conversão de conhecimento tácito em conhecimento explícito, apesar 
de este não ser um conceito bem desenvolvido, de acordo com os autores. 
A abordagem de criação de conhecimento de Nonaka (1994) e Nonaka e Takeuchi (1995) 
estabelece importantes nexos com o trabalho de Brown e Duguid (1991): “Tentativas de 
resolver problemas práticos freqüentemente geram relações entre indivíduos que podem 
proporcionar informação útil. A troca e desenvolvimento de informação dentro dessas 
comunidades em amadurecimento facilitam a criação de conhecimento, estabelecendo 
�
uma relação entre as dimensões rotineiras do trabalho do dia-a-dia e aprendizagem e 
inovação ativas” (Nonaka, 1994). Essas comunidades representam, portanto, um papel-
chave no processo de socialização apresentado por Nonaka e Takeuchi, no qual o 
conhecimento tácito entre indivíduos é integrado, passo importante para o 
desenvolvimento de conhecimento coletivo na empresa. 
Nonaka (1994) e Nonaka e Takeuchi (1995) afirmam que os quatro modos
de conversão 
de conhecimento devem ser gerenciados de forma articulada e cíclica e denominam o 
conjunto dos quatro processos de “espiral de criação de conhecimento”. Nessa espiral, 
conhecimento começa no nível individual, move-se para o nível grupal e então para o 
nível da empresa. À medida que a espiral de conhecimento sobe na empresa, ela pode 
ser enriquecida e estendida, seguindo a interação dos indivíduos uns com os outros e 
com suas organizações. A criação de conhecimento organizacional requer a partilha e a 
disseminação de experiências individuais. Em alianças entre empresas, cada processo 
deve proporcionar um caminho para que gerentes estejam expostos a conhecimento e a 
idéias fora dos limites tradicionais da organização (lnkpen, 1996). 
Nonaka (1994) explica que existem diversos gatilhos que induzem os modos de 
conversão de conhecimento. A socialização normalmente se inicia com a construção de 
um time ou campo de interação, o que facilita a troca de perspectivas e de experiências 
entre seus membros. A extemalização pode ser iniciada com sucessivas rodadas de 
diálogo, em que a utilização de metáforas pode ser estimulada para ajudar os membros 
do grupo a articular suas perspectivas e a revelar conhecimento tácito. A combinação é 
facilitada pela coordenação entre membros do time e outras áreas da organização e pela 
documentação do conhecimento existente. A internalização pode ser estimulada por 
processos de aprender fazendo (learning by doing), em que os indivíduos passam pela 
experiência de compartilhar conhecimento 
140 
 
explícito gradualmente traduzido, em um processo de tentativa e erro, em diferentes 
aspectos de conhecimento tácito. 
Socialização, externalização, combinação e intemalização devem ser integradas como 
etapas de um processo contínuo e circular que ocorre no meio de um grupo, coletividade 
ou comunidade de praticantes na organização. Como conseqüência, esse processo é 
basicamente interdependente. A prática desenvolve a compreensão, que pode 
reciprocamente mudar essa prática e estendê-la à comunidade, de forma que 
conhecimento e prática estejam inter-relacionados (Browri e Duguid, 2001). 
No processo de transferência do conhecimento tácito, pode haver imperfeições, já que 
não é diretamente apropriável. Trata-se de um conhecimento muito específico à realidade 
daquela determinada atividade, por isso sua transferência é difícil, custosa e incerta. Já o 
conhecimento explícito, de fácil transferência, corre o risco de ser revendido, perdido ou 
comercializado por alguém que o adquire, o que o torna mais acessível a concorrentes 
potenciais. 
Alguns especialistas aconselham as empresas a se concentrar no desenvolvimento de 
conhecimento explícito que possa ser retido através de patentes e copyrights e também 
no desenvolvimento de conhecimento coletivo tácito, que, embora mais difícil de transferir, 
é mais fácil de proteger. 
Segundo Spender (2001), embora o conhecimento seja um importante ativo fluido, ele 
necessita de gerenciamento. O autor parte da crença de que “o conhecimento não pode 
ser gerenciado a menos que seja identificado”. O conhecimento é identificado quando faz 
�
sentido para a organização, ou seja, quando está relacionado com seus objetivos 
estratégicos. Nesse sentido, a identificação, o monitoramento, a retenção dos 
conhecimentos e competências-chave para a organização constituem processos cruciais 
para o seu posicionamento estratégico. 
6. Caráter estratégico do conhecimento 
Três pontos principais acerca da natureza intrínseca do conhecimento são relevantes 
para a ação estratégica (Oliveira Jr., 2001): 
a definição de qual conhecimento realmente vale a pena ser desenvolvido pela empresa; 
as formas pelas quais é possível ou não que esse conhecimento venha a ser 
compartilhado pelas pessoas, constituindo vantagem para a empresa; 
> as formas pelas quais o conhecimento que constitui a vantagem da empresa pode ser 
protegido. 
Embora seja comum a disseminação e o compartilhamento do conhecimento por todos 
nas empresas, existem também conjuntos de conhecimento pertencentes somente a 
alguns indivíduos, a pequenos grupos ou a áreas funcionais. Para tomar o conhecimento 
acessível a toda a organização, as empresas buscam codificá-lo e simplificá-lo. Procuram 
estabelecer uma linguagem comum, permitindo, assim, a criação de uma estrutura para o 
conhecimento organizacional. 
Os esforços para agilizar a multiplicação do conhecimento atual e também de um novo 
conhecimento reproduzem um paradoxo central: a codificação e a simplificação do 
conhecimento acarretam maior facilidade de imitação (Kogut e Zander, 1992). Apesar da 
necessidade estratégica de as empresas transferirem conhecimento 
141 
 
para se desenvolver, é preciso evitar que os competidores tenham facilidade de imitação, 
o que levaria à corrosão da vantagem competitiva anteriormente estabelecida. 
Segundo Grant (1996), para que o conhecimento agregue valor à organização, algumas 
condições devem ser observadas: 
>Transferibilidade: capacidade de transferir conhecimento não apenas entre empresas, 
mas principalmente dentro da empresa. 
>Capacidade de agregação: associada à transferência de conhecimento. Capacidade de 
o conhecimento transferido ser agregado pelo recebedor e adicionado a conhecimentos 
previamente existentes. 
>Apropriabilidade: habilidade do proprietário de um recurso em receber retorno 
equivalente ao valor criado pelo recurso. 
>Especialização na aquisição de conhecimento: reconhece que o cérebro humano 
possui capacidade limitada de adquirir, armazenar e processar conhecimentos. Como 
conseqüência, para que o conhecimento seja adquirido, são necessários indivíduos 
especialistas na aquisição, armazenagem e processamento em alguma área do 
conhecimento. 
>Importância para a produção: parte do pressuposto de que o insumo crítico para a 
produção e a principal fonte de valor é o conhecimento. É fundamental que o 
conhecimento agregue valor ao processo produtivo. 
Ações relacionadas com a criação e a transferência de conhecimento devem estar 
comprometidas com o desenvolvimento das competências estratégicas definidas pela 
�
empresa. A natureza do conhecimento agregado às competências será decisiva para a 
sustentabilidade da vantagem competitiva conferida por tal competência (Oliveira Jr., 
1999 e 2001). 
O conhecimento pode ser desenvolvido internamente na empresa, pode ser coletado 
externamente (por exemplo, pela contratação de pessoas que detêm o conhecimento 
necessário e pelo monitoramento do ambiente externo) ou pode ser desenvolvido através 
de relações de parceria ou alianças estratégicas com empresas, universidades ou 
instituições externas à organização. 
Por meio de processos de aprendizagem que cruzam conjuntos de conhecimentos 
individuais, unidades individuais isoladas e parcerias com outras organizações, forma-se 
o know-how coletivo, ou conhecimento coletivo, no qual estão insendas as competências 
essenciais da empresa. Tal conhecimento, aperfeiçoado pela prática de trabalho, possui 
uma natureza dinâmica para atender às demandas contínuas do mercado. 
Em suma, ao analisar como uma organização gerencia o conhecimento, é possível 
distinguir três momentos nesse processo: 
>aquisição e desenvolvimento de conhecimentos; 
>disseminação do conhecimento; 
>construção da memória. 
142 
 
Figura 3. Gestão do conhecimento 
 
6.1 AQUISIÇÃO E DESENVOLVIMENTO DE CONHECIMENTOS 
A aquisição de conhecimentos e o desenvolvimento de competências podem ocorrer por 
processos proativos ou por processos reativos. 
Os processos proativos incluem a experimentação e a inovação, que implicam a geração 
de novos conhecimentos e metodologias, criando novos produtos ou serviços com base 
em situações não rotineiras. A experimentação usualmente é motivada por oportunidades 
de expandir horizontes, e não pelas dificuldades
existentes. 
Os processos reativos compreendem três modalidades: 
>Resolução sistemática de problemas: nos últimos anos, esse processo ganhou 
especial destaque em virtude dos princípios e métodos dos programas de qualidade. 
Suas ferramentas estão atualmente disseminadas, como diagnóstico feito com métodos, 
uso de informações para a tomada de decisões e uso de instrumental estatístico para 
organizar os dados e proceder a inferências. 
>Experiências realizadas por outros: a observação das experiências realizadas por outras 
organizações pode constituir um importante caminho para a aprendizagem 
organizacional. O benchmarlzing, por exemplo, tem sido usado como ferramenta para 
repensar a própria organização. 
>Contratação de pessoal: o chamado “sangue novo” pode constituir importante fonte de 
renovação dos conhecimentos da organização. 
6.2 DISSEMINAÇÃO DO CONHECIMENTO 
�
Pode ocorrer por processos diversos: 
>Comunicação e circulação de conhecimentos: o conhecimento precisa circular rápida e 
eficientemente pela organização. Observa-se que novas idéias têm maior impacto quando 
compartilhadas coletivamente do que quando são propriedade de poucos. 
>Treinamento: talvez seja a forma mais corriqueira de pensar o processo de 
aprendizagem e disseminação de novas competências. 
>Rotação de pessoas: por áreas, unidades, posições na empresa, de forma a vivenciar 
novas situações de trabalho e compreender a contribuição das diferentes posições para o 
sistema-empresa. 
143 
 
>Trabalho em equipes diversas: a interação com pessoas de background cultural 
diferente — em termos de origem, formação ou experiência profissional — propicia a 
disseminação de idéias e o surgimento de propostas e soluções para os problemas. 
6.3 CONSTRUÇÃO DA MEMÓRIA 
A construção da inemóna organizacional refere-se ao processo de armazenagem de 
informações com base na história organizacional, as quais podem, assim, ser 
recuperadas e auxiliar na tomada de decisões. As informações são estocadas, e tanto as 
experiências bem-sucedidas como as malsucedidas devem ser de fácil recuperação e 
estar à disposição das pessoas. 
Uma organização pode existir independentemente deste ou daquele indivíduo. O foco nas 
atividades cognitivas individuais, como elemento central no processo de aquisição de 
informações, reflete um construto ativo da memória. 
Entretanto, interpretações de problemas variam conforme os indivíduos. A tendência à 
coerência que caracteriza as interpretações organizacionais é possível pela partilha de 
informações; assim, transcende o nível individual. Isso mostra como a organização 
preserva o conhecimento do passado, mesmo quando alguns elementoschave a deixam. 
As interpretações do passado estão embutidas em sistemas e artefatos, em estruturas e 
nos indivíduos. 
: Alguns autores diferenciam duas estratégias para a construção da memória 
organizacional (Hansen, Nohria e Tierney, 1999): primeiro, por meio de estratégias mais 
centralizadoras, com a construção de bancos de dados, em que o conhecimento é 
codificado e estocado e depois disponibilizado para todos os membros da organização — 
estratégia particularmente relevante para o conhecimento explícito; segundo, através do 
indivíduo, que disponibiliza o conhecimento para os demais membros por sua rede de 
interações — isso é particularmente relevante para o conhecimento tácito. 
Em suma, a gestão do conhecimento está imbricada nos processos de aprendizagem nas 
organizações e na conjugação destes três processos: aquisição e desenvolvimento de 
conhecimentos, disseminação de conhecimentos e construção de memórias. Ocorre 
assim um processo coletivo de elaboração das competências necessárias à organização. 
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171-80, 1984. 
145 
 
AUTORES 
MARIA TEREZA LEME FLEURY 
Vice-diretora e professora titular da Faculdade de Economia, Administração e 
Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEAIUSP), atua na área de recursos 
humanos. Mestre e doutora em Sociologia pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências 
Humanas da USP e pós-graduada pela Universidade Stanford (EUA). Editora da Revista 
de Administração da USP (RAUSP) e coordenadora do Programa de Pós-Graduação da 
FEA, tendo orientado diversos trabalhos de dissertaçôes de mestrdo e teses de 
doutorado. Diretora científica da Associação Nacional de Programas de Pós-Graduação 
em Administração (Anpad) e responsável por cursos de pós-graduação sobre cultura e 
poder nas organizações e módulos sobre processos de mudanças e cultura 
organizacional nos cursos de MBA da USP Desenvolve atividades de pesquisa, 
diagnóstico de clima e cultura organizacional para empresas estatais e privadas, 
nacionais e muhinacionais, como FMC, Aracruz Celulose e Dow Química, entre outras. É 
autora de diversos livros. 
MOACIR DE MIRANDA OLIVEIRA JUNIOR 
�
Doutor em Administração pela FEA-USP e professor da PUC-SP e da Fundação Dom 
Cabral. Foi pesquisador visitante da Universidade Cambrige (1997/1998), na Inglaterra. 
Consultor de empresas e professor convidado dos programas de MBA da Fundace-USP, 
em Ribeirão Preto, e da FIA-USP, em São Paulo. 
146 
 
 
 
Mudança e transformação organizacional 
ROSA MARIA FISCHER 
1. Mudando os paradigmas da mudança 
“Nos mesmos rios entramos e não entramos, somos e não somos.” Ninguém 
atravessa duas vezes o mesmo rio. Essa reflexão, atribuida a Heráclito, filósofo 
grego do século V a.C., provavelmente é a mais citada assertiva para ilustrar que 
a mudança é um atributo inerente à natureza humana e às relações do homem em 
sociedade. Nem a pessoa que atravessa o rio permanece a mesma cada vez que 
o faz, nem o rio, seguindo o caminho irrevogável de seu fluxo, consegue banhar 
com as mesmas águas os pés daquele que o atravessa em diversas 
oportunidades. 
O curso do tempo, essa entidade abstrata criada pela necessidade humana de 
conhecer e controlar, é o primeiro e o mais inexorável determinante para que 
todas as coisas estejam em permanente processo de mudança. Seja na natureza, 
seja no ambiente social culturalmente delimitado, todos os elementos — com 
ritmos e velocidades específicos a cada um — vivenciam alterações que os 
tornam diferentes, em maior ou menor grau, do que eram no momento anterior e 
do que serão no momento seguinte. 
As organizações não escapam a essa inexorabilidade. Ainda que a observação do 
funcionamento e do desempenho de uma organização 
147 
cause a impressão de permanência, uma análise mais aprofundada permitirá 
identificar indícios de modificações em curso. Alguns desses indícios são mais 
visíveis porque alteram características muito evidentes, como episódios de 
crescimento organizacional acelerado ou quando a organização decide, 
intencionalmente, modificar suas finalidades, a forma de atuar, seus 
procedimentos técnicos ou administrativos. 
Como os quadros de mudanças intencionais ou mais radicais são mais evidentes, 
tende-se a considerá-los únicos e a subestimar a importância dos processos de 
mudança contínuos, que constituem a dinâmica própria de cada, organização. 
Essa tendência permitiu que a produção de conhecimentos sobre mudança 
organizacional fosse muito displicente, tratando-a como um fenômeno episódico 
que poderia ser administrado de forma circunstancial. 
Até a década de 1970, a teoria das organizações oferece pouco espaço ao 
�
tratamento do tema, ressaltando mais os aspectos e os desdobramentos 
negativos do que orientando o gestor sobre as formas de lidar com esse 
fenômeno, que, afinal, constituía parte inerente da entidade organizacional. 
A teoria das organizações, principalmente a originada da produção americana, 
estava sustentada por um paradigma explicativo da estrutura e funcionamento das 
organizações que preconizava sua estabilidade. Estabilidade, aqui, era sinônimo 
de perenidade, de permanência no tempo e no espaço. Isto é, as organizações — 
e nesse caso, principalmente, a grande corporação industrial, que era o tipo de 
organização para quem se produziam as teorias de gestão — deveriam ser 
administradas de forma a permanecer grandes e poderosas. 
Essa visão de mundo e de como as organizações devem estar nesse mundo é, 
evidentemente, um paradigma’ que contém em si os elementos ideológicos e os 
juízos de valor próprios desse mesmo mundo; vale dizer, dessa época, dos 
ambientes socioeconômicos nos quais são formulados, da correlação de forças 
que caracteriza tais ambientes e das perspectivas desejadas para o 
desenvolvimento desse cenário. 
O paradigma da estabilidade não nega que as organizações estão em mudança 
constante, porém pressupõe que as alterações possam ser sempre tão 
harmônicas e sutis que tais modificações sejam sempre incrementais e, 
principalmente, nunca desestabilizem o desempenho organizacional. Mudanças 
em larga escala, que abranjam diversos espaços da organização ou alterem 
diferentes processos, afetando as pessoas e suas relações, são encaradas, no 
escopo desse paradigma, como crises de alto risco geradoras de conflitos 
inadministráveis. Por isso, esse tipo de mudança deveria ser evitado, todo esforço 
da administração deveria ser colocado na manutenção do status quo e, quando 
uma modificação fosse absolutamente inevitável, o gestor deveria circunscrevê-la 
ao mínimo espaço organizacional. 
148 
A visão de mudança que prevaleceu na teoria e prática administrativa até os anos 
1960 fortaleceu algumas características básicas do modelo de managernent 
fundamentado no paradigma da estabilidade. Entre elas destacam-se: 
>- o papel mais importante do gestor é o controle , para assegurar que 
procedimentos sejam realizados sempre conforme as rotinas-padrão; 
>- para desempenhar com eficiência esse tipo de controle, o gestor deve 
centralizar as informações, as decisões e o comando das ações; 
>- quando administra uma mudança, o gestor deve limitar sua abrangência ao 
espaço organizacional mínimo necessário , evitando que as alterações 
contaminem grupos de pessoas e funções organizacionais que não estejam 
diretamente relacionados com as características da organização que estão sendo 
alteradas; 
149 
> o gestor deve conceber e implementar um projeto que permita implantar a 
mudança em prazo reduzido, com o mínimo de recursos e com o foco em metas 
estritamente controladas. 
�
Como se vê, o tratamento da mudança organizacional como um “mal necessário” 
refletia uma visão de mundo para a qual o controle era a função mais importante; 
o sucesso era assegurado pela capacidade de reproduzir rotinas e procedimentos, 
e a inovação — mesmo quando valorizada como expressão da módernidade — 
deveria ser temida e afastada porque trazia consigo a fragmentação da ordem 
vigente. 
A partir da década de 1970, contudo, essa visão é modificada pelas profundas 
alterações de natureza social, econômica e política que começam a afetar o 
mundo dos negócios, pressionando as organizações empresariais a rever seus 
modelos de gestão e, portanto, os paradigmas que lhe dão sustentação. Daí em 
diante, o conceito de mudança — como acontecimento tópico e pontual, 
gerenciado no ãmbito de um projeto específico e restrito — começa a se mostrar 
insuficiente para dar conta de uma realidade muito mais complexa e 
multidimensionada. 
O paradigma da estabilidade cede espaço ao paradigma da transformação
organizacional. Foi um momento em que a teoria precisou ampliar seu espectro e 
aprofundar sua abordagem porque as organizações, principalmente as empresas, 
estavam vivenciando processos nos quais as mudanças não eram simplesmente 
lineares e incrementais, mas abrangentes e transformadoras; elas não afetavam 
apenas algumas áreas organizacionais, mas espraiavam-se por diferentes 
espaços, atingindo, simultaneamente, diversos processos; as mudanças não 
estavam focadas em um elemento da organização, mas tinham um caráter 
multidimensional. 
Impressionados com a amplitude desses processos, alguns autores dos anos 
1970 e 1980 lançaram o conceito de “mudanças de larga escala”, definindo-as 
como “uma transformação durável no caráter organizacional que altera 
significativamente a performance da organização” (Lawler III, 1989). 
Quando falam de “caráter organizacional”, os autores dessa linha de pensamento 
referem-se ao que se poderia denominar de características genéticas da 
organização: 
> a natureza dos produtos ou serviços que justificam sua existência; 
os processos produtivos que adota para realizá-los, assim como os procedimentos 
administrativos e as práticas gerenciais com que conduz tais atividades; 
> o modo como estrutura e distribui os espaços, as atribuições e as 
responsabilidades; 
> os critérios de integração, coordenação e diferenciação com os quais determina 
os padrões de relações internas; 
> os canais de relacionamento que estabelece com o ambiente em que está 
inserida, com os stakeholders com quem interage e com as comunidades sociais 
que estão em seu entorno. 
Considerando a multidimensionalidade dessas características, constata-se que a 
mudança organizacional não pode mais ser vista como um projeto isolado que 
150 
ocorre esporadicamente no cotidiano organizacional, instalando alterações em 
algum aspecto da estrutura, ou em alguma etapa de um processo, e depois se 
�
encerra, devolvendo a organização a um novo patamar de estabilidade. Sendo de 
larga escala, abrangente, profunda e multidimensional, a mudança tem de ser 
conceituada, concebida e gerenciada como um processo de transformação 
contínua. 
A reconceptualização, aqui proposta, do conceito de mudança como definido no 
paradigma da estabilidade para o conceito de transformação organizacional não 
se reduz a preciosismo acadêmico. De fato, reflete o rearranjo do ambiente no 
qual as organizações estão inseridas. Os fenômenos recentes da ampliação do 
acesso à tecnologia da comunicação, do redesenho das relações econômicas no 
mundo glo- 
151 
balizado e das mudanças comportamentais que eles desencadearam vem 
condicionando empresas e organizações de todos os tipos a reverem suas 
“características genéticas”. 
O conceito de transformação, no lugar da concepção anterior de mudança 
organizacional, reflete também uma profunda alteração da visão de mundo e do 
conteúdo ideológico dos modelos de gestão. O paradigma da transformação 
pressupõe que o esforço de direcionamento de uma organização deve estar 
voltado para o aperfeiçoamento contínuo, e não para a estabilidade de normas, 
padrões e regras previamente instaurados e perenemente tornados rotineiros. E 
que o gestor deve funcionar como facilitador de condições e recursos que 
propiciam o desenvolvimento permanente. Ele não centraliza, mas mobiliza, as 
informações e o conhecimento; ele não limita, mas amplia, a participação e o 
intercâmbio; ele não restringe a abrangência, mas coordena as ações específicas 
de mudança para assegurar sua integração. 
2. Modelando o processo de transformação 
A concepção e a implantação de um processo de mudança organizacional exigem 
que se assuma um conjunto de pressupostos básicos. O primeiro é que nas 
modernas organizações complexas que atuam no âmbito do Estado, do mercado 
ou do chamado terceiro setor a transformação organizacional é um dos processos 
organizacionais inerentes à dinâmica de funcionamento e às estratégias de ação 
definidas pela organização. Ela funciona como um processo contínuo de 
construção e reconstrução do significado da organização, com o qual se busca 
aperfeiçoar sistemas, processos, políticas e práticas que constituem sua gestão e 
desenvolver as competências — pessoais e organizacionais — que constituem 
seu mais valioso patrimônio. Como um dos mais importantes processos 
organizacionais, a transformação não pode ocorrer de forma imprevista e 
extemporânea, ao sabor de acontecimentos fortuitos, mas deve ser modelada e 
gerenciada com instrumentos que assegurem sua internalização nas esferas mais 
íntimas da organização. 
O pressuposto seguinte estabelece a conexão entre estratégia e transformação. 
Isto é, o diagnóstico de “por que mudar” e “o que mudar” depende da clara 
compreensão de como interagem dois pólos de qualquer organização: de um lado, 
o direcionamento estratégico, constituído pelo intento estratégico e pelos focos 
que direcionam as estratégias propriamente ditas; de outro, o conjunto de 
�
elementos que integram o conteúdo de sua gestão e cuja composição determina 
seu nível de excelência. 
A Figura 1 ilustra a sinergia entre os componentes da lógica do funcionamento 
organizacional. O direcionamento estratégico é a face visível do desempenho 
organizacional, como a organização quer ser vista e como ela é vista e avaliada 
nas relações estabelecidas com o ambiente externo. É pelo desempenho dessa 
engrenagem que ela é mensurada em termos de competitividade externa. Ter 
atingido ou não os focos de suas estratégias confere-lhe a medida de sucesso ou 
fracasso. 
Contudo, apesar de sua visibilidade predominante, a engrenagem do 
direcionamento estratégico não tem força motriz própria. Ela depende do 
acionamento da 
152 
:Figura 1. 
Sinergia entre os componentes da lógica do funcionamento 
organizacional 
energia e da velocidade que são produzidas e lhe são transferidas pelo movimento 
da engrenagem menor. Esta é composta de todos os elementos constituintes da 
configuração organizacional, e seu funcionamento gera um fator que se pode 
chamar, provisoriamente, de competitividade interna por analogia com o 
desempenho competitivo usado para mensurar a organização. A competitividade 
interna não é um indicador de concorrência entre os componentes do contexto 
interno, mas do grau de higidez, de condicionamento, de prontidão com que se 
apresentam no processo de gerir a organização2. 
comum que esses componentes apresentem diferentes graus de desenvolvimento 
e aptidão para alavancar a competitividade externa. A organização pode, por 
exemplo, dispor de excelentes instrumentos de gestão, porém não oferecer às 
pessoas condições de desenvolver habilidades que façam esses instrumentos 
funcionar com rendimento máximo. Ou então foram feitos investimentos para 
modelar uma estrutura organizacional moderna e flexível, mas nenhum 
aperfeiçoamento foi levado a efeito para superar as deficiências de comunicação 
interna. Assincronias desse tipo não impedem o funcionamento da organização, 
mas acarretam perdas e disfunções que, se não podem ser diretamente 
observáveis no movimento da engrena- 
153 
gem menor, com certeza estarão refletidas nos resultados do desempenho da 
engrenagem maior. 
O terceiro e último pressuposto é o de que a transformação organizacional só se 
efetiva com as pessoas, para as pessoas e através do envolvimento e do 
comprometimento das pessoas. Portanto, a cultura da organização deve se 
fundamentar na valorização do ser humano, de seu trabalho, da inteligência que 
ele aplica nesse trabalho e na geração de conhecimento organizacional advinda 
�
da inter-relação pessoalsaber/organização. 
O grau de competitividade que a empresa revela no ambiente externo como 
resultado de suas estratégias de ação é condicionado pelo nível de 
desenvolvimento de sua competitividade interna. Esta resulta de um processo de 
gestão que mobiliza
a inteligência e o conhecimento organizacional para que a 
organização se desenvolva e se aperfeiçoe continuamente. Esses 
aperfeiçoamentos ocorrem, concomitantemente, em diversos aspectos da 
organização — como a definição de focos estratégicos, o modelo organizacional e 
seus sistemas de gestão, as políticas e os processos organizacionais, as técnicas 
e os instrumentos gerenciais —, mas estão modelados em um processo 
transformacional que os agrega em linhas de ação sinérgicas. 
Tal modelagem exige que o processo de mudança seja enfocado segundo uma 
abordagem contextualista, pois tanto os fatores do ambiente externo como os do 
ambiente interno influem no sentido e na orientação da transformação. O contexto, 
o conteúdo e o processo da mudança são as respostas para três questões básicas 
e preliminares a sua concepção: por que mudar, o que mudar e como mudar 
(Pettigrew, 1986). 
O desafio de mudar uma organização não se resolve apenas com a percepção da 
necessidade de inovar e remodelar seu perfil, mas envolve o desafio de encontrar 
o modo mais adequado de como mudar e conseguir transformar a organização no 
sentido determinado pela percepção do que é preciso mudar. Esse “como” é 
próprio das especificidades de cada organização e do desejo de mudança 
expresso em seus objetivos estratégicos. Por isso, o “como mudar” passa, 
necessariamente, pelo desenvolvimento das pessoas, pela capacidade que elas 
têm e querem disponibilizar para compreender e internalizar os valores da 
mudança, transformando-os em práticas organizacionais que concretizem o 
desejo de transformação. 
Em seu design, o processo deve admitir, necessariamente, os parâmetros de 
abrangência, integração e sustentação. O processo precisa ser abrangente, a fim 
de conter, simultaneamente, os aspectos organizacionais e os aspectos técnicos e 
comportamentais que configuram o cenário específico de cada organização. 
Integrado, para atuar em diversas esferas e através de diferentes linhas de ação, 
mantendo a consistência interna essencial à manutenção e à solidez do processo. 
Sustentado, com o objetivo de buscar a consecução de metas concretas de 
transformação, com resultados observáveis através de indicadores do 
desempenho das pessoas e dos negócios. 
Para dar conta dessa amplitude, o processo de transformação organizacional deve 
se constituir em um eixo gerador de mudanças organizacionais que guardem 
consistência entre si e estejam sempre voltadas para o desenvolvimento da 
competitividade interna da organização. Vale dizer, mobilizar a inteligência 
organizacional 
Figura 2. 
Etapas do processo de transformação 
organizacional 
�
estocada, otimizando o emprego dos recursos humanos e estimulando o 
desenvolvimento de suas competências pessoais e profissionais. 
Concebido desse modo, o processo busca delinear um modelo de gestão focado 
em resultados; identificar os fatores restntores e facilitadores de sua 
implementação; gerar um programa de disseminação que assegure a 
compreensão e a adesão do público interno; delinear os instrumentos gerenciais 
necessários para alcançar a excelência de gestão. 
A metodologia empregada na concepção e implementação do processo de 
transformação organizacional pode ser sintetizada no modelo de quatro etapas 
interdependentes: auscultação, concepção, disseminação e sustentação. Como as 
transformações organizacionais são processos, e não uma sucessão de 
mudanças estanques e isoladas, as etapas podem tanto se sobrepor umas às 
outras como ser conduzidas concomitantemente, conforme as especificidades do 
processo de transformação organizacional. Assim, a nítida separação entre as 
etapas do processo mostrada na Figura 2 é apenas um recurso utilizado para 
facilitar a compreensão dos objetivos, das finalidades e dos procedimentos 
empregados em cada fase. 
155 
A primeira etapa do processo é denominada auscultação. Nela realizam-se os 
levantamentos e as análises de dados que ajudam a identificar as características 
dos processos de trabalho, os fluxos de comunicação e a interação entre as 
diferentes áreas organizacionais. O objetivo dessa abordagem analítico-descritiva 
é determinar os fatores restritores e alavancadores da eficiência dos 
procedimentos e da eficácia dos resultados das práticas administrativas, técnicas 
e gerenciais em uso na organização. 
As atividades desenvolvidas nessa etapa diferenciam-se de um diagnóstico 
organizacional tradicional em virtude das seguintes características: 
> trata-se de uma intervenção breve que busca evitar a morosidade inerente aos 
levantamentos minuciosos, pois eles geralmente tendem a perder sua efetividade 
diagnóstica; 
> supera a superficialidade do levantamento breve mediante o emprego de 
técnicas interativas; elas possibilitam que o próprio agente da ação coopere no 
levantamento, na análise e na interpretação dos dados e vivencie, assim, um 
processo de aprendizagem organizacional; 
„ utiliza uma análise focada, isto é, com base no uso de dados secundários da 
própria organização, seleciona previamente os processos ou áreas-chave para 
levantamento e análise, partindo do pressuposto de que as intervenções de 
aperfeiçoamento organizacional nesses pontos focais exercerão o efeito-
demonstração ou, ainda, um efeito sinérgico sobre as áreas/processos em 
interação. 
Na auscultação, são também mapeados e analisados os projetos de 
aperfeiçoamento organizacional já existentes na organização, para verificar a 
possibilidade de adequá-los e integrá-los ao processo de transformação em 
delineamento. Evita-se, dessa forma, desperdiçar recursos e energia já 
mobilizados, bem como desrespeitar os padrões próprios da cultura 
�
organizacional. Parte-se do pressuposto de que a organização pode ter, dentro de 
si própria, idéias que possam gerar as melhores soluções para seus problemas de 
desenvolvimento. 
Já nessa etapa inicia-se o processo de estabelecimento de compromisso com o 
corpo diretivo, gerencial e técnico da organização, que participa das atividades de 
levantamento de dados, elaboração de informações e geração de análises. O 
objetivo é impedir que o diagnóstico deixe de incorporar a visão e os valores da 
comunidade organizacional, tendendo a expressar a extemalidade da concepção 
do “dever ser” da organização. Empregam-se técnicas tradicionais de 
levantamento de dados, como o mapeamento de documentos e a aplicação de 
questionários padronizados e de entrevistas semi-estruturadas, visando coletar 
material quantitativo e qualitativo. Todo o material é sistematizado e pré-analisado 
e, em seguida, submetido a análises em profundidade e/ou detalhamento; recebe 
também sugestões de aperfeiçoamento, por meio de clínicas temáticas e/ou 
workshops estruturados. 
importante que a apresentação e a análise dos resultados da auscultação sejam 
compartilhadas, de modo que haja clareza e concordância quanto aos principais 
problemas da organização, pois é em tomo deles, em última instância, que a 
organização deverá trabalhar para conceber propostas de mudança e 
aperfeiçoamento. Os 
156 
participantes dos eventos de apresentação dos resultados da fase de auscultação 
são, geralmente, os prováveis componentes de um grupo estratégico, que se 
encarregará de formular e disseminar as proposições de mudanças que compõem 
o processo de transformação. Recomenda-se que o grupo seja formado por 
pessoas de áreas e níveis hierárquicos heterogêneos na organização e que 
detenham um perfil de competências que lhes possibilite assumir o objetivo de 
conceber a transformação e gerir sua transição sem que haja uma ruptura da 
legitimidade do poder organizacional. 
A etapa de concepção do processo de transformação organizacinal representa a 
transição entre a constatação de problemas, carências e necessidades de 
aperfeiçoamento técnico e gerencial e a construção de uma forma exeqüível de 
conceber e implementar as mudanças e os

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