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- -1 PRÁTICA DE ENSINO E ESTÁGIO SUPERVISIONADO DE PORTUGUÊS III EJA E GÊNEROS TEXTUAIS (QUE TEMAS TRABALHAR?) - -2 Olá! Ao final desta aula, você será capaz de: 1- Avaliar a importância de não se fazer apenas uma transferência dos assuntos tratados no ensino regular para as turmas de EJA; 2- Identificar os temas que precisam ser trabalhados nesta modalidade do ensino; 3- Aplicar os diferentes gêneros textuais às realidades dos alunos. 1 Cuidados no processo de ensino-aprendizagem Sempre que se inicia o processo de ensino-aprendizagem em turmas nas quais os alunos são jovens, adultos e/ou idosos, é preciso ter em mente a necessidade de um trabalho adequado e necessário a esse público. Pois, como já comentamos em aulas anteriores, há uma grande diversidade em turmas de EJA. São tantas as realidades, tantos os motivos pelos quais os alunos voltam à escola, tantas as idades... que a escolha dos textos e dos assuntos a serem tratados precisa ser bastante cuidadosa. Para alguns alunos, as aulas de Língua Portuguesa são as piores. São as aulas da monotonia, da mesmice. Para outros, apesar de não terem construído nenhuma identificação, essas aulas, em conjunto com as de Matemática, são as mais importantes da escola. Perceba esse fato nas turmas em que você tem feito as observações de estágio! Trata-se de algo bastante comum. Comentário Tendo isso em vista, vemos que muitas vezes é difícil para o professor de Língua Portuguesa fazer com que os alunos percebam não só a importância do trabalho com a língua, mas também fazer com que eles não se torturem diante da leitura e da escrita de textos em sua própria língua. No (Parâmetro Curricular Nacional) da Língua Portuguesa, voltado para a EJA, vemos logo no primeiroPCN parágrafo, conforme comentamos em nossa segunda aula, que “o estudo da linguagem é um valioso instrumento” para se alcançar os objetivos educacionais no trabalho com jovens e adultos. Vemos também que esse trabalho deve ser centrado no texto, partindo dos diversos gêneros discursivos. Porque: “Em uma série de circunstâncias, a necessidade do uso da linguagem se manifesta: da leitura do nome das placas à leitura de jornais, textos científicos, poemas e romances; da elaboração de um bilhete à comunicação e expressão de pensamentos próprios e alheios. Daí a importância de um - -3 curso que permita ao aluno de EJA ter uma experiência ativa na elaboração de textos, um curso que discuta o papel da linguagem verbal, tanto no plano do conteúdo como no plano da expressão.” Afinal, de que adianta ao aluno conhecer todas as conjunções subordinativas ou coordenativas, por exemplo, e não saber identificar o sentido de cada uma delas dentro de determinados contextos? (PCN – Língua Portuguesa. In: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/LinguaPortuguesa.pdf) 2 Como vemos o PCN da Língua Portuguesa (EJA) É importante que o aluno perceba que a língua é um instrumento vivo, dinâmico, facilitador, com a qual é possível participar ativamente e essencialmente da construção da mensagem de qualquer texto. As experiências conseguidas pela escuta e por leitura de textos, bem como do frequente exercício de expressar ideias oralmente e por escrito, são grandes fontes de energia que impulsionam novas descobertas, elaboração e difusão de conhecimento. Um texto, como a decifração de qualquer ato de comunicação é, antes de tudo, uma prática social que se dá na interação com o outro. Conscientizar o aluno de EJA desse processo, tarefa da área de Língua Portuguesa, é estabelecer a cumplicidade entre ele e a palavra. Clique no link a seguir para saber mais sobre o assunto: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf /LinguaPortuguesa.pdf 3 Como vemos o PCN da Língua Portuguesa (EJA) – Percepção da variação linguística É importante fazer com que o aluno da classe de EJA reconheça o quanto ele interage com a língua em seu dia a dia e o quanto é importante ele se apropriar cada vez mais de sua língua materna. Para tanto, é necessário que ele perceba que a língua da escola é sim a sua própria língua trabalhada em diferentes aspectos e apresentada de modos diversos. É necessário, então, desmitificar o preconceito linguístico. Ao trabalhar a língua em seus múltiplos aspectos, o aluno terá acesso à estrutura que é formada a partir da fonética, da morfologia, da sintaxe e da semântica. Ao ser apresentado aos diferentes modos em que a língua se manifesta, ele terá noção tanto de sua variação e adequação como da grande quantidade de textos orais e escritos que todo falante produz e a que todo falante tem acesso. - -4 4 Como vemos o PCN da Língua Portuguesa (EJA) – Considerações Importantes Sobre a questão da variação linguística, vemos no PCN da Língua Portuguesa, voltado para EJA, que: Sem dúvida é um grande desafio. Antes de tudo, é importante considerar que, além dos procedimentos e conteúdos a serem estudados, o professor em seu trabalho em sala de aula tem de se preocupar com o fortalecimento de alguns valores e atitudes decisivos para o êxito do curso. Integrar as pessoas, garantir a participação de todos os alunos nas atividades solicitadas, administrar diferenças, fazer com que respeitem os ritmos dos colegas, promover a solidariedade etc. devem ser preocupações constantes. Obviamente essas atitudes são importantes em qualquer tipo de curso. Em EJA, no entanto, elas passam a ser decisivas para que o aluno encontre incentivo e motivação para continuar estudando, para que se sinta tranquilo para resolver suas dificuldades no grupo em que está participando. Quando lemos esse trecho do PCN, somos levados a pensar nos diferentes alunos que podemos encontrar na EJA e refletir mais concretamente na diversidade existente. Afinal, é claro que um adulto ou idoso que tenha iniciado o percurso escolar já em idade “avaçada” ou retornado à escola após anos sem estudar, terá um ritmo de desenvolvimento bem diferente de um jovem que tenha acabado de ser transferido do ensino regular para a EJA. Por esse motivo a necessidade de adequação se torna ainda maior. 5 O que devemos fazer para melhor lecionar Ao longo de suas observações de aulas, procure dar atenção à questão dos diferentes ritmos. Veja como isso se dá no dia a dia das aulas. A respeito do que se deve ensinar e de como se deve trabalhar, vemos em Santos (2010), no trabalho apresentado no IV Colóquio Internacional de Educação e Contemporaneidade, que: “faz-se necessária uma mudança de prática no ensino de Língua Portuguesa na EJA a fim de proporcionar ao aluno aulas interativas, próximas de sua realidade linguística, que o levem a construir sentidos, para que ocorra uma formação integral e efetiva.” (2010, p. 2) Não podemos negar a necessidade de tal mudança. Mas, que mudanças podem ser possíveis para atender a tais necessidades?! - -5 Segundo a própria estudiosa citada anteriormente, a proposta de mudança, como já comentamos, está presente no PCN da Língua Portuguesa. De acordo com Santos (2010): “o estudo através dos gêneros, partindo dos orais para os escritos, em um processo de retextualização, pode ser uma estratégia eficaz para conseguir alunos mais participativos e estimulados, por sentirem-se agentes na produção do saber, e, assim, promover um aprendizado da língua mais efetivo. O trabalho com textos é imprescindível para o estudo da língua. Não se aprende Língua Portuguesa estudando regras gramaticais desvinculadas do uso real da língua na comunicação seja escrita, seja falada. Ninguém se comunica citando regras isoladas e frases soltas, mas através de um discurso elaborado com sentido, com o objetivo de comunicar algo.” (p. 2) Essa proposta de trabalho com os gêneros do discurso, apontada pelos PCNs, é vista como ideal por diferentes estudiosos do assunto. Como vemos em Innocêncio, presente em nossa sugestão de leitura: “procedendo-se à análise dos PCNs e das Propostas Curriculares para a EJA, percebe-se claramente que tais documentos encaminham a prática pedagógicana direção de um trabalho com os gêneros do discurso, cuja teoria foi elaborada pelo .”Círculo de Bakhtin (Innocêncio, p. 3) Círculo de Bakhtin Era um grupo de intelectuais de diferentes formações que se reuniam com Mikhail Bakhtin para discussão de temas sobre linguagem, arte e literatura. Mikhail Bakhtin dedicou a vida à definição de noções, conceitos e categorias de análise da linguagem com base em discursos cotidianos, artísticos, filosóficos, científicos e institucionais. Reflexão Um dos aspectos mais inovadores da produção do Círculo de Bakhtin, como ficou conhecido o grupo, foi enxergar a linguagem como um constante processo de interação mediado pelo diálogo - e não apenas como um sistema autônomo. "A língua materna, seu vocabulário e sua estrutura gramatical, não conhecemos por meio de dicionários ou manuais de gramática, mas graças aos enunciados concretos que ouvimos e reproduzimos na comunicação efetiva com as pessoas que nos rodeiam", escreveu o filósofo. - -6 6 Outras considerações Sabemos que durante muito tempo o trabalho com a língua esteve baseado apenas no estudo da gramática e na leitura e compreensão de textos literários, mas sabemos também que tais textos não dão conta de todas as expressões da língua com que o ser humano se depara em seu dia a dia. É por isso que vemos nos PCNs a indicação para um trabalho em que o falante tenha contato com os mais variados gêneros existentes nos diferentes contextos em que vive, partindo dos orais para os escritos, com a finalidade de aprimorar os usos da linguagem e possibilitar uma melhor vivência do ser em sociedade. Marcuschi nos informa que os tipos textuais sempre existiram e têm a ver com a intenção de cada falante. Se o objetivo é contar uma história, produz-se um texto narrativo; se se pretende “figurativizar” uma imagem, um cenário etc. compõe-se um texto descritivo; se o objetivo é a apresentação de uma ideia, elabora-se um texto dissertativo/argumentativo. Luiz Antonio Marcuschi é um linguista brasileiro. Atualmente é professor titular da Universidade Federal de Pernambuco, Brasil. Segundo ele, os gêneros textuais só existem dentro de um contexto. Então, os gêneros textuais que conhecemos hoje nem sempre existiram. Para existir o e-mail, as salas de bate-papo e as revistas eletrônicas, por exemplo, foi necessária a invenção do computador e da internet; para existir o telegrama, foi necessário criar o telégrafo. Por conta disso, o gênero textual existente em um determinado tempo, pode deixar de ser usado ou até mesmo de haver em outro momento histórico. Atenção Quando falamos em gêneros do discurso, muitas pessoas pensam em gêneros literários, outras em tipologia textual, mas é importante saber que os gêneros literários são apenas uma parte dos gêneros do discurso e que não se deve confundir tipo de texto com gênero. 7 Gêneros orais e escritos Já comentamos, com base nos PCNs, que é necessário o trabalho com os gêneros orais e escritos. Mas que textos pertencem a esses gêneros? Podemos mencionar a conversa informal, a telefônica, o discurso do padre ou do pastor quando fornece explicações a seus fiéis, o discurso do político, a palestra, o texto do telejornal ou do repórter de rua e tantos outros que se manifestam em diferentes realidades. Não temos como negar que grande parte dos indivíduos está exposta ou se submete a textos dessa espécie todos os dias. - -7 Pensando em gêneros orais Quanto aos textos de gêneros escritos, alguns deles até trabalhados na escola, como os literários (romance, crônica, conto, novela etc.) ou os jornalísticos (notícia, editorial, crônica, entrevista etc.), é preciso dar atenção também a outra infinidade de textos escritos como, por exemplo, as receitas culinárias, as bulas de remédios, as mensagens telefônicas (também chamadas de torpedos), as resenhas, os vários documentos de que precisamos em nosso dia a dia, as cartas, os bilhetes, a piada, a charada etc. 8 Riqueza de gêneros a serem trabalhados São muitos os textos que podem enriquecer o trabalho com a Língua Portuguesa e vários outros componentes curriculares; mas, mesmo pensando em todos esses textos, ainda há uma questão preocupante em nossas escolas: a insistência em se trabalhar apenas os gêneros textuais escritos. Innocêncio, no texto já mencionado, confirma essa ideia da valorização da cultura escrita por parte da escola. Sobre esse assunto, ela nos afirma o seguinte: - -8 “No que tange aos gêneros orais, penso poder afirmar que a escola ainda não tomou totalmente a si a responsabilidade no seu ensino. A tradição escolar é pouco desenvolvida nesse domínio e os conhecimentos sobre o desenvolvimento da linguagem oral na escola são ainda limitados.” “Dessa forma, cabe à escola priorizar as situações públicas de comunicação oral – seminários, debates, palestras, por exemplo, e não as situações cotidianas, posto que estas são aprendidas independentemente da escola. Para isso, há de se superar a ideia comum de linguagem oral como sendo o lugar da espontaneidade. Daí a necessidade de organizar a fala em gêneros discursivos, que possuem características próprias, os quais, quando desconhecidos, precisam ser aprendidos e podem ser ensinados, caracterizando-se a linguagem oral como prática social discursiva que se realiza em diferentes circunstâncias orientadas por variados parâmetros.” (In: http://www.anped.org.br/reunioes/29ra/trabalhos/trabalho/GT18-2109—Int.pdf, p. 11) Comentário Como vemos, há a sugestão de que é melhor o trabalho com os gêneros orais que privilegiam o registro formal da língua. Podemos até discordar de tal sugestão e considerar apropriado o trabalho com todo e qualquer texto de gênero oral, por acreditar que também é preciso trabalhar os textos utilizados pelos alunos em sua realidade imediata; mas o fato é que não podemos deixar de trabalhar os textos orais. Não podemos continuar reafirmando essa cultura de se trabalhar apenas textos escritos. 9 Ampliação do gênero escrito Os textos escritos a serem trabalhados não podem ser apenas os literários, ou os jornalísticos, ou os de correspondências. É preciso fornecer instrumentos para que o aluno aprimore sua atuação na sociedade de que faz parte. Para tanto, devemos trabalhar, como já estamos afirmando ao longo de toda esta nossa aula, os mais variados textos dos mais variados gêneros. Na escola em que você está cumprindo a carga horária de estágio, que textos são trabalhados? Que gêneros textuais são priorizados? Procure observar e não deixe de registrar suas considerações a respeito tanto no fórum quanto no relatório de estágio supervisionado. - -9 10 Cuidados com a variação linguística Quando tratamos da oralidade, principalmente, precisamos estar atentos à questão da variação linguística presente no Brasil. É comum o professor de Português ser visto como aquele que vai ensinar a “falar o que é certo” e fazer com que as pessoas “deixem de falar errado”. A ideia de “certo” e “errado” está sempre presente. É importante que se faça um trabalho que deixe clara essa questão da variação linguística. É preciso que se deixe de lado o “certo” e o “errado” para se entender a questão do “adequado” e do “inadequado”. Saiba mais Clique para ler em PDF o que diz a esse respeito o PCN: http://estaciodocente.webaula.com.br /cursos/gon177/docs/PDF1.pdf - -10 Pensando a variação linguística e a própria língua por esse viés, teremos uma proposta completamente diferente, porque as aulas de Língua Portuguesa terão outro objetivo. O trabalho com a oralidade será, de fato, para fazer com que o aluno aprimore sua vivência em sociedade, sendo dono de seu próprio discurso diante de qualquer falante, de qualquer classe social, independentemente da classe a que o aluno pertença, sem que haja constrangimentos, sem que o aluno se sinta intimidado ou em situação de humilhação. Assim, a escola estará, com certeza, cumprindo seu papel social e promovendo o crescimento de seres humanos que possibilitarãoo desenvolvimento da sociedade em que estão inseridos. Observe o dia a dia da escola em que você está frequentando! Lá existe essa preocupação com o ser humano e com a sociedade?! Comentário Essa é a proposta desta nossa quarta aula. Essas reflexões irão ajudar você positivamente em sua vivência, tanto para a conclusão de mais esta etapa da vida acadêmica quanto em suas experiências futuras. Até a próxima aula! O que vem na próxima aula Na próxima aula, você estudará os seguintes assuntos: • A importância do trabalho com a Língua Portuguesa, partindo do texto para o texto; • Criação de oportunidades de incentivo à leitura e à elaboração de textos. CONCLUSÃO Nesta aula, você: • Refletiu sobre a importância de não se fazer uma simples transferência dos assuntos tratados no ensino regular para as turmas de EJA; • Avaliou os temas que precisam ser trabalhados nesta modalidade de ensino; • Estabeleceu as possibilidades para se adequar os diferentes gêneros textuais às realidades dos alunos. • • • • •