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BRUNA REIS E DÁLETE GUÍMEL – 5º SEMESTRE 1 Dengue Epidemiologia É a arbovirose com maior prevalência no Brasil e nas Américas. Há cinco sorotipos de dengue (DENV-1, DENV- 2, DENV-3, DENV-4 e DENV-5). O DENV-5 é o único que ainda não foi detectado no Brasil. Casos de dengue são descritos em todo o território brasileiro, mas concentram-se principalmente nas regiões Sudeste e Centro-Oeste. A menor incidência ocorre na região Sul. Referência: Dengue, Zika e Chikungunya- Estratégia med- Prof. Sérgio Beduschi. Etiologia O vírus da dengue é um arbovírus, do gênero Flavivirus, família Flaviviridae – a mesma do vírus da febre amarela (o prefixo flavi significa “amarelo”). É um vírus RNA de filamento único, esférico, envelopado, medindo aproximadamente 60 nm. Existem quatro sorotipos, denominados DENV-1, DENV-2, DENV-3 e DENV-4. Cada um apresenta diversas cepas com propriedades antigênicas distintas. A infecção promove imunidade permanente sorotipo-específica e imunidade cruzada temporária para os demais sorotipos. Referência: MedCurso 2022 - Principais Síndromes Febris - Infectologia/Dengue, Zika e Chikungunya - Durval Costa e Carolina Lázari. Transmissão A transmissão da dengue concentra-se nos trópicos, na área compreendida entre 35° de latitude Norte e 35° de latitude Sul, que corresponde à distribuição ambiental do Aedes aegypti, o principal mosquito vetor. O Aedes albopictus é um mosquito que vive em florestas e que eventualmente pode ser transmissor de dengue. Entretanto, o hábito urbano é essencial e preponderante do Aedes aegypti. As epidemias de dengue têm-se tornado mais frequentes e amplas no meio urbano e estão intimamente relacionadas à expansão das cidades, cujo crescimento desordenado e cuja aglomeração de pessoas favorecem os hábitos peridomiciliares do Aedes aegypti. Em primeiro lugar, o crescimento desordenado contribui para a proliferação do vetor, visto que o Aedes é extremamente adaptável ao ambiente urbano e tem grande capacidade de reprodução em criadouros artificiais, isto é, em todo tipo de vasilhame que retenha água limpa e parada. Assim, há alta densidade vetorial nas áreas de padrões prediais — lajes e calhas que represam água, caixas d’água expostas —, de acúmulo de lixo — garrafas, latas e pneus —, além de áreas em que a falta de vigilância governamental efetiva propicia condições adequadas para a reprodução do mosquito. O Aedes tem vida média de uma a quatro semanas, durante a qual permanece abrigado em ambientes domiciliares próximos ao criadouro de origem, com hábito diurno e voos curtos. Dessa forma, normalmente, um mesmo mosquito pica vários indivíduos no mesmo domicílio e nas suas imediações, onde, em geral, está presente o foco de procriação. O Aedes tem hábitos diurnos, o que facilita a transmissão em qualquer área urbana populosa. A maioria das fêmeas de outros mosquitos tem hábitos noturnos. Quando a fêmea do mosquito se alimenta de sangue de um indivíduo em fase virêmica, torna-se infectada, e então se inicia um período de multiplicação viral no vetor, chamado incubação extrínseca. Após esse período, com duração média de uma a duas semanas, todos os repastos subsequentes têm potencial para a transmissão do vírus, e ocorrem várias vezes ao dia, até o fim da vida do mosquito infectado. A acumulação de lixo, devido à superpopulação de áreas urbanas, propicia a deposição de ovos do mosquito Aedes. Além disso, o hábito diurno do mosquito e a resistência prolongada dos ovos, mesmo em períodos não chuvosos, são os fatores que mais impactam as epidemias recorrentes da dengue. caso 11- síndromes febris virais (arboviroses) BRUNA REIS E DÁLETE GUÍMEL – 5º SEMESTRE 2 Em áreas tropicais, a transmissão acontece o ano todo, com aumento do número de casos nos meses chuvosos, em que há maior número de criadouros propícios; as altas taxas de umidade prolongam a vida média do mosquito, e as altas temperaturas encurtam o período de incubação extrínseca, quando os ovos do mosquito ficam na forma seca aguardando a chuva para eclodir. O ovo do Aedes aegypti pode sobreviver por até 450 dias, isto é, um ano e dois meses após a oviposição, mesmo no ambiente seco, o que garante longa vida ao mosquito, pois, quando volta a chover, as larvas têm condição favorável para desenvolverem-se. Referência: Dengue, Zika e Chikungunya - Medcel 2022 -Durval Alex Gomes e Carolina Lázari. Fisiopatologia Após a inoculação pela picada do A. aegypti, o vírus se replica inicialmente nas células mononucleares dos linfonodos locais ou nas células musculares esqueléticas, produzindo viremia. No sangue, o vírus penetra nos monócitos, onde sofre a segunda onda de replicação. No interior dessas células ou livre no plasma, ele se dissemina por todo o organismo. Seu tropismo celular predomina sobre o macrófago/monócito e, em segundo lugar, sobre as células musculares esqueléticas – justificando a intensa mialgia. Nesse momento, a replicação passa a ocorrer nos macrófagos presentes no sistema reticuloendotelial, mantendo a viremia. A replicação viral estimula a produção de citocinas pelos macrófagos e, indiretamente, pelos linfócitos T helper específicos que interagem com o HLA classe II dessas células. A síndrome febril da dengue provavelmente depende da liberação dessas substâncias, sendo as mais importantes o TNF-alfa e a IL-6. A resposta imunológica começa a surgir já na primeira semana de doença. Tanto a imunidade humoral quanto a celular participam do controle da infecção. Os linfócitos T CD8+ citotóxicos são capazes de destruir as células infectadas pelo vírus, por intermédio da ação de anticorpos específicos (citotoxicidade anticorpo- dependente). Os vírus também podem ser neutralizados diretamente pelos anticorpos. A partir do sexto dia de doença, o IgM anti-dengue começa a ser detectado, atingindo o pico no final da primeira semana e persistindo no soro por alguns meses. Os anticorpos da classe IgG surgem na primeira semana e atingem o pico no final da segunda semana, mantendo-se positivos por vários anos e conferindo imunidade sorotipo-específica, provavelmente por toda a vida. • Forma grave Na primeira infecção, o sistema imune do paciente produz anticorpos neutralizantes contra o primeiro sorotipo (ex.: sorotipo 1), denominados anticorpos homólogos, que provavelmente permanecerão por toda a vida do indivíduo. Estes anticorpos também oferecem proteção contra outros sorotipos (imunidade cruzada ou heteróloga), porém de curta duração (meses a poucos anos). Se o mesmo indivíduo for infectado anos mais tarde por um sorotipo diferente (infecção secundária), por exemplo, o sorotipo 2, aqueles anticorpos não serão mais capazes de neutralizá-lo. Para o novo sorotipo, eles serão considerados anticorpos heterólogos, de caráter “subneutralizante”. Aí está a base para a principal teoria patogênica da dengue grave – a teoria de Halstead! • Teoria de Halstead: A ligação de anticorpos heterólogos ao novo sorotipo de vírus da dengue (sem neutralizá-lo) facilitaria a penetração do vírus nos macrófagos, por mecanismo de opsonização. Ou seja, uma quantidade muito maior de vírus ganharia o interior dos fagócitos, onde podem se proliferar em larga escala, aumentando a viremia e estimulando a produção de uma “tempestade” de citocinas (TNF-alfa, IL- 6), além de proteases ativadoras do sistema complemento e tromboplastina (fator pró- coagulante). Linfócitos T helper CD4+ específicos para o vírus secretam IFN-gama, que age sobre os macrófagos infectados, potencializando a internalização viral e a expressão de moléculas do HLA classe II em sua membrana que, por sua vez, ativa mais linfócitos T helper CD4+ específicos – um mecanismo de retroalimentação positiva. Referência: MedCurso 2022 - Principais Síndromes Febris - Infectologia. BRUNA REIS E DÁLETE GUÍMEL – 5º SEMESTRE 3 Quadro Clínico Cerca de 75% doscasos de dengue são assintomáticos. Os pacientes que desenvolvem sintomas podem apresentar desde quadros leves até casos graves. Podemos dividir a doença em três fases: febril, crítica e de recuperação. • Fase Febril É nessa fase que os sintomas clássicos da dengue aparecem, sendo consequência da resposta inflamatória sistêmica à viremia. Caracteriza-se pelo início súbito de febre elevada (acima de 39 oC), associada à prostração, cefaléia retro-orbitária, mialgia e artralgia. É uma doença que causa sintomas tão intensos que é chamada popularmente de “febre quebra ossos”. Manifestações gastrointestinais como náuseas, vômitos e diarreia também são comuns. É comum nessa fase o surgimento de exantema maculopapular difuso, que pode acometer face, tronco e membros (incluindo regiões palmar e plantar), sendo pruriginoso ou não. Alguns pacientes desenvolvem o exantema ao final do período febril. Com exceção do exantema petequial (manifestação hemorrágica), sua presença é comum e não indica gravidade. A fase febril dura aproximadamente 2 a 7 dias, e a recuperação ocorre gradualmente na maioria dos casos. • Fase Crítica A fase crítica é crucial para o entendimento dos casos graves da dengue. Essa fase ocorre após a fase febril. Quando a febre melhora, duas coisas podem acontecer: ou o paciente se recupera, ou entra na fase crítica. Na fase crítica, ocorre o mecanismo mais significativo da fisiopatologia da dengue: a disfunção endotelial com aumento da permeabilidade vascular. Qual é o principal mecanismo fisiopatológico envolvido na fase crítica da dengue? O aumento da permeabilidade vascular resulta no extravasamento do plasma do intravascular para o espaço extravascular. A redução do volume plasmático pode resultar em choque por hipovolemia (e não por hemorragia). O extravasamento plasmático pode ser evidenciado pela hemoconcentração (elevação do valor do hematócrito), presença de derrames cavitários (ascite, derrame pleural ou pericárdico) ou redução dos níveis séricos de albumina. Atenção! Choque é a principal causa de óbito por dengue. Resulta diretamente do extravasamento plasmático. É mais comum entre o quarto e o quinto dias após o início da doença, logo após a redução da febre. Tem como característica a rápida evolução, podendo levar ao óbito em poucas horas, ou ser controlado rapidamente, caso a terapia adequada seja instituída. Portanto, o principal mecanismo do choque na dengue não é hemorrágico, mas sim hipovolêmico (devido ao extravasamento plasmático). Outra manifestação possível de casos graves de dengue é a ocorrência de sangramentos, que podem surgir devido à disfunção endotelial, trombocitopenia e/ou coagulopatia de consumo. BRUNA REIS E DÁLETE GUÍMEL – 5º SEMESTRE 4 • Fase de recuperação Nesta fase, que surge cerca de 24 a 48 horas após a fase crítica, ocorre a reabsorção do plasma extravasado na fase anterior. O paciente apresenta melhora gradual do quadro clínico, com redução progressiva dos sintomas. Referência: Dengue, Zika e Chikungunya- Estratégia med- Prof. Sérgio Beduschi. Classificação da Dengue Diagnóstico Há duas maneiras de identificar laboratorialmente a infecção por dengue: por meio da detecção do vírus ou de anticorpos. A viremia dura até o quinto dia de sintomas e os anticorpos tornam-se detectáveis a partir do sexto dia de doença. Com base nessas informações, fica fácil entender o momento ideal para coleta de cada exame. • Detecção Viral Exames que detectam o vírus devem utilizar amostras coletadas até o quinto dia de sintomas. Os mais utilizados são: pesquisa de antígeno NS1 e RT-PCR. É importante que você saiba que o teste rápido para dengue utiliza a metodologia de pesquisa de antígeno NS1. • Exames Laboratoriais O hemograma de pacientes com dengue apresenta tipicamente leucopenia, linfopenia e plaquetopenia. Em casos mais graves, há aumento do hematócrito, devido à hemoconcentração. Atenção1 dentre as arboviroses, dengue é a que mais frequentemente causa plaquetopenia. Prova do laço A prova do laço deve ser realizada em todo paciente com suspeita de dengue e que não apresente sangramento espontâneo. Sua função é detectar a presença de fragilidade capilar e auxiliar na classificação de risco. Atenção: a prova do laço não é um teste diagnóstico para dengue, mas sim uma ferramenta para identificar pacientes com maior risco de evoluir para dengue com sinais de alarme ou gravidade. Para realizar a prova do laço, siga os passos abaixo: BRUNA REIS E DÁLETE GUÍMEL – 5º SEMESTRE 5 1) Verificar a pressão arterial sistólica (PAS) e diastólica (PAD) e calcular o valor médio pela fórmula: (PAS + PAD)/2. Atenção: note que aqui não é empregada a fórmula da pressão arterial média (PAM). A fórmula da PAM (muito utilizada em terapia intensiva) é diferente: PAS + (PADx2)/3. 2) Desenhar um quadrado com 2,5 cm de lado na face anterior do antebraço em que será realizado o teste. 3) Insuflar o manguito até o valor médio (encontrado no passo número 1) e manter durante cinco minutos em adultos ou três minutos em crianças. 3) Contar o número de petéquias formadas no interior do quadrado desenhado no passo número 2. A prova será positiva se houver 20 ou mais petéquias em adultos e 10 ou mais em crianças. Quando positiva, o paciente passa a ser do grupo B da dengue. Referência: Dengue, Zika e Chikungunya- Estratégia med- Prof. Sérgio Beduschi. Manejo e tratamento MAIOR NO FINAL Referência: Dengue - Classificação de Risco e Manejo do paciente - Ministério da Saúde. Medicações não recomendadas Anti-inflamatórios não esteroidais e ácido acetilsalicílico (AAS) são contraindicados, pois podem desencadear ou acentuar sangramentos. Além disso, o uso de AAS em pacientes com dengue está relacionado à síndrome de Reye. A homeopatia não é recomendada pelo Ministério da Saúde nem como terapia nem como profilaxia para a dengue. Referência: Dengue, Zika e Chikungunya- Estratégia med- Prof. Sérgio Beduschi. Prevenção A principal medida para quebrar a cadeia de transmissão da dengue é o controle de seu mosquito transmissor, que no Brasil é o Aedes aegypti. Este controle deve ser feito por ações individuais e coletivas, fomentadas pelos governos. As medidas individuais são as mais importantes, BRUNA REIS E DÁLETE GUÍMEL – 5º SEMESTRE 6 e consistem na erradicação dos criadouros peridomiciliares do vetor (qualquer coleção de água parada ou objeto que possa coletar água da chuva). A educação de toda a população, por agentes de saúde e através dos meios de comunicação, é essencial. A implantação do Programa de Erradicação do Aedes aegypti resultou num fortalecimento das ações de combate ao vetor, com significativo aumento dos recursos utilizados nessa atividade, mas ainda com as ações de prevenção centradas quase que exclusivamente no uso de inseticidas ambientais (UBV ou ultrabaixo volume). Tal estratégia, comum aos programas de controle de doenças transmitidas por vetor em todo o mundo, conquanto importante, mostrou-se absolutamente incapaz de, sozinha, responder à complexidade epidemiológica de uma doença como a dengue! • Vacinação Uma vacina contra a dengue já foi licenciada em alguns países, incluindo o Brasil (ainda não disponível na rede pública). Trata-se da Dengvaxia®, uma vacina de vírus vivo recombinante atenuado que confere proteção contra os quatro sorotipos conhecidos do vírus da dengue. O vírus utilizado na vacina na realidade é uma cepa enfraquecida do vírus da febre amarela (cepa 17D), a qual é geneticamente modificada para expressar antígenos de todos os sorotipos do DENV. A vacina está indicada para pacientes com idade entre 9-45 anos, e seu esquema posológico consiste de três doses subcutâneas, com intervalo de seis meses entre cada dose (0, 6-12 meses). Referência: Referência: MedCurso 2022 - Principais Síndromes Febris - Infectologia.Zika Zika é uma infecção que chegou ao Brasil mais recentemente do que as outras arboviroses: foi detectada transmissão autóctone pela primeira vez em 2015. Suas manifestações clínicas costumam ser mais brandas do que as das outras arboviroses. No entanto há uma característica muito marcante dessa doença: o risco de malformação fetal. Epidemiologia Com relação aos dados de zika, ocorreram 323 casos prováveis até a semana epidemiológica (2/1/2022 a 12/2/2022), correspondendo a uma taxa de incidência de 0,15 casos por 100 mil hab. no País. Em relação a 2021, os dados representam uma diminuição de 38,1% no número de casos do País. Referência: Boletim Epidemiológico - Secretaria de Vigilância em Saúde, MS 2022. Etiologias O vírus da zica (ZIKV), como os vírus que causam dengue, febre amarela, e doença chicungunha, é transmitido por mosquitos Aedes, que se reproduzem em áreas com água parada. Esses mosquitos preferem picar as pessoas e viver perto delas em ambientes internos e externos; eles picam agressivamente durante o dia. Eles também picam à noite. Os principais vetores são A. aegypti e A. albopictus. Nos EUA, o A. aegypti está restrito a uma região que se estende do extremo sul ao longo da fronteira EUA- México até o sul da Califórnia. O A. albopictus, que se adapta melhor aos climas mais frios, está presente em grande parte do sudeste até o Meio-Oeste e sul da Califórnia. Considera-se o A. aegypti o principal vetor para infecção epidêmica pelo vírus da zica; considera-se que o A. albopictus é um vetor secundário da epidemia de infecção pelo vírus da zica nos trópicos, mas não está claro se isso também acontece no clima mais temperado dos EUA. Referência: Infecções pelo vírus da zica (ZIKV)- ManualMSD. Transmissão Durante a primeira semana da infecção, o vírus da zica está presente no sangue. Os mosquitos podem adquirir o vírus quando eles picam as pessoas infectadas; os mosquitos podem transmitir o vírus a outras pessoas por meio de picadas. Viajantes de áreas de transmissão contínua do vírus da zica podem ter o vírus da zica no sangue quando voltam para casa e, se os mosquitos vetores existirem localmente, a transmissão do vírus da zica lá é possível. Mas como o contato entre mosquitos Aedes e pessoas não é frequente na maioria dos EUA continental e no Havaí (por causa do controle de BRUNA REIS E DÁLETE GUÍMEL – 5º SEMESTRE 7 mosquitos e porque as pessoas vivem e trabalham em ambientes com ar-condicionado e protegidos com tela), espera-se que transmissão local do vírus da zica seja rara e limitada. Embora o vírus da zica seja principalmente transmitido por mosquitos, outros modos de transmissão são possíveis. Incluem: • Transmissão sexual; • Transmissão por transfusão sanguínea; • Transmissão por transplante de órgãos ou tecidos (teoricamente); • Transmissão intrauterina da mãe para o feto, resultando em infecção congênita; • Transmissão de uma mãe infectada ao seu lactente através do leite materno. O vírus da zica é encontrado no sêmen e pode ser transmitido pelos homens para suas parceiras em relações sexuais, incluindo sexo vaginal e anal e provavelmente sexo oral (felação), mesmo quando os homens não apresentam sintomas. O vírus da zica persiste no sêmen por muito mais tempo do que no sangue, nas secreções vaginais e outros líquidos fisiológicos. Tanto a transmissão do homem para mulher como de homem para homem durante atividade sexual desprotegida (sem preservativo) ocorreu. O vírus da zica também pode ser transmitido por homens ou mulheres para seus parceiros sexuais quando acessórios sexuais são compartilhados, mesmo quando as pessoas infectadas não apresentam sintomas. O vírus da zica também persiste nas secreções vaginais depois que desaparece do sangue e da urina; a transmissão sexual de mulher para homem da infecção pelo vírus da zica foi descrita. Estudo recente na Guatemala relatou disseminação de RNA viral nas secreções vaginais de forma intermitente por até 6 meses. Entretanto, a detecção do RNA viral não comprova a presença do vírus infeccioso. Foi relatada transmissão por hemotransfusão no Brasil; mas, no momento, nenhum caso de transmissão por hemotransfusão foi confirmado nos EUA. O vírus da zica, como os vírus que causam dengue, doença chicungunha, febre do Nilo Ocidental e febre amarela, pode ser transmitido da mãe para o feto durante a gestação. O vírus da zica, como os vírus que causam dengue e vírus do Nilo Ocidental, pode ser transmitido pelo leite materno. Mas não houve relatos de transmissão do vírus da zica por aleitamento materno e como o aleitamento tem muitos benefícios, os CDC incentivam as mães a amamentar mesmo nas regiões onde a transmissão do vírus da zica é contínua Referência: CDC media statement: First female-to-male sexual transmission of Zika virus infection reported in New York City. July 2016. Fisiopatologia A predileção do vírus da zika pelo sistema nervoso parece cada vez mais evidente. Existem, até o momento, escassas informações sobre a patogênese do vírus zika. Sabe-se, porém, que os flavivírus replicam-se inicialmente nas células dendríticas e no citoplasma dos fibroblastos e queratinócitos da epiderme e derme, dispersando-se posteriormente para os nodos linfáticos e para a corrente sanguínea. O vírus tem tropismo pelo sistema nervoso central, sendo considerado de alto risco em gestantes nos primeiros 3 meses de gravidez (primeiro trimestre), momento em que o feto está sendo formado. O risco parece existir também, porém em menor grau, quando a virose é adquirida no segundo trimestre de gestação. Aparentemente, a partir do terceiro trimestre, o risco de microcefalia é baixo, pois o feto já está completamente formado. Mesmo assim, o vírus pode levar a alterações ao feto mesmo com infecções no terceiro trimestre da gestação. Há muita discussão sobre os efeitos que podem ocorrer ao feto durante a gestação. Da mesma forma, as questões cobram a definição de Perímetro Cefálico (PC) para diagnóstico de microcefalia. O Quadro a seguir mostra as principais características da zika na gestação. BRUNA REIS E DÁLETE GUÍMEL – 5º SEMESTRE 8 Referência: Dengue, Zika e Chikungunya - Medcel 2022 -Durval Alex Gomes e Carolina Lázari. Quadro Clínico Diferentemente das outras arboviroses, a febre não é um sintoma tão significativo em casos de zika. Nessa doença, a febre pode ser de baixa intensidade ou mesmo ausente. O principal sintoma de zika é o exantema, que geralmente surge logo no início do quadro. O acometimento cutâneo é tão importante nessa doença que o Ministério da Saúde define caso suspeito de zika da seguinte forma: Paciente com exantema maculopapular pruriginoso que apresenta ao menos um dos sinais e sintomas a seguir: • Febre; • Hiperemia conjuntival ou conjuntivite (não purulenta); • Artralgia; • Edema periarticular. O quadro clínico usualmente é menos intenso e limitante quando comparado aos de dengue e de chikungunya. A febre de zika é geralmente baixa (inferior a 38,5 °C) e com duração entre 2 e 7 dias. Mialgia e artralgia (leve a moderada) podem fazer parte do quadro. Discreto edema periarticular é frequente. O acometimento conjuntival não purulento ocorre em cerca de 50 a 90% dos casos. Complicações O vírus zika é neurotrópico. Por isso, a maioria das complicações de zika envolve o acometimento de células neuronais. Outras complicações neurológicas também já foram descritas em pacientes com zika, como: meningoencefalite, mielite e paralisia facial. Também já foi descrito acometimento ocular que vai além da conjuntivite, como iridociclite e coriorretinite. Referência: Dengue, Zika e Chikungunya- Estratégia med- Prof. Sérgio Beduschi. Diagnóstico O diagnóstico de infecção por zika não foge à regra das outras arboviroses: são utilizados métodos de detecção do vírus ou de anticorpos. A viremia de zika dura em torno de 5 dias, períodoem que o RT-PCR é capaz de identificar o vírus em sangue. Contudo há um detalhe a ser destacado: o material genético do vírus também pode ser detectado em urina até o 15º dia de sintomas. Obs! O período para detecção dos anticorpos IgM é o mesmo para dengue, chikungunya e zika: sempre a partir do 6º dia de sintomas. A sorologia para zika pode apresentar reação cruzada com anticorpos de dengue, febre amarela, febre do Nilo Ocidental ou vacina para febre amarela e encefalite japonesa. A testagem para zika é prioritária para as seguintes situações: • Suspeita de casos em áreas onde não há circulação viral conhecida; • Casos suspeitos com manifestações neurológicas ou óbito; • Casos suspeitos em gestantes, idosos, recém- nascidos e crianças. O fluxograma abaixo demonstra os passos para o diagnóstico dessa arbovirose: BRUNA REIS E DÁLETE GUÍMEL – 5º SEMESTRE 9 Referência: Dengue, Zika e Chikungunya- Estratégia med- Prof. Sérgio Beduschi. Tratamento O tratamento de infecção pelo vírus zika é pautado no uso de medicamentos sintomáticos, repouso e hidratação. Como um dos diagnósticos diferenciais de zika é dengue, recomenda-se que o manejo de pacientes com suspeita de zika siga as orientações da classificação de risco de dengue (de acordo com os grupos A, B, C e D). Assim como na dengue e na fase aguda de chikungunya, não se recomenda o uso de anti-inflamatórios não esteroidais ou de ácido acetilsalicílico (AAS). Referência: Dengue, Zika e Chikungunya- Estratégia med- Prof. Sérgio Beduschi. Chikungunya A febre de Chikungunya é uma doença de notificação compulsória. Esta notificação deve ser semanal, exceto nos casos de óbito, manifestações “atípicas” ou ocorrência em área não endêmica, quando a notificação passa a ser imediata (em até 24h)! Epidemiologia O vírus foi descrito pela primeira vez em 1952, na Tanzânia (África Ocidental), sendo uma doença primariamente endêmica naquela região. Nos anos subsequentes, surtos eventuais e autolimitados foram descritos em outras regiões africanas e no sudeste asiático. No entanto, de 2004 em diante, observa-se uma expansão geográfica extremamente ampla dessa arbovirose. Tudo começou com uma epidemia maciça em algumas ilhas do oceano índico (Lamu, Reunião e Comoro – onde quase 100% da população se infectou). Na sequência, a doença se espalhou rapidamente pela Índia e pela Ásia, aparecendo de forma transitória na Itália e na França (nestes locais o surto foi espontaneamente interrompido com a chegada do inverno europeu, uma época do ano em que a densidade populacional do vetor diminui). Sem muita surpresa, a partir de 2013 o CHIKV se estabeleceu nas Américas, e agora faz parte do rol de “doenças tropicais” que ameaçam a população brasileira. Já foi descrita a transmissão autóctone da doença em todos os Estados da Federação. Até setembro de 2022 ocorreram 162.407 casos prováveis de chikungunya (taxa de incidência de 76,1 casos por 100 mil hab.) no Brasil. Em comparação com o ano de 2019, houve aumento de 35,8% de casos registrados para o mesmo período analisado. Quando comparado com o ano de 2021, ocorreu um aumento de 89,4% casos até a respectiva semana. Para o ano de 2022, a Região Nordeste apresentou a maior incidência (243,7 casos/100 mil hab.), seguida das Regiões Centro-Oeste (34,2 casos/100 mil hab.) e Norte (25,3 casos/100 mil hab.). Referência: MedCurso 2022 - Principais Síndromes Febris - Infectologia/Boletim Epidemiológico - Set. 2022 - Ministério da Saúde. Etiologia e Transmissão O Chikungunya (CHIKV) é um arbovírus de RNA fita única pertencente ao gênero Alphavirus, da família Togaviridae. Em nosso meio, seus principais vetores são os mesmos mosquitos que transmitem a dengue: Ae. aegypti e Ae. albopictus. No entanto, particularmente no continente africano, outras espécies de Aedes e outros tipos de mosquito também podem estar envolvidos em sua transmissão, como espécies dos gêneros Culex, Mansonia e Anopheles, por exemplo. Em seu ciclo natural o homem é o hospedeiro definitivo, enquanto os primatas não humanos e outros vertebrados como roedores, pássaros BRUNA REIS E DÁLETE GUÍMEL – 5º SEMESTRE 10 e pequenos mamíferos representam hospedeiros intermediários. No meio urbano, o vetor transmite a doença de pessoa a pessoa, sem precisar do hospedeiro intermediário. Referência: MedCurso 2022 - Principais Síndromes Febris - Infectologia. Fisiopatologia O vírus Chikungunya é introduzido na pele humana e na corrente sanguínea através de uma picada de mosquito. A replicação viral ocorre nos fibroblastos dérmicos e depois na corrente sanguínea: • O vírus invade e replica diretamente nas articulações e nos músculos. • ↑ das citocinas pró-inflamatórias e células inflamatórias. A disseminação e invasão de outros órgãos pode ocorrer: • Fígado (células endoteliais); • Cérebro (células endoteliais e epiteliais); • Tecido linfóide (gânglios linfáticos e baço). A doença articular crônica é observada em até 60% dos doentes e causada por: • Replicação viral persistente; • Resposta imune contínua ao RNA remanescente; • Autoimunidade. Quadro Clínico O período de incubação varia de 1 a 12 dias (média de 3 a 7 dias). A fase aguda é marcada pelo início abrupto de febre alta (> 38,5ºC), que dura no máximo dez dias (média de sete dias). Por volta do 2º ao 5º dia sobrevém um quadro de intensa poliartralgia, que predomina em mãos, punhos e tornozelos. O acometimento tende a ser simétrico e distal, e em 30-50% das vezes o esqueleto axial também é envolvido. O exame físico costuma revelar edema periarticular (30-95% dos casos), sendo os derrames sinoviais volumosos menos frequentes (cerca de 15% apenas). A dor articular associada à Chikungunya pode ser intensa e incapacitante! Queixas gastrointestinais e linfadenopatia (principalmente cervical) são outras manifestações que podem ser encontradas. Um rash eritematoso maculopapular aparece em 40-75% dos pacientes, iniciando-se por volta do 3º dia e durando entre três a sete dias. Pode haver prurido e formação de bolhas (principalmente em crianças). Após o término da fase aguda febril é comum a persistência de queixas articulares (fase subaguda), como rigidez matinal, dor e edema, geralmente nas mesmas articulações anteriormente afetadas! Este quadro pode ter um curso contínuo ou intermitente, e pode ser acompanhado por tenossinovite hipertrófica (ex.: que no punho complica com a síndrome do túnel do carpo). A duração é variável, com a maioria dos casos regredindo em até três meses. Uma pequena parcela experimenta poliartralgia/artrite por > 3 meses, entrando na fase crônica da doença. Estes pacientes podem evoluir com deformidades (artropatia crônica destrutiva), semelhante à artrite reumatóide ou artrite psoriásica, mas a maioria se recupera sem sequelas. Cerca de 20% desenvolvem o fenômeno de Raynaud, que aparece no segundo ou terceiro mês após a fase aguda. Outras queixas descritas na fase crônica são: fadiga, cefaléia, prurido, alopecia, dor neuropática, alterações cerebelares, distúrbios do sono, déficit de atenção e memória, depressão e turvação visual. A fase crônica pode durar de três a seis anos! Os principais fatores de risco relacionados a uma evolução crônica (> 3 meses de duração) são: • Idade > 45 anos; • Doença articular prévia; • Maior intensidade dos sintomas na fase aguda. Complicações Nervoso: Meningoencefalite, encefalopatia, convulsão, síndrome de Guillain-Barré, síndrome cerebelar, paresias, paralisias e neuropatias. Olhos: Neurite óptica, iridociclite, episclerite, retinite e uveíte. Cardiovascular: Miocardite, pericardite, insuficiência cardíaca, arritmia e instabilidade hemodinâmica. BRUNA REIS E DÁLETE GUÍMEL – 5º SEMESTRE 11 Pele: Hiperpigmentação por fotossensibilidade, dermatoses vesiculobolhosas e ulcerações aftosa-like. Rins: Nefrite e insuficiência renal aguda.Outros: Discrasia sanguínea, pneumonia, insuficiência respiratória, hepatite, pancreatite, síndrome da secreção inapropriada do hormônio antidiurético e insuficiência adrenal. Referência: Chikungunya - Ministério da Saúde. Diagnóstico O diagnóstico de chikungunya pode ser feito por meio de detecção de material genético por RT-PCR enquanto dura a viremia (até o oitavo dia) ou através de método sorológico (ELISA) para detecção de anticorpos (a partir do sexto dia). Referência: Arboviroses - Estratégia Med. Tratamento O tratamento da febre chikungunya fundamenta-se em repouso, hidratação e uso de medicamentos para controle dos sintomas. Os medicamentos indicados variam de acordo com a fase da doença. FASE AGUDA Pacientes na fase aguda devem ser tratados com analgésicos comuns (dipirona e/ou paracetamol). Se apenas um dos analgésicos não for o suficiente, os dois podem ser administrados de forma intercalada. Se ainda assim o controle da dor não for adequado, há indicação de opióides (tramadol, codeína ou oxicodona). A intensidade da dor deve ser avaliada segundo a escala visual analógica (EVA). Anti-inflamatórios não esteroidais não devem ser utilizados na fase aguda devido ao risco de sangramento e lesão renal. Ácido acetilsalicílico (AAS) também é contraindicado, assim como em casos de dengue, pelo risco de sangramento ou síndrome de Reye. Outra classe que não deve ser empregada na fase aguda é a dos corticosteróides. FASE SUBAGUDA É recomendado o uso de anti-inflamatórios não esteroidais, como ibuprofeno ou naproxeno. Se a resposta não for adequada, utiliza-se corticosteróide em dose anti-inflamatória (prednisona 0,5 mg/kg/dia ou outro em dose equivalente). FASE CRÔNICA O foco do tratamento da fase crônica é o controle da inflamação. Para isso, é recomendado o uso de anti- inflamatórios e/ou imunomoduladores. O tratamento deve ser realizado de forma escalonada, conforme o esquema a seguir. Referência: Arboviroses - Estratégia Med. BRUNA REIS E DÁLETE GUÍMEL – 5º SEMESTRE 12 BRUNA REIS E DÁLETE GUÍMEL – 5º SEMESTRE 13