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Rousseau e Condillac: um debate sobre a razão dos animais 1
 Rousseau et Condillac: un débat sur la raison des animaux 
 Gabriel Von Prata Lazaro 2
 Resumo : O presente trabalho tem por objetivo analisar a diferença entre os seres 
 humanos e os outros animais segundo o pensamento de Rousseau e o pensamento de 
 Condillac. Para tanto, aborda-se as considerações dos autores a respeito das atividades 
 protagonistas da inteligência dos animais. De acordo com Condillac, comenta-se a 
 importância da utilização dos signos de instituição para a atividade da razão, capaz de 
 comparar e analisar, bem como o que isso diz sobre a inteligência animal. A partir desta 
 perspectiva, analisa-se a posição de Rousseau, a respeito da razão que opera em função 
 da perfectibilidade e da liberdade, a fim de concluir de que forma os autores concordam 
 e discordam sobre a distinção entre os seres humanos e os outros animais. 
 Palavras-Chave : Rousseau; Condillac; Razão. 
 Résumé : Ce travail vise à analyser la différence entre les êtres humains et les autres 
 animaux selon la pensée de Rousseau et celle de Condillac. Par conséquent, les 
 considérations des auteurs à propos des activités protagonistes de l'intelligence des 
 animaux sont abordées. Selon Condillac, on commentait l'importance d'utiliser des 
 signes institutionnels pour l'activité de la raison, capable de comparer et d'analyser, ainsi 
 que ce que cela dit de l'intelligence animale. Dans cette perspective, la position de 
 Rousseau est analysée dans ce qui concerne la raison qui opère en fonction de la 
 perfectibilité et de la liberté. Dans la conclusion, on verra comment les auteurs sont 
 d'accord et en désaccord sur la distinction entre les êtres humains et les autres animaux. 
 Mots-clés : Rousseau ; Condillac; Raison. 
 *** 
 Introdução 
 Os autores iluministas possuem certos objetivos em comum. Basta olhar para os 
 títulos de diversos trabalhos publicados neste período. Locke escreve o Ensaio acerca 
 do entendimento humano (1690), Berkeley escreve o Tratado sobre os Princípios do 
 2 Graduando em Filosofia pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - Campus 
 Marília. E-mail: von.prata@unesp.br . Agradeço vivamente à FAPESP [Protocolo - 2020/04674-0] por 
 financiar minha pesquisa. 
 1 O presente subtítulo, mais do que fazer referência aos pensamentos de Rousseau e Condillac, faz 
 referência ao título da seção IX da Investigação Acerca do Entendimento Humano de Hume denominada 
 Da razão dos animais . A analogia estabelece-se a partir do fato de que Hume intitula sua seção com a 
 ideia de que os animais possuem razão, coisa que não se comprova ao longo da leitura desta seção. Os 
 animais para Hume possuem instinto, não razão, tal como os autores aqui analisados. Assim, tal como o 
 texto de Hume, o presente trabalho pretende apresentar o debate sobre a possibilidade da atividade da 
 razão nos animais não humanos, mas não pretende — com esse subtítulo — defender que para Condillac 
 e para Rousseau os animais possuem razão. Cabe analisar, então, quais são os argumentos levantados por 
 Rousseau e Condillac para defender essa ideia. 
mailto:von.prata@unesp.br
 Rousseau e Condillac 
 Conhecimento Humano (1710), Condillac publica o Ensaio sobre a origem dos 
 conhecimentos humanos (1746) e Hume publica a Investigação Acerca do 
 Entendimento Humano (1748). A questão da origem e os limites do conhecimento 
 humano e da sociedade está à tona. Isso se reflete de forma parecida nos autores 
 contratualistas. Busca-se, entre eles, descrever a origem da sociedade a partir das 
 hipóteses sobre o estado de natureza. E com isso, servem-se também de uma análise da 
 própria natureza humana, protagonista desta criação. 
 Além do encontro de ideias, muitos destes filósofos tiveram contato entre si, seja 
 pessoalmente, seja através de cartas. D’Alembert era primo de Condillac. Hume, deixa 
 sua herança para D'Alembert que foi por certo tempo, amigo íntimo de Rousseau, o qual 
 foge para Inglaterra por intermédio de Hume. O presente artigo pretende explorar essas 
 intersecções, notadamente entre o pensamento de Rousseau e Condillac. Ambos tiveram 
 contato em Paris e é o próprio Rousseau que apresenta Condillac a Diderot, como está 
 relatado em suas Confissões (ROUSSEAU, 2018, p. 328). Mas, mais do que contatos 
 biográficos, o que nos interessa são as intersecções teóricas. 
 Dentre tantos assuntos, o presente trabalho busca explorar a relação acerca de 
 um tema pouco explorado no Brasil: a razão dos animais . De um lado, isso quer dizer 3
 tanto o que o ser humano tem em comum com os animais, quanto em que parte ele se 
 distingue do resto dos animais segundo Rousseau e Condillac. Esse debate pode ser 
 iniciado pela consideração em comum que estes autores compartilham a respeito da 
 origem das ideias, bem como seus desenvolvimentos segundo as necessidades de cada 
 indivíduo ou animal. 
 No presente artigo, investiga-se de que forma as operações dos animais não 
 humanos são limitadas se comparadas com as operações humanas. Ver-se-á de que 
 forma as teorias de Rousseau e Condillac interagem, concordando entre si, mas também 
 discordando sobre pontos cruciais. Este trabalho não tem um objetivo historiográfico de 
 defender qual autor influenciou o outro em determinado ponto. Apoia-se apenas nos já 
 consagrados comentadores que consideram que Rousseau foi amplamente influenciado 
 3 Tema, aliás, que Hume dedica uma seção inteira na Investigação Acerca do Entendimento Humano , mas 
 que não será abordado no presente artigo (HUME, 1999, p. 106-109). 
 Vol. 16, 2021 
 www.marilia.unesp.br/filogenese 187 
http://www.marilia.unesp.br/filogenese
 Rousseau e Condillac 
 por Condillac, como mostra, para citar um exemplo, Jean Morel em seu artigo 
 Recherches sur les sources du Discours de l’Inégalité (1909) . 4
 Desta forma, analisar-se-á de que forma Condillac evidencia a diferença entre as 
 atividades do entendimento humano, em função das atividades espontâneas dos animais. 
 Em um segundo momento, o presente artigo analisará a perspectiva de Rousseau a 
 respeito desta diferença. Rousseau admite as considerações de Condillac, mas, para ele, 
 a diferença entre os seres humanos e os outros animais é anterior à própria atividade da 
 razão. A esse respeito, analisar-se-á a perspectiva de Rousseau a respeito da 
 perfectibilidade, da liberdade e o papel da razão atualizada em função da diferença entre 
 os seres humanos e os outros animais. 
 Rousseau e Condillac: a origem das ideias 
 Rousseau escreve no início do Ensaio sobre a origem das línguas : 
 A palavra distingue os homens entre os animais; a linguagem, as nações entre 
 si - não se sabe de onde é um homem antes de ter ele falado. O uso e a 
 necessidade levam cada um a aprender a língua de seu país, mas o que faz ser 
 essa língua a de seu país e não a de um outro? A fim de explicar tal fato, 
 precisamos reportar-nos a algum motivo que se prenda ao lugar e seja 
 anterior aos nossos próprios costumes, pois, sendo a palavra a primeira 
 instituiçãosocial, só a causas naturais deve a sua forma (ROUSSEAU, 
 1973A, p. 165). 
 É possível relacionar este trecho do Ensaio , com as considerações do Discurso 
 sobre a desigualdade . Rousseau escreve que “todo animal tem idéias, posto que tem 
 sentidos; chega mesmo a combinar suas idéias até certo ponto e o homem, a esse 
 respeito, só se diferencia da besta pela intensidade” (ROUSSEAU, 1973B, 249). Assim, 
 é possível pensar que a palavra é o fenômeno que expressa essa maior profundidade de 
 combinação de ideias por parte dos seres humanos. Isto é, os animais têm ideias, mas 
 não seriam capazes de transformar estas ideias em linguagem. Neste caso, é necessário 
 verificar a relação entre ter uma ideia e a possibilidade da atividade da linguagem a fim 
 de compreender a posição de Rousseau a respeito da atividade “psicológica” dos 
 animais. Para analisar essa relação, é interessante, por sua vez, analisar as considerações 
 4 Além disso, claro, a partir das próprias palavras de Rousseau: “Mas, de acordo com o modo pelo qual 
 esse filósofo [Condillac] resolve as dificuldades, que apresenta a si mesmo, sobre a origem dos sinais 
 instituídos, mostrando dar por suposto o que coloco como problema — a saber: uma espécie de sociedade 
 já estabelecida entre os inventores da língua —, creio, voltando às suas reflexões, dever juntar-lhes as 
 minhas, para expor as mesmas dificuldades à luz mais conveniente a meu assunto.” (1973B, p. 252). 
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 Rousseau e Condillac 
 de Condillac, pois ele apresenta justamente uma explicação sobre o vínculo entre as 
 ideias e a linguagem. 
 Para Condillac, no Resumo Selecionado do Tratado das Sensações , “[...] todas as 
 nossas faculdades vêm dos sentidos, ou para falar mais exatamente, das sensações: 
 porque, na verdade, os sentidos não são senão causa ocasional ” (CONDILLAC, 1979A, 5
 p. 45). Desta forma, todas as faculdades são resultado dos sentidos. Tais considerações, 
 que evidenciam o sensualismo de Condillac, ficam mais compreensíveis se nos 
 reportarmos a uma outra obra sua: A Lógica ou os primeiros desenvolvimentos da arte 
 de pensar . Nesta obra Condillac escreve que “as sensações consideradas como 
 representando objetos sensíveis, denomina-se idéias , expressão figurada que no sentido 
 próprio significa a mesma coisa que imagens ” (CONDILLAC, 1979B, p. 72). As ideias, 
 para Condillac, nada mais são senão a representação mental daquilo que é captado pelos 
 sentidos. No Traité des Animaux isso também é evidenciado: “A faculdade de sentir é a 
 primeira de todas as faculdades da alma; é mesmo a única origem das outras [...]” 6
 (CONDILLAC, 2000, p. 196, tradução nossa). 
 Isto posto, é possível perguntar: todas aquelas criaturas que são capazes de 
 perceber o mundo através de seus sentidos estão aptas, em alguma medida, a ter ideias? 
 A resposta desta questão se faz profícua para explicar as considerações de Rousseau a 
 respeito da capacidade de projetar ideias, seja para os seres humanos, seja para os outros 
 animais. Isso poderia evidenciar um vínculo entre Rousseau e Condillac e dar sentido a 
 afirmação já citada: “todo animal tem ideias, posto que tem sentidos [...]” 
 (ROUSSEAU, 1973B, 249). 
 6 “La faculté de sentir est la première de toutes les facultés de l’âme ; elle est même la seule origine des 
 autres [...]”. 
 5 No Ensaio sobre a origem dos conhecimentos humanos , Condillac apresenta também essa reflexão; 
 “Sendo a alma distinta do corpo e diferente dele, este não pode ser senão causa ocasional. Do que se 
 conclui que apenas ocasionalmente é que nossos sentidos são a fonte de nossos conhecimentos. Mas o que 
 se faz por ocasião de uma coisa pode ser feito sem ela, pois um efeito só pode depender de sua causa 
 ocasional numa hipótese determinada. Portanto, a alma poderia adquirir conhecimentos sem o auxílio dos 
 sentidos. Antes do pecado, ela encontrava-se num sistema inteiramente diferente daquele em que se 
 encontra hoje” (CONDILLAC, 2018, p. 42). Desta forma, a ocasião que condiciona as sensações serem a 
 causa dos conhecimentos depende da queda do paraíso. Isso se dá porque é a alma que sente, não os 
 sentidos. Condillac continua: “Eles [sentidos] não sentem, só a alma sente ocasionada pelos órgãos; e é 
 das sensações que a modificam que ela tira todos os seus conhecimentos e todas as suas faculdades” 
 (CONDILLAC, 1979A, p. 45). 
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 Rousseau e Condillac 
 Ora, ambos admitem que a ideia é fruto da percepção sensorial. Os animais não 
 poderiam ser diferenciados dos seres humanos a partir desta concepção . Bem como, se 7
 a razão for considerada uma operação sobre ideias, é possível supor que os animais 
 possuem certa atividade racional. Isto é, ser racionalidade significa possuir ideias. Esta 
 possibilidade deve ser melhor analisada. 
 Por outro lado, isso pouco diz sobre o que Rousseau entende por linguagem e 
 porque só os seres humanos a possuem, uma vez que ela, como apresenta o Ensaio, é 
 fonte da diferença entre os seres humanos e animais. De que forma Rousseau entende a 
 a diferença entre os seres humanos e os animais? De que forma Condillac entende a 
 atividade sensorial e o conhecimento dos outros animais não humanos? Em primeiro 
 lugar, vejamos a posição de Condillac, a fim de que se explore, depois, as questões 
 levantadas ao Genebrino. 
 Ideias, reflexão e análise em Condillac 
 Rousseau no Ensaio indica que a palavra distingue o ser humano dos outros 
 animais. Essa distinção, neste ponto, trata-se apenas de uma questão de intensidade. 
 Para Condillac, essa distinção é epistemológica, mas também diz respeito àquela 
 diferença de intensidade levantada por Rousseau. Para Condillac, a comunicação 
 depende de uma organização analítica das ideias. Analisar é uma ato que oferece ao 
 espírito uma ordem tal qual encontrada na natureza. Isto é, “analisar não é portanto 
 outra coisa senão observar numa ordem sucessiva as qualidades de um objeto, a fim de 
 lhes oferecer, no espírito, a mesma ordem simultânea” (CONDILLAC, 1979B, p. 71). 
 7 Isto é, se para Condillac apenas os seres humanos possuem ideias — posto que têm reflexão —, a 
 composição física dos outros animais não poderia ser a barreira que impediria a reflexão, uma vez que 
 eles possuem sentidos. A impossibilidade de reflexão tem outro fundamento que não a anatomia dos 
 animais não humanos. Segundo Condillac: “[...] sensações não são mais que sensações, e só tornam ideias 
 quando a reflexão faz que sejam consideradas como imagens de alguma coisa.” (CONDILLAC, 2018, p. 
 135). Isso apresenta uma diferença substancial entre os seres humanos e os animais. Bem como uma 
 diferença entre o conceito de ideia entre Rousseau e Condillac, uma vez que para Rousseau, os animais 
 possuem ideias. No entanto, Rousseau bem nota que há ideias gerais que se diferenciam dasideias 
 diretamente relacionadas aos sentidos: “Aliás, as idéias gerais só podem introduzir-se no espírito com o 
 auxílio das palavras e o entendimento só as aprende por via de proposições. É essa uma das razões pelas 
 quais não poderão os animais formar tais idéias, nem jamais adquirirem a perfectibilidade que depende 
 delas.” (ROUSSEAU, 1973, p. 255). Ou seja, Rousseau percebe o papel da linguagem na atividade das 
 ideias e vice versa e conclui que há uma barreira com a qual os animais não podem ser comparados com 
 os animais. Aí está a diferença da intensidade levantada por Rousseau a respeito da diferença entre ideias 
 dos seres humanos e animais. No entanto, interessa aqui observar a causa comum para o surgimento das 
 ideias e, no tópico seguinte, a proposta de Condillac em relação ao encadeamento das operações do 
 entendimento. 
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 Rousseau e Condillac 
 Sem esse método, não há organização das ideias, o que impossibilita a fala, a linguagem 
 verbal. Dessa forma, a comunicação depende da composição e decomposição destas 
 ideias: “Esta ordem [analítica e sucessiva] é a única que consegue manter toda a clareza 
 e toda a precisão de que as idéias são suscetíveis; e, assim como não temos outro meio 
 de nos instruir, não temos outro para comunicar nossos conhecimentos” (CONDILLAC, 
 1979B, p. 73). 
 Ora, isso pode estar diretamente relacionado com a perspectiva de Rousseau. A 
 diferença de intensidade é uma diferença analítica e sucessiva que, no caso dos seres 
 humanos permite a comunicação, distinguindo-se assim pela fala, como apresenta o 
 Ensaio , bem como pela intensidade das ideias, como é exposto no Segundo Discurso . 
 Esta hipótese poderia ser confirmada pelas palavras de Natalia Maruyama: 
 “Encontramos em Rousseau, notadamente no Discurso sobre a Origem da 
 Desigualdade , um método de análise que seria digno de um dos alunos mais radicais de 
 Condillac” (MARUYAMA, 2005, p. 56). Mas, é necessário continuar a investigação 
 sobre a perspectiva de Condillac, bem como examinar o Segundo Discurso de Rousseau 
 para certificar esta hipótese que indica que os dois autores concordam sobre este tema. 
 No Ensaio sobre a origem dos conhecimentos humanos , Condillac é mais 
 enfático. Neste texto, ele apresenta a relação com que a memória, a contemplação e a 
 imaginação se desenvolvem e dependem dos signos para ter plena utilização da razão: 
 Tão logo um homem começa a ligar ideias a signos de sua própria escolha, 
 vemos que se forma nele a memória. Uma vez adquirida a memória, ele 
 começa a dispor por si mesmo de sua imaginação e atribui a ela um novo 
 exercício, pois, com o auxílio dos signos, que ele pode evocar a bel-prazer, 
 ele desperta ou pode despertar outras ideias ligadas a eles. Em seguida, 
 fortalece ainda mais o império sobre sua imaginação, à medida que inventa 
 mais signos, pois obtém assim mais adicionais para exercer esse domínio. 
 Percebe-se já aqui a superioridade da nossa alma sobre a dos animais, pois se 
 de um lado é fato que não depende das feras atrelar suas ideias a signos 
 arbitrários, tudo indica, por outro lado, que essa incapacidade não se deve 
 unicamente à sua conformação. O corpo dos animais é tão apropriado à 
 linguagem de ação quanto o nosso; (CONDILLAC, 2018, p. 75). 
 A superioridade dos seres humanos aos outros animais segundo Condillac é 
 devido à utilização dos signos. Para ele, mais do que defender a superioridade 
 intelectual do ser humano, seu interesse é apresentar as operações do entendimento. Tais 
 operações partem justamente da dependência da utilização de signos por parte dos 
 homens e dos animais. Os signos para Condillac dividem-se em três: signos naturais, 
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 Rousseau e Condillac 
 signos acidentais e signos de instituição . O desenvolvimento pleno das operações do 8
 entendimento dependem da utilização plena destes três tipos de signos. Os outros 
 animais que não humanos, não fazem uso dos signos de instituição. Assim, não são 
 capazes de desenvolver plenamente suas operações. Isso é evidente por sua 
 incapacidade de constituir uma linguagem que não seja natural. Esta é a característica 
 preponderante da diferença entre os seres humanos e os outros animais (CONDILLAC, 
 2018, 70-71). O que poderia muito bem se enquadrar enquanto uma descrição do que 
 Rousseau entende por aquela diferença de intensidade . 
 Mais explicitamente, os animais, só conseguem operar com as duas primeiras 
 classes de signos, acidentais, que são os objetos mesmos que o animal tem contato, e os 
 naturais, tais como gritos de dor e prazer. Por não conseguir operar com a terceira classe 
 de signos, os de instituição, que são criados arbitrariamente para o uso do indivíduo, sua 
 memória não pode operar a seu bel prazer. De modo que o animal está fadado às 
 experiências cotidianas. É o constante contato com as experiências imediatas que sua 
 imaginação supõe, por exemplo, que um movimento, ou um som emitido por outro 
 animal, indique a presença de um predador. É devido sua imaginação que, segundo a 
 percepção do ambiente a sua volta, o animal reage. 
 Ao discutir a relação dos signos e os progressos das faculdades humanas, 
 Condillac aponta que os signos são fundamentais para o desenvolvimento completo 
 destas faculdades . Nesta perspectiva ele descreve as operações do entendimento dos 9
 animais são limitadas ao que está a sua volta de acordo com suas necessidades: 
 A memória, como vimos, consiste no poder de relembrar signos de nossas 
 ideias ou circunstâncias que as acompanham, esse poder só existe graças à 
 analogia dos signos que escolhemos e à ordem em que dispomos nossas 
 ideias. Objetos que nos interessa retraçar referem-se a necessidades presentes. 
 Só nos lembramos de uma coisa na medida em que ela é ligada, de algum 
 modo, a outras à nossa disposição. Ora, um homem que só tivesse signos 
 acidentais ou naturais não teria signo algum à disposição, suas necessidades 
 não poderiam ocasionar senão o exercício da imaginação, e ele seria 
 desprovido de memória (CONDILLAC, 2018, p. 71-72). 
 9 Nas palavras de Condillac: “Para desenvolver inteiramente os recursos da imaginação, da contemplação 
 e da memória, é preciso investigar de que modo os signos auxiliam nessas operações” (CONDILLAC, 
 2018, p. 70). 
 8 “Distingo três sortes de signos. 1) Signos acidentais, ou objetos que certa circunstância particulares 
 ligaram a algumas de nossas ideias, de modo que são próprios para despertá-las. 2) Signos naturais, ou 
 gritos que a natureza consignou a sentimentos de alegria, medo, dor etc. 3) Signos de instituição, que nós 
 mesmos escolhemos, e cuja relação com nossas ideias é arbitrária.” (CONDILLAC, 2018, p. 70). 
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 Rousseau e Condillac 
 A memória opera a partir da atividade dos signos institucionais. As operaçõessobre signos seguem uma lógica de necessidades. Isso é evidente no Traité des 
 Animaux: “Sensação, necessidade, conexão de idéias: aqui está o sistema ao qual 
 devemos relacionar todas as operações dos animais.” (CONDILLAC, 2000, p. 199, 10
 tradução nossa). 
 A partir das necessidades é possível compor uma cadeia de relações entre as 
 operações do entendimento. Desta forma, a perspectiva de Condillac pode ser 
 evidenciada pela concepção de uma cadeia de operações , protagonizada pela relação 11
 entre os signos e as necessidades. Trata-se da relação entre aquilo que está presente à 
 volta do animal, captado pelos sentidos, aquelas necessidades que o corpo exige e suas 
 capacidades de operar pelos signos. Sem a capacidade de operar com determinado tipo 
 de signo, as operações do entendimento são comprometidas como um todo. Sem signos 
 de instituição, apenas a imaginação guiaria o sujeito e ele não poderia se utilizar da 
 memória para supri-las, de modo que suas ações sempre estarão fadadas aos objetos ao 
 seu redor. Essa é a descrição das operações dos animais não humanos para Condillac. 
 Do que se conclui que os animais não têm memória, e, embora, tenham 
 imaginação, esta não está presente ao seu dispor. Só representam uma coisa 
 ausente quando, no cérebro, a imagem está intimamente ligada a um objeto 
 presente. Não é a memória que os conduz a um lugar em que outrora 
 encontraram alimento; o sentimento de fome está tão fortemente ligado a 
 ideias desse lugar, e do caminho que leva a ele, que estas despertam, tão logo 
 sintam fome. Não é a memória que os põe a fugir de predadores que os 
 atacam; outros de sua espécie foram devorados diante de seus olhos, os gritos 
 emitidos nessas cenas terríveis despertam em sua alma sentimentos de dor de 
 que são signos naturais, e eles fogem. Quando os algozes reaparecem, os 
 mesmos sentimentos são retraçados nas vítimas, e como foram produzidas 
 pela primeira vez em ocasião semelhante, a ligação acontece, eles fogem 
 novamente (CONDILLAC, 2018, p. 72). 
 É a ligação entre os signos naturais e acidentais que promovem o 
 comportamento dos animais. Uma vez que eles não operam com signos institucionais, 
 11 “Os diferentes elos ou cadeias que suponho a partir de cada ideia fundamental estariam interligados 
 pela sequência das ideias fundamentais e por alguns anéis comuns a muitas ideias, pois os mesmos 
 objetos, e por conseguinte as mesmas ideias, estão relacionados a diferentes necessidades. Todos os 
 nossos conhecimentos formariam assim uma única e mesma cadeia, cujos elos reuniram certos anéis e 
 separariam outros (CONDILLAC, 2018, p. 66). Condillac, assim, descreve o entendimento em forma de 
 uma cadeia, na qual os objetos são os signos fundamentais, cujos quais possibilitam o desenvolvimento de 
 outras operações. Assim, a operação sobre signos de instituição acaba por alterar todas as operações do 
 entendimento humano, pois esses signos constituem a base de uma série de outros “elos” dessa corrente 
 que é o entendimento humano. 
 10 “Sensation, besoin, liaison des idées: voilà donc le système auquel il faut rapporter toutes les opérations 
 des animaux.” 
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http://www.marilia.unesp.br/filogenese
 Rousseau e Condillac 
 todas suas operações sofrem consequências. Nesse aspecto, Condillac fornece hipóteses 
 para o que seria a razão. Sua definição está relacionada diretamente ao uso dos três tipos 
 de signos. O pleno uso da razão, então, depende da utilização de signos de instituição, 
 os quais fornecem subsídios para a utilização da memória e da imaginação em toda sua 
 funcionalidade. No caso dos outros animais, suas ações são determinadas pela ligação 
 entre os signos naturais e acidentais. Fadados às necessidades e os objetos à sua volta, 
 os animais seguem e agem sem pensar naquilo que no passado aconteceu. A imediatez 
 que guia suas ações. Só a imaginação consegue supor algo baseado no contato imediato 
 de uma situação . É a imediatez das necessidades, a imediatez dos objetos a sua volta, é 12
 a imediatez dos signos naturais, além das dores e dos prazeres que configuram suas 
 paixões . É a experiência que os guia em primeira mão. É isso que descreve descreve 13
 os animais não humanos: “Se alguém me perguntar quem os teria ensinado a reconhecer 
 os gritos de dor, eu responderei: a experiência. Todo indivíduo sofreu alguma dor e teve, 
 por conseguinte, oportunidade de ligar o grito ao sentimento.” (CONDILLAC, 2018, p. 
 73). 
 A comparação de signos arbitrários, que fornece subsídios para a formação da 
 memória e o que desenvolve as operações do entendimento como um todo é de suma 
 importância ao conhecimento humano: 
 A reflexão, que nos dá o poder de distinguir nossas ideias, dá-nos ainda o 
 poder de compará-las, e assim de conhecer relações entre elas. Isso é feito 
 voltando-se a atenção alternadamente para diferentes ideias ou fixando-a ao 
 mesmo tempo em muitas. Quando noções pouco compostas realizam uma 
 impressão suficientemente sensível para atrair a nossa atenção sem esforço de 
 nossa parte, a comparação não é difícil. Mas as dificuldades aumentam à 
 medida que as ideias se tornam mais compostas e causam uma impressão 
 mais tênue. As comparações, por exemplo, são em geral mais fáceis em 
 geometria do que metafísica (CONDILLAC, 2018, p. 82). 
 13 Condillac apresenta uma outra hipótese baseada no aprendizado com seus progenitores ou outros 
 animais: “Quanto aos que não tiveram essa experiência, pode-se supor, não sem fundamento, que suas 
 mães ou outros de sua espécie os tenham ensinado a fugir de agressores comunicando-lhes, por meio de 
 gritos, a ameaça representada, que desperta de novo quando avistam o inimigo. Exceto por essas 
 suposições, não vejo o que poderia levá-los a fugir.” (CONDILLAC, 2018, p. 72). Isto é, suas atitudes 
 ainda estão diretamente relacionadas aos dois primeiros signos, que são os responsáveis por todos 
 comportamentos animais. 
 12 Em outras palavras, é a relação entre signos que permite a imaginação. Embora sem memória, os signos 
 continuam a se ligar. Por se ligarem, os animais conseguem supor, ao escutarem um som, por exemplo, 
 um um predador à espreita. Dessa forma, ressaltamos, a memória não pode ser entendida no sentido mais 
 amplo do termo. Ao apresentar que o animal não possui memória, Condillac apresenta que o animal está 
 fadado às necessidades atuais e ao imediatismo do ambiente. 
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 Rousseau e Condillac 
 As relações são um resultado da operação da comparação, a qual é objeto da 
 reflexão. Essas relações são os primeiros conhecimentos que o sujeito pode ter ao 
 relacionar duas ideias. Seu grau de dificuldade depende do grau de composição de cada 
 ideia. Quanto mais simples, mais fácil é sua comparação, quanto mais complexas, mais 
 difícil. As conexões são responsáveis por fornecer subsídios que fortalecem a memória, 
 a imaginaçãoe a própria reflexão: “Com o auxílio dessa operação, aproximamos as 
 ideias menos familiares das que o são mais, e as relações que encontramos estabelecem 
 entre elas ligações bastante apropriadas para aumentar e fortalecer a memória, a 
 imaginação e, por extensão, a reflexão.” (CONDILLAC, 2018, p. 82). 
 Para Condillac, a comparação está na base da análise, ao qual, permite a 
 comunicação e a operações seguras do entendimento . Em suma, ela está na base da 14
 razão humana. Isto é, Para Condillac, o conhecimento matemático é seguro quando é 
 fruto das análises, não da operação sintética, como quer Descartes. Assim, as operações 
 do entendimento dependem da comparação e utilização de signos arbitrários, pois estes 
 fomentam o desenvolvimento de todas as outras operações do entendimento, sobretudo 
 a memória e a reflexão. 
 Isso pode configurar uma possível explicação ao que Rousseau tinha em mente 
 quando escreveu suas considerações sobre o ser humano natural e a razão dos animais. 
 É possível notar uma adequação metafísica desses exemplos propostos por Condillac 
 para descrever o ser humano em estado de natureza em Rousseau. E é dessa forma que 
 Condillac diferencia as operações racionais do ser humano em relação aos outros 
 animais. É de acordo com essas concepções que Condillac diferencia os seres humanos 
 dos outros animais. Diferença evidenciada no Traité des Animaux: “Existe nos animais 
 aquele grau de inteligência que chamamos de instinto; e no homem, este grau superior, 
 que chamamos de razão” (CONDILLAC, 2000, p. 196, tradução nossa). No entanto, 15
 15 “Il y a dans les bêtes ce degré d'intelligence, que nous appelons instinct ; et dans l'homme, ce degré 
 supérieur, que nous appelons raison.” 
 14 Tal afirmação de Condillac se apresenta criticamente contra as correntes cartesianas e seu método 
 sintético: “A inutilidade e o abuso dos princípios aparecem sobretudo na síntese, método em que a 
 verdade é impedida de se apresentar a não ser precedida de um grande número de axiomas, definições e 
 outras proposições supostamente fecundas. A evidência das demonstrações matemáticas e a aprovação 
 concedida pelos doutos a essa maneira de raciocinar seriam motivos suficientes para que o leitor se 
 convença de que o que estou dizendo não passa de puro paradoxo, insustentável. Mas é fácil mostrar que 
 as matemáticas não devem a sua certeza ao método sintético. Com efeito, se essa ciência estivesse tão 
 exposta quanto a metafísica a numerosos erros, obscuridades e equívocos, a síntese tenderia a fomentá-los 
 e multiplicá-los mais e mais. Se as ideias dos matemáticos são exatas, é porque foram construídas pela 
 álgebra e pela análise.” (CONDILLAC, 2018, p. 84-85). 
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 essa seria a posição de Rousseau ao determinar a diferença entre os seres humanos e os 
 animais? 
 A perspectiva de Rousseau: a perfectibilidade e a liberdade 
 A afirmação do Ensaio sobre a origem das línguas de que a palavra distingue os 
 homens entre os animais deve ser entendida já de um ponto de vista social, e não 
 inteiramente epistemológico como se poderia supor a partir das considerações de 
 Condillac. É a palavra que faz com que um ser humano saiba que há outro ser humano 
 naquele determinado lugar. É a vocalização das ideias que, já em estado social, faz com 
 que o ser humano perceba que há outro ser humano junto a si. As considerações que 
 Rousseau faz a respeito da diferença entre o ser humano e os outros animais é sutil, uma 
 vez que o ser humano em estado de natureza divide com ele uma posição selvagem. 
 Basta ver as descrições de Rousseau no Segundo Discurso para perceber isso . Ele 
 escreve em diversas partes essa condição: “os machos e as fẽmeas uniam-se 
 fortuitamente segundo o acaso, a ocasião e o desejo, sem que a palavra fosse um 
 intérprete necessário das coisas que tinham a dizer-se, e separavam-se com a mesma 
 facilidade” (ROUSSEAU, 1973B, p. 253); ou mesmo: “[...] logo encontravam-se em 
 situação de nem sequer se reconhecerem uns aos outros” (ROUSSEAU, 1973B, p. 16
 253). E mais diretamente ligado às considerações de Condillac “perceber e sentir será 
 seu primeiro estado, que terá em comum com todos os outros animais; querer e não 
 querer, desejar e temer serão as primeiras e quase únicas operações de sua alma, até que 
 novas circunstâncias nela determinem novos desenvolvimentos” (ROUSSEAU, 17
 1973B, 250). 
 Para Rousseau, mais do que tratar da diferença entre as operações e as 
 capacidades do entendimento, a diferença está no campo da liberdade e da 
 perfectibilidade. Rousseau escreve: 
 17 Passagem na qual não deixa de se relacionar profundamente com as passagens apresentadas a respeito 
 de Condillac. Ele ressalta no Ensaio sobre a origem dos conhecimentos humanos: “A percepção, ou a 
 impressão ocasionada na alma pela ação dos sentidos, é a primeira operação do entendimento.” 
 (CONDILLAC, 2018, p. 50). 
 16 Além das passagens do Discurso sobre a desigualdade , é possível identificar essa perspectiva também 
 no Ensaio sobre a origem das línguas . Ao descrever o ser humano em estado de natureza Rousseau 
 escreve: “Nada conhecendo, tudo temiam: atacavam para se defenderem. Deveria ser um animal feroz 
 esse homem abandonado sozinho na superfície da terra, à merce do gênero humano.” (ROUSSEAU, 
 1973A, p. 181). 
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 Em cada animal vejo somente uma máquina engenhosa a que a natureza 
 conferiu sentidos para recompor-se por si mesma e para defender-se, até certo 
 ponto, de tudo quanto tende a destruí-la ou estragá-la. Percebo as mesmas 
 coisas na máquina humana, com a diferença de tudo fazer sozinha a natureza 
 nas operações do animal, enquanto o homem executa as suas como agente 
 livre (ROUSSEAU, 1973B, p. 248). 
 É interessante notar por essa passagem que Rousseau não se coloca 
 simplesmente à mercê das ideias de Condillac. Embora deixe claro o papel das 
 sensações na composição das ideias e como fonte do conhecimento, ele apresenta que os 
 animais são máquinas guiadas pela natureza. As ideias geradas a partir dos sentidos não 
 conferem nada de especial a eles, pois elas ainda correspondem inteiramente à voz da 
 natureza. Assim, compreende-se que a liberdade é de outra categoria diferente da 
 simples relação entre sensações e ideias. Há algo a mais na composição humana. É 
 justamente por ela estar presente nos seres humanos que se pode detectar uma diferença, 
 não epistemológica. 
 Não é, pois, tanto o entendimento quanto a qualidade de agente livre possuída 
 pelo homem que constitui, entre os animais, a distinção específica daquele. A 
 natureza manda em todos os animais, e a besta obedece. O homem sofre a 
 mesma influência, mas considera-se livre para concordar ou resistir, e é 
 sobretudo na consciência dessa liberdade que se mostraa espiritualidade de 
 sua alma, pois a física de certo modo explica o mecanismo dos sentidos e a 
 formação das idéias, mas no poder de querer, ou antes, de escolher e no 
 sentimento desse poder só se encontram atos puramente espirituais que de 
 modo algum será explicados pelas leis da mecânica (ROUSSEAU, 1973B, p. 
 249). 
 Rousseau assim, mostra uma ruptura decisiva. A análise de Condillac nunca 
 poderia explicar definitivamente a singularidade humana, pois opera no âmbito da 
 mecânica e investiga o entendimento. Se os animais e os humanos dividem as mesmas 
 características físicas — são máquinas que aprendem com a experiência —, apenas o ser 
 humano é capaz de ter consciência da liberdade. Isto é, embora se possa explicar a 
 cadeia de desenvolvimento, não é possível explicar a causa dessa liberdade. Essa causa 
 é unicamente suposta pela razão divina de Deus, a qual é apresentada na Carta a 
 Christophe de Beaumont . Não obstante a razão humana chegue a esta aparente aporia 18
 18 Rousseau escreve que a razão divina é imediata, “[...] ela é completamente intuitiva, ela vê igualmente 
 tudo o que existe e tudo o que pode existir; para ela, todas as verdades são uma única idéia, assim como 
 todos os lugares são um único ponto e todos os tempos, um só momento. O poder humano age por meio 
 de instrumentos, o poder divino age por si mesmo; Deus pode porque ele quer, sua vontade faz seu 
 poder.” (ROUSSEAU, 2005, p. 70). A razão humana simplesmente não é capaz de explicar essa razão 
 divina. No entanto, é possível concebê-la. É possível compreender a superioridade da razão divina mas 
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 da gênese da liberdade humana, o desenvolvimento da espécie não compartilha do 
 mesmo problema. Talvez aí seja possível encontrar um novo caminho para investigar a 
 liberdade e a diferença entre os seres humanos e os animais além da intervenção divina. 
 Rousseau escreve: 
 [...] uma outra qualidade muito específica que os distinguiria [os seres 
 humanos dos animais] e a respeito da qual não pode haver contestação - é a 
 faculdade de aperfeiçoar-se, faculdade que, com o auxílio das circunstâncias, 
 desenvolve sucessivamente todas as outras e se encontra, entre nós, tanto na 
 espécie quanto no indivíduo (ROUSSEAU, 1973B, 249). 
 A atualização e o transporte das qualidades humanas se dá pela faculdade da 
 perfectibilidade, a qual necessita do auxílio das circunstâncias . Isto é, na esteira de 
 Condillac, o ser humano percebe o ambiente a sua volta e, a partir desta percepção, ele 
 modifica-se, aperfeiçoa-se . Este é o movimento pelo qual o ser humano pode negar o 19
 curso da natureza, seguido à risca pelos outros animais . 20
 Assim, percebe-se duas capacidades que diferenciam os seres humanos dos 
 animais: a liberdade e a perfectibilidade. A primeira condição indica uma aporia, no 21
 21 A liberdade aqui deve ser entendida no contexto do Segundo Discurso , tal como enfatiza Moisés 
 Rodrigues da Silva que há uma diferença deste conceito entre o Segundo Discurso e o Contrato Social : 
 “Sob o ponto de vista metafísico do Discurso sobre a origem da desigualdade , o homem é livre na 
 medida em que dispensa os instintos naturais como promotores de sua ação e se distancia da animalidade. 
 Diferentemente, no Contrato Social , onde o ponto focal é outro, deixando de ser metafísico para ser 
 20 Para Rousseau a capacidade de aperfeiçoar é de fato o que diferencia os seres humanos dos outros 
 animais. Isso fica latente a partir de seus comentários, em nota, sobre os viajantes: “Seja como for, está 
 bem demonstrado que o macaco não é uma variedade do homem, não somente por não possuir a 
 faculdade de falar, mas, sobretudo, porque se tem a certeza de que sua espécie não é capaz de 
 aperfeiçoar-se, o que constitui o caráter específico da espécie humana;” (ROUSSEAU, 1973B, 305). 
 19 A percepção não tem só uma importância para o aperfeiçoamento e as transformações do ser humano 
 em estado de natureza. Rolf Kuntz (2019) apresenta que o papel da observação em estado social tem um 
 valor histórico, cujo qual é o único meio de compreender as sociedades e os homens. Seja no sentido 
 educacional que a observação assume no Emílio , seja no sentido histórico no Ensaio sobre a origem das 
 línguas e no Discurso sobre a Desigualdade , segundo Rolf Kuntz, para Rousseau "Somente a variedade 
 pode ensinar-nos a descobrir o que há de verdadeiramente comum entre os homens, e o que lhes é 
 essencial. Somente a visão e a análise da diversidade nos dará o conhecimento necessário para 
 compreender por que os homens se transformam, assumindo feições diferentes em cada tempo, em cada 
 meio e em cada sociedade; somente assim, portanto, podemos entender o porquê da organização de nossa 
 sociedade particular” (KUNTZ, 2019, p. 89). 
 não é possível explicá-la. É isso que Rousseau apresenta a seguir ao Arcebispo de Paris: “‘Se acabo de 
 descobrir sucessivamente esses atributos, dos quais não tenho nenhuma idéia absoluta, foi por meio de 
 deduções inevitáveis, pelo bom uso de minha razão. Mas eu os afirmo sem os compreender, e, no fundo, 
 isso é não afirmar nada. Por mais que diga a mim mesmo: Deus é assim, eu o sinto, eu o demonstro, nem 
 por isso concebo melhor como Deus pode ser assim. [...] O mais digno uso de minha razão é aniquilar-se 
 diante de ti; sentir-me esmagado por ti é o arrebatamento de meu espírito, o encanto da minha fraqueza.’” 
 (ROUSSEAU, 2005, p. 70-71, grifos do autor). Rousseau parece, já no Segundo Discurso, esboçar 
 implicitamente o que ele mais tarde apresentará em sua defesa de forma explícita. É possível chegar a 
 estas conclusões pela dedução racional, mas ela é completamente insignificante para Rousseau quando 
 comparada à razão divina. Isso justificaria esta aparente aporia que Rousseau chega no Segundo 
 Discurso ? Para responder esta questão é necessário se voltar à ideia de perfectibilidade. 
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 qual o grande responsável e o único que pode explicar tal qualidade é Deus. No outro 
 caso, a perfectibilidade apresenta o desenvolvimento antropológico do gênero humano. 
 Como relacionar estas duas capacidades? A primeira vista, Rousseau nos 
 apresenta um paradoxo, uma vez que de um lado ele afirma que o ser humano pode 
 negar a voz da natureza, e de outro, sem as transformações naturais, o ser humano está 
 fadado a ser o que se é, pois são as circunstâncias que determinam essas transformações. 
 Starobinski deixa claro essa normatividade da perfectibilidade: “a perfectibilidade, 
 potência latente, não manifesta seus efeitos a não ser com a ‘ajuda das circunstâncias’, 
 quando o obstáculo e a adversidade obrigam os homens, para sobreviver, a mostrar 
 todas as suas forças e todas as suas faculdades” (STAROBINSKI, 2011, p. 378). Há não 
 apenas um indício necessário paraa modificação do ser humano, mas uma obrigação, a 
 qual é externa e não depende do ser humano. Dessa forma, sua transformação parte da 
 própria natureza. Assim, parece que, de um lado, a voz da natureza permite que o ser 
 humano pretensamente a negue, quando, na realidade, ele apenas a segue por outros 
 caminhos. 
 No entanto, acredita-se que é possível esboçar uma resposta para essa questão na 
 relação entre indivíduo e espécie. Se a perfectibilidade opera no indivíduo e na espécie 
 — a perfectibilidade “[...] que, com o auxílio das circunstâncias , desenvolve 22
 sucessivamente todas as outras e se encontra, entre nós, tanto na espécie quanto no 
 indivíduo” (ROUSSEAU, 1973B, 249) —, indica-se que é possível pensar por esse lado 
 específico em relação à perfectibilidade e à liberdade. 
 Nesta perspectiva, é possível pensar a qualidade de agente livre , a qual a física 
 não consegue explicar, enquanto uma capacidade ímpar de simplesmente ir contra os 
 ditames da natureza na perspectiva da ação individual. Ter-se-á, nestes termos, um 
 indivíduo que pode ignorar os ditames naturais, posto que tem vontades. Mas só pode 
 fazer isso se conseguir operar sobre as ideias, as quais têm origem a partir da percepção 
 22 Starobinski destaca a força da circunstâncias para em função de todo o Segundo Discurso : “[...] o 
 Discurso sobre a origem da desigualdade expõe, na escala da história universal, o perigo e a fecundidade 
 da defrontação das circunstâncias” (STAROBINSKI, 2011, p. 380). As circunstâncias não tem apenas 
 uma função subalterna dentro do escopo da obra de Rousseau, como qualquer outro conceito, mas ela está 
 associada diretamente ao objetivo do Discurso . O Segundo Discurso só é o que pretende ser devido às 
 circunstâncias que formam a sociedade que Rousseau encontra. 
 jurídico, o homem é livre à medida que alcança liberdade moral, se tornando senhor de si mesmo, e 
 liberdade civil, não obedecendo a outro indivíduo, mas somente à sua própria vontade reconhecível na 
 lei.” (2013, p. 72). 
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 — isto é, proveniente dos ditames naturais —, uma vez que estas dependem dos 
 sentidos e das necessidades. Mas, essa liberdade, que é capaz de negar o vínculo com a 
 natureza, deve ser consciente. Do contrário, seriam os ditames naturais, diretamente 
 vinculados ao ambiente, fonte direta das ideias primitivas, que governam o indivíduo. 
 Para o ser humano corresponder com essa qualidade de agente livre, ele deve 
 reconhecer a si e ao outro, isto é, ser capaz de operar sobre a reflexão. O que só é 
 possível após a atividade da razão. Isto é, a liberdade, é uma condição da espécie, mas 
 sua ação é individual e depende da racionalidade. 
 De outro lado, as transformações da espécie, por sua vez, necessitam das 
 condições naturais: 
 Depois de ter mostrado que a perfectibilidade , as virtudes sociais e as outras 
 faculdades que o homem natural recebera potencialmente jamais poderão 
 desenvolver-se por si pŕoprias, pois para isso necessitam do concurso fortuito 
 de inúmeras causas estranhas, que nunca poderiam surgir e sem as quais ele 
 teria permanecido eternamente em sua condição primitiva, resta-me 
 considerar a aproximar os vários acasos que puderam aperfeiçoar a razão 
 humana, deteriorando a espécie, tornar mau um ser ao transformá-lo em ser 
 social e, partindo de tão longe, trazer enfim o homem e o mundo ao ponto em 
 que o conhecemos (ROUSSEAU, 1973B, 264). 
 A perfectibilidade opera segundo as necessidades impostas a partir da natureza. 
 Entre a sensação e a ideia, a perfectibilidade opera mudanças no gênero humano. A 
 perfectibilidade opera assim, na capacidade do ser humano se transformar, segundo 
 permite sua liberdade natural, de acordo com suas necessidades naturais. A liberdade e a 
 perfectibilidade, assim são potenciais no estado de natureza. De uma forma ou de outra, 
 só aparecem de acordo com a natureza, mas tendem a permanecer como estão, inativas. 
 O ideal é que as coisas permaneçam como estão, em potência, sem atuar no ser 
 humano. Esse é o caráter anti-histórico que Goldschmidt (1983, p. 233-235) apresenta 
 sobre o estado de natureza rousseauniano. No estado de natureza, o clima que reina é o 
 de permanência. Embora o Ensaio sobre a origem das línguas , apresente o papel 
 climático enquanto fator de ruptura, para Goldschmidt, “[...] a novidade radical do 
 Discurso em relação a esses dois escritos [ Ensaio sobre a origem das línguas e 
 Fragmentos políticos ] consiste em isolar, no estado de natureza, uma duração infinita, 
 subtraída de qualquer ação causal que poderia transformá-la em história.” (1983, p. 23
 23 “[...] la nouveauté, radicale, du Discours par rapport à ces deux écrits, consiste à isoler, dans l’état de 
 nature, une durée infinie, soustraite à toute action causale qui pourrait la transformer en histoire.” 
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 235, tradução nossa). Isto é, a história começa quando o ser humano se transforma. Mas 
 sua liberdade natural está mais relacionada, como descreve Moisés Rodrigues da Silva, 
 “[...] no sentido de independência pessoal com relação ao outro [...]” (2013, p. 72) do 
 que com uma capacidade de negar as ordens da natureza. No estado de natureza, as 
 coisas são constantes e o ser humano também é. Assim, mesmo com sua 
 perfectibilidade e liberdade, sem ocorrências fortuitas externas, o gênero humano teria 
 permanecido eternamente nesta mesma condição. 
 Isso se modifica no momento em que a razão humana se atualiza. Com o 
 advento da razão, novas possibilidades abrem para o ser humano. Isso significa negar 
 diretamente a voz da natureza. É por isso que Rousseau deixa claro que a necessidade 
 da “ consciência dessa liberdade” , como se viu acima. Tal consciência depende da razão 
 atualizada. O que significa operar sobre suas ideias com a maior profundidade — como 
 descrito no Ensaio —, a qual o ser humano natural está a salvo. A liberdade natural, 
 dessa forma, é mediada pela força da voz da natureza no estado primitivo, mas no 
 estado social ela é mediada pela razão. 
 Essa transformação é característica da passagem do estado de natureza para o 
 estado social: 
 Por que só o homem é suscetível de tornar-se imbecil? Não será porque volta, 
 assim, ao seu estado primitivo e — enquanto a besta, que nada adquiriu e 
 também nada tem de bom a perder, fica sempre com seu instinto — o 
 homem, tornado a perder, pela velhice ou por outros acidentes, tudo o que sua 
 perfectibilidade lhe fizera adquirir, volta a cair, desse modo, mais baixo do 
 que a própria besta? Seria triste para nós, vermo-nos forçados a convir que 
 seja essa faculdade, distintiva e quase ilimitada, a fonte de todos os males do 
 homem; que seja ela que, com o tempo, o tira dessa condição original na qual 
 passaria dias tranquilos e inocentes;que seja ela que, fazendo com que 
 através dos séculos desabrochem suas luzes e erros, seus vícios e virtudes, o 
 torna com o tempo o tirano de si mesmo e da natureza (ROUSSEAU, 1973B, 
 249). 
 Como se vê, tudo é adquirido a partir da natureza antes que o ser humano 
 consolide sua atuação racional; antes que a espécie consolide sua transformação. O 
 advento da razão atualizada, que antes poderia ser compreendida com a simples 
 profundidade das ideias que não ultrapassaram as necessidades originais, se veem 
 arrebatadas pela possibilidade de negar a naturalidade do ser humano e transformar sua 
 liberdade natural. Tal liberdade, então, é operada pela razão, pois, segundo Rousseau, “o 
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 homem encontrava unicamente no instinto todo o necessário para viver no estado de 24
 natureza; numa razão cultivada só encontra aquilo de que necessita para viver em 
 sociedade” (ROUSSEAU, 1973B, 257). Assim, se a perfectibilidade, guiada pela 
 natureza, não fornece transformações fúteis ou inúteis — pois as transformações de uma 
 forma ou de outra dependem da natureza, porquanto só há mudança se há necessidade 
 para mudar —, as transformações guiadas pela razão cultivada podem ser sim fúteis e 
 inúteis. De um lado, o ser humano só pode se transformar, atualizar-se, porquanto há 
 necessidade externas que o forcem a isso, de outro, é a voz de sua razão cultivada o leva 
 indiscriminadamente a qualquer direção. Ela é a protagonista desta capacidade suis 
 generis de negar a voz da natureza. Dessa forma, a perfectibilidade, tanto quando atua 
 na espécie, quando atua no indivíduo depende das necessidades. Enquanto que, antes 
 guiada pela natureza, a qualidade de agente livre , transforma-se na degeneração do ser 
 humano quando operada pela razão que suscita as paixões sociais. 
 Neste sentido, os seres humanos são capazes de negar a voz da natureza. Sua 
 liberdade natural lhes permite isso enquanto espécie passível de transformações. Suas 
 faculdades — sobretudo a perfectibilidade, a qual possibilita a atuação da razão — são 
 então, para Rousseau, protagonizam a diferença entre os seres humanos dos resto dos 
 animais, mais até do que o grau de intensidade de organização de ideias . Mas é 25
 necessário ressaltar que, sem esse grau de profundidade das ideias , o ser humano não 
 poderia negar a voz da razão e seria igual a todos os outros animais. Esse grau de 
 organização das ideias é consequência, é o resultado da diferença entre os seres 
 humanos e os animais, mas não sua causa. A causa é anterior. Ele está tanto no 
 indivíduo quanto na espécie que é a perfectibilidade e a liberdade. 
 Assim como Condillac, Rousseau apresenta, que é justamente a capacidade de 
 comparar que possibilita a atividade da razão. Sobre isso Starobinski escreve: 26
 26 A esse respeito, a atividade de comparar é substancial para o conceito de racionalidade dos dois 
 autores. De acordo com Natalia Maruyama a importancia da operação comparativa em Rousseau é um 
 legado de Condillac, que por sua vez também influenciou Helvétius. Ela escreve: “As discussões entre 
 25 Assim, essa maior profundidade de ligar ideias, característica da racionalidade, é um resultado da 
 perfectibilidade. 
 24 É interessante ressaltar a definição de Condillac para o instinto. Ele parte das considerações das 
 ligações sobre signos que possibilitam a imaginação dos animais, a qual permite aos animais fugir do 
 perigo e relacionar suas necessidades com o ambiente à sua volta. “Essa explicação [sobre a ligação dos 
 signos] fornece uma ideia nítida do que é o instinto . Trata-se de uma imaginação que, afetada por um 
 objeto, desperta percepções que estão a ele imediatamente ligadas, e que dirige assim, sem o auxílio da 
 reflexão, todas as espécie de animais.” (CONDILLAC, 2018, p. 74, grifo do autor). Vê-se, mais uma vez, 
 a forma com que é possível relacionar os escritos de Rousseau e Condillac 
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 Dessa luta que opõe ativamente o homem ao mundo resultará sua evolução 
 psicológica. A faculdade de comparar o tornará capaz de uma reflexão 
 rudimentar: ele saberá perceber diferenças entre as coisas, se saberá diferente 
 dos animais, se verá em sua superioridade, e já surge um vício: o orgulho 
 (STAROBINSKI, 2011, p. 43). 
 Neste quesito, Rousseau volta a concordar com Condillac. Mas essa 
 concordância se dá em um momento posterior. É já no sintoma da diferença entre os 
 outros animais, não a causa dela que Rousseau admite a filosofia de Condillac. 
 Considerações finais 
 “Já que nossos sentidos são os primeiros instrumentos dos nossos 
 conhecimentos, os seres corporais e sensíveis são os únicos cuja ideia temos 
 imediatamente.” (ROUSSEAU, 2014, p. 357). Essa passagem no Emílio ressalta uma 
 das considerações em comum entre ele e Condillac, como se tentou evidenciar no 
 presente trabalho. Esta perspectiva sensualista faz eco ao comentário de Jean Morel em 
 relação a Condillac de acordo com seu estudo sobre as fontes do Discurso sobre a 
 desigualdade: “Rousseau concretiza as abstrações de Condillac: ele faz história com 
 essa psicologia analítica [...]” (MOREL, 1909, p. 149, tradução nossa). Isto é, 27
 Rousseau se utiliza das bases sensualistas de Condillac. Se sua filosofia é necessária à 
 obra de Rousseau, ela não é suficiente. “Ele deve a Condillac a importância dada à 
 sensibilidade no desenvolvimento da inteligência;” (MOREL, 1909, p. 145, tradução 28
 nossa). Para Morel, a partir de Condillac, “[...] Rousseau pode testar a história do 
 pensamento humano.” (MOREL, 1909, p. 147, tradução nossa). Mas Rousseau só 29
 consegue isso devido à sua originalidade expressa nos conceitos de perfectibilidade e 
 forma com a qual ele insere a liberdade no conjunto da obra. Isso é o que apresenta Jean 
 Morel: 
 Como transportar a progressão válida de um homem para um grupo? 
 Pequenas análises são impossíveis. Então Rousseau inventa uma nova 
 faculdade, que substituirá as análises progressivas de Condillac: "a de se 
 29 A frase completa de Morel: “Aussi, grâce à Condillac, Rousseau peut tenter l'histoire de la pensée 
 humaine.” 
 28 “Il doit à Condillac l'importance donnée à la sensibilité dans le développement de l'intelligence;” 
 27 “Rousseau concrétise les abstractions de Condillac: il fait de l'histoire avec cette psychologie 
 analytique[...]”. 
 Rousseau e Helvétius, a respeito da origem das faculdades morais e intelectuais do homem, fundam-se em 
 alguns pressupostos sensualistas. Os dois filósofos compartilham dos pressupostos com Condillac uma 
 concepção de razão como faculdade de comparação de idéias e sensações [...]” (MARUYAMA, 2005, p. 
 25). 
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 aperfeiçoar; com a ajuda das circunstâncias, desenvolve sucessivamente todas 
 as outras: éperfectibilidade. É a faculdade do devir (MOREL, 1909, p. 148, 30
 tradução nossa). 
 Jean Morel percebe que a base filosófica de Condillac só pode servir para os 
 objetivos de Rousseau se for acompanhada pelo conceito de perfectibilidade. O debate 
 sobre a razão dos seres humanos e animais expressa essa relação. Ambos autores 
 percebem que há uma diferença de profundidade nas operações sobre as ideias. 
 Condillac apresenta isso de forma exemplar ao mostrar que a razão comparativa, que 
 permite a análise, é característica desta diferença. Os animais não operam as ideias 
 comparativamente, pois isso requer a memória, característica para a reflexão. Dessa 
 forma, não se pode falar que os animais possuem razão. 
 Rousseau admite isso. Mas para ele, no caso do ser humano, há uma diferença 
 primeira, que permite com que a razão, como consequência dessa diferença, seja 
 percebida. Essa diferença primeira é a faculdade da perfectibilidade que age em 
 conjunto com a liberdade natural. A ação destes dois princípios humanos é que 
 permitem a depravação do ser humano e o progresso do abismo que se forma entre os 
 seres humanos e o mundo animal, diferenciado-os. Assim, para Rousseau, 
 diferentemente de Condillac, é por meio da perfectibilidade, capacidade que distingue o 
 ser humano dos outros animais, que o ser humano é capaz, já em sociedade, de ativar 
 sua razão. A respeito desta racionalidade, Rousseau concorda com Condillac, e a 
 apresenta como uma faculdade comparativa , que é a diferença de profundidade 31
 enunciada no Segundo Discurso e possibilita, como citado no início, a fala que expõe a 
 distinção dos seres humanos entre si e entre os animais no Ensaio . 
 31 Starobinski é explícito sobre a relação entre razão e comparação em Rousseau: “Nesse encontro ativo 
 em que afronta a inércia das coisas, o homem toma consciência de sua diferença. Compara-se com o 
 outro, e essa comparação é o próprio despertar da razão.” (STAROBINSKI, 2011, p. 398). 
 30 “Comment transporter à un groupe la progression valable pour un seul homme? Les analyses menues 
 sont impossibles. Aussi Rousseau invente une nouvelle faculté, qui tiendra la place des analyses 
 progressives de Condillac: "celle de se perfectionner; à l'aide des circonstances, elle développe 
 successivement toutes les autres: c'est la perfectibilité. C'est la faculté de devenir.” 
 Vol. 16, 2021 
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