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SPGD 2018 4º SIMPÓSIO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESIGN DA ESDI Rio de Janeiro, 08, 09 e 10 de outubro de 2018 A leitura das cores na Bauhaus: Josef Albers, Johannes Itten e Wassily Kandinsky Reading the colors in the Bauhaus: Josef Albers, Johannes Itten and Wassily Kandinsky CUSTODIO, Higor. RESUMO: O presente artigo tem por objetivo refletir sobre as diferentes leituras e teorias sobre o universo cromático, na interpretação de Josef Albers, Johannes Itten e Wassily Kandisky, docentes da Bauhaus, e que consentem a cor, a caracterizando em sentidos como movimento, simbolismo, temperatura, som musical e estado de espírito, características subjetivas explanadas nas teorias cromáticas, além da sua associação com as formas básicas de desenho. Nestes estudos descobriu-se na cor uma importante ferramenta para se libertar da representação do objeto e que esta poderia ser interpretada, sentida e experimentada. Objeto de análise e estudo em diversas categorias do conhecimento, dentro deste contexto, procurou-se discorrer, sua influência sobre o psiquismo humano e sua eficiência no domínio estético. Palavras-chave: Arte e visualidade. História do design. Psiquismo Humano. Cor. Bauhaus. ABSTRACT: The present article aims to reflect on the different readings and theories about the chromatic universe, in the interpretation of Josef Albers, Johannes Itten and Wassily Kandisky, Bauhaus professors. The color characterized in senses as movement, symbolism, temperature, musical sound and state of mind, subjective characteristics explained in the chromatic theories, besides their association with the basic forms of drawing. In these studies, color has been found to be an important tool for getting rid of the representation of the object and that it could be interpreted, felt and experienced. It is always the subject of analysis and study in several categories of knowledge, so within this investigation we sought to discuss its influence on the human psyche and its efficiency in the aesthetic domain. Keywords: Art and visuality. History of design. Human Psyche. Color. Bauhaus. CUSTODIO. A leitura das cores na Bauhaus: Josef Albers, Johannes Itten e Wassily Kandinsky. Anais do 4º Simpósio de Pós-Graduação em Design da ESDI SPGD2018 ISSN:2447-3499 ISSN ONLINE:2526-9933 1 — Introdução Ao se apropriar do uso de determinada cor, automaticamente o homem a atribui, segundo os teóricos, um conteúdo coletivo, transformação esta que ocorre por meio da sua condição de signo, que, percebida e decifrada pela visão, interpretada pela cognição, resulta na obtenção de uma informação. Nesse sentido, os diversos elementos da simbologia da cor resultam da adoção consciente de determinados valores representativos, designados ou diferenciados, e o significado das cores nunca teve uma presença autônoma, que iniciasse e terminasse o seu ciclo de ação no âmbito apenas das ideias. As dinâmicas psicológicas geradas pela interação do ser com a paleta cromática, passaram a ser compreendidas de forma a se considerar desde o plano científico ao plano místico. 2 — A visão e a percepção das cores Os olhos são considerados por muitos, um dos órgãos mais importantes do corpo humano, e é através deles, que percebemos o mundo ou experienciamos a vida com outro sentido e recursos que estimulam nossa sensibilidade. É relevante compreender que o olho humano é constituído por diversas estruturas e músculos. Em breve síntese, em sua parte anterior temos a córnea, a primeira porção por onde entrará a luz, seguida da íris e pupila, um orifício por onde percorrerá esta luz até a chegada à retina. O cristalino é a “lente natural” dos olhos e posiciona-se atrás da íris. Já na parte posterior se localiza a retina onde se situam os bastonetes e cones, células responsáveis pela interpretação da luz. É ainda nessa estrutura que se localiza o nervo óptico que conduzirá as informações ao cérebro através de impulsos nervosos. Nesse contexto, a física explica como se dá a interpretação da cor através da luz, já a óptica disserta que a luz atravessa a pupila através do cristalino, atingindo os cones presentes na retina, sendo por eles decompostas em três grupos de comprimento de onda que caracterizam as cores-luz: vermelho, verde e azul-violetado. O resultado dessa decomposição e de suas infinitas possibilidades de misturas é enviado pelo nervo óptico e vias ópticas ao córtex ociptal, parte posterior do cérebro, em que se processa a sensação cromática. O estímulo obtido pela luz direta quando reflete a cor se denomina matiz e à sensação, nomeia-se cor. 3 — A Bauhaus 3.1 A origem Criemos uma nova guilda de artesãos, sem as distinções de classe que erguem uma barreira de arrogância entre o artista e o artesão (GROPIUS, 1919). Gerada com a fusão da Academia de Belas Artes com a Escola de Artes Aplicadas de Weimar, a nova escola de artes aplicadas e arquitetura traz na origem a tentativa de articulação entre arte e artesanato. Ao ideal do artista artesão soma-se a defesa da complementaridade das diferentes artes sob a égide do design e da arquitetura. O termo Bauhaus, em que “haus” significa "casa” e “bauen” expressa "para construir", permite compreender que o aprendizado e o objetivo da arte ligam-se ao fazer artístico. CUSTODIO. A leitura das cores na Bauhaus: Josef Albers, Johannes Itten e Wassily Kandinsky. Anais do 4º Simpósio de Pós-Graduação em Design da ESDI SPGD2018 ISSN:2447-3499 ISSN ONLINE:2526-9933 A proposta de Walter Gropius1 para a Bauhaus assevera a distinção na dimensão estética, social e política, em que há uma significativa necessidade de se formar novas gerações de artistas de acordo com um ideal de sociedade civilizada e democrática, sem hierarquias, somente com funções complementares. O trabalho conjunto possibilitaria um contato efetivo com a sociedade urbano-industrial moderna e seus novos meios de produção. Esta ligação se torna mais efetiva com a mudança da escola para Dessau, em 1925. No complexo de edifícios (projetados por Gropius) são delineadas as abordagens características da Bauhaus: as pesquisas formais e as tendências construtivistas realizadas com o máximo de economia na utilização do solo e na construção; a atenção às características específicas dos diferentes materiais como madeira, vidro, metal e outros; a ideia de que a forma artística deriva de um método, ou problema, previamente definido o que leva à correspondência entre forma e função; e o recurso das novas tecnologias. O cérebro humano é como um chapéu de chuva: funciona melhor quando aberto. Devemos dar mais oportunidade à juventude para que faça experiência pessoal durante o tempo de sua formação; pois somente quando deixamos que descubra sozinhos os fatos, o conhecimento poderá converter-se em sabedoria. (GROPIUS, 1920). A Bauhaus atrai artistas de vanguarda de diversas nacionalidades, nem sempre afinados em termos de filiações teóricas, gerando a convivência de orientações estéticas díspares dentro da escola e redefinições no projeto ao longo de sua história. Do corpo docente fazem parte Johannes Itten (1888-1967), Theo Van Doesburg (1883-1931), Wassily Kandinsky (1866- 1914), Paul Klee (1879-1940), László Moholy-Nagy (1894-1946), Breuer, Hannes Meyer (188 -1954), Van der Rohe, Oskar Schlemmer (1888-1943), Joseph Albers (1888-1976) e outros, trazendo o contato direto da Bauhaus com diferentes tendências da arte europeia: o construtivismo russo, De Stijl e a Neue Sachlichkeit. O ano de 1928 marca a saída de Gropius da direção da Bauhaus e sua substituição pelo arquiteto suíço Hannes Meyer, que possui em sua metodologia uma maior preocupação com a relação social do design. Diante das pressões do nazismo sobre Meyer, em 1930 a escola passa a ser dirigida pelo arquiteto Mies van der Rohe. Oficialmente fechada em 1932 e após uma recomposição em Berlim, encerra suas atividades, por determinação dos nazistas, em 1933.Figura 1: Escola Bauhaus. Fonte: ArchDaily Brasil, 2016. 1 Arquiteto alemão tendo sido fundador da Bauhaus e diretor do curso de arquitetura da Universidade de Harvard. Gropius iniciou sua carreira na Alemanha, seu país natal, mas com a ascensão do nazismo, na década de 1930, emigrou para os Estados Unidos e lá desenvolveu a maior parte de sua obra. CUSTODIO. A leitura das cores na Bauhaus: Josef Albers, Johannes Itten e Wassily Kandinsky. Anais do 4º Simpósio de Pós-Graduação em Design da ESDI SPGD2018 ISSN:2447-3499 ISSN ONLINE:2526-9933 3.2 Bauhaus no Brasil No 1º Salão de Arquitetura Tropical, em 1933, no Rio de Janeiro, é reproduzido um texto de Gropius e lançada a revista Base, editada por Alexandre Altber. Por essa razão, algumas produções utilizam o programa da escola, como referência em 1930, no Brasil. Nesta mesma década a revista Arquitetura e Urbanismo menciona, em suas produções os projetos coletivos da escola alemã. Os projetos do Instituto de Arte Contemporânea - IAC do Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand - MASP, 1951, e o da Escola Superior de Desenho Industrial - ESDI, do Rio de Janeiro, 1963, inspiram-se, cada qual a seu modo, no programa educativo da Bauhaus. No campo das artes plásticas, é possível pensar no impacto das obras de Max Bill (1908-1994), na década de 1950, por meio das quais certos princípios da Bauhaus atingem o concretismo brasileiro. 3 — Os docentes e suas leituras sobre cores 3.1 Josef Albers Josef Albers nasceu na Alemanha e emigrou em 1933 para os EUA. Foi professor de escola primária, de 1908 até 1913, quando, reorientando-se, ingressa na Königliche Kunstschule, em Berlim, no mesmo ano, tendo sido aprovado para a cadeira de arte, onde permaneceu até 1915. Albers é teórico, docente na Bauhaus, pintor abstrato, designer e tipógrafo, que estudou, portanto, Belas Artes em Essen e München. Assim, iniciando seu contato com a Escola Bauhaus, em Weimar, no ano de 1920. Ficou na Bauhaus até o seu fechamento, imigrando para os Estados Unidos, onde desenvolveu importantes estudos pedagógicos da cor. No seu livro A Interação da Cor, Albers define que a interação da cor está relacionada às misturas óticas, aos contrastes simultâneos e à percepção. Isto é, pela psicologia da percepção humana que fundamenta diversos processos científicos e técnicos de obtenção de cores. Albers propõe a aplicação desses princípios na arte, na arquitetura, na tecelagem, no projeto de interiores e na produção visual. Buscava, por meio do estudo da cor, despertar o interesse pela experimentação prática, autoconhecimento do gosto estético e por exercícios que propõem desdobramentos de modelos pré-existentes. Seus princípios pedagógicos eram: Na percepção visual, quase nunca se vê a cor como ela é fisicamente; A cor é o meio mais relativo dentre outros empregados na arte; É preciso reconhecer que a cor sempre engana; Uma cor evoca inúmeras leituras; Uma cor deve ser analisada por contraste e comparação a outra; A prática precede a teoria; O fato físico não é coerente com o efeito psíquico; Os exercícios são explicados e ilustrados para não sugerir a resposta, mas uma forma de estudar e reinventar o mesmo princípio; Seu estudo não se refere aos pigmentos e corantes (análise anatômica e física), mas na interação perceptiva. Albers relaciona as cores como timbres subjetivos, sensações térmicas de quente e frio, podendo percebê-las através de relações análogas. CUSTODIO. A leitura das cores na Bauhaus: Josef Albers, Johannes Itten e Wassily Kandinsky. Anais do 4º Simpósio de Pós-Graduação em Design da ESDI SPGD2018 ISSN:2447-3499 ISSN ONLINE:2526-9933 No que diz respeito ao quente e ao frio, a tradição ocidental aceita que normalmente o azul parece frio, e que o grupo adjacente amarelo-laranja-vermelho parece quente. Como qualquer temperatura pode ser percebida como mais alta ou mais baixa em comparação com outras temperaturas, essas qualificações são apenas relativas. Portanto, também existe a possibilidade de azuis quentes e vermelhos frios no âmbito de seus próprios matizes (ALBERS, 1920). Figura 1: Homenagem ao quadrado. Fonte: Josef Albers, Homage to the Square: Glow, 1966. Sem seguir a concepção acadêmica de teoria e prática, ele reverte tal ordem metodológica para então prover da prática a conclusão teórica. As cores “autonômicas”, segundo o professor, dariam vida para os quadrados que até então, descoloridos, não possuíam movimento, dessa maneira, o estudo da relatividade das cores promove a observação dos fenômenos cromáticos. Em seus estudos baseia-se no aprofundamento das leis do contraste simultâneo e sucessivo, remetendo-se aos estudos pioneiros de Eugène Chevreul2 e dos pontilistas franceses orientando a percepção da cor em um contexto figura-fundo, em que uma cor influência diretamente na percepção da outra. Dentre os estudos de Albers destacam-se a mistura ótica, a lei de Weber-Fechner3, o uso de sistemas de classificação das cores e a noção de acordes cromáticos expressivos, denominado como “Triângulo de Goethe”. Para Albers, a utilização de papéis coloridos em suas experiências poderia fornecer uma grande variedade de matizes e tons e evitar a mistura de tintas, onde não há o interesse em gerar “belas” composições, expressividade ou efeitos decorativos e estéticos, mas sim o interesse perceptivo. 2 Químico francês que estudou sobre a percepção das cores em simultaneidade. 3 A lei de Weber-Fechner tenta descrever a relação existente entre a magnitude física de um estímulo e a intensidade do estímulo que é percebida. CUSTODIO. A leitura das cores na Bauhaus: Josef Albers, Johannes Itten e Wassily Kandinsky. Anais do 4º Simpósio de Pós-Graduação em Design da ESDI SPGD2018 ISSN:2447-3499 ISSN ONLINE:2526-9933 Figura 2: Triângulo de Goethe. Fonte: Joseph Albers, Interaction of color: color triangles, CA. 1963. 3.2 Johannes Iten O suíço Johannes Itten, nascido em 1888, deu os primeiros passos profissionais como professor na educação primária, tendo posteriormente formação em pintura com Adolf Hoelzel. Dirigiu uma escola de arte em Viena e nesta mesma época palestrou sobre os Ensinamentos dos Mestres Antigos na sessão inaugural da Bauhaus, em 21 de março de 1919, no Teatro Nacional de Weimar. Em outubro do mesmo ano, obteve cadeira como docente da Bauhaus, permanecendo nesta, até março de 1923, quando pediu a sua demissão. Itten usou o esquema do curso preliminar da Bauhaus na escola de sua propriedade em Viena, entre 1916 e 1918, desenvolvendo uma concisa pesquisa da aplicação das cores nas artes plásticas como professor-pesquisador e como artista. Destacam-se nessa seara, The Art of Color e The Elements of Color, principais produções do suíço. Para Itten, o estudo da cor é fundamentalmente subjetivo e empírico, principalmente na formação de um artista. O estudo da cor pode apresentar uma condição intuitiva, acadêmica e científica, que podem se complementar de acordo com elementos individuais. O estudo minucioso dos grandes mestres coloristas me convenceu tão firmemente de que todos eles possuíam uma ciência da cor. Para mim, as teorias de Goethe, Runge, Bezold, Chevreul e Hözel foram inestimáveis (ITTEN, 1970). A cor deve ser experimentada para que seus sentidos sejam renovados: A palavra e seus sons, a forma e suas cores, fazem com que à esta sejam incorporadas abordagens por meios de seus aspectos: físico, químico, estético e espiritual. Compreender a cor abrange entender sua origem e suas possibilidades infinitas de aplicação estética. Segundo Itten, a cor pode ser dividida em dois aspectos: o agente cromático e o efeito cromático. O agente cromático corresponde à parte da cor de natureza físico-química, ou seja, dos estudos das tintas, pigmentos e corantes.O efeito cromático corresponde por sua vez ao efeito psicofisiológico que não corresponde à realidade da cor, ou melhor, ilusões de ótica geradas principalmente por contrastes. A cor pode ainda ser dividida esteticamente comparando-as com três movimentos da arte moderna: Impressionismo (visual), Expressionismo (emocional) e Construtivismo (simbólico)4. 4 ITTEN, 1970, p.17. CUSTODIO. A leitura das cores na Bauhaus: Josef Albers, Johannes Itten e Wassily Kandinsky. Anais do 4º Simpósio de Pós-Graduação em Design da ESDI SPGD2018 ISSN:2447-3499 ISSN ONLINE:2526-9933 A partir da esfera cromática de Runge5, Itten concebeu sua estrela cromática de doze pontas. O disco de cores primárias, secundárias e terciárias apresenta doze tons, onde dentro do triângulo equilátero central estão dispostas as três cores primárias. Este recomenda que cada cor, para ser vista em sua pureza máxima, seja vista sobre um fundo cinza médio, devido aos efeitos de contraste simultâneo. Figura 3: Estrela Cromática. Fonte: Johannes Iten, 1920. Itten definiu como sete, os contrastes obtidos no desdobramento do círculo cromático, apresentando cada contraste com sua particularidade e características comuns. A harmonia seria obtida pela combinação entre cores análogas ou de tons e valores próximos, sem contraste com intensidade, demandando desta forma o uso balanceado e simétrico das forças das cores, mesmo que extremamente contrastantes. Para o professor é possível a obtenção harmônica de cores a partir dos sistemas de cores esféricos, definindo duas complementares a partir de duas cores diametrais. Assim, podemos dizer que quando um conjunto de duas ou mais cores contem amarelo, vermelho e azul em proporções adequadas, a mistura será cinza. Amarelo, vermelho e azul podem ser substituídas pela soma total das cores. Satisfação do olho requer essa totalidade, e o olho, então, está em equilíbrio harmônico. (ITTEN, 1920) 3.3 Wassily Kandinsky Wassily Kandinsky estudou Direito e Economia na Universidade de Moscou. Convidado a lecionar na Universidade de Dorpat, rejeita a proposta para dar início a uma nova carreira, a de pintor, iniciando suas experiências artísticas na Alemanha. Em 1900 ingressa na Academia de Arte, sendo aluno de Franz Von Stuck e colega de Paul Klee. Funda com outros artistas a Phalanx, associação para exposições de arte. Kandinsky com envolvimento consistente no ensino da cor, se juntou à Bauhaus em 1922, tendo também elaborado, em tempos pós-revolução de 1917, um detalhado programa de 5 Philipp Otto Runge (1777 -1810): pintor romântico alemão. CUSTODIO. A leitura das cores na Bauhaus: Josef Albers, Johannes Itten e Wassily Kandinsky. Anais do 4º Simpósio de Pós-Graduação em Design da ESDI SPGD2018 ISSN:2447-3499 ISSN ONLINE:2526-9933 instrução para o já reformado Instituto de Cultura Artística de Moscou, proporcionando importância para cor. Para Kandinsky a cor deveria ser estudada no contexto da física, química, da fisiologia, da psicologia, e nas “ciências ocultas” das experiências. Este desenvolveu produções pioneiras sobre cor acompanhando o perfil psicológico, que as cores empreendem nas pessoas, tendo como princípio: o simbolismo da cor, suas relações com a espiritualidade e com a música. Suas obras teóricas mais conhecidas são: Do espiritual na Arte, Curso da Bauhaus e Ponto e Linha Sobre o Plano. Figura 4: Amarelo-Vermelho-Azul. Fonte: Wassily Kandinsky, Yellow-Red-Blue, 1925. Nesse contexto, compreende-se que a intensidade das cores oferece informações que produzem efeitos psicológicos sobre nós. Em síntese, segundo suas experiências6: O Amarelo possui um movimento irradiante e excêntrico. Representa um salto para além de todo limite, a dispersão da força em torno de si mesma. Uma cor essencialmente material e terrestre, uma cor fascinante e extravagante, uma “explosão de energia”, um “desperdiçar das forças”. Kandinsky caracteriza como a cor mais quente de todas que representa sons extremos agudos. A cor da loucura e delírio, uma “explosão emocional”, um “acesso de fúria”. Uma cor que possui uma forte intensidade e atormenta o homem. O Azul possui um movimento de distanciamento do homem físico, possui um movimento concêntrico. Uma cor imaterial, capaz de “despertar no ser humano um profundo desejo de pureza e de contato com o divino”, considerada a cor mais fria de todas. Representando sons graves, o azul trás consigo a paz e a calma, mais também detecta um estado de tristeza a medida que se escurece na direção do preto. O branco possui um movimento excêntrico mas não tão ativo quanto ao amarelo. Esta cor simboliza pureza, a alegria, o inicio e a “eterna possibilidade”, a esperança, “um nada antes de todo nascimento, antes de todo começo”, assim como o preto não é nem quente nem frio e significa o silêncio. Representa o “momento de expectativa ou de dúvida diante de uma possibilidade imprevisível”. 6 BARROS, Lilian M. A cor no processo criativo. São Paulo: Editora Senac, 2006. CUSTODIO. A leitura das cores na Bauhaus: Josef Albers, Johannes Itten e Wassily Kandinsky. Anais do 4º Simpósio de Pós-Graduação em Design da ESDI SPGD2018 ISSN:2447-3499 ISSN ONLINE:2526-9933 O preto, por conseguinte, realiza um movimento concêntrico, é a “ausência de resistência”. Esta cor simboliza a morte e a um “nada sem possibilidades”. O preto assim como o branco não é nem quente nem frio, significa o “silencio absoluto”. Cor associada a morte, assim como um cinza que vai adquirindo ao escurecer, o “desespero e a sufocação” e a profunda tristeza presente no azul. O verde é o ponto de equilíbrio entre as forças do amarelo e do azul, e por uma cor ter o movimento concêntrico e a outra um movimento excêntrico, as duas se anulam. É a cor mais calma entre todas as cores. Representa “passividade saudável”, repleta satisfação, é tonificante e representa a cor da natureza em seu movimento de maior vitalidade e exuberância. Não é quente nem fria, está em equilíbrio. O verde “soa como um violino”, tocando em escalas medianas, sem extremos de graves ou agudos. Representa um “estado de satisfação e realização pleno, sem desejos, portanto, imóvel e passivo, tedioso”. O movimento do vermelho não possui direção, parece mais um “borbulhar em si mesmo”. Kandinsky vê nessa cor uma “imensa e irresistível potência”. O vermelho é a cor autoconfiante, transbordante de vida, ardente, agitada, efervescente, ao misturar-se com o preto, o vermelho adquire a cor marrom, que se classifica como uma cor “dura, estagnada, quase sem vida”. No entanto, esta cor também é apontada como potente, na sua sonoridade interior, capaz de expressar uma “beleza interior que não pode ser traduzida em palavras”. É também uma cor quente, embora também tenha potencialidades para se tornar uma cor fria. Representa o som impertinente de uma fanfarra, com instrumentos como a trombeta, com sua potência e seus agudos. Com uma mistura ao amarelo, o vermelho evoca força, impetuosidade, energia, decisão, alegria, triunfo. Já em um tom médio o vermelho representa um “estado de alma no qual há paixão”, um vermelho mergulhado no azul representa uma “paixão abafada”, uma” brasa que se apaga na água”. Laranja detém o movimento em si mesmo, que caracteriza o vermelho, transforma-se, com a adição do amarelo, em irradiação e expansão. Na junção de duas cores, as simbologias do vermelho e do amarelo se unem. Resultando numa cor menos acida que o amarelo, material, ativa, que não tende para a profundidade. É uma cor quente que soa como uma “poderosa voz de contralto, ou como um sino”. O laranja representa a saúde e a força. O violeta possui um movimento concêntrico, característico do azul. Segundo Kandinsky, tanto o violeta como o laranjapossui um equilíbrio precário, a determinação dos limites dessas duas cores é imprecisa. É uma cor fria comparada as vibrações surdas do corne inglês. O violeta representa um “vermelho sem energia, apagado, triste e doentio”. CUSTODIO. A leitura das cores na Bauhaus: Josef Albers, Johannes Itten e Wassily Kandinsky. Anais do 4º Simpósio de Pós-Graduação em Design da ESDI SPGD2018 ISSN:2447-3499 ISSN ONLINE:2526-9933 Figura 5: As três cores primárias. Fonte: Wassily Kandinsky, The Three Primary Colours Spread over Three Elementary Shapes, 1923 Na relação com as figuras geométricas seus estudos se concentraram no círculo, no triângulo e no quadrado, numa concepção de “dicionário elementar” e uma correlação universal entre estas correspondências. Veiculando um teste psicológico, afim de validar cientificamente sua teoria, Kandinsky fez circular uma pesquisa entre alunos, professores e profissionais, no ano de 1923, pedindo que estes relacionassem as formas elementares às cores primárias (azul, vermelho e amarelo). O conceito de correspondência7 é um dos principais pilares de sua obra teórica, no qual relacionam-se forma, cor, temperatura, peso, equilíbrio, entre outros. Paralelos e parentescos entre as formas e as cores. Exercícios práticos com base, em primeiro lugar, num determinado tema, depois em temas propostos pelos próprios estudantes. (Ensino do pensamento lógico e desenvolvimento da iniciativa pessoal.) A base de todo o ensino é o ordenamento. A análise dos fenômenos complexos para descobrir os elementos originais. Do mesmo modo, o ordenamento da composição (KANDINSKY, 1923). Por fim, teoriza e aplica os conceitos de sinestesia na arte, uma associação de sentidos, como o som e a cor, refletida em suas obras abstratas líricas, conhecidas também como “orquestrações cromáticas”. As relações entre cor e música são antigas; remetem-nos às comparações entre as artes, com destaque para o Paragone de Leonardo. Em que, o docente acreditava na comunhão das diversas artes, além de atribuir movimento às cores, fundamentando toda uma estrutura teórica do abstracionismo do século XX, onde poderia se estabelecer relações universais encontradas em diversas culturas, através do ponto, da linha, do plano, da cor, do movimento e dos sons. 7 O conceito de correspondência baseia-se na relação entre elementos e como estes podem interagir entre si, produzindo novas interpretações CUSTODIO. A leitura das cores na Bauhaus: Josef Albers, Johannes Itten e Wassily Kandinsky. Anais do 4º Simpósio de Pós-Graduação em Design da ESDI SPGD2018 ISSN:2447-3499 ISSN ONLINE:2526-9933 4 — Conclusões Conforme as acepções apresentadas, as cores possuem interpretações ilimitadas, seus significados são complexos e dinâmicos, onde cada indivíduo possui um olhar, sentido e percepção diferenciado de uma mesma cor. As teorias, nesse ponto, representam alicerce para novas ressignificações das bases cromáticas estabelecidas. Estas, exemplificam a influência da cor sobre o psiquismo humano e sua eficiência no domínio estético. As mais variadas leituras das cores, enriquecem a produção artística e dão novos significados aos pigmentos e as luzes. A experimentação e o estudo das cores, por diversas perspectivas, no âmbito da Bauhaus permite concluir que a cor deve ser vista e sentida, sendo importante a interpretação para significação cromática. Em suma, destaca-se a compreensão da cor como uma expoente ferramenta para se libertar da representaça o do objeto. Assim a cor pode ser movimento, representação, temperatura, som musical e estado de espírito, além de estar associada com as formas básicas de desenho, formas dos objetos, formas da natureza, e formas do ser humano. As teorias cromáticas influenciam no contexto atual as produções artísticas e o pensamento perceptivo nas mais variadas áreas, a utilização das cores na indústria da moda, design, arquitetura, bens de consumo, serviços, entre outros, reforçam a importância dos estudos iniciados pelos docentes das Bauhaus. Considerando que a cor pode e deve ser utilizada como elemento essencial na leitura de produtos de diversas áreas, há de se pensar que ao iniciar um projeto, deve-se julgar necessário um estudo de cores, para avaliar as influências cromáticas sobre o público-alvo a ser apresentado, pois os grupos receptores de informação possuem características próprias que irão diferenciar as interpretações cromáticas. A experimentação da cor trará ao indivíduo a oportunidade de expor-se as mais diferentes sensações, em que a mesma cor aplicada de modos diferentes determinará leituras independentes. A cor é elemento determinante para proporcionar interação entre o ser e o que será percebido. Por ter uma interpretação e significado individual os estudos não podem ter caráter normativo e sim servir de alicerce para novas experiências, ou seja, ser o ponto de partida para novas produções. CUSTODIO. A leitura das cores na Bauhaus: Josef Albers, Johannes Itten e Wassily Kandinsky. Anais do 4º Simpósio de Pós-Graduação em Design da ESDI SPGD2018 ISSN:2447-3499 ISSN ONLINE:2526-9933 Referências ALBERS, Josef et al. A interação da cor. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009. BARROS, Lilian M. A cor no processo criativo: um estudo sobre a Bauhaus e a teoria de Goethe. São Paulo: Senac, 2006. BAYER, Herbert et al. Bauhaus, 1919-1928. New York: Museum of Modern Art, 1938. CARDOSO, Rafael. 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