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Fundamentos da intervenção na propriedade privada APRESENTAÇÃO No ordenamento jurídico, o Direito de Propriedade desempenha um papel destacado. Nesse contexto, afastando-se da noção individualista, a manutenção da propriedade impõe ao proprietário o dever de atender à chamada função social da propriedade. Além disso, a ordem constitucional prevê uma série de hipóteses em que é admitida a intervenção do Estado na propriedade privada. Dentre eles, cita-se a possibilidade de desapropriar propriedades em caso de necessidade, utilidade pública ou interesse social. Nesta Unidade de Aprendizagem, você vai aprender sobre a evolução histórica e o conceito de função social da propriedade. Ademais, vai estudar sobre os fundamentos constitucionais da intervenção estatal na propriedade particular e, além disso, sobre o posicionamento dos tribunais superiores em alguns julgados que se referem à questão da intervenção do Estado na propriedade privada. Bons estudos. Ao final desta Unidade de Aprendizagem, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Descrever a evolução e o conceito atual de função social da propriedade.• Identificar as normas constitucionais e os fundamentos que permitem a intervenção estatal na propriedade privada. ○• Definir o atual posicionamento dos tribunais superiores sobre a intervenção do Estado na propriedade dos particulares. • INFOGRÁFICO A desapropriação é a modalidade gravosa de intervenção do Estado na propriedade privada, e o art. 5.º, XXIV, da Constituição Federal trata dela, do seguinte modo: "a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição". Para saber mais sobre a desapropriação, confira o Infográfico a seguir. CONTEÚDO DO LIVRO Conforme o ordenamento jurídico, a propriedade privada não é absoluta. Isso ocorre, porque existe uma série de casos cuja intervenção estatal é admitida. Dentre eles, podemos citar casos de necessidade pública, utilidade pública ou interesse social. No Capítulo Fundamentos da intervenção na propriedade privada, da obra Direito Administrativo, base teórica desta Unidade de Aprendizagem, você vai aprender sobre a evolução e o conceito atual de função social da propriedade. Além disso, vai aprender sobre os fundamentos constitucionais da intervenção estatal na propriedade privada. Por fim, vai conhecer alguns julgados de tribunais superiores que abordam o tema da intervenção estatal na propriedade particular. Boa leitura. DIREITO ADMINISTRATIVO Cássio Vinícius Steiner de Sousa Fundamentos da intervenção na propriedade privada Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Descrever a evolução e o conceito atual de função social da propriedade. Identificar as normas constitucionais e os fundamentos que permitem a intervenção estatal na propriedade privada. Definir o atual posicionamento dos Tribunais Superiores sobre a in- tervenção do Estado na propriedade dos particulares. Introdução Embora o direito de propriedade seja uma garantia constitucional, isso não significa que se trata de um direito irrestrito e incondicionado. Isso ocorre, pois, de um lado, a manutenção da propriedade está condicionada à chamada atenção à sua função social; de outro, existem condições especiais que permitem que o Estado intervenha na propriedade privada. No primeiro caso, se o proprietário não cumpre as exigências legais para que a sua propriedade atenda à função social, o Estado pode promover a sua expropriação. No segundo caso, em situações como o iminente perigo público, o Estado está autorizado a utilizar a propriedade privada, independentemente da anuência do proprietário. Neste capítulo, você vai ler sobre a evolução e o conceito atual de função social da propriedade. Você também vai ler sobre as normas constitucionais, os fundamentos que permitem a intervenção estatal na propriedade privada e o posicionamento atual dos Tribunais Superiores sobre a intervenção do Estado na propriedade privada. Direito de propriedade e função social A história do direito de propriedade é tão antiga que se confunde com a pró- pria origem do Direito enquanto um conjunto de leis que regem as relações jurídicas das sociedades. Nesse contexto, a concepção jurídica da propriedade se desenvolveu enormemente ao longo dos tempos até tomar as roupagens que possui nos dias de hoje. Assim, aqui será abordado o percurso que parte da noção individual até a noção social da propriedade. Podemos conceituar o direito de propriedade como um direito individual que garante ao seu titular, entre outras coisas, os poderes de usar, gozar e dispor do seu bem. Além disso, também pode o proprietário proteger seu bem e reavê-lo de qualquer um que injustamente o detenha. Tal direito, com o advento do termo da Revolução Francesa e da edição da Declaração dos direitos do homem e do cidadão, de 1789, foi considerado um direito inviolável e sagrado (art. 17). Assim, em nome das liberdades individuais, pretendeu- -se proteger a propriedade privada ante ao arbítrio do poder de império do Estado. Com a edição do Código Napoleônico, de 1804, na mesma linha da Decla- ração dos direitos do homem e do cidadão, o direito de propriedade assumiu feições individualistas ao limitar a possibilidade de atuação do Estado ante a propriedade privada. Nesse contexto, o art. 544 do Código em questão dispunha acerca do direito de propriedade como “[...] o direito de gozar e dispor das coisas de modo absoluto, contanto que isso não se torne uso proibido pelas leis ou pelos regulamentos” (FRANÇA, 1804, documento on-line, tradução nossa). Quanto a isso, os usos proibidos por leis e regulamentos referidos se resumiam a tratar do direito de vizinhança. Com efeito, a visão individualista do direito de proprie- dade o considerava algo inviolável e praticamente absoluto (DI PIETRO, 2018). Tal visão passou, pouco a pouco, a ser repensada e, cada vez mais, rela- tivizada pela noção social da propriedade. Quanto a isso, cabe destacar que a noção social da propriedade não se confunde com sua ausência. Isto é, tal noção não é equivalente à ideia de matiz socialista, segundo a qual os bens são inteiramente públicos e geridos pelo Estado. A correta compreensão da dimensão veiculada pela noção social da propriedade depende de uma reflexão mais geral do significado da noção de direitos sociais. Fundamentos da intervenção na propriedade privada2 Por direitos sociais, entendemos aqueles de segunda dimensão, cuja finalidade im- porta na garantia da efetiva concretização do fundamento constitucional da dignidade da pessoa humana. Ademais, ao contrário da concepção individualista, cuja orientação está intimamente ligada à noção de liberdade, a noção social da propriedade toma como referência a ideia de igualdade. Nesse contexto, os direitos sociais surgem para propiciar que os indivíduos que compõem a sociedade tenham condições mínimas de igualdade de exercer e gozar dos direitos fundamentais. De um ponto de vista histórico, a preocupação com a dimensão social do direito emergiu, no século XIX, com o advento da Revolução Industrial. Ademais, foi fruto de pressões realizadas por movimentos sociais e de traba- lhadores, insatisfeitos com os abusos e a exploração perpetrados pela burguesia contra as classes trabalhadoras, bem como com a enorme desigualdade social entre as classes. Em função disso, foi possível — gradativamente — fazer a passagem do Estado liberal para um Estado social, com poderes para reduzir eventuais desigualdades e propiciar a concretização de políticas de cunho social. De um ponto de vista legal, os direitos sociais foram inicialmente previstos — de modo explícito — na Constituição Mexicana de 1917 e na Constituição de Weimar em 1919. Ademais, no contexto internacional,os direitos sociais foram objeto da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. Em nosso ordena- mento jurídico, podemos encontrar a preocupação com os direitos sociais desde a Constituição Federal de 1934. Porém, apenas com a Constituição Federal de 1946 a questão dos direitos sociais passou inclusive a ser título próprio em seu bojo. No que tange à questão da propriedade, contemporaneamente, adotamos o princípio da função social da propriedade. É precisamente em nome disso que, além de a Constituição Federal prever o direito de propriedade como um direito fundamental (art. 5º, XXII), ela também impõe como uma obrigação atender à sua função social (art. 5º, XXIII) (BRASIL, 1988). Em essência, dizer isso significa que o direito de propriedade não é algo in- condicionado (tal qual admitido pela concepção individualista da propriedade), devendo o proprietário fazer bom uso dela, sob pena de perder os próprios direitos que tem sobre ela. Assim, o direito de propriedade encerra também um dever de bem administrá-la e geri-la. Ademais, o critério empregado para boa administração da propriedade consiste no fato de ela ter em vista algum proveito, seja para o próprio proprietário, seja para a sociedade. 3Fundamentos da intervenção na propriedade privada Assim, se uma propriedade qualquer não tem qualquer destinação, finali- dade ou uso, ela não cumpre a sua função social. Isso, por sua vez, compromete o próprio direito à propriedade, pois o dever de garantir que a propriedade atenda à sua função social é inerente ao próprio direito que o proprietário tem sobre ela. Nesse caso, ou o proprietário deverá encontra-lhe alguma destinação ou ele perderá o direito que detém sobre ela. Além da previsão legal na sessão sobre os direitos e as garantias fundamentais, a questão da função social comparece na Constituição Federal como um princípio geral da atividade econômica. Nesse contexto, o art. 170, III, estabelece que a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre-iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observará o princípio da função social da propriedade (BRASIL, 1988). A função social da propriedade também desempenha papel no contexto da política de desenvolvimento urbano. Nesse ponto, o art. 182 da Constituição Federal estabelece que tal política será executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tendo por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes. Nesse contexto, a propriedade cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor (170, § 2º) (BRASIL, 1988). Além da sua contribuição para o contexto da política de desenvolvimento urbano, a função social da propriedade é um importante elemento da política agrária e fundiária. Nesse contexto, o art. 184 da Constituição Federal estabelece a competência da União para desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até 20 anos, a partir do segundo ano de sua emissão, cuja utilização será definida em lei (BRASIL, 1988). Com relação aos requisitos constitucionais para a concretização da função da propriedade rural, o art. 186 estabelece quatro condições gerais (BRASIL, 1988): 1. a propriedade rural deverá ser racional e adequadamente aproveitada; 2. os seus recursos naturais disponíveis deverão ser adequadamente uti- lizados, devendo preservar — em alguma medida — o meio ambiente; 3. o proprietário deverá observar as disposições que regulam as relações de trabalho; 4. a sua exploração deverá favorecer o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores. Fundamentos da intervenção na propriedade privada4 Fundamentos constitucionais da intervenção estatal na propriedade privada Antes de tratar especifi camente dos dispositivos constitucionais que abordam a questão da intervenção estatal na propriedade privada, faremos uma breve consideração sobre o seu conceito. Embora a Constituição Federal preveja o direito de propriedade como uma garantia fundamental (art. 5º, XXII) e um princípio geral da atividade econô- mica (art. 170, II), o que não significa que tal direito seja absoluto e incondicio- nado. Nesse contexto, além de prever a necessidade de a propriedade cumprir sua função social (art. 5º, XXIII), a Constituição Federal também admite a possibilidade de o Estado intervir na propriedade privada (BRASIL, 1988). Tal intervenção, que pode ocorrer de diversos modos e com diversas finali- dades, está fundamentada no poder de império da administração. Em função dele, o Estado pode, em nome do bem comum ou por outra razão relevante, impor sua vontade, independentemente da anuência dos particulares. Assim, estejam satisfeitas a condições legais, poderá o Estado intervir na propriedade privada. Conforme a doutrina, é comum distinguir as modalidades de intervenção estatal em duas categorias: a intervenção de uso ou restritiva e a intervenção supressiva. A principal diferença entre ambas está na intensidade da intervenção: enquanto a intervenção supressiva ocorre de modo permanente, a intervenção restritiva ocorre de modo meramente transitório (ALEXANDRINO, 2017). Com relação às modalidades supressivas de intervenção, destacamos a desapropriação. Sobre o conceito de desapropriação, Meirelles e Burle Filho (2016, p. 728) consideram que se trata da “[...] transferência compulsória da propriedade particular (ou pública de entidade de grau inferior para a supe- rior) para o Poder Público ou seus delegados, por utilidade ou necessidade pública ou, ainda, por interesse social, mediante prévia e justa indenização em dinheiro [...]”. Assim, em essência, consiste na modalidade que permite que o Poder Público — quando satisfeitas algumas condições — possa retirar permanentemente a propriedade do privado. 5Fundamentos da intervenção na propriedade privada Sobre o fundamento constitucional da desapropriação, citamos o art. 5º, XXIV (BRASIL, 1988). Nele, a lei estabelece o procedimento para desapro- priação por necessidade ou utilidade pública ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos na Constituição Federal. Ressaltamos que a ordem constitucional estabelece três casos em que a intervenção é admitida: por necessidade pública; por utilidade pública; por interesse social. Ademais, em todos os casos, a desapropriação fica condicionada ao paga- mento de indenização justa, prévia e em dinheiro. Com relação aos requisitos constitucionais para a desapropriação, como os dispostos no art. 5º, XXIV, vale destacar três: a necessidade pública, a utilidade pública e o interesse social. Vejamos cada um deles rapidamente, começando pela necessidade pública (BRASIL, 1988). Necessidade pública — trata-se do caso urgente e emergencial, cuja resolução satisfatória importa em relativização do direito de propriedade. A título de exemplo, citamos os casos que envolvam a segurança nacional. Nesses contextos emergen- ciais, se o Poder Público precisar da propriedade privada para resolver um problema de necessidade pública, ele poderá desapropriá-la. Utilidade pública — consiste nos casos em que o Poder Público, mediante juízo de conveniência e oportunidade, entende que bens privados podem ter uma destinação pública. Quanto a isso, destacamos que a questão da conveniência da desapropriação em função da utilidade pública não depende de emergência ou urgência, pois, nesse caso, a desapropriação estará fundamentada na ideia de necessidade pública. A título de exemplo, citamos a construção de uma escola ou um hospital. Interesse social — a possibilidade dedesapropriação pelo interesse social está intimamente ligada à ideia de função social da propriedade. Nesse contexto, exis- tem circunstâncias cujo direito de propriedade poderá ser relativizado, com vistas à distribuição da propriedade aos particulares. Com efeito, visando ao melhor aproveitamento de uma certa propriedade, o Poder Público está autorizado a desapropriá-la de seu proprietário original para repassá-la para outrem. A título de exemplo, destacamos os casos de desapropriação com o objetivo de construção de casas populares ou realização de reforma agrária. Fundamentos da intervenção na propriedade privada6 A intervenção restritiva, ou de uso, encontra seu respaldo constitucional no art. 5º, XXV (BRASIL, 1988). Nesse contexto, temos que, no caso de iminente perigo público, a autoridade competente poderá usar de propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização ulterior, se houver dano. Tal dispositivo constitucional estabelece a fundamentação para duas espécies de intervenção na propriedade privada: a chamada de requisição e a ocupação temporária. Nesse contexto, em face de iminente perigo público, o Estado está auto- rizado a requisitar ou ocupar temporariamente a propriedade privada. Nesse contexto, destacamos que, sempre que houver algum dano, o Estado tem o dever de indenizar o proprietário. No caso da requisição, o iminente perigo público pode tanto ser de ordem civil como militar. Nesse contexto, conforme a lição de Meirelles e Burle Filho (2016, p. 759), a requisição civil “[...] visa a evitar danos à vida, à saúde e aos bens da coletividade”. Em contrapartida, nos casos de requisição militar, os autores consideram que “[...] objetiva o resguardo da segurança interna e a manutenção da soberania nacional” (MEIRELLES; BURLE FILHO, 2016, p. 759). Segundo Hely Lopes Meirelles, a ocupação temporária trata-se da “uti- lização transitória, remunerada ou gratuita, de bens particulares pelo Poder Público, para a execução de obras, serviços ou atividades públicas ou de interesse público” (MEIRELLES; BURLE FILHO, 2016, p. 761). Em outras palavras, é a modalidade de intervenção na propriedade privada que tem por objetivo o uso, em caráter meramente temporário, de bens particulares com vistas à execução de obras ou serviços que possuam algum interesse público. Jurisprudência dos Tribunais Superiores sobre intervenção estatal A seguir, analisaremos algumas decisões das cortes superiores sobre a questão da intervenção estatal. Nesse contexto, em caráter preliminar, destacamos que a jurisprudência dos tribunais que aborda tal questão é farta. Assim, serão apresentadas duas ementas que abordam o tema: uma sobre a desapropriação e a função social da propriedade, outra sobre a requisição. O acórdão a seguir, relatado e julgado conforme o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ), trata de um agravo regimental em recurso especial em face de decisão que negou recurso especial interposto pela União. No caso em questão, a União determinou a expropriação de bem sob o argumento de 7Fundamentos da intervenção na propriedade privada que a propriedade não desempenhava sua função social. Porém, o contrário ficou comprovado mediante apresentação de estudo técnico. Nesse contexto, em função do não preenchimento dos requisitos constitucionais, o STJ decidiu manter a decisão que anulou o decreto expropriatório: Ementa: ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMEN- TAL NO RECURSO ESPECIAL. INTERVENÇÃO DO ESTADO NA PRO- PRIEDADE. DESAPROPRIAÇÃO PARA FINS DE REFORMA AGRÁRIA. DISCUSSÃO ACERCA DA PRODUTIVIDADE DO IMÓVEL EXPROPRIADO. ACÓRDÃO A QUO QUE RECONHECEU SER O IMÓVEL PRODUTIVO COM BASE NO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DO CUMPRIMENTO DA FUNÇÃO SOCIAL DA TERRA E DO APROVEITAMENTO RACIONAL DO MEIO AMBIENTE. REVISÃO DO JULGADO. NECESSIDADE DE REE- XAME DE MATÉRIA CONSTITUCIONAL. IMPOSSIBILIDADE. COMPE- TÊNCIA AFETA À SUPREMA CORTE. 1. Cinge-se a controvérsia à ação de desapropriação por interesse social, na qual se discute se o imóvel expropriado pode ser considerado produtivo ou não, tendo em vista ter apresentado Grau de Utilização da Terra de 61%, inferior ao patamar exigido no Decreto n. 84.685/80, que é de 80%. 2. O Tribunal de origem reconheceu que o imóvel expropriado não se enquadra no conceito de terra improdutiva para fins de reforma agrária, já que, consoante perícia técnica, alcançou os índices GUT de 61% e GEE de 100,21%, e desse modo, cumpriu a função social da terra, prevista no art. 186 da CF/88. A reforma de tal entendimento requer análise de matéria constitucional, o que é defeso em recurso especial, tendo em vista que a delimitação de competência estabelecida pelo art. 105, III, da Carta Magna de 1988 destina-se a uniformizar, tão somente, a interpretação do direito infraconstitucional federal. 3. Agravo regimental não provido (BRASIL, 2010, documento on-line). O acórdão a seguir, relatado e julgado conforme o entendimento do Tribunal de Justiça do Amapá, trata de uma apelação interposta contra decisão judicial do juízo de primeiro grau. Na ementa, observamos que o Corpo de Bombeiros precisou utilizar propriedade privada com vistas a conter incêndio. Nesse contexto, configurada a situação de iminente perigo público, o Estado está autorizado a utilizar a propriedade privada, devendo pagar pelos eventuais danos causados. O apelo fundou-se na insatisfação do proprietário ante aos valores pagos a título de indenização. Nesse contexto, citamos a ementa na qual o apelo foi parcialmente provido pelo tribunal: Fundamentos da intervenção na propriedade privada8 EMENTA: APELAÇÃO. REQUISIÇÃO ADMINISTRATIVA. COMBATE A INCÊNDIO. PERIGO PÚBLICO IMINENTE. UTILIZAÇÃO DE BEM PAR- TICULAR. INTERVENÇÃO NA PROPRIEDADE PRIVADA. SACRIFÍCIO DE DIREITO. DANO MATERIAL. RECOMPOSIÇÃO. INDENIZAÇÃO POSTERIOR. 1) Caracteriza o instituto da requisição administrativa os casos em que o Corpo de Bombeiros Militar, para combater incêndio, utiliza bens móveis, imóveis e serviços particulares contra a situação de perigo público iminente. 2) A requisição administrativa é modalidade de intervenção do Estado na propriedade privada na qual se assegura indenização ulterior ao particular, se houver dano. 3) Diante da situação de perigo público iminente em que foi necessário “sacrificar” na totalidade o bem do particular, deve- -se reconhecer o dever estatal de recompor a perda patrimonial. 4) Ocorre o sacrifício de direito nos casos em que o Estado, autorizado pelo ordena- mento jurídico, impõe perda ao particular, sacrificando o interesse privado e recompondo a perda patrimonial. 5) O ordenamento jurídico confere ao ente público o poder de investir diretamente contra o direito do particular, sem que o sacrifício de interesses privados caracterize qualquer violação, afastando-se a responsabilização estatal pelo dever de indenizar os abalos morais sofridos no caso de perigo público iminente. 6) Recurso parcialmente provido (AMAPÁ, 2018, documento on-line). ALEXANDRINO, M. Direito Administrativo descomplicado. São Paulo: Editora Método, 2017. AMAPÁ. Tribunal de Justiça do Amapá. Apelação no. 0048796-39.2015.8.03.0001. Relator: Des. Carmo Antônio, 28 ago. 2018. Tribunal de Justiça do Paraná, 2018. Dis- ponível em: https://tj-ap.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/642038417/apelacao- -apl-487963920158030001-ap/inteiro-teor-642038422?ref=serp. Acesso em: 4 dez. 2019. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União, 5 out. 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/consti- tuicao.htm. Acesso em: 4 dez. 2019. BRASIL. Constituição de 1946. Constituição dos Estados Unidos do Brasil, decretada pela Assembleia Constituinte. Diário Oficial da União, 19 set. 1946. Disponível em: https:// www2.camara.leg.br/legin/fed/consti/1940-1949/constituicao-1946-18-julho-1946- -365199-publicacaooriginal-1-pl.html. Acesso em: 4 dez. 2019. 9Fundamentos da intervenção na propriedadeprivada Os links para sites da Web fornecidos neste capítulo foram todos testados, e seu fun- cionamento foi comprovado no momento da publicação do material. No entanto, a rede é extremamente dinâmica; suas páginas estão constantemente mudando de local e conteúdo. Assim, os editores declaram não ter qualquer responsabilidade sobre qualidade, precisão ou integralidade das informações referidas em tais links. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (Primeira Turma). Agravo Regimental no Recurso Especial no. 1004060 PR 2007/0259850-6. Relator: Min. Benedito Gonçalves, 6 maio 2010. Diário de Justiça eletrônico, 14 maio 2010. Disponível em: https://stj.jusbrasil. com.br/jurisprudencia/9272050/agravo-regimental-no-recurso-especial-agrg-no- -resp-1004060-pr-2007-0259850-6-stj/certidao-de-julgamento-14304556?ref=serp. Acesso em: 4 dez. 2019. DI PIETRO, M. S. Z. Direito Administrativo. 31. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2018. FRANÇA. Código civil francês, de 21 de março de 1804. 1804. Disponível em: http:// www.assemblee-nationale.fr/evenements/code-civil-1804-1.asp. Acesso em: 4 dez. 2019. MEIRELLES, H. L.; BURLE FILHO, J. E. Direito Administrativo brasileiro. 42. ed. São Paulo: Malheiros, 2016. Leituras recomendadas BRASIL. Decreto-Lei nº. 25, de 30 de novembro de 1937. Organiza a proteção do patri- mônio histórico e artístico nacional. Diário Oficial da União, 6 dez. 1937. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del0025.htm. Acesso em: 4 dez. 2019. BRASIL. Lei nº. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União, 11 jan. 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/ l10406.htm. Acesso em: 4 dez. 2019. CARVALHO FILHO, J. S. Manual de Direito Administrativo. 27. ed. São Paulo: Editora Atlas, 2014. PESTANA, M. Direito Administrativo brasileiro. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. SANTANNA, G. Direito Administrativo: 4. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2015. ZIMMER JÚNIOR, A. Curso de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Editora Método, 2009. Fundamentos da intervenção na propriedade privada10 DICA DO PROFESSOR No ordenamento jurídico atual, o Direito de Propriedade está longe de ser algo absoluto ou incondicionado. Nesse contexto, entre outras coisas, existe a necessidade de que a propriedade cumpra aquilo que é chamado de função social. Para saber mais sobre a questão da função social da propriedade, veja a Dica do Professor. Conteúdo interativo disponível na plataforma de ensino! SAIBA MAIS Para ampliar o seu conhecimento a respeito desse assunto, veja abaixo as sugestões do professor: Artigo Quinto | Inciso XXIII | Função social da propriedade A Constituição Federal estabelece que a propriedade deverá atender a sua função social. Para saber mais sobre o assunto, confira o vídeo a seguir. Conteúdo interativo disponível na plataforma de ensino! Intervenção estatal na propriedade A desapropriação é uma das modalidades de intervenção estatal na propriedade previstas na Constituição Federal. Para saber mais sobre o assunto, confira o vídeo a seguir. Conteúdo interativo disponível na plataforma de ensino!
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