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REGIMES E ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS

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REGIMES E ORGANIZAÇÕES 
INTERNACIONAIS 
AULA 1 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Profª Devlin Biezus 
 
 
 
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CONVERSA INICIAL 
O objetivo desta aula é apresentar o contexto histórico em que surgiram 
as organizações e os regimes internacionais e fornecer um panorama de suas 
atuações. 
Para isso, a aula se divide em cinco temas. O primeiro apresenta o 
contexto histórico da proliferação das organizações internacionais. O segundo 
tema discute a origem e a natureza jurídica das organizações internacionais. O 
terceiro trata dos principais conceitos relacionados aos estudos das 
organizações internacionais. O quarto discute o abrangente papel político das 
organizações e instituições internacionais. Por fim, o quinto tema discute 
brevemente os debates teóricos de relações internacionais referentes ao papel 
das organizações internacionais. 
TEMA 1 – CONTEXTO HISTÓRICO 
Herz e Hoffmann (2004) entendem as organizações internacionais (OIs) 
como a forma mais institucionalizada de cooperação internacional, isso significa 
que as OIs não são a única forma de realizar cooperação entre atores estatais e 
não-estatais, mas que seu caráter permanente é o principal diferencial entre 
outras formas de cooperação. Apesar do modelo de organizações internacionais 
que conhecemos hoje ter se disseminado a partir do século XX, formas de 
cooperação organizada não são recentes na história (Onuki; Agopyan, 2020). 
Já no século XIX, as organizações internacionais começaram a ter maior 
importância na política internacional (Herz; Hoffmann, 2004). Nesse período, os 
avanços nos transportes e na comunicação gerados pela industrialização 
trouxeram problemas que até então não existiam no contexto internacional. O 
aumento do comércio internacional e o avanço do imperialismo europeu na África 
e na Ásia resultaram em uma rede econômica complexa que perpassava os 
limites territoriais do Estado-Nação. Dessa forma, as organizações 
internacionais desse período surgiram a partir da necessidade de se criar 
instituições e métodos sistemáticos que regulassem tais relações complexas 
(Claude, 1986; Herz; Hoffmann, 2004). 
Nesse período, o Concerto Europeu é um exemplo de um importante 
antecessor das OIs modernas (Herz; Hoffmann, 2004). O surgimento do 
Concerto Europeu se deu em 1815 com o Congresso de Viena, após o final das 
 
 
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guerras napoleônicas, cujo objetivo foi restaurar as principais dinastias europeias 
que haviam sido depostas por Napoleão Bonaparte (Magnoli, 2008). Na prática, 
o Concerto Europeu foi uma aliança formada entre Reino Unido, Prússia, Áustria 
e Rússia que se constituiu por meio de diversas reuniões multilaterais e visava 
a construir um equilíbrio de poder entre tais potências (Onuki; Agopyan, 2020). 
Apesar de o Concerto Europeu não ser uma organização voltada à 
segurança internacional, ele contribuiu com o estabelecimento de consultas 
mútuas entre as potências europeias e colocou as práticas diplomáticas 
multilaterais em um novo patamar. O destaque às práticas diplomáticas se dá 
devido à capacidade do Concerto Europeu em lidar com a ordem internacional 
vigente. Assim, não se restringindo apenas aos tratados de paz (Herz; Hoffmann, 
2004). 
Para além da questão de equilíbrio de poder tratada pelo Concerto 
Europeu, o século XIX também foi palco de transformações econômicas e 
desenvolvimento tecnológico. O surgimento do barco a vapor, das estradas de 
ferro, do telégrafo e dos cabos submarinos são exemplos de novas tecnologias 
que passaram a demandar maior coordenação entre os Estados. 
Como consequência, foram criadas a União Telegráfica Internacional, em 
1865, e a União Postal Universal, em 1874 (Herz; Hoffmann, 2004). A União 
Internacional do Telégrafo é considerada a primeira organização internacional 
do mundo. Seu objetivo foi facilitar a comunicação criando padrões 
internacionais; por exemplo, a organização foi responsável pela padronização do 
Código Morse. Atualmente, é denominada como União Internacional das 
Telecomunicações e é uma agência integrante da Organização das Nações 
Unidas (ONU) (Onuki; Agopyan, 2020). 
 Durante o século XX, a eclosão da Primeira Guerra Mundial, em 1914, 
oscilou as estruturas institucionais de cooperação que surgiram no século 
anterior. Os esforços para o estabelecimento de uma organização que 
objetivasse garantir a paz internacional vieram com o final de Primeira Guerra, 
em 1918. O Tratado de Versalhes, que oficializou o fim da grande guerra, marcou 
também a criação da Liga das Nações, que surgiu da ideia do 14º ponto de 
Woodrow Wilson, então presidente dos Estados Unidos. Durante as reuniões 
referentes ao Tratado de Versalhes, Wilson expôs suas ideias por meio de seu 
discurso de 14 pontos, os quais, em seu entendimento, serviriam para 
estabelecer uma paz duradoura. Seu 14º ponto consistia na ideia de formar uma 
 
 
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organização internacional universal de segurança coletiva responsável pela 
manutenção da paz (Araripe, 2008). 
A ideia de Wilson, em parte, foi materializada. A Liga das Nações, primeira 
organização internacional de segurança coletiva, foi estabelecida em 1919. Seu 
objetivo foi assegurar a paz mundial e institucionalizar mecanismos para a 
resolução pacífica de conflitos, de forma a evitar outra grande guerra (Onuki; 
Agopyan, 2020). Apesar de a Liga ser fruto do discurso de Wilson, seu desejo 
não foi completamente alcançado devido a não universalidade que a Liga das 
Nações teve; os próprios Estados Unidos nunca chegaram a participar da 
organização. Devido a ausência de Wilson dos Estados Unidos durante a 
negociação do Tratado de Versalhes, o presidente perdeu a maioria no 
Congresso durante as eleições parlamentares. Como consequência, o Tratado 
de Versalhes não foi ratificado pela casa legislativa estadunidense (Araripe, 
2008). 
Por não evitar a eclosão da Segunda Guerra Mundial, a Liga das Nações 
é compreendida como um fracasso. Seu sistema de segurança não foi capaz de 
fornecer alternativas à lógica de balança de poder (Herz; Hoffmann, 2004). 
Assim, o maior legado da Liga seria a experiência institucional para a 
constituição das Nações Unidas, sua sucessora (Araripe, 2008). 
TEMA 2 – ORIGEM E NATUREZA DAS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS 
De acordo com a definição utilizada por Accioly (2012, p. 673), as 
organizações internacionais são 
“associações de Estados (ou de outras entidades possuindo 
personalidade internacional), estabelecidas por meio do tratado, 
possuindo constituição e órgãos comuns e tendo personalidade legal 
distinta das dos Estados-membros”. 
A partir dessa definição, podemos destacar os elementos da associação 
de Estados e de personalidade legal. 
A decisão de criar uma organização internacional parte dos Estados, 
sendo eles os responsáveis por delimitar o objetivo e as áreas de atuação dessas 
instituições. Assim, os Estados que formam as potências do sistema 
internacional têm um papel crucial nesse processo (Herz; Hoffmann, 2004). Isso 
ocorre porque a participação e o interesse desses Estados geram um impulso 
para a criação das OIs. Por exemplo, após a Segunda Guerra Mundial, os 
 
 
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interesses dos Estados Unidos em se consolidarem no comércio internacional 
resultou na criação das instituições de Bretton Woods: o Banco Mundial e o 
Fundo Monetário Internacional (Herz; Hoffmann, 2004). 
A criação de uma organização internacional usualmente é consequência 
de um acordo multilateral e, nas maiorias dos casos, é ratificado por seus 
Estados-membros. O tratado constitutivo da instituição é seu instrumento básico; 
nele, estão delineados direitos e obrigações da organização, além das principais 
competências (Seitenfus, 2018). 
Mesmo que as OIs sejam criadas devido às decisões dos Estados, elas 
são consideradas como atores que possuem uma determinada autonomia em 
relação aos seus membros, pois são capazes de elaborar políticas própriase 
possuem personalidade jurídica (Herz; Hoffmann, 2004). Dessa forma, a 
autonomia e a personalidade jurídica outorgadas às organizações internacionais 
fazem com que elas não sejam apenas uma soma das vontades de seus 
membros, fazendo que sua natureza seja distinta e externa aos seus Estados-
Membros (Seitenfus, 2018). Contudo, afirmar que as OIs são pessoas jurídicas 
não significa que elas se equivalem a um Estado. Isso significa não estão acima 
dos Estados, porque o direito internacional entende a soberania estatal como 
unitária e indivisível. Assim, são sujeitos secundários do direito internacional 
porque sua capacidade deriva da vontade dos Estados (Seitenfus, 2018). 
Para melhor compreender as funções das organizações internacionais, 
podemos definir fatores que compõe sua natureza, que pode ser qualificada 
como deliberativa, podendo ser apresentada por meio das competências 
normativas, operacionais e impositivas. As competências normativas são 
instrumentalizadas pelas convenções, as quais representam a capacidade da 
organização de convocar uma conferência diplomática e de elaborar tratados 
que serão aplicados aos Estados-membros (Seitenfus, 2018). Ainda a 
competência normativa de uma organização implica que ela pode ser capaz de 
editar regulamentos e recomendações. Os regulamentos são uma forma de 
uniformizar as condutas dos Estados-membros perante uma situação comum. 
Já as recomendações funcionam atuam como propostas direcionadas aos 
Estados-membros, cujo intuito é recomendar uma conduta e não a tornar como 
norma (Seitenfus, 2018). 
A competência operacional das OIs trata de suas atividades externas, 
podendo ser atividades pontuais ou permanentes. Essas atividades dependem 
 
 
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dos poderes, da competência e dos recursos que as organizações possuem. Por 
exemplo, as Nações Unidas conduzem atividades permanentes referentes à 
manutenção da paz. As atividades pontuais podem ser direcionadas a qualquer 
país que necessite de alguma assistência urgente, como problemas resultantes 
de catástrofes naturais ou epidemias (Seitenfus, 2018). 
Por fim, a competência impositiva representa a capacidade das 
organizações internacionais em impor suas decisões externamente (Seitenfus, 
2018). Essa competência pode ser contraditória porque ela não é aplicada 
universalmente entre os membros da OI, ou seja, a imposição pode ser realizada 
de maneira mais fácil nos Estados mais débeis e não ser aplicada às potências. 
A competência impositiva das Nações Unidas, por exemplo, não pode ser 
aplicada aos membros do Conselho de Segurança (Seitenfus, 2018). 
A competência impositiva também é prevista no tratado formador da 
organização. A Carta Constitutiva da ONU prevê que a instituição não intervirá 
em assuntos que dependem da jurisdição interna do Estado. No capítulo VII da 
Carta, a ONU determina o cenário em que será capaz de realizar medidas 
coercitivas. Segundo a Carta, na existência de qualquer ameaça a paz 
internacional, o Conselho de Segurança será capaz de realizar recomendações 
e decidir quais medidas serão tomadas (ONU, 1945; Seitenfus, 2018). 
TEMA 3 – ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS: CONCEITOS-CHAVES 
A partir do contexto histórico desenvolvido pelo tema anterior, é possível 
compreender o cenário internacional em que as organizações internacionais 
surgiram. Apresentaremos algumas questões acerca dos conceitos relacionados 
às organizações internacionais contemporâneas, como a prática do 
multilateralismo e as principais características das organizações internacionais. 
Como demonstrado no tema anterior, as organizações internacionais 
contemporâneas não surgiram da maneira que conhecemos atualmente. Ao 
longo das décadas, elas evoluíram e se tornaram mais complexas. No século 
XX, as OIs se estabeleceram no cenário político internacional e hoje são 
importantes atores das Relações Internacionais e do Direito Internacional. 
A prática que rege as organizações internacionais é o multilateralismo 
(Onuki; Agopyan, 2020). Esse conceito pode ser definido como “a coordenação 
de relações entre três ou mais Estados de acordo com um conjunto de princípios” 
(Herz; Hoffmann, 2004, p. 10). Para compreender melhor a natureza do 
 
 
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multilateralismo, destacam-se três elementos que estão atrelados à sua prática. 
Esses são: princípios norteadores; indivisibilidade; e reciprocidade (Herz; 
Hoffmann, 2004). 
Os princípios norteadores são as regras ou os fundamentos que guiam a 
coordenação entre os Estados participantes de um acordo ou instituição 
multilateral. Por exemplo, o regime do comércio multilateral é norteado pelo 
princípio da nação mais favorecida o qual define que as nações terão o mesmo 
tratamento perante as tarifas comerciais. 
O segundo elemento que rege a prática do multilateralismo é a 
indivisibilidade, e isso indica que o que foi acordado entre as nações parte de 
um acordo multilateral será cumprido por todas. Por fim, o terceiro elemento é 
definido pela reciprocidade a qual pode ser entendida pela ideia de trocas 
mútuas entre os Estados (Herz; Hoffmann, 2004). O multilateralismo pode ser 
praticado de forma ad hoc ou permanente. Os arranjos ad hoc são acordos ou 
tratados temporários. Já o multilateralismo permanente é o cerne das 
organizações internacionais. Diferentemente dos arranjos ad hoc, as OIs 
possuem uma sede fixa e são formalizadas por um acordo que as dá origem 
(Onuki; Agopyan, 2020). 
Ao compreender que uma série de princípios comuns gerem o 
multilateralismo e a relação dos Estados dentro de uma organização 
internacional, é possível relacionar tais princípios com o conceito de regimes 
internacionais. O desenvolvimento de tratados e instituições multilaterais formam 
arranjos que lidam com problemas complexos os quais podem ser resultado dos 
âmbitos políticos, econômicos ou sociais. Esses arranjos dão origem aos 
regimes internacionais, podendo ser definidos como 
“um conjunto de princípios, normas, regras e procedimentos decisórios 
em torno dos quais as expectativas dos atores convergem em uma 
área temática”. (Krasner, 1982, p. 1) 
O regime de comércio, como já citado, o regime monetário e o regime de 
navegação nos mares são exemplos de regimes formados a partir de arranjos 
internacionais que guiam cada uma dessas práticas. 
Com o intuito de entender de forma geral as organizações internacionais, 
é importante destacar quatro características intrínsecas a elas. A primeira 
característica são seus membros, os quais necessariamente devem ser Estados 
ou outras organizações internacionais. A segunda é que a OI é formada por um 
 
 
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tratado internacional que deve definir os principais objetivos e competências da 
organização. Ainda, esse tratado deve ser ratificado internamente por todos os 
países-membros. A terceira característica é a associação voluntária; isso 
significa que os Estados participam de qualquer OI voluntariamente. A quarta 
característica é o caráter permanente; como mencionado, diferentemente dos 
arranjos ad hoc, uma organização internacional possui sede fixa, funcionários 
internacionais e um país que serve como sede (Onuki; Agopyan, 2020). 
Além dessas características, as organizações internacionais também 
podem ser classificadas a partir de diferentes critérios, uma vez que as OIs são 
diversas em suas funções, tamanhos e objetivos. Os principais critérios utilizados 
para classificar as organizações internacionais são referentes à sua geografia e 
função. 
O critério geográfico pode ser dividido entre regional ou global. Alguns 
exemplos de organizações internacionais regionais são a Organização dos 
Estados Americanos (OEA) ou a Associação das Nações do Sudeste da Ásia 
(Asean). Por sua vez, exemplos de organizações globais são a Organização 
Mundial de Saúde (OMC) ou as Organização das Nações Unidas (ONU). Em 
relação ao critério referente à função das organizações internacionais, elaspodem ser gerais ou especializadas. Alguns exemplos de organizações gerais 
são a ONU. Já as especializadas podem ser exemplificadas pela Organização 
Internacional do Trabalho (OIT) (Herz; Hoffmann, 2004). 
TEMA 4 – O PAPEL POLÍTICO DAS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS 
Como demonstrado no tema anterior, as organizações internacionais 
possuem diferentes critérios, os quais dependem de seus objetivos políticos. 
Devido a essa diversidade, o papel político exercido pelas OIs pode ter como 
alvo diferentes temáticas. Por exemplo, as organizações podem tratar do 
aspecto: da segurança coletiva, seja ela regional ou global; da cooperação 
funcional; da integração regional; e podem ser criadas a partir de uma sociedade 
civil organizada (Herz; Hoffmann, 2004; Hamann, 2005). Essa seção terá como 
objetivo apresentar os diferentes papéis políticos das Organizações 
Internacionais dentro desses quatro âmbitos propostos. 
A cooperação entre Estados no campo da segurança pode ser realizada 
por diferentes maneiras, como a formação de alianças, a elaboração de 
mecanismos de resolução de conflitos e pelo estabelecimento de acordos 
 
 
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mútuos que reflitam medidas de confiança. Em conjunto com essas formas de 
cooperação, existe o sistema de segurança coletiva o qual busca administrar os 
sistemas internacionais e, entre os demais dispositivos de cooperação para a 
segurança, é o mais comumente relacionado às organizações internacionais 
(Herz; Hoffmann, 2004). 
A ideia basilar do sistema de segurança coletiva é criar mecanismos que 
agreguem diferentes Estados com o intuito de evitar ou mitigar agressões entre 
os Estados (Herz; Hoffmann, 2004). Para que isso ocorra, deve existir confiança 
no funcionamento do sistema de segurança coletiva e ele deve contar com 
participação universal, ou quase universal, dos Estados. 
Como o intuito do sistema de segurança coletiva é evitar os conflitos 
violentos e as guerras, as normas de quando a força pode ser utilizada perante 
o sistema internacional é um ponto crucial (Herz; Hoffmann, 2004). Assim, é 
objetivo do sistema de segurança coletiva estabelecer as normas referentes ao 
uso da força, os armamentos permitidos a serem utilizados, o modo como os 
prisioneiros de guerra devem ser tratados e proteger os canais de comunicação 
entre países em conflito (Herz; Hoffmann, 2004). 
Em relação à cooperação funcional, esta pode ser definida como 
cooperação em uma área específica sobre questões sociais e econômicas e em 
diferentes graus de institucionalização, como iniciativas ad hoc ou por 
organizações internacionais (Herz; Hoffmann, 2004). A cooperação funcional 
trata de um tema amplo, tento uma importância política nas áreas de 
telecomunicações, saúde, comércio internacional e nos direitos humanos 
(Hamann, 2005). Apesar de as organizações internacionais que tratam da 
cooperação funcional apresentarem um aspecto mais técnico, elas não estão 
isentas de conflitos políticos (Herz; Hoffmann, 2004). No caso da União 
Internacional de Telecomunicações (UIT), por exemplo, existe um antagonismo 
entre Estados Unidos, União Europeia e Japão sobre a adoção de padrões 
técnicos que podem favorecer a indústria de determinado país. Apesar das 
divergências políticas, a cooperação na área da telecomunicação é uma 
necessidade prática, uma vez que a comunicação seria difícil de ser realizada 
sem padronizações e tecnologias comuns (Herz; Hoffmann, 2004). 
Sobre a cooperação funcional na área da saúde, destacam-se a 
Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), de caráter regional, e a 
Organização Mundial da Saúde (OMS), de caráter universal. Em seu início, a 
 
 
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OMS limitava suas atividades priorizando intervenções técnicas e programas de 
tratamentos específicos de doenças. A partir da década de 1970, passou 
abranger um maior escopo de atividades e tratar de questões socioeconômicas 
relacionadas à saúde (Herz; Hoffmann, 2004). Na área do comércio, pode ser 
destacado o papel da Organização Mundial do Comércio (OMC) como um 
importante agente da cooperação funcional. Dentro do sistema ONU, o Fundo 
Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial também são importantes atores 
no comércio internacional. Por fim, na área referente aos Direitos Humanos, o 
Alto Comissariado da ONU é um importante ator. 
O papel político das organizações de integração regional, por sua vez, 
está relacionado com a intensificação e abrangência das relações entre atores 
de uma mesma região, podendo resultar na criação de novas formas de 
governança institucionais (Herz; Hoffmann, 2004). Neste sentido, a integração 
regional abrange a cooperação em diferentes âmbitos, como político-
institucional, sociocultural e econômico (Herz; Hoffmann, 2004). Aqui, é 
importante diferenciar a integração econômica da integração regional, uma vez 
que a última deve contar com a cooperação nas questões políticas, sociais e 
culturais. Alguns exemplos de organizações de integração regional são o 
Mercosul e a União Europeia. 
Por fim, também é necessário destacar o papel político das organizações 
não-governamentais internacionais (ONGIs) que são um exemplo de como a 
sociedade civil pode se organizar no plano internacional. Assim, a sociedade civil 
global pode ser definida como “um espaço de atuação e pensamento ocupado 
por iniciativas de cidadãos” (Herz; Hoffmann, 2004, p. 217). 
A sociedade civil global é organizada em variadas formas, a exemplo de 
movimentos sociais transnacionais, redes políticas globais, comunidades 
epistêmicas e organizações não-governamentais. As ONGIs possuem diversas 
áreas de atuação e desempenham diferentes funções; algumas têm uma relativa 
autonomia e são relevantes na política internacional, como a Cruz Vermelha, o 
Greenpeace Internacional e a Human Rights Watch (Hamann, 2005). 
TEMA 5 – DEBATES TEÓRICOS SOBRE REGIMES E OIs 
O tema referente às organizações internacionais é um importante campo 
de estudos na área das Relações Internacionais. Nas próximas linhas 
 
 
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abordaremos quatro grandes teorias de campo que abrangem as OIs: o 
neorrealismo, o institucionalismo, o construtivismo e a teoria crítica. 
Na teoria neorrealista, destacam-se as interpretações de Kenneth Waltz 
sobre o papel das instituições internacionais na política internacional (de Paula, 
2011). Para Waltz, o sistema internacional é uma estrutura formada a partir da 
anarquia, da ausência de um poder coercitivo internacional. Assim, a estrutura 
política internacional é determinada por dois critérios: autoajuda e distribuição de 
capacidades entre os Estados (Solomón, 2016). A autoajuda significa que devido 
aos Estados estarem num sistema anárquico não podem contar com os demais 
para garantir sua sobrevivência (Freitas, 2009). Segundo Waltz, a distribuição de 
capacidades entre os Estados significa que o sistema internacional possui duas 
estruturas possíveis: bipolar e multipolar (Solómon, 2016). 
Além do conceito da anarquia internacional, o conceito da balança de 
poder também é importante no entendimento de Waltz sobre a natureza do 
sistema internacional. Para o autor, a balança de poder é o principal elemento 
estrutural que orienta o comportamento dos Estados (de Paula, 2011). Nesse 
sentido, a lógica da balança de poder é do jogo de soma zero ou que busca 
ganhos relativos (Hertz, 1997). Isso significa que, para o neorrealismo de Waltz, 
as possibilidades de os Estados cooperarem são limitadas e as instituições 
internacionais não são capazes de mudar a estrutura anárquica e de autoajuda 
do sistema internacional (Hertz, 1997). De acordo com a teoria de Waltz, as 
instituições internacionais seriam instrumentos de poder das grandes potências, 
usadas de acordo com seus interesses (de Paula, 2011). 
Por sua vez, a teoria institucionalista, ou neoliberalismo institucional, 
possui um entendimento diferente em relação ao papel das OIs no cenário 
internacional. Assimcomo o neorrealismo, o institucionalismo compreende que 
ações racionais guiam ações dos atores internacionais. De acordo com Keohane 
(1984), o comportamento dos atores é traçado de forma racional, de acordo com 
constrangimentos e incentivos do sistema internacional (Onuki; Agopyan, 2020), 
ou seja, a decisão de participar ou não de uma organização internacional será 
determinada de forma racional, com base em um cálculo de custo-benefício 
(Onuki; Agopyan, 2020). Contudo, institucionalistas e neorrealistas divergem no 
entendimento da importância das organizações internacionais. Para o 
institucionalismo, as OIs são capazes de amenizar efeitos da anarquia 
internacional e possibilitar a cooperação entre os Estados (Solómon, 2016). 
 
 
12 
Podemos destacar duas contribuições teóricas de Keohane para o campo 
das relações internacionais: a teoria dos regimes e debate com o neorrealismo 
(Solómon, 2016; Keohane, 1984). Diferentemente dos neorrealistas, Keohane 
argumenta que os regimes internacionais são capazes de modificar a 
distribuição de recursos de poder entre os Estados. Segundo o autor, os Estados 
escolhem cooperar porque é de seu interesse. Keohane desenvolve sua teoria 
a partir da argumentação de que os regimes internacionais são capazes de 
diminuir os custos de transações legítimas ao mesmo tempo que aumentam o 
custo das transações ilegítimas. Isso significa que, racionalmente, seria mais 
vantajoso cooperar do que não cooperar (Keohane, 1984). 
Por divergir de preposições centrais das teorias neorrealistas, as 
pesquisas institucionalistas construíram um importante debate teórico nos 
estudos das relações internacionais, denominado como debate neo-neo 
(Solómon, 2016). Em relação ao entendimento das instituições e regimes 
internacionais, o institucionalismo argumenta que os regimes e organizações 
conseguem amenizar os efeitos limitadores da anarquia por meio da 
cooperação. Já os teóricos neorrealistas argumentam que as instituições não 
são capazes de desempenhar tal papel porque a estrutura anárquica se 
sobrepõe às instituições. 
Além das teorias neorrealista e institucionalista, a teoria construtivista 
também se debruça em relação ao papel das organizações internacionais. A 
inovação da teoria construtivista é ir além da discussão da anarquia e 
racionalidade, presentes no neorrealismo e no institucionalismo, e dar ênfase 
para elementos como ideias, princípios e valores para entender o papel das OIs 
na política internacional (Onuki; Agopyan, 2020). 
Já o foco dos estudos construtivistas está nos processos que dão origem 
às instituições e aos regimes (Solómon, 2016). Nesse sentido, o intuito é 
demonstrar como instituições, sejam internacionais ou nacionais, são 
socialmente construídas por meio de um consenso e das ideias compartilhadas 
por determinada sociedade (Solómon, 2016). 
Um importante autor que representa essa corrente teórica é Alexander 
Wendt, que argumenta que a anarquia internacional pode resultar no sistema de 
autoajuda, como defendido pelos neorrealistas, ou no sistema cooperativo, como 
defendido pelos institucionalistas. Entre tais extremos, o autor considera que 
 
 
13 
também pode existir possibilidades intermediárias. Para justificar esse 
entendimento, Wendt considera que 
“essas diferentes instituições ou estruturas não surgiram da anarquia. 
Elas seriam consequência de outros processos e, fundamentalmente, 
da interação recíproca entre os autores”. (Solómon, 2016, p. 101) 
A importância das contribuições construtivistas é o argumento de que a 
interação entre estrutura e agentes podem resultar em diversas realidades, ou 
seja, não há uma lógica que determina as ações dos agentes. 
Por fim, a Teoria Crítica também se propõe a compreender o fenômeno 
das organizações internacionais pressupondo seus argumentos a partir da 
percepção de que as teorias, no geral, são relativas às condições históricas 
(Nogueira; Messari, 2005, p. 136). Isso significa que as teorias devem ser 
analisadas a partir do contexto histórico-social em que elas foram formuladas, 
para assim identificar a quem tais teorias servem. 
Esses pressupostos têm como base os estudos de Robert Cox, em que o 
autor questiona a neutralidade das teorias tradicionais, como o realismo e o 
liberalismo, defendendo a ideia de que toda teoria é relativa ao seu tempo e lugar 
(Nogueira; Messari, 2005, p. 139). A Teoria Crítica dá ênfase ao caráter histórico 
das estruturas políticas, econômicas e sociais, entre elas, àquelas entre a 
formação das instituições internacionais. Assim, as instituições são analisadas a 
partir da reflexão de uma estrutura histórica fruto de um determinado contexto 
(Onuki; Agopyan, 2020). 
NA PRÁTICA 
A Organização Mundial da Saúde (OMS) é um exemplo de organização 
internacional de cunho técnico e específico, mas que sua atuação também está 
relacionada ao âmbito político. 
Em 30 de janeiro de 2020, a OMS declarou que o surto do coronavírus 
(COVID-19) se constitui como uma emergência de saúde pública de importância 
internacional. Em fevereiro de 2020, apresentou seu Plano Global contra o 
coronavírus. Pesquise quais são os principais pontos que formam o Plano Global 
e relacione-os com o papel político que a organização possui. 
 
 
 
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Saiba mais 
Para saber mais sobre este assunto, sugerimos dois sites para consulta: 
• <https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&
id=6101:folha-informativa-novo-coronavirus-2019-ncov&Itemid=875>. 
Acesso em: 23. Mar. 2020. 
• <https://g1.globo.com/ciencia-e-saude/noticia/2020/02/05/plano-global-
contra-o-coronavirus-previsto-para-durar-3-meses-vai-custar-us-675-
milhoes-diz-oms.ghtml>. Acesso em: 23. Mar. 2020. 
FINALIZANDO 
Primeiramente, destacamos o contexto histórico em que ocorreu o 
aumento do surgimento das organizações internacionais. O intuito do tema 
trabalhado foi evidenciar como a cooperação internacional se modificou ao longo 
dos séculos, culminando na formação das Nações Unidas no pós-Segunda 
Guerra Mundial. Em um segundo momento, apresentamos a origem e a natureza 
das OIs; a ideia central dessa sessão temática foi conceituar as organizações 
internacionais e compreender porque elas podem ser consideradas sujeitos do 
direito internacional. 
Já o terceiro tema tratou dos principais conceitos relacionados aos 
regimes e às organizações internacionais. O intuito foi familiarizar esses 
conceitos e relacioná-los com a atuação prática das OIs. A quarta seção temática 
apresentou o papel político das organizações internacionais. Aqui, buscamos 
evidenciar que os aspectos políticos podem estar presentes mesmo em 
organizações voltadas a aspectos técnicos. Destaca-se ainda a multiplicidade 
das OIs no cenário contemporâneo. Por fim, o quinto tema apresentou 
brevemente as correntes teóricas das relações internacionais que tratam das OIs 
e do seu papel na política internacional. Na aula seguinte, esses debates teóricos 
serão aprofundados. 
 
 
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REFERÊNCIAS 
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