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10 A EXPERIÊNCIA DE IMPLANTAÇÃO DE UM SERVIÇO DE PLANTÃO PSICOLÓGICO NO PROJETO ESPORTE- T a le n to p o r a lu n o s de g ra d u a ç ã o d o IPUSP Marina Halpern Chalom ̂ Camila Munhoz Luiz Celso Castro deToledo Simone Aparecida Ramalho André Meller Ordonez de Souza Alexandre Moreira Kelma Assunção Souza Rebecca Campos O Serviço de Aconselhamento Psicológico (SAP) e o Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IP-USP) junto ao Projeto Esporte-Talento1 ofe receram um serviço de Plantão Psicológico2 por 3 meses, de setembro a novembro de 1996, voltado aos usuários, seus familiares e técnicos deste projeto. A opção por este modelo de atendimento resultou de um pedido inicial por um "pronto-socorro psicológico” da parte do corpo técnico do Projeto Esporte- Talento à equipe da psicologia, com o objetivo de lidar com algumas situações pelas quais passavam em seu cotidiano e que não sabiam como resolver. 1 O Projeto Esporte-Talento é um projeto do CEPEUSP junto à Fundação Ayrton Senna com o intuito de promover “educação através do esporte” para crianças carentes de 10 a 16 anos que habitam as proximidades da Cidade Universitária. Isto é feito dentro das seguintes modalidades de esporte: basquete, futebol, canoagem e handebol. Esse projeto será descrito detalhadamente no capítulo 23. 2 O projeto do Serviço de Aconselhamento do IPUSP contava também com um grupo terapêutico para crianças e um grupo de supervisão de apoio psicológico para os técnicos do Projeto Esporte-Talento. 1 7 8 A c o n s e l h a m e n t o P s ic o l ó g ic o C e n t r a d o n a P e s s o a A proposta de atendimento do plantão psicológico caracteriza-se como um espaço aberto para receber a pessoa que procura ajuda psicológica em situações de dificulda- de ou crise atual, sejam elas de qualquer ordem ou motivação. O plantão no Projeto Esporte-Talento realizava-se todas as segundas-feiras das 9:00 às 11:00 e das 14:00 às 16:00. O plantonista era um estagiário do quinto ano de Psicologia do IP-USP Às terças-feiras das 13:30 às 16:30, realizavam-se as supervisões destes plantões, A pessoa que procurava o serviço era atendida na hora e, se fosse necessário, marcavam-se retornos. Estes dependiam da vontade e necessidade do cliente, associada à avaliação do plantonista, até que fosse esclarecida a demanda do cliente. O que queremos dizer com isso? Que o cliente que procura um plantão psicológico pode estar buscando diversas coisas diferentes, desde uma orienta ção sobre métodos contraceptivos até um espaço para falar sobre a maneira com que se relaciona com os colegas e com a família e o sofrimento que isso lhe traz. Em um primeiro momento, pode não estar claro nem para a pessoa que procura nem para o terapeuta que busca é essa, e, portanto qual seria o melhor encami nhamento a se dar. Assim, diferenciamos conceitualmente a fala do paciente que explica sua ida ao plantão na primeira sessão (sua queixa) e o desdobra mento que terapeuta e cliente fazem dessa fala no processo de atendimento (sua demanda). O objetivo deste trabalho é acolher a pessoa no momento em que ela sentiu a necessidade de buscar alguma ajuda, dar tempo para que ela possa perceber, junto com o psicólogo, que ajuda ela quer e adequar a interven ção psicológica à real necessidade do cliente. Assim, os atendimentos ocorre ram por um breve espaço de tempo (o atendimento mais longo que realizamos durou 4 sessões), e se fossem constatados a necessidade e o desejo de uma psicoterapia mais longa o cliente seria encaminhado para outro serviço. A divulgação foi feita de três formas: cartazes no CEPEUSI? cartas para os fami liares e avisos nos grupos de crianças e no de profissionais pelos psicólogos do SAP Durante o período foram atendidos 8 clientes pelo serviço de Plantão Psico lógico junto ao CEPEUSP Cinco adolescentes, usuários do Projeto, duas mães de usuários e uma funcionária do CEPEUSP que não tinha vínculo com o Pro jeto Esporte-Talento. Devido ao pequeno número de clientes atendidos, dispomos de poucos dados para tirarmos qualquer conclusão acerca do Plantão Psicológico dentro do Projeto Esporte-Talento. Poderemos apenas levantar questões. No entanto, sobre a experi ência vivida pelos integrantes da equipe de plantão e sua influência na formação de cada um como psicólogo nos sentimos à vontade para discutir sua importância. A form ação de plantonistas no Projeto Esporte-Talento A formação de terapeutas que utilizam a Abordagem Centrada na Pessoa pode ser considerada a partir de três pontos: teoria, prática e crescimento pes- A e x p e r iê n c ia d e im p l a n t a ç ã o d e u m s e r v iç o d e p l a n t ã o p s ic o l ó g ic o 1 7 9 soai (CAM ARGO, 1987, p.53). Pretendemos a partir destes eixos discutir as pectos' da formação ligados ao trabalho realizado pelos estagiários e supervisores do Plantão Psicológico. Já havíamos passado pela experiência de realizar atendimentos nesses m ol des no SA P da U SP quando nos foi oferecida a possibilidade de inserção neste projeto. Entretanto, esta proposta guardava características diferentes em relação ao trabalho que realizávamos no SAP: em primeiro lugar, agora éramos nós os responsáveis pelo andam ento do Serv iço , não trabalhando apenas com o terapeutas que dão plantão, mas também na confecção das regras institucionais e reflexão sobre as mesmas. A instituição “Projeto Esporte-Talento/CEPEUSP” também tinha características diferentes quanto à geografia, população atendida etc..., o que nos fez perceber que por melhor que seja o modelo de atendimento ele precisa se adequar e se recriar em função do lugar em que ele vai ser oferecido. Em reuniões (que ocorriam nos espaços de supervisão) anteriores ao primei ro atendimento do plantão, surgiram questionamentos sobre o local de atendi mento, como faríamos encaminhamentos e se daríamos conta do número de clientes, além de outros problemas que refletiam as expectativas, anseios e angús tias da equipe. E interessante observar que a discussão de aspectos supostamente práticos como local e conduta quanto aos pacientes surjam em alunos de gra duação, nos mostrando como na faculdade estamos sempre seguindo condutas preexistentes sem nunca pensar sobre elas. Essas primeiras supervisões foram muito importantes, já que tornaram mais claras as intenções do projeto, o nível de conhecim ento de cada um sobre a proposta de plantão, e possibilitaram a criação de vínculos entre as supervisoras e os estagiários. Organizamo-nos em escala para oferecer o plantão semanalmente e, a prin cípio, nos foi oferecida uma sala com paredes vazadas dentro de um espaço que é a “sede” das atividades do Projeto Esporte-Talento no C EPEU SP Cobrimos as paredes com papel e requisitamos uma sala fora destas dependências para garantir uma maior privacidade dos clientes. Acabamos nos mudando para um lugar que consideramos mais apropriado. Organizamos cadeiras no corredor, caso ch e gasse mais de uma pessoa ao mesmo tempo, e afixamos na porta um aviso que pedia que a pessoa desse três batidas na porta e aguardasse para ser atendida. Pensamos que, sabendo que havia gente esperando, poderíamos nos organizar temporalmente no atendimento para acolher a todos. A equipe de trabalho era formada por alunos do 5Q ano da graduação, que estavam na expectativa ansiosa de se tornarem psicólogos e não saberem o que iriam encontrar na sua futura vida profissional, nem como se relacionariam com os problemas práticos que surgissem. Por sua vez, as supervisoras também estavam fazendo a sua formação: tinham acabado o curso de graduação no ano anterior e já haviam participado da equipe que implantou o serviço de plantão psicoló 1 8 0 A c o n s e l h a m e n t o P s i c o l ó g ic o C e n t r a d o n a P e s s o a gico em uma instituição pública do poder judiciário (vide capítulo 11), na qual tiveram atuação também como supervisoras. A formação das supervisoras se dava principalmenteem supervisões de apoio do trabalho que elas estavam realizando com os estagiários. Esta proximidade entre estagiários e supervisoras criou uma coesão na equipe, o que ajudou muito na construção deste serviço e do saber sobre ele. A implantação e manutenção dele dependiam desta equipe, e essa responsabilidade, além de implicar todos os integrantes de forma ativa, foi muito desafiante e bastante educativa. Falaremos, em linhas gerais, como concebemos um plantão psicológico. Um plantão pode ser um atendimento emergencial, pode ser o início de um processo que se estenderá por uma ou mais sessões, pode ser um fim em si mesmo, pode ser usado por alguém que acredita que a própria família precisa de atendimento e deseja conversar sobre isso, pode ser o local para onde o adolescente “proble- ma” será encaminhado por um professor, ou um local onde o cliente encontre um encam inham ento para outro serviço. Em certo sentido, ele se assemelha muito a um plantão médico, já que não se sabe o que irá aparecer e no qual é necessário tomar decisões rápidas e lidar com as demandas mais variadas. Por não ter um número de sessões fixo a priori, e ser um atendimento que se finaliza no momento em que a demanda se esclareça (momento único e cheio de suti- lezas, o que o tornava bastante misteriosos para nós), foram nas supervisões que pudemos enriquecer nossa própria definição de plantão: um plantão psicológico se caracteriza por um processo cujo início se dá no momento da procura do cliente, e que pode se estender pelo número de sessões necessárias — esta necessidade é avaliada pelo cliente e pelo plantonista — para que ele se aproprie de sua busca, ou seja, tendo o seu caminho clareado naquilo que o mobilizou em busca de ajuda. Compreendemos então que o que define o plantão não é propriamente a queixa, já que essa pode variar muito, mas é a m aneira de lidar com esta enquanto sintoma de uma demanda cujo esforço de compreensão é feito na medida em que interesse ao cliente. Um plantão pode ter uma função iniciadora de um processo maior ou reveladora/organizadora de uma problemática. Pode ser também um local no qual a angústia pode ser expressa e acolhida. Sobretu do o plantão é um processo com começo, meio e fim. Na formação de futuros profissionais, a teoria tem uma função norteadora, cria e mantém um sistema de referência ao qual se pode recorrer e se atualiza sempre que é repensada dentro de situações vividas nos contatos com os clientes e com as instituições onde esses são acolhidos. Porém, o conhecimento teórico, por si só, nem sempre tranqüiliza o estudante que se depara, na prática, com a problemáti- ca da pessoa que o procura. Nem é essa a sua função primeira. Nesse sentido, as supervisões foram muito ricas e, como não poderiam deixar de ser, ancoravam-se A e x p e r iê n c ia d e im p l a n t a ç ã o d e u m s e r v iç o d e p l a n t á o p s ic o l ó g ic o 181 na prática. Neste sentido, houve plantões nos quais não apareceram clientes e aproveitávamos desta experiência para pensar nos outros aspectos que nos cabiam no tocante a este serviço: sua divulgação, sua inserção a nível institucional, sua real necessidade, enfim, procurávamos iluminar cada parte do que fazíamos. Como fica claro, o espaço de supervisão não era usado para discutir a dinâmica interna ou a personalidade do paciente, mas sim todas as questões envolvidas em um atendimento: desde o cliente até problemas de ordem prática, que inevitavelmente ajudam a configurar o campo de um atendimento psicológico. Eram, portanto, discutidos aspectos relativos ao atendimento no tocante ao paciente, ao terapeuta em sua formação, às questões institucionais que o influenciam e as relações entre todos estes, que não são, logicamente, independentes. Do ponto de vista dos plantonistas estagiários, o processo de apropriação de seu trabalho e de seu saber teórico era fomentado nas supervisões. Este acontecia remetendo-os a suas próprias pré-concepções e levando-os a avaliadas. Por exemplo, no início dos atendimentos, a sala nas quais esses eram realizados não permitia o sigilo necessário, segundo a opinião da equipe. Além disso, enquanto um cliente era atendido, outros adolescentes circulavam em frente à sala. Imagi návamos que surgiriam reclamações sobre falta de privacidade nas salas e sobre o fato de que todos os jovens que passavam pelo corredor saberiam quem estava em atendimento ou quem seria o próximo cliente. Isso foi amplamente discutido entre a equipe, mas nunca apareceu como uma preocupação por parte da clien- tela. A partir dessa percepção, pudemos repensar a questão do setting e o quanto essa preocupação da equipe vinha de informações teóricas aprendidas na faculdade, mas que nunca tinham sido pensadas em suas sutilezas, por exemplo, como a preocupação com a privacidade varia de uma população para outra e de uma instituição para outra. Inserindo-se assim uma perspectiva reflexiva sobre aquilo que é dado como verdade no curso de graduação, ou seja, implicando o futuro psicólogo na sua prática, não definindo-a a partir de concepções externas a ela, mas construindo-a no dia-a-dia a partir de uma proposta prévia. Nosso trabalho não partiu da estaca zero, mas permitiu reconsiderações a partir da prática: este é o tão desejado e idealizado diálogo entre teoria e prática. Nessa prática pudemos observar que existem pacientes que chegam angusti ados e confusos ao plantão e saem mais aliviados, sem ter a necessidade de um retorno. Existem pessoas que procuram o plantão em um momento de crise, esclarecem alguns pontos sobre essa crise e sentem-se satisfeitas com o resultado obtido, não precisando mais do serviço. Por estranho que pareça, esse tipo de uso de um serviço por parte dos clientes pode ser muito frustrante para certos profissionais da área psicológica, já que, na graduação, acabamos “aprendendo teoricam ente” não só como os psicólogos devem agir, mas também como os pacientes deveriam reagir: demandando um tratam ento longo e profundo. 1 8 2 A c o n s e l h a m e n t o P s ic o l ó g ic o C e n t r a d o n a P e s s o a JU RA N D IR FREIRE C O ST A (1978) coloca como a palavra superficial é usada para definir atendimentos psicológicos em relação à prática psicanalítica, que já normatizou o que é ou não válido no campo terapêutico. Nesse sentido, o plantão questiona a prevalência da psicanálise e de outros tratamentos longos, que nos são apresentados como única forma de ajuda psicológica válida. Por isso, tivemos que constantemente reavaliar as nossas propostas e atitudes à luz dos resultados do trabalho desenvolvido. O que estamos fazendo ao escrever este texto é um exemplo de uma das questões sobre a formação do psicólogo mais difíceis sob o ponto de vista prático, mas de fácil compreensão teórica: a teoria tem de ser internalizada. Parece simples... Pensemos na premissa: “o cliente é fonte de seus próprios recursos”. Se acreditamos nisso, devemos concluir que o cliente disporá desses recursos da melhor maneira possível para ele, cabendo ao psicólogo acompanhá-lo quando solicitado a fazê-lo. Podemos inform ar a pessoa que nos procura sobre a possibilidade de estender o número de sessões se acharmos necessário, mas ele, o cliente, deve continuar sendo sua própria fonte de recursos. Não devemos tentar impor ou convencê-lo. A intenção é: “Facilitar a expressão do sentimento, potencializar a pessoa, liberar o indivíduo para um a escolha au tôn om a...”. Disso resultaria "...mais aprendizagem, mais produtividade, mais criatividade do que resulta do exercício do poder sobre a pessoa” (RO GERS, 1988, p. 13). Na maior parte das vezes, não ficamos sabendo como se desenrolou a história do paciente que nos procurou em um plantão. A premissa, que é de fácil compreensão do ponto de vista teórico, pode ser muito frustrante quando colocada em prática. Se não for internalizada, a atitude do terapeuta não será norteada por ela, mas por idéias,conceitos e desejos que provavelmente não estarão claros nem para o próprio psicólogo. A questão levantada acima chama a atenção para o que se chama de “cres cimento pessoal”. Conhecer a si mesmo promove crescimento pessoal, lidar com dificuldades, trabalhar em grupo, rever pontos de vista, assim como ser supervi sionado. Só quem tem um conhecim ento razoável de si mesmo é capaz de perceber o mundo do cliente. A implantação do serviço de plantão no projeto Esporte e Talento foi uma experiência riquíssima para os que dela participaram, em todos os aspectos do tripé supracitado. Essa experiência teve como meta a formação dos plantonistas e supervisores a partir do conceito de Aprendizagem Significativa, ou seja: “aquisição de novos significados; pressupõe a existência de conceitos e proposições relevantes na estrutura cognitiva, uma predisposição para aprender e uma tarefa de aprendizagem potencialmente significativa." (M A SIN I e M O REIRA , 1982, p. 101) Resumindo o que foí dito até aqui, diríamos que os principais aspectos rela tivos à formação presentes nessa proposta foram a possibilidade de os estagiários A e x p e r iê n c ia d e im p l a n t a ç ã o d e u m s e r v iç o d e p l a n t ã o p s i c o l ó g ic o 1 8 3 participarem da implantação de um serviço psicológico diferenciado e toda a discussão em torno da prática do plantão, a reflexão constante sobre as questões técnicas ligadas ao atendimento psicoterapêutico e a aproximação dos estagiá rios com a realidade do trabalho em uma instituição distinta das clínicas existentes no Instituto de Psicologia da USP Algumas considerações sobre o Plantão Psicológico Apesar do pequeno número de atendimentos realizados, nossa experiência nessa instituição nos suscitou questões sobre as quais vamos discorrer agora. Gostaríamos de fazer algumas considerações sobre a baixa procura do P lan tão. Pensamos que esta se deveu a um problema de divulgação ou esclarecim entos insuficientes sobre o serviço. Além disso, cabe ressaltar que durante os 3 meses de existência do Plantão Psicológico ocorreram alterações na freqüência dos usuários devido a falta de passes de ônibus, o que também pode ter prejudicado a sedimentação do espaço do Plantão. s fantasias e preconceitos que circulam entre os usuários e técnicos a respeito da procura por um atendimento psicológico podem ainda ter sido um fator complicador desta im plantação. Além disso, a possibilidade de procura de uma ajuda psicológica pode não fazer parte do universo desses adolescentes, tanto por características da faixa etária como por características socioculturais. Seria interessante que a divulgação do Serviço de Plantão levasse em conta essas características, para uma maior eficácia. Em relação ao tipo de vínculo com o projeto, percebemos que o Serviço foi utilizado por familiares e usuários, mas não por técnicos, dado que também merece atenção: poderia mais uma vez ser um problema de divulgação e/ou esclarecimento acerca do serviço ou da imagem que eles fazem de um serviço psicológico. N o entanto, é bom lembrar que os técnicos dispõem de um espaço psicológico para lidar com suas questões relativas à participação no projeto, que é o grupo de técnicos. Houve uma grande variabilidade na faixa etária dos clientes atendidos, o que dificultou a análise destes dados em uma pequena amostra. Sobre o sexo, verificou-se que todos os clientes eram do sexo feminino. O maior número das queixas eram relativas à orientação e ao ajustam ento, estando ligadas às situações de crise ou conflito e bem -estar geral. O plantão parece ter propiciado um espaço de escuta para estas situações específicas que acabaram ali se resolvendo. Daí o fato de não haver ocorrido nenhum encam i nhamento para fora do serviço, como poderia ocorrer, em caso de necessidade de um processo psicoterápico, por exemplo. Houve ainda queixas classificadas como dificuldades relativas à fam ília, que, por vezes, vinham acompanhadas de considerações e reclam ações de mau rendim ento nos treinos. Sobre estas, pensamos que, sendo a população de usuários dependentes de seus pais, acabavam 1 8 4 A c o n s e l h a m e n t o P s ic o l ó g ic o C e n t r a d o n a P e s s o a ficando sujeitos às oscilações conjugais e familiares que aconteciam em casa. A resolução desses conflitos fam iliares muitas vezes não está ao alcance do adolescente, que precisa conviver com um sentimento de impotência que gera muita ansiedade. Ao mesmo tempo, ficam impossibilitados de agir em conflitos n este âmbito, pois não lhes dizem, diretam ente, respeito, causando muita ansiedade. Neste sentido, o espaço do plantão serviu como uma possibilidade de ajuda na tentativa de situar o cliente no tocante a este tipo de problemática, ou a outras que possam vir a surgir. Apareceram também queixas emocionais e de distúrbios de comportamento. Ressaltamos que é um plantão que se diferencia de outros já existentes, pois é voltado para o atendimento de adolescentes. A adolescência é uma fase crítica, no sentido de que as mudanças internas (fisiológicas, na aparência etc) e as externas (novo lugar social, não mais a criança, mas tampouco ainda um adulto) por si só já causam bastante atribulação na vida da pessoa. O que gera uma demanda própria, por vezes mais próxima de uma orientação sobre o período que o sujeito está vivendo, sobre sexualidade etc. Demanda por um auxílio pontual, como em um “pronto-socorro” (exatam ente como foi pedido) para questões que não estão sendo elaboradas, ou conversadas entre os adolescentes, entre familiares e adolescentes ou entre adolescentes e técnicos. Este espaço poderia se constituir no futuro como um espaço privilegiado de atenção psicológica profilática para a adolescência, na medida em que as questões estariam sendo discutidas no momento em que emergem. Diferentemente do que ocorre no SAP os clientes do Projeto Esporte Talento não deram continuidade aos atendimentos, de modo que estes não se caracteriza vam como psicoterapia, nem mesmo como uma psicoterapia abreviada. Também não demandaram encaminhamento para um auxílio psicológico outro. A demanda dessa clientela se caracterizou em um primeiro momento por um atendimento de poucos ou nenhum retorno para se tratar de uma determinada questão. A intervenção psicológica propiciada pelo Serviço de Plantão Psicológico parece ir ao encontro dos objetivos do Projeto Esporte-Talento, uma vez que possibilita um espaço no qual aspectos que não conseguiram ser abordados nos treinos sejam analisados, ajudando desta forma a promover a educação através do esporte. Além disso, o cuidado oferecido ao usuário através do atendimento psicológico contribui para uma inserção mais integral daqueles que participam do Projeto. A EXPERIÊNCIA d e im p l a n t a ç ã o d e u m s e r v iç o d e p l a n t ã o p s ic o l ó g ic o 185 R eferên cias B iblio g rá ficas C a m a r g o , I. (1987) In R o s e n b e r g , R . L.; o r g ., A c o n s e l h a m e n t o P s ic o l ó g ic o C e n t r a d o n a P e s s o a , S ã o P a u l o : E d i t o r a P e d a g ó g ic a e U n iv e r s it á r ia . C o s t a , J.F. (1978) In F ig u e ir a , S.A .; c o o r d (1978) S o c ie d a d e e D o e n ç a M e n t a l , R io d e J a n e ir o , C a m p u s . M a s in i E. F. S. E M o r e ir a , M . A . (1982) A p r e n d iz a g e m S ig n if ic a t iv a : A T e o r ia d e A u s u b e l , São P a u l o , M o r a e s . R o g e r s , C . R . (1988) Em Busca de Vida, São Paulo, Summus Editorial. Psicodinâmicos, Brasília (1), 4: 35-44 (impresso em 1972). P la n tã o psico ló g ico em ho spital psiq uiátrico Walter Cautella Júnior Antes de nos aprofundarmos na experiência do plantão psicológico no hospi- tal psiquiátrico, considero importante salientar que este breve trabalho não tem a pretensão de esgotar a questão. Estia é uma abordagem terapêutica recente, pelo menos no que se referea uma instituição psiquiátrica, e temos que clar tempo ao tempo para que possamos vivenciar a experiência e conceituá-la. Enfim, fazer ciência e teorizar sobre os fatos. Até o término deste relato, não tivemos conhecim ento de outras instituições psiquiátricas que utilizassem esta moda lidade terapêutica da forma como aqui será abordada. E importante iniciar a apresentação com caracterização do hospital psiquiá trico onde está sendo realizada a prática, para que possamos visualizar a experiência do plantão inserida dentro de um contexto mais amplo. A Casa de Saúde Nossa Senhora de Fátima é uma instituição mantida por religiosas católicas pertencentes à Congregação das Irmãs Hospitaleiras do Sagra do Coração de Jesus. Essa congregação possui hospitais distribuídos pela Europa, África, Ásia e América Latina, e elege como objeto de sua dedicação exclu sivamente o doente mental. A forte influência humanista na ideologia dessa congregação e, conseqüentemente, na ideologia do hospital facilitou muito a implantação e aceitação do plantão psicológico, assim como suas conseqüências na dinâmica hospitalar. A instituição em questão é um hospital de porte médio, com 170 leitos que permanecem invariavelmente ocupados. Esses leitos estão distribuídos em enfer marias que formam 5 setores distintos. A saber: térreo, primeiro andar — alas A e B — e segundo andar -alas A e B. No térreo ficam pessoas cujo o nível de desorganização e comprometimento causados pelo quadro patológico não é tão intenso, e clientes provenientes de convênios particulares. O primeiro andar/ ala A é constituído por pessoas cronificadas ou deficientes moderados e graves 1 6 2 A c o n s e l h a m e n t o P s ic o l ó g ic o C e n t r a d o n a P e s s o a que necessitam de uma atenção direta da equipe da enfermagem. A atuação terapêutica neste setor é centrada na terapia ocupacional visando melhor organização e uso mais eficiente dos recursos internos disponíveis. No primeiro andar/ ala B iremos encontrar pessoas que estão em uma etapa mais avançada do tratamento e, portanto em um quadro sub-agudo. Nesta ala estão alojados os idosos e clientes em condições de receberem alta hospitalar. O segundo andar/ ala A é constituído por pessoas em quadro agudo de sua doença. E portanto o andar de entrada na instituição. Neste setor a ação é prioritariamente medica mentosa, visto que o nível de desorganização e a ruptura com a lógica são intensos. O estabelecimento de um vínculo psicoterápico e a ação verbal é bastante restrito. No segundo andar/ala B encontramos pessoas que saíram do momento agudo de sua doença, porém ainda não estão aptas a serem transferidas para as outras alas de terapêutica menos ostensiva do ponto de vista medicamentoso. Espera-se que o segundo andar/ala B seja um andar de transição, uma etapa intermediária entre o momento agudo e a saída do hospital. E nesse momento que o trabalho psicoterápico tem se mostrado mais eficiente. A experiência nos mostra que no momento agudo a relação terapêutica é pouco eficaz devido a vários fatores, tais como: o alto grau de desorganização interna que o indivíduo apresenta; a necessidade de uma intervenção medicamentosa mais agressiva que pode influenciar a capacidade elaborativa; etc. Nos momentos que prece dem à alta hospitalar, a vinculação ao processo também fica prejudicada, visto que o indivíduo encontra-se mobilizado para abandonar a instituição. Como o breve relato estrutural da instituição deixou explícito, trabalhamos com uma população bastante heterogênea, composta de pessoas em quadro agudo e sub-agudo de suas doenças. Mesmo os pacientes crônicos que estão internados encontram-se em um momento agudo na sua cronicidade. Não possuímos paci entes asilados e o período de internação visa ser o mais breve possível, no intuito de minimizar as seqüelas inevitáveis de uma instituição psiquiátrica a nível social. Além disso, acreditamos que o lugar do paciente deva ser junto à sua família e inserido na sociedade. A função da institucionalização é exercer uma ação terapêutica enquanto essa ainda não possa ser realizada em âmbito ambulatorial. O corpo clínico é constituído por oito psiquiatras, sendo dois plantonistas, nove residentes em psiquiatria, cinco clínicos gerais, três psicólogos, quatro estagiários de psicologia, dois terapeutas ocupacionais, duas recreacionistas, dois assistentes sociais, quatro enfermeiros, um farm acêutico e, por fim, um nutricionista. A equipe tenta trabalhar de uma maneira coesa, com o intuito de potencializar ao máximo o curto tempo de internação. O setor de psicologia realiza grupos psicoterápicos, atendimentos individuais (em esquema de psicoterapia breve e focal) e o plantão psicológico. Esporadica P l a n t á o p s i c o l ó g ic o e m h o s p it a l p s iq u iá t r ic o 163 mente, são realizados processos psicodiagnósticos, porém essa tarefa não é a prioridade do setor, visto que o psicólogo é reconhecido nesta instituição pela sua ação terapêutica direta. Para que possamos compreender o plantão psicológico dentro do con texto hospitalar, é necessário conhecermos os conceitos de doença mental que orientam a conduta terapêutica nesta instituição. São vários os conceitos de doença que circulam pela nossa cultura e socie- dade. A O M S. (Organização Mundial de Saúde, 1993) considera a saúde com o um estado de completo bem -estar físico, m ental e social e não somente a ausência de sintomas. Se nos determos sobre esta conceitu ação, concordaríam os com M A U R ÍC IO K N O BEL (1986 , p .10),que ao avaliar tal conceito em seu livro sobre psicoterapia breve afirma qüe a única verdade que essa definição contém é a de que a ausência de sintomas não significa saúde, pois pode haver processos não manifestos ou uma negação da doença. Se considerarmos esse con ceito , chegaríamos à conclusão que estamos todos doentes. Quando em uma sociedade moderna, pós revolução industrial, capitalista e repleta de tensões e exigências, alguém pode afirmar que encontra-se em tal equilíbrio? Aparentem ente, esse conceito propõe uma homcostase utópica. A vida é conseqüência de um jogo de tensões onde há mom entos em que estam os bem fisicam ente, porém a ansiedade ou a angústia podem aflorar nossa consciência, pois estamos vivos. Qual cidadão pode falar de bem -estar social em uma sociedade como a brasileira? Outro conceito utilizado pelo senso comum, e que surgiu a partir das primeiras tentativas da psiquiatria em definir seu campo de atuação, costum a definir o doente mental como alguém “anormal”. Portanto, a doença mental seria definida pelo não pertencimento a uma regra geral (normalidade). Se nos orientássemos por esse conceito popular haveria com certeza uma superlotação das instituições que tratam do doente mental. Estariam em tratamento gênios e todos os indi víduos que possuem uma habilidade especial. Grandes personagens da história universal não poderiam realizar feitos memoráveis, pois estariam institucionalizados por serem “loucos”, sob a ótica desse conceito. Afinal, Wolfgang Amadeus Mozart, Albert Einstein e muitos outros foram decididamente indivíduos portadores de um dom especial que foge à regra geral, porém não foram doentes m entais. Percebemos que, nesse conceito, a “normalidade”, e portanto a saúde, seria definida pela constância na manifestação do fenômeno. A saúde seria uma faixa estatística. Se levarmos esse raciocínio às últimas conseqüências, poderíamos considerar normais e saudáveis manifestações evidentes da patologia social como os crimes, por exemplo, esses ocorrem com uma certa freqüência e são considerados um fenômeno esperado dentro de um contexto social. E comum ouvirmos, principalmente no contexto hospitalar, familiares referi- rem-se ao doente mental como aquele que “sofre de uma doença dos nervos” 1 6 4 A c o n s e l h a m e n t o P s ic o l ó g ic o C e n t r a d o n a P e s s o a ou da “cabeça”. Existeimplícito nesse discurso um outro conceito ineficiente de doença mental. Sob essa ótica, o doente mental é aquele que sofre. Embora muitas vezes o sofrimento psíquico esteja evidente na doença mental, não po- demos definir a doença pela sua existência. O sofrimento psíquico não precisa ser sintoma de doença. Em alguns casos, a angústia ou a tristeza são sinais de saúde. Dentro de um processo psicoterápico, "o sofrimento pode significar que o sujeito está entrando em contato com questões que até então eram negadas. Em situações de luto se espera a tristeza no caminho para a elaboração da perda. Por outro lado, a ausência do sofrimento também não significa saúde. Quem já teve a oportunidade de entrar em contato com uma pessoa em quadro maníaco pôde perceber que não há evidências de sofrimento no seu discurso e na sua interação com o meio, assim como não há angústia no psicopata, no entanto, é inquestionável a existência de uma patologia. A conceituação da doença mental é um tema vasto e impreciso. Não existem leis absolutas como na física ou na matemática para a formulação de um conceito pleno. Qualquer definição de doença mental vai sofrer influências da cultura, da linha filosófica, da linha teórica e etc. daquele que conceitua. A psiquiatria vem tentando classificar e homogeinizar a doença mental desde sua origem. No final do século XV III, Pinei fazia grande revolução do diagnóstico dos transtornos mentais, e no final do século X IX foi a vez de E. Kreapelin fazer a segunda revo lução (OM S. 1993). Até hoje vemos o esforço da psiquiatria na confecção do C.I.D .-10 (Código Internacional de Doenças - 10). Poderia citar vários autores que contribuíram positivamente com essa complexa questão, criando conceitos que seriam úteis para orientar nossa prática terapêutica institucional (SCHEFF, 1978; SIVADON, 1973; BLEGER, 1967; etc.), porém optei por duas conceituações que se destacam pela simplicidade, abrangência e complementaridade. O primeiro conceito define a doença mental como uma “patologia da liber dade” (SON ENREICH , C. e BA SSITT, W., 1979). Esse é um conceito de ori gem psiquiátrica, no entanto, apesar de ser um conceito médico, ele pode ser plenamente eficiente orientando uma ação terapêutica psicológica. Nesse conceito, a palavra “liberdade” refere-se à capacidade de o indivíduo optar, ou seja, de criar normas próprias para se gerenciar. O doente mental seria aquele indivíduo que perdeu a capacidade de optar e passa a viver regido pelas normas ditadas pela sua patologia. Portanto, o doente mental não é mais senhor de seus atos, e, sim, escravo de sua doença. Para melhor compreender esse conceito, basta pensarmos em um indivíduo neurótico obsessivo. Os rituais ob sessivos são sintomas considerados absurdos frente a uma lógica racional, porém o doente não se arrisca a não cumpri-los. As idéias obsessivas permanecem na consciência, apesar de não aceitas pelo sujeito. Percebemos uma clara regência dos sintomas sobre a racionalidade. É por esse motivo que a doença mental leva à perda da cidadania do indivíduo, pois P l a n t á o p s ic o l ó g ic o e m h o s p it a l p s iq u iá t r ic o 165 esse não pode fazer suas escolhas livre da pressão patológica interna e, sendo assim, passa a ter a necessidade de ser protegido. Essa proteção no momento agudo de sua enfermidade tem o intuito de impedir que o indivíduo cometa atos que possam prejudicar a si e a seus próximos. Vemos nesse ponto a justifica- tiva para a institucionalização, desde que ela seja breve e eficiente. O segundo conceito vem para complementar e aprofundar o que foi acima citado. Segundo ALFREDO M O FFA TT (1983), a patologia seria uma desorgani zação da temporalidade e, conseqüentemente, da identidade. Tentarei transmitir dè’ maneira sucinta as idéias desse teórico. Para ele, a consciência é um proces so pontual que ocorre de momento a momento, e o homem através de um longo processo evolutivo conseguiu desenvolver uma construção imaginária que lhe assegura a continuidade de seu psiquismo (tempo) e, conseqüentemente, de sua identidade. Desta forma, o que nos difere dos animais é que esse só possui um presente imediato, enquanto que o homem, através dessa trama, possui o presente, sabe de seu passado e pode inferir sobre seu futuro. Essa continuidade no processo cie consciência permite que o indivíduo crie sua identidade. O ponto central dessa teoria define q\ie a doença mental é a destruição dessa trama de sustentação da continuidade do EU. Conseqüentemente, a pessoa se fragmenta e dissolve a sua vivência de existir (crise). Ela descobre que o tempo não existe e cai em um vazio paralisante e insuportável. Para superar essa situação, o indivíduo tenta construir uma nova trama de continuidade, que nada mais é do que uma restituição neurótica ou psicótica. Essa nova trama não é com partilhada por todos. O sujeito cria um novo EU isolado e alheio à cultura geral. Concluindo de maneira breve e simplificada nosso raciocínio, compreendemos a doença mental como um momento de crise onde há uma total desorganização da identidade do indivíduo que o retira da cultura geral, impedindo-o de tomar decisões e optar de maneira isenta no processo de gerenciamento da vida. A partir do momento em que a doença mental passa a ser vista por essa ótica, toda a ação terapêutica deve levar o indivíduo a se perceber como agente de sua existência, inserido e comprometido com o meio sociocultural que o cerca e apto para fazer opções livre de pressões internas. De maneira geral, o psicoterapeuta deve resgatar o indivíduo de um vazio paralisante (crise - doença mental) para a plenitude da sua cidadania. De posse desses conceitos, o desafio que se apresentou foi de como operado- nalizar esse processo de mudança levando em conta que esse deve ocorrer, ou pelo menos iniciar-se, dentro de uma instituição com características peculiares, como todo hospital psiquiátrico, e em um tempo bastante reduzido, visto a bre vidade das internações. As formas tradicionais de atendimento mostravam-se eficientes. Porém, havia a necessidade de otimizar ao máximo o tempo que dispúnhamos para favorecer ao indivíduo as condições necessárias para o seu 166 A c o n s e l h a m e n t o P s ic o l ó g ic o C e n t r a d o n a P e s s o a desenvolvimento. Além disso, percebíamos na dinâmica institucional caracte- rísticas que, embora tivessem a melhor das intenções, não facilitavam o movi mento do cliente em direção à saúde como a compreendemos. A boa vinculação aos grupos psicoterápicos e aos atendimentos individuais muitas vezes eram fictícios. O alto nível de freqüência não tinha a ver com uma conscientização de sua demanda ou o desejo de se conhecer e se desenvolver, mas, sim, com uma pressão implícita para que o indivíduo se vinculasse a uma atividade terapêutica. Dessa forma, o cliente vinha ao grupo mobilizado pelo desejo da instituição e não pelo próprio desejo, e, conseqüentemente, não fazia opções, não se gerenciava e não havia o resgate da própria identidade. Estar em um grupo psicoterápico, ou mesmo em atendimento individualizado pelo desejo alheio, mobiliza fortes sentimentos persecutórios e cria um clima que dificulta o estabelecimento de uma relação terapêutica eficiente. O psicoterapeuta nessa situação não era visto como um elemento facilitador para que o cliente se percebesse, elaborasse uma queixa e ditasse seus rumos, e, sim, como um “olheiro” da instituição que iria “informar” aos outros membros do corpo clínico se os seus sintomas regrediram ou se estava ou não na hora da alta. E obvio que a constância no atendimento mudava essa relação. Porém, isso custava um tempo muito precioso, de que às vezes não dispúnhamos. Os atendimentos em psicoterapia breve-focal, embora também cumpram seu papel, levantam questões. A técnica psicoterápica breve determina a eleição de focos que devem surgir a partir de diferentes níveis de diagnósticos como propõeFIORIN I (1978): diagnóstico clínico, psicodinâmico, psicopatológico, evolutivo, psicossocial, comunicacional, adaptativo, etc. Esses focos quase sem pre são determinados pelo psicoterapeuta. Nesse caso estaríamos determinando diretrizes externas para um processo que pertence ao cliente. Concordo que um psicoterapeuta bem-treinado possa identificar e antecipar focos conflitivos. Porém, de nada servirá ao cliente se conflitos não forem percebidos como seus, e esse não esteja mobilizado a abordá-los. Cabe ao cliente determinar o que é mais im portante e m erece ser abordado no m om ento, porém é crucial que o psicoterapeuta confie na capacidade do cliente para fazer esse movimento e tente proporcionar um ambiente facilitador para tal. Havia, portanto, a necessidade de uma abordagem que viesse suprir todos os pontos acima citados. A intenção não era suprir as modalidades terapêuticas existentes e sim implantar uma forma de atendimento que fosse terapêutica por si só, e ao mesmo tempo, caso necessário, uma maneira de integrar o cliente às abordagens psicoterápicas tradicionais de forma mais comprometida. A ansiedade frente a tal demanda institucional levaram-me ao encontro do plantão psicológico que acontece no Serviço de Aconselham ento Psicológico do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. Ao familiarizar-me P l a n t ã o p s ic o l ó g ic o hm h o s p it a l p s iq u iá t r ic o 167 com os aspectos teóricos dessa modalidade terapêutica, percebi a viabilidade de implantá-lo na instituição em questão. Para que seja possível a realização do plantão psicológico em uma instituição, é necessário que essa acredite na capacidade de sua clientela em desenvolver- se. CA RL R O G ER S e K IN G ET (1975) afirmavam que: “Todo organismo é m ovido por uma tendência inerente para desenvolver toda as suas potencialidades e p ara desenvolvê-las de maneira a favorecer sua conservação e seu enriquecimento” (p. 159). Se esse conceito, conhecido pelos rogerianos como tendência atualizante, não for absorvido pela instituição é impossível a viabilidade do plantão, pois não haveria um solo fértil para que a experiência germine. Acreditar nesse conceito gera um clima facilitador para que a pessoa possa mover-se em direção ao en contro terapêutico que o plantão propicia. Ainda do ponto de vista institucional, é necessário que haja uma sistem ati zação do serviço. O cliente precisa saber quando e onde o plantonista vai estar à disposição. Dentro de um hospital psiquiátrico, a sistematização do serviço assume um caráter terapêutico, na medida em que estabelece coordenadas (tem po e lugar) fixas que facilitam a reorganização alopsíquica e autopsíquica do indivíduo. Além disso, a sistematização ajuda o cliente “em potencial” a controlar sua angústia ao saber que poderá contar com alguém, caso suas sensações tornem- se insuportáveis em determinado lugar e espaço de tempo. Quanto ao plantonista, esse deve estar preparado para uma situação tera pêutica muito diferente das abordagens tradicionais. O profissional deve estar ciente e disposto a se defrontar com o não planejado, situação muito comum em um hospital psiquiátrico. Tanto o profissional como o cliente devem saber da possibilidade de esse encontro ser único. A percepção da limitação temporal vai gerar uma modificação interna nos participantes do encontro. Possibilitará ao plantonista uma maior sensibilidade frente as questões do cliente, e esse, por sua vez, tentará reorganizar sua demanda de maneira a hierarquizar e priorizar aquilo que é mais importan te para si naquele momento., O limite é por si só um fator reorganizador. ,Como elegeríamos nossas prioridades na vida se não soubéssemos da existência da morte? Hierarquizamos nossos projetos de vida e nos organizamos a partir da percepção de nossa finitude. Sendo a vida um bem transitório, propomo-nos a utilizá-la de maneira eficiente no intuito de tentarmos saciar nossas demandas. O plantonista também deve se propor a responder à demanda do clien te naquele momento. Essa proposta, aparentem ente impossível, torna-se viável quando o profissional coloca-se à disposição para acolher a experiência do cliente e não apenas seus sintomas. Adotando essa forma de conduta será possível facilitar ao cliente uma visão mais ampla de si, que poderá questionar-se e entender seus sintomas inserido em um contexto mais amplo. O que se deseja é 1 6 8 A c o n s e l h a m e n t o P s ic o l ó g ic o C e n t r a d o n a P e s s o a que o cliente perceba-se inserido no mundo e passe a compreender suas ques tões e sintomas não mais dissociados do geral, e, sim, como parte integrante desse todo. Esse movimento vai dar um nov o valor à doença para o indivíduo institucionalizado, pois essa não mais será uma entidade isolada e sim algo contextualizado. Agora que abordamos de maneira sucinta os pontos básicos dessa modalida de terapêutica, fica fácil justificar o plantão psicológico na instituição em ques tão. A possibilidade de realizar um atendimento eficiente em um curto espaço de tempo integra-se plenamente à proposta do hospital em trabalhar com inter nações de curto prazo. Quando o plantão psicológico propicia ao cliente uma visão mais clara e abrangente de si e de suas perspectivas frente à problemática, ele está promovendo saúde, como a compreendemos. Quando o indivíduo se questiona e se posiciona frente a seus conflitos, ele está fazendo opções e percebendo sua existência inserido em um contexto histórico-sociocultural. Nesse momento, há um resgate da capa cidade de optar e da própria identidade do sujeito. Mesmo que esse resgate seja momentâneo — como muitas vezes acontece — e o indivíduo mergulhe na estag nação e nulidade patológica em seguida, esses núcleos devem ser valorizados, pois falam de um potencial de saúde. Dentro do caos psicótico há momentos de organização e o plantão tem se mostrado eficiente como facilitador para que esses momentos ecludam. A postura desenvolvida pelo psicoterapeuta de aceitar in condicionalmente a experiência do cliente permite que se estruture um campo onde este pode entrar em contato com os fatores que vêm causando desorganização na sua relação com o mundo e, a partir daí, tentar uma organização mais eficiente. Estar em sintonia consigo mesmo facilita ao cliente identificar sua demanda e fazer uma opção comprometida com as outras modalidades terapêuticas dis poníveis, inclusive a terapêutica medicamentosa. Geralmente, os clientes que procuram o plantão psicológico conseguem uma integração mais ativa no grupo psicoterápico e melhor se beneficiam da dinâmica grupai. Para essas pessoas, o grupo psicoterápico assume uma nova conotação. Não é mais uma tarefa imposta pela instituição, mas, sim, um instrumento de auto-conhecimento e resgate da saúde como a compreendemos. Eles estão no grupo por opção, pois sentem necessidade. A mesma coisa ocorre com a psicoterapia individual. E comum o cliente querer prosseguir o trabalho iniciado no plantão de maneira mais sistemática. Após ter tido uma visão mais ampla da sua experiência, e conseqüentemente de sua demanda, a pessoa tem mais condições de estabelecer e hierarquizar os focos a serem abordados nessa nova etapa de tratamento. Não existe mais a necessidade de o psicoterapeuta estabelecer de maneira unilateral os focos da abordagem. Esse movimento do cliente determinando os rumos do processo P l a n t ã o ps ic o l ó g ic o e m h o s p it a l p s iq u iá t r ic o 1 6 9 psícoterápico só é possível devido ao clima de aceitação incondicional que pre- v a lece no encontro. A própria possibilidade de escolher se quer ou não utilizar-se do plantão é um ato de saúde, pois está im plícito nessa atitude uma opção e uma ação contestatória da nulidade patológica. O utra vantagem do plantão psicológico no contexto hospitalar refere-se à possibilidade de atender de maneira eficiente uma população bastante hetero gênea. Podembeneficiar-se do plantão pessoas bastante deterioradas pela história de doença (deficientes, crônicos, oligofrênicos, demenciados, etc.) e aqueles que mantêm preservado sua capacidade simbólica e elaborativa (neuróticos, depressivos, alguns quadros psicóticos, etc.), visto que a ação psicoterapêutica é centrada na própria experiência do cliente. Para melhor compreendermos a abrangência dessa modalidade terapêutica, irei expor dois casos que passaram pelo nosso serviço de plantão psicológico. R. F.A. possui o diagnóstico psiquiátrico de esquizofrenia residual. As seqüe las deixadas pelos vários surtos psicóticos transformaram-na em uma pessoa bas tante comprometida e marcada pela cronicidade. O contato é difícil e a afeti- vidade encontra-se bastante prejudicada. Seria impossível vincular uma pessoa com este grau de deterioração a um grupo psicoterápico ou mesmo a uma psicote- rapia individual. Certo dia, R.F.A. entrou no consultório onde era realizado o plantão psicológico. Sentou-se e permaneceu em silêncio por um longo período. Por trás de sua expressão cronificada e de seu quase autismo, deixava transparecer um certo incômodo. Perguntei o que havia acontecido. Com muito esforço e com poucas palavras R.F.A. apontou para os pés descalços e contou que havia perdido seus sapatos. Nesse momento, começamos um exaustivo trabalho visan do relembrar quando fora a última vez que os havia visto. Apontei a importân cia de cuidar daquilo que lhe pertence. Saímos à procura dos sapatos de R.F.A. por todo o setor até os encontrarmos abandonados sob uma cadeira. R.F.A. calçou-os, sorriu e voltou para o seu mundo de alheamento. Porém, até o fim de sua internação, toda vez que me via pelos corredores do hospital apontava para os pés e sorria, como se quisesse dizer que havia se beneficiado do nosso breve atendimento. Nesse rápido encontro foi resgatado, sem dúvida, muito mais do que um par de sapato. Estava implícito nesse atendimento o resgate da indivi- dualidade de R .FA . à medida que agora tentasse cuidar do que é seu. Parece ser pouco, porém é muito se levarmos em conta o quadro patológico de R.F.A. O segundo caso não fala de uma pessoa tão comprometida. N.S.C. tinha, na época da sua internação, 31 anos. Na verdade, aquela era sua segunda internação com diagnóstico psiquiátrico de politóxicofilia. Apesar do uso constante, a droga não havia comprometido sua capacidade simbólica e elaborativa. Na sua primeira internação, N.S.C. participava dos grupos psicoterápicos e foi atendida individu almente, porém não apresentava uma boa vinculação às abordagens. 1 7 0 A c o n s e l h a m e n t o P s ic o l ó g ic o C e n t r a d o m a P e s s o a Na segunda internação, o quadro era marcado por uma grande ansiedade e forte irritabilidade causada pela abstinência da droga. Em uma crise de angústia mais intensa, N.S.C. procurou o plantão psicológico. Nos primeiros momentos do encontro ficou claro a preocupação da cliente em constatar se podia ou não con fiar no plantonista. Afirmava que a questão que a levara a procurar o plantão era meramente administrativa. Após vencer uma grande resistência, N.S.C. relatou que ouvira outras internas combinarem de trazer drogas para dentro da instituição após a licença hospitalar. N.S.C. mostrava-se extremamente irritada com o discurso de suas colegas ao ponto de quase perder o controle de suas atitudes. Tentava racionalizar suas emoções justificando que era incorreto o não respeito às regras do hospital. Após ouvi-la por um longo período, apontei que tanta carga emocional não estava sendo mobilizada apenas pelo desrespeito a uma das regras do hospital. Na verdade, havia a possibilidade de N.S.C. ficar frente a frente com a droga, e isso a atemorizava, pois não acreditava na sua capacidade de controlar-se. A cliente conseguiu perceber sua fragilidade frente à droga e de como depositava toda a raiva mobilizada em suas colegas. Havia sido destruído naquele momento o discurso típico do toxicofílico, que costuma afirmar sua supremacia frente ao impulso de se drogar. A medida que a sessão prosseguia, N.S.C. foi entrando em contato com sua angústia e pode elaborar uma queixa. Após esse encontro, a vinculação de N.S.C. com as várias modalidades terapêuticas se modificou por completo. Ao sair de alta levou consigo um encaminhamento para prosseguir seu processo psicoterápico. Além do caráter terapêutico, o plantão psicológico pode ter várias finalidades secundárias. Na instituição em questão, a composição dos grupos psicoterápicos tende a ser a mais homogênea possível, no que se refere à capacidade elaborativa e de simbolização. Apesar de termos plena consciência que a heterogeneidade pode enriquecer a dinâmica grupai, o pequeno prazo de internação não nos permite uma composição que possa levar a uma ação terapêutica mais lenta. Com o intuito de facilitar o processo de integração ao contexto grupai e, conse qüentemente, otimizar o processo psicoterápico, os grupos são constituídos pela fusão das enfermarias de uma ala. Dessa forma os internos podem usufruir de um período de convivência maior. Isso facilita a interação no ato da sessão, diminuindo, assim, o período de adaptação ao processo. Portanto, para que esse fim seja alcançado, a composição das alas deve obedecer a uma orientação do setor de psicologia. Durante o plantão psicológico, o plantonista tem a possibilidade de avaliar a capacidade do indivíduo em lidar com as intervenções, seu potencial elaborativo e sua capacidade de simbolização e, a partir desses dados, encaminhá-lo a uma enfermaria que o levará a um grupo mais condizente com seu potencial. Nesse P l a n t ã o p s ic o l ó g ic o hm h o s p it a l p s i q u iá t r ic o 171 caso, o plantão psicológico serve como um instrumento de organização estru tu ral-do setor de psicologia. As exigências da sociedade moderna levaram os profissionais de saúde a um processo de especialização intenso que acabou gerando uma visão fragm entada do ser humano. Os profissionais se restringem às suas especialidades e esquecem de ver o indivíduo como um todo. O psicólogo não é exceção, pois m uitas vezes o cliente é visto como um grande “aparelho psíquico”. O plantão psicológico é um instrumento que se propõe a facilitar o resgate de uma visão mais integrada do cliente (Psico-Bio-Social). O plantonista não deve estar atento apenas às queixas psicológicas do cliente, mas sim, no modo com o a situação conflitiva interfere nas várias esferas da vida da pessoa. Acolher a ex p e riên cia global do c lie n te , e não o rie n ta r os rumos do en co n tro p e la sua especialidade, coloca o p lantonista em uma posição privilegiada para fazer encaminhamentos quando necessário. N o hospital psiquiátrico não é diferente. Após o plantão, o ato de encaminhar para os serviços internos (terapia ocupacional, serviço social, clínico geral) ou externos tornou-se mais fácil e eficiente. Apesar da abrangência dessa modalidade terapêutica, existem alguns limites que impedem ou dificultam a relação de ajuda. Esses limites tornam -se mais evidentes no contexto hospitalar. Os quadros esquizóides onde o indivíduo tem uma exclusão sistem ática da vida afetiva, ou esteja mergulhado em um profundo autismo bleuleriano, não irão poder aproveitar-se dessa abordagem. Para que haja um encontro e uma relação terapêutica eficiente c necessário que a pessoa mantenha relativam ente preservada sua capacidade de interação. Quadros maníacos caracterizados por uma profunda agitação psicomotora, aceleração do pensamento e alterações da imaginação também são de ambição limitada. O máximo que pode ser feito é estabelecer limites externos para a exaltação, visto que os internos estão ausentes. Mesmo os clientes que não estejam com suas capacidades básicas prejudicadas pela doença irão beneficiar-se de maneira limitada se não tiverem disponibili dade interna para se auto-conhecerem . Os limites não devem ser atribuídosapenas a lesões residuais causadas pela doença ou a indisponibilidade interna do cliente, pois dessa forma a responsabilidade do fracasso recai som ente no cliente. Muitas vezes é o plantonista que limita a potencialidade do encontro. Não é todos os dias que o plantonista sente-se apto para estabelecer uma relação em pática. A relação de ajuda com pessoas em quadro psicótico exige uma disponibilidade imensa que vai depender de como o plantonista lida com seus conteúdos internos. Fatores externos à relação de ajuda também limitam sua abrangência. Questões ligadas à organização técnica institucional, excesso de m edicação, efeitos co laterais dos psicofárm acos e e tc ., são extrem am ente lim itantes. 1 7 2 A c o n s e l h a m e n t o P s ic o l ó g ic o C e n t r a d o n a P e s s o a O plantão psicológico, com sua proposta inovadora, proporcionou mudanças significativas na dinâmica hospitalar. Constatam os de maneira empírica uma diminuição nos níveis de ansiedade e irritabilidade nos setores que têm acesso a esse serviço. A irritabilidade e a agressividade, excluindo os quadros onde tal manifestação faz parte integrante da estrutura nosográfica (encefalopatias por exemplo), podem ser interpretadas como sintomas provenientes da inadaptação à instituição e à situação de ruptura no processo de vida do indivíduo. Se o cliente tem um espaço onde ele pode falar de sua internação e de suas conse- qüências, este não precisará interagir com o meio influenciado por essa forte carga afetiva. O interno não precisará projetar sua irritabilidade para o meio- externo, pois poderá utilizar-se do plantão para colocar o afeto na sua verdadeira representação. Portanto, o plantão psicológico tem se mostrado uma eficiente válvula de escape para as tensões institucionais. Talvez por ser uma forma de atendimento com características diferentes das tradicionais, os internos se per- mitem procurar o plantão para falar da relação com a instituição. Nesses casos, a crise e o sofrimento psíquico são colocados em segundo plano, e o cliente passa a abordar as atitudes institucionais. Além do sinal de saúde, tal atitude evidencia uma mudança na qualidade da relação psicólogo-cliente. O setor de psicologia parece ter assumido um lugar muito mais próximo da clientela graças à disponibilidade e ao acolhimento que caracterizam o plantão psicológico. A resposta positiva que o plantão psicológico gerou nos internos mobilizou- nos para ampliarmos a experiência. Se tal abordagem permite que pessoas com acen tu ad o nível de com p rom etim en to possam estar v ivenciand o novas experiências e se reorganizando a partir delas, nada impede de a utilizarmos como instrumento terapêutico junto às famílias dos internos e à própria instituição. A experiência nos mostra que o processo terapêutico torna-se mais eficiente quando compreendemos a doença mental como um fenômeno amplo que não se encerra somente naquele que apresenta o quadro psicopatológico. O contexto social — e principalmente a família — tem papel relevante no processo de adoecimento e desencadeamento da crise. A partir da segunda metade do século X X vários autores abordaram a importância desta dinâmica relacional. Apesar dos progressos da genética e da neurologia, a ação do meio continua a ter papel relevante no desenvolvimento psíquico do indivíduo. Partindo deste pressuposto, o Departamento de psicologia viu a necessidade de ampliar o seu espectro de ação. Apesar de o indivíduo institucionalizado ser o alvo principal de nossa ação, percebemos que nossa intervenção poderia ser poten cializada se atingíssemos também a família. A intenção é aproveitar este momen to de ruptura que a doença mental e a própria necessidade de internação geram nesta dinâmica familiar pouco adaptada e patogênica e tentar fazer com que P l a n t ã o p s ic o l ó g ic o e m h o s p it a l p s iq u iá t r ic o 173 ambas as partes (familiares-indivíduo institucionalizado) tenham uma vivência diferente da anterior. A princípio, tentamos promover esta intervenção através da convocação dos familiares. No entanto, a resposta era bastante pequena. A família que com parecia não se colocava no lugar de cliente e prevaleciam fortes sentimentos persecutórios que bloqueavam o acesso a uma intervenção eficaz. O discurso permanecia voltado ao elemento familiar internado e a convocação era vivenciada como um ato agressivo da instituição. Conseqüentemente, surgiam fortes resistências e atitudes defensivas. Estava sendo ignorado nesta proposta uma das leis básicas da intervenção terapêutica. Qualquer proposta que vise mudanças em uma estrutura conflitiva só pode ter êxito se ambas as partes envolvidas (cliente - psicoterapeuta) sabem de seu papel e o aceitam. E necessário que a pessoa identifique em si a demanda e faç9 um pedido de ajuda. Sendo assim, configura-se o lugar de cliente (aquele que sofre e se propõem a intervir neste sofrimento) e psicoterapeuta (aquele que se propõe a acompanhar e a ajudar neste processo de intervenção). Novamente o plantão psicológico^surgia como uma opção eficaz para conci liar o que é aparentemente inconciliável. Foram abertos vários horários na rotina do hospital para que as famílias pudessem se beneficiar desse espaço terapêutico. Esses horários ficavam estrategicamente próximos do horário de visitas e da conversa com o médico. Sendo assim, quando a família vinha visitar seu doente poderia, se desejasse, beneficiar-se do plantão psicológico familiar. Promovemos na equipe e na instituição um clima propício para que as famílias se sentissem mobilizadas e seguras para utilizarem esse espaço. A princípio o número de famílias que procuravam o serviço era pequeno. A tendência era de comparecer para obter informações do familiar internado. Cabia ao plantonista localizar e resgatar a angústia do cliente e deixar claro que aquele espaço era de uso exclusivo dele, se assim desejasse. Conseqüentemente, os primeiros “aventureiros” voltavam e traziam novos clientes. O embrião deste projeto de atendimento foi implantado em 1995; hoje percebemos que o número de famílias beneficiadas aumentou significativamente. Nos primeiros meses do ano de 1997 atendemos o dobro de famílias que no mesmo período do ano ante.rior. Frente a esta resposta positiva surgem novos questionamentos. Temos como projeto futuro examinarmos a correlação entre o comparecimento da família ao plantão psicológico e os índices de reinternação. A grande vantagem do plantão psicológico é a possibilidade de gerar uma intervenção eficiente e breve através de uma técnica versátil que permite uma ampla aplicabilidade. Tal flexibilidade só é possível porque todo o processo de intervenção fica centrado no cliente. Podemos atender a pessoa internada com grave comprometimento, a sua família, e até mesmo a instituição que a acolhe de uma forma indireta. 1 7 4 A c o n s e l h a m e n t o P s ic o l ó g ic o C e n t r a d o n a P e s s o a Partindo do pressuposto que uma instituição está bem quando os membros que a compõem estão bem, fez-se necessário em um determinado momento da história do hospital oferecer um espaço de continência para seus funcionários. Percebíamos o quanto o contato constante com a doença mental sem o devido respaldo psicológico criava uma vivência interna ameaçadora, que refletia* no trato com o cliente e na própria dinâmica institucional. A demanda era evidente, porém não possuíamos instrumentos para nela intervir. Não podíamos encaminhar todos os funcionários para psicoterapia, pois sabíamos da ineficácia e da impossibilidade dessa conduta. Novamente recorremos à estrutura do plantão psicológico para dar conta dessa demanda institucional. O funcionário passou a ' possuir um espaço para expressar suas angústias, seus anseios e se instrumentalizar para dar conta das exigências internas e do seu cotidiano. Este pôde procurar o plantão quando sentia necessidade ou desenvolvia um projetopsicoterápico breve na própria instituição. Se desejasse, poderia ser encaminhado para uma psicoterapia de longo curso fora da estrutura do hospital. Após a implantação deste serviço, percebemos que as tensões institucionais tornaram-se menos emergentes e o acolhimento ao doente mental, mais efi ciente. Desenvolver um projeto de plantão psicológico para os funcionários exigiu certos cuidados. Primeiro, tivemos que contar com a compreensão da direção, pois o plantão ocorre durante o horário de trabalho. Sendo assim, muitas vezes o funcionário abandona seu posto para beneficiar-se do atendimento. Tal situação foi contornada graças ao sucesso das experiências com os internos e seus fami liares. Em seguida, a situação exigia que o plantonista tivesse uma vinculação especial com a instituição. Consideramos improdutivo que o plantonista respon sável pelo atendimento aos internos e seus familiares também atendesse os fun cionários. A proximidade do vínculo profissional poderia intervir na liberdade de expressão do cliente. Sendo assim, o plantonista que atendesse os funcionários teria exclusividade nesta tarefa. Seu trabalho ficaria totalm ente voltado à instituição. Hoje, além do plantão psicológico aos funcionários, grupos operativos são realizados com a equipe de atendentes de enfermagem visando o aprimora mento pessoal e inter-relacional. Como havia dito nas primeiras linhas deste trabalho, não tenho a intenção de esgotar a questão. A cada plantão realizado nos deparamos com novas potencialidades que nos instigam para novos estudos e pesquisas. O plantão psicológico é um instrumento viável para o resgate da cidadania e a reinteração do indivíduo institucionalizado no jogo social, assim como é eficaz para o pro cesso de aprimoramento humano. P l a n t ã o p s ic o l ó g ic o e m h o s p it a l p s i q u iá t r ic o 1 7 5 R efer ên c ia s biblio g r á fic a s B lE G E R J. ( 1 9 6 7 ) PSICOLOGIA Y NIVELES DE INTEGRACIÓN., BUENOS A lR E S , A C T A PSIQ U IÁ T. P s i c o l . A m é r . L a t i n a . Ne 1 3 , p . 2 5 - 3 3 2 . Ey H . e o u t r o s ( 1 9 8 1 ) M a n u a l d e p s iq u ia t r ia . R i o d e J a n e i r o , E d i t o r a M a s s o n d o B r a s il L t d a . F i o r in i , H . J . ( 1 9 7 8 ) T e o r ia e t é c n i c a d e p s i c o t e r a p i a s . R i o d e J a n e i r o , F r a n c i s c o A l v e s . G r a n d in o , A . e D u r v a l , N . ( 1 9 8 5 ) C o n c e i t o d e p s iq u ia t r ia . S â o P a v jl o , Á t i c a . K n o b e l , M . (1986) P s i c o t e r a p i a b r e v e . S ã o P a u l o , E.RU. M a h f o u d , M . ( 1 9 8 7 ) A v i v ê n c i a d e u m d e s a f i o : p l a n t ã o p s i c o l ó g i c o . I n : R o s e m b e r g , R . L . A c o n s e l h a m e n t o P s i c o l ó g i c o C e n t r a d o n a P e s s o a . S ã o P a u l o , E . P U M o f f a t t , A . ( 1 9 8 3 ) T e r a p ia d e c r is e : t e o r i a t e m p o r a l d o p s i q u i s m o . S â o P a u l o , C o r t e z E d i t o r a . O r g a n i z a ç ã o m u n d i a l d e s a ú d e ( 1 9 9 3 ) C l a s s i f i c a ç ã o de transtornos m entais e de c o m p o r t a m e n t o da C I D - 10: d e s c r i ç õ e s c l í n i c a s e d i r e t r iz e s d i a g n o s t i c a s . P o r t o A l e g r e , A r t e s M é d ic a s . P a i m , I. (1982) C u r s o d e P s ic o p a t o l o g ia . S ã o P a u l o , E.RU. R o g e r s , C . R . e K i n g e t , G . M . ( 1 9 7 5 ) P s i c o t e r a p i a e r e l a ç õ e s h um anas. B e l o H o r i z o n t e , I n t e r l i v r o s , . S c h e l l , T ( 1 9 7 8 ) D o e n ç a m e n t a l : o p o n t o d e v i s t a d a t e o r i a d a r o t u l a ç ã o . In : F ig u e ir a , S . A . e t a l . S o c i e d a d e e d o e n ç a m e n t a l . R io d e J a n e i r o , C a m p u s . S i v a d o n , E ( 1 9 7 3 ) T r a it é d e P s y c h o l o g ie M é d ic a l e , v .3 P a r i s , P r e s s U n iv . F r a n c e . S o n e n r e ic h , O ; B a s s i t t , W . ( 1 9 7 9 ) O C o n c e i t o d e P s ic o p a t o l o g ia . S ã o P a u l o , M a n o l e .
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