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1370 Anais do Congresso Brasileiro de Processo Coletivo e Cidadania, n. 7, p. 1370 -1386, out/2019 ISSN 2358-1557 CAUTELARES MONOCRÁTICAS EM AÇÃO DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE: RUPTURA DE LEGITIMIDADE MONOCRATIC CAUTIONS IN ACTING CONSTITUTIONALITY CONTROL: BREACH OF LEGITIMITY Fabiana Zacarias1 Leonardo Aquino Moreira Guimarães2 RESUMO Este artigo faz uma análise da ilegalidade das cautelares monocráticas proferidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em patente violação ao art. 10 da Lei n.º 9.868/1999 e, sobretudo, da inconstitucionalidade pela violação à cláusula de reserva de plenário prevista no art. 97 da Constituição Federal. Objetiva ter uma visão sistêmica das cautelares monocráticas que suspendem a vigência de lei ou ato normativo e substituem, no tempo e no mérito, sem justificativa de circunstância jurídica excepcional, a decisão colegiada requerida pela Constituição, em evidente usurpação transitória da competência do plenário. A presente pesquisa surgiu da constatação de que grande parte das decisões cautelares proferidas pelo STF são tomadas monocraticamente por seus ministros. Em que pese a previsão legal da decisão monocrática, tal hipótese deve ser excepcional em situações em que a imediata suspensão da vigência da norma impugnada seja impreterível para a produção de eventuais efeitos irreversíveis, em razão do dever geral de cautela do julgador monocrático – sem, contudo, excluir a análise posterior do colegiado. Palavras-chave: Controle concentrado de constitucionalidade. Medidas cautelares. Reserva de plenário. ABSTRACT This article analyzes the illegality of monocratic injunctions issued by the Federal Supreme Court (STF), in violation art. 10 of Law n.º 9.868/1999 and, above all, the unconstitutionality of the violation of the full bench clause provided for in art. 97 of the Federal Constitution. It therefore aims to make a systemic analysis of the monocratic precautionary measures that suspend the validity of a law or normative act and replace, in time and merit, without justification of exceptional legal circumstance, the collegiate decision required by the Constitution, in evident transitional usurpation of the jurisdiction of the plenary. The present 1 Mestre em Direito Coletivo e Cidadania na “Universidade de Ribeirão Preto” – UNAERP – Ribeirão Preto/SP; Pós-Graduada em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela “Fundação Armando Álvares Penteado” FAAP - Ribeirão Preto/SP; Pós-Graduada em Direito Penal e Processual Penal pela “Fundação Eurípedes Soares da Rocha” – Marília/SP; Graduada pela “Instituição Toledo de Ensino” - ITE de Presidente Prudente/SP. Advogada e professora universitária. E-mail: fazacarias@hotmail.com 2 Mestre em Direito Coletivo e Cidadania na “Universidade de Ribeirão Preto” – UNAERP – Ribeirão Preto/SP; Pós-graduado em Direito Constitucional pela Universidade Anhanguera UNIDERP de Campo Grande/MS; Pós- graduado em Direito Processual Civil pela Universidade Anhanguera UNIDERP de Campo Grande/MS. Tabelião e registrador. E-mail: aquinoleo@hotmail.com 1371 Anais do Congresso Brasileiro de Processo Coletivo e Cidadania, n. 7, p. 1370 -1386, out/2019 ISSN 2358-1557 research emerged from the fact that most of the precautionary decisions issued by the Supreme Court are made monocratically by its ministers. In spite of the legal provision of the monocratic decision, such a hypothesis should be exceptional in situations in which the immediate suspension of the validity of the contested rule is indispensable for the production of any irreversible effects, due to the general duty of caution of the monocratic judge - without, however, exclude further analysis by the collegiate. Keywords: Concentrated control of constitutionality. Precautionary measures. Full Bench. 1 INTRODUÇÃO Nos últimos anos, o Supremo Tribunal Federal tem sido palco de relevantes discussões jurídicas, que repercutem significativamente no meio político, social e econômico do país. Diante da importância institucional conferida constitucionalmente ao STF para atuar como guardião dos valores constitucionais, tem aumentado o número de decisões monocráticas de ministros do STF que concedem medida cautelar nas ações do controle abstrato de constitucionalidade. Verifica-se a importância desta pesquisa em razão dos efeitos abrangentes das decisões monocráticas concessivas de cautelar, que atinge todo o judiciário e a administração pública e, ao mesmo tempo, concentram de maneira exacerbada o poder decisório nas mãos de apenas um ministro do STF, desconsiderando todo o processo legislativo democrático. Pretende, pois, constatar se as medidas cautelares deferidas monocraticamente por relatores de processos de controle abstrato de constitucionalidade, especialmente em ações diretas de inconstitucionalidade (ADI), consubstanciam desiquilíbrio no sistema de justiça constitucional. A pesquisa faz uma incursão sobre o controle concentrado de constitucionalidade que se refere a Lei n.º 9.868/1999 para analisar a ilegalidade das cautelares monocráticas proferidas pelo STF, em patente violação ao art. 10 da Lei n.º 9.868/1999 e, sobretudo, a inconstitucionalidade pela violação à cláusula de reserva de plenário prevista no art. 97 da CF/88. Primeiramente é necessário identificar as regras da legislação infraconstitucional e a ausência expressa de previsão da apreciação monocrática na ordem constitucional; na sequência, busca consignar a cláusula da reserva de plenário como norma constitucional a ser observada, em regra, pelo colegiado para a concessão de medida cautelar em processo objetivo e a possibilidade excepcional, sem exclusão posterior do colegiado, da concessão 1372 Anais do Congresso Brasileiro de Processo Coletivo e Cidadania, n. 7, p. 1370 -1386, out/2019 ISSN 2358-1557 monocrática da medida cautelar. Ao final, apresenta uma breve análise do Projeto de Lei Complementar (PLC n.º 79/2018), que visa disciplinar a concessão de medidas cautelares nas ações do controle concentrado de constitucionalidade. Para tanto, utilizar-se-á o método dedutivo como forma de abordagem da pesquisa e o procedimento de revisão de literatura pertinente a temática proposta – doutrina, jurisprudência, artigos científicos e legislação – com o objetivo principal de se apresentar considerações finais com base nas informações coletadas. 2 AS MEDIDAS CAUTELARES NO CONTROLE CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADE Interessa, neste estudo, abordar o controle concentrado de constitucionalidade pois é nesta modalidade de controle que o Supremo Tribunal Federal (STF) tem competência para conceder medida cautelar. O principal questionamento apresentado neste estudo é o seguinte: a previsão legal que autoriza a concessão da medida cautelar pelo relator, monocraticamente, sem a manifestação posterior do Plenário do Tribunal, contraria a sistemática da reserva de plenário? Para responder à pergunta, a primeira questão relevante a ser abordada é a previsão legal das medidas cautelares. O segundo ponto relevante que deve ser adequadamente analisado é o pressuposto constitucional da cláusula de reserva de plenário, ou ful bench, prevista no art. 97, CF/88.3 2.1 A ILEGALIDADE DA DECISÃO MONOCRÁTICA A sistemática processual nas ações de controle concentrado de constitucionalidade é regulada pelas Lei n.º 9.868/994 e Lei n.º 9.882/995 e o Regimento Interno do Supremo 3 Art. 97. Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público. 4 BRASIL. Lei nº 9.868, de 10 de novembro de 1999. Dispõe sobre o processoe julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal. Brasília, DF, Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9868.htm>. Acesso em: 19 set. 2019. 5 BRASIL. Lei nº 9.882, de 03 de dezembro de 1999. Dispõe sobre o processo e julgamento da arguição de descumprimento de preceito fundamental, nos termos do § 1.º do art. 102 da Constituição Federal. Brasília, DF, Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9882.htm>. Acesso em: 19 set. 2019. 1373 Anais do Congresso Brasileiro de Processo Coletivo e Cidadania, n. 7, p. 1370 -1386, out/2019 ISSN 2358-1557 Tribunal Federal (STF).6 Ressalta-se que a Lei n.º 9.868/99, também chamada de lei da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), também dispõe sobre o processo e julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) e da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC). A Lei n.º 9.882/99 regulamenta o § 1.º, do art. 102, CF/887, ao disciplinar o processo e julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF). A referidas leis condicionam a concessão de medidas cautelares aos provimentos de natureza instrumental e precária, com possibilidade de alteração ou revogação.8 Nas palavras de Luiz Roberto Barroso9, o deferimento da medida cautelar pressupõe a relevância dos fundamentos do pedido inicial (fumus boni iuris) e a necessidade de antecipação dos efeitos da tutela em face da possibilidade de prejuízo decorrente do retardamento da decisão postulada, ou seja, para garantir a efetividade do resultado futuro e provável do julgamento (periculum in mora). Quando se suspende liminarmente a vigência de uma lei, na realidade, não se declara a inconstitucionalidade, mas estamos apenas evitando que a lei ou o ato normativo produza efeitos negativos. Até a edição da Lei n.º 9.868/99, a concessão de medida cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade obedecia ao disposto no Regimento Interno daquela Corte e no Código de Processo Civil. Com o advento da Lei 9.868/99 e conforme o disposto no seu art. 1010, a medida cautelar, na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), será concedida por decisão da maioria absoluta dos membros do Tribunal, observada a regra do art. 2211 – presentes na sessão pelo menos oito (8) ministros – após a audiência dos órgãos ou autoridade dos quais emanou a lei ou o ato normativo impugnado, que deverão pronunciar-se no prazo de cindo dias, salvo no período de recesso, quando a decisão continua na da competência do 6 BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). Regimento interno [recurso eletrônico]/Supremo Tribunal Federal. Brasília: STF, Secretaria de Documentação, 2019. 267 p. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/legislacaoRegimentoInterno/anexo/RISTF.pdf>. Acesso em: 19 set. 2019. 7 Art. 102, § 1.º A arguição de descumprimento de preceito fundamental, decorrente desta Constituição, será apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, na forma da lei. 8 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de urgência. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 144. 9 BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro: exposição sistemática da doutrina e análise crítica da jurisprudência. São Paulo, Saraiva: 2006. p. 166. 10 Art. 10. Salvo no período de recesso, a medida cautelar na ação direta será concedida por decisão da maioria absoluta dos membros do Tribunal, observado o disposto no art. 22, após a audiência dos órgãos ou autoridades dos quais emanou a lei ou ato normativo impugnado, que deverão pronunciar-se no prazo de cinco dias. 11 Art. 22. A decisão sobre a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo somente será tomada se presentes na sessão pelo menos oito Ministros. 1374 Anais do Congresso Brasileiro de Processo Coletivo e Cidadania, n. 7, p. 1370 -1386, out/2019 ISSN 2358-1557 relator. Ressalta-se que “a palavra “recesso” foi empregada na Lei 9.868/99 (art. 10, caput) com sentido amplo, abarcando tanto o recesso propriamente dito como as férias forenses.”12 No que se refere à possibilidade de medida cautelar monocrática nas ações do controle concentrado, verifica-se que ela pode ser concedida somente no período de recesso. Em regra, nos termos dessa lei, a cautelar deverá ser concedida pela decisão da maioria absoluta dos membros do STF. A cautelar será apreciada e pode ser concedida após a audiência dos órgãos ou autoridades dos quais emanou a lei ou ato normativo impugnado, que deverão pronunciar-se no prazo de cinco dias. Somente em caso de excepcional urgência, para evitar o perecimento do direito ou dano irreversível, o Tribunal poderá deferir a medida cautelar sem a audiência dos órgãos ou das autoridades das quais emanou a lei ou o ato normativo impugnado. Na Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO), o Tribunal também concederá medida cautelar por decisão da maioria absoluta de seus membros. No entanto, na ADO somente será concedida a cautelar em caso de excepcional urgência e relevância da matéria. A cautelar poderá ser concedida, após a audiência dos órgãos ou autoridades responsáveis pela omissão inconstitucional, que deverão pronunciar-se no prazo de 5 (cinco) dias. Na Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC), o Supremo Tribunal Federal, por decisão da maioria absoluta de seus membros, poderá deferir pedido de medida cautelar. Sendo concedida a medida cautelar, o Supremo Tribunal Federal fará publicar em seção especial do Diário Oficial da União a parte dispositiva da decisão, no prazo de dez dias, devendo o Tribunal proceder ao julgamento da ação no prazo de 180 (cento e oitenta) dias, sob pena de perda de sua eficácia. Cumpre destacar que somente na ADC foi estabelecido um prazo a ser observado até a decisão definitiva da ação. A medida cautelar na ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) é regulada pela Lei n.º 9.882/99. Nos termos legais, o Supremo Tribunal Federal, por decisão da maioria absoluta de seus membros, poderá deferir pedido de medida liminar na arguição de descumprimento de preceito fundamental. No entanto, somente nos casos de extrema urgência 12 MENDES, Gilmar Ferreira; VALE, André Rufino do. Questões atuais sobre as medidas cautelares no controle abstrato de constitucionalidade. Observatório Jurisdição Constitucional, Brasil, n. 5, p.1-23, 2011/2012. Disponível em: <https://www.portaldeperiodicos.idp.edu.br/observatorio/article/view/661/454>. Acesso em: 17 set. 2019. p. 9. 1375 Anais do Congresso Brasileiro de Processo Coletivo e Cidadania, n. 7, p. 1370 -1386, out/2019 ISSN 2358-1557 ou perigo de lesão grave, ou ainda, em período de recesso, poderá o relator conceder a liminar. Com fundamento o direito comparado, José Roberto dos Santos Bedaque observou que uma vez admitida a existência da de providência destinada a satisfazer antecipadamente, não para solucionar o litígio, mas para assegurar que essa solução possa ocorrer de forma útil e eficaz, não se lhe pode negar o caráter acautelatório, ainda que provisoriamente satisfativo. Isso porque, segundo o autor, a: [...] característica essencial dessa espécie de tutela jurisdicional está na sua inaptidão para representar solução definitiva para o litígio. Com ela, satisfaz-se faticamente, mas apenas para garantir a efetividade da satisfação jurídica. São cautelares, portanto, não apenas as conservativas, mas também aquelas destinadas a regulamentar provisoriamente o conflito, antecipando eventuais efeitos concretos da tutela final. 13 Em que pese a constatação quanto à possibilidade de provimentos cautelares no âmbito docontrole concentrado de normas, “o mesmo já não ocorre em relação ao procedimento e às técnicas de decisão aplicáveis às medidas cautelares, cuja prática tem suscitado questões diversas e deveras importantes para o sistema como um todo.”14 Especialmente no que diz respeito às medidas cautelares, segundo entendimento de José dos Santos Carvalho Filho15, a legislação estabelece exceções: o art. 10 da Lei 9.868/1999 ressalva a possibilidade de concessão de liminares durante o período de recesso da corte, o que se opera mediante decisão monocrática do presidente do órgão, nos termos do art. 13, VIII, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.16 O art. 5.º, § 1.º, da Lei 9.882/199917 estabelece que o relator da Arguição de Preceito Fundamental (ADPF), em caso de extrema urgência ou perigo de lesão grave, poderá conceder medida liminar, ad referendum do Tribunal Pleno. Embora o mencionado art. 5.º, § 1.º, da Lei 9.882/1999 refira- se à ADPF, os ministros do Supremo Tribunal Federal têm invocado o dispositivo, por 13 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Op. Cit., p. 312. 14 MENDES, Gilmar Ferreira; VALE, André Rufino do. Op. Cit., p. 5. 15 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Congresso reage às decisões monocráticas de ministros do Supremo em ADIs. Consultor Jurídico: CONJUR, Brasil, 08 jun. 2018. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2018-jun-09/observatorio-constitucional-congresso-reage-decisoes-monocraticas- supremo-adis>. Acesso em: 17 set. 2019. 16 Art. 13. inc. VIII – decidir questões urgentes nos períodos de recesso ou de férias. 17 Art. 5.º O Supremo Tribunal Federal, por decisão da maioria absoluta de seus membros, poderá deferir pedido de medida liminar na arguição de descumprimento de preceito fundamental. § 1.º Em caso de extrema urgência ou perigo de lesão grave, ou ainda, em período de recesso, poderá o relator conceder a liminar, ad referendum do Tribunal Pleno. 1376 Anais do Congresso Brasileiro de Processo Coletivo e Cidadania, n. 7, p. 1370 -1386, out/2019 ISSN 2358-1557 analogia, para deferir monocraticamente medidas cautelares em ações diretas de inconstitucionalidade. Ademais, a única possibilidade para a decisão cautelar monocrática no controle concentrado, durante as atividades ordinárias do ano judiciário, encontra-se nos casos em que se verifique que a espera pelo julgamento da Sessão Plenária seguinte ao pedido da cautelar leve à perda de sua utilidade. Em artigo publicado no Observatório Constitucional18, André Rufino e o ministro Gilmar Mendes alertam sobre a ilegalidade da decisão monocrática, porque descumpre patentemente as leis que regulam o processo e julgamento das ações do controle concentrado e, sobretudo, para a inconstitucionalidade, porque as decisões monocráticas violam a regra constitucional da reserva de plenário que, sem estar justificadas por alguma circunstância jurídica muito excepcional, suspendem a vigência de leis e atos normativos. Conclui-se, pois, que a Lei 9.868/1999 não deixa espaço para decisões individuais dos ministros do STF nas ações do controle concentrado de inconstitucionalidade. A única exceção encontra-se no poder conferido ao Presidente do Tribunal para decidir cautelarmente nos períodos de recesso e de férias (artigo 10, caput)19, a qual se justifica não apenas em razão do caráter urgente de eventual medida, mas tendo em vista a impossibilidade prática de reunião de todos os membros do colegiado. 2.2 A INCONSTITUCIONALIDADE EM FACE DA CLÁUSULA DE RESERVA DE PLENÁRIO DAS DECISÕES MONOCRÁTICAS A Constituição Federal de 1988 manteve a possibilidade de medida cautelar em ações do controle concentrado de constitucionalidade, antes já consagrada pela Emenda Constitucional n.º 7/1977. Conferiu ao Supremo Tribunal Federal - STF a competência para julgar, originariamente, o pedido de medida cautelar das ações diretas de inconstitucionalidade. Em que pese o art. 102, I, “p”, da CF/198820 não fazer menção à concessão de medidas cautelares em ações declaratórias de constitucionalidade, o STF admite tais medidas sob o fundamento de que o poder de acautelar é imanente ao poder de julgar. “Portanto, a sistemática consagrada 18 MENDES, Gilmar Ferreira; VALE, André Rufino do. Op. Cit., p. 14. 19 Art. 10. Salvo no período de recesso, a medida cautelar na ação direta será concedida por decisão da maioria absoluta dos membros do Tribunal, observado o disposto no art. 22, após a audiência dos órgãos ou autoridades dos quais emanou a lei ou ato normativo impugnado, que deverão pronunciar-se no prazo de cinco dias. 20 Art. 13. inc. VIII – decidir questões urgentes nos períodos de recesso ou de férias. 1377 Anais do Congresso Brasileiro de Processo Coletivo e Cidadania, n. 7, p. 1370 -1386, out/2019 ISSN 2358-1557 pelo direito brasileiro não suscita, do prisma formal, maiores obstáculos, pois eventuais providências cautelares encontram fundamento direto e imediato no próprio texto constitucional.”21 No entanto, as medidas cautelares deferidas monocraticamente por relatores de processos de controle concentrado de constitucionalidade, que suspendem a vigência da lei e atos normativos, sem justificativa de circunstância jurídica excepcional, consubstanciam grave problema – não apenas pela ilegalidade, mas sobretudo pela inconstitucionalidade decorrente da inobservância da regra da reserva de plenário. Com efeito, o art. 97 da CF/8822 estabelece a cláusula de reserva de plenário, segundo a qual os tribunais somente podem declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público por meio de voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial. Segundo Dirley da Cunha Junior: Essa regra, presente no direito constitucional brasileiro desde a Constituição de 1934, consiste em exigir, para as decisões de inconstitucionalidade proferidas pelos tribunais: a) quórum de maioria absoluta de seus membros, e b) reserva de plenário (cláusula constitucional do “full bench”) ou, no tribunal onde houver órgão especial. Cuida a aludida regra de uma condição de eficácia da decisão declaratória da inconstitucionalidade da lei ou ato normativo do poder público, que se justifica em face do princípio da presunção de constitucionalidade das leis e atos estatais.23 Ademais, de acordo com a Súmula Vinculante n.º 1024, as decisões de órgãos fracionários que não declaram expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público, mas afasta sua incidência, no todo ou em parte, violam a cláusula de reserva de plenário. Sendo assim, o deferimento da cautelar pela via monocrática, também viola a cláusula de reserva de plenário em virtude dos efeitos jurídicos do deferimento da cautelar pela via monocrática, que suspende a vigência da lei objeto da ação e os processos cuja matéria está sendo analisada. Essa determinação, que se aplica tanto ao julgamento definitivo de mérito quanto à concessão de cautelares, é reproduzida em vários artigos da Lei 9.868/1999 (artigos 10, 12- F, 21 e 23) e no art. 5.º da Lei n.º 9.882/1999. 21 MENDES, Gilmar Ferreira; VALE, André Rufino do. Op. Cit., p. 2. 22 Art. 97. Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público. 23 CUNHA JUNIOR, Dirley da. Controle de Constitucionalidade: Teoria e Prática. 10 ed. rev. ampl. e atual. Salvador: JusPODIVM, 2019. p. 168-169. 24 Súmula Vinculante 10: Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo doPoder Público, afasta sua incidência, no todo ou em parte. 1378 Anais do Congresso Brasileiro de Processo Coletivo e Cidadania, n. 7, p. 1370 -1386, out/2019 ISSN 2358-1557 Abre-se, aqui, um parêntese, para demonstrar que existe entendimento em contrário. Segundo Lucas de Laurentiis e Henrique Galkowicz: [...] a deferência ao legislador e a prudência que devem informar a decisão definitiva dos processos de controle de constitucionalidade, elementos esses que fundamentam a existência da cláusula de reserva de plenário, não podem ser transferidos sem temperamentos para as decisões cautelares de tais demandas. Nesses pronunciamentos, como já salientado, o que se encontra em questão são os efeitos nocivos de uma norma que pode se afigurar inconstitucional. Mas esse juízo, repita- se, não se identifica com a declaração do vício de incompatibilidade normativa, ato esse próprio ao julgamento definitivo, não ao cautelar. Por tudo isso, em nosso entender não há razão que sustente a inconstitucionalidade da previsão legal, na qual se autoriza a tomada de decisão liminar pelo relator da ação direta de inconstitucionalidade.25 Não obstante o entendimento acima transcrito, a problemática sobre a concessão de cautelares monocraticamente agrava-se em razão da realidade fática. Hoje é possível identificar medidas cautelares, concedidas pelo relator, que produzem há meses, ou até anos, plenos efeitos, sem observância da apreciação pelo órgão colegiado. Alguns exemplos importantes podem ser citados, como o tabelamento do frete rodoviário (ADI 5.956), a transferência de controle acionário de empresas públicas (ADI 5.624), a criação de tribunais regionais federais (ADI 5.017), a vinculação de receitas para gastos em saúde (ADI 5.595), a distribuição de royalties de petróleo (ADI 4.917) e a decisão na ADI 4.598 que suspende a Resolução CNJ n.º 130, de 2011. Como se pode constatar, a concessão de medidas cautelares em sede do controle concentrado por meio de decisões monocráticas, tornou-se expediente frequente de inobservância da regra do art. 97, CF/88, vez que a “exigência da reserva de plenário não se limita às hipóteses de declaração final de inconstitucionalidade.”26 Conforme ensina Mendes e Rufino27, não apenas a decisão de mérito, mas a decisão cautelar deve ser submetida ao colegiado nas ações do controle concentrado, regra esta que decorre do art. 97, CF e do art. 10 da Lei n.º 9.868/99 (“a medida cautelar na ação 25 LAURENTIIS, Lucas de; GALKOWICZ, Henrique. Medidas cautelares interpretativas e de efeitos aditivos no controle de constitucionalidade: uma análise crítica de sua aplicação. Revista de Direito GV 21, São Paulo, p.65-88, 2015. Jan./jun./2015. Disponível em: <https://direitosp.fgv.br/publicacoes/revista/artigo/medidas- cautelares-interpretativas-de-efeitos-aditivos-controle-de-consti>. Acesso em: 28 set. 2019. p. 70. 26 CUNHA JUNIOR, Dirley da. Op. Cit., p. 170. 27 MENDES, Gilmar Ferreira; VALE, André Rufino do. Op. Cit., p. 5-6. 1379 Anais do Congresso Brasileiro de Processo Coletivo e Cidadania, n. 7, p. 1370 -1386, out/2019 ISSN 2358-1557 direta será concedida pela maioria absoluta dos membros do Tribunal”) e também está expressamente prevista no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal (art. 5.º, X)28. A submissão à reserva de plenário tanto da decisão de mérito quanto da decisão cautelar baseia-se no fato de que ambas produzem efeitos diretos sobre a vigência das normas. Nesse sentido, a lição de Dirley da Cunha Nunes: De feito, com o advento da Lei n.º 9.868, de 10 de novembro de 1999 (que dispõe sobre o processo e julgamento da ação direita de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal), essa exigência também alcança as decisões proferidas em sede de medida cautelar [...]. Mesmo nos casos de excepcional urgência, que só dispensa a exigência da audiência dos órgãos ou das autoridades responsáveis pela edição do ato impugnado, a decisão está vinculada ao Plenário do Tribunal, como sói prever o § 3.º do art. 10.29 A declaração de inconstitucionalidade, portanto, “infirma a presunção de constitucionalidade que milita a favor da lei e atos estatais.”30 O fato da existência de leis e atos normativos com vigência suspensa por decisão judicial apenas do ministro relator enseja, nas palavras de André Rufino do Vale31, um estado de coisas inconstitucional, que afronta não apenas a regra constitucional da reserva de plenário, mas que também todo o sistema de divisão funcional de poderes e, enfim, à própria democracia representativa. Neste contexto, a decisão de um só ministro se coloca acima do Legislativo e Executivo, imiscuindo-se em competências do plenário do Supremo Tribunal Federal. Lênio Streck critica esse tipo de decisão e ilustra a problemática mencionando o caso dos royalties: decisão monocrática do STF, concedida fora do período de recesso, suspendeu a aplicação de lei promulgada após a derrubada de veto do Presidente da República. Essa decisão, de março de 2013, ainda não foi submetida a referendo pelo Plenário. O autor afirma que uma Medida Cautelar sem obediência à cláusula de reserva de plenário tem efeitos similares aos de medida provisória: [...] uma tutela cautelar concedida monocraticamente deve, em períodos de não recesso, ser levada de imediato ao plenário. Terminado o recesso, deve ser levada 28 Art. 10. Compete ao Plenário processar e julgar originariamente: X – o pedido de medida cautelar nas representações oferecidas pelo Procurador-Geral da República; 29 CUNHA JUNIOR, Dirley da. Op. Cit., p. 169. 30 VALE, André Rufino do. Cautelares em ADI, decididas monocraticamente, violam Constituição. Consultor Jurídico: CONJUR, Brasil, 31 jan. 2015. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2015-jan- 31/observatorio-constitucional-cautelares-adi-decididas-monocraticamente-violam-constituicao>. Acesso em: 17 set. 2019. 31 CUNHA JUNIOR, Dirley da. Op. Cit., p. 169. 1380 Anais do Congresso Brasileiro de Processo Coletivo e Cidadania, n. 7, p. 1370 -1386, out/2019 ISSN 2358-1557 a full bench (decisão do plenário em banca cheia). Logo, fazendo um raciocínio lógico: uma cautelar originária de recesso só pode vale durante esse período (30 dias, supondo que ela seja deferida no primeiro dia do recesso). Mas o que a alegoria com a medida provisória (entre aspas) tem a ver com isso? A questão é óbvia: uma lei aprovada pelo parlamento e devidamente sancionada pode vir a ter a sua validade suspensa por uma Medida Cautelar em ADI. Se for no recesso, logo após o término do recesso, deve ser submetida ao plenário. Mas, se não o for? E se a suspensão perdurar no tempo indefinidamente sem que o plenário a confirme? Então os efeitos da ADI são semelhantes aos de uma medida provisória, uma vez que, segundo o parágrafo segundo do artigo 10 da Lei 8.868, entre outras coisas a concessão da medida cautelar torna aplicável a legislação anterior acaso existente, salvo expressa manifestação em sentido contrário. Isto é: uma MC [Medida Cautelar], além de suspender a validade (se se quiser, pode-se até falar em vigência) de um ato normativo (inclusive Emenda Constitucional), pode “repristinar” lei anterior. Há, ainda, algo mais grave: a MP [Medida Provisória] tranca pauta e tem prazo para ser votada. Só que no STF — como explicarei adiante —, a não submissão da MC ao full bench não tranca a pauta do tribunal.32 Portanto, a inobservância do art. 97, CF/88 vai de encontro ao princípio da supremacia da Constituição. Apenas excepcionalmente, o princípio constitucional da inafastabilidade da jurisdição deve ser ponderado junto com a reserva de plenário de modo a permitir a decisãocautelar monocrática no período de recesso e férias coletivas dos ministros, em virtude da impossibilidade de reunião do órgão plenário. Apenas nesse caso, a Constituição admite implicitamente o deferimento de medida cautelar monocrática em sede de controle abstrato. Desta feita, as medidas liminares decididas de forma monocrática são em regra ilegais, por violação à Lei 9.868/99 (art. 10) e inconstitucionais, por afronta ao art. 97, CF/88. Dessa forma, é preciso regulamentar o uso do poder geral de cautela nas ações do controle concentrado de constitucionalidade, pois “não se pode perder de vista a primazia do colegiado, autonomizando esse poder do relator”.33 Em razão da abrangência e efeitos dessa decisão concessiva de cautelar nas ações do controle concentrado, somente em casos excepcionais, em que a submissão ao colegiado mostra-se impossível, poderia o pedido de medida cautelar ser deferido monocraticamente, ad referendum do órgão plenário. Tal decisão deve ter sua eficácia limitada ao período de recesso e férias. 3 ANÁLISE DA PROJETO DE LEI COMPLEMENTAR N.º 79/2018 32 STRECK, Lenio Luiz. A decisão de um ministro do STF pode valer como medida provisória? Consultor Jurídico: CONJUR, Brasil, 04 dez. 2014. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2014-dez-04/senso- incomum-decisao-ministro-stf-valer-medida-provisoria>. Acesso em: 17 set. 2019. 33 STRECK, Lenio Luiz. Op. Cit. 1381 Anais do Congresso Brasileiro de Processo Coletivo e Cidadania, n. 7, p. 1370 -1386, out/2019 ISSN 2358-1557 O Projeto de Lei n.º 79/2018 altera as Leis n.º 9.868 e Lei n.º 9.882, ambas de 1999, para disciplinar a concessão de decisões monocráticas de natureza cautelar referentes a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF). Apresenta, na íntegra, a seguinte proposta: Artigo 1º. O artigo 10 da Lei 9.868/99 passa a vigorar com o seguinte texto: “Art. 10. Poderá ser concedida medida cautelar na ação direta, exclusivamente, por decisão da maioria absoluta dos membros do Tribunal, observado o disposto no art. 22, após a audiência dos órgãos ou autoridades dos quais emanou a lei ou ato normativo impugnado, que deverão pronunciar-se no prazo de cinco dias. Artigo 2º. O artigo 5º da Lei 9.882/99 passa a vigorar com o seguinte texto: “Art. 5.º O Supremo Tribunal Federal, exclusivamente, por decisão da maioria absoluta de seus membros, poderá deferir pedido de medida liminar na arguição de descumprimento de preceito fundamental. 34 De acordo com informações da Agência Senado35, a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) aprovou proposta de Lei Complementar (PLC n.º 79/2018) para restringir a atuação individual dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) em medidas cautelares relacionadas a ações do controle concentrado - ADI e ADPF). O projeto determina que, no período de funcionamento regular do Supremo, as concessões de natureza cautelar, liminar e similares sejam obrigatoriamente dadas pela maioria dos ministros. A decisão monocrática do presidente da Corte só será aceita durante o recesso e em circunstância de excepcional urgência. Com a retomada das atividades normais, o Pleno do Tribunal deverá examinar a questão que suscitou a liminar monocrática. Na justificativa36 do projeto de lei foi ressaltado que o sistema de controle de constitucionalidade brasileiro é um dos mais complexos do mundo, tendo em vista seus 34 BRASIL. Projeto de Lei Complementar n.º 79, de 2018. Altera as Leis n.º 9.868, de 10 de novembro de 1999, e 9.882, de 3 de dezembro de 1999, para disciplinar a concessão de decisões monocráticas de natureza cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade e na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental. Projeto de Lei Complementar. Brasília, DF. Disponível em: <https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/- /materia/134043>. Acesso em: 14 set. 2019. 35 DISTRITO FEDERAL. Senado Federal. Agência Senado (Ed.). Projeto que limita decisão individual de ministro do Supremo vai a Plenário. Fonte: Agência Senado. 2019. Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2019/06/05/projeto-que-limita-decisao-individual-de-ministro- do-supremo-vai-a-plenario>. Acesso em: 14 set. 2019. 36 Justificativa Projeto de Lei Complementar n.º 79, de 2018. Altera os artigos 10 da Lei 9.868/99, o artigo 5.º caput e suprime o § 1º do artigo 5.º da Lei 9.882/99 deste mesmo artigo. Brasília, DF, Disponível em: <https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1533090&filename=PL+7104/201>. Acesso em: 14 set. 2019. 1382 Anais do Congresso Brasileiro de Processo Coletivo e Cidadania, n. 7, p. 1370 -1386, out/2019 ISSN 2358-1557 nuances, procedimento e, especialmente, em face dos resultados oriundos de suas decisões de mérito ou mesmo cautelares e liminares. Destacou que se vive um momento de extensa e profunda judicialização em todos os aspectos da sociedade, especialmente no que tange as questões políticas – e que o maior complicador é que tais decisões se efetivam, via de regra, em sede de decisões cautelares, precárias por sua própria natureza jurídica o que, indubitavelmente, gera disfuncionalidade do sistema de controle de constitucionalidade, afetando sua legitimidade e segurança. O projeto de lei visa impedir que se conceda decisões de natureza cautelar, liminar ou similares nas ações do controle concentrado de constitucionalidade que não pelo próprio pleno do STF e por quórum de maioria absoluta dos seus membros. A proposta vem no sentido de evitar danos de grande monta no que tange a própria segurança jurídica. Parece inadmissível que um ato normativo exaustivamente analisado, discutido e finalmente aprovado necessariamente pelo legislador democrático, e posteriormente sancionado pelo chefe do Poder Executivo, possa repentinamente ter seus efeitos suspensos por medida cautelar em decisão monocrática de um único ministro do STF – e assim permanecer sem que a decisão seja levada ao referendo do Plenário. Soma-se o elevado impacto jurídico, econômico e social dessas decisões monocráticas em ações constitucionais envolvendo temas de grande relevância. A questão principal é, portanto, a usurpação transitória da competência do Plenário, pois a decisão monocrática substitui, no tempo e no mérito, a decisão colegiada, requerida pela Constituição Federal. Assim sendo, este projeto, nos moldes em que foi proposto, vem resgatar o protagonismo funcional de cada um dos Poderes. Não se discute aqui afastar a jurisdição, mas as decisões monocráticas que desafiam o princípio constitucional da separação dos poderes. As decisões do STF devem valer, considerando a presunção de constitucionalidade de toda lei ou ato normativo, pela sua colegialidade. CONCLUSÃO A questão principal discutida neste artigo é a usurpação transitória da competência do Plenário na concessão monocrática de medidas cautelares em sede de controle concentrado de constitucionalidade. Analisa, portanto, a ruptura da legitimidade do colegiado diante das 1383 Anais do Congresso Brasileiro de Processo Coletivo e Cidadania, n. 7, p. 1370 -1386, out/2019 ISSN 2358-1557 decisões monocráticas de ministros do Supremo Tribunal Federal que concedem medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade. As medidas cautelares do processo objetivo apresentam características semelhantes àquelas típicas do processo civil. Visam resguardar a efetividade do resultado do processo e têm como objeto a análise da relevância dos fundamentos do pedido inicial (fumus boni juris) e da necessidade de antecipação dos efeitos da tutela em face da possibilidade de prejuízo decorrente do retardamento da decisão postulada(periculum in mora). Tais medidas jurisdicionais não antecipam o conteúdo declaratório típico das decisões definitivas proferidas no processo principal de controle de constitucionalidade. Esse juízo, não se identifica, pois, com a declaração do vício de incompatibilidade normativa, ato esse próprio ao julgamento definitivo, não ao cautelar. Ocorre que, recorrentemente, a decisão monocrática tem substituído, no tempo e no mérito, a decisão colegiada. Paradoxalmente, o Supremo Tribunal Federal, guardião da constituição, vem atuando de forma contrária às normas constitucionais. As medidas cautelares deferidas monocraticamente por relatores de processos de controle concentrado de constitucionalidade, que suspendem a vigência da lei e atos normativos, sem justificativa de circunstância jurídica excepcional, consubstanciam grave problema – não apenas pela ilegalidade, mas sobretudo pela inconstitucionalidade decorrente da inobservância da regra da reserva de plenário (art. 97, CF/88). O fato da existência de leis e atos normativos com vigência suspensa por decisão judicial apenas de um ministro enseja um estado de coisas inconstitucional. Afronta não apenas a regra constitucional do art. 97, mas a própria democracia representativa. Neste contexto, a decisão cautelar monocrática coloca-se acima do Legislativo e Executivo, imiscuindo-se um só ministro em competências determinadas pela Constituição ao plenário do Supremo Tribunal Federal. Neste contexto, a supremacia da Constituição apresenta-se como uma necessidade democrática de garantia de divisão funcional dos poderes. A atual redação dos dispositivos infraconstitucionais examinados não estabeleceu um limite temporário razoável para a submissão dessa decisão monocrática proferida aos tribunais – no entanto, entende-se que sua eficácia limitada ao período de recesso e férias. Como uma alternativa encontrada pelo legislativo, existe um projeto de lei (PL n.º 79/2018) para impedir que ministros decidam monocraticamente um pedido de medida cautelar em sede de controle abstrato. O referido projeto altera as Leis n.º 9.868 e Lei n.º 9.882, ambas de 1384 Anais do Congresso Brasileiro de Processo Coletivo e Cidadania, n. 7, p. 1370 -1386, out/2019 ISSN 2358-1557 1999, para disciplinar a concessão de decisões monocráticas de natureza cautelar referentes a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF). Por conseguinte, a inobservância da cláusula constitucional vai de encontro ao princípio da supremacia da Constituição e infirma a presunção de constitucionalidade que milita a favor da lei e atos estatais. Apenas excepcionalmente, o princípio constitucional da inafastabilidade da jurisdição deve ser ponderado junto com a reserva de plenário de modo a permitir a decisão cautelar monocrática no período de recesso e férias coletivas dos ministros, em virtude da impossibilidade de reunião do órgão plenário. Ademais, a única possibilidade para a decisão cautelar monocrática no controle concentrado, durante as atividades ordinárias do ano judiciário, encontra-se nos casos em que se verifique que a espera pelo julgamento da Sessão Plenária seguinte ao pedido da cautelar leve à perda de sua utilidade. Essa possibilidade não decorre da sistemática da Lei 9.868/99, mas do poder geral de cautela do Relator para evitar a consolidação de situações irremediáveis e preservar o resultado útil da ação. Seria possível conceber, também, em alguma medida, a aplicação analógica do art. 5.º, § 1.º, da Lei 9.882/1999, referente à arguição de descumprimento de preceito fundamental, que permite a decisão cautelar monocrática “em caso de extrema urgência ou perigo de lesão grave”. REFERÊNCIAS BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro: exposição sistemática da doutrina e análise crítica da jurisprudência. São Paulo, Saraiva: 2006. BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de urgência. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. BRASIL. Lei nº 9.868, de 10 de novembro de 1999. Dispõe sobre o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal. Brasília, DF, Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9868.htm>. Acesso em: 19 set. 2019. ___________. Lei nº 9.882, de 03 de dezembro de 1999. Dispõe sobre o processo e julgamento da arguição de descumprimento de preceito fundamental, nos termos do § 1.º do art. 102 da Constituição Federal. Brasília, DF, Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9882.htm>. Acesso em: 19 set. 2019. 1385 Anais do Congresso Brasileiro de Processo Coletivo e Cidadania, n. 7, p. 1370 -1386, out/2019 ISSN 2358-1557 ___________. Projeto de Lei Complementar n.º 79, de 2018. Altera as Leis n.º 9.868, de 10 de novembro de 1999, e 9.882, de 3 de dezembro de 1999, para disciplinar a concessão de decisões monocráticas de natureza cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade e na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental. Projeto de Lei Complementar. Brasília, DF. Disponível em: <https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/- /materia/134043>. Acesso em: 14 set. 2019. ___________. Supremo Tribunal Federal (STF). Regimento interno [recurso eletrônico]/Supremo Tribunal Federal. Brasília: STF, Secretaria de Documentação, 2019. 267 p. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/legislacaoRegimentoInterno/anexo/RISTF.pdf>. Acesso em: 19 set. 2019. CARVALHO FILHO, José dos Santos. Congresso reage às decisões monocráticas de ministros do Supremo em ADIs. Consultor Jurídico: CONJUR, Brasil, 08 jun. 2018. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2018-jun-09/observatorio-constitucional- congresso-reage-decisoes-monocraticas-supremo-adis>. 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