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Propriedade A concepção individualista marca o conceito tradicional de propriedade como garantia da liberdade individual, promotora do desenvolvimento da sociedade moderna. Apesar de se admitirem algumas limitações ao direito de propriedade (como as limitações administrativas e os direitos de vizinhança), essas limitações não poderiam ser de forma tal a anular a total liberdade do/a proprietário/a. A Constituição Federal de 1988, conhecida como Constituição- Cidadã, teve uma participação fundamental na formação da atual concepção do direito de propriedade (refletida, posteriormente, pelo Código Civil de 2002). Propriedade O grande mérito da Constituição de 1988 foi estabelecer não só a propriedade privada mas o atendimento à sua função social como direito e garantia fundamentais (art. 5º, incisos XXII e XXIII). A Constituição manteve ainda a função social da propriedade como princípio norteador das políticas: econômicas – art. 170, inciso III –; urbanas – art. 182 – e agrárias – art. 184, 185 e 186. Direito de propriedade O art. 5º da Constituição de 1988 determina que todas as pessoas são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se a brasileiros/as e a estrangeiros/as residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. O art. 5º elenca, nos seus setenta e oito incisos, o rol de direitos individuais e coletivos tutelados. O seu inciso XXII determina que é garantido o direito de propriedade, e o inciso XXIII garante também que a propriedade atenderá a sua função social. Em que consistiria a função social da propriedade conforme os ditames da Constituição de 1988? Conteúdo social O conteúdo da função social da propriedade encontra-se no próprio texto constitucional, que consagrou, nos seus artigos 1º e 3º, os seguintes fundamentos e objetivos da República: “Artigo 1º – A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I. a soberania; II. a cidadania; III. a dignidade da pessoa humana; IV. os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V. o pluralismo político. Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.” Conteúdo social “Artigo 3º – Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I. construir uma sociedade livre, justa e solidária; II. garantir o desenvolvimento nacional; III. erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais e IV. promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.” Conteúdo social Esses são os interesses sociais a serem almejados e perseguidos por toda a coletividade no cumprimento da função social da propriedade. O objetivo é servir como uma espécie de bússola para orientar todos/as os/as destinatários/as da norma constitucional (proprietário/a, terceiros/as não proprietários/as, legislador/a e juiz/a). Ainda nessa mesma ordem, a nossa Constituição Federal incluiu, no seu art. 5º, inciso XXII, que a propriedade atenderá a sua função social. Também determina que a ordem econômica observará a função da propriedade, impondo freios à atividade empresarial (art. 170, inciso III). Propriedade urbana O § 2º do art. 182 determina que a propriedade urbana cumpre a sua função social quando atende as exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor. A regulamentação posterior sobre a função social da propriedade urbana deu-se com a Lei nº 10.257/01, criando o Estatuto da Cidade. Por sua vez, o § 4º do art. 182 estabelece as penalidades para a propriedade urbana que não atenda a sua função social: Propriedade urbana “Parágrafo 4º – É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de: I. parcelamento ou edificação compulsórios; II. imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo e III. desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais.” A Constituição de 1988, ao determinar o cumprimento da função social das cidades, estabeleceu também as penalidades que poderão ser aplicadas pelos municípios (de acordo com o que vier a ser estabelecido no plano diretor) às propriedades urbanas que não atendam a sua função social. Essas penalidades culminam com a perda da propriedade, por meio da chamada desapropriação-sanção. Propriedades rurais Da mesma forma que estabeleceu para os imóveis urbanos, o constituinte especificou também os requisitos necessários ao cumprimento da função social da propriedade rural: “Artigo 186 – A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: I. aproveitamento racional e adequado; II. utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; III. observância das disposições que regulam as relações de trabalho e IV. exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.” Propriedades rurais Os artigos de 184 a 191 da Constituição de 1988 foram regulamentados pela Lei nº 8.629/93. Essa Lei produziu, no seu art. 9º, os requisitos necessários ao cumprimento da função social do imóvel rural (especificando, nos seus parágrafos, a dimensão de cada um deles). A Lei estabeleceu ainda os procedimentos para desapropriação-sanção, prevista no art. 184 da Constituição, para fins de reforma agrária. O art. 185 da Constituição determina que não podem ser desapropriadas para fins de reforma agrária: a pequena e média propriedade rural, conforme definidas em lei (no caso, a Lei nº 8.629/93), desde que o seu proprietário não possua outra propriedade – inciso I – e a propriedade produtiva – inciso II. Direito de propriedade e função social O Código Civil de 2002 (Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002), apesar de não ter conceituado o direito de propriedade, inovou ao determinar expressamente que tal direito deve ser exercido em consonância com a sua função social. Desse modo, o Código Civil consagrou de vez a nova concepção do direito de propriedade, fundada pela Constituição de 1988, conforme podemos interpretar do artigo 1.228: “Artigo 1.228 – O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha. Direito de propriedade e função social § 1º O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas. § 2º São defesos os atos que não trazem ao proprietário qualquer comodidade, ou utilidade, e sejam animados pela intenção de prejudicar outrem. § 3º O proprietário pode ser privado da coisa, nos casos de desapropriação, por necessidade ou utilidade pública ou interesse social, bem como no de requisição, em caso de perigo público iminente. Direito de propriedade e função social § 4º O proprietário também pode ser privado da coisa se o imóvelreivindicado consistir em extensa área, na posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de 5 (cinco) anos, de considerável número de pessoas, e estas nela houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesses social e econômico relevante. § 5º No caso do parágrafo antecedente, o juiz fixará a justa indenização devida ao proprietário; pago o preço, valerá a sentença como título para o registro do imóvel em nome dos possuidores.” Aquisição da propriedade O Direito Brasileiro adota o sistema romano com relação à aquisição da propriedade. Não basta um ato jurídico para transferir a propriedade; é necessária a observância de determinada formalidade jurídica para transferir ao adquirente tal direito. O Código Civil de 1916 trazia, expressamente no seu art. 530, as seguintes modalidades de aquisição da propriedade imóvel: a transcrição do título de transferência no Registro de Imóvel, que é um modo peculiar de transferir a propriedade imobiliária; a acessão; a usucapião e o direito hereditário. Aquisição da propriedade Já o Código Civil de 2002 distribuiu os modos de aquisição da propriedade imobiliária nos seguintes artigos: art. de 1.238 a 1.244: regulam as modalidade de usucapião; art. de 1.245 a 1247: regulam a aquisição pelo registro do título e art. de 1.248 a 1.259: regulam a aquisição por acessão. Embora não tenha tratado expressamente sobre o direito hereditário como modo de aquisição da propriedade no seu Livro III (Direito das Coisas), em obediência à nossa tradição jurídica, o Código Civil de 2002 manteve a sucessão hereditária como modo de aquisição de propriedade, tratando-a em Livro próprio (Livro V – Direito das Sucessões). Aquisição da propriedade por usucapião O procedimento para reconhecimento da aquisição da propriedade por usucapião, atualmente, pode ser feito na esfera tanto judicial quanto extrajudicial. O procedimento extrajudicial foi criado pelo Código de Processo Civil de 2015 (art. 1071, que criou o art. 216-A da Lei nº 6.015/73, com redação alterada pela Lei nº 13.465/2017) e deve ser conduzido diretamente no cartório de Registro de Imóveis, mediante a apresentação de ata notarial atestando o tempo de posse e outros documentos. Aquisição da propriedade por usucapião Quanto à procedência da aquisição da propriedade imóvel, ela pode ser: originária – não há transmissão de uma pessoa para outra, como ocorre na acessão natural e na usucapiã, ou derivada – aquisição resultante de uma relação negocial entre o/a proprietário/a anterior e o/a adquirente. Perda da propriedade O Código Civil estabelece, em um só dispositivo, as suas modalidades: “Artigo 1.275 – Além das causas consideradas neste Código, perde- se a propriedade: I. por alienação; II. pela renúncia; III. por abandono; IV. por perecimento da coisa; V. por desapropriação. Parágrafo único. Nos casos dos incisos I e II, os efeitos da perda da propriedade imóvel serão subordinados ao registro do título transmissivo ou do ato renunciativo no Registro de Imóveis. Perda da propriedade Artigo 1.276 – O imóvel urbano que o proprietário abandonar, com a intenção de não mais o conservar em seu patrimônio, e que se não encontrar na posse de outrem, poderá ser arrecadado, como bem vago, e passar, 3 (três) anos depois, à propriedade do Município ou à do Distrito Federal, se se achar nas respectivas circunscrições. § 1° O imóvel situado na zona rural, abandonado nas mesmas circunstâncias, poderá ser arrecadado, como bem vago, e passar, 3 (três) anos depois, à propriedade da União, onde quer que ele se localize. § 2° Presumir-se-á de modo absoluto a intenção a que se refere este artigo, quando, cessados os atos de posse, deixar o proprietário de satisfazer os ônus fiscais.” O § 2º do art. 1.276 consagra uma das mais relevantes inovações do Código Civil, derrubando um dos dogmas do direito privado: a propriedade não se perde pelo não uso. TODOS OS DIREITOS RESERVADOS.
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