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AULA 4 NEUROLIDERANÇA E NEUROCOACHING Prof. Fábio Eduardo da Silva 2 TEMA 1 – EMOÇÃO – O QUE É ISSO? 1.1 Conceitos Emoção é um conjunto reações orgânicas voltadas a orientar a adaptação do organismo ao seu meio ambiente. Sua função mais básica para nos orientar é a avaliação (julgamento) dos estímulos que nos chegam quanto à importância e a valência (valor). Por exemplo, se enxergamos que o rosto de uma pessoa expressa raiva e essa pessoa está olhando para nós, esse estímulo captura nossa atenção e será processado com prioridade. Ele é importante e sua valência é negativa. Nessa situação, precisamos reagir de uma forma apropriada. Talvez precisemos enfrentar ou mesmo lutar com essa pessoa. Ou talvez seja mais oportuno fugir. Mas, se o estímulo for positivo, precisamos aproveitar e ter ações adequadas, por exemplo de aproximação. É responsável por atribuir valor aos estímulos que percebemos (julgamento), por isso influi em nossa atenção, motivação, raciocínio e ação. Registra a valência de cada experiência para compararmos com as futuras, por isso está associada à memória, “carimbando” cada uma com um significado, um valor. Como modula todos esses elementos, tem função crucial na tomada de decisão. Por final, a emoção é parte essencial na comunicação, especialmente a não verbal, crucial para as interações sociais, sendo, em nível não consciente, parte essencial da comunicação humana (Damásio, 1996, 2000, 2011; Gazzaniga; Heatherton, 2005; Cosenza; Guerra, 2011; Ferreira, 2014). A emoção age de forma não consciente, preparando o organismo para um comportamento adaptativo. Ela pode ser observada publicamente, por exemplo na expressão da raiva, mas por vezes não é percebida pela própria pessoa que a está manifestando. Quando nos referimos à percepção consciente do efeito emocional, estamos falando de sentimentos. Estes são privados, e não podem ser vistos por um observador externo, somente por quem os está experimentando. (Damásio, 1996, 2000, 2011). Podemos classificá-las em primárias (universais), as mais importantes para a evolução (raiva, medo, tristeza, nojo, surpresa e alegria), e secundárias, que recebem influência cultural forte (como remorso, culpa e submissão) (Gazzaniga; Heatherton, 2005; Damásio, 1996, 2000, 2011). Para Ekman (citado por Gonzaga; Rodrigues, 2018), as emoções têm caráter evolutivo e nos preparam para lidar rapidamente com eventos básicos da 3 nossa vida. As seis emoções básicas se relacionam com temas universais, os quais, com base em avaliações automáticas que fazemos do mundo, agem como gatilhos que disparam emoções. O quadro a seguir mostra os temas universais e as emoções relacionadas (Gonzaga; Rodrigues, 2018, p. 9): Quadro 1 – Temas universais e as emoções relacionadas Emoção Tema universal / Gatilho associado acionada por... Raiva Reação a ataque, defesa de próprios interesses Medo Sensação de ameaça iminente Tristeza Perda de algo de valor Nojo Violação a gostos ou preferências pessoais Surpresa Alguma novidade que se apresenta Alegria Presença ou percepção de algo de valor 1.2 Base neurológica • Estriado – Estrutura muito importante, relacionada ao sistema de recompensa do cérebro e, como consequência, aos comportamentos motivados. Essa estrutura registra o valor de uma recompensa e aprende sobre o estímulo e as ações que permitiram tal recompensa, e assim procura reconduzir o organismo a obtê-la novamente (Phelps; Delgado, 2009). • Amígdala – Ligada ao aprendizado e à memória emocional ou valor emocional, se positivo ou negativo, de cada estímulo que nos chega. Também está relacionada ao reconhecimento das emoções nas faces, em especial para a emoção do medo. Na sua interação com o hipocampo, modula o registro (memória) de eventos emocionais, garantido que tenham prioridade, que não sejam esquecidos. Também orienta a atenção e a tomada de decisão. Junto com o estriado, represa o valor dos fatos (Gazzaniga; Ivry; Mangun, 2006). • Hipocampo – Funciona em colaboração com a amígdala e está relacionado à fixação de novas memórias, recentes e de longo prazo. Também se relaciona com a orientação espacial. Está conectado e troca informações com áreas corticais, tendo função importante nos processos cognitivos de aprendizagem e memória, em especial na navegação, 4 exploração e locomoção. De forma complementar, também se liga com as regiões relacionadas ao controle das emoções e a comportamentos motivados, como septo, amígdala, tálamo, hipotálamo, estriado, entre outras (Cosenza; Guerra, 2011; Gazzaniga; Heatherton, 2005; Santos; Bueno; Andrade, 2010; Kapczinski et al., 2011; Higgins; Georg, 2010). • Córtex pré-frontal – Região crucial em nosso processamento mental, recebe e efetua múltiplas influências. É essencial aos processos de raciocínio, que esporadicamente podem se tornar conscientes, e aos processos emocionais, que embora sejam usualmente não conscientes, podem se manifestar na forma de sentimentos que vêm a ser percebidos (Gil, 2005; Purves, 2005). O córtex orbitofrontal é parte do córtex pré-frontal e divide-se em córtex pré-frontal ventromedial (área central) e córtex pré- frontal látero-orbital (áreas laterais). Tem a função de “regular nossas capacidades de inibir, avaliar e agir com a informação emocional e social.” Dessa forma se relacionam- com a tomada de decisão (Gazzaniga; Ivry; Mangun, 2006, p. 565). • Córtex pré-frontal ventromedial (CPFvm) – Um caso clássico da literatura e que destacou o papel do CPFvm na tomada de decisão foi o de Phineas Gage. Operário da construção de estradas de ferro nos Estados Unidos., Gage teve essa região de seu cérebro atravessada por uma barra de ferro, após uma explosão. Não morreu, se recuperou, mas seu comportamento social e sua personalidade mudaram drasticamente, razão pela qual perdeu seu emprego. Gage não fazia mais escolhas vantajosas. Outros casos semelhantes confirmaram a importância dessa estrutura para a tomada de decisão, com destaque para aquelas de cunho econômico, mas também para o comportamento social, interpessoal (Damásio, 1996). 1.3 Emoção e cognição na Tomada de Decisão As pessoas com lesões no CPFvm mantêm seus níveis intelectuais, lógica, memória e a capacidade de aprendizado, linguagem e percepção iguais aos que tinham antes. Reconhecem suas falhas decisórias, mas não conseguem repará- las. As capacidades intelectuais/cognitivas são mantidas, mas as afetivas não. Esse contraste fez com o neurocientista português, Antônio Damásio (1996, 2000, 2011), evidenciasse o papel da emoção para a tomada de decisão, e criasse a sua hipótese dos marcadores somáticos. Esses marcadores antecipam 5 consequências de uma decisão, pela atualização dos efeitos emocionais de decisões prévias semelhantes. Nem todas as decisões orientadas pelas emoções são boas, mas o conhecimento racional, consciente, sozinho não é suficiente para que as decisões sejam vantajosas ao organismo. Em resumo, a TD é tanto racional como emocional, consciente e inconsciente (Damásio, 1996, 2000, 2011; Bechara, Damásio, 2005). 1.4 Refletindo sobre as emoções Como vimos, as emoções são cruciais em praticamente tudo o que fazemos. Organizamos nossas vidas buscando ter emoções positivas e nos esquivando daquelas negativas. Estamos atentos às emoções dos outros, organizamos atividades (passatempos, entretenimentos) para manipular nossas emoções (Damásio, 2000). Elas são formadas por 5 componentes (Scherer, citado por Rodrigues; Oliveira; Diogo, 2015, p. 140): Avaliação cognitiva: fornece uma avaliação de eventos e estímulos; Sintomas corporais: alterações fisiológicas desencadeadas por um estado emocional; Tendências de ação: componente motivacional para preparação e direção das respostasmotoras; Expressão: expressões faciais e vocais quase sempre acompanham um estado emocional (em diferentes padrões) para comunicar reações e intenções de ações; Sentimentos: experiência subjetiva da experiência de emoções. Esses componentes se combinam e orientam nossa atenção, julgamento, motivação, memória, raciocínio, comunicação, tomada de decisão e a ação. Mas, o quanto percebemos dessa imensa importância? Ou melhor, o quanto nos damos conta dessa crucial e contínua influência? Aparentemente, muito pouco, visto que a maior parte dessa influência se dá em níveis não conscientes. E seria possível perceber mais? Possivelmente sim. Aqui adentramos na área do autoconhecimento, mais especificamente da inteligência emocional. 6 TEMA 2 – INTELIGÊNCIA EMOCIONAL (IE) 2.1 Apresentando a Inteligência Emocional Para considerar a Inteligência Emocional, precisamos nos reportar às pesquisas de Peter Salovey e John Mayer, sobre a relação da emoção com inteligência. Para esses pesquisadores, Inteligência Emocional (IE) é “a habilidade para controlar os sentimentos e emoções em si mesmo e nos demais, discriminar entre elas e usar essa informação para guiar as ações e os pensamentos” (Neta; García; Gargallo, 2008, p.12). Daniel Goleman tornou o conceito de IE mundialmente conhecido por meio do lançamento de seu livro, com o mesmo nome. O trabalho de Goleman foi criticado por incluir habilidades não necessariamente relacionadas à inteligência emocional. Mayer e Salovey revisaram seu conceito inicial sobre IE, considerando quatro habilidades mentais inter-relacionadas (Neta; García; Gargallo, 2008; Goleman, 2001; Woyciekoski, Hutz, 2009): A inteligência emocional implica a habilidade para perceber e valorar com exatidão a emoção; a habilidade para acessar e ou gerar sentimentos quando esses facilitam o pensamento; a habilidade para compreender a emoção e o conhecimento emocional, e a habilidade para regular as emoções que promovem o crescimento emocional e intelectual A percepção e identificação emocional se referem à habilidade para perceber e identificar as emoções próprias e alheias, incluindo na voz das pessoas, nas obras de arte, na música, nas histórias. O segundo componente, a facilitação emocional, envolve a habilidade para usar as emoções para facilitar os processos cognitivos (na solução de problemas, tomada de decisões, relações interpessoais). Compreender a emoção implica conhecer os termos relacionados com as emoções e as formas como estas se combinam, progridem e mudam. O último nível, o de regulação emocional, trata da habilidade de saber usar estratégias para mudar os próprios sentimentos e saber avaliar se elas são eficazes ou não (Neta; García; Gargallo, 2008, p. 13). 2.2 Cinco habilidades da IE de Goleman • Autoconsciência – Base da IE, reconhecer os próprios sentimentos ou emoções, quando ocorrem, é a chave para o autocontrole e as demais características da IE. É crucial também para distinguir os seus processos emocionais dos demais (Goleman, 2001). • Autocontrole – Lidar com as próprias emoções / sentimentos (por exemplo, raiva, tristeza, medo), para que sejam apropriados aos diferentes 7 contextos e necessidades, por exemplo o foco / concentração e raciocínio numa atividade. (Goleman, 2001). • Motivação – Modular as emoções na direção de metas, por exemplo, adiando a satisfação, conter a impulsividade e reverter a frustração, bem como ativar o entusiasmo imaginando recompensas/aspectos positivos do processo e produto (força de vontade consciente), podem ser chaves para manter a motivação no nível ótimo na direção das metas. (Goleman, 2001). • Empatia – Perceber conscientemente o espelhamento neuronal (que captura automaticamente as intenções, emoções e ações) e usá-lo para perceber os sinais que as pessoas nos enviam, que nos indicam suas necessidades e intenções. Ser ouvinte atento e compreender o ponto de vista do outro, pelo outro. Essencial nas áreas assistenciais, de ensino, vendas e administração/gestão (Goleman, 2001). • Lidar com relacionamentos, ou com a emoção das outras pessoas – inteligência interpessoal, boa capacidade de negociação, persuasão. (Goleman, 2001). Para Goleman, a IE e social é o que diferencia o comportamento dos líderes. Em revisão de seu conceito, Goleman apresenta um modelo de IE com duas perspectivas: intrapessoal (emocional) e interpessoal (social), conforme é mostrado na Figura 1 (Gonzaga; Rodrigues, 2018, p. 16-17). Figura 1 – IE com duas perspectivas: intrapessoal (emocional) e interpessoal (social) Fonte: Gonzaga; Rodrigues, 2018, p. 16-17. Consciência social Gestão de relacionamentos Intrapessoal (eu) Interpessoal (outro) Autoconsciência Autogerenciamento Inteligência Emocional 8 TEMA 3 – Inteligência Emocional (IE) no contexto da liderança/gestão organizacional internacional Segundo o Fórum Econômico Mundial (WEF, 2016), estamos na quarta revolução industrial, caracterizada por desenvolvimentos em genética, robótica, inteligência artificial, nanotecnologia, impressão em 3D, biotecnologia, automação em transporte, aprendizagem automática e economia compartilhada, entre outros fatores. Concomitantes à revolução tecnológica, há um conjunto de fatores que trazem mudanças socioeconômicas, geopolíticas e demográficas mais amplas, cada uma interagindo em múltiplas direções e se intensificando mutuamente. À medida que setores inteiros se ajustam, a maioria das ocupações passa por uma transformação fundamental. Enquanto alguns trabalhos são ameaçados pela redundância e outros crescem rapidamente, os trabalhos existentes também passam por uma mudança nos conjuntos de habilidades necessários para executá-los. O debate sobre essas transformações é muitas vezes polarizado entre aqueles que preveem novas oportunidades sem limites e aqueles que preveem deslocamentos maciços de empregos (WEF, 2016, p. 7). A questão, então, é como os negócios, o governo e os indivíduos reagirão a esses desenvolvimentos. Para evitar o pior cenário possível - mudanças tecnológicas acompanhadas de escassez de talentos, desemprego em massa e desigualdade crescente - a requalificação e melhoria de qualificação dos trabalhadores de hoje será crítica. Embora muito tenha sido dito sobre a necessidade de reforma na educação básica, simplesmente não é possível enfrentar a atual revolução tecnológica esperando que a força de trabalho da próxima geração esteja mais bem preparada. Em vez disso, é fundamental que as empresas assumam um papel ativo no apoio às suas atuais forças de trabalho através de reciclagem, que os indivíduos adotem uma abordagem proativa para seu aprendizado ao longo da vida e que os governos criem o ambiente favorável, de forma rápida e criativa, para auxiliar esses esforços (WEF, 2016, p.7). As áreas mais influenciadas por essas mudanças incluem consumo, saúde, energia, mídia, entretenimento, finanças, infraestrutura e mobilidade. Para se adaptar a esse contexto, o referido fórum indica que os profissionais deverão desenvolver competências até 2020. 9 Quadro 2 – Competências que profissionais deverão desenvolver até 2020, segundo o Fórum Econômico Mundial Tipo de habilidade Habilidade Definição Habilidades cognitivas Flexibilidade cognitiva A capacidade de gerar ou usar diferentes conjuntos de regras para combinar ou agrupar as coisas de diferentes maneiras. Criatividade A capacidade de apresentar ideias incomuns ou inteligentes sobre um determinado tópico ou situação, ou desenvolver maneiras criativas de resolver um problema. Raciocínio lógico A capacidade de combinar informações para formar regras gerais ou conclusões (inclui encontrar um relacionamento entre eventos aparentemente não relacionados) e / ou aplicar regras gerais a problemas específicos para produzir respostasque façam sentido Sensibilidade ao problema A capacidade de dizer quando algo está errado ou é provável que dê errado. Não envolve resolver o problema, apenas reconhecendo que existe um problema. Raciocínio matemático A capacidade de escolher os métodos matemáticos corretos ou fórmulas para resolver um problema. Visualização A capacidade de imaginar como algo vai ficar, após isso ser movimentado ou quando suas partes são movidas ou reorganizadas. Competências de conteúdo Aprendizado ativo Compreender as implicações de novas informações para a resolução de problemas atuais e futuras e para a tomada de decisões. Expressão oral Conversando com outras pessoas para transmitir informações de maneira eficaz. Compreensão de leitura Compreender sentenças escritas e parágrafos em documentos relacionados ao trabalho. Expressão escrita Comunicar eficazmente por escrito, de acordo com as necessidades do público. Alfabetização em TIC Usando tecnologia digital, ferramentas de comunicação e redes para acessar, gerenciar, integrar, avaliar e criar informações. Habilidades de Processo Escuta ativa Dando total atenção ao que as outras pessoas estão dizendo, tendo tempo para entender os pontos que estão sendo feitos, fazendo perguntas conforme apropriado e não interrompendo em momentos inapropriados. Pensamento crítico Usando lógica e raciocínio para identificar os pontos fortes e fracos de soluções alternativas, conclusões ou abordagens para problemas. Monitorando o eu e os outros Monitorar / avaliar o desempenho de si mesmo, de outros indivíduos ou organizações para melhorar ou tomar ações corretivas. Habilidades de resolução de problemas complexos Resolução de problemas complexos Capacidades desenvolvidas usadas para resolver problemas novos e mal definidos em configurações complexas do mundo real. Habilidades de gerenciamento de recursos Gestão de recursos financeiros Determinar como o dinheiro será gasto para realizar o trabalho e contabilizar esses gastos. Gestão de recursos materiais Obtenção e observação para o uso apropriado de equipamentos, instalações e materiais necessários para realizar determinado trabalho. 10 Gestão de pessoas Motivar, desenvolver e dirigir as pessoas enquanto elas trabalham, identificando as melhores pessoas para o trabalho. Gerenciamento de tempo Gerenciando o próprio tempo e o tempo dos outros. Habilidades sociais Coordenando com os outros Ajustar ações em relação às ações dos outros. Inteligência emocional Estar ciente das reações dos outros e entender por que eles reagem como eles. Negociação Reunir os outros e tentar reconciliar as diferenças. Persuasão Persuadir os outros a mudarem de ideia ou comportamento. Orientação de serviço Procurando ativamente maneiras de ajudar as pessoas. Treinando e ensinando outros Ensinar os outros a fazer alguma coisa. Habilidades de Sistemas Julgamento e tomada de decisão Considerando os custos e benefícios relativos de ações potenciais para escolher o mais adequado. Análise de sistemas Determinar como um sistema deve funcionar e como as mudanças nas condições, nas operações e no ambiente afetarão os resultados. Fonte: WEF, 2016, p. 52-3. TEMA 4 – TÉCNICAS PARA GERIR AS EMOÇÕES I Tendo visto a importância das emoções para nossa vida, tanto pessoal como profissional, apresentamos técnicas para melhor percebê-las e lidar com elas. 4.1 Treino de atenção O treino de atenção permite mantê-la de forma constante, receptiva ao que ocorre, com calma e clareza, elementos essenciais a IE. Quanto mais atenção, mais controle sobre as reações emocionais. O treino da atenção pode focar-se no corpo, permitindo perceber as reações corporais das emoções – lembrando que as emoções têm componentes psicológicos e fisiológicos, que são mais fáceis de serem percebidos; se percebemos mais a experiência emocional, melhor a gerenciamos (Tan, 2014). Wallace (2018) apresenta uma série de técnicas em seu livro A revolução da atenção, do qual extraímos uma relacionada à atenção contínua: Permaneça relaxado, imóvel e vigilante. Essas três qualidades do corpo devem ser mantidas durante todas as sessões de meditação. Quando já tiver estabelecido seu corpo com essas três qualidades, faça três respirações lentas, suaves e profundas, inspirando e expirando pelas narinas. Deixe que sua consciência permeie todo o corpo enquanto respira, notando qualquer sensação relacionada à respiração. Entregue- se e desfrute dessas respirações profundas, como se estivesse recebendo uma massagem interna bem suave (Wallace, 2018, p. 38). 11 Com essa preparação você estabelece uma base de relaxamento. Sem perder essa sensação de calma, passe agora a enfatizar o cultivo da estabilidade da atenção. [...] Com esse objetivo, em vez de manter a atenção nas várias sensações da respiração ao longo de todo o corpo, foque a sua atenção apenas nas sensações da expansão e relaxamento do abdômen, em cada uma das respirações. Como fez anteriormente, observe a duração de cada inspiração e de cada expiração e observe, também, a duração das pausas entre as respirações. Por puro hábito, os pensamentos não intencionais formarão uma cascata em sua mente, como uma verdadeira cachoeira (Wallace, 2018, p. 55). Uma forma de estancar esse fluxo implacável de encandeamento de ideias é contar as respirações. Tente isso agora, contando “um”, no início da primeira inspiração; em seguida preste bastante atenção às sensações da respiração durante todo o restante da inspiração e durante toda a expiração. Conte “dois” no início da próxima respiração e continue fazendo dessa forma enquanto achar que é útil. Deixe que essa contagem mental seja breve para que sua atenção à contagem não substitua a consciência da própria respiração. O objetivo da contagem é inserir breves lembretes na prática – “lembrar de lembrar” – para que você não seja arrastado pelas distrações. [...] Essa fase da prática diz respeito principalmente à atenção plena à respiração, não à contagem. (Wallace, 2018, p. 55). Indicamos que você conte até 20 e depois retorne a contagem ao zero. Após aperfeiçoar essa sequência, pode avançar para números maiores, como 30 e 50, por exemplo. 4.2 Classificação das emoções Quando uma pessoa consegue classificar seus sentimentos com palavras, tem mais facilidade para lidar com suas emoções, visto que esse processo ativa o CPFvm que regula a amígdala – o disparador emocional do cérebro (Tan, 2014). A prática é simples: cada vez que tomamos consciência de nós mesmos, procuramos avaliar nossos sentimentos (que são baseados em emoções), tentando classificá-los dentre as emoções possíveis. Ampliando um pouco a lista das emoções básicas indicadas anteriormente, indicamos oito emoções e suas famílias sugeridas por Goleman (2001, p. 303- 304): Alegria, prazer - felicidade, alívio, contentamento, deleite, diversão, orgulho, prazer sensual, arrebatamento, gratificação, satisfação, bom humor, euforia, êxtase, mania. Tristeza - sofrimento mágoa, desânimo, desalento melancolia, autopiedade, solidão, desamparo, desespero, depressão, Medo, ansiedade, apreensão, nervosismo, preocupação, consternação, cautela, escrúpulo, inquietação, pavor, susto, terror, fobia e Pânico Raiva/ira - fúria, revolta, ressentimento, exasperação, indignação, vexame, acrimônia, animosidade, aborrecimento, irritabilidade, hostilidade, ódio Amor - aceitação, amizade, confiança, afinidade, dedicação, adoração, paixão, ágape 12 Surpresa - choque, espanto, pasmo, maravilha Desprezo, nojo - desdém, antipatia, aversão, repugnância, repulsa Vergonha - culpa, vexame, mágoa, remorso, humilhação, arrependimento, mortificação, contrição 4.3 Técnica de rSOL+ – chave de presentificação, autopercepção e mudança de estado de consciência A técnica rSOL+, é uma chave (sigla) para:r: respiração, Sujeito, Objeto, Lugar, + emoção positiva. É uma técnica de presentificação, ou seja, de tornar-se presente, consciente do momento e do local. Ela pode ser feita várias vezes ao dia, e sugerimos que você tenha como objetivo uma quantidade de vezes – por exemplo, pode começar fazendo uma vez por dia, durante uma semana. Depois, 2, 4 e até 8 vezes por dia, sucessivamente, na medida em que consolida o hábito. Quando ele se consolidar, você fará a técnica espontaneamente, muitas vezes por dia. Vamos à descrição da sequência: • Respiração – Inicio com algumas respirações (r) conscientes, para trazer a atenção para a minha respiração e acalmá-la, se não estiver calma. Essa etapa pode incluir a imaginação de uma cor, por exemplo a respiração com cor dourada (ou outra que acha conveniente), imaginando a conexão com o sol, trazendo o foco dessa conexão no centro do peito, tornando-o um pequeno sol. • Sujeito – Chamar-me mentalmente pelo meu nome, para que eu me sinta mais presente em mim mesmo. Depois, mentalmente percebo alguns elementos em mim. • Corpo – Disposição, sensações, postura, dores, tensões, necessidades): conexão carinhosa e atenta com meu corpo • Emoção – Como está meu humor, positivo ou negativo? Com qual intensidade, ou quão alerta estou? Como está minha motivação, preocupação, ansiedade? Estou fazendo julgamentos mentais? Se sim, que emoção está guiando (enviesando) esses julgamentos? • Pensamento, vontade, foco – Estou calmo ou agitado? Focado ou disperso? Muitos pensamentos ou poucos? Minha força de vontade está forte ou fraca? Há pensamentos repetitivos em minha mente? Que padrões percebo neles? • Objeto (de relação) – Com o que ou com quem me relaciono neste momento? Quais as características? O que estou fazendo? 13 • Lugar – Onde estou? Quais são as características deste local? Existem influências coletivas em curso neste momento? Quais? • Emoção + – Evoco uma lembrança feliz, prazerosa, na qual me sentia confiante, produtivo(a). Pode ser também um agradecimento por coisas boas que me aconteceram-acontecem. Busco sentir essa emoção em todo o corpo. O que muda nele com a emoção evocada? Para finalizar, fazemos um questionamento sobre o momento que vivemos, com o objetivo de quebrar a habituação perceptiva. Esta experiência que estou vivendo, é sonho ou realidade? Estou sonhando ou acordado? Algo estranho ocorre neste momento? Como cheguei a este momento? 4.4 Cavalgando as emoções – eu não sou minhas emoções por isso posso treinar o autocontrole Para onde você está indo? Pergunte ao cavalo! Era uma vez, na antiga China, um homem sobre um cavalo que passou por um homem que caminhava pela estrada. O homem perguntou: cavaleiro, para onde o senhor está indo? O homem no cavalo respondeu: não sei, pergunte ao cavalo (Tan, 2014). Figura 2 – Cavaleiro chinês guiado pelo cavalo Crédito: Vinsintus/Shutterstock. Como as emoções modulam nossa percepção, avaliação e interação com a “realidade”, além de modular também nossa motivação (vontade), podemos https://www.shutterstock.com/pt/g/Vinsintus 14 refletir que a emoção é um guia, evolutivo, voltado a nos orientar com vistas à adaptação, à sobrevivência. Como ela funciona em grande medida de forma não consciente, ao menos sua parte física é independente de qualquer vontade consciente. Na analogia da história acima, podemos pensar que a emoção é o cavalo. O cavaleiro não exerce influência sobre a direção escolhida, deixa que o leve para onde desejar, por isso não sabe para onde está indo. Possivelmente, nem percebe que está sobre um cavalo, tal como o centauro, metade humano, metade cavalo, não tem ciência de que ele ou ela não é suas emoções, que são processos corporais. Mas, se percebermos que o cavalo existe (atenção focada aos processos corporais é algo necessário), podemos exercer influência sobre ele). Por sorte, podemos, sim, amansar e guiar o animal. Isso tem início compreendendo o cavalo e observando suas preferências, tendências e comportamentos. Assim o que compreendemos, aprendemos nos comunicar e trabalhar com ele. Por fim, o animal nos levará para onde queremos ir. Dessa forma, criamos uma escolha para nós mesmos. [...] em outras palavras, aprendemos a cavalgar (Tan, 2014). Figuras 3 e 4 – Analogias para emoção Crédito: Krikkiat/Shutterstock; Warpaint/Shutterstock. Mas como? Prestando atenção ao nosso corpo (onde primeiro se expressam nossas emoções) e, em especial, à nossa respiração (rédeas da consciência), e percebendo que não somos nossas emoções. Usualmente, percebemos as emoções como parte de nossa mente, elas “se transformam na nossa própria existência”. (Tan, 2014) Com a prática suficiente de meditação [atenção plena], você pode acabar por notar uma mudança sutil, mas importante - pode começar a sentir que as emoções que são simplesmente o que você sente, e não o que você é. As emoções passam de algo existencial (sou) para algo empírico (sinto). Com mais prática, pode haver outra mudança Sutil em - você acaba por ver as emoções simplesmente com fenômenos fisiológicos. As emoções se transformam no que sentimos com o corpo, assim passamos de “eu estou com raiva” para “sinto raiva no meu corpo” (Tan, 2014). 15 Técnica, principalmente quando estivermos em situações onde nossas emoções estão intensificadas, podemos perguntar: Para onde o Sr. está indo? E respondemos: pergunte ao cavalo! Então respiramos conscientemente por alguns instantes e focamos nossa atenção ao corpo, buscando identificar que emoção estamos sentindo fisicamente. Aí, falamos mentalmente ou verbalmente: sinto (nome da emoção) no meu corpo. Com base nesta e em outras técnicas, é possível ir da compulsão/reação para a escolha/resposta. Possibilita-nos autocontrole, que implica em 5 características (Tan, 2014): 1. Autorrepreensão: avaliar emoções incômodas e impulsos. 2. Confiança: manter padrões de honestidade e integridade. 3. Consciência: assumir a responsabilidade pelo desempenho pessoal. 4. Adaptação: flexibilidade ao lidar com desafios. 5. Inovação: estar à vontade com novas ideias, abordagens e informações. TEMA 5 – TÉCNICAS PARA GERIR AS EMOÇÕES II 5.1 Lidar com situações incômodas Tan (2014), propões quatro princípios para lidar com situações incômodas: 1. Saiba quando não está sentindo dor. 2. Não se sinta mal por se sentir mal. 3. Não alimente seus monstros. 4. Comece cada pensamento com gentileza e humor. Saiba quando não está sentindo dor. Basicamente, é valorizar os momentos em que não temos dor; trata-se de saborear essa liberdade, o que tende a nos tornar mais felizes. Em geral, quando sentimos dor ou algum mal- estar, podemos pensar que bom será quando estivermos livres dessa circunstância; mas, ao estarmos livres, não valorizamos isso! Em complemento, até mesmo quando estamos sentindo dor, frequentemente há intervalos – percebê-los é muito importante para recuperar forças e enfrentar os momentos que se seguiram (Tan, 2014). Não se sinta mal por se sentir mal. Nos incomodamos por estarmos incomodados, nos sentimos mal por nos sentimos mal, por ter emoções ou sentimentos ruins, por sermos egoístas etc. Nos cobramos um padrão mais elevado e nos culpamos por não manifestá-lo. “Puxa, sou uma pessoa tão boa, por 16 que estou sentindo toda essa inveja? [...] talvez, se eu fosse mesmo um bom meditador, não me sentiria assim. Portanto, devo ser um hipócrita e um pedaço inútil de [...]” (Tan, 2014). Trata-se de uma imagem superior que nosso ego faz de si mesmo e que vai gerar uma nova perturbação. É oportuno então desapegar-se desta imagem, e o humor pode auxiliar. Ao brincar com uma imagem de “um ser superior” que construímos de nós mesmos, tornamos o desapego desta imagem mais leve e fácil. Se a criamos é porque não gostamos/aceitamos a nossa “situaçãoreal”. Aceitá-la é o desafio possível. Figura 5 – Meus monstros Crédito: Mssa/Shutterstock. Não alimente seus monstros. E se existissem monstros que ocupam nossa mente, desequilibram nossas emoções e nos provocam aborrecimentos? Se eles fossem inevitáveis e poderosos e nos sentíssemos impotentes para mandá-los embora? Imagine que sejam! O que fazer? Cortar seus suplementos de comida! Se assim o fizermos, ficarão com fome, se tornarão mais fracos, talvez até nos abandonem, ou conforme nossa habilidade para conversar com eles, talvez se tornem nossos amigos, em vez de inimigos. 17 Pense na raiva, por exemplo. Se você está com muita raiva de alguém e examina essa raiva com a mente plena, talvez você descubra que a raiva não é constante; ela vem e vai sutilmente. Pode, ainda, perceber sua mente constantemente alimentando a raiva, repetindo uma ou mais histórias para si mesmo. Se você parar de represá-las, poderá perceber a raiva se dissipando por falta de combustível. O Monstro da Raiva precisa se alimentar de nossas histórias. Sem elas para comer, o Monstro da Raiva fica com fome e em algum momento desaparece. Ao não a alimentar, você economiza energia mental, e o Monstro da Raiva o deixa sozinho e vai brincar em outro lugar. Ele sabe que há muitas pessoas dispostas a alimentá-lo por aí. Não nutrir os monstros é um ótimo negócio (Tan, 2014). Comece cada pensamento com gentileza e humor. “Em cada situação, ruim ou não, é útil começar cada pensamento com gentileza e compaixão por si e pelos outros. [...] Também considero muito útil ver humor nos meus pontos fracos.” (Tan, 2014). Humor e gentileza/compaixão podem ter caráter curativo sobre nossas emoções, e também quando consideramos as “emoções dos outros”. Se treinarmos usar carinho e comédia em situações difíceis, nossas e de demais pessoas, talvez a vida se torne uma grande comédia e/ou uma grande unidade/harmonia. 5.2 Lidar com provocações (Ferrovia Transiberiana) Para lidar com tais situações, é preciso percebê-las. Marc Lasser (citado por Tan, 2014), sugere que notemos três padrões: • Corpo: respiração rápida, coração disparado, estômago revirado. • Emoções: reação de tudo ou nada, sentindo-se como caça diante do caçador ou tendo uma explosão emocional (o que Goleman chama de “sequestro da amígdala”). • Pensamentos: sentimento de vítima [estamos sendo injustiçados], pensamentos de culpa e crítica, dificuldade de atenção. Frequentemente, essas provocações nos remetem a experiências anteriores, sejam elas com a mesma pessoa ou com outras. Relacionam-se também com processos nossos, por exemplo o sentimento de autoinadequação e/ou insegurança e/ou desvalor. Tais experiências nos produzem dor, “quase como um nervo exposto” (Tan, 2014). Se eu, por exemplo, estou me sentindo muito inseguro quanto a meu desempenho profissional, a mera sugestão da minha chefe de que ela está ligeiramente preocupada com o andamento do meu projeto pode gerar uma reação em mim. Por outro lado, se estou muito confiante no meu trabalho, minha reação quanto à minha chefe será completamente diferente (Tan, 2014). 18 A prática da Ferrovia Transiberiana foi criada para lidar com provocações e/ou situações incômodas. Ela tem cinco passos: 1. Parar. 2. Respirar. 3. Notar (Observar). 4. Refletir (Pensar). 5. Reagir (Escolher Resposta). PRORR, do original, PROPEr, adaptação para nossa língua, para facilitar a memorização (Tan, 2014). A prática tem esse nome, considerando as iniciais da expressão em inglês (SBNRR, SiBerian North RailRoad), o que em nossa língua não faz muito sentido. No entanto a imagem de uma Ferrovia na Sibéria, um local muito gelado, pode ser útil para esfriar o calor das emoções que estão sendo trabalhadas (Tan, 2014). Figura 6 - Ferrovia Transiberiana Crédito: Serjio74/Shutterstock. Primeiramente, parar. A primeira atitude a fazer quando nos sentimos insultados é parar. Essa pausa sagrada é muito importante e poderosa. Não reagir imediatamente a uma provocação é uma escolha e um sinal explícito de força, que será reconhecido pela outra pessoa (Tan, 2014). Depois, respirar. O segundo passo reforça o primeiro e ainda produz um efeito muito importante: a respiração consciente (principalmente se for profunda) acalma a mente e o corpo (Tan, 2014). Na sequência, notar/observar. Agora, é possível perceber, anotar, sentir a emoção se manifestando no corpo: rosto, pescoço, ombros, peito, costas. Ocorrem mudanças na temperatura e na tensão do nosso corpo? Mindfulness é requerida nesse momento – perceber a situação presente, sem julgar (Tan, 2014). 19 “O mais importante, nesse ponto, é vivenciar a dificuldade emocional simplesmente como um fenômeno físico e não existencial. Se você estiver sentindo raiva, por exemplo, sua observação não é ‘tenho raiva’, é ‘estou sentindo raiva no meu corpo’” (Tan, 2014). Depois, é hora de refletir/pensar. Esse é o momento no qual buscamos a origem de nossa emoção, qual a história que está por trás. Nos sentimos inadequados e/ou inseguros e/ou desvalorizados? Se a experiência envolver outra pessoa, coloque-se no lugar dela. Pense nas seguintes afirmações: todos querem ser felizes; essa pessoa acha que agir assim a deixará feliz, de algum modo (Tan, 2014). Nesse nível, refletimos e adicionamos outra perspectiva, esquivando-nos de julgar a pessoa à nossa frente. Se o fizermos, possivelmente estaremos projetando nossas experiências anteriores, mal elaboradas, sobre a pessoa que está estimulando; porém, se ela consegue produzir tal estímulo, é porque existe em nós um ambiente receptivo propício (Tan, 2014). Na sequência, devemos reagir/escolher a resposta. Neste momento, vamos imaginar uma resposta que produzisse um resultado positivo. Não é necessário responder, mas apenas imaginar possibilidades positivas e ou gentis. No programa Busque dentro de você, antes de praticar o exercício da Ferrovia Transiberiana, convidamos nossos participantes a falar sobre uma situação na qual se sentiriam provocados. Isso os prepara para o exercício. Geralmente pedimos que se reúnam em grupos de três, nos quais cada pessoa fale por três minutos. O tópico da conversa é: — Descreva uma situação na qual você se sinta provocado: 1. Qual o acontecimento? 2. Que sentimentos ele desperta? Qual o primeiro sentimento — raiva, isolamento? 3. Onde, no seu corpo, você sente isso? Você está sentindo isso agora? Em casa, recomendo que você pense na última vez que se viu emocionalmente provocado e se pergunte as questões acima. Isso o preparará para a meditação a seguir (Tan, 2014). 5.3 Integrando e transformando transferências “A busca de coerência promove o autoengano” (Callegaro, 2011, p. 113). Os pressupostos que se baseiam na presente técnica se inspiram na perspectiva de que frequentemente podemos confundir e identificar erroneamente a origem de uma emoção ao fazermos associações com experiências imediatas ou passadas não percebidas conscientemente (Cozenza; Guerra, 2011). Também porque utilizamos de um intérprete cerebral, que cria narrativa para obter ordem e coerência no nosso mundo psicológico. Tais narrativas podem distorcer nossa memória, com base em conhecimentos gerais ou experiências passadas. O 20 intérprete cerebral produz essas distorções da memória para construir um modelo de Eu e do mundo frequentemente diverso da realidade objetiva. Na perspectiva do novo inconsciente, a disparidade entre as nossas crenças conscientes e o nosso comportamento são evidentes e fundamentais (Callegaro, 2011). O intérprete também pode nos ajudar a ter uma sensação de ordem em nossas vidas, fazendo com que conciliemos atitudes do presente com ações e sentimentos do passado. Isso cria a confortadora sensação de que sempre soubemos como as coisas iriam terminar, ou mesmo melhora nossa opinião sobre nós mesmos. Mas tambémtem o potencial de nos guiar para o caminho das ilusões. Se as explicações e as racionalizações simples oferecidas pelo intérprete criam fortes distorções que nos impedem de ver a nós mesmos sob uma luz realista, obviamente corremos o risco de repetir os fracassos passados no futuro (Schacter, 2003, citado por Callegaro, 2011, p. 112). Por essa razão, a busca do autoconhecimento pode ser de muita utilidade para que possamos reduzir tais distorções: as várias formas de distorção estão tão enraizadas na percepção humana, que existem poucos bons remédios para evita‑las por completo. O melhor que podemos fazer talvez seja aceitar que o conhecimento, as opiniões e os sentimentos atuais podem influenciar nossas recordações do passado e moldar nossas impressões de pessoas e objetos no presente. Ao exercer a devida vigilância e ao reconhecer as possíveis fontes de nossas convicções tanto sobre o presente como sobre o passado, podemos atenuar as distorções que surgem quando a memória age como um fantoche a serviço de seus mestres. (Schacter, 2003, citado por Callegaro, 2011, p. 112). Freud estudou casos clínicos e propôs o conceito de transferência, segundo o qual sentimentos e impulsos, defesas, atitudes, fantasias e avaliações vividas, ou relativas a relacionamentos atuais, seriam reflexos e/ou repetições negativas ou positivas de experiências prévias com outras pessoas. Estudos atuais sobre memória implícita dão base a essa perspectiva, mesmo que a interpretação não seja da mesma forma que Freud. Tais sentimentos e sensações inconscientes se manifestam na comunicação, principalmente a não-verbal, e na interação interpessoal, em geral se constituindo em dicas para a qualidade dos relacionamentos e para o nosso desenvolvimento emocional (Cosenza; Guerra, 2011; Callegaro, 2011). Estímulos externos podem também ser considerados negativos ou positivos quando encontram receptividade em processos emocionais prévios e memórias implícitas (Callegaro, 2011). Por exemplo, frustrações, mágoa, inadequação, desvalor, desamor, sentimento de exclusão, injustiça e raiva são experiências que podem ser catalisadas por situações atuais sem que nos demos conta de que são prévias em nossas vidas. Em complemento, por vezes 21 exatamente a experiência que nos produz irritação, ofensa, não está apenas em nosso passado, mas em nosso próprio comportamento emocional presente – porém, isso não é percebido conscientemente. A transferência é um processo inconsciente que se caracteriza pela generalização de memórias implícitas da situação original para uma situação atual. Na transferência de aprendizagem implícita que envolve o acionamento dos EIDs [esquemas primitivos], é a forma de avaliação dos estímulos que determina o desencadeamento das reações. A ideia de que a avaliação (ou a interpretação) dos estímulos determina a forma de reagir é um dos alicerces conceituais fundamentais de qualquer abordagem no escopo das terapias cognitivas. O modelo do novo inconsciente pode contribuir para entender melhor as particularidades da avaliação inconsciente que realizamos e os mecanismos, também inconscientes, pelos quais desencadeamos determinados esquemas e certas reações (Callegaro, 2011, p. 261). Podemos ser agressivos, sem ter muita noção consciente disto, e nos irritarmos com pessoas agressivas. Da mesma forma, podemos ser depressivos, arrogantes, egoístas e assim por diante, sem que nos demos conta de que o fazemos. Ao observarmos pessoas que expressam tais comportamentos, podemos nos sentir injustiçados, vitimados, o que justifica uma reação nossa (interna ou externa) em igual (ou pior) medida do que estamos recebendo. Ao voltarmo-nos para dentro, diante desses estímulos que nos incomodam, poderemos encontrar tais experiências ao integrá-las e aceitá-las em nós, dissolvendo nosso ambiente propício à reação para aqueles estímulos. Recordemo-nos de que são processos emocionais em nós, que servem como medida de avaliação de intensidade e valor daquilo que percebemos pelos sentidos sensoriais. Tal avaliação se dá de forma não consciente: De acordo com os pesquisadores do novo inconsciente, avaliamos de forma inconsciente e reagimos de modo automático a praticamente qualquer objeto, situação, coisa ou pessoa [...], sendo que cada estímulo provoca uma reação afetiva imediata positiva ou negativa [...]. Essa avaliação instantânea inconsciente acontece de forma independente de ostentarmos posições fortes ou atitudes extremadas, uma vez que atitudes fracas também produzem as mesmas reações. Estímulos nunca vistos anteriormente também disparam avaliações automáticas, mesmo se não puderem ser processados com facilidade por não se encaixarem em estereótipos ou categorias previamente existentes (Callegaro, 2011, p. 261-262). Ao mudarmos processos emocionais em nós, mudamos também nossa medida de valor, e, por conseguinte, “construímos novas realidades”. Tendemos a perceber tanto nossos aspectos positivos quanto negativos fora de nós, mas sob certa perspectiva toda realidade é interna, seja ela sensorial ou valorativa/semântica. Por essa razão, estímulos iguais podem provocar reações e 22 interpretações das mais diversas em diferentes pessoas. O que é agradável e desafiador para uma pessoa pode ser desagradável e produzir efeitos depressivos/agressivos em outra. Perceber nossos processos emocionais ligados à atribuição de valor/causalidade é parte essencial do processo de autoconhecimento e autodesenvolvimento. Isso é mais facilmente possível por meio de práticas de atenção plena, uma vez que por meio dela podemos observar e transformar tais processos: as avaliações automáticas são onipresentes nas interações sociais, e a compreensão de seu impacto no relacionamento humano é fundamental para uma abordagem psicoterápica eficaz. [..] não podemos ser introduzidos [apresentados] a uma pessoa sem experimentar algum imediato sentimento de atração ou repulsão (Callegaro, 2011, p. 261- 262). A presente técnica tem duas fases. Na primeira, o desafio é reconhecer o movimento de transferência, via memórias implícitas e neurônios espelho. Não percebemos que o julgamento que fazemos dos outros depende de processos internos nossos, não de fatos externos. Nossa emoção é relativamente “cega”, fechada, inflexível. Podemos nos sentir certos, inocentes, vítimas, injustiçados, bons, humildes. Podemos sentir raiva, disfarçada de senso de justiça, o que pode justificar ataques e julgamentos severos. Usualmente, não percebemos nossas emoções. Selecionamos/enviesamos/editamos memórias para não perceber os processos comuns internos e externos, ou a relação com processos anteriores e atuais que impulsionam o nosso julgamento e reação. Em tais situações, podemos nos defender, atacando de forma direta ou dissimulada, consciente, semiconsciente, ou não consciente. Mediados por nosso viés emocional, experimentamos forte crença ou certeza sobre o outro, convicção essa que nos impede de perceber o outro em si, de se questionar se o que percebemos é ou não correto. Muitas vezes, nem conseguimos ter interesse pelo outro, por conta da visão que ele tem da realidade. Nossa versão é suficiente, convincente, correta. Nesses processos, temos pouca ou nenhuma tolerância à crítica, ficando sem flexibilidade. Buscamos o controle, resistimos à mudança, focamos nos problemas, nas dificuldades, na dor e sofrimento. Em complemento, não são apenas aspectos negativos que podem nos incomodar nos outros. Por vezes, são seus sucessos, capacidades, confiança, elevada autoestima, criatividade etc. que nos perturba. Eles expressam algo que também há em nós, mas talvez não tenhamos tido oportunidade, condições ou coragem de desenvolver. 23 Perceber tais sentimentos e emoções é o desafio dessa primeira fase. Figura 7 – Da transferência a integração Crédito: Fábio Eduardoda Silva. A segunda fase inicia-se com o movimento da integração da sombra. Para nosso processo de crescimento, “o outro não existe”! Ao menos não como nós o construímos, isolado, separado de nós. Ao dissolvermos um pouco dessa ilusão, iniciamos o processo de transformação, no qual percebemos nossas semelhanças (tanto positivas como negativas) com os outros e a necessidade que temos de ajuda e de ajudar. Precisamos muito uns dos outros para crescer e, ao sentirmos isso como realidade, passamos a colaborar e a valorizar as pessoas. E, ao desconstruirmos as ilusões que fazemos dos outros, buscamos conhecê-los mais profundamente. Buscamos uma integração mais profunda, que pode inspirar sentimentos de unidade, de uma grande família universal. Figura 8 – Integração da sombra Crédito: Fábio Eduardo da Silva. Nesse nível, o foco é no crescimento coletivo, na necessidade de cooperação, e de entender como podemos colaborar da melhor forma. Qual é + - - + + + + - + - + - ± 24 nossa função, missão, sentido nesse processo? Agora, não é mais algo pessoal, mas coletivo. Julgamentos negativos e certezas (convicções muito fortes) são alertas para processos internos, são indicadores de necessidades de crescimento. Padrões internos anteriores são atualizados, percebidos, e inicia-se uma nova fase. Para facilitar tais percepções, sugere-se algumas “questões sem resposta”. Elas devem ser feitas como se soubéssemos as respostas (e de fato sabemos); contudo, não as responderemos. Em vez disso, soltamos, deixamos, abrimo-nos para ouvir. Ou seja, apenas falamos mentalmente ou verbalmente as questões e silenciamos para ouvir. É possível que surjam respostas, várias ou poucas, coerentes ou antagônicas, conhecidas ou surpreendentes. É possível também que não surjam respostas. Se assim for, tudo certo. Considere pessoas que lhe causam reações adversas (sejam elas de seu relacionamento ou não); escolha uma delas para a prática. Faça um breve relaxamento antes de fazer as questões, ou as realize logo após acordar, antes de levantar-se. Use os modelos de questões a seguir, e permita-se criar outras questões que se adaptem a você: • Se eu fosse o(a) .......... eu me sentiria .......... • O que eu preciso aprender com ............. é ............. • O que eu preciso aprender com essa situação é ............. • O que eu estou projetando no(na) ............. é ............. • O que eu não vejo em mim e que me perturba nessa situação é ............... • Essa experiência me reporta a outra, passada, na qual ............... • O que eu realmente vejo no(na) é ............. • Eu não quero resolver essa situação porque ...................... • A melhor forma de eu resolver é ................... • Se eu resolver isso dentro de mim eu ................... • Para que eu me sinta muito bem comigo mesmo(a) o que eu preciso é ................ 25 REFERÊNCIAS BECHARA, A.; DAMÁSIO, A. R. The somatic marker hypothesis: A neural theory of economic decision. Games and Economic Behavior, v. 52, p. 336–372, 2005. CALLEGARO, M. 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