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Química - Livro 1-268-270

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QUÍMICA Capítulo 2 Gases268
Introdução
As moléculas que compõem a matéria podem se agre-
gar de diferentes formas, com características bastante
distintas, e cada forma de agregação é chamada de estado
físico. No Ensino Médio, são estudados três estados físicos:
sólido, líquido e gasoso.
O sólido se caracteriza por ter moléculas com forte coe-
são e organização na distribuição de partículas pelo espaço,
formando cristais. O estado líquido também se caracteriza
por ter moléculas com forte coesão, mas com distribuição
irregular e aleatória de partículas no espaço. O estado gasoso
se caracteriza por não apresentar coesão entre as partículas.
Como consequência, não há qualquer forma de organização
entre elas. O comportamento de uma única partícula no esta-
do gasoso é imprevisível e não mensurável, ou seja, caótico.
É justamente da palavra grega “khaos” que deriva a palavra
“gás”, o que revela que o estado gasoso foi considerado, des-
de início de seu estudo, como um estado caótico da matéria.
Apesar de o comportamento de uma partícula gasosa ser
aleatório, o comportamento de um número muito grande de
partículas gasosas em um sistema pode ser mensurado por
ser previsível. Isso será estudado neste capítulo por meio dos
seguintes tópicos:
y Diferenças entre gases reais e gases ideais
y Variáveis de estado de um gás
y Transformações gasosas
y Equação de estado de um gás
y Misturas gasosas
y Densidade dos gases
y Lei de efusão e difusão
Antes de se iniciar um estudo mais detalhado dos itens
mencionados anteriormente, é interessante discutir um pouco
sobre o principal sistema gasoso que existe no nosso planeta,
que é a atmosfera terrestre.
As impressões intuitivas sobre a atmosfera terrestre são,
muitas vezes, equivocadas em relação à realidade. É comum
achar que o ar atmosférico é muito mais leve do que realmente
é. Para exemplificar, imagine uma sala de aula que comporta
50 alunos e possui 70 m2 de área e 3 m de altura. Nesse
ambiente, há aproximadamente 250 kg de ar. Ou seja, em
4 salas de aula juntas, há cerca de 1 tonelada de ar. Portanto,
o ar atmosférico não é tão leve assim.
Outro ponto que deve ser analisado é o tamanho real da
atmosfera. Em algumas representações, devido à necessidade
de salientar a existência das camadas, a atmosfera terrestre é
ilustrada com um tamanho muito maior do que tem na prática,
dando ao leitor a impressão de que é imensa em relação ao
tamanho do planeta.
Fig. 1 Representação comum da Terra e de sua atmosfera, com os tamanhos
relativos fora de escala.
tt
s
z
/i
S
to
c
k
p
h
o
to
.c
o
m
É preciso lembrar que o raio médio da Terra é de apro-
ximadamente 6 400 km, enquanto a atmosfera terrestre tem
aproximadamente 650 km. Entretanto, praticamente toda a
massa da atmosfera terrestre (99,99997%) se encontra nos
100 primeiros quilômetros. Acima da altitude de 16 km, há
somente cerca de 10% da massa. Desse modo, pode-se con-
siderar que a atmosfera é verdadeiramente significativa até
cerca de 40 km de altitude. Ao se tomar esse valor como
base, tem-se que a espessura da atmosfera é de, aproxi-
madamente, 0,625% do raio da Terra. Para se ter uma ideia
mais concreta, se a Terra fosse do tamanho de uma bola de
basquete, a atmosfera teria
3
4
 de 1 mm,ou seja, seria a espes-
sura de uma camada de tinta em volta da bola. Portanto, a
atmosfera terrestre é extremamente fina. A imagem a seguir
fornece uma real compreensão disso.
Fig. 2 Imagem da Terra e sua atmosfera fina, que pode ser observada pela faixa
azul mais brilhante.
Outra característica da atmosfera terrestre é a existên-
cia de várias camadas. Desde a superfície até o espaço,
tem-se, nesta ordem: troposfera, estratosfera, mesosfera
e termosfera.
A troposfera é a camada de maior interesse para os
seres humanos, pois é nela que habitamos, respiramos e
sobrevivemos. Sua espessura vai do nível do mar até a
altitude média de 15 km, e é nessa camada que ocorrem
os fenômenos climáticos. Sua composição é constante ao
longo de sua espessura, ou seja, a porcentagem dos gases
que compõem a atmosfera no nível do mar é a mesma
no pico do Everest.
Para o ar seco na troposfera, tem-se aproximadamente
78,1% de N2, 20,9% de O2, 0,93% de Ar (gás nobre argônio)
e 0,04% de CO2. A concentração de CO2 vem aumentando
rapidamente ao longo dos anos, problema que tem como
consequência a intensificação do efeito estufa terrestre
e o aquecimento global. A porcentagem restante, cerca
de 0,03% do volume da atmosfera, é composta de outros
gases, como gases nobres, metano e alguns poluentes. A
análise desses dados significa que, em cidades muito altas,
como La Paz, por exemplo, não há menor porcentagem
de oxigênio do que em cidades litorâneas, como o Rio de
Janeiro. Em La Paz, há menos ar do que no Rio de Janeiro,
40% menos, para ser mais preciso, mas a porcentagem de
oxigênio é a mesma nas duas altitudes. Observe os núme-
ros mostrados na tabela a seguir.
tr
a
lh
u
n
i/
S
h
u
tt
e
rs
to
c
k
.c
o
m
F
R
E
N
T
E
 3
269
Rio de Janeiro La Paz
Pressão (atm) 1 0,6
Densidade do ar (kg/L) 1,2 0,72
Porcentagem de O2
(em volume)
20,9% 20,9%
Tab. 1 Comparativo sobre algumas características do ar em cidades com altitudes
distintas, mostrando que o teor de oxigênio se mantém fixo na troposfera.
Já que a composição da atmosfera terrestre é fixa nos
primeiros 15 km de altura, é importante calcular a sua massa
molar média, que é dada pela média ponderada. Conside-
rando a composição do ar na troposfera, tem-se:
M
M P M P M P M P
100%
N N O O Ar Ar CO CO
2 2 2 2 2 2
=
⋅ + ⋅ + ⋅ + ⋅
∴
M
28 78,1% 32 20,9% + 40 0,93% + 44 0,04%
100%
 M 28,95 g/mol
=
⋅ + ⋅ ⋅ ⋅
∴
=
Ao se levar em consideração que ainda existem 0,03%
de outros gases na atmosfera, chega-se ao valor de referên-
cia da IUPAC para a massa molar média do ar seco, que é:
M 28,96g/mol
ar seco
=
Gases reais e gases ideais
A mistura gasosa que compõe a atmosfera terrestre
tem algumas características que serão estudadas:
y As moléculas gasosas são muito menores do que o es-
paço vazio que as circunda. Isso quer dizer que, mesmo
as moléculas de diferentes gases tendo tamanhos bem
distintos, todas elas, grandes ou pequenas, são pratica-
mente pontuais em relação ao espaço total que ocupam.
A intuição pode induzir ao pensamento de que molé-
culas grandes ocupam maior volume do que moléculas
pequenas, mas, para o caso dos gases, isso é falso. Nas
condições do ambiente, por exemplo, as moléculas de
um gás têm, aproximadamente, 0,1% do volume do espa-
ço vazio que as circunda. Se uma molécula tem o dobro
do tamanho de outra, isso praticamente não interfere no
volume ocupado, pois uma representa 0,1% do volume
total, e a outra representa 0,2%. Em ambos os casos,
o volume das moléculas é desprezível em relação ao
volume do recipiente que as contêm.
y As forças de interação entre as moléculas são de na-
tureza predominantemente eletrostática. Isso porque
as forças gravitacionais são desprezíveis entre as mo-
léculas, dado o fato de as massas moleculares serem
muito pequenas. Todavia, as forças de natureza ele-
trostática diminuem drasticamente com o aumento da
distância entre as cargas. Já se sabe que a distância
entre as moléculas gasosas é bem maior do que o
seu próprio tamanho. Além disso, elas têm uma soma
de cargas nula, ou seja, a soma de cargas positivas
é igual à soma de cargas negativas. Devido a esses
fatores, as forças de interação entre as moléculas ga-
sosas são muito pequenas na maior parte do tempo.
Elas só se tornam significativas quando as moléculas
estão muito próximas (pouco antes do choque, no
choque e pouco depois do choque entre elas).
Desse modo, os gases que existem de fato, chamados
de gases reais, têm duas características muito singulares:
I. O volume de suas moléculas é praticamente desprezível.
II. As moléculas gasosas têm interações praticamente
desprezíveis entre si.
Estudar um gás real, levando-se em conta propriedades
praticamente desprezíveis, atrapalha e dificulta os cálculos,
não tendo relevânciano resultado final.
Assim, para facilitar o estudo dos gases, foram con-
sideradas duas hipóteses simplificadoras: o volume das
moléculas gasosas é nulo (moléculas pontuais) e as inte-
rações entre as moléculas são nulas no período entre os
choques. Um gás com essas características não existe e é
chamado de gás ideal. Como se pode perceber, o ar atmos-
férico é um gás real, mas não muito diferente do modelo do
gás ideal. Então, os estudiosos se propuseram a desprezar
fatores que são insignificantes para facilitar o estudo de um
assunto tão complexo como os gases.
Certamente, existem gases que, na prática, não podem
ter seu comportamento associado ao do gás ideal. São ga-
ses em que as moléculas estão muito próximas, chocam-se
com frequência e que, portanto, têm o espaço vazio entre
suas moléculas reduzido (por exemplo, gases submetidos a
altíssimas pressões, como em câmaras de elevada taxa de
compressão). Para esses gases reais, cujo comportamento
não se aproxima do modelo do gás ideal, há um estudo
bem mais complexo para avaliar o seu comportamento e
as suas propriedades.
Um gás ideal tem como principais especificidades, se-
gundo a teoria cinética dos gases:
y moléculas com movimento retilíneo e uniforme no pe-
ríodo entre os choques.
y moléculas com volume desprezível em relação ao es-
paço vazio que as circunda.
y forças de interação nulas no período entre os choques.
y colisões perfeitamente elásticas entre as moléculas.
y tempo de colisão desprezível em relação ao tempo gas-
to no período entre as colisões.
A partir deste momento, serão estudados o modelo do
gás ideal e as suas propriedades.
Variáveis de estado
As variáveis de estado são as grandezas que deter-
minam o comportamento de um gás. São três: pressão,
volume e temperatura.
Pressão
O conceito de pressão é primitivo e intuitivo. Está re-
lacionado à força e à área de aplicação dessa força. Por
exemplo: quando uma bailarina está apoiada sobre os seus
pés totalmente plantados no chão, o seu peso exerce sobre
o chão uma pressão em toda a área dos pés. Mas, se essa
bailarina ficar apoiada sobre as pontas dos pés, a pressão
sobre o chão aumenta. Isso porque, apesar de a força peso
ser a mesma, a área de aplicação da força diminuiu. Se essa
QUÍMICA Capítulo 2 Gases270
mesma bailarina, com os pés totalmente plantados no chão,
pegar uma criança no colo, a pressão sobre o chão também
vai aumentar, pois, apesar de a área de aplicação da força
ser a mesma, a força peso aumentou.
P
ro
s
to
c
k
-s
tu
d
io
i/
S
h
u
tt
e
rs
to
c
k
.c
o
m
Fig. 3 A bailarina exerce grande pressão sobre o chão quando se mantém na
ponta do pé.
Portanto, a pressão cresce com o aumento da força apli-
cada e também com a diminuição da área de aplicação da
força. Assim, define-se pressão como a razão entre o módulo
da força aplicada e a área de aplicação da força. Para que
a força aplicada exerça pressão sobre uma superfície, ela
deve ser aplicada na direção perpendicular a essa superfície.
S

F
Fig. 4 Representação de uma força sendo aplicada na direção perpendicular a
uma superfície de área S.
P
F
S
=
Entretanto, se a força for aplicada em uma direção não
perpendicular, deve-se decompor essa força nas direções
ortogonais e tomar apenas a componente normal. Observe
a representação a seguir.
S
F
y
α

F
Fig. 5 Representação de uma força e sua componente normal sendo aplicada a
uma superfície de área S.
Nesse caso, a pressão deve ser calculada por meio da
seguinte fórmula:
P
F
S
P
F cos
S
y
= ∴ =
⋅ α
Contudo, a pressão exercida por moléculas gasosas
envolve muito mais complexidade, já que elas atuam so-
bre as paredes do recipiente por meio de uma pressão
intermitente, que só acontece quando a molécula exerce
força sobre o recipiente. E isso só ocorre no momento do
contato, ou seja, no choque da molécula contra as paredes
do recipiente.
Ao pensar em uma única molécula gasosa dentro de
um recipiente, ela exerce pressão apenas em alguns mo-
mentos muito singulares, passando a maior parte do tempo
sem entrar em contato com as paredes. Mas como explicar
que um gás dentro de um recipiente exerce uma pressão
aparentemente constante em toda a superfície? A resposta
está no fato de que, dentro de um recipiente contendo um
gás, existem muitas moléculas, que atingem a ordem de
sextilhões ou septilhões.
Suponha que um manômetro (aparelho que mede pres-
são) esteja acoplado a determinada face de um recipiente.
Observe o funcionamento desse aparelho por meio do es-
quema a seguir.
manômetro
A molécula gasosa se
aproxima da parede do
recipiente. O manômetro
indica pressão nula.
0 0 0
Exato instante do choque
da molécula gasosa con-
tra a parede do recipiente.
O manômetro indica a
pressão exercida pelo
choque.
Após o choque, a
molécula se afasta da
parede do recipiente.
O manômetro volta a
indicar pressão nula.
manômetromanômetro
Fig. 6 Esquema que mostra o resultado do choque de uma molécula contra a
parede do recipiente.
Quando várias moléculas se chocam contra as pare-
des do recipiente em um intervalo de tempo muito curto,
a tendência é que o ponteiro do manômetro fique indo
e voltando várias vezes em um único segundo, como se
estivesse tremendo.
manômetro
0
Fig. 7 Esquema que mostra o comportamento de um manômetro quando várias
moléculas se chocam contra as paredes do recipiente.
Entretanto, quanto maior for a frequência de cho-
ques das moléculas contra as paredes do recipiente, o
ponteiro vai oscilar cada vez menos, até que, para uma
frequência de choques extremamente elevada, o pon-
teiro se estabelece em uma posição fixa, indicando um
valor de pressão média.

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