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Farmacocinética e Farmacodinâmica Antibacterianos Utilizados no Tratamento de Infecções de Vias Aéreas Superiores Foco: faringoamigdalite, sinusite e otite. Existem dois tipos de otite. A otite média aguda acomete o ouvido do tímpano para dentro. O canal auditivo já é outro sítio de infecção, o tratamento para essas duas condições é diferente. A região do ouvido interno é muito vascularizada, porém com um microambiente muito específico. Quando ocorre uma infecção neste local, há um abalamento do tímpano, ou seja, uma pressão sobre o tímpano para fora e, a secreção fica retida. Esse aumento de pressão é o que gera a dor intensa, característica da otite média aguda. No ouvido externo, a característica é de uma secreção que drena, chamada popularmente de “otite do nadador”, de forma que a infecção ocorra no canal externo. O tratamento é diferente, porque, se houver a oportunidade de aplicar um medicamento diretamente naquele local, existe a possibilidade de um tratamento satisfatório daquela infecção, ou seja, a infecção ocorre num ambiente em que se tem livre acesso, diferente de quando a infecção ocorre no ouvido interno, uma vez que, na região do ouvido interno e médio, a aplicação direta do medicamento não alcança esse sítio anatômico, pois o tímpano é impermeável. Então, o necessário seria administrar um medicamento por via sistêmica, para que este seja “biodistribuído” e alcance o sítio infectado, para tratar a infecção e aliviar os sinais e sintomas associados. Figura 1 Essa diferença não é tão frequentemente vista na sinusite e na faringite. Os tratamentos da otite externa e da interna podem ser considerados, respectivamente, como tratamento tópico e sistêmico. Já na faringite e na sinusite bacteriana, o tratamento sempre será sistêmico. Pode haver medidas não farmacológicas para a promoção do alívio e do desconforto, que são locais, como a lavagem com soro e o gargarejo, por exemplo. No entanto, o tratamento com antibacteriano é sistêmico. Não ocorre a injeção de antibacterianos nos seios paranasais e nem gargarejos com antibacteriano, pois a efetividade do medicamento é comprometida. Essas regiões de infecção (seios paranasais, ouvido médio, tecido mais profundo da faringe etc.) não possuem bactérias vivendo normalmente. No caso da mucosa que forma os seios paranasais, pode haver secreção, mas são regiões epiteliais ciliadas que as removem. Em geral, a quantidade de microrganismo que existe ali é mínima. No ouvido médio também é muito pequena, por ser uma região estéril. Portanto, existem regiões que são colonizadas, mas não infectadas. Na colonização existe uma coabitação, a bactéria vive nesse ambiente, mas não causa danos, não invade o tecido e nem a mucosa, não ativa o sistema imune a ponto de gerar uma resposta intensa, inclusive, algumas bactérias encontradas no organismo ajudam a proteger de outros microrganismos externos que chegam e tentar se “instalar” nele. Na infecção, ocorre a grande proliferação bacteriana e uma invasão dos tecidos e, dessa forma, a resposta imune precisa ser ativada intensamente e, consequentemente, ocorre um acúmulo de secreção. Na faringe, por exemplo, ocorre um processo inflamatório intenso, possibilitando a formação de placas. Portanto, são processos em que a intervenção com um antibacteriano é válida, pois os sinais e sintomas geram dor e desconforto e, em casos mais graves, pode ocorrer uma complicação, como uma infecção dos seios paranasais que pode chegar ao globo ocular (pela proximidade dessas estruturas) e, consequentemente, ao sistema nervoso central. Dessa forma, nesse caso de infecção o tratamento é indicado para alívio dos sinais e dos sintomas. Esses sítios costumam sofrer invasão de microrganismos diferentes. Então, as bactérias que costumam causar quadros leves e quadros graves, não são as mesmas. Epidemiologicamente falando, a faringite geralmente é causada por bactérias gram positivas. A otite média e a sinusite, por bactérias gram negativas. Portanto, o sítio de infecção já pode fornecer informações a partir de dados epidemiológicos de quem são os possíveis agente etiológicos e, este é o primeiro passo para a seleção de um antibacteriano. Então, para tratar a faringite, pode-se usar um antibacteriano ativo contra bactérias gram positivas. Já o tratamento para sinusite, causada por bactérias gram negativas, é feito com antibacterianos ativos contra bactérias gram negativas. Além do sítio de infecção ser diferente e, mesmo se o sítio for o mesmo, existem características inerentes ao paciente que são diferentes. Da mesma forma, embora houvesse várias pessoas com o mesmo diagnóstico, o quadro clínico estabelece parâmetros para estabelecimento da farmacoterapia (idade, sexo, ambiente de convivência diária etc.), em relação ao qual tratamento deve ser indicado. EXEMPLO IMPORTANTE: Crianças que frequentam creche. O sistema imune se encontra em desenvolvimento e, por isso, é necessária uma carga mais “forte” de antimicrobiano, além de estarem mais sujeitas a infecções recorrentes, devido ao contato contínuo com outras crianças que também estão com o sistema imunológico em desenvolvimento. Neste caso, o uso de antimicrobianos gera uma pressão seletiva sobre as bactérias. De maneira geral, há 4 possibilidades de antimicrobianos. Porém, para algumas populações (lactantes por exemplo), há apenas 2 tipos de antimicrobianos. Se uma pessoa usa um antibacteriano de forma desnecessária sem que seja a primeira opção da linha de tratamento desses 2 tipos de antimicrobianos (usa logo a segunda opção, como o uso de antimicrobianos da classe dos macrolídeos, por exemplo), existe a possibilidade de que a pessoa com sistema imunológico comprometido ou com alergias por exemplo, fique com as opções de resistência antimicrobiana limitadas a apenas uma opção ou, dependendo da bactéria, nenhuma opção, devido à transmissão da resistência bacteriana pelo mecanismo de passagem de informações essenciais através dos seus plasmídeos interbacterianos. Figura 2 O impacto comunitário do uso fora desses critérios de seleção é tão preocupante, de maneira global, que o Ministério da Saúde (OMS) criou a Classificação AWARE (“A” de access, acesso, “Wa” de watch, alerta, “Re” de reserve, reserva), classificando os antimicrobianos entre aqueles que geralmente são usados para o tratamento de infecções comunitárias e mais graves, que devem estar mais facilmente acessíveis à população (classe de acesso), ou seja, para serem utilizados sempre que possível, quando necessário. Em primeira escolha, o antibacteriano é aquele que possui um espectro mais estreito. MAS, nem sempre será possível, será feita a tentativa, pois não se sabe qual é a bactéria que está causando a infecção. No hospital, é feito o tratamento com um espectro amplo, quando o antimicrobiano atinge a bactéria X, que é o alvo nesse caso, é feito um descalonamento, um isolamento da bactéria X, no qual se faz? a mudança para outro fármaco de espectro mais estreito ainda. Figura 3 A segunda classe é a alerta, dos antibacterianos que devem ser usados em situações de segunda escolha, por terem maior potencial de seleção de microrganismo resistente, de perda de alternativa terapêutica e que, então, não devem ser usados em primeira escolha. Por exemplo, a Penicilina pertence à classe do acesso, já a Azitromicina, um macrolídeos, pertence à classe alerta. Nesta classe em questão, se a bactéria ganha resistência a um fármaco dos macrolídeos, a mesma ganha resistência também à todos os fármacos da mesma classe, contrário do que acontece por exemplo com as penicilinas que, apesar de serem beta-lactâmicos, a bactéria ganha resistência somente à subclasse das penicilinas, mas não a todos os fármacos beta- lactâmicos. Uma classe de reserva que deve ser usada em casos de multirresistência (MRAS) é a Polimexina. Figura4 – Exemplo. Figura 5 Figura 6 Em relação à hipersensibilidade, as reações podem ser muito graves, mas depois podem ser benignas, como a urticária. Se o paciente possui histórico de uso em que teve reação, deve-se avaliar essa reação, para investigar se ele deve ou não utilizar tal medicamento novamente. Figura 7 Beta-Lactâmicos A bactéria sintetiza sua parede celular a partir de monômeros, que se ligam uns nos outros para formar sua parede celular, uma estrutura rígida. Esta etapa de formação de pontes de monômeros que dá rigidez à parede é inibida pelos β-lactâmicos. Cada bactéria tem um conjunto de enzimas responsável pela síntese de parede celular, esse processo é complexo que possui diferentes etapas, catalisadas, assim, por grupos diferentes de enzimas. Dessa forma, existem proteínas características de cada bactéria, que são responsáveis por essas etapas. Algumas dessas enzimas têm regiões em sua estrutura que se ligam a uma porção da molécula dos β-lactâmicos, chamados de anéis β- lactâmicos, que se assemelham às estruturas dos monômeros que compõem a parede celular bacteriana. Essa semelhança química confunde a bactéria, que ao invés se ligar ao monômero, se liga ao fármaco β-lactâmico. Assim, a bactéria não consegue mais formar a parede celular. Consequentemente, ocorre a entrada de água, devido à osmolaridade do meio em que se encontra, e a célula sofre lise e morre. Figura 8 Essas enzimas que se ligam a diferentes fármacos β-lactâmicos são chamadas de Proteínas Ligadoras de Penicilinas (PLP’s). As penicilinas foram os primeiros β-lactâmicos a serem descritos, sintetizados e disponibilizados para uso clínico. É uma enzima que a bactéria possui que participa da parece celular e que, é o alvo farmacológico dos β- lactâmicos, em geral. Dependendo da estrutura da molécula dos β-lactâmicos, eles conseguem se ligar a vários tipos de PLP’s (espetro amplo), mas pode ser que eles apenas consigam se ligar a um tipo de PLP (espectro mais estreito). Nesse sentido, o espectro de ação pode mudar, mas o mecanismo é o mesmo, o qual se baseia na inibição da síntese de parede celular. Bactéria se divide -> expande a parede celular -> se multiplica -> passa pelo processo de separação -> forma células-filhas. A penicilina entra em contato com a bactéria, e esta não consegue formar a parede celular das células-filhas. Quando a penicilina é eliminada do organismo, a bactéria segue seu ciclo celular e forma sua parede celular, proliferando normalmente pelo corpo. Isso significa que os β- lactâmicos precisam estar no sítio de infecção durante o processo de infecção da bactéria. Isso ocorre porque a bactéria não para de se multiplicar. Portanto, quanto mais tempo houver penicilina no sítio de infecção, maior a chance de tratar a infecção. Isso dá aos β-lactâmicos a característica de serem tempo-dependentes. Essa característica de tempo-dependência está associada a outra, que é não possuir efeito pós-antibiótico, ou seja, o antibiótico desaparece, a bactéria volta a proliferar. A administração do medicamento β-lactâmico deve ser em maior quantidade de vezes e com maior rigor de horários. Se o medicamento antibacteriano continua inibindo a bactéria, mesmo depois de ter sido eliminado do organismo, este possui efeito pós-antibiótico. Nesse caso, a administração dele pode ocorrer em um maior espaço de tempo entre as doses. Um dos fatores que determina se o β- lactâmico vai interagir com uma PLP é a estrutura química, que vai definir como acontecerá a ligação entre o fármaco e a proteína. Ao longo do tempo, foram sendo desenvolvidos fármacos de estruturas diferentes, gerando a possibilidade de ligar em PLP’s diferentes e de matar bactérias diferentes, como a Amoxicilina. Isso gerou diferença de capacidades de se ligar às PLP’s. As cefalosporinas possuem maiores possibilidades de fármacos (de estruturas diferentes). Isso porque suas estruturas possuem dois pontos de substituição (figura 9). Figura 9 No entanto, essas diferenças de estrutura química, não definem apenas a capacidade de se ligar à PLP, mas também características e propriedades farmacocinéticas. Ex.: uma substância pode ser mais hidrossolúvel que a outra. A Benzilpenicilina possui espectro de ação contra bactérias de ação gram-positivas. A parede celular dessa bactéria é rígida e é constituída de peptideoglicano mais simples, permitindo à penicilina G de atravessá-la e alcançar a região onde ficam as PLP’s. Ao chegar na bactéria gram-negativa, a qual possui estrutura diferente e tem uma membrana externa de lipoproteína – LPS – a Benzilpenicilina, graças às suas propriedades físico-químicas, tem dificuldade de atravessar essa estrutura e de alcançar a região onde se encontram as PLP’s. Figura 10 Essa diferença estrutural entre a bactéria gram-positiva e a gram-negativa muda a capacidade do fármaco de alcançar a PLP e, consequentemente, faz com que a bactéria esteja protegida desse fármaco. Logo, a Penicilina G mata as gram-positivas porque ela alcança as PLP’s e consegue interagir com elas, por conseguir atravessar a parede celular da bactéria. Em relação à gram-negativa, a Penicilina G será incapaz de matá-las. A Amoxicilina tem caráter menos hidrofílico do que a Penicilina G, logo, ela consegue atravessar as paredes celulares tanto em gram-negativas, como em gram-positivas, uma vez que as duas possuem a PLP suscetível de interação com a Amoxicilina. Ela tem um espectro, portanto, mais amplo que a Penicilina G. Um fato importante de ser mencionado é que a penicilina G não é de administração oral pois ela é sensível à ácido. Figura 11 - Exemplo de penicilinas utilizadas no tratamento de IVAS. Figura 12 Figura 13 Figura 14 – Resumo dos antimicrobianos que afetam a síntese da parede celular.
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