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DIREITO CIVIL III: TEORIA GERAL DOS CONTRATOS Patricia Fernandes Fraga Compra e venda Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Descrever os elementos da compra e venda. Analisar os efeitos jurídicos da compra e venda. Identificar promessa de compra e venda, bem como as normas le- gislativas do contrato de compra e venda. Introdução Dos contratos tipificados no Código Civil, a compra e a venda são os mais importantes, pois é por meio da troca de bens por dinheiro que se movimenta a riqueza em sociedade. Historicamente, com o desenvolvimento do comércio, junto da cria- ção da moeda, nasceu uma forma de negociar bens diferente do mero escambo, que nem sempre era adequado e eficiente, pela dificuldade da equivalência dos bens envolvidos. Percebeu-se, assim, que eleger um elemento ou coisa que pudesse representar o valor dos bens disponíveis para comércio auxiliaria, inclusive, a negociar com outros povos e expandir os negócios. Por consequência, o uso da moeda fez surgir a espécie de contrato, em que o dinheiro (ou instrumentos que o representem, como um cheque) propicia a aquisição de bens pelos sujeitos. Contemporaneamente, com maior desenvolvimento econômico e social, os contratos de compra e venda passaram a ter uma prevalência e relevância ímpares no mercado de consumo, uma vez que as suas características se ajustam perfeitamente à massificação dos negócios (contratos instantâneos, que podem, inclusive, ser realizados por meio eletrônico). Neste capítulo, você vai ler sobre os aspectos principais do contrato de compra e venda, seus elementos essenciais e seus efeitos, bem como vai analisar a promessa de compra e venda e a legislação sobre o tema. Noções de compra e venda A promessa de compra e venda é o negócio jurídico mais comum e difundido no mundo, além de ser, notoriamente, o ato jurídico negocial de maior relevância para o sistema capitalista (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2008). A origem mais remota do contrato de compra e venda, como dito, está ligada à troca de bens. Trocava-se o que se tinha de sobra por aquilo que se necessitava, até que determinadas mercadorias passaram a ser usadas como padrão de intercâmbio. Inicialmente, o padrão de intercâmbio foi o gado (a palavra pecúnia vem de pecus — gado) e, depois, os metais preciosos. Esses metais passaram a ser cunhados com seu peso, sendo-lhes atribuído um valor determinado. Por conseguinte, surgiu a moeda e, com ela, a compra e venda (GONÇALVES, 2010). No ordenamento jurídico brasileiro, o Código Civil dispõe sobre a compra e venda em capítulo específico. Segundo o art. 481 do Código Civil, podemos conceituar a compra e venda como um negócio jurídico no qual uma das partes obriga-se a transferir o domínio de um bem (móvel ou imóvel) para a outra, que se obriga a pagar determinado preço em dinheiro, como segue transcrito (BRASIL, 2002, documento on-line): “Art. 481 Pelo contrato de compra e venda, um dos contratantes se obriga a transferir o domínio de certa coisa, e o outro, a pagar-lhe certo preço em dinheiro”. As partes são o vendedor ou alienante e o comprador ou adquirente. O vendedor obriga-se a entregar a coisa, que passará a ser de propriedade do comprador. O comprador obriga-se, por sua vez, a pagar o preço consensual- mente acertado com o vendedor. Para Gagliano e Pamplona Filho (2008), a compra e venda são negócios jurídicos em que se pretende a aquisição da propriedade de determinada coisa, mediante o pagamento de um preço, ou, ainda, são um negócio jurídico bilateral, pelo qual o vendedor obriga-se a transferir a propriedade de uma coisa móvel ou imóvel ao comprador, mediante o pagamento de uma quantia, que é o preço. Assim, a natureza jurídica (enquadramento ou categoria jurídica) da compra e venda é de ato jurídico negocial ou de negócio jurídico. Esse ato jurídico negocial tem muitas peculiaridades que o diferenciam dos demais contratos admitidos pelo ordenamento jurídico. Importante, outrossim, examinar as características do contrato de compra e venda. Características da compra e venda De forma resumida, a compra e a venda são negócios jurídicos bilaterais e sinalagmáticos, em regra, consensuais (ver art. 108 do Código Civil) e Compra e venda2 translativos de propriedade (o objeto do vendedor é transferir o domínio da coisa) (BRASIL, 2002). Ademais, pode ser um contrato comutativo ou aleatório, paritário ou de adesão, de execução instantânea, diferida ou continuada. Vale examinar as características da compra e venda de forma pormenorizada: Bilateral — a compra e a venda são consideradas um contrato bilateral, pois produzem direitos e obrigações para ambos os contratantes — o vendedor deverá entregar a coisa e o comprador deverá pagar o preço. Salientamos que as partes se vinculam à compra e venda por meio da conjugação de vontades contrapostas, o que signifi ca que o consenso, o consentimento para contratar, é essencial à conclusão do contrato. Sinalagmático — na compra e venda, a prestação de uma parte é a causa da prestação da outra, ou melhor, a obrigação do vendedor de transferir a propriedade da coisa é correlata, recíproca ou correspectiva à obriga- ção do comprador de pagar o preço (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2008). Assim, o contrato de compra e venda tem como característica ser sinalagmático, visto que o sinalagma é a mútua dependência de obrigações em um contrato. Oneroso — a compra e a venda são onerosas, pois, em que pese permitam a obtenção de vantagens patrimoniais para ambos os contratantes, vendedor e comprador, diminuem, sob determinado aspecto, o patrimônio de ambos (um perde o bem; outro perde dinheiro). A onerosidade da prestação de uma das partes não poderá ser excessiva, em benefício da outra, sob pena de enrique- cimento sem causa — princípio da equivalência das prestações. Translativo de propriedade — a compra e a venda são consideradas um contrato translativo de propriedade, pois, embora não tenham o condão de transferir a propriedade do bem no ato da conclusão do contrato (PEREIRA, 2017), geram a obrigação de realizar essa transferência — que é o escopo do negócio. Nesse sentido, por si só, o contrato de compra e venda nunca trans- fere, simultânea ou imediatamente, a propriedade e a posse da coisa (LÔBO, 2012). Esse efeito translativo ocorre apenas quando se transfere a titularidade do bem entre vendedor e comprador, que se dará por meio da tradição — se bens móveis — ou do registro — se bens imóveis. 3Compra e venda O contrato translativo não é sinônimo de contrato real. Um contrato pode ser real e não ser translativo de propriedade, como o comodato. Para ser translativo (que muda ou transfere o domínio), o contrato tem de objetivar a modificação da titularidade de uma coisa, como no caso da compra e venda ou da troca ou permuta, por exemplo. Comutativo ou aleatório — o contrato de compra e venda poderá ser tanto comutativo quanto aleatório. Se comutativo, as prestações das partes são certas (as partes conhecem o conteúdo de cada prestação); se aleatório, não haverá certeza quanto à ocorrência de uma prestação (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2008). São exemplos emptio spei, entre outros: contrato de esperança ou de safra; contrato de seguro; loterias. Paritário ou por adesão — o contrato de compra e venda será paritário quando o conteúdo do contrato tiver sido negociado pelas partes; será por adesão (ou de adesão) quando o conteúdo do contrato tiver sido predisposto pelo proponente — o comprador, ora aderente, apenas adere ao contrato, se desejar contratar. Informal, de forma livre, consensual ou formal, solene — em regra, o contrato de compra e venda possui forma livre (art. 107 do Código Civil), ou seja, não necessita qualquer solenidade. Caso necessite, a solenidade está expressa em lei (art. 108 do Código Civil — necessidade de escritura pública) (BRASIL, 2002). A compra e a venda concluem-se peloconsenso das partes, haja vista ser contrato consensual e não real — a entrega da coisa, na compra e venda, não é parte da conclusão do contrato, mas da sua execução, do seu cumprimento (GONÇALVES, 2008). Compra e venda4 Nominado, típico e impessoal — é nominado, pois possui designação própria e típica (tipicidade), uma vez que está expresso em lei (art. 481 do Código Civil) (BRASIL, 2002). É impessoal, pois só interessa o resultado da atividade, da prestação contratada, independentemente de quem seja a pessoa que cumpra a prestação — os objetivos são adquirir a coisa e receber o preço, assim, o sujeito que realizará o ato não é relevante (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2008). Causal — é ligado à causa que o gerou e poderá ser invalidado caso o seu motivo determinante seja inexistente (coação absoluta), imoral ou ilícito (com- pra apartamento para ponto de tráfi co, exploração sexual) (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2008). Instantâneo — é instantâneo em razão de os seus efeitos serem produzidos de uma só vez. Posto que, chegando ao consenso sobre o bem e o preço, o contrato estará perfeito e acabado, operando efeitos imediatos para as partes — cada um passa a ser obrigado à sua prestação. Execução imediata, diferida ou continuada — o contrato de compra e venda será, geralmente, de execução imediata, quando se consumar no momento da celebração, inclusive com a tradição ou o registro; mas poderá ser de execução diferida — quando fi xado prazo para sua exigibilidade ou cumprimento (por exemplo, quando acertado pelas partes o prazo de 30 dias para a entrega do bem ou para o pagamento do preço) — ou de execução continuada. O professor Paulo Lôbo assevera que a compra e venda poderão ser consideradas como contrato de execução continuada nos casos de contratos de fornecimento, como os de água, luz e gás, pois a operação de dar o preço é correspondente ao consumo realizado em cada período medido (LÔBO, 2012). Nesse caso, devemos compreender os contratos de fornecimento contínuo de bens ou coisas, como espécies do gênero compra e venda. Elementos de compra e venda Os elementos essenciais do contrato de compra e venda são: consentimento; objeto da compra e venda; preço. 5Compra e venda Consentimento É o núcleo da compra e venda. A compra e a venda estarão perfeitas e acabadas quando as partes consentirem a respeito do preço e da coisa a ser vendida (art. 482 do Código Civil). Para que seja válido esse consentimento, as partes devem ser capazes, ter legitimidade para contratar e manifestar sua vontade de forma livre, objetivando o cumprimento do negócio. O ordenamento jurídico prevê algumas situações em que alguns sujeitos não possuem legitimidade para praticar a compra e venda. São limitações à liberdade de contratar na compra e venda (PEREIRA, 2017): Venda de ascendente para descendente — de acordo com o art. 496 do Código Civil (BRASIL, 2002, documento on-line): Art. 496 É anulável a venda de ascendente a descendente, salvo se os outros descendentes e o cônjuge do alienante expressamente houverem consentido. Parágrafo único. Em ambos os casos, dispensa-se o consentimento do cônjuge se o regime de bens for o da separação obrigatória. O objetivo da restrição é proteger a igualdade da legítima dos descendentes e do cônjuge, ou seja, resguardar a isonomia dos direitos sucessórios entre os herdeiros necessários. Em tempo, a legítima é a parte não disponível do patrimônio do testador, que deve se destinar aos herdeiros necessários. Hipóteses do art. 497 do Código Civil para evitar o comportamento oportunista dos contratantes — o art. 497 do Código Civil prevê, com o objetivo de resguardar a eticidade do negócio jurídico fi rmado, as situações de falta de legitimidade das partes, nas quais o negócio poderá ser decla- rado nulo, de ofício, pelo juiz (tal possibilidade não sofre decadência, nem convalesce com o decurso do tempo) (BRASIL, 2002). Nessas situações, os bens não poderão ser objeto de compra e venda, ainda que por ocasião de leilão ou pregão público, como segue: Art. 497 Sob pena de nulidade, não podem ser comprados, ainda que em hasta pública: I — pelos tutores, curadores, testamenteiros e administradores, os bens con- fiados à sua guarda ou administração; II — pelos servidores públicos, em geral, os bens ou direitos da pessoa jurídica a que servirem, ou que estejam sob sua administração direta ou indireta; Compra e venda6 III — pelos juízes, secretários de tribunais, arbitradores, peritos e outros serventuários ou auxiliares da justiça, os bens ou direitos sobre que se litigar em tribunal, juízo ou conselho, no lugar onde servirem, ou a que se estender a sua autoridade; IV — pelos leiloeiros e seus prepostos, os bens de cuja venda estejam encar- regados (BRASIL, 2002, documento on-line). Venda por condômino — de acordo com o art. 504 do Código Civil: Art. 504 Não pode um condômino em coisa indivisível vender a sua parte a estranhos, se outro consorte a quiser, tanto por tanto. O condômino, a quem não se der conhecimento da venda, poderá, depositando o preço, haver para si a parte vendida a estranhos, se o requerer no prazo de cento e oitenta dias, sob pena de decadência. Parágrafo único. Sendo muitos os condôminos, preferirá o que tiver benfeitorias de maior valor e, na falta de benfeitorias, o de quinhão maior. Se as partes forem iguais, haverão a parte vendida os comproprietários, que a quiserem, depositando previamente o preço (BRASIL, 2002, documento on-line). Sobre essa vedação, o disposto no art. 504 do Código Civil não se aplica ao que chamamos de condomínio edilício. O proprietário de um apartamento poderá dispor de seu bem, propriedade exclusiva, sem a limitação do art. 504 do Código Civil. Venda entre cônjuges/companheiros — nos regimes de bens em que o casal mantém patrimônio próprio e separado (separação parcial, participação fi nal nos aquestos, separação total de bens), nada impede, em tese, que seja celebrada a compra e venda entre os cônjuges (companheiros estariam equiparados em razão da isonomia constitucional). No regime de comunhão universal, o bem transacionado já pertence ao patrimônio comum, logo, não há utilidade ou efi cácia na compra e venda desse patrimônio — o bem comprado voltaria a pertencer ao patrimônio comum. Ainda em relação ao casamento, ressaltamos que, salvo situações em que o regime escolhido seja o da separação absoluta de bens, não poderá o cônjuge, sem a concordância do outro, realizar compra e venda de imóvel, necessitando da outorga uxória ou marital (ver arts. 1.647, I, e 1.648 do Código Civil). Cláusulas de exclusividade — as cláusulas de exclusividade, pactuadas livre- mente pelas partes, são lícitas e efi cazes. Praticadas, em geral, no comércio, impõem obrigação de uma das partes adquirir, ou vender, exclusivamente, mercadorias de fornecedor determinado, em troca de vantagens (preço especial, 7Compra e venda comodato de máquinas, entre outras). Não vigorando indefi nidamente, não limitarão sobremaneira a liberdade de contratar, assim, tratam-se de cláusulas plenamente válidas. Coisa ou objeto O bem objeto do contrato de compra e venda deve ser coisa passível de cir- culação no comércio (lícita, possível física e juridicamente), coisa certa e determinada ou determinável. Ademais, o bem deverá ser de propriedade do vendedor ou, ao menos, estar regularmente em sua posse. O objeto da compra e venda deve possuir algumas características específicas: Existência — não há compra e venda de coisa que não exista. Em regra, o objeto da compra e venda deverá ser coisa atual, quando existente e dispo- nível ao tempo da celebração do negócio, mas nada impede que a compra e venda recaiam sobre coisa futura, aquela que, embora não tenha existência real, seja de potencial ocorrência (a exemplo da compra e venda de uma safra de café). O art. 483 do Código Civil versa sobre essa possibilidade: “Art. 483 A compra e venda pode ter por objeto coisa atualou futura. Neste caso, fi cará sem efeito o contrato se esta não vier a existir, salvo se a intenção das partes era de concluir contrato aleatório” (BRASIL, 2002, documento on-line). O pacta corvina ou a venda de herança de pessoa viva é proibida, como disposto no art. 426 do Código Civil. Poderá, também, haver compra e venda de coisa corpórea (imóveis e móveis em geral) ou coisa incorpórea (valores cotados em Bolsa de Valores, direitos de autor, entre outros) (PEREIRA, 2017), mas vale ressaltar que a compra e a venda de bens incorpóreos chamam-se, especificamente, de cessão, o que se verifica na cessão de créditos, na cessão de direito de imagem, entre outras (GONÇALVES, 2008). Individuação — o objeto da compra e venda tem de ser determinado ou passível de determinação quando do cumprimento da obrigação. Contudo, Compra e venda8 admitem-se a compra e a venda de coisa incerta desde que indicados o seu gênero e a sua quantidade (art. 243 do Código Civil). Essa indeterminação fi ndará com a escolha dos bens que se destinarão ao cumprimento da obrigação (concentração). Há, ainda, a possibilidade de compra e venda por meio de amostra, protótipo ou modelo, situação em que o vendedor deverá garantir que o objeto a ser entregue está em conformidade com o modelo ou a porção da coisa exibida ao comprador, sob pena de rejeição do objeto (art. 484 do Código Civil) (BRASIL, 2002). Disponibilidade — o objeto da compra e venda tem de ser coisa disponível e alienável, pois coisas indisponíveis ou fora do comércio não poderão ser transferidas ao comprador. “Sempre que a coisa for inalienável, o contrato de compra e venda não pode tê-la por objeto, sob pena de invalidade” (PEREIRA, 2017, p. 155). Ainda sobre a disponibilidade, cumpre rememorar os requisitos de validade dos negócios jurídicos. Para ser considerado válido, o objeto do negócio terá de ser lícito e, igualmente, possível (art. 104, II, do Código Civil) (BRASIL, 2002). Preço O preço é elemento essencial ou constitutivo da compra e venda; sem a fi xação do preço, a venda é nula (sine pretio nulla venditio) (GONÇALVES, 2008). O preço, em geral, é fi xado pelas próprias partes. Todavia, poderá, também, ser estipulado por terceiro designado pelos próprios contratantes, assim como poderá fi car atrelado à taxa de mercado ou bolsa em determinado dia e lugar. Em eventuais oscilações de preço, devemos considerar o preço médio, se nada for estipulado pelas partes. Na fi xação do preço, devemos considerar o princípio da equivalência material das prestações, além disso, não se deve fi xar preço ínfi mo, simbólico, a ponto de confi gurar uma doação simulada (deve ser preço sério, sob pena de nulidade). Quem deve cumprir primeiro sua prestação na compra e venda à vista, comprador ou vendedor? De acordo com o art. 491 do Código Civil (BRASIL, 2002, documento on-line): “Art. 491 Não sendo a venda a crédito, o vendedor não é obrigado a entregar a coisa antes de receber o preço”. Assim, o comprador deverá ser o primeiro a cumprir com sua obrigação, devendo pagar o preço: “Art. 489 Nulo é o contrato de compra e venda, quando se deixa ao arbítrio exclusivo de uma das partes a fixação do preço”. 9Compra e venda As condições potestativas são condições que dependem do arbítrio, da vontade, de uma das partes. As condições puramente potestativas, como a expressa no art. 489 do Código Civil, são consideradas ilícitas, pois deixam a fixação do preço ao arbítrio exclusivo de uma das partes, traduzindo vantagem injustificada, ou abuso de poder econômico. São exemplos de condições puramente potestativas as que se utilizam das expressões: “se eu quiser”; “caso seja do interesse do declarante”; “se pedir”; “se desejar”. Já as condições simplesmente potestativas não são consideras ilícitas, pois subordinam a realização ou o cumprimento da obrigação a um evento externo ou circunstancial e demandam um determinado esforço ou trabalho pelo outro contratante. Por exemplo, na expressão “doar-te-ei um carro se passares na prova da OAB”, não há ilegitimidade nesse tipo de condição para o contrato de doação (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2008). Efeito jurídico da compra e venda O primeiro aspecto a ser destacado é que a compra e a venda produzem, inicialmente, apenas efeitos jurídicos obrigacionais, não realizando, por si, a transferência da propriedade. Signifi ca dizer que, celebrado o contrato de compra e venda, o vendedor não pode se considerar dono do preço, nem o comprador pode se considerar dono da coisa, até que se opere a tradição ou o registro (a transcrição na matrícula do imóvel) da coisa vendida e a entrega do dinheiro. Por outro lado, poderão exigir a prestação pactuada, isto é, o cumprimento da obrigação pela entrega da coisa e pelo pagamento do preço. Realizado o acordo de vontades, quanto à coisa e ao preço, o contrato está perfeito e acabado, mas esse consenso apenas faz nascer a obrigação de transferir a coisa e de pagar o preço, não operando, automaticamente, a transferência de propriedade. Após o consenso, encontra-se perfeito e acabado o contrato de compra e venda. O comprador ainda não é o proprietário da coisa, assim como o vendedor ainda não é o proprietário do preço. Essa transferência de coisa e preço dependerá de outros atos que representarão o cumprimento da obrigação das partes (Figura 1). Compra e venda10 Figura 1. Estrutura da compra e venda — efeitos jurídicos. Considerando que a compra e a venda são contratos bilaterais, em que ambas as partes têm direitos e obrigações, comportam todas as consequências jurídicas da bilateralidade, quais sejam: Cláusula resolutiva — de acordo com o art. 475 do Código Civil (BRASIL, 2002, documento online): “Art. 475 A parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos”. Exceção de contrato não cumprido ou exceptio non adimpleti contractus — de acordo com o art. 476 do Código Civil (BRASIL, 2002, documento on-line): “Art. 476 Nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro”. Enriquecimento sem causa — é o incremento do patrimônio de um dos contratantes em detrimento do patrimônio do outro, sem que exista causa juridicamente idônea, válida, que sustente, justifi que, tal evento. Desaparecimento da base contratual — situação que pode dar ensejo à resolução ou revisão contratual. Ocorrerá o desaparecimento ou a quebra da base contratual, quando um evento futuro transformar as circunstâncias nas quais o contrato foi fi rmado, a ponto de a relação de equivalência entre as prestações desaparecer. Vícios redibitórios — nos contratos bilaterais e onerosos, como a compra e a venda, poderá ser reivindicada a resolução ou o abatimento do preço no caso 11Compra e venda de vícios ocultos da coisa que a tornem imprópria para uso ou diminuam seu valor (art. 441 do Código Civil) (BRASIL, 2002). Evicção — de acordo com o art. 447 do Código Civil: “Art. 447 Nos contratos onerosos, o alienante responde pela evicção. Subsiste esta garantia ainda que a aquisição se tenha realizado em hasta pública” (BRASIL, 2002, documento on-line). A evicção é a perda, pelo adquirente, chamado de evicto, da posse ou propriedade da coisa transferida, por força de uma sentença judicial ou ato administrativo que reconheceu o direito anterior de terceiro, chamado de evictor. Impõe-se, assim, ao alienante garantir o uso da coisa, protegendo do adquirente de vícios ocultos da coisa, inclusive os vícios jurídicos (GON- ÇALVES, 2008). Depreende-se do art. 447 do Código Civil que o objetivo da evicção é resguardar o adquirente de uma eventual compra e venda a non domino, ou seja, de coisa não pertencente ao alienante. Outros efeitos A seguir, serão apresentados outros efeitos das despesas e dos riscos gerados pela compra e venda. DespesasPara que ocorra a transferência de propriedade do bem na compra e venda, serão necessários, como visto, a tradição ou o registro. O registro importa em custos que, segundo o art. 490 do Código Civil, correrão por conta do comprador (BRASIL, 2002). A entrega da coisa, tradição, também pode acarretar despesas que, segundo o mesmo art. 490 do Código Civil, correrão por conta do vendedor. Segue o teor do referido artigo, transcrito: “Art. 490 Salvo cláusula em contrário, fi carão as despesas de escritura e registro a cargo do comprador, e a cargo do vendedor as da tradição” (BRASIL, 2002, documento on-line). O disposto no art. 490 do Código Civil é considerado norma supletiva, pois permite que as partes acordem de modo diverso sobre as despesas contratuais. Igualmente supletiva é a norma que diz respeito aos débitos que gravem a coisa até a tradição (art. 502 do Código Civil), nada mais coerente do que (conside- rando que a compra e a venda são um contrato consensual, não transmitindo a propriedade sem a tradição ou o registro) determinar que o vendedor responda por esses débitos, sem excluir a possibilidade de disposição diversa pelas partes (BRASIL, 2002; GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2008). Compra e venda12 Responsabilidade pelos riscos da coisa — perecimento ou deterioração Res perit domino ou res perit domino suo — a coisa perece para o dono! De acordo com o art. 492 do Código Civil: Art. 492 Até o momento da tradição, os riscos da coisa correm por conta do vendedor, e os do preço por conta do comprador. § 1º Todavia, os casos fortuitos, ocorrentes no ato de contar, marcar ou as- sinalar coisas, que comumente se recebem, contando, pesando, medindo ou assinalando, e que já tiverem sido postas à disposição do comprador, correrão por conta deste. § 2º Correrão também por conta do comprador os riscos das referidas coisas, se estiver em mora de as receber, quando postas à sua disposição no tempo, lugar e pelo modo ajustados (BRASIL, 2002, documento on-line). Em relação aos riscos — se, após celebradas a compra e a venda, antes da tradição, a coisa perecer em razão de caso fortuito ou força maior —, o vendedor da coisa suportará o prejuízo; se a coisa deteriorar, antes da tradição, sem culpa do vendedor, o comprador poderá aceitar a coisa no estado em que se encontre, com o abatimento do preço, ou resolver a compra e venda, caso a coisa já não seja do seu interesse ou proveito. Entretanto, se no ato de contar, marcar ou assinalar coisas, postas à dis- posição do comprador, as coisas perecerem ou deteriorarem, mesmo que por caso fortuito ou de força maior, responderá pela perda o comprador, uma vez que as coisas já estavam à sua disposição. Do mesmo modo, correrão por conta do comprador os riscos da coisa que está em mora de receber, isto é, que quando o bem objeto da compra e venda já foi colocado à sua disposição, conforme contratado, e ainda não foi retirado. Sobre o local em que se deve dar a tradição, o art. 493 do Código Civil estabelece: “Art. 493 A tradição da coisa vendida, na falta de estipulação ex- pressa, dar-se-á no lugar onde ela se encontrava, ao tempo da venda” (BRASIL, 2002, documento on-line). Sobre os casos em que o comprador solicite o envio da coisa para local diverso daquele que deveria ser entregue, o art. 494 do Código Civil estabelece: “Art. 494 Se a coisa for expedida para lugar diverso, por ordem do comprador, por sua conta correrão os riscos, uma vez entregue a quem haja de transportá-la, salvo se das instruções dele se afastar o vendedor” (BRASIL, 2002, documento on-line). Sobre os casos de insolvência do comprador, o art. 495 do Código Civil estabelece: “Art. 495 Não obstante o prazo ajustado para o pagamento, se antes 13Compra e venda da tradição o comprador cair em insolvência, poderá o vendedor sobrestar a entrega da coisa, até que o comprador lhe dê caução de pagar no tempo ajustado” (BRASIL, 2002, documento on-line). A venda ad corpus (art. 500, § 3º, do Código Civil) é aquela venda por referência mera- mente enunciativa (sem descrição), na qual o que interessa é o imóvel em si (o prédio da Empresa X, a fazenda Dona Marieta, entre outros). Na venda ad corpus, a coisa é certa e determinada, independentemente de sua extensão, ou dimensão, pois a medida, a metragem, é meramente enunciativa. Já a venda ad mensuram (art. 500 do Código Civil) é aquela por medida de extensão, isto é, uma venda especificada, oficialmente certa e segura (a medida é detalhadamente apresentada), na qual o que interessa ao comprador é a real dimensão do bem. O objetivo do adquirente é a coisa de determinada dimensão, tamanho, comprimento, para satisfazer sua finalidade ou interesse. Por exemplo, necessita de X hectares de terra para o plantio de soja. Nesse caso, portanto, se a área do imóvel não corresponder às dimensões dadas, o comprador terá direito de exigir o complemento da área e, não sendo isso possível, de reclamar a resolução do contrato ou pedir o abatimento proporcional do preço (BRASIL, 2002; GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2008). Promessa de compra e venda Conceito — o contrato de promessa de compra e venda ou compromisso de compra e venda é um contrato preliminar que tem como objeto uma obriga- ção de fazer — obrigação de realizar, futuramente, um contrato de compra e venda defi nitivo. Por meio da promessa, o promitente vendedor permanece com a titularidade do bem, mas se obriga a realizar contrato defi nitivo com a transmissão da propriedade, quando o promitente comprador terminar de pagar o preço (em geral, já estará de posse do imóvel). É contrato utilizado para a aquisição de imóveis e, em virtude de suas características, acaba por conferir maior garantia ao alienante nos casos de descumprimento pelo comprador (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2008). Tendo como característica ser um contrato bilateral (mas poderá ser uni- lateral, quando apenas uma das partes comprometer-se ou a vender, ou a comprar), pois o promitente comprador deverá pagar o preço e o promitente vendedor deverá firmar contrato definitivo para a transferência do imóvel; caso o promitente comprador não consiga cumprir suas obrigações, poderá vir Compra e venda14 a perder a posse do bem (deverá ser constituído em mora) pela resolução do contrato, além de arcar com as perdas e danos pelo inadimplemento contratual. A promessa de compra e venda encontra-se expressamente regrada pelo Código Civil: Art. 1.417 Mediante promessa de compra e venda, em que se não pactuou arrependimento, celebrada por instrumento público ou particular, e registrada no Cartório de Registro de Imóveis, adquire o promitente comprador direito real à aquisição do imóvel. Art. 1.418 O promitente comprador, titular de direito real, pode exigir do promitente vendedor, ou de terceiros, a quem os direitos deste forem cedidos, a outorga da escritura definitiva de compra e venda, conforme o disposto no instrumento preliminar; e, se houver recusa, requerer ao juiz a adjudicação do imóvel (BRASIL, 2002, documento on-line). Forma — como se depreende dos arts. 1.417 e 462 do Código Civil, a forma do compromisso de compra e venda poderá ser pública ou particular. Segundo o art. 462 do Código Civil: “Art. 462 O contrato preliminar, exceto quanto à forma, deve conter todos os requisitos essenciais ao contrato a ser celebrado” (BRASIL, 2002, documento on-line). Características — a promessa de compra e venda é contrato preliminar, geral- mente bilateral, informal ou formal, retratável (prevendo o arrependimento) ou irretratável. Se irretratável, deverá ser levada a registro (para ter efi cácia contra terceiros) e constituirá direito real sobre o bem imóvel objeto da promessa. Efi cácia — a promessa de compra e venda gera uma obrigação de fazer — fazer o contrato defi nitivo de compra e venda, não tendo, entre os seus efeitos, a transmissão da propriedade do imóvel. Corroborando, é oportuno citar: Pelo nosso direito, a promessa de venda nunca pode operar a transferênciado domínio, dada a distinção rigorosa entre o contrato definitivo e o con- trato preliminar. Cria este a obrigação de prestar um fato, e seu objeto é a outorga do contrato definitivo. Em contraposição, o contrato definitivo de compra e venda gera uma obrigação de dar, e seu principal efeito é obri- gação de transferir o domínio, mediante a tradição da coisa ou a inscrição do título. Descumprida a escritura definitiva, o comprador tem sempre execução direta, e assiste-lhe a imissão de posse. Infringida a promessa de compra e venda, nasce para o promitente comprador o direito de pleitear a adjudicação compulsória, desde que não haja cláusula de arrependimento e independentemente do registro do contrato no Registro de Imóveis (PE- REIRA, 2017, p. 172). 15Compra e venda Do exposto, concluímos que, se o inadimplemento partir do promitente ven- dedor, o recurso a ser buscado pelo promitente comprador será o pedido judicial de adjudicação compulsória, no qual o juiz suprirá a manifestação de vontade do promitente vendedor, e sua sentença fará as vezes de escritura da compra e venda, transferindo o domínio do bem para o requerente. Por outro lado, se o inadim- plemento partir do promitente comprador, o promitente vendedor terá direito à resolução por descumprimento contratual com todas as suas consequências. Direito das partes — sobre o direito do promitente comprador, este adquire a faculdade de receber a escritura defi nitiva e, registrado o contrato, adquire, também, a faculdade de anular eventuais atos de alienação que o promitente vendedor venha realizar com terceiros; sobre o direito do promitente vendedor, este possui a faculdade de resolver o contrato, notifi cando o promitente com- prador e constituindo-o em mora, em razão do inadimplemento da obrigação (PEREIRA, 2017). No mesmo sentido, seguem os arts. 464 e 465 do Código Civil: Art. 464 Esgotado o prazo, poderá o juiz, a pedido do interessado, suprir a vontade da parte inadimplente, conferindo caráter definitivo ao contrato preliminar, salvo se a isto se opuser a natureza da obrigação. Art. 465 Se o estipulante não der execução ao contrato preliminar, poderá a outra parte considerá-lo desfeito, e pedir perdas e danos (BRASIL, 2002, documento on-line). Embora tenhamos abordado os artigos de lei que tratam da compra e venda, é apropriado apresentar um breve resumo esquemático das disposições do Código Civil (Quadro 1). COMPRA E VENDA — LEGISLAÇÃO — CÓDIGO CIVIL Compra e venda Disposições gerais: arts. 481 a 504 Da retrovenda: arts. 505 a 508 Da venda a contento e da sujeita à prova: arts. 509 a 512 Da preempção ou preferência: arts. 513 a 520 Da venda com reserva de domínio: arts. 521 a 528 Da venda sobre documentos: arts. 529 a 532 Promessa de compra e venda Do contrato preliminar: arts. 462 a 466 Do direito do promitente comprador: 1.417 e 1.418 Quadro 1. Compra e venda no ordenamento jurídico Compra e venda16 BRASIL. Lei Federal nº. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 11 jan. 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/Leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 23 ago. 2018. GAGLIANO, P. S.; PAMPLONA FILHO, R. Novo curso de Direito Civil: contratos. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. v. 4. GONÇALVES, C. R. Direito Civil brasileiro: contratos e atos unilaterais. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. v. 3. LÔBO, P. Direito Civil: contratos. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. PEREIRA, C. M. S. Instituições de Direito Civil. 21. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017. v. 3. Leituras recomendadas SILVA, C. V. C. A obrigação como processo. Rio de Janeiro: FGV, 2007. TARTUCE, F. Direito Civil: teoria geral dos contratos e contratos em espécie. 12. ed. São Paulo: Forense, 2017. v. 3. 17Compra e venda Conteúdo:
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