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Crimes previdenciários

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Primeiras palavras
Inicialmente, alguns crimes previdenciários estavam previstos no artigo 95 da Lei de Custeio da Previdência Social (LCPS – Lei 8.212/91), mas, a partir do ano 2000, com o advento da Lei 9.983/00, houve uma migração desses tipos penais para o Código Penal. Vale dizer que não houve revogação, anistia, ou o que se denomina no Direito Penal como abolitio criminis, ou seja, não houve perdão ou retirada desses crimes do ordenamento jurídico, mas apenas uma alteração do diploma legislativo que os prevê.
Apropriação indébita previdenciária
O empregador possui entre as suas obrigações acessórias tributárias reter o valor de contribuição dos segurados a seu serviço e recolher aos cofres da Previdência. A retenção feita em cima do salário pago ao empregado coloca nas mãos do empregador um valor que a ele não pertence: é um valor do seu empregado que deve ser destinado à Previdência Social, ou seja, o empregador, por uma questão de otimização da lógica fiscalizatória, fica de posse desse valor de terceiros (seus empregados e contribuintes individuais que lhe prestam serviço) até a data designada para o recolhimento das contribuições, sendo que a legislação prevê o crime de apropriação indébita previdenciária caso tais valores não sejam repassados à Previdência Social no tempo oportuno.
Previsão legal: artigo 168-A do CP / pena prevista: reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos e multa. O caput do art. 168-A prevê que constitui crime “deixar de repassar à previdência social as contribuições recolhidas dos contribuintes, no prazo e forma legal ou convencional”, sendo que o § 1º estende a previsão para as seguintes condutas:
· Deixar de recolher, no prazo legal, contribuição ou outra importância destinada à previdência social que tenha sido descontada de pagamento efetuado a segurados, a terceiros ou arrecadada do público.
· Deixar de pagar benefício devido a segurado, quando as respectivas cotas ou valores já tiverem sido reembolsados à empresa pela Previdência Social.
Há, ainda, dentre os incisos do §1º, uma previsão relacionada a valores derivados de venda de produtos e serviços, que se aplicam a casos especiais, em que algumas empresas, em razão de sua operação, estão sujeitas à substituição tributária (ficar responsável por tributos devidos por terceiros) em cima de contribuições substitutivas (que não incidem sobre valores de remuneração, mas em razão de venda de produtos). Nesses casos, também há a caraterização de apropriação indébita previdenciária caso não haja o repasse: “Deixar de recolher contribuições devidas à previdência social que tenham integrado despesas contábeis ou custos relativos à venda de produtos ou à prestação de serviços”.
Quando a empresa deixa de recolher as contribuições devidas por ela própria, não está caracterizada a apropriação indébita previdenciária. Há necessidade de que o valor tenha sido retido de um terceiro para a configuração dessa espécie de delito.
Quem pratica o crime? O responsável legal pelo recolhimento, ainda que tenha delegado essa tarefa a terceiro que venha a agir em seu nome. Trata-se de crime próprio. Veja os exemplos abaixo:
Elemento subjetivo
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Apenas punível na modalidade dolosa (não há previsão de apropriação indébita previdenciária culposa). Para a configuração do crime, não se exige dolo específico, como se beneficiar pessoalmente dos valores não repassados. Trata-se de dolo genérico, com caráter omissivo, que se perfectibiliza pelo não repasse do valor retido no tempo devido.
Excludentes
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É aceita, por parte da jurisprudência, a inexigibilidade de conduta diversa (excludente de culpabilidade) ou estado de necessidade (excludente da ilicitude), quando comprovada dificuldade financeira. Geralmente, tais excludentes são admitidos apenas em hipóteses excepcionais em que a apropriação indébita previdenciária não se protraia longamente no tempo. Vale dizer que esses entendimentos não são expressamente previstos em lei – o que está expressamente previsto em lei é a possibilidade de extinção de punibilidade e o perdão judicial, que veremos na sequência.
Extinção de punibilidade (no CP)
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Ocorre se o agente, antes do início da ação fiscal (caracterização da autodenúncia espontânea), declara, confessa e efetua o pagamento das contribuições.
Perdão judicial (no CP)
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O juiz pode deixar de aplicar a pena ou aplicar somente a multa se o agente for primário e de bons antecedentes e tenha promovido, após o início da ação fiscal e antes de oferecida a denúncia, o pagamento da contribuição social previdenciária, inclusive acessórios (multa e juros). Há também a possibilidade de perdão (desde que o agente seja primário e de bons antecedentes) quando o valor das contribuições, inclusive acessórios, seja igual ou inferior ao estabelecido como mínimo para o ajuizamento de execuções fiscais.
Apesar de a lei colocar como uma faculdade do juiz, o entendimento que prevalece é que se trata de um direito subjetivo do réu, de modo que o juiz é obrigado a conceder o perdão caso estejam presentes as condições.
Ação penal
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É pública incondicionada (promoção pelo Ministério Público Federal, independentemente de provocação, apesar de regularmente se dar através de notícia por parte do ente fiscalizador) com competência para julgamento da Justiça Federal (ente atingido – INSS – atrai a competência da Justiça Federal).
Sonegação fiscal previdenciária
Com a migração dos tipos penais da LCPS para o CP, a sonegação fiscal previdenciária passou a ser prevista no capítulo dos crimes praticados por particular contra a administração em geral. O que se visa coibir com essa previsão na lei penal são as condutas direcionadas a ocultar fatos geradores de contribuições previdenciárias, procurando impedir, através do peso de uma condenação criminal, que o contribuinte acarrete uma supressão, redução ou omissão de informações relativas às contribuições que está obrigado a recolher.
Caracteriza-se a sonegação fiscal previdenciária quando alguém suprime ou reduz contribuição social previdenciária, mediante:
1. looks_one
Omissão na folha de pagamento da empresa ou em documento de informações previsto pela legislação previdenciária (por exemplo: na Guia do FGTS e Informações à Previdência – GFIP) segurados (empregado, empresário, trabalhador avulso ou trabalhador autônomo ou a este equiparado) que lhe prestem serviços.
2. looks_two
Falta de lançamento dos títulos próprios da contabilidade, as quantias descontadas dos segurados ou as devidas pelo empregador ou pelo tomador de serviços.
3. looks_3
Omissão total ou parcialmente, receitas ou lucros auferidos, remunerações pagas ou creditadas e demais fatos geradores de contribuições sociais previdenciárias.
Percebe-se a extensão do tipo penal quando nele se insere “[...] demais fatos geradores de contribuições sociais previdenciárias”, ou seja, depois de uma série de exemplos mais específicos, o tipo, ao final, abre-se para configurar, como sonegação fiscal previdenciária, toda omissão (seja total, seja parcial) de qualquer fato gerador de contribuição previdenciária.
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Atenção!
É importante que se diga que a ausência de pagamento do tributo (obrigação principal sob o ponto de vista tributário) não configura sonegação. O crime de sonegação dá-se em razão da omissão, redução ou supressão dos fatos geradores aos olhos do Fisco (obrigação acessória sob o ponto de vista tributário). Uma vez expostos ao Fisco, os recolhimentos devidos poderão ser cobrados regularmente do contribuinte; por outro lado, a ocultação dos fatos geradores acarreta necessidade de movimento da máquina fiscalizatória para descortiná-los. A configuração penal da sonegação fiscal previdenciária visa justamente coibir essa ocultação, que retarda ou impede o funcionamento regular da máquina de cobrança tributária.
Apesar de a sonegação fiscal pretender coibir precipuamente a má declaração (obrigação acessória tributária – que se revela uma obrigação de fazer), acaba sendo uma consequência natural fiscal que, umavez descoberta, também acarreta lançamento fiscal para pagamento (uma obrigação principal tributária – a obrigação de pagar), com multas mais pesadas integrando o processo administrativo fiscal. Em suma, o mesmo fato (sonegação) pode gerar consequências penais e administrativas (fiscais).
Previsão legal: artigo 337-A do CP /pena prevista: reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa. Quem pratica o crime? O responsável legal pela declaração (contribuinte da Previdência Social), ainda que tenha delegado essa tarefa a terceiro que venha a agir em seu nome. Trata-se de crime próprio.
Elemento subjetivo
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Apenas punível na modalidade dolosa – o agente deve ter consciência e vontade de praticar a supressão, redução ou omissão. Não há previsão de sonegação fiscal previdenciária culposa.
Extinção da punibilidade (no CP)
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Ocorre se o agente, antes do início da ação fiscal (caracterização da autodenúncia espontânea), declara e confessa, prestando as informações devidas. Não é necessário que efetue o pagamento das contribuições para que se extinga a punibilidade, pois, como visto, a previsão de persecução penal se debruça sobre a obrigação acessória tributária.
Perdão judicial (no CP)
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O juiz pode deixar de aplicar a pena ou aplicar somente a multa se o agente for primário e de bons antecedentes e o valor das contribuições, inclusive acessórios, for igual ou inferior ao estabelecido como mínimo para o ajuizamento de execuções fiscais. Apesar de a lei colocar como uma faculdade do juiz, o entendimento que prevalece é que se trata de um direito subjetivo do réu, de modo que o juiz é obrigado a conceder o perdão caso estejam presentes as condições.
Ação penal
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É pública incondicionada (promoção pelo Ministério Público Federal) com o entendimento prevalente (apesar de controvertido) no sentido de que só pode ser iniciada depois de encerrado o procedimento administrativo que concluiu pelo reconhecimento definitivo da obrigação tributária (crime de resultado que exigiria o lançamento definitivo como condição de procedibilidade). A competência para julgamento é da Justiça Federal (ente atingido – INSS – atrai a competência da Justiça Federal).
Extinção da punibilidade pelo pagamento
As previsões no Código Penal para a extinção da punibilidade e perdão judicial (que vimos acima) foram ampliadas pelas Leis 10.684/03 (PAES) e 11.941/09 (REFIS da Crise). Essas leis supervenientes permitem a extinção da punibilidade através do recolhimento das contribuições e acessórios a qualquer tempo (mesmo depois de iniciada a ação penal). No entanto, apesar de não haver necessidade de se cumprir nenhum outro requisito, para essa modalidade de extinção da punibilidade, tem de haver o pagamento integral do tributo.
A Lei 12.382/11 admite que, no caso de parcelamento antes do oferecimento da denúncia, haverá a suspensão da pretensão punitiva e do prazo prescricional até que se conclua o pagamento de todas as parcelas. Se rescindir o parcelamento, pode ser oferecida a denúncia. Se concluir o pagamento, extingue-se a punibilidade.
Até aqui, vimos delitos que atentam contra o sistema arrecadatório da Previdência Social. Agora, nosso próximo passo é explorar o principal tipo penal que visa coibir a prática de atos fraudulentos no sistema de concessão de benefícios.
Estelionato previdenciário
A ideia central do tipo penal de estelionato (art. 171 CP) é prevenir e punir ações que atentem contra a confiança e boa-fé das pessoas para obtenção de vantagem (via de regra, econômica). Mais especificamente, esse tipo de estelionato prevê penas para quem, dolosamente, pretende enganar alguém, utilizando-se de algum meio fraudulento, para obter, para si ou para terceiro, vantagem ilícita. A previsão legal apresenta como núcleos: “Obter vantagem ilícita” e “induzir ou manter” alguém em erro, utilizando-se como meios o “artifício”, o “ardil”, ou “qualquer outro meio fraudulento”.
E quando o INSS é o ente enganado? Aplica-se a causa de aumento de pena prevista no §3º: aumento de 1/3 na pena “se o crime é cometido em detrimento de entidade de direito público”. A súmula 24 do STJ (de 1991) menciona explicitamente a aplicação do art. 171 § 3º quando a vítima é entidade autárquica da Previdência Social. Até hoje, é pacificada essa interpretação.
Na prática, quais os meios mais comuns utilizados para induzir o INSS a erro? Documentos falsos, especialmente os que visam comprovação de tempo de serviço, ou relação de dependência entre pessoas (sobretudo comprovação de união estável), ou, ainda, declarações falsas de inexistência de união estável e coabitação, quando o benefício pretendido é o BPC-LOAS (pois a renda de um(a) companheiro(a) pode impedir a percepção do benefício assistencial).
Como muitas vezes são utilizados documentos falsos para a prática do estelionato, é comum que se depare com o concurso de crimes: artigo 171 (estelionato) e artigo 304 (uso de documento falso), ou, então, artigo 171 (estelionato) e artigo 299 (falsidade ideológica). Todavia, a jurisprudência entende, na linha da súmula 14 do STJ, que, “quando o falso se exaure no estelionato, sem mais potencialidade lesiva, é por este absorvido”. Deste modo, é comum, nos casos de estelionato previdenciário, mesmo que haja uso de documento falso (art. 304) ou documento verdadeiro com conteúdo falso (art. 299), que se aplique apenas a pena do artigo 171 § 3º do CP.
Não obstante as críticas da doutrina no que concerne à topologia, foram incluídos, pela Lei 9.983/00, certos crimes específicos (que seriam espécie de “falsidade ideológica”) como §§ 3º e 4º do artigo 297 (que trata de “falsidade material”). De toda maneira, há enquadramento específico para condutas de quem insere (ou faz inserir):
· Pessoa que não possua a qualidade de segurado obrigatório na folha de pagamento ou em documento de informações (ex.: GFIP) que seja destinado a fazer prova perante a previdência social.
· Declaração falsa ou diversa da que deveria ter sido escrita na Carteira de Trabalho e Previdência Social do empregado ou em documento que deva produzir efeito perante a previdência social, bem como em documento contábil ou em qualquer outro documento relacionado às obrigações da empresa perante a previdência social.
O § 4o prevê a mesma punição para quem omite, nestes documentos, o nome do segurado e seus dados pessoais, a remuneração, a vigência do contrato de trabalho ou de prestação de serviços. Elemento subjetivo: Apenas punível na modalidade dolosa – o agente deve ter consciência e vontade de obter a vantagem ilícita para si ou para outrem. Não há previsão de estelionato previdenciário culposo.
É um delito que pode ser praticado pelo próprio beneficiário (quem receberá o benefício indevido), por terceiro (externo à administração pública), agindo em favor do beneficiário, ou por funcionário público, que, sabendo da irregularidade, concede o benefício mediante fraude. A depender da situação (de conluio entre agentes), poderão ser configurados, além do próprio estelionato previdenciário, os crimes de corrupção ativa (art. 333 CP), corrupção passiva (art. 317 CP), ou, ainda, formação de quadrilha (art. 288 CP). Atualmente, é majoritária a jurisprudência no sentido de que a análise deve levar em conta o ponto de vista do agente:
1. Para o beneficiário que, em interesse próprio, mantém o INSS em erro ao longo do tempo, percebendo o benefício indevido, o delito teria natureza de crime permanente;
2. Para o agente que pratica um ato fraudulento, levando um terceiro a receber indevidamente, sem se locupletar ao longo do tempo com o benefício indevido, o delito teria natureza de crime instantâneo de efeitos permanentes.
Uma questão jurídica relevante, sob o ponto de vista da prescrição, é saber se o estelionato previdenciário é um crime permanente (enquanto o INSS for mantido em erro, pagando um benefício que não deveria, estaria ocorrendo o crime), ou se é um crime instantâneo de efeitos permanentes (ocorreu o crime apenas no momento da indução do INSS a erro, sendo o pagamentodo benefício fraudulento ao longo do tempo apenas um efeito do crime já ocorrido). A depender de quando se descubra a fraude, poderia haver prescrição ou não da pretensão punitiva, conforme a visão adotada.
Inserção de dados falsos em sistema de informações
Com a crescente informatização, no ano 2000, a Lei 9.983 alterou o CP, para incluir um tipo específico destinado a coibir e punir quem insere dados falsos nos sistemas de informação da Administração Pública. Não se trata de crime especificamente previdenciário, mas, sem dúvida, pode ocorrer com o fim de obter vantagem indevida perante a Previdência Social.
Previsão legal: Art. 313-A do CP / Pena prevista: reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.
Trata-se de um crime próprio (só pode ser cometido por funcionário público) e exige dolo específico: “O fim de obter vantagem indevida para si ou para outrem ou para causar dano”. Tem como núcleos “inserir” ou “facilitar a inserção” de dados falsos, ou ainda “alterar” ou “excluir” indevidamente dados corretos. Obs.: se há invasão do sistema ou banco de dados por terceiro, que não funcionário público, o enquadramento é outro, pois o crime do artigo 313-A do CP, por expressa determinação legal, só se aplica ao funcionário público.
Elemento subjetivo: Apenas punível na modalidade dolosa – o agente deve ter consciência e vontade de inserir ou facilitar a inserção de dados falsos, ou alterar ou excluir dados verdadeiros. Não há previsão de modalidade culposa.
Outro crime que também pode vir a atentar contra a previdência social é o previsto no artigo 313-B do CP, que prevê a modificação ou alteração do sistema de informações ou programa de informática sem autorização ou solicitação de autoridade competente, com pena de 3 meses a 2 anos. Tal como o delito do artigo 313-A, só pode ser cometido por funcionário público e na modalidade dolosa.
Vistos os principais crimes previdenciários, que podem atentar tanto contra os mecanismos de arrecadação quanto contra o sistema de concessão de benefícios, passamos à nossa atividade.

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