Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
49 Re vi sã o: C ris tin a - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 14 /0 1/ 20 15 Políticas de Humanização e atendimento HosPitalar Unidade II 3 Violência x humanização – por que humanizar As reformas nas políticas de saúde nem sempre favoreceram a dignidade humana na prática dos serviços dessa área. Ainda perduram lacunas no acesso, baixa qualidade, precariedade dos serviços e hegemonia do modelo biomédico calcado na lógica tecnicista, não considerando de fato todos os fatores que interferem e afetam a saúde das pessoas. Associado a esse modelo, ainda encontramos o desrespeito aos direitos dos usuários, embora estejam legalmente preconizados. Apesar de a melhoria da qualidade da assistência na saúde pública ser discutida e identificada como necessidade, as iniquidades ainda são desveladas nos hospitais, desafiando as transformações sociais. Modificar esse cenário, entretanto, é muito difícil, pois há resistências à efetivação dos direitos humanos no Brasil, uma sociedade violenta, autoritária, vertical, hierárquica e oligárquica, polarizada entre a carência total e o privilégio absoluto. Apesar de a noção de “humanização da assistência” estar sobre um alicerce amplo de iniciativas, ainda é necessário defini‑la como uma diretriz de trabalho para os profissionais e gestores dos serviços de saúde. Quando empregamos o conceito humanização, achamos que isso se dá para uma forma de assistência que faça a valorização da qualidade do cuidado técnico associado ao reconhecimento das necessidades do paciente, identificando seus direitos e suas referências culturais. Porém, não podemos deixar de admitir a importância do reconhecimento do profissional de saúde que faz o atendimento ao seu cliente, bem como a valorização entre as equipes de trabalho. A humanização atualmente é um tema bastante discutido nos serviços públicos de saúde, e publicado nos periódicos da área da saúde. O termo humanização, em seu uso histórico, é consagrado como aquele que rememora movimentos de recuperação de valores humanos esquecidos ou que foram negligenciados em momentos em que a ética da sociedade não os valorizavam. A necessidade da humanização aparece no momento em que a sociedade pós‑moderna passa por uma revisão de valores e atitudes. Dessa forma, não é possível discutirmos humanização sem antes falarmos um pouco sobre o que acontece no nosso mundo atual. Na pós‑modernidade, identificamos que a sociedade percebe a necessidade de realinhar suas características sociais frente ao capitalismo no mundo diante da globalização econômica. Os ideais utópicos, políticos, éticos e estéticos da sociedade anterior foram, então, perdendo sua credibilidade. Desse modo, as pessoas começam cada vez mais a buscar seus referenciais de identificação dentro de cada um e não mais no contexto social, decorrente da sua descrença na política, já que, na prática, deram poder a governos corruptos e incapazes de promover o bem da sociedade. 50 Re vi sã o: C ris tin a - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 14 /0 1/ 20 15 Unidade II Na relação entre as pessoas, quando perdemos os suportes sociais e éticos e somamos o nosso modo individual de ser, criamos condições para a intolerância à diferença, e o outro é visto não como parceiro ou aliado, mas como ameaça. Assim, a violência que está presente no nosso cotidiano começa a ser uma forma de resolução de conflitos, já que não refletimos mais sobre os aspectos morais relevantes à existência da sociedade. A partir da metade do século XX, a sociedade, no entanto, começa a preocupar‑se com a necessidade de respostas para a questão da violência em todos os seus contextos. Direitos humanos, bioética, proteção ambiental, cidadania, passam a ser práticas que vão ganhando espaço no dia a dia das pessoas, chamando‑nos para o trabalho de construção de outra realidade. O termo humanização vem sendo utilizado com muita frequência quando nos referimos ao atendimento nos serviços de saúde. Os movimentos feministas, já há algumas décadas, reinvidicam ações identificadas como humanização no parto e respeito aos direitos reprodutivos. Outros modelos de atenção específica a alguns setores, como atenção à criança hospitalizada, já foram considerados como referência para a rede pública. Dessa forma, as instituições hospitalares começaram a preocupar‑se em desenvolver ações que deixassem o ambiente mais humanizado, a princípio tendo como objetivo principal tornar o ambiente mais afável – realização de atividades lúdicas e de entretenimento ou apenas melhorias na aparência da estrutura dos serviços. Podíamos identificar que essas ações não alteravam de forma significativa o modo de trabalho das equipes e nem tampouco a gestão do local, mas tentavam diminuir um pouco o sofrimento que o ambiente de trabalho hospitalar provoca em pacientes e trabalhadores. Pouco a pouco, a ideia foi ganhando consistência, resultando em alterações de rotina, como a visita livre, o direito a acompanhante e uma dieta personalizada, como discutiremos mais adiante. Quando construímos um processo pautado no respeito e na valorização das pessoas, começamos uma mudança na cultura organizacional, e assim a gestão desses serviços terá suas ações de assistência à saúde muito mais humanizadas. A importância dada à participação, autonomia e responsabilidade cria valores que resultarão no encontro de soluções compartilhadas dos problemas. Dessa forma, com as condições de trabalho melhoradas, o resultado é uma assistência de maior qualidade, o que estará caracterizando então um processo humanizado. Para que esse processo tenha sucesso, faz‑se necessária uma aliança das competências técnicas e tecnológicas aliadas ao respeito das relações humanas. 3.1 a ética no contexto da humanização Quando o termo humanização chegou aos serviços de saúde, a reação encontrada foi a mais diversa possível. Alguns profissionais a identificaram como, enfim, uma fase de valorização e reconhecimento do que se fazia pela assistência, porém, alguns chegaram a ficar indignados com essa necessidade. Afinal de contas, o que significava humanização? Na verdade a grande discussão baseou‑se no conceito ético da palavra. O que ficava claro era a importância da discussão de algo que deveria ser inerente ao serviço, mas que não era praticado no cotidiano das instituições, pois o que faltava era a necessidade de recuperação dos valores humanísticos. 51 Re vi sã o: C ris tin a - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 14 /0 1/ 20 15 Políticas de Humanização e atendimento HosPitalar As profissões que se destinam ao cuidado são, na prática, ético‑dependentes, ou seja, não será valorizado apenas o mais forte, o mais rico ou o mais importante, pois é essencial que a educação ética esteja implícita nas relações das pessoas. Humanizar, então, não se refere a uma identificação de condições biológicas ou antropológicas, mas significa que os valores humanos devem estar claros nas atitudes profissionais, cooperando com as diretrizes éticas desse ato de cuidar do outro. Quando discutimos esse olhar ético, precisamos falar um pouco sobre o sentido filosófico que o termo humanização tem, já que é nessa corrente de ciência humana que reconhecemos o valor da dignidade da natureza do ser humano. Ao reconhecermos o valor das características humanas, é dado o primeiro passo para a humanização, pois serão percebidos os valores de cada cultura, bem como os desejos de cada pessoa. Após esse reconhecimento, é preciso que sejam desenvolvidos métodos que facilitem o pensar e o agir sobre os processos de saúde‑doença, bem como sobre as relações interpessoais no ambiente de trabalho, o que criará oportunidades que possam transformar as relações entre os trabalhadores e entretrabalhadores e pacientes, valorizando a fala e a escuta de cada ator deste processo. No processo de trabalho do profissional de saúde, uma escuta qualificada é essencial como forma de apoio para uma decisão mais acertada sobre o diagnóstico do paciente, bem como a sua colaboração na adesão terapêutica. Quando utilizamos uma escuta qualificada e valorizamos o outro lado desse processo, dividimos o exercício da gestão. Porém, não podemos, em nome da humanização, determinar que valores cada um deve ter. O que se faz importante na dimensão institucional é dar uma base do que se espera como atitude profissional de cada um e de acordo com as diretrizes éticas coletivas, e assim será expresso o que cada indivíduo considera bom e justo. É com esses valores que conseguimos usar a ética como uma ferramenta contra a violência. observação A reflexão de cada profissional de saúde sobre os valores humanitários que resgatam a dignidade humana, como a empatia e o respeito, fortalece o princípio ético organizador da ação do cuidado. 3.2 a humanização e a violência institucional Nos serviços de saúde, não é raro encontrarmos situações que podem configurar violência institucional, como em casos de insatisfação do funcionário relacionados ao ambiente e à política institucional e em ocorrências relativas ao sofrimento do paciente pela falta de resolutividade esperada do serviço, o que acaba gerando um estado de tensão. 52 Re vi sã o: C ris tin a - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 14 /0 1/ 20 15 Unidade II Dahlberg e Krug descrevem a definição de violência, segundo a Organização Mundial de Saúde: [...] é o uso de força física ou poder, em ameaça ou na prática, contra si próprio, contra outra pessoa ou contra um grupo ou comunidade que resulte ou possa resultar em sofrimento, morte, dano psicológico, desenvolvimento prejudicado ou privação (DAHLBERG; KRUG, 2007). No entendimento comum, podemos descrever a violência como o uso de palavras ou ações que levam ao constrangimento e até mesmo podem causar lesões às pessoas; e mais gravemente, o uso abusivo do poder, que resulta em ferimentos, sofrimento, tortura e morte. Não só a violência física pode ser considerada como agressiva, mas a violência moral e social, mesmo que veladamente, pode caracterizar‑se como opressora, dominadora e complicada de encarar, pela sutileza com que se escondem dentro do contexto institucional nas relações sociais. A violência institucional é aquela que limita, de forma injusta, aos mais desfavorecidos o acesso aos serviços assistenciais. Na saúde, essa violência é decorrente, em especial, de relações sociais marcadas por quem detém o poder do atendimento e de quem precisa ser atendido. Historicamente, é sabido que a população teve aumentado o acesso às instituições de saúde, porém, esse progresso também tornou o hospital um ambiente de sofrimento, pois o não reconhecimento do que está subjetivo nas práticas assistenciais da instituição, que é caracterizada por uma rigidez de controle e de ausência de direitos, faz com que as pessoas que buscam por uma assistência nesse local sejam tratadas de forma “coisificada”. Dessa forma, é prevalente em especial a falta de solidariedade ao reconhecimento da necessidade do outro. Nesse processo, no qual o profissional de saúde é o detentor do poder, o método de trabalho tem suas etapas determinadas a cargo de um grupo de trabalhadores para ser modelo para toda a instituição. Assim, a visão de como deve ocorrer esse processo de trabalho tem a perspectiva de apenas um grupo, e não do todo. Apesar de essa forma de trabalho ter como objetivo a padronização dos processos, ela acaba gerando a naturalização do sofrimento, tanto do paciente quanto do profissional que presta o cuidado. O que vemos nesse processo é um cenário de violência na sua forma explícita ou disfarçada, por meio de comportamentos violentos de todos os atores, e notamos que isso passa a ser norma, e não exceção. O que contribui para que esse cenário se intensifique é a necessidade de uma assistência curativista e de medicalização da pessoa. Medicalizar transformou‑se em resolver, muitas vezes, problemas sociais. Se antes a fome era tratada como uma necessidade de atenção social e educacional, hoje é considerada um problema com tratamento medicamentoso de desnutrição, uma situação complexa e distinta. Assim, percebemos que a sociedade hoje deixou de considerar a sabedoria popular, e todas as necessidades humanas passam a ser representadas por um código de doença (um CID – Código 53 Re vi sã o: C ris tin a - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 14 /0 1/ 20 15 Políticas de Humanização e atendimento HosPitalar Internacional das Doenças). Por isso, busca‑se apenas uma medicação para a cura imediata e pontual, e não mais uma avaliação do contexto daquele problema, para que seja identificada a verdadeira causa, que muitas vezes terá como solução não um medicamento, mas uma mudança nos hábitos de vida daquela pessoa. Paralelamente a esse cenário sociocultural, temos o aumento da demanda dos serviços de saúde, com a necessidade de cumprimento dos princípios de universalidade e integralidade, aliada ao sucateamento, à má gestão e à insuficiente verba financeira para os serviços públicos. Consequentemente, os custos de manutenção da assistência somente aumentam. Assim, percebemos que o profissional que está prestando o serviço não consegue mais manter sua integridade emocional para prestar um atendimento com qualidade e dignidade, já que esses profissionais, mal remunerados e desvalorizados, passam a viver um conflito constante com a população, que se encontra em filas intermináveis e, muitas vezes, injustificáveis. Na contramão desse cenário, a humanização começa a surgir de forma pontual em algumas instituições e, com o avanço dessas iniciativas em diversos locais, chega‑se então ao cenário de criação de uma política pública na área da saúde. Essas ações objetivam a criação de condições para que todos dentro das instituições façam parte de uma gestão compartilhada e a diminuição do número de profissionais que permanecem de forma apática dentro da organização. Com essas medidas, um dos propósitos da humanização é resgatar conceitos das ciências humanas, que com o tempo foram desvalorizados, como o respeito entre as pessoas. lembrete Quando analisamos os princípios do SUS de universalidade, integralidade, equidade e participação social, identificamos a base da humanização como concepção da política a ser instituída, como uma forma real de inclusão social. Com essa nova proposta de trabalho, o SUS alavanca a necessidade de uma recuperação dos ideais de cidadania na nossa prática de assistência diária. Os valores a serem conquistados a respeito do conceito de humanização não estão relacionados mais a uma humanização como maquiagem da atenção – como a preocupação de que um atendimento de qualidade se relacione à hotelaria hospitalar. Quando pensamos em utilizar um serviço de saúde público, não é rara a ideia de que o atendimento não será de qualidade, o que nos leva à condição de expectativa de uma violência institucional. Contudo, o nosso sistema público de saúde foi criado para atender às necessidades de uma população que já estava alienada pelo modelo anterior, que era excludente. Hoje, nossos serviços públicos de saúde apresentam muitas contradições: por sua heterogeneidade de complexidade, encontramos desde serviços sucateados até serviços de grande sofisticação, com tecnologia de alto nível e que têm como principal desafio atender a todos os cidadãos do território nacional. Nesse caminho, a atenção deve ser dada para que os processos de trabalho melhorem os modelos de gestão e de planejamento, de forma que a condição de uma culturainstitucional regada a vícios e 54 Re vi sã o: C ris tin a - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 14 /0 1/ 20 15 Unidade II abusos termine. E somente com a inserção do conceito de humanização na cultura organizacional é que conseguiremos efetivamente mudar a assistência prestada aos nossos usuários. A humanização não pode ser encarada apenas como uma “moda”, algo que no momento todos fazem: os gestores precisam usar ferramentas que mudem o comportamento de todos e possam incorporar novos valores e conceitos. Concluindo, devemos ter claro que o mais importante para melhorarmos e incorporarmos esses valores e conceitos é que nos preocupemos com como fazer, e não somente com o que fazer. A humanização, quando presente nos valores de todos, muda a cultura, e, dessa forma, as ações passam a ser naturais e involuntárias. 3.2.1 O poder unilateral Como humanizar nosso modelo de assistência nos serviços de saúde, se quando entramos em uma instituição logo encontramos regras que “podam” qualquer aproximação espontânea dos pacientes, que são tratados como “pessoas estranhas” e não como clientes que são? É muito comum, em instituições públicas, haver um cartaz que adverte: “desacatar funcionário público no exercício de sua função ou em razão dela: pena de detenção de seis meses a dois anos ou multa” – Art. 331 (BRASIL, 1988a). Isso já deixa claro para o paciente que deverá acatar toda e qualquer decisão e ação do funcionário. Quando chegamos a um setor “fechado” – UTI, pronto‑socorro, centro‑cirúrgico – sempre encontramos uma barreira e um segurança. É claro que esse tipo de cuidado é essencial para a segurança do local, mas é importante um treino adequado sobre como será dado o acolhimento àquela pessoa que procura sempre informações a respeito de um ente querido que está nas mãos da equipe. É sabido que normas e rotinas são necessárias para qualquer serviço, mas se identificamos que há necessidade de mudança de um paradigma em que as relações entre as pessoas devem ser mais humanizadas, não podemos permitir que essas normas sejam inquestionáveis, autoritárias e coercitivas. Precisamos informar e esclarecer, tanto aos seus familiares quanto ao paciente, sobre as situações que podem colocar em risco tanto a ele mesmo quanto ao visitante, e, dessa forma, restringir o acesso de alguns alimentos, por exemplo. Não vamos deixar que as exceções tornem‑se regras, mas é preciso que haja maleabilidade e respeite‑se a individualidade de cada paciente e sua família. Um ambiente humanizado não é apenas aquele em que o paciente tem relação interpessoal com a equipe de forma equilibrada e adequada, mas é onde há toda uma estrutura física e de recursos materiais, que são de extrema importância para a sua melhor recuperação. De nada adianta que se ofereça o melhor profissional, com a melhor terapêutica, e que o paciente tenha de dormir em uma cama quebrada, por exemplo. Como se dará a recuperação e a adesão do paciente ao tratamento se uma condição básica de conforto para o seu restabelecimento não é respeitado? 55 Re vi sã o: C ris tin a - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 14 /0 1/ 20 15 Políticas de Humanização e atendimento HosPitalar Outra condição desconfortável para o paciente é ser o último a saber o que está acontecendo com ele, ou pior: não ter informações do que será realizado e qual o próximo passo para a sua reabilitação. Às vezes, o funcionário simplesmente chega ao quarto do paciente e retira‑o de seu leito; quando ele pergunta para onde irá, a resposta é: “vamos fazer um exame”. Não é fornecido ao paciente o direito de tomada de decisão do que lhe acontecerá, não se explica o que será feito; é como se ele, no papel de paciente – como a própria palavra expressa –, devesse se colocar apenas na posição de ator passivo, sendo obrigado a aceitar todas as decisões que são tomadas para ele e por ele. Situações como essa fazem com que os pacientes se sintam desvalorizados e muitos deles podem relacionar essa violência institucional à sua condição socioeconômica e até mesmo cultural. Na saúde, é muito comum o profissional ser o detentor do poder. É ele quem sabe o que é o melhor para o paciente, que deverá aceitar todas as decisões que serão tomadas. Algumas vezes, tais decisões poderão afetar todo o conceito individual do paciente sobre suas crenças, religiosas ou não, e uma decisão sem o compartilhamento com a parte mais interessada – o paciente – pode ser a causa do fracasso de um determinado atendimento. Não podemos confundir a atitude humanizada de solicitar a presença de um acompanhante de determinado paciente com o ato de fazer dessa pessoa que acompanha um membro da equipe de trabalho. Para justificar que o paciente tenha um atendimento de melhor qualidade, os profissionais “solicitam” que o acompanhante desenvolva atividades de cuidado que não lhe competem, em especial aquelas que envolvem cuidados básicos de higiene e alimentação. Com essa condição, não é raro que os pacientes encontrem apoio na relação interpessoal com outros enfermos. Assim, eles formam uma rede social comum, de apoio, para enfrentarem seus problemas e, dessa forma, a vida nesse ambiente tão rígido e fora do seu contexto diário fica mais suportável. O paciente, quando internado, espera que sua estadia nesse local seja para a resolução do seu problema de saúde. O que acontece é que, sem um acolhimento adequado dos profissionais, ele perceberá aquela situação como mais uma agressão que deve ser suportada, pois os outros estão fazendo algo por ele. Desse modo, a hospitalização, como característica forte de um modelo curativista, fica com o seu papel de promoção de saúde completamente alienado. O que percebemos é a discriminação e desmoralização do paciente, impotente em tomar as decisões e, consequentemente, perdedor de alguns direitos de cidadania. Durante esse processo, é como se o paciente estivesse em uma instituição prisional e, quando ele recebe a notícia de alta, há um alívio pela sua liberdade novamente. Como já dito anteriormente, a instituição hospitalar é muito complexa em regras e normas, desde a sua estrutura física até a dependência dos pacientes com os profissionais. O paciente percebe que perdeu a sua individualidade quando ele perde a sua privacidade – mesmo quando em quarto individual, ele não pode ter controle de quem entra e sai –, todos vestem a mesma roupa – com a explicação de que dessa forma o controle do hospital é maior, para garantir a segurança do paciente – e assim ele se despersonaliza. Ele deixa de ser o seu “eu” para ser o número daquele leito. 56 Re vi sã o: C ris tin a - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 14 /0 1/ 20 15 Unidade II Essas condições de despersonalização do paciente, com a justificativa de que precisamos “cuidar dele” ou “ele agora é nossa responsabilidade”, faz com que, desde a sua entrada, ele já perca a sua condição de ser integrante de uma coletividade. Recolhem os seus pertences, inclusive os seus documentos, os seus familiares são afastados, entregam‑lhe uma roupa de caráter de “uniforme” e são esclarecidos os horários que a partir daquele momento serão parte de sua rotina, enquanto presente naquela instituição. 3.2.2 Violência no trabalho Quando abordamos a violência como um risco para a saúde do indivíduo e também do coletivo, a Organização Mundial da Saúde define a violência como: [...] o uso intencional de força física ou de poder, em ameaça ou ato, contra si mesmo, outra pessoa, grupo ou comunidade, que resulte em ou tenha grande probabilidade de causar lesão, agravo psicológico, distúrbios de desenvolvimento ou privação (DAHLBERG, KRUG, 2007). Oliveira e Nunes (2008) relatam que a Organização Internacional do Trabalhoenfoca a violência na condição de fenômeno presente no trabalho, definindo a expressão workplace violence – violência no local de trabalho – como qualquer ação, evento ou comportamento voluntários em consequência dos quais uma pessoa é agredida, ameaçada ou sofre algum dano ou lesão durante a realização do seu trabalho ou como resultado de suas atividades nele. As definições de violência costumam ter uma visão ampliada sobre saúde, quando se consideram as suas consequências dentro dessa área, pois, além dos agravos físicos, também devemos levar em consideração os de caráter moral e psicológico. Quando uma pessoa é alvo de um ato violento, é esperado que ela apresente ou experimente uma reação de estresse agudo, em que ela poderá manifestar sinais de despersonificação, desrealização e obnubilação. A despersonificação, também chamada de despersonalização, é entendida como uma desordem dissociativa, caracterizada por sentimentos de irrealidade, de ruptura com a personalidade, processos de amnésia e apatia. A desrealização é o sentimento de que o ambiente perde “seu colorido”, fica sem vida ou então a sensação de que as pessoas parecem agir em papéis errados. O indivíduo fica em uma experiência de alienação do seu mundo externo. Já a obnubilação é uma alteração da consciência e se caracteriza pela diminuição da sensopercepção e pela lentidão da compreensão e da elaboração das impressões sensoriais. Há também uma lentificação no ritmo e alteração do curso do pensamento, prejuízo da fixação e da evocação da memória, além de algum grau de desorientação e sonolência. A Organização Internacional do Trabalho (apud BATISTA, 2011) ressalta que a violência no trabalho na área da saúde pode comprometer a acessibilidade aos serviços, pela dificuldade na manutenção dos quadros de trabalho. É possível considerar que a violência no trabalho pode levar à diminuição da disponibilidade dos serviços, além do aumento dos custos, principalmente pela dificuldade de contratação e manutenção dos profissionais de saúde em áreas violentas. 57 Re vi sã o: C ris tin a - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 14 /0 1/ 20 15 Políticas de Humanização e atendimento HosPitalar Porém, mesmo quando se consegue a contratação de profissionais, não é raro que haja o aparecimentos dos sintomas anteriormente descritos, pois, para se manterem no serviço, acabam sendo conduzidos por estratégias de defesa e evitação, ocasionando, assim, consequências negativas para suas atividades. A violência pode gerar um ciclo vicioso que retroalimenta o seu sistema, pois os seus efeitos indiretos no trabalho, como o desestímulo e as estratégias de evitação do risco, em prejuízo do atendimento, e a dificuldade de contratação e manutenção dos profissionais levam a um impacto negativo na qualidade da assistência prestada. Isso gera um custo invisível da violência; por outro lado, ainda encontramos a violência causada pela insatisfação dos clientes com a qualidade do serviço prestado. Em relação aos custos causados pela violência, além dos efetivados pelas mortes, as causas mais evidentes são aquelas relativas aos dias de trabalho perdidos e aos gastos com tratamento médico e psicológico. Além disso, há reparos nas instalações e equipamentos, juntamente com os processos judiciais e as indenizações solicitadas pelos trabalhadores. No Brasil, trabalhadores, sindicatos e gestores do setor voltaram a sua atenção para o problema da violência, em especial para os serviços de atenção básica e urgência e emergência. Em alguns serviços, a violência no ambiente laboral, muitas vezes, é percebida pelo profissional como parte do trabalho e, dessa forma, não há uma consciência de que esse problema deva ser resolvido com estratégias individuais ou coletivas. Geralmente, essas situações são as de conflito ou insatisfação do usuário, em que acaba ocorrendo alguma forma de rispidez, insulto ou até mesmo uma pequena ameaça. Em boa parte dos casos, os trabalhadores não envolvem os gestores ou a instituição. O envolvimento direto do gestor e da instituição acaba acontecendo nos casos de violência física ou de ameaças repetitivas. O que deve ser deixado claro é que em qualquer situação, seja menos complexa ou a mais grave, sempre deve haver um posicionamento de um profissional que atue como um mediador daquela situação de conflito. Como já discutido anteriormente, o processo de humanização só acontecerá quando houver escuta qualificada e divisão de responsabilidades. A violência não é uma característica apenas de nossa época. Ela está presente na sociedade em toda a história, em diferentes formas. Entretanto, todo cenário que envolve episódios de violência gerará consequências tanto para a instituição quanto para profissionais e usuários. 3.3 a violência no tempo Na vida contemporânea, é fato que a violência é parte do cotidiano, por meio de sentimentos ambíguos e polarizados, como a atração e a repulsa e o fascínio e o medo. Não é possível identificarmos em que época da humanidade houve o surgimento de movimentos violentos, pois em todos os registros históricos encontramos relatos de violência, seja por condições de sobrevivência, em que o mais “forte” se sobressaía e, nesse caso, encontramos vários exemplos de escravidão, seja por momentos de conflitos de ideais religiosos e políticos, com o surgimento de guerras. Dessa forma, a sociedade sempre se manteve entre o apoio ou a condenação daquele momento histórico. 58 Re vi sã o: C ris tin a - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 14 /0 1/ 20 15 Unidade II A violência sempre fez parte do nosso cotidiano e da imaginação das pessoas, já que esse sentimento nos remete à emoção mais primitiva, que é o instinto. Este sempre será responsável por tentar garantir a nossa integridade, bem como a dos nossos entes queridos. Uma mãe, por exemplo, para a proteção de seu filho será capaz de qualquer ato para a proteção dele, mesmo que isso esteja relacionado a um ato de violência. E, nesse contexto, esse ato poderá ser considerado como justificável. Historicamente a humanidade teve momentos de guerra e de violência explícita, porém, sempre conseguiu articular condições que proporcionassem à vida social períodos de paz. A diversidade também sempre fez parte da história da humanidade, pelas desigualdades sociais. Desse modo, sentimentos de intolerância a respeito de crenças, raças, etnias, gênero, estilos de vida e escolhas levaram a conflitos dentro a sociedade. Portanto, não há como falar de violência sem remeter‑se às condições políticas, sociais e econômicas de uma determinada sociedade. O fortalecimento de uma violência implícita dentro de valores impede o acesso aos serviços de atendimento das necessidades básicas do ser humano, como saúde, educação, trabalho, moradia e segurança. Vamos entender como isso se dá no setor saúde. Registros históricos mostram que o acesso ao serviço de saúde, ou mais especificamente aos profissionais de saúde, era restrito à camada da população que tivesse condições de pagar por ele. Portanto, a classe mais pobre, e também a de maior suscetibilidade ao aparecimento de doenças, ficava sempre à mercê de cuidados de curandeiros e religiosos. Nas guerras, os soldados feridos eram atendidos de forma precária, muitas vezes por outros soldados que tinham apenas um treinamento sobre como dar um primeiro socorro. Mas é muito comum encontrarmos relatos históricos de soldados que foram deixados para trás por não terem condições de sobrevida. Figura 3 – Enfermeiras brasileiras no avião da Força Expedicionária Brasileira (FEB) 59 Re vi sã o: C ris tin a - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 14 /0 1/ 20 15 Políticas de Humanização e atendimento HosPitalar A violênciacitada está presente hoje na falta ou na dificuldade de acesso aos serviços de saúde. Atualmente, temos o desafio de implantar políticas públicas que possam atender a todas as necessidades de uma sociedade, sem que a falta desses serviços alimentem uma produção de atos violentos. E deve ficar claro que esses atos violentos não estão relacionados apenas à forma como o nosso cliente vai ser atendido. A violência estará presente, sim, quando ele não tiver uma estrutura adequada dentro do serviço de saúde que possa suprir todas as suas necessidades e que tenha profissionais qualificados que irão dar assistência, sem que haja a implicação de uma nova complicação para o paciente. No entanto, estaremos também colocando em uma situação de violência o profissional que, sem as condições mínimas de trabalho, sabe que não conseguirá prestar a assistência adequada ao seu cliente, ou pior, não conseguirá dar as mínimas condições de cuidado com dignidade. Ao nos depararmos com uma sala de atendimento em que vários pacientes são atendidos ao mesmo tempo, verificamos um ato de violência, pois não se garante a privacidade do indivíduo. Com a análise desses problemas, educadores, profissionais de saúde e da assistência social começaram a buscar uma compreensão sobre essa violência, e iniciaram‑se discussões sobre a necessidade de estratégias para um enfrentamento. No Brasil, a partir da década de 1980, começaram debates e pesquisas sobre o tema da violência. Após a queda do regime militar, situações extremas de desrespeito à dignidade humana começaram a ser denunciadas e, assim, discutidas de forma a reestruturar as políticas públicas. Começam a surgir então as organizações não governamentais (ONGs) para o desenvolvimento de iniciativas de enfrentamento da violência, em complementação às políticas públicas. Iniciou‑se uma discussão do conceito de cidadania, cuja temática frequente era de como o acesso aos serviços básicos deveria ser livre a todos. Esses projetos, mais frequentes em escolas e comunidades, começam com um plano específico para crianças e jovens, com o objetivo de sedimentar a cultura da paz. 3.4 prevenção e tratamento da violência Os serviços de saúde sempre tiveram a preocupação de como atender as vítimas de violência, desde a condição de preparar o local adequado para esse atendimento até a escolha do destino da pessoa vitimada. A preocupação não se dá apenas no contexto do tratamento, mas também em relação à prevenção da violência. Considerando que o nosso conceito de saúde é ampliado para um completo bem‑estar físico, social, mental, espiritual e ambiental, a preocupação com a atenção à violência deve acontecer a partir das ações de promoção de uma vida saudável. Nesse ponto, é preciso então identificar quais serão as condições de sanidade sem a presença da violência, realizar ações de prevenção que identifiquem as situações críticas às quais a população pode ficar exposta e, assim, tomar medidas para que a violência não ocorra. Quando a situação de violência já estiver instalada, devem‑se verificar quais serão as ações necessárias para o tratamento e para a reabilitação posterior. 60 Re vi sã o: C ris tin a - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 14 /0 1/ 20 15 Unidade II Em 2002, a Organização Mundial da Saúde fez o lançamento do primeiro Relatório Mundial sobre a Violência e Saúde (KRUG et al., 2002), com a proposta de iniciar a Campanha Global para a Prevenção da Violência, cujo objetivo era descrever a situação real da violência no mundo. O relatório identifica que a violência é uma condição de ocorrência multifacetada, e para que a prevenção tenha sucesso, é necessária uma abordagem em quatro níveis: individual, relacional, comunitário e social. A compreensão de que esses níveis precisam estar articulados será o diferencial para que a ação de prevenção tenha sucesso, já que um nível terá influência direta em outro. IndividualRelacionalComunitárioSocial Figura 4 Partindo do princípio de que todos os níveis precisam ser abordados e articulados entre si para a resolutividade da ação, é importante que haja uma direção dessas ações levando em consideração os aspectos de risco individual, de relacionamentos pessoais, de desigualdade social e de gênero, quais os aspectos sociais e culturais daquela determinada coletividade e de que forma acontecerá o monitoramento dos lugares públicos que podem ser identificados como ponto de violência. Para as abordagens individuais, o essencial é que sejam pensados programas educacionais, além dos terapêuticos, e que o desenvolvimento social seja articulado de forma a encorajar mudanças nos hábitos daqueles que já praticaram algum ato de violência. O que se espera dessa abordagem é que o profissional ou o serviço de saúde trabalhe com a situação problema da violência como uma forma de estudar quais foram os fatores que desencadearam aquela situação. Quando dividimos a responsabilidade com a população para a descoberta das causas da violência e da forma como deverão acontecer as ações de resolução desse problema, o processo é muito mais produtivo e efetivo. Com essa corresponsabilidade dividida com a população, é iniciado um processo de conscientização local sobre as causas da violência e sobre como deve ser dado o suporte para as vítimas. Conjuntamente com a capacitação comunitária, é importante que haja um treinamento com as categorias policiais, já que cada região terá a sua particularidade, com aspectos sociais, culturais, políticos e econômicos. Na figura seguinte, conseguimos identificar como a violência é multifacetada e de que forma ela pode ser averiguada. 61 Re vi sã o: C ris tin a - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 14 /0 1/ 20 15 Políticas de Humanização e atendimento HosPitalar Violência Interpessoal ColetivaAutoinfligida Família/parceiro Criança Idoso Conhecido Estranho Comportamento suicida Comunidade Social Política Econômica Parceiro Autoabuso Figura 5 O Relatório Mundial sobre a Violência e Saúde (KRUG et al., 2002) recomenda que haja uma interação entre as organizações governamentais, as organizações não governamentais e as representações comunitárias, para que os nove pontos do relatório, destacados a seguir, sejam seguidos: 1) Criação de um plano nacional para prevenção contra a violência. 2) Aprimoramento da capacidade de coleta de dados sobre a violência. 3) Definição de prioridades na abordagem das causas e consequências da violência e os custos de sua prevenção. 4) Articulação com a atenção básica para o desenvolvimento de programas direcionados para crianças e adolescentes. 5) Fortalecimento da atenção às vítimas da violência, com melhor resposta do setor saúde. 6) Integração das políticas sociais e educacionais e a promoção da igualdade social e de gênero. 7) Maior colaboração na troca de informações entre as agências nacionais e internacionais, governos, pesquisadores e organizações não governamentais, em conjunto com as associações comunitárias. 8) Promoção e monitoramento à adesão dos tratados e às leis para proteção dos direitos humanos. 9) Atenção ao comércio de drogas e armamentos. Essas iniciativas da OMS, em conjunto com esforços da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco) – que coordena atividades para o fomento da Cultura da Paz, que, por sua vez, tem por definição “um conjunto de valores, atitudes, modos de comportamento e formas de vida que rejeitam a violência e previnem conflitos ao lidar com suas causas e resolver problemas pelo diálogo e negociação entre indivíduos, grupos e nações” (NOLETO, 2008, p. 21) –, permitem que a 62 Re vi sã o: C ris tin a - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 14 /01/ 20 15 Unidade II análise dessas estratégias identifiquem esforços e quais são as tendências para o combate à violência, fundamentando e qualificando as atividades a serem desenvolvidas, compreendendo os pontos de divergência e de convergência existentes entre as diretrizes e as políticas executadas em cada país. observação O conceito de cultura de paz foi formulado no Congresso Internacional sobre a Paz nas Mentes dos Homens, realizado na Costa do Marfim, em 1989. A iniciativa está relacionada ao contexto da queda do Muro de Berlim e do desaparecimento das tensões relacionadas à Guerra Fria (UNESCO, 2002 apud NOLETO, 2008, p. 21). 3.5 a violência dentro do contexto do setor da saúde Em 1997, a OMS chamou a atenção dos países membros da Organização das Nações Unidas para que houvesse uma preocupação maior com a necessidade de políticas públicas de saúde sobre uma categoria distinta da morbidade e mortalidade das causas externas. A violência foi então definida como uma das cinco prioridades dos países das Américas. Em 1998, o Ministério da Saúde, no Brasil, criou um grupo de trabalho para que se desenvolvesse uma política no assunto. E então, em 2001, foi publicada a Política Nacional de Redução da Morbimortalidade por Acidentes e Violências, estabelecida pela portaria nº 737/GM, de 16 de maio de 2001. Essa portaria vem estabelecer quais serão as diretrizes e as estratégias para: • a redução da morbimortalidade por violência; • a promoção de adoção de comportamentos e de ambientes seguros e saudáveis; • a monitorização da ocorrência de acidentes e de violências; • a sistematização, a ampliação e a consolidação do atendimento pré‑hospitalar; • a assistência interdisciplinar e intersetorial às vítimas de acidentes e violência; • a estruturação e consolidação do atendimento voltado à recuperação e à reabilitação; • a capacitação dos recursos humanos; • o apoio ao desenvolvimento de estudos e pesquisa. Essa política, com fundamentos baseados na promoção da saúde e na prevenção da recorrência de eventos, tem como base a condição de que será muito mais eficaz um investimento na área de prevenção primária, com menor custo e maior impacto, já que esses eventos são passíveis de serem evitados. 63 Re vi sã o: C ris tin a - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 14 /0 1/ 20 15 Políticas de Humanização e atendimento HosPitalar Para que a implementação das ações preventivas contra a violência seja mais efetiva, o Ministério da Saúde regulamenta mais recentemente duas portarias: • a Portaria nº 936, de 19 de maio de 2004, que dispõe sobre a estruturação da Rede Nacional de Prevenção da Violência e Promoção da Saúde e a Implantação e Implementação de Núcelos de Prevenção à Violência em Estados e Municípios; • a Portaria nº 687, de 30 de março de 2006, que aprova a Política de Promoção da Saúde. Os objetivos da Rede Nacional de Prevenção da Violência e Promoção da Saúde são articular e garantir as ações direcionadas para a prevenção em todos os níveis de gestão nas esferas governamentais, bem como desenvolver condições de pesquisas e avaliação do desenvolvimento desse plano de ação. Já a Política de Promoção da Saúde tem como objetivo principal a sensibilização dos profissionais e dos gestores de saúde, bem como a capacitação desses gestores e dos profissionais que prestarão assistência, para que o encaminhamento da vítima de violência ocorra de forma adequada e com implantação da Ficha de Notificação de Violência Interpessoal e a inserção de serviços sentinela. Tais serviços são aqueles que serão responsáveis pela notificação de um dado evento em uma determinada área, e com essa notificação são desencadeadas ações que buscam identificar as causas e as possíveis consequências do ato de violência. Um aspecto importante a ser abordado sobre essa Política de Promoção da Saúde é a forma como realizar a capacitação e a conscientização dos profissionais dessa área, pois a complexidade ao redor do tema violência irá exigir um grau de maturidade e de reflexão diferenciados. Esses profissionais terão de aprender como resolver conflitos e como ampliar sua condição de diálogo e comunicação, pois o trabalho com violência exigirá acolher essa vítima com solidariedade, tolerância e respeito, para que se aceite, inclusive, a avaliação da própria vítima sobre aquela condição. A Política Nacional de Humanização, com a sua proposta de investir na melhoria da qualidade de atenção oferecida pelo sistema ao nosso usuário, torna‑se essencial a partir do diagnóstico de insatisfação dos usuários, em especial no relacionamento com os trabalhadores. Analisando o conteúdo da Política Nacional de Humanização, percebemos um eixo discursivo contra a violência, seja ela física ou psicológica, que terá como resultado negativo a não satisfação e a não compreensão das necessidades e expectativas do usuário e também do trabalhador. Saiba mais Para complementar a nossa discussão sobre as políticas contra a violência, leia na íntegra o seguinte documento: REVISTA DA SAÚDE. Pacto contra a violência: o SUS e as políticas públicas na promoção da vida e da paz. Fortaleza: Conselho Nacional de Saúde, ano III, nº 3, dez. 2002. Disponível em: <http://conselho.saude.gov. br/biblioteca/revistas/revistacns03.pdf>. Acesso em: 19 nov. 2014. 64 Re vi sã o: C ris tin a - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 14 /0 1/ 20 15 Unidade II 3.6 o custo da violência para o sistema de saúde A violência sempre fez parte da humanidade em todo o mundo e, consequentemente, causou grandes impactos para a sociedade. O número de vidas perdidas anualmente somadas às que sofrem agressões e ficam incapacitadas por conta disso corresponde a milhares. A maior taxa de mortalidade por violência acontece na faixa etária jovem, que corresponde à população em idade economicamente produtiva e, dessa forma, o impacto social e financeiro é maior. O custo da violência deve ser entendido, inicialmente, pelo custo do sofrimento do indivíduo, que é caracterizado como um intangível, que não pode ser calculado. Mas a violência também gera o custo tangível, que será calculado pelo tempo em que o paciente fica afastado de seu ambiente de trabalho; dessa forma, o custo fica com o governo, que paga a sua previdência. Também se calcula o prejuízo pelo tratamento propriamente dito, com uso de medicamentos e consultas médicas, e pelas mudanças dos hábitos de vida da pessoa. Os serviços de saúde recebem pacientes de todas as idades que sofreram as mais variadas formas de violência, em especial as instituições de cuidado público. Por meio desses atendimentos e pela necessidade de identificação das causas da violência, conseguimos constatar que muitas estão embutidas no contexto social, cultural e econômico da sociedade. Algumas pesquisas sugerem que fatores biológicos e individuais explicam uma determinada predisposição para a agressão; tais fatores, quando combinados com características familiares, comunitárias ou culturais, poderão criar situações em que a violência poderá ocorrer. Assim, desde a década de 1980, a área da saúde pública vem identificando a necessidade de compreender as razões dessa violência tão presente, que culmina em tantos atendimentos nas instituições, mas em especial é preciso identificar quais as condições para a prevenção da violência. Calcular a repercussão da violência para a saúde, em todos os seus tipos e em todos os sistemas que são utilizados para esse apoio, é muito difícil, em especial em relação ao impacto econômico‑financeiro na produtividade daquela sociedade. Alguns estudos apontam que as vítimas de violência doméstica e sexual, por apresentarem problemas de saúde crônicos e de grande importância, demandam atendimento especializado, o queaumenta significativamente o custo para o seu tratamento por toda a sua vida, pois ela procurará muito mais vezes os serviços de urgência e atendimentos especializados do que se não houvesse sido vítima desse tipo de violência. Além disso, não é possível contabilizar o impacto do custo com problemas de saúde ligados indiretamente à violência. Não se pode calcular o seu significado na economia global, como no caso de danos causados por uso de álcool e drogas, gravidez indesejada e doenças transmissíveis, em especial as de via sexual. Para a redução de custos com tratamento e reabilitações, o ideal é que aconteçam intervenções da saúde pública, com características nos três níveis de prevenção: • Prevenção primária com abordagens específicas para evitar a violência. São esperadas ações que atuem de forma a não deixar a violência acontecer. 65 Re vi sã o: C ris tin a - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 14 /0 1/ 20 15 Políticas de Humanização e atendimento HosPitalar • Prevenção secundária, em que a abordagem deve ser centrada no atendimento imediato à violência, por exemplo, quando uma mulher é vítima de estupro ela deve ter seu acolhimento e atendimento médico priorizado em relação aos demais. • Prevenção terciária, que são as abordagens que deverão ser executadas com pacientes que ficarão com algum tipo de sequela da violência, física ou psicológica, e que, dessa forma, necessitará de tratamento de reabilitação e de reinserção da sociedade. Esse tipo de assistência terá como objetivo principal reduzir os danos causados pela violência. A preocupação da saúde pública é garantir o bem‑estar da população em todo o mundo, por ser uma condição de carga pesada para a sociedade. As políticas de prevenção à violência objetivam garantir condições seguras e sadias para a população, nos diversos setores. Para a concluir, não podemos esquecer a necessidade do cuidado que todos os profissionais dentro da instituição de saúde precisam ter para que o tratamento a ser dispensado ao paciente não faça com que ele perca os valores mínimos de dignidade e cidadania. 4 política nacional de humanização 4.1 humanização O tema humanização, por ser amplamente enfocado nas grandes áreas de ciências humanas, ciências biológicas, ciências exatas e da terra, engenharias, ciências da saúde, ciências agrárias, ciências sociais aplicadas, linguísticas, dentre outras, tem sido discutido das formas mais variadas possíveis conforme a sua área de conhecimento. A forma diferente de ser abordada em cada área de conhecimento advém dos processos evolutivos de cada indivíduo, dentro dos quais devemos considerar características próprias do seu espaço geográfico, além da sua condição social e cultural do que significa ter humanização. Para isso, o ser humano precisa interagir e adaptar suas capacidades ao meio no qual se encontra, utilizando instrumentos e ferramentas que sirvam de facilitadores para esse processo de interação. Sendo assim, o instrumento mais utilizado para essa interação é a comunicação, essencial para que a mensagem dada pelo emissor seja entendida pelo receptor no tempo correto e na forma apropriada. Porém, o favorecimento dessa ferramenta dependerá de fatores biológicos e humanos para que o processo de transmissão de conhecimento aconteça. E, quando falamos de saúde, precisamos levar em consideração que quem é o detentor da informação ou do conhecimento precisa ter uma comunicação efetiva para que a pessoa que tem a necessidade dessa informação a entenda de forma correta. Podemos pensar que quando a doença é inevitável, todos têm um sentimento comum, que é a vontade de restabelecer sua saúde e isso se relaciona, na maioria dos casos, à necessidade de receber ajuda. Assim, podemos concluir que esse processo pode ser chamado de humanização. 66 Re vi sã o: C ris tin a - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 14 /0 1/ 20 15 Unidade II E, então, precisamos começar com o primeiro questionamento: o que é humanização? Humanização, de acordo com o Dicionário Aurélio, significa “ato ou efeito de humanizar” e humanizar significa: “1. Tornar humano, tornar benévolo, tornar afável, dar a condição de homem. 2. Humanizar‑se. Civilizar” (FERREIRA, 2009). Sendo assim, é possível afirmar que o homem é aquele que se caracteriza pela disposição bondosa de promover a felicidade e prosperidade dos outros ou por generosidade e prazer em praticar boas ações? Podemos afirmar que o fato de ser um indivíduo em evolução e querer sair do egocentrismo e pertencer a algum grupo social torna‑o um ser humano humanizado? Percebemos que há uma necessidade de comunicação para que haja humanização. Portanto, a humanização é um processo de construção gradual, realizada por meio do compartilhamento de conhecimentos e de sentimentos. Nesse contexto, podemos, então, afirmar que a humanização é a condição de transmissão de um conhecimento que favorecerá a condição do outro que está necessitado de ajuda. Cada indivíduo, no que se refere ao cuidado com a saúde, possui necessidades básicas de subsistência que devem ser supridas e diferenças que caracterizam uns e outros; essas diferenças serão compensadas com a comunicação realizada de forma adequada e humanizada. observação Abordar a humanização é analisar a própria evolução humana e enfatizar a ética e o relacionamento interpessoal. Possibilitar a intersecção entre a ética, o respeito, a dignidade e o individualismo entre indivíduos promove a humanização. 4.2 marco teórico Os [...] avanços no campo da saúde pública brasileira [...], ao logo quase duas décadas convivem, de modo contraditório, com problemas de diversas ordens. Se podemos, por um lado, apontar avanços na descentralização e na regionalização da atenção e da gestão da saúde, com ampliação dos níveis de equidade, integralidade e universalidade, por outro, a fragmentação dos processos de trabalho esgarçam as relações entre os diferentes profissionais de saúde e entre estes e os usuários. O trabalho em equipe, assim como o preparo para lidar com a dimensão subjetiva nas práticas de atenção ficam fragilizados. Para a construção de uma política de qualidade do SUS, a humanização deve ser vista como uma das dimensões fundamentais, não podendo ser 67 Re vi sã o: C ris tin a - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 14 /0 1/ 20 15 Políticas de Humanização e atendimento HosPitalar entendida apenas como um “programa” a mais a ser aplicado aos diversos serviços de saúde, mas como uma política que opere transversalmente em toda a rede SUS (BRASIL, 2006b, p. 109). A humanização, como política transversal, supõe necessariamente ultrapassar as fronteiras, muitas vezes rígidas, dos diferentes saberes que se ocupam na produção da saúde. Como política, a humanização deve traduzir princípios e modos de operar no conjunto de ações das relações entre profissionais e usuários, entre os diferentes profissionais e entre as diversas unidades e serviços de saúde. O confronto de ideias, o planejamento, os mecanismos de decisão, as estratégias de implementação e de avaliação e o modo como os processos de decisão se dão devem confluir na construção de trocas solidárias e comprometidas com a produção de saúde. É neste ponto que a humanização se define: aumentar o grau de responsabilidade dos diferentes atores que constituem uma rede de serviços de saúde no cuidado à saúde, e isto implica mudança na cultura da atenção dos usuários e da gestão dos processos de trabalho. Tomar a saúde como valor de uso é ter como padrão, na atenção, o vínculo com os usuários; é garantir os seus direitos e de seus familiares; é estimular a que eles se coloquem como protagonistas do sistema de saúde por meio de suaação de controle social, mas também é ter melhores condições para que os profissionais efetuem seu trabalho de modo digno e criador de novas ações e possam participar como cogestores de seu processo de trabalho. Como dito anteriormente, a humanização supõe troca de saberes (incluindo os dos usuários e de sua rede social), diálogo entre os profissionais e modos de trabalhar em equipe. Precisamos entender que não estamos nos referindo a um conjunto de pessoas reunidas eventualmente para resolver um problema, mas à produção de um grupo que sustente construções coletivas, que suponha mudanças. Tomar a humanização como estratégia de interferência no processo de produção de saúde leva em conta que sujeitos sociais, quando mobilizados, são capazes de transformar realidades, modificando‑se a si próprios nesse mesmo processo. A humanização deve ser uma estratégia para uma rede comprometida com a defesa da vida. Uma rede humanizada deve lidar com a complexidade diferenciada do viver. E nessa rede estão todos os sujeitos, gestores de saúde, trabalhadores e usuários, todos cidadãos. Portanto, a humanização também é um modo de construção permanente de cidadania, no qual o olhar de cada sujeito tem sua especificidade – sua história de vida –, mas é também olhar como um sujeito parte de um coletivo. Humanizar a atenção e a gestão em saúde deve ser uma estratégia inequívoca, que contribui para a qualificação da atenção e da gestão, ou seja, que oferece uma atenção integrada, equânime, com responsabilização e vínculo, para a valorização dos trabalhadores e para o avanço da democratização da gestão e o controle social. 68 Re vi sã o: C ris tin a - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 14 /0 1/ 20 15 Unidade II 4.3 política nacional de humanização A Política Nacional de Humanização (PNH) foi criada em 2003, com o objetivo de pôr em prática os princípios do SUS no cotidiano dos serviços de saúde, produzindo mudanças nos modos de gerir e de cuidar (CARTA..., s.d.). A implantação da PNH é uma tarefa desafiadora, pois leva a condição necessária de mudanças de atitudes por parte de trabalhadores, gestores e usuários, mudando as práticas de gestão e de assistência à saúde para que problemas e desafios da rotina do trabalho possam ser superados (BRASIL, 2010a). Essa política vai estimular a comunicação entre gestores, trabalhadores e usuários para construir processos coletivos de enfrentamento de relações de poder, trabalho e afeto, que muitas vezes produzem atitudes e práticas desumanizadoras que inibem a autonomia e a corresponsabilidade dos profissionais de saúde em seu trabalho e dos usuários no cuidado de si. A PNH é vinculada à Secretaria de Atenção à Saúde do Ministério da Saúde, onde são construídos planos de ação para promover e disseminar inovações no modo de fazer saúde (CARTA..., s.d.). observação A Política Nacional de Humanização também é conhecida como HumanizaSUS. Ela aposta na inclusão dos trabalhadores, usuários e gestores na produção e gestão do cuidado e dos processos de trabalho. De acordo com a Carta de Serviços de Saúde (s.d.), humanizar se traduz, dentro da PNH, como inclusão das diferenças nos processos de gestão e de cuidado. As mudanças são construídas não por uma pessoa ou grupo isolado, mas de forma coletiva e compartilhada. A PNH estimula a produção de novos modos de cuidar e novas formas de organizar o trabalho. Para que haja a inclusão mencionada, é necessário que ocorra discussão com incentivo às redes e movimentos sociais e a gestão de conflitos gerados pela inclusão das diferenças devem ser ferramentas experimentadas nos serviços de saúde. Incluir trabalhadores na gestão é fundamental para que eles, no dia a dia, reinventem seus processos de trabalho e sejam agentes ativos das mudanças no serviço de saúde. Incluir usuários e suas redes sociofamiliares nos processos de cuidado é um poderoso recurso para a ampliação da corresponsabilidade no cuidado de si (CARTA..., s.d.). lembrete Humanizar o SUS requer estratégias que são construídas entre os trabalhadores, usuários e gestores dos serviços de saúde. 69 Re vi sã o: C ris tin a - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 14 /0 1/ 20 15 Políticas de Humanização e atendimento HosPitalar 4.4 princípios da pnh O texto a seguir expõe os princípios da Política Nacional de Humanização e as diretrizes para a implantação do HumanizaSUS. Transversalidade A PNH deve ser presente e deve estar inserida em todas as políticas e programas do SUS. A PNH busca transformar as relações de trabalho a partir da ampliação do grau de contato e da comunicação entre as pessoas e grupos, tirando‑os do isolamento e das relações de poder hierarquizadas. Transversalizar é reconhecer que as diferentes especialidades e práticas de saúde podem conversar com a experiência daquele que é assistido. Apenas com o conjunto esses saberes poderão produzir saúde de forma mais corresponsável. Indissociabilidade entre atenção e gestão As decisões da gestão interferem diretamente na atenção à saúde. Por isso, trabalhadores e usuários devem buscar conhecer como funciona a gestão dos serviços e da rede de saúde, assim como participar ativamente do processo de tomada de decisão nas organizações de saúde e nas ações de saúde coletiva. Ao mesmo tempo, o cuidado e a assistência em saúde não se restringem às responsabilidades da equipe de saúde. O usuário e sua rede sociofamiliar devem também se corresponsabilizar pelo cuidado de si nos tratamentos, assumindo posição protagonista com relação à sua saúde e a daqueles que lhes são caros. Protagonismo, corresponsabilidade e autonomia dos sujeitos e coletivos Qualquer mudança na gestão e atenção é mais concreta e construída com a ampliação da autonomia e vontade das pessoas envolvidas, que compartilham responsabilidades. Os usuários não são só pacientes, os trabalhadores não só cumprem ordens: as mudanças acontecem com o reconhecimento do papel de cada um. Um SUS humanizado reconhece cada pessoa como legítima cidadã de direitos e valoriza e incentiva sua atuação na produção de saúde. [...] Quais as diretrizes para a implementação do HumanizaSUS? A PNH atua a partir de orientações clínicas, éticas e políticas, que se traduzem em determinados arranjos de trabalho. Os conceitos que norteiam as diretrizes da PNH serão apresentados a seguir [...]. Acolhimento [...] Acolher é reconhecer o que o outro traz como legítima e singular necessidade de saúde. O acolhimento deve comparecer e sustentar a relação entre equipes, serviços e 70 Re vi sã o: C ris tin a - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 14 /0 1/ 20 15 Unidade II usuários. Como valor das práticas de saúde, o acolhimento é construído de forma coletiva, a partir da análise dos processos de trabalho e tem como objetivo a construção de relações de confiança, compromisso e vínculo entre as equipes/serviços, trabalhador/equipes e usuário e sua rede socioafetiva. [...] O acolhimento deve acontecer através de uma escuta qualificada oferecida pelos trabalhadores às necessidades do usuário, sendo possível garantir o acesso oportuno desses usuários a tecnologias adequadas às suas necessidades, ampliando a efetividade das práticas de saúde. Isso assegura, por exemplo, que todos sejam atendidos com prioridade a partir da avaliação da vulnerabilidade, gravidade e risco. Gestão participativa e cogestão [...] Cogestão expressa tanto a inclusão de novos sujeitos nos processos de análise e decisão quanto a ampliação das tarefas de gestão – que se transforma também em espaço de realização de análise dos contextos, da política em geral e da saúde em particular, em lugar de formulação e de pactuação de tarefas e de aprendizadocoletivo. [...] A PNH destaca dois grupos de dispositivos de cogestão: aqueles que dizem respeito à organização de um espaço coletivo de gestão, que permita o acordo entre necessidades e interesses de usuários, trabalhadores e gestores; e aqueles que se referem aos mecanismos que garantem a participação ativa de usuários e familiares no cotidiano das unidades de saúde. [...] Ambiência [...] Criar espaços saudáveis, acolhedores e confortáveis, que respeitem a privacidade, propiciem mudanças no processo de trabalho e sejam lugares de encontro entre as pessoas. A ambiência deve ser criada através de discussões compartilhadas do projeto arquitetônico, das reformas e do uso dos espaços de acordo com as necessidades de usuários e trabalhadores de cada serviço, sendo uma orientação que poderá melhorar o trabalho em saúde. Clínica ampliada e compartilhada [...] A clínica ampliada é uma ferramenta teórica e prática cuja finalidade é contribuir para uma abordagem clínica do adoecimento e do sofrimento, que considere a singularidade do sujeito e a complexidade do processo saúde‑doença. Permite o enfrentamento da fragmentação do conhecimento e das ações e seus respectivos danos e eficácia. 71 Re vi sã o: C ris tin a - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 14 /0 1/ 20 15 Políticas de Humanização e atendimento HosPitalar Para a aplicação da clínica ampliada deverão ser utilizados recursos que permitam o enriquecimento dos diagnósticos, por exemplo, a percepção dos afetos produzidos nas relações clínicas, e a qualificação do diálogo – tanto entre os profissionais de saúde envolvidos no tratamento quanto destes com o usuário, de modo a possibilitar decisões compartilhadas e compromissadas com a autonomia e a saúde dos usuários do SUS. Valorização do trabalhador [...] É importante dar visibilidade à experiência dos trabalhadores e incluí‑los na tomada de decisão, apostando na sua capacidade de analisar, definir e qualificar os processos de trabalho. A valorização do trabalhador pode acontecer por meio da implantação de programas específicos, como por exemplo, o Programa de Fortalecimento em Saúde e Trabalho, que torna possível o diálogo, a intervenção e a análise do que causa sofrimento e adoecimento, além de fortalecer o grupo de trabalhadores propiciando acordos de como agir nos serviços de saúde. Também se faz importante assegurar a participação dos trabalhadores nos espaços coletivos de gestão. Defesa dos direitos dos usuários [...] Os usuários de saúde possuem direitos garantidos por lei e os serviços de saúde devem incentivar o conhecimento desses direitos e assegurar que eles sejam cumpridos em todas as fases do cuidado, desde a recepção até a alta. [...] Todo cidadão tem direito a uma equipe que cuide dele, de ser informado sobre sua saúde e também de decidir sobre compartilhar ou não sua dor e alegria com sua rede social. Adaptado de: Carta... (s.d.). 4.5 princípios norteadores da pnh Para que a Política Nacional de Humanização tenha sua implantação e manutenção adequadas, ela deve seguir os seguintes princípios norteadores: • valorização da dimensão subjetiva e social em todas as práticas de atenção e gestão do SUS, fortalecendo o compromisso com os direitos do cidadão, destacando‑se o respeito às questões de gênero, etnia, raça e orientação sexual e às populações específicas (índios, quilombolas, ribeirinhos, assentados etc.); • fortalecimento de trabalho em equipe multiprofissional, fomentando a transversalidade e a grupalidade; • apoio à construção de redes cooperativas, solidárias e comprometidas com a produção de saúde e com a produção de sujeitos; 72 Re vi sã o: C ris tin a - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 14 /0 1/ 20 15 Unidade II • construção de autonomia e protagonismo dos sujeitos e coletivos implicados na rede do SUS; • corresponsabilidade desses sujeitos nos processos de gestão e atenção; • fortalecimento do controle social com caráter participativo em todas as instâncias gestoras do SUS; • compromisso com a democratização das relações de trabalho e valorização dos profissionais de saúde, estimulando processos de educação permanente. Além desses princípios norteadores, há outras características para a implantação da PNH. O texto a seguir as explica em detalhes. Com a implementação da Política Nacional de Humanização da Atenção e da Gestão no SUS, trabalhamos para consolidar quatro marcas específicas: 1. Serão reduzidas as filas e o tempo de espera com ampliação do acesso e atendimento acolhedor e resolutivo baseados em critérios de risco. 2. Todo usuário do SUS saberá quem são os profissionais que cuidam de sua saúde e os serviços de saúde se responsabilizarão por sua referência territorial. 3. As unidades de saúde garantirão as informações ao usuário, o acompanhamento de pessoas de sua rede social (de livre escolha) e os direitos do código dos usuários do SUS. 4. As unidades de saúde garantirão gestão participativa aos seus trabalhadores e usuários, assim como educação permanente para os trabalhadores. Estratégias gerais A implantação da PNH pressupõe a atuação em vários eixos que objetivam a institucionalização, a difusão dessa estratégia e principalmente a apropriação de seus resultados pela sociedade. Os eixos para essa implantação são os seguintes: 1. No eixo das instituições do SUS, pretende‑se que a PNH faça parte do Plano Nacional, dos Planos Estaduais e Municipais dos vários governos, sendo pactuada na agenda de saúde pelos gestores e pelo Conselho de Saúde correspondente. 2. No eixo da gestão do trabalho, propõe‑se a promoção de ações que assegurem a participação dos trabalhadores nos processos de discussão e decisão, fortalecendo e valorizando os trabalhadores, sua motivação, o autodesenvolvimento e o crescimento profissional. 73 Re vi sã o: C ris tin a - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 14 /0 1/ 20 15 Políticas de Humanização e atendimento HosPitalar 3. No eixo do financiamento, propõe‑se a integração de recursos vinculados a programas específicos de humanização e outros recursos de subsídio à atenção, unificando‑os e repassando‑os fundo a fundo mediante o compromisso dos gestores com a PNH. 4. No eixo da atenção, propõe‑se uma política incentivadora do protagonismo dos sujeitos e da ampliação da atenção integral à saúde, promovendo a intersetorialidade. 5. No eixo da educação permanente, indica‑se que a PNH componha o conteúdo profissionalizante na graduação, pós‑graduação e extensão em saúde, vinculando‑a aos Polos de Educação Permanente e às instituições de formação. 6. No eixo da informação/comunicação, indica‑se por meio de ação de mídia e discurso social amplo a inclusão da PNH no debate da saúde. 7. No eixo da gestão da PNH, indica‑se o acompanhamento e avaliação sistemáticos das ações realizadas, estimulando a pesquisa relacionada às necessidades do SUS na perspectiva da humanização. Para a continuidade da implantação ainda é preciso apresentar as diretrizes gerais, que são: 1. Ampliar o diálogo entre os profissionais, entre os profissionais e a população, entre os profissionais e a administração, promovendo gestão participativa. 2. Implantar, estimular e fortalecer Grupos de Trabalho de Humanização com plano de trabalho definitivo. 3. Estimular práticas resolutivas, racionalizar e adequar o uso de medicamentos, eliminando ações intervencionistas desnecessárias. 4. Reforçar o conceito de clínica ampliada: compromisso com o sujeito e o seu coletivo, estímulo a diferentes práticas terapêuticas e corresponsabilidade de gestores, trabalhadores e usuários no processo de produção de saúde. 5. Sensibilizar as equipes de saúde ao problema daviolência intrafamiliar (criança, mulher e idoso) e à questão dos preconceitos (sexual, racial, religioso e outros) na hora da recepção e dos encaminhamentos; 6. Adequar os serviços ao ambiente e à cultura local, respeitando a privacidade e promovendo a ambiência acolhedora e confortável. 7. Viabilizar a participação dos trabalhadores nas unidades de saúde através de colegiados gestores. 8. Implementar sistema de comunicação e informação que promova o autodesenvolvimento e amplie o compromisso social dos trabalhadores de saúde. 74 Re vi sã o: C ris tin a - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 14 /0 1/ 20 15 Unidade II 9. Promover ações de incentivo e valorização da jornada integral ao SUS, do trabalho em equipe e da participação em processos de educação permanente que qualifiquem sua ação e sua inserção na rede SUS. Parâmetros para acompanhamento da implantação da PNH Atenção básica • Elaboração de projetos de saúde individuais e coletivos para usuários e sua rede social, considerando as políticas intersetoriais e as necessidades de saúde. • Incentivo às práticas promocionais da saúde. • Formas de acolhimento e inclusão do usuário que promovam a otimização dos serviços, o fim das filas, a hierarquização de riscos e o acesso aos demais níveis do sistema efetivadas. Na urgência e emergência • Demanda acolhida através de critérios de avaliação de risco, garantido o acesso referenciado aos demais níveis da assistência. • Garantida a referência e contrarreferência, resolução da urgência e emergência, provido o acesso à estrutura hospitalar e a transferência segura conforme a necessidade dos usuários. • Definição de protocolos clínicos, garantindo a eliminação de intervenções desnecessárias e respeitando a individualidade do sujeito. Adaptado de: Brasil (2006b, p. 109‑111). Na atenção especializada Em relação à atenção especializada, podemos destacar as seguintes características relativas à PNH: • Garantia de agenda extraordinária em função da análise de risco e das necessidades do usuário. • Critérios de acesso: identificados de forma pública, incluídos na rede assistencial, com efetivação de protocolos de referência e contrarreferência. • Otimização do atendimento ao usuário, articulando a agenda multiprofissional em ações diagnósticas, terapêuticas que impliquem diferentes saberes e práticas de reabilitação. • Definição de protocolos clínicos, garantindo a eliminação de intervenções desnecessárias e respeitando a individualidade do sujeito. 75 Re vi sã o: C ris tin a - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 14 /0 1/ 20 15 Políticas de Humanização e atendimento HosPitalar Na atenção hospitalar Nesse âmbito, são propostos dois níveis de referência – B e A – como padrões para adesão à PNH. Parâmetros para o nível B • Existência de Grupos de Trabalho de Humanização (GTH) com plano de trabalho definido. • Garantia de visita aberta, por meio da presença do acompanhante e de sua rede social, respeitando a dinâmica de cada unidade hospitalar e peculiaridades das necessidades do acompanhante. • Mecanismos de recepção com acolhimento aos usuários. • Mecanismos de escuta para a população e trabalhadores. • Equipe multiprofissional (minimamente médico e enfermeiro) de atenção à saúde para seguimento dos pacientes internados e com horário pactuado para atendimento à família e/ou sua rede social. • Existência de mecanismos de desospitalização, buscando alternativas às práticas hospitalares, como as de cuidados domiciliares. • Garantia de continuidade de assistência com sistema de refêrencia e contrarreferência. Parâmetros para o nível A • Grupo de Trabalho de Humanização (GTH) com plano de trabalho implantado. • Garantia de visita aberta, por meio da presença do acompanhante e de sua rede social, respeitando a dinâmica de cada unidade hospitalar e peculiaridades das necessidades do acompanhante. • Ouvidoria funcionando. • Equipe multiprofissional (minimamente com médico e enfermeiro) de atenção à saúde para seguimento dos pacientes internados e com horário pactuado para atendimento à família e/ou sua rede social. • Existência de mecanismos de desospitalização, buscando alternativas às práticas hospitalares, como as de cuidados domiciliares. • Garantia de continuidade de assistência com sistema de referência e contrarreferência. • Conselho Gestor Local, com funcionamento adequado. 76 Re vi sã o: C ris tin a - Di ag ra m aç ão : M ár ci o - 14 /0 1/ 20 15 Unidade II • Existência de acolhimento com avaliação de risco nas áreas de acesso (pronto‑atendimento, pronto‑socorro, ambulatório, serviço de diagnóstico e terapia). • Plano de educação permanente para trabalhadores com temas de humanização em implementação. Fonte: Brasil (s.d., p. 11‑12). 4.6 marcos legislativos da pnh A Política Nacional de Humanização não possui portarias que a regulamentem ou a normatizem, porém, seus princípios, diretrizes e dispositivos encontram‑se nas legislações das demais políticas, áreas técnicas e departamentos, como o apresentado no quadro seguinte: Quadro 3 – Legislações que referem princípios, diretrizes e dispositivos da PNH Portaria nº 4.279, de 30 de dezembro de 2010 Estabelece diretrizes para a organização da rede de atenção à Saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). I – Fortalecer a APS para realizar a coordenação do cuidado e ordenar a organização da rede de atenção Estratégicas: • Incentivar a organização da porta de entrada, incluindo acolhimento e humanização do atendimento. • Ampliar o financiamento e os investimentos em infraestrutura das unidades de saúde para melhorar a ambiência dos locais de trabalho. Decreto nº 7.508 de 28 de junho de 2011 (Federal) Regulamenta a Lei nº 8,080 de 19 de setembro de 1990, para dispor sobre a organização do Sistema Único de Saúde – SUS, o planejamento da saúde, a assistência à saúde e a articulação interfederativa, e dá outras providências. Art. 38º A humanização do atendimento do usuário será fator determinante para o estabelecimento das metas de saúde previstas no Contrato Organizativo de Ação Pública de Saúde. Portaria nº 3.088, de 23 de dezembro de 2011 Institui a Rede de Atenção Psicossocial para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Art. 2º Constituem‑se diretrizes para o funcionamento da rede de Atenção Psicossocial: V – atenção humanizada e centrada nas necessidades das pessoas. Portaria nº 1.459, de 24 de junho de 2011 Institui no âmbito do Sistema Único de Saúde – SUS – a Rede Cegonha Art. 1º A Rede Cegonha, instituída no âmbito do Sistema Único de Saúde, consiste numa rede de cuidados que visa assegurar à mulher o direito ao planejamento reprodutivo e à atenção humanizada à gravidez, ao parto e ao puerpério, bem como à criança o direito ao nascimento seguro e ao crescimento e ao desenvolvimento saudáveis, denominada Rede Cegonha. Art. 7º Cada componente compreende uma série de ações de atenção à saúde, nos seguintes termos: II – Componente parto e nascimento: g) estímulo à implementação de Colegiado Gestor nas maternidades e outros dispositivos de cogestão tratados na Política Nacional de Humanização. Portaria nº 121, de 25 de janeiro de 2012 Institui a Unidade de Acolhimentos para pessoas com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas (Unidades de Acolhimentos), no componente de atenção residencial de caráter transitório da Rede de Atenção Psicossocial. Parágrafo único. O Projeto Terapêutico Singular será formulado no âmbito da Unidade de Acolhimento com a participação do Centro
Compartilhar