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Tecnologia de Produtos de Origem Animal Responsável pelo Conteúdo: Prof. Dr. Claudio Eduardo dos Santos Cruxen Revisão Técnica: Prof. Dr. Denis Clay Revisão Textual: Prof. Me. Luciano Vieira Francisco Métodos de Conservação de Alimentos Métodos de Conservação de Alimentos • Conhecer os principais métodos e embalagens que contribuam para a conservação dos alimentos de origem animal. OBJETIVO DE APRENDIZADO • Conservação de Alimentos; • Refrigeração; • Congelamento; • Emprego de Calor; • Desidratação; • Fermentação; • Cura; • Defumação; • Embalagens; • Tendências e Inovações. UNIDADE Métodos de Conservação de Alimentos Conservação de Alimentos A conservação de alimentos visa controlar as alterações indesejáveis, possibilitando uma maior vida útil com manutenção das características nutricionais. Os alimentos de origem animal com destaque para as carnes, leite e pescado apresentam elevada atividade de água, potencial Hidrogeniônico (pH) moderadamente ácido, possuem ácidos graxos insaturados e não contêm barreiras físicas com exceção dos ovos. Desta forma, esses ali- mentos são mais suscetíveis à deterioração microbiológica, enzimática e oxidativa. O mel é um caso particular, pois apresenta pH ácido, baixa atividade de água, o que praticamente impossibilita o desenvolvimento de microrganismos. Além disso, apresen- ta um conteúdo lipídico muito restrito; assim, o mel juntamente com os ovos são alimen- tos de origem animal bastante estáveis a deteriorações. A seguir, serão apresentados os principais métodos de conservação de alimentos empregados pela indústria de alimentos. Refrigeração A refrigeração é um método bastante conhecido e amplamente empregado para re- duzir a deterioração nos alimentos de origem animal. O uso do frio oferece uma série de vantagens, como o prolongamento da vida útil dos alimentos, mínimas alterações sen- soriais e nutricionais e versatilidade, pois permite resfriar produtos sólidos de diferentes tamanhos e espessuras, bem como produtos líquidos. A aplicação do frio em carnes, leite e em pescados visa basicamente inibir ou reduzir a multiplicação de microrganismos deteriorantes, impedindo, assim, a produção de me- tabólitos que deteriorarão os alimentos. Além disso, as reações químicas enzimáticas e não enzimáticas também são reduzi- das como, por exemplo, as reações com o oxigênio ambiental. Contudo, é praticamente impossível reduzir os processos de oxidação em sua totalidade, a não ser que a refrige- ração seja associada a outros métodos de conservação, como a atmosfera modificada, onde evita-se por completo o contato com o oxigênio. A refrigeração de carnes bovinas, suínas e de aves inicia-se no frigorífico. Em bovi- nos, o resfriamento da carcaça ocorre imediatamente após a sua lavagem, sendo essas encaminhadas para as câmaras frigoríficas com temperaturas de –1 a 2° C até atingirem 4° C em seu interior. O tempo necessário para que a carcaça atinja o completo resfria- mento variará de acordo com o seu tamanho e espessura da camada de gordura subcu- tânea (isolante térmico). Em bovinos, normalmente a temperatura de 4° C é atingida em 24h na parte do dianteiro, sendo necessário um tempo maior para o traseiro da carcaça. Pode-se dizer, de maneira geral, que quanto mais rápido houver a redução de temperatura menor serão as populações microbianas presentes nas carcaças e menor serão as perdas por desidratação. Contudo, o emprego de temperaturas mais baixas pode implicar negativamente na qualidade da carne, ocasionando o 8 9 processo de encurtamento pelo frio (cold shortning), produzindo carnes mais duras e exsudativas. Esse processo ocorre principalmente em bovinos, quando a carcaça atinge temperaturas internas inferiores a 10° C antes de instalado o rigor mortis (DAMODARAN; PARKIN, 2019). Em frangos o resfriamento ocorre em duas etapas, a primeira é conhecida como pré- -chiller e que consiste no processo de rebaixamento da temperatura imediatamente após as etapas de evisceração e lavagem, realizado normalmente em um sistema de imersão com água a 16° C por um período não superior a 30 minutos. Após, ocorre o processo de chiller, onde as carcaças são imersas em água na temperatura de 2 a 4° C, sendo que a temperatura interna das carcaças na saída do chiller não deve exceder a 7° C. A etapa de gotejamento ocorre imediatamente após o chiller, pois as carcaças não podem adquirir mais de 8% de água em relação ao seu peso. Já em pescados a refrigeração inicia imediatamente após a captura, sendo essa uma etapa crítica para a sua qualidade. O ideal é manter o pescado o mais próximo de 0° C possível, isso retarda as degradações microbianas e enzimáticas. O resfriamento ocor- re pela adição de gelo em escamas (produzido a partir de água potável), pois pedaços maiores podem causar danos físicos. Além disso, é importante colocar quantidades de gelo suficientes e bem distribuídas de modo a cobrir integralmente o pescado. A comer- cialização do pescado fresco deve ocorrer a 0° C para evitar a sua deterioração precoce (ORDÓÑEZ, 2005). No leite, emprega-se a refrigeração já na propriedade rural, imediatamente após a or- denha dos animais. O ideal é que o leite cru atinja 4° C em até três horas após a ordenha, para isso são utilizados tanques de expansão em aço inoxidável com pás internas que servem para homogeneizar a temperatura do leite. O resfriamento imediato é importante, pois evita a multiplicação de microrganismos como as Bactérias Ácido-Láticas (BAL) e ou- tros microrganismos produtores de proteases e lipases que são capazes de causar deterio- ração desse alimento. Desta forma, o leite cru precisa estar refrigerado até a sua chegada na indústria, onde será analisado e receberá tratamento térmico adequado. Congelamento O congelamento é um método de conservação com os mesmos princípios do res- friamento, contudo, é mais eficiente para inibir a multiplicação de microrganismos e as reações enzimáticas. O congelamento aplicado as carnes deve ser rápido para que se reduza as alterações sensoriais após o descongelamento. No congelamento rápido, ocorre a formação de um grande número de pequenos cristais de gelo dentro e fora da fibra, os quais causam me- nores perdas exsudativas após o descongelamento. Por outro lado, se o congelamento for lento haverá a formação de maiores cristais de gelo extracelulares, reduzindo a ca- pacidade de retenção de água da carne, portanto, com maiores perdas exsudativas. No congelamento do pescado, aplicam-se esses mesmos conceitos que envolvem velocidade de congelamento, tamanho dos cristais de gelo, liberação de exsudatos e qualidade do produto (ORDÓÑEZ, 2005). 9 UNIDADE Métodos de Conservação de Alimentos É importante frisar que as carcaças, principalmente a bovina, destinadas ao congela- mento devem obrigatoriamente passar pela refrigeração, pois seu congelamento antes de completar o rigor mortis causará o fenômeno chamado de rigor do descongelamento , onde a carne será mais dura e seca (DAMODARAN; PARKIN, 2019). Existem vários métodos de congelamento da carne, contudo, a escolha do método deve considerar o tamanho e a forma com que se encontram as peças, se desossadas ou não. O congelamento em placas é utilizado para retalhos delgados de 25 a 100 mm de espessura, onde são colocados diretamente em contato com as placas a –35° C. Já o congelamento por circulação de ar frio é o mais empregado na indústria onde a transfe- rência de calor ocorre por convecção. Neste método, são empregadas temperaturas de –25 a –30° C com circulação de ar elevada em torno de 5 a 6 m/s, pois o coeficiente de transferência de calor aumenta quando aumenta-se a circulação de ar. É importante que as carnes estejam recobertas por envoltórios plásticos, caso contrário a circulação de ar deverá ser reduzida para evitar dessecação superficial (ORDÓÑEZ, 2005). O tempo em que a carne pode permanecer congelada varia conforme a espécie e temperatura de armazenamento,sendo que quanto menor a temperatura, maior poderá ser o tempo de armazenamento. Os suínos normalmente apresentam menor tempo de armazenamento congelado, pois possuem maior concentração de ácidos graxos insatu- rados (ORDÓÑEZ, 2005). O processo de descongelamento de carnes deve ser realizado preferencialmente em temperaturas de refrigeração, pois, desta forma, a reabsorção de água pelas proteínas será mais completa. O congelamento também se aplica aos derivados do ovo logo após os processos de lavagem, descascamento e pasteurização para aumentar a sua conservação, podendo ser empregado ao ovo inteiro ou à gema e clara separadamente. Para isso, são utilizados congeladores de placas com temperaturas de –23 a –25° C, permitindo armazenamento por até 10 meses a temperatura de –15 a –18° C (ORDÓÑEZ, 2005). Em Síntese A conservação de alimentos por refrigeração e congelamento não visam buscar melho- rias na qualidade da matéria-prima, mas reduzir suas alterações de ordem microbioló- gicas, químicas e enzimáticas. Outro ponto importante é que nesses processos, os microrganismos não são destruídos, apenas têm as suas atividades metabólicas reduzidas, sendo o congelamento mais efi- ciente para essa finalidade. Emprego de Calor A conservação pelo emprego de calor, diferentemente da refrigeração e do con- gelamento, visa à eliminação de microrganismos deteriorantes e patogênicos. O leite, sem dúvida, é o principal exemplo de produto de origem animal que sofre tratamento térmico para sua conservação, mas outros produtos como derivados de ovos, conservas de produtos cárneos e de pescado também são submetidos a tratamentos térmicos. 10 11 Pasteurização O leite pode sofrer tratamento térmico de pasteurização ou ultrapasteurização co- nhecido como leite UHT, proveniente da expressão em inglês Ultra-High-Temperature. Os tratamentos térmicos empregados no leite consideram um binômio de tempo e tem- peratura, sendo que quanto maior a temperatura empregada menor será o tempo do processo. A pasteurização é suficiente para eliminar toda a microbiota patogênica pre- sente no leite e reduzir significativamente a microbiota deteriorante. Os microrganismos patogênicos mais resistentes ao tratamento térmico que podem estar presentes no leite são a Coxiella burnetti e a Listeria monocytogenes; assim, o emprego do binômio tempo e temperatura deve garantir a eliminação desses patógenos e consequentemente de todos os outros que possam estar presentes. Além disso, a pas- teurização é capaz de inativar enzimas como a fosfatase alcalina, que deve estar ausente em qualquer um dos processos de pasteurização. Pasteurização Lenta Este processo normalmente é utilizado para pequenos volumes de leite que se desti- nam à produção de queijos em agroindústrias, onde é empregado temperatura de 65° C por 30 minutos. Como vimos, esse processo garante a segurança microbiológica da matéria-prima, de modo que a produção de queijo se torna mais segura do ponto de vista microbiológico. Pasteurização Rápida É um processo amplamente utilizado em escala industrial, onde é preciso processar maiores volumes de leite. Neste processo, utilizam-se temperaturas de 72 a 76° C por 15 a 20 segundos em pasteurizadores de placas. Pasteurizador de placas para leite com capacidade de 5.000 L/hora: https://bit.ly/36CzO6O Os microrganismos termodúricos são capazes de sobreviver à pasteurização como, por exemplo, algumas bactérias esporuladas e algumas bactérias termofílicas não es- poruladas. Desta forma, esses microrganismos podem causar alterações no leite após alguns dias de armazenamento, principalmente quando ocorrer falhas na cadeia do frio. Por essa razão, o leite, após passar pelo processo de pasteurização, sofre imediato resfriamento e é envasado em circuito fechado. A estocagem do leite pasteurizado em câmara de expedição deve ser a 4° C para posterior distribuição a, no máximo, 7° C. O leite pasteurizado tem vida útil de poucos dias e necessita estar sempre refrigerado, pois, como vimos, o processo de pasteurização não elimina todos os microrganismos. O leite pasteurizado, portanto, é um exemplo de alimento que necessita da associação de dois métodos de conservação, tratamento térmico e refrigeração. Ultrapasteurização A ultrapasteurização, doravante chamado de processo UHT, visa à destruição de microrganismos mais termorresistentes, isto é, as formas esporuladas das bactérias. 11 UNIDADE Métodos de Conservação de Alimentos Esse fato faz com que o leite submetido ao processo UHT possua estabilidade mi- crobiológica, sendo possível armazená-lo em temperatura ambiente. Neste proces- so, aplicam-se temperaturas entre 140 e 150° C por 2 a 4 segundos, seguido de imediato resfriamento para ser envasado em condições assépticas em embalagens esterilizadas, hermeticamente fechadas. Nesse tipo de leite é permitida a adição de estabilizantes como citrato de sódio. Outros Tratamentos Térmicos Algumas conservas de carne e de pescado são enlatadas e submetidas a tratamen- to térmico denominado apertização para aumentar a sua conservação. O tratamento térmico é aplicado depois que as latas são fechadas, visando à esterilidade comercial e, desta forma, podem ser armazenadas em temperatura ambiente como, por exemplo, as latas de sardinha e de atum. A produção de conserva de produtos cárneos normalmente envolve partes da carcaça que possuem baixo valor econômico. As salsichas enlatadas são exemplos de conservas que passaram pelo processo de apertização. Os equipamen- tos normalmente envolvidos nesse processo são as autoclaves de batelada horizontal e vertical e autoclaves contínuas. Em produtos de origem vegetal também se utiliza a apertização como, por exemplo, em conservas de pêssego. Outros processos com emprego de calor também são aplicados aos vegetais, tais como a tindalização e o branqueamento, sendo este último o mais importante. Em Síntese O emprego do calor permite a eliminação de parte ou de toda a população microbiana presente em alimentos. Quando se atinge a esterilização comercial é possível armazenar os alimentos em temperatura ambiente. Desidratação Desidratação é um método de conservação de alimentos muito empregado em que o princípio da conservação está pautado na remoção da água. Assim, os microrganismos, em geral, não conseguem se desenvolver e as reações químicas são reduzidas, princi- palmente as enzimáticas que precisam de água para acontecer. A desidratação, além de promover maior conservação pela remoção da água, reduz o volume do alimento, o que atribui vantagem econômica no que se refere ao transporte e armazenamento. Vários métodos podem ser empregados com o intuito de promover a desidratação dos alimentos, contudo, aqui serão enfatizados os métodos amplamente utilizados em produtos de origem animal, tais como a atomização ou spray dryer, desidratação por condução e a adição de agente osmótico. A liofilização é um método importante de conservação de alimentos por desidratação, o qual emprega temperaturas de congela- mento e pressão. Contudo, é um processo lento e caro, o que dificulta sua utilização em produtos de origem animal. Porém, as bactérias que são utilizadas em processos fermentativos de carnes e lácteos são adquiridas comercialmente liofilizadas. 12 13 Atomização O processo de atomização ou spray dryer é uma operação unitária empregada em produtos líquidos como o leite, onde o líquido é pulverizado (partículas muito pequenas) de encontro com um fluxo de ar aquecido que promove a evaporação da água, gerando um pó contendo os sólidos solúveis. Desta forma, é possível a obtenção do leite em pó que pode ser armazenado em temperatura ambiente por meses. Quando o leite em pó for produzido a partir do leite desnatado, a sua conservação poderá ocorrer por mais de ano. Assista a uma reportagem sobre o processo de atomização, onde é possível verificar o equi- pamento funcionando na prática. Disponível em: https://youtu.be/7n9jjSLZmDUA atomização também pode ser empregada em ovos líquidos integrais ou na gema e na clara separadamente, com isso podem ser conservados em temperatura ambiente por meses. Os ovos desidratados são utilizados na fabricação de biscoitos, bolos, massas, entre outros produtos. Produto comercial contendo ovo integral desidratado: https://bit.ly/3krNNBh Desidratação por Condução Neste processo há o emprego direto de calor em equipamentos com alta condutividade térmica, tal como o aço inox. A desidratação por condução é empregada na produção de doce de leite, onde eleva-se a temperatura fazendo com que a água evapore parcialmente, reduzindo a atividade de água do produto. Durante esse processo os microrganismos são eliminados em função da temperatura empregada e posteriormente o produto é envasado em condições assépticas em embalagens esterilizadas e hermeticamente fechadas. O doce de leite normalmente é envasado em embalagens de vidro, podendo ser utilizado embala- gens plásticas e seu armazenamento ocorre em temperatura ambiente. Adição de Agente Osmótico A desidratação por adição de agente osmótico é muito antiga, quando não existiam os processos de conservação pela cadeia do frio as carnes eram salgadas para aumentar a sua vida útil. O princípio da desidratação por adição de sal está pautado no aumento da pressão osmótica pela indução de um meio hipertônico. Como na osmose quem se movimenta é a água, ocorre liberação da água das fi- bras musculares (meio hipotônico) para o meio externo (meio hipertônico), causando a desidratação do alimento. Desta forma, a atividade de água é consideravelmente redu- zida, não sendo possível a multiplicação de microrganismos e a atuação de enzimas. Já as reações de oxidações lipídicas podem ocorrer, em especial, em carnes com maior concentração lipídica. 13 UNIDADE Métodos de Conservação de Alimentos A desidratação por salga também se aplica em peixes, sendo que peixes menores po- dem ser salgados inteiros, contudo, os maiores devem ser abertos ou filetados para que o sal penetre melhor e de maneira mais uniforme, desidratando de forma homogênea. Peixes mais gordos devem sofrer salga úmida, preferencialmente, onde ficam imersos em salmouras, evitando, assim, o contato com o oxigênio para inibir a rancificação oxidativa. Fermentação A conservação por fermentação é muito antiga, onde possivelmente os alimentos sofriam fermentação espontânea, o que contribuía para conservá-los. A carne é um exemplo de produto fermentado de forma muito primitiva, desde períodos da Antiguida- de, onde era picada, misturada ao sal e a ervas aromáticas para ser embutida em tripas do intestino de animais. As bactérias presentes na carne e nos demais ingredientes eram responsáveis pela fermentação, que consiste na produção de ácidos orgânicos e outros metabolitos, os quais possuem efeito antagonista contra microrganismos deteriorantes e patogênicos. A acidificação dos embutidos faz com que a capacidade de retenção de água das proteínas miofibrilares seja reduzida, facilitando a liberação de água para o meio exter- no. Assim, os produtos cárneos fermentados, além de acidificados, apresentam valores reduzidos de atividade de água em comparação às carnes in natura. A soma desses fato- res controla muito bem o desenvolvimento de microrganismos deteriorantes, atribuindo maior vida útil aos produtos cárneos fermentados sem a necessidade de tratamentos térmicos ou de emprego da cadeia do frio. Atualmente, embutidos cárneos fermentados são produzidos com culturas iniciadoras disponíveis comercialmente e que consistem em bactérias isoladas de produtos fermen- tados, caracterizadas e identificadas, que apresentem potencial tecnológico, segurança microbiológica e toxicológica. Assim, a indústria consegue assegurar maior padronização nos produtos por adicionar exatamente as mesmas bactérias nas mesmas concentrações. As culturas iniciadoras comerciais para salame normalmente possuem espécies de BAL como Pediococcus pentosaceus ou Lactobacillus plantarum e espécies de Estafilococos Coagulase Negativa (ECN) como Staphylococcus xylosus ou S. carnosus. Basicamente, pode-se dizer que as espécies de BAL são responsáveis pela acidificação, enquanto as espécies de ECN são responsáveis pela formação da cor e do aroma. A fermentação também ocorre em produtos lácteos como os leites fermentados, alguns tipos de queijos e em manteigas fermentadas. Para cada produto lácteo que se deseja fermentar existem as culturas iniciadoras disponíveis comercialmente. A con- servação ocorre pela produção de ácido lático, que reduz o pH do produto, inibindo o desenvolvimento de microrganismos deteriorantes. É importante destacar que para a produção desses produtos lácteos é obrigatório utilizar leite pasteurizado ou ultrapasteurizado. Os produtos lácteos fermentados, dife- rentemente dos embutidos cárneos fermentados, não apresentam redução significativa 14 15 na atividade de água, portanto, é necessário mantê-los sob refrigeração para reduzir o metabolismo dos microrganismos presentes, interrompendo a fermentação e mantendo a estabilidade dos produtos por maior período. Cura Os nitratos (NO3 –) e nitritos (NO2 –) de sódio ou de potássio possuem a função de conservantes alimentares e são os responsáveis pela reação de cura juntamente com o cloreto de sódio (NaCl). Os processos de cura podem ser rápidos, entre horas ou poucos dias, tal como ocorre na produção de linguiças frescais, bacon e presunto cozido; ou lentos, com duração de semanas, tal como ocorre em salames e copas. Os nitratos não desempenham funções importantes nos alimentos, mas servem de fontes para a formação de nitritos. Já os nitritos são antimicrobianos com potencial para inibir microrganismos patogênicos como o Clostridium botulinum e microrganismos deteriorantes. Além disso, quando o nitrito é reduzido a óxido nítrico (NO), este último reage com a mioglobina da carne, formando a nitrosomioglobina, que atribui coloração típica de produtos curados. Normalmente, o nitrato só está presente na composição dos sais de cura para processos lentos, para que ocorra a liberação gradual e prolongada de nitrito ao longo dos dias. Os sais de cura para salame, por exemplo, contêm uma mistura de nitrato e nitrito, diluídos em clo- reto de sódio. A adição máxima de nitrito e nitrato é de 150 e 300 mg/kg, respectivamente. Como ocorre a redução de nitrato a nitrito em embutidos cárneos? Pela atividade da enzima nitrato redutase produzida pelos microrganismos que participam do processo de fermentação. Assim, ao longo do processo de fermentação ocorrerá a formação de nitrito que, como vimos, possui ação antimicrobiana. O nitrito em meio ácido é redu- zido a óxido nítrico, que é fundamental para a formação da cor dos produtos curados (coloração rósea). Por outro lado, em processos rápidos de cura não se costuma utilizar nitratos, pois não há concentração suficiente de bactérias nitrato redutoras nem tempo suficiente para que ocorra essa redução. Assim, apenas o nitrito é disponibilizado para atuar como an- timicrobiano. A cor característica de produto curado (formação nitrosomioglobina) em processo de cura rápido é favorecida pela adição de um acidulante como o ácido cítrico ou ácido ascórbico juntamente com o eritorbato de sódio. A cura pode ser a seco, por injeção de salmoura ou por imersão dos produtos em sal- moura. Na cura a seco, como ocorre em salames, os sais de cura são adicionados direta- mente à massa cárnea, onde é necessário assegurar uma correta homogeneização dos sais de cura no produto. Já na fabricação de presunto cozido o processo de cura ocorre pela injeção de salmoura contendo os sais de cura. Para isso utiliza-se um sistema de agulhas (injetor multiagulhas) onde a salmoura é diretamente introduzida nos tecidos musculares. 15 UNIDADE Métodos de Conservação de Alimentos Existe também a cura por imersão em salmoura, que ocorre com frequência para a produção de bacon.Neste caso, a porção abdominal (parte ventral) dos suínos costuma ser imergida ou banhada por uma salmoura contendo os sais de cura. O processo de cura do bacon pode ocorrer também por injeção da mesma forma como é realizado no presunto cozido. Defumação A defumação é um processo muito utilizado em diversos produtos cárneos que além de atribuir características sensoriais únicas, pode atribuir efeito antioxidante e antimi- crobiano aos produtos defumados, aumentando a sua vida de prateleira. Nos produtos defumados, ocorre a incorporação de formaldeído e compostos fenólicos que têm ação antimicrobiana e antioxidante, contribuindo para reduzir a rancificação oxidativa. A defumação pode ocorrer em defumadores artesanais simples ou até mesmo em defumadores automáticos com controle de temperatura e umidade utilizados em escala industrial. É importante saber que a lenha exerce um papel fundamental na fermentação de produtos cárneos, devendo ser empregadas para essa finalidade madeiras sem resi- nas, tais como eucalipto, carvalho, goiabeira e laranjeira. A defumação poderá ocorrer de duas formas básicas: defumação a frio e defumação a quente. A defumação a frio ocorre em temperaturas entre 25 e 40° C com exposição de horas ou de alguns dias com a finalidade de atribuir cor e sabor característicos, não ocorrendo o cozimento dos produtos. Por outro lado, a defumação a quente também objetiva o cozimento, sendo que a temperatura e o tempo são variáveis, dependendo das características do produto, tais como tamanho e espessura. Contudo, pode-se dizer que temperaturas superiores a 100° C são alcançadas na câmara de defumação de maneira que o interior do produto atinja 75° C. Esse processo dura algumas horas – e não dias, como pode ocorrer na defumação a frio. Atualmente, está bastante difundida a aplicação de fumaça líquida obtida pela con- densação da fumaça e submetida a processos de filtragens. O objetivo de se adicionar fumaça líquida é atribuir cor e sabor homogêneos aos produtos. Essa fumaça pode ser aplicada no exterior da peça, tal como ocorre no bacon, ou adicionar na massa cárnea, tal como ocorre em linguiças frescais. Produtos adicionados de fumaça líquida devem declarar, no rótulo, a expressão contém aroma natural de fumaça. A defumação também é aplicada a pescados, mas principalmente aqueles que foram submetidos anteriormente ao processo de salga. Um exemplo corresponde aos filés de salmão que sofrem salga a seco e posteriormente são submetidos à defumação a frio. Mesmo passando por essas etapas de conservação, sabe-se que o salmão possui eleva- das concentrações de ácidos graxos insaturados e, por esta razão, necessita de embala- gem a vácuo e armazenamento sob refrigeração ou congelamento. Apresentação comercial de salmão defumado fatiado pronto para o consumo. Disponível em: https://bit.ly/36xcaZE 16 17 Embalagens As embalagens possuem diversas funções nos alimentos, tais como proteger, con- servar, informar, proporcionar conveniência e marketing. Nesta seção, trataremos mais precisamente da função de conservar. A embalagem deve controlar a interação de fatores externos como luz e oxigênio com alimentos. Além disso, a embalagem deve contribuir para reduzir a multiplicação de microrganismos ou mesmo impedir a sua entrada quando o produto já passou pelo tratamento térmico adequado. A vida útil de carnes refrigeradas em aerobiose se restringe a poucos dias, conforme vimos; desta forma é comum o emprego de embalagens com atmosfera modificada para retardar a sua deterioração. O acondicionamento a vácuo é um exemplo de atmosfera modificada, onde remove-se o oxigênio, sendo que o plástico utilizado para essa finali- dade deve possuir baixa permeabilidade aos gases. As carnes refrigeradas embaladas a vácuo apresentam como vantagem a inibição da microbiota aeróbia e oxidação lipídica provocada pelo oxigênio atmosférico. Além disso, possibilita maior tempo de maturação; desta forma a carne tende a ser mais macia pela atuação enzimática, principalmente das catepsinas que atuam em pH ácido (condição predominante no período pós-morte), agindo sobre as proteínas miofibrilares e do tecido conjuntivo (colágeno). A cor pode ser considerada um aspecto negativo, por parte de alguns consumidores, pois a remoção do oxigênio atribui uma coloração pardacenta, contudo, basta abrir a embalagem, deixar o corte cárneo exposto ao oxigênio para que a carne recupere o vermelho característico. Já as carnes moídas, por exemplo, podem ser embaladas com atmosfera enriquecida com CO2, que atua como antimicrobiano e com uma fração de O2, que mantém a coloração da carne vermelha atrativa ao consumidor. O nitrogênio pode ser adicionado para completar essa atmosfera, pois se trata de um gás inerte. Contudo, existem muitas pesquisas em andamento que frequentemente disponibili- zam para a indústria novas opções de embalagens, mais modernas, eficientes e amigá- veis à natureza, tais como as embalagens ativas, que interagem com o alimento de forma a manter ou melhorar as suas características e proporcionar maior vida de prateleira. Já as embalagens inteligentes possuem a propriedade de interagir com o consumidor e podem demonstrar uma ou mais informações, tais como estágio de maturação, desen- volvimento microbiano e condições de armazenamento (KALPANA et al., 2019). Acesse o link a seguir para ler uma matéria sobre embalagens inteligentes no mercado da carne. Disponível em: https://bit.ly/3pOPKf3 17 UNIDADE Métodos de Conservação de Alimentos Tendências e Inovações A conservação de alimentos por métodos que não gerem resíduos e que atribuam maior vida útil, associada à manutenção das características sensoriais e nutricionais dos alimentos são tendências importantes em produtos de origem animal. Neste sentido, a substituição de aditivos de síntese química por aditivos naturais extraídos de plantas por tecnologias limpas, isto é, aquelas tecnologias que não geram resíduos – como a extração por líquido pressurizado ou por micro-ondas – estão em destaque na Ciência dos Alimentos. Após, esses compostos naturais com atividade antioxidante e/ou antimi- crobiana podem ser adicionados em alimentos na forma livre ou encapsulados, sendo que este último permite maior estabilidade e liberação controlada do componente ativo. Existem também técnicas emergentes de conservação, tal como a alta pressão hi- drostática, a qual permite destruir microrganismos patogênicos e desativar enzimas de- teriorantes em carnes frescas antes de serem armazenadas. Essa tecnologia é bastante interessante, uma vez que não emprega aditivos nem temperaturas, contribuindo para a manutenção das características sensoriais e nutricionais dos alimentos. Em pescados essa tecnologia torna-se bastante interessante, pois permite desativar enzimas respon- sáveis pelo processo de autólise, o que acarreta seu amolecimento (DAMODARAN; PARKIN, 2019). No mesmo sentido, destaca-se o ultrassom, que consiste em energia acústica, sendo uma forma de energia mecânica não ionizante, não invasiva e não poluente. O uso do ultrassom de baixa intensidade é utilizado na indústria da carne para aumentar a maciez dessa. Já o ultrassom de alta energia e de baixas frequências oferece uma alternativa aos métodos tradicionais de preservação de alimentos. O ultrassom produz cavitação em meio líquido, contribuindo para o efeito antimicrobiano e aumentando a vida útil dos alimentos (ALARCON-ROJO et al., 2019). Foi observado que o tratamento ultras- sônico permite descontaminar a pele da carcaça de aves, reduzindo as populações de bactérias gram-negativas como Salmonella anatum, Escherichia coli, Proteus sp., e Pseudomonas fluorescens (KORDOWSKA-WIATER; STASIAK, 2011). Outra tecnologia pesquisada no sentido de melhorar algumas propriedades dos alimentos, como também eliminar microrganismos e desativar enzimas é o Campo Elétrico Pulsado de Alta Intensidade (Cepai). Trata-se de uma tecnologia não térmicaonde emprega-se campos elétricos de 5 a 55 kV/cm com pulsos elétricos muito curtos, na ordem de microssegundos, de forma repetitiva (constituindo o número de pulsos). As células de microrganismos expostas ao Cepai sofrem eletroporação, isto é, a deses- tabilização da bicamada lipídica e das proteínas de membrana, levando à formação de poros que podem provocar a perda do material intracelular e morte da célula (BINOTI et al., 2012). O Cepai, se aplicado sozinho ou em combinação com calor moderado, reduz as po- pulações de Pseudomonas, a principal bactéria deteriorante do leite, demonstrando uma possibilidade de manter a vida útil do leite sem a necessidade de emprego de elevadas tem- peraturas, tal como ocorre no tratamento de ultrapasteurização (CRAVEN et al., 2008). 18 19 Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Vídeos Embalagem muda de cor em contato com produto estragado https://youtu.be/2GO6eulq6Vc Leitura Pasteurização do leite: o que é e qual a importância desse processo https://bit.ly/3lVJ10G Congelamento como meio de conservação de alimentos https://bit.ly/371blbt Novas técnicas de conservação https://bit.ly/3pQUAbQ 19 UNIDADE Métodos de Conservação de Alimentos Referências ALARCON-ROJO, A. D. et al. Ultrasound and meat quality: a review. Ultrasonics Sonochemistry, v. 55, p. 369-382, jun. 2018. 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