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INTERPRETAÇÃO E ANÁLISE DE EXAMES LABORATORIAIS NO CONTEXTO DA SAÚDE E DO ESPORTE 02 1. CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE EXAMES LABORATORIAIS. 4 Solicitação de exames laboratoriais pelo profissional nutricionista5 2. EXAMES LABORATORIAIS NO CONTEXTO DA SAÚDE 10 Leucócitos (Leucograma) 10 Eritrócitos (Eritrograma) 13 Índices hematimétricos 14 Glicemia 15 Perfil lipídico 16 3. EXAMES LABORATORIAIS NO CONTEXTO ESPORTIVO 20 Parâmetros imunológicos 20 Eritrograma 22 Indicadores de lesão muscular 22 Indicadores da síndrome de overtraining 23 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 255 4 INTERPRETAÇÃO E ANÁLISE DE EXAMES LABORATORIAIS NO CONTEXTO DA SAÚDE E DO ESPORTE 1. CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE EXAMES LABORATORIAIS Os exames laboratoriais são uma ferramenta de extrema importância na prevenção, diagnóstico e tratamento de enfermidades, sendo um componente vital do tratamento médico, bem como do tratamento nutricional. Quanto ao aspecto nutricional, considera-se até mesmo imprudente que o nutricionista estabeleça a sua conduta nutricional sem a avaliação dos exames laboratoriais. Por exemplo, sem a análise de exames bioquímicos, não é possível reconhecer um indivíduo com pré- diabetes, logo, o plano alimentar poderia conter alimentos que agravariam o quadro. De modo contrário, se o fato do pré-diabetes fosse conhecido, certamente o plano alimentar seria focado em minimizar este agravo, de modo a evitar o desenvolvimento do diabetes. Nesta seção serão apresentadas considerações gerais acerca dos exames laboratoriais, incluindo informações específicas ao profissional nutricionista. 5 INTERPRETAÇÃO E ANÁLISE DE EXAMES LABORATORIAIS NO CONTEXTO DA SAÚDE E DO ESPORTE Solicitação de exames laboratoriais pelo profissional nutricionista O nutricionista tem permissão de solicitar exames laboratoriais que auxiliem na elaboração da sua conduta. Logo, salienta-se que o profissional nutricionista deve solicitar apenas exames que ele é capaz de interpretar, bem como que envolvam aspectos que ele é capaz de solucionar. Neste sentido, o nutricionista não deve solicitar um exame de biópsia de um possível câncer de próstata, por exemplo, pois ele não será capaz de interpretar este exame, como também não será capaz de tratar o problema caso haja o diagnóstico de câncer. Dessa forma, a solicitação de exames laboratoriais pelo nutricionista deve ser coerente. Em 17 de setembro de 1991, na Lei nº 8.234 (Inciso VIII, art. 4º), é atribuída ao nutricionista a competência de solicitar exames laboratoriais necessários ao acompanhamento nutricional. Na Resolução nº 306/03, do Conselho Federal de Nutricionistas (CFN), são estabelecidos critérios para a solicitação de exames laboratoriais pelo nutricionista, sendo enfatizada a importância desta ferramenta (exames laboratoriais) para o diagnóstico e o acompanhamento nutricional. Não obstante, em 2016, o CFN ainda publicou uma recomendação sobre exames laboratoriais (Recomendação nº 005 de 21 de fevereiro de 2016). De um modo geral, o diagnóstico nutricional deve ser respaldado em dados clínicos, dietéticos, antropométricos e bioquímicos, sendo que o nutricionista deve solicitar apenas os exames necessários à avaliação, prescrição e evolução nutricional. Os métodos e técnicas dos exames solicitados devem ser aprovados cientificamente e todos os exames solicitados devem ser fundamentados e justificados pelo nutricionista. Para solicitar exames laboratoriais, o receituário deve conter a data, o nome do paciente, a indicação clínica, o tipo de material que será necessário, os exames solicitados, o nome do profissional e o seu número no CRN, além da sua assinatura (Figura 1). O nutricionista pode incluir ainda uma justificativa por solicitar os exames em questão, embora esta informação não seja obrigatória. 6 INTERPRETAÇÃO E ANÁLISE DE EXAMES LABORATORIAIS NO CONTEXTO DA SAÚDE E DO ESPORTE Figura 1. Solicitação de exame laboratorial pelo nutricionista. Vale salientar que, apesar do nutricionista ser autorizado por lei a solicitar exames laboratoriais, muitos convênios médicos ainda não aceitam solicitações de exames emitidas por profissionais nutricionistas. Cores dos tubos Os tubos utilizados para a elaboração de exames bioquímicos cujo o material biológico é o sangue possuem diversas cores de tampa, de acordo com o seu propósito, sendo estas cores universais, tendo em vista que este regimento vigora em todo o mundo. Exemplificando, o tubo com tampa lilás contém o anticoagulante EDTA, enquanto os tubos com tampa vermelha e salmão não possuem anticoagulantes. De um modo geral, na prática clínica, é mais comum o uso de tubos com tampa lilás, isto é, aqueles que contêm o anticoagulante EDTA. Separação do sangue Após a coleta de sangue em tubos contendo anticoagulantes (como EDTA ou heparina), este (sangue) é centrifugado. Após a centrifugação, o sangue é separado em três porções – plasma, leucócitos e plaquetas (camada branca fina), e hematócrito (eritrócitos) (Figura 2). Figura 2. Separação do sangue após centrifugação. Quando não há anticoagulante no tubo, forma-se um coagulo (parte sólida), que se separa da parte líquida, que é o soro (Figura 3). 7 INTERPRETAÇÃO E ANÁLISE DE EXAMES LABORATORIAIS NO CONTEXTO DA SAÚDE E DO ESPORTE Logo, a diferença entre plasma e soro é que o primeiro é obtido utilizando-se anticoagulantes, enquanto o segundo é obtido na ausência de anticoagulantes. Tanto plasma quanto soro podem ser utilizados para análise de parâmetros bioquímicos, como proteínas (albumina, proteína C reativa - PCR, lactato desidrogenase – LDH etc.). Figura 3. Separação do soro. O sangue – parte líquida e sólida Um homem com 75 kg possui cerca de 5 litros de sangue, sendo que destes 2 litros correspondem a células e 3 litros correspondem ao plasma. A parte líquida do sangue, isto é, o plasma, contém aproximadamente 92% de água, enquanto os outros 8% correspondem a proteínas (albumina, PCR, imunoglobulinas etc.) e hormônios. O eritrócito, também denominado de hemácia ou glóbulo vermelho, é a célula mais prevalente no sangue, sendo que para cada 1.000 eritrócitos há apenas 1 leucócito. Estima-se que, em apenas um segundo, a medula óssea libere cerca de 2 milhões de eritrócitos no sangue. Um eritrócito possui 60% de água e 40% de fase sólida, sendo que da fase sólida o principal componente é a hemoglobina (Hb). No sangue, há cerca de 800 gramas de Hb, o que é equivalente a 2,5 gramas de ferro. Além dos eritrócitos, a parte sólida do sangue é composta também por plaquetas (com a função de assessorar na coagulação do sangue) e os leucócitos, também chamados de glóbulos brancos, que são as células imunes/de defesa do organismo. Estas células serão discutidas com mais detalhes na aula 02. 8 INTERPRETAÇÃO E ANÁLISE DE EXAMES LABORATORIAIS NO CONTEXTO DA SAÚDE E DO ESPORTE Considerações finais Salienta-se que, na prática clínica, diversos diagnósticos são realizados de forma equivocada devido à interpretação errônea de exames laboratoriais. Neste contexto, sugere-se que os exames laboratoriais não sejam os únicos parâmetros considerados durante um diagnóstico e/ou tratamento – seja ele médico ou nutricional. Sob o aspecto nutricional, o CFN recomenda que sejam considerados não somente os exames laboratoriais, como também os dados clínicos, dietéticos e antropométricos, a fim de que se estabeleça um diagnóstico nutricional mais preciso e uma condutanutricional mais eficaz. Não obstante, ressalta-se a importância da capacitação dos profissionais da área da saúde no tocante à interpretação de exames laboratoriais. 10 INTERPRETAÇÃO E ANÁLISE DE EXAMES LABORATORIAIS NO CONTEXTO DA SAÚDE E DO ESPORTE 2. EXAMES LABORATORIAIS NO CONTEXTO DA SAÚDE. Leucócitos (Leucograma) Cinquenta por cento dos leucócitos estão aderidos nos vasos sanguíneos. Logo, os valores de leucócitos obtidos nos exames laboratoriais representam metade da quantidade de células brancas que realmente existem no organismo. Isso acontece porque o exame não é capaz de detectar os leucócitos aderidos nos vasos, apenas os leucócitos livres. Os leucócitos, até atingirem a sua forma madura, vão evoluindo a partir de uma célula original. Quando ocorrem infecções, por exemplo, aumenta-se o recrutamento de leucócitos, o que muitas vezes acarreta na liberação de células imaturas da medula óssea a fim de suprir a demanda orgânica. Na prática clínica, esta situação (aumento de leucócitos imaturos no sangue) é denominada de leucocitose com desvio à esquerda. 11 INTERPRETAÇÃO E ANÁLISE DE EXAMES LABORATORIAIS NO CONTEXTO DA SAÚDE E DO ESPORTE Todos os leucócitos apresentam apenas um núcleo, porém algumas células apresentam o núcleo segmentado, sendo que as células com núcleo segmentado são aquelas em estágio mais avançado de maturação do que as com núcleo não segmentado (também chamadas de bastonetes). Vale salientar que os valores de referência da contagem de leucócitos apresentam-se na forma de valores absolutos e porcentagens, sendo sempre preferível avaliar os valores absolutos. Isso porque a porcentagem de uma célula pode se alterar em vista da mudança na porcentagem de outra célula, não significando anormalidade nos resultados da primeira, apenas um reflexo à mudança da segunda. Neutrófilos Os neutrófilos são células imunes cuja a principal função é a fagocitose. Estas são as primeiras células a aumentarem no sangue em decorrência de infecções bacterianas (nas primeiras 48 horas). Durante a infecção, interleucinas (IL), como IL-6, IL-1β, IL-8 e TNF-α, estimulam a liberação de neutrófilos da medula óssea. Não obstante, o aumento do cortisol e outros hormônios estimula o descolamento de neutrófilos dos vasos sanguíneos. Estes neutrófilos são, então, direcionados para o tecido a fim de combater a infecção bacteriana por meio de fagocitose. Dessa forma, na primeira fase da infecção bacteriana ocorre leucocitose em vista do aumento de neutrófilos. Os valores de referência dos neutrófilos são: 1.700 – 8.000 uL (valores absolutos) e 40 – 65% (valores relativos). Monócitos Os monócitos são as células que dão origem aos macrófagos nos tecidos. Os macrófagos apresentam elevada capacidade fagocítica, sendo capazes de fagocitar moléculas maiores, quando comparados aos neutrófilos. Neste contexto, em uma infecção bacteriana, o aumento de neutrófilos (vide tópico anterior) é precedido pelo aumento de monócitos, os quais darão origem aos macrófagos nos tecidos, fato que auxilia no combate à infecção. Em infecções fungícas, como na candidíase, há também aumento de monócitos e, consequentemente, de macrófagos, pois estas células são capazes de fagocitar patógenos grandes. 12 INTERPRETAÇÃO E ANÁLISE DE EXAMES LABORATORIAIS NO CONTEXTO DA SAÚDE E DO ESPORTE Os valores de referência dos monócitos são: 200 – 900 uL (valores absolutos) e 4 – 10% (valores relativos). Basófilos Basófilos são células presentes no sangue que, quando necessário, migram para os tecidos. As principais funções destas células são liberar grânulos de histamina e outros agentes ativos, participando na resposta imunológica frente a um processo alérgico. Logo, em meio a alergias, há aumento da concentração desta célula no sangue. Os valores de referência dos basófilos são: 0 – 90 uL (valores absolutos) e 0 – 1% (valores relativos). Considerando estes valores, é possível perceber que não existe basopenia (diminuição de basófilos no sangue), pois é possível ter zero destas células no sangue. No entanto, é possível ter basofilia, isto é, aumento de basófilos no sangue, que normalmente ocorre em processos alérgicos. Eosinófilos Estas células também se localizam no sangue, migrando para os tecidos quando necessário. Suas principais funções são fagocitose e citotoxicidade mediada por anticorpos. Em suma, estas células são responsáveis pelo combate a parasitas, aumentando-se no sangue nestas situações (acometimento por parasitas, em especial parasitas grandes), bem como durante processos alérgicos. O cortisol é capaz de diminuir a produção medular de eosinófilos, por isso medicamentos à base de corticoides são utilizados no combate a alergias. Os valores de referência dos eosinófilos são: 50 – 400 uL (valores absolutos) e 1 – 4% (valores relativos). Linfócitos Existem dois principais tipos de linfócitos: os linfócitos T e os linfócitos B, sendo que 80% dos linfócitos são do tipo T. Os linfócitos T (em especial CD4 – Th e CD8 – Tc) se localizam nos órgãos linfoides e no sangue, migrando para os tecidos quando necessário. A principal função destas células é efetuar a imunidade adaptativa celular, o que inclui a secreção de citocinas que ativam outras células, como macrófagos, células NK, linfócitos B etc. Os linfócitos T exterminam patógenos intracelulares. 13 INTERPRETAÇÃO E ANÁLISE DE EXAMES LABORATORIAIS NO CONTEXTO DA SAÚDE E DO ESPORTE Os linfócitos B, que também se localizam nos órgãos linfoides e no sangue, fazem parte da imunidade adaptativa humoral, secretando anticorpos (imunoglobulinas A, D, M, E e G), que exterminam patógenos extracelulares. Infecções virais normalmente causam linfocitose (aumento da concentração de linfócitos no sangue). Não obstante, os linfócitos aumentam na terceira fase de uma infecção bacteriana, após o aumento de neutrófilos e monócitos (vide tópicos anteriores). Neste caso, os linfócitos objetivam adquirir memória, o que facilitará no combate do mesmo patógeno caso o organismo seja infectado novamente. Os valores de referência dos linfócitos são: 900 – 3.100 uL (valores absolutos) e 20 – 30% (valores relativos). No Quadro 1, os valores de referência absolutos e relativos dos leucócitos são apresentados. Quadro 1. Valores de referência dos leucócitos. CÉLULA ABSOLUTO (UL) RELATIVO Leucócitos 3.500 – 10.500 - Neutrófilo 1.700 – 8.000 40 – 65% Linfócito 900 – 3.100 20 – 30% Monócito 200 – 900 4 – 10% Eosinófilo 50 – 400 1 – 4% Basófilo 0 – 90 0 – 1% Eritrócitos (Eritrograma) Do momento que o eritrócito começa a ser produzido, até o momento em que ele efetivamente chega ao sangue demora sete dias. No primeiro dia desta célula no sangue, ela está sob a forma de reticulócito e nos dias posteriores (119 dias) sob a forma de eritrócito. Assim, um eritócito tem uma meia vida de aproximadamente 120 dias. A quantidade de reticulócitos no sangue pode aumentar em diversas situações, como no início de um tratamento de anemia, elevadas altitudes (limita o transporte de oxigênio e por isso passa a produzir mais células), após uma doação de sangue, após grandes hemorragias 14 INTERPRETAÇÃO E ANÁLISE DE EXAMES LABORATORIAIS NO CONTEXTO DA SAÚDE E DO ESPORTE etc. É possível solicitar a contagem destas células por exame laboratorial (eritrócito com contagem de reticulócito). A contagem de eritrócitos e demais parâmetros similares é influenciada pelo gênero, visto que a eritropoietina(hormônio que estimula a síntese de eritrócitos) é estimulada por hormônios sexuais masculinos. Logo, homens apresentam maior concentração de eritrócitos no sangue, de hemoglobina (Hb) e de hematócrito do que mulheres (Quadro 2). Quadro 2. Eritrograma – valores de referência para homens e mulheres. PARÂMETRO HOMENS MULHERES Eritrócito (x 106/uL) 4,5 – 5,9 4,0 – 5,2 Hemoglobina (g/dL) 13,5 – 17,5 12 – 16 Hematócrito (%) 39 – 50 36 – 46 Vale ressaltar que o valor do hematócrito corresponde ao valor da hemoglobina multiplicada por três. Em casos de anemia ferropriva, um dos principais parâmetros alterados é a hemoglobina e, consequentemente, o hematócrito. Índices hematimétricos Volume corpuscular médio (VCM) Este parâmetro indica o tamanho da célula, evidenciando se a célula é microcítica, normocítica ou macrocítica. Na anemia ferropriva, as células tendem a ser microcíticas, enquanto na anemia megaloblástica, as células apresentam caráter macrocítico. Logo, este parâmetro é crucial no diagnóstico do tipo de anemia, caso ela exista. O VCM é calculado por meio da multiplicação do hematócrito por 10, divido pela contagem de eritrócitos (hematócrito x 10 / contagem de eritrócitos). Os valores de referência são: 81 – 95 fL. Concentração de hemoglobina corpuscular média (CHCM) 15 INTERPRETAÇÃO E ANÁLISE DE EXAMES LABORATORIAIS NO CONTEXTO DA SAÚDE E DO ESPORTE Este parâmetro avalia a coloração da célula, sendo que a anemia ferropriva é hipocrômica, enquanto a megaloblástica é hipercrômica. No entanto, ressalta- se que este parâmetro, de forma isolada, não é um bom marcador para diagnosticar anemia. O CHCM é calculado por meio da multiplicação da hemoglobina por 100, dividido pelo hematócrito (hemoglobina x 100 / hematócrito). Os valores de referência são: 31 – 36 g/dL. Hemoglobina corpuscular média (HCM) Este parâmetro avalia a quantidade de Hb presente nas células, diminuindo na anemia microcítica e aumentando na anemia macrocítica (a célula é maior e, por consequência, consegue abranger maior quantidade de Hb). É calculado por meio da multiplicação da Hb por 10, dividido pela contagem de eritrócitos (Hb x 10 / contagem de eritrócitos). Os valores de referência são: 26 – 34 pg. Amplitude de distribuição dos eritrócitos (RDW) Este parâmetro determina a diversidade e variabilidade entre as células, isto é, ele é aumentado quando as células variam muito de tamanho, independente se elas são microcíticas ou macrocíticas. O valor de referência é de: 11,6 – 16%. Glicemia Além dos exames previamente mencionados, outros parâmetros frequentemente avaliados na prática clínica são a glicemia e o perfil lipídico. A glicemia é especialmente utilizada para diagnóstico de pré- diabetes ou diabetes. Segundo a Sociedade Brasileira de Diabetes (2017 – 2018), a glicemia em jejum normal (normoglicemia) é aquela inferior a 100 mg/dL, enquanto aquela indicativa de pré-diabetes está entre 100 e 126 mg/dL e a indicativa de diabetes está acima de 126 mg/dL. Vale ressaltar que para o diagnóstico de pré-diabetes e diabetes, preferencialmente, devem ser utilizados mais parâmetros, como o teste de tolerância oral a glicose (TTOG) e a hemoglobina glicada (HbA1c). O TTOG consiste na ingestão de 75 gramas de glicose e avaliação da glicemia duas horas após esta sobrecarga de glicose. Os valores de referência do TTOG são: normoglicemia: inferior a 140 mg/dL, pré-diabetes: de 140 a 200 16 INTERPRETAÇÃO E ANÁLISE DE EXAMES LABORATORIAIS NO CONTEXTO DA SAÚDE E DO ESPORTE mg/dL e diabetes: acima de 200 mg/dL. Quanto a HbA1c, este parâmetro reflete a média da glicemia nos últimos 2 a 3 meses. Valores abaixo de 5,7% são considerados normais, entre 5,7 e 6,5% são considerados como pré- diabetes e acima de 6,5% são indicativos de diabetes. Os valores de referência dos parâmetros mencionados são apresentados no Quadro 3. Para diferenciação do tipo de diabetes – diabetes melito tipo 1 ou tipo 2 – pode-se ainda dosar a insulinemia em jejum (6 – 27 uUI/mL) ou pós-prandial. Glicemia em jejum (mg/dL) TTOG (mg/dL) HbA1c (%) Observações Normal < 100 < 140 < 5,7 A OMS adota o valor de corte de 110 mg/dL para normalidade da glicemia em jejum. Pré-diabetes Entre 100 e 126 Entre 140 e 200 Entre 5,7 e 6,5 Positividade de qualquer um dos parâmetros diagnostica pré- diabetes. Diabetes > 126 > 200 > 6,5 Positividade de qualquer um dos parâmetros diagnostica diabetes. Na ausência de sintomas, recomenda-se repetir os exames. Quadro 3. Valores de referência – glicemia, TTOG e HbA1c.Adaptado de Sociedade Brasileira de Diabetes (2017 – 2018). Perfil lipídico O perfil lipídico inclui, principalmente, os parâmetros: colesterol total, LDL (lipoproteína de baixa densidade), HDL (lipoproteína de alta densidade) e triglicérides. A importância de investigar o perfil lipídico consiste no fato de que alterações nestes 17 INTERPRETAÇÃO E ANÁLISE DE EXAMES LABORATORIAIS NO CONTEXTO DA SAÚDE E DO ESPORTE parâmetros (dislipidemias) estão associadas com o maior risco de desenvolvimento de doenças cardiovasculares (DCV). Considerando que as DCV são as principais causas de mortalidade no mundo todo, prevenir ou tratar os fatores de risco destes agravos é de suma importância no contexto da saúde pública. No tocante ao colesterol total, segundo a Sociedade Brasileira de Cardiologia, é desejável que este parâmetro esteja abaixo de 200 mg/dL, sendo que valores entre 200 e 239 mg/dL são considerados limítrofes e valores acima de 240 mg/dL são considerados altos. A LDL é a lipoproteína responsável por transportar colesterol do fígado para os tecidos. Logo, valores inferiores a 100 mg/dL são considerados excelentes, enquanto valores entre 100 e 129 mg/dL são desejáveis, valores entre 130 e 159 mg/dL são limítrofes, valores entre 160 e 189 mg/dL são altos e, finalmente, quando superior a 190 mg/dL este parâmetro é considerado como muito alto. A HLD é a lipoproteína responsável por efetuar o transporte reverso do colesterol, ou seja, transporta o colesterol dos tecidos ao fígado. Dessa forma, é desejável que este parâmetro seja superior a 60 mg/dL, sendo que valores inferiores a 40 mg/dL são considerados como baixos. Quanto aos triglicérides, é desejável que este parâmetro seja inferior a 150 mg/dL, enquanto valores entre 150 e 200 mg/dL são considerados limítrofes, valores entre 200 e 499 mg/dL são considerados altos e, por fim, considera-se muito alto quando este parâmetro ultrapassa 500 mg/dL. Os valores de referência do perfil lipídico para adultos (acima de 20 anos) são apresentados no Quadro 4. 18 INTERPRETAÇÃO E ANÁLISE DE EXAMES LABORATORIAIS NO CONTEXTO DA SAÚDE E DO ESPORTE Parâmetro Valores (mg/dL) Categoria Colesterol total < 200 Desejável 200 - 239 Limítrofe > 240 Alto LDL < 100 Ótimo 100 - 129 Desejável 130 - 159 Limítrofe 160 - 189 Alto > 190 Muito alto HDL > 60 Desejável < 40 Baixo Triglicérides < 150 Ótimo 150 - 200 Desejável 200 - 499 Alto > 500 Muito alto Quadro 4. Valores de referência do perfil lipídico. Adaptado de Sociedade Brasileira de Cardiologia (2013). 20 INTERPRETAÇÃO E ANÁLISE DE EXAMES LABORATORIAIS NO CONTEXTO DA SAÚDE E DO ESPORTE 3. EXAMES LABORATORIAIS NO CONTEXTO ESPORTIVO. Tal como com indivíduos sedentários e moderadamente ativos, o tratamento médico e nutricional de atletas também necessita incluir exames laboratoriais. No entanto, a interpretação destesdados será diferenciada para atletas, pois alguns parâmetros são alterados em vista do maior esforço físico. Não obstante, alguns marcadores específicos podem ser solicitados para atletas a fim de compreender melhor o estado de saúde. A interpretação de exames laboratoriais no contexto esportivo será abordada nesta seção. Parâmetros imunológicos É fato conhecido que atletas, especialmente aqueles envolvidos em exercícios exaustivos de endurance (resistência), apresentam maior incidência de infecções no trato respiratório superior (ITRS). A incidência de ITRS aumenta após uma sessão de 21 INTERPRETAÇÃO E ANÁLISE DE EXAMES LABORATORIAIS NO CONTEXTO DA SAÚDE E DO ESPORTE exercício vigoroso ou em períodos com elevada carga de treinamento, como períodos próximos a competições. Isso porque há alteração de diversos parâmetros imunológicos, como contagem e atividade de células imunes, após uma única sessão de exercício exaustivo (Quadro 5). PARÂMETRO IMUNOLÓGICO VALORES BASAIS (NO DESCANSO) APÓS TREINAMENTO INTENSO Contagem de leucócitos Normal Sem alteração Contagem de granulócitos Normal Sem alteração ou aumento Contagem de linfócitos Normal Sem alteração ou redução Contagem de células NK Normal ou aumentada Reduzida Atividade de neutrófilos Reduzida Reduzida Ativação ou proliferação de linfócitos Aumentada Aumentada Atividade da célula NK citotóxica Aumentada Reduzida Concentração sérica de imunoglobulinas Reduzida Sem alteração Concentração de IgA de mucosa Normal ou reduzida Reduzida de forma proporcional à intensidade do treino Concentração plasmática de glutamina Normal ou reduzida Reduzida ou aumentada Quadro 5. Parâmetros imunológicos de atletas no repouso ou após treinamento intenso. Abreviações: NK – Natural Killer; IgA – imunoglobulina A. Adaptado de Mackinnon (2000). Com base no Quadro 5, é possível perceber diversas alterações imunológicas em atletas mesmo no repouso, por exemplo: reduzida atividade de neutrófilos e reduzida concentração sérica de imunoglobulinas, aumentada ativação/proliferação de linfócitos e maior atividade de células NK citotóxicas. Imediatamente após uma sessão de exercício físico intenso, mais parâmetros se alteram, como: reduz-se a contagem de células NK, a atividade de neutrófilos, a atividade de células NK citotóxicas e a concentração de IgA na mucosa, 22 INTERPRETAÇÃO E ANÁLISE DE EXAMES LABORATORIAIS NO CONTEXTO DA SAÚDE E DO ESPORTE enquanto aumenta-se a ativação/proliferação de linfócitos. Perceba que alguns parâmetros podem aumentar ou diminuir, visto que são influenciados por características individuais e do exercício físico praticado. Por exemplo: exercícios de curta duração tendem a aumentar a concentração sérica de glutamina, porém, exercícios de longa duração (como ultramaratonas e triátlon) reduzem temporariamente os valores séricos deste aminoácido. Eritrograma Atletas em treinamento intenso podem ter maiores perdas de ferro no suor, urina, fezes e hemólise intravascular, o que pode favorecer o desenvolvimento de anemia ferropriva. Não obstante, atletas mulheres, por terem perdas durante a menstruação, e atletas vegetarianos e veganos, que possuem menor ingestão de ferro dietético, estão sob um risco ainda maior de desenvolver anemia ferropriva. Neste sentido, é importante o acompanhamento constante do eritrograma, destinando atenção especial aos parâmetros hemoglobina e hematócrito. Vale destacar que alguns atletas podem apresentar uma diminuição transitória da hemoglobina no início do treinamento devido à hemodiluição, conhecida como "anemia esportiva" ou "dilucional", e podem não responder à intervenção nutricional. Essas mudanças parecem ser uma adaptação benéfica ao treinamento de endurance e não afetam negativamente à saúde e o desempenho. Logo, é preciso que haja muita cautela para que não se confunda esta hemodiluição (redução singela de Hb e hematócrito), que é natural em atletas de endurance, com anemia ferropriva. Indicadores de lesão muscular Dos indicadores de lesão muscular, os mais utilizados na prática clínica e em pesquisas são creatina quinase (CK) e lactato desidrogenase (LDH). Estas proteínas intracelulares extravasam para o meio extracelular após microrupturas na membrana da célula muscular. Em outras palavras, após a lesão muscular, estas proteínas vão para o sangue e podem ser quantificadas. Dessa forma, a CK e a LDH podem indicar dano muscular em atletas em decorrência da prática de treinos exaustivos. 23 INTERPRETAÇÃO E ANÁLISE DE EXAMES LABORATORIAIS NO CONTEXTO DA SAÚDE E DO ESPORTE Recentemente, tem se observado que a mioglobina plasmática é um parâmetro ainda mais acurado para detectar o dano muscular, no entanto, comparado com as análises de LDH e CK, a mioglobina pode ser mais custosa. Indicadores da síndrome de overtraining A síndrome de overtraining decorre do excesso de treinamento, sem descanso adequado, por um período crônico. Considerando a rotina exaustiva de atletas, a incidência e a prevalência desta síndrome são bastantes comuns no meio esportivo. Em decorrência do overtraining, ocorrem diversas alterações de saúde, nos aspectos imunológico, hormonal, neurológico, psicológico etc. Não obstante, o atleta experimenta um estado incessante de fadiga e há grave comprometimento do desempenho físico por período indeterminado. Diversos parâmetros são utilizados para investigar o overtraining, sendo que nenhum marcador, aplicado de forma isolada, é capaz de diagnosticar esta síndrome. Dentre os parâmetros mais utilizados na prática clínica e em pesquisas, destaca-se a IgA salivar (diminui no overtraining), a concentração de glutamina plasmática (diminui no overtraining, embora haja discordâncias na literatura), a concentração de testosterona livre (diminui no overtraining), a concentração de cortisol basal (aumenta no overtraining), e a razão plasmática testosterona livre: cortisol (diminui no overtraining). 24 25 INTERPRETAÇÃO E ANÁLISE DE EXAMES LABORATORIAIS NO CONTEXTO DA SAÚDE E DO ESPORTE REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Williamson, M.A.; Snyder, L.M. Wallach – Interpretação de Exames Laboratoriais. 9ª Ed. Rio de Janeiro: Editora Guanabara Koogan. 2013. Conselho Federal de Nutricionistas. Lei nº 8.234, de 17 de setembro de 1991 (DOU 18/09/1991). Regulamenta a profissão de nutricionista e determina outras providências. Conselho Federal de Nutricionistas. Resolução N° 306/2003. Dispõe sobre solicitação de exames laboratoriais na área de nutrição clínica, revoga a resolução CFN nº 236, de 2000 e dá outras providências. Conselho Federal de Nutricionistas. Recomendação nº 005 de 21 de fevereiro de 2016. Solicitação de exames laboratoriais. Calixto-Lima, L.; Reis, N.T. Interpretação De Exames Laboratoriais Aplicados à Nutrição Clínica. 1ª Ed. Rubio. 2012. Tirapegui, J. Nutrição, Fundamentos e Aspectos Atuais. 3ª Ed. São Paulo: Atheneu. 2013. Diretrizes Sociedade Brasileira de Diabetes. 2017 – 2018. Costa, R.P.; Gracia, C.M.; Silva, C.C. Doenças cardiovasculares. Em: Cuppari, L. Guias de medicina ambulatorial e hospitalar da EPM-UNIFESP: Nutrição clínica no adulto. 3ª ed. Manole: Sociedade Brasileira de Cardiologia. V Diretriz brasileira de dislipidemias e prevenção da aterosclerose. Arquivos Brasileiros de Cardiologia, 2013. Tirapegui, J. Nutrição, Metabolismo e Suplementação na Atividade Física. 2ª Ed. São Paulo: Atheneu. 2012. Rogero, M.M.; Tirapegui, J. Atividade Física, Sistema Imune e Nutrição. Em: Tirapegui, J. Nutrição,Metabolismo e Suplementação na Atividade Física. 2ª Ed. São Paulo: Atheneu. 2012. 26 INTERPRETAÇÃO E ANÁLISE DE EXAMES LABORATORIAIS NO CONTEXTO DA SAÚDE E DO ESPORTE Rogero, M.M.; Tirapegui, J. Excesso de treinamento ou Overtraining. Em: Tirapegui, J. Nutrição, Metabolismo e Suplementação na Atividade Física. 2ª Ed. São Paulo: Atheneu. 2012. Mackinnon L.T. Chronic exercise training effects on immune function. Med Sci Sports Exerc, v. 32, pp. S369-S376, 2000. 02 7