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Tradições Tropeiras

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TRADIÇÕES ENCENADAS: INVESTIGAÇÕES E INVENÇÕES AO REDOR 
DA CULTURA TROPEIRA 
 
Ivan Bernardelli (Universidade Estadual de Campinas –UNICAMP)1 
 
 
RESUMO 
A figura do tropeiro passou por uma estratégia de fabricação que a aproximou de 
um símbolo folclórico, que pouco teria a ver com a realidade. A invenção de uma dança 
dos tropeiros esteve relacionada a este processo. O artigo aborda as representações do 
tropeiro e das danças relacionadas a esta cultura, abandonando a pretensão de defini-las 
em uma única abordagem, mas sim nas múltiplas perspectivas que as compõem. 
PALAVRAS-CHAVE 
Dança; tropeiro; história; caipira; biriva. 
 
ABSTRACT 
Thefigure of the muleteer has undergone a fabrication strategy that 
approximated it to a folk symbol, which would have little to do with reality. The 
invention of a muleteer's dance was related to this process. The article approaches the 
portrayals of the muleteer and the dances related to its culture, abandoning the 
pretension of defining them in a single approach, but rather in the multiple perspectives 
that compose them. 
 
KEYWORDS 
Dance; muleteer; history; caipira; biriva. 
 
Um dos principais desafios ao propor leituras contemporâneas das tradições 
brasileiras é o constante perigo de cair em equívocos, às vezes relacionadosàs 
 
1Pós-graduando em Artes da Cena (mestrado) na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), sob 
orientação da Profª Drª Maria Claudia Alves Guimarães. É bailarino, diretor e coreógrafo da Cia. Dual, 
onde realiza trabalhos artísticos a partir de mitologias e fenômenos históricos relacionados à cultura 
brasileira, investigando bases técnicas e estruturais das danças desenvolvidas no Brasil ao longo dos 
séculos em relacã̧o aos contextos culturais, sociais e filosóficos em que se desenvolvem. Autor do livro 
“Lanternas no Caos: uma história da dança no Brasil”, Ed. Lugar Elástico, 2017. 
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generalizações de aspectos da tradição que não são lidos em suas pluralidades e 
especificidades, às vezes vinculados a tradições, agentes e personagens inventados. 
O presente artigo adota como ponto de partida o solo de dança Tropeiro, 
desenvolvido ao longo de seis anos e apresentado em 2021, que pode ser visualizado em 
https://youtu.be/OfI5INSOjP4.2 Este trabalho coroou a pesquisa que desenvolvi entre 
2015 e 2021 sobre as danças ao redor da cultura tropeira. Entretanto, a encenação, ao 
invés de sistematizar as fontes e as características das danças e dos passos abordados na 
pesquisa, pelo contrário, abre margem para um desdobramento das reflexões sobre seus 
enunciados.Ao colocar o tropeiro no centro das discussões, escapa propositadamente do 
centro, traçando uma estratégia de cercar suas representações ao longo da história, 
abandonando a pretensão de defini-lo em uma única abordagem, mas sim nas múltiplas 
perspectivas que o compõem. 
 
Inserida na cultura tradicional brasileira, a cultura tropeira é bastante plural. O 
designativo tropeiro, de herança castelhana tropero, vem de tropa. Usado com 
frequência nas vacarias do Uruguai, o vocábulo se firmou a partir de 1732 para nomear 
homens habilidosos em escolher animais, negociar preços, lidar com tropas de burros e 
mulas eenfrentar as difíceis e demoradas marchas que partiam dos Campos de Viamão, 
no Rio Grande do Sul, em direção à cidade de Sorocaba, onde acontecia uma grande 
feira anual de tropas na qual os animais eram comercializados e seguiam posteriormente 
às Minas Gerais e ao Rio de Janeiro. 
No Brasil, até o final do século XVII utilizava-se o trabalho de populações 
indígenas e africanas escravizadas para o transporte de pedras, toras de madeira, liteiras, 
produtos manufaturados e outras mercadorias. A partir do século XVIII,os muares 
(burros e mulas) começaram a ser utilizadoscomo meio de transporte no Brasil, afinal já 
eram empregados nas minas de Potosí e em algumas partes da América do Sul.Com o 
início da mineração e a ocupação de Minas Gerais, os muares passaram a ter grande 
demanda, “pois sem eles seria impossível escoar o ouro até o porto do Rio de Janeiro, 
para daí enviá-lo a Portugal.” (CHIOVITTI, 2003, p. 05) 
Arnoldo Monteiro Bach assinala que o movimento tropeirocomeçou por volta de 
1730 e teve seu ápice em 1897. Depois disso o volume de tropas se reduziu, mantendo 
certa frequência até 1915 e rareando cada vez mais com o passar dos tempos.O 
 
2 Acesso em 13/08/2021 às 20h30. 
https://youtu.be/OfI5INSOjP4
 3 
autoraponta que a demanda pelas mulas era tão intensa que os animais eram usados até 
como tração de bondes. "Em 1900, a Companhia de Bondes São Cristóvão, do Rio de 
Janeiro, que atendia a Zona Norte, com 60 quilômetros de extensão de linhas, contava 
com 150 bondes de diversos tipos, 2 mil animais e 600 empregados." (BACH, 2010, p. 
40). Com o surgimento dos motores a diesel, os muares perderam terreno para os 
equipamentos motorizados. 
Intimamente relacionado à demanda por mulas e burros,a cultura dos tropeiros se 
desenvolveu ao longo de largas extensões territoriais no Brasil, em marchas pelos 
territórios hoje correspondentes aos Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, 
Paraná, São Paulo e Minas Gerais.Assim, longe de aspectos que poderiam caracterizá-la 
homogeneamente, apresentou especificidades em cada uma das regiões em que o 
tropeirismo se desenvolveu. 
O pesquisador Ted Machado, em sua série de vídeos intitulada Tropeiros, nos 
apresenta profissionais que estiveram vinculados ao tropeirismo em Minas Gerais 
(TROPEIROS, 2012, n.p). Ali, esta atividade esteve mais vinculada a tropeiros 
identificados como mascates, vendedores ambulantes de mercadorias manufaturadas – 
neste caso não ambulantes, mas sim montados em mulas e burros. Os tropeiros 
mineiroscomercializavam gêneros alimentícios: transportavam café, algodão, arroz, 
carne, tecidos. Os animais eram indispensáveis na economia tropeira dos mineiros, mas 
sua atividade era essencialmente a de transporte de mercadorias. 
Ao Sul, os tropeiros sul-rio-grandenses estariam relacionados a trabalhadores 
que administravam, criavam, domavam e ‘tocavam’ tropas. Tropas de mulas, burros, 
cavalos, carneiros, porcos ou mesmo perus. Muitas vezes aqueles que que criavam e 
domavam os animais recebiam o nome tropeiro, mesmo nome dado àqueles que os 
transportavam. 
Já os tropeiros da Paulistânia, nome dado à região decorrente da expansão 
paulista encabeçada pelos bandeirantes, eram aqueles que transportavam mulas e burros 
desde os campos do sul até Sorocaba, passando por territórios correspondentes hoje aos 
Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e São Paulo. 
“Quando a gente trata do povo sul-rio-grandense (...), ele chama de 
biriva o tropeiro sorocabano, paulista, que mexe com mula, e chama 
de tropeiro qualquer tocador de lote. 
Quando a gente fala do mineiro, ele chama de muladeiro o negociante 
de burro e mula e de tropeiro quem trabalha com carga. 
Quando a gente fala do nordestino, ele chama de almoclave quem 
trabalha com burro de carga.” (AUGUSTO, 2021, n.p.) 
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Ainda que as características da cultura tropeira encontrem aspectos específicos 
em cada uma destas regiões e ainda quea cultura ao seu redor admita intensos trânsitos, 
há narrativas – quer sejam visuais (gravuras, pinturas, esculturas etc.) ou literárias 
(romances, crônicas, poesias etc.) – que apresentaram uma tradição inventada, 
folclorizada, que não deixa ver nitidamente os reais aspectos dos ‘cavaleiros’ de longas 
jornadas pelos territórios do Brasil. Cavaleiros entre aspas, porque a cultura tropeira 
pouco ou nada tem a ver com cavalos, mas sim com mulas e burros. Estas narrativas, 
portanto, criaram um tropeiro herói. 
É na esteira das construções imagéticas da história do Brasil entre os anos 1850 e 
1950, em que bandeirantes foram formuladoscomo heróis nacionais e sertanejos como 
seu oposto bárbaro, que a imagem do tropeiro também passou pelaestratégia de 
fabricação que produziu este trabalhador como um símbolo folclórico. Colaboraram 
para esta formulação a criação de traços identitários do gaúcho e do paulista, a 
sistematização de danças e de indumentárias do tropeirismo biriva, a divulgação de 
pinturas de Henrique Távola e Alfredo Norfini e as narrativas presentes em obras de 
Euclides da Cunha, José de Alencar, Barbosa Lessa e Paixão Côrtes, entre outros. 
Segundo Alcir Lenharo, 
“A bibliografia sobre o tropeiro se ressente da falta de análises que o 
discutam em um contexto mais amplo da sociedade; ao contrário, ela 
tem preferido recriar um panorama sentimental do tropeiro, onde o 
seu ‘heroísmo frente às condições adversas do trabalho, para não 
dizer dos valores de ‘honestidade/ lealdade’, visto como inerentes ao 
tipo humano do tropeiro, aparecem como temas prediletos” 
(LENHARO apud CHIOVITTI, 2003, p. 43). 
Associada à construção da imagem de um tropeiro folclórico, foram 
identificadas e atribuídas a ele danças que se fizeram inventadas no seio de sua cultura, 
consideradas próprias desta cultura.Mestres da cultura tradicional apontam que as 
danças dos tropeiros, geralmente sapateadas (bater pés) e palmeadas (bater palmas) 
serviam justamente para descansar a musculatura das pernas e dos braços após as longas 
jornadas empreendidas ao longo de milhares de quilômetros. No entanto, Álvaro 
Augusto Antunes de Assis, tropeiro de profissão e coordenador do Centro Nacional de 
Estudos do Tropeirismo, defende que não havia uma dança exclusiva dos tropeiros. Para 
ele não há, ao longo da jornada, condições físicas de dançar, uma vez que os trabalhos 
são extenuantes, se iniciam às duas da manhã e são executados sem pausa até as 4 da 
tarde, quando começa a ronda, na qual o tropeiro fica de plantão para que os animais 
que estão pastando não escapem. Afinal, se um animal escapasse, haveria prejuízo nas 
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vendas na feira de muares. Na madrugada seguinte, a tropa partia cedo para vencer mais 
uns quantos extensos quilômetros. 
Então, haveria ou não uma dança desenvolvida pelos tropeiros? Para considerar 
esta provocação, propomos abordar as múltiplas perspectivas ao redor da cultura 
tropeira, principalmente relacionadas à principal rota do tropeirismo: o caminho que 
partia dos campos de Viamão, no Rio Grande do Sul, e rumava até Sorocaba, em São 
Paulo. 
 
Rio Grande do Sul 
“Assim chegamos à principal característica das danças tropeiras: a 
teatralidade do homem tropeiro. Dentro do máximo respeito, ele 
procura realçar sua individualidade, desde o modo de se vestir até o 
modo de executar a coreografia. Ele procura sobressair-se, mostrar 
que é melhor sapateador, procura recitar os versos mais pitorescos e 
enfeitar seus passos com variações as mais difíceis. Há, porém, 
mesmo nos movimentos figurativos uma elegância, uma nobreza de 
gestos, condizente à geração do tema bailável despido de movimentos 
rígidos. O bailar do tropeiro se reveste de animação contagiante. São 
danças de certa forma em desafio, bailadas só por homens onde os 
bailarinos fazem submergir suas habilidades”. (BARBOSA, 2013, p. 
02) 
A cultura relacionada aos tropeiros sul-rio-grandenses é bastante marcante na 
cultura brasileira. A eles foram relacionadas as tradições da dança dos facões, da chula 
gaúcha, do fandango sapateado e da dança ‘chico do porrete’, segundo nos informam as 
pesquisas e publicações dos folcloristas José Carlos D’Ávila Paixão Côrtes e Barbosa 
Lessa. Paixão Côrtes desenvolveu uma formalização das tradições gaúchas, tendo 
Barbosa Lessa como seu principal parceiro e a dança como sua principal frente de ação. 
Engajaram-se num movimento que buscava estabelecer a identidade gaúcha no Estado 
do Rio Grande do Sul, pesquisando, resgatando e atualizando aspectos culturais dos 
antepassados do gaúcho e de sua indumentária típica – tirador, laço, guaiaca, bombacha, 
lenço, camisa, botas e vincha na cabeça – na direção de uma projeção folclórica. 
“Procurávamos assim mentalizar a figura ideal do homem do campo 
rio-grandense, acima de nossas reduzidas vivências municipais e além 
dos limites de nossa própria época: buscávamos aquela síntese, se 
possível, aquele ponto de encontro entre passado e presente, em 
dimensão estadual”. (LESSA & CÔRTES, 1975, p. 101) 
O termo ‘gaúcho’ carrega diversas significações, que foram discutidas em 
estudos dos historiadores argentinos Emílio Conti e Ricardo Rodríguez Molas e do 
uruguaio Fernando Assunção, entre outros. Até a metade do século XIX, o termo era 
utilizado de maneira depreciativa, e aparecia como sinônimo de gaudério, termo 
aplicado aos aventureiros paulistas que desertavam das tropas regulares para se 
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tornarem coureadores e ladrões de gado.Graças ao empenho de Paixão Côrtes e Barbosa 
Lessa, o termo foi absolutamente redimensionado na cultura brasileira. Ambos viajaram 
pela província do Rio Grande do Sul entre os anos de 1950 e 1952 em busca de registrar 
os hábitos sociais e culturais dos antigos habitantes.Em suas publicações, os dois 
folcloristas contribuíram para possíveis reconstituições do “enroupamento dos birivas 
do passado, em sua atividade de trabalho campestre diário ou festivo”(CÔRTES, 1999, 
p.21).Segundo Côrtes, 
“O Biriva trazia peculiaridades na metodologia do seu trabalho rural, 
no encilhar do cavalo, no modo de falar, na maneira de cantar, na 
forma de dançar, no alimentar-se, e até mesmo na originalidade do 
entrejar-se campesinamente. Enfim, possui uma identidade cultural, 
que o distingue das demais, no mosaico dos tipos regionais do Rio 
Grande.” (CÔRTES, 1999, p.20) 
Daniela Farias Garcia de Borba explica que biriva é o nome dado ao habitante de 
cima da Serra, descendente de bandeirante, ou ao tropeiro paulista, que geralmente tinha 
um sotaque diferente do sotaque da fronteira ou da região baixa do Estado. (BORBA, 
2012, p.02). 
 
À esquerda, retrato de Jean Baptiste Debret do traje de um proprietário de tropas 
(à esquerda) e de um tropeiro biriva (à direita). Na figura da direita, reconstituição do 
vestuário do tropeiro biriva por Paixão Côrtes.3 
 
3À esquerda, “Homme de Rio Grande – Gaúcho”. (Trad.: Homem do Rio Grande - Gaúcho). Jean Baptiste 
Debret. Aquarela sobre papel 16,5 x 21,5 cm assinada e datada embaixo, “J.B. Debret au Brezil 1825” 
Museu Castro Maya, Rio de Janeiro; 
À direita, indumentária usada no filme “Um Certo Capitão Rodrigo”, 1971, da obra de Érico Veríssimo, 
direção de Anselmo Duarte. Paixão Côrtes, na foto representando o papel de Pedro Terra, foi também 
consultor de costumes e revisou textos dos diálogos do filme. Traja espora, espada e guaiaca originais e 
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Ainda que Paixão Côrtes atente para a questão de que suas“considerações sobre 
o vestir do tropeiro biriva não são estanques, nem determinantes, e muito menos 
‘oficiais’” (CÔRTES 1999, p.21),a circulação destes hábitos no meio da cultura 
tradicional e folclórica gaúcha, principalmente por meio do Movimento Tradicionalista 
Gaúcho, fixou o imaginário do tropeiro biriva, assim como fixou nomenclaturas para os 
passos, para as danças e para caracterizar a hierarquia dos membros integrantes dos 
Centros de Tradições Gaúchas, os CTGs. 
“Parte do sucesso do gauchismo teatralizado que foi criado no final 
dos anos 1940 se deve, justamente, à capacidade de adaptação às 
exigências do presente. O 35 Centro de Tradições Gaúchas, clube 
fundado em 1948 por Côrtes, Lessa e outros estudantes do Colégio 
Júlio de Castilhos que participaram da primeira Ronda Crioula, no 
ano anterior, tornou-se um modelo de fácil reprodução em contextos 
urbanos, pois não exigia de seus membros o domínio das lidas 
campeiras ou alguma experiência efetiva com a vida rural, ao 
contrário dos clubes gaúchos criados pela elite pecuaristana Primeira 
República. Na estância fictícia dos CTGs, jovens estudantes eram 
iniciados em tradições recentemente fixadas (ritos, danças e cantos, 
principalmente), assim como num código de sociabilidade particular, 
inspirado no universo gauchesco, histórico mas também imaginado, 
incluindo uma vestimenta oficial, uma linguagem característica e até 
mesmo uma categoria social inteiramente nova, a "prenda" (termo 
sem precedentes históricos razoáveis para designar a mulher gaúcha), 
regulando as formas de conduta e as relações entre seus sócios”. 
(ZALLA & FISCHER, 2018, n.p) 
Muitos historiadores propõem que em Paixão Côrtes a tradição é aberta e se 
organiza com muito espaço para os contraditórios e para a pluralidade das 
manifestações. Porém, na mesma época da divulgação das pesquisas de Côrtes e Lessa, 
concorreram projetos de fabulação do mito do gaúcho heroico tradicional, 
embranquecido e elitizado, promovidos por historiadores e literatos mais próximos ao 
poder político. Esta imagem acabou sendo aquela predominantemente divulgada no 
país. 
Em relação à dança dos tropeiros Biriva, uma das narrativas mais propagadas nas 
tradições gaúchas é a de que o homem, que recebe o nome de “peão”, dança em disputa 
com o oponente com o objetivo de conquistar o amor da mulher pretendida, que recebe 
o nome de “prenda”. Esta narrativa está presente nos Centro de Tradições Gaúchas 
atualmente, e é por meio dela que muitos “patrões”, como são chamados os diretores ou 
presidentes dos CTGs, justificam a origem da dança da chula gaúcha. 
Outra imagem difundida nos centros de tradição gaúcha é a associação dos 
tropeiros e cavaleiros gaúchos a centauros. A imaginação de um gaúcho sempre 
 
uma bota de garrão adaptada. Fotografia de João Alberto. In: CÔRTES, J.C.Paixão. Danças Birivas do 
Tropeirismo Gaúcho: curso e festival. 1999, RS: Companhia Riograndense de artes gráficas, p. 19. 
https://gauchazh.clicrbs.com.br/ultimas-noticias/tag/ctg/
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montado – que, como descreve José de Alencar em “O Gaúcho”, não tinha outros 
amigos fiéis senão seu ‘pingo’ e que preferia viver entre os cavalos do que entre homens 
– teria consagrado este designativo de centauro, descritopela primeira vez pelo médico 
explorador alemão Avé-Lallement. 
“Com a perfeita segurança de um adulto, o pequeno laçou um cavalo, 
atirou sobre o animal sua sela riograndense e trotou para a frente, sem 
pestanejar; o rapazote era dos pés à cabeça um gaúcho, um centauro!” 
(AVÉ-LALLEMANT, [1859] 1953, p.175). 
O conde d’Eu também relaciona os gaúchos a centauros. Escreve: 
“Para o gaúcho só existe três classes de habitantes: o rio-grandense ou 
filho do país, o castelhano ou hispano-americano, e o baiano. Para o 
gaúcho rio-grandense, quer um homem tenha nascido à sua porta, na 
província de Santa Catarina, quer venha da Lapônia, é sempre baiano. 
(...) O baiano é um ser inferior porque não sabe manejar bolas nem 
laço, não se tem por centauro e não entende como desonra andar a 
pé”. (EU, 1981, p.69, grifo nosso) 
A referência aparece ainda em Euclides da Cunha, que descreve os “tipos 
díspares: o jagunço e o gaúcho”, estabelecendo a distinção entre o cavaleiro gaúcho e o 
vaqueiro nordestino. Escreve sobre o vaqueiro: 
“É impossível idear-se cavaleiro mais chucro e deselegante; sem 
posição, pernas coladas ao bojo da montaria, tronco pendido para a 
frente e oscilando à feição da andadura dos pequenos cavalos do 
sertão, desferrados e maltratados, resistentes e rápidos como poucos. 
(...) Colado ao dorso deste, confundindo-se com ele, graças a pressão 
dos jarretes firmes, realiza a criação bizarra de um centauro 
bronco.”(CUNHA, [1901] 2019, p.51) 
Já o gaúcho do Sul, 
“filho dos plainos sem fins, afeito às correrias fáceis nos pampas e 
adaptado a uma natureza carinhosa que o encanta, tem, certo, feição 
mais cavalheirosa e atraente. (...) O cavalo, sócio inseparável desta 
existência algo romanesca, é quase objeto de luxo. Demonstra-o o 
arreamento complicado e espetaculoso. O gaúcho andrajoso sobre um 
"pingo" bem aperado está decente, está corretíssimo. Pode atravessar 
sem vexames os vilarejos em festa.” (CUNHA, [1901] 2019, p. 52). 
Voltando ainda mais uma vez à referência aos centauros de Avé-Lallemant, 
“Ele monta, anda sempre montado, e o seu cavalo é o seu cão de 
pastor. Quando uma rês se desgarra, o pastor galopa atrás dela e num 
instante a reconduz à pastagem. Assim, desde crianças, aprendem os 
teuto-rio-grandenses a montar a cavalo e, como centauros, caracolam 
mesmo rapazolas através da planície”. (AVÉ-LALLEMANT, [1859] 
1953, p. 104). 
 Aqui a utilização do adjetivo ‘teuto’ (que indica aquilo ou aquele que tem 
origem alemã) não é ingênua. Segundo Teodoro Cabral, tradutor da versão original e 
autor do prefácio da edição de 1953 do livro Viagem ao Sul do Brasil no ano de 1858, 
Avé Lallemant era um nacionalista exaltado: 
“Êle (sic) via os estrangeiros com olhos de juiz rigoroso e inexorável, 
mas contemplava os seus próprios compatrícios com apaixonado 
 9 
amor e maternal condescendência.” (CABRAL apud AVÉ-
LALLEMANT, 1953, p. XII). 
 A escrita de Avé-Lallement, que Teodoro Cabral defende não ser “água-morna”, 
abre margem para uma interpretação de uma realidade particular, e não geral, dos 
habitantes de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul. 
Esta interpretação é discutida por Giseli Giovanela Rodrigues em sua 
monografia “Viajantes e negros no Sul do Brasil: contando uma história do século XIX” 
(2009). Segundo ela, no discurso de Avé-Lallemant transparece a influência do conceito 
de raça na leitura que faz da população brasileira. 
“A vida e a atividade à maneira alemã enchem-no de orgulho, afirma 
que seu coração dispara ao se defrontar com uma genuína casa de 
colonos, onde graciosas crianças louras brincam diante da porta e 
quando escuta o cumprimento”. (RODRIGUES, 2009, p.47) 
 Mas seria europeia a ascendência dos tropeiros? Quais traços étnicos estariam 
presentes nos tropeiros? 
A interpretação de Avé-Lallemant encontra eco na formulação heroica do 
tropeiro paulista, capitaneada por Affonso d’Escragnolle Taunay, como veremos 
adiante. 
 
São Paulo 
Os dançarinos do fandango de chilenas Irmãos Lara, de Capela do Alto, SP, 
explicam que a dança que praticam há mais de 60 anos lhes foi ensinada por seus pais e 
avôs, que eram tropeiros.“O fandango vem dos tropeiros. Inclusive meu pai era tropeiro 
e meu avô era tropeiro também”. (FANDANGOS, 2019, n.p.). 
Aos tropeiros paulistas estão relacionadas as danças da(o) catira, do cateretê, os 
fandangos de tamanco de cuitelo e os fandangos de chilenas. 
Capela do Alto, assim como Ribeirão Grande e Capão Bonito, cidades no Estado 
de São Paulo que sediam grupos de fandango de tamancos de cuitelo, se localizam na 
rota dos tropeiros, conhecida no século XVII como Paulistânia.A Paulistânia, região 
conformada pela expansão geográfica dos paulistas encabeçada pelos bandeirantes nos 
séculos XVI, XVII e XVIII, refere-se não apenas à “incorporação de território às terras 
da Coroa portuguesa na América, mas à definição de certos tipos de cultura e vida 
social, condicionados em grande parte por aquele grande fenômeno de 
mobilidade”(CANDIDO, 2010, p. 43) relacionado inicialmente aos bandeirantes e 
posteriormente aos tropeiros. 
Para Álvaro Augusto, o tropeiro é 
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“o homem sorocabano, lembrando que Sorocaba tinha suas divisas 
entre Itu, Iguape e Curitiba, então quando eu falo Sorocaba de 1700, a 
Sorocaba do Baltasar [Fernandes, fundador da cidade], é uma 
Sorocaba bem maior que a Sorocaba de hoje. [O tropeiro] é o 
Sorocabano que vai pro Uruguai e Argentina buscar burro e mula, 
meio de transporte, e traz a Sorocaba para vender na feira de muares”. 
(AUGUSTO, 2021,n.p.) 
A Vila de Sorocaba estava situada numa posição geográfica estratégica: 
“Era a vila mais ao sul da província [de São Paulo] antes dos campos 
de Curitiba, possuía clima e relevo próprios ao descanso e engorda 
dos animais após as longas jornadas desde o Sul e antes de sua 
comercialização.” (CHIOVITTI, 2003, p. 06). 
“Além disso, o rio Sorocaba era o último rio navegável antes do caminho do sul 
bifurcar-se: um lado permitia seguir para São Paulo e outro para Minas Gerais.” 
(TRINDADE, 1992, p. 64). Mas foi a ponte sobre o rio Sorocaba que possibilitou a 
implementação, em 1756, de um registro para a cobrança de impostos pela coroa 
portuguesa sobre os animais comercializados, e este foi o principal aspecto que 
favoreceu a instalação da feira de tropas naquela vila e que a tornou sede do maior 
mercado de vendas de burros e mulas do país. Para se ter uma ideia, comercializava-se 
uma média de 50 mil animais por feira, atingindo os números de 200 mil animais sendo 
vendidos ao longo de dois meses ao ano. (O ÚLTIMO, 2012, n.p). 
Nanci Marti Chiovitti afirma que Affonso d’Escragnolle Taunay foi um dos 
primeiros historiadores a dar lugar de destaque ao tropeiro dentro da história nacional. 
“O tropeiro encarna a expressão mais pragmática da história 
ideológica do alargamento das fronteiras nacionais, confirmada pela 
marcha civilizatória em direção ao interior do Brasil, levando sempre 
novidades e sendo esperado e respeitado por todos.” (CHIOVITTI, 
2003,p. 37) 
Taunay, biógrafo e historiador que se especializou como o grande mestre do 
bandeirismo paulista, como informa o portal da academia brasileira de letras, esteve na 
direção do Museu Paulista entre 1917 e 1945. Ocupado em construir uma identidade 
paulista, é Taunay quem mitifica a figura dos bandeirantes e que identifica a raça 
paulista como uma “raça de gigantes”, insistindo em atribuir sua conformação a uma 
“afusão arianizante”, defendendo um componente de “forte descendência europeia, 
sobretudo a germânica, de quem teriam herdado o temperamento aventureiro e nômade” 
(BREFE, 1999, p.188). No período em que dirigiu o Museu Paulista, Taunay organizou 
salas consagradas à iconografia sobre o cotidiano da Província de São Paulo, às 
bandeiras, às monções e ao tropeirismo. 
“O legado que Taunay deixou em relação à produção sobre o 
tropeirismo fazia parte das ideias e preocupações do mesmo em 
relação à formação da nação, tendo em vista a legitimidade da 
 11 
hegemonia paulista em relação a outros estados” (CHIOVITTI, 2003, 
p. 38) 
Através da exposição de pinturas de Henrique Távola, Alfredo Norfini e Franta 
Richter, Taunay formuloua apropriação do tropeiro no Museu Paulista, confirmando a 
existência de uma raça paulista e associando a origem dos tropeiros a famílias 
pertencentes a elevados graus de hierarquia nobiliárquica. 
Utilizando um texto escrito por Luiz Francisco d’Abreu Medeiros, Taunay 
cristalizou a imagem do tropeiro como um herói do sertão: 
“Romper sertões extensos, só habitados por indígenas e feras bravias; 
penetrar até os mais recônditos lugares do Rio Grande, e às vezes 
transpor os limites da província; ir até os castelhanos em busca de 
melhor fazenda e de um negócio mais vantajoso; voltar debaixo de 
rigoroso sol e copiosas chuvas com uma tropa de 500, 800 e mil 
bestas; correr a extensão dos campos, e se entranhar pelas espessas 
matas após aqueles animais que fogem (...); atravessar, com grande 
risco de vida, os rios caudalosos que cortam as estradas; comer, ao 
romper do dia e à noite, o mal cozido feijão do caldeirão e o velho 
churrasco, saboreando também o infalível e proverbial mate 
chimarrão; ver-se obrigado, pela falta de uma barraca ou pela 
impossibilidade de armá-la, a dormir ao relento (...)” (MEDEIROS 
apud CHIOVITTI, 2003, p. 54) 
Em busca da figura idealizada do tropeiro nobre, Taunay generalizou sob a 
mesma categoria todos os trabalhadores que integravam as tropas. No entanto, 
“Conforme os documentos do século XVIII, tropeiro era o dono da 
tropa, que podia ser um comerciante ou o dono de um sítio que vendia 
seus produtos. O termo referia-se também ao capataz que conduzia ou 
comprava a tropa. Os que trabalhavam na tropa eram chamados de 
arrieiros, comboieiros ou peões. No início do século XIX o termo 
tropeiro refere-se, além do proprietário e do capataz, também aos 
arrieiros e peões.” (FLORES apud CHIOVITTI, 2003, p. 40) 
Segundo Márcia Scholz de Andrade Kersten, 
“A tropeada obedecia a uma rígida estratificação, em cuja liderança 
surgia a figura do tropeiro, geralmente dono da tropa; mas o capataz 
também era reconhecido como tropeiro, pela importância de suas 
funções na tropa. O capataz, homem de confiança do tropeiro, dividia 
com ele as funções de conduzir e administrar a tropa: formar 
comitiva, contratar e pagar a peonada, comprar e vender animais, 
controlar o dinheiro e cuidar da contabilidade. Ele também escolhia o 
arribador, bom cavaleiro e habilidoso com o laço, quem tinha a 
função de arribar (conter) o animal desgarrado da tropa. O 
madrinheiro viajava na frente da tropa, conduzia a égua madrinha, 
que comandava o ritmo da caminhada; o contra-madrinheiro, seu 
auxiliar, era também conhecido como sota-capataz. Já o peão-
culateiro exercia a mesma função que o madrinheiro e o sinuelo 
viajava ao seu lado. A função do peão franqueador cabia a dois 
homens, um de cada lado da tropa para conter os animais em marcha 
durante as saídas. O cozinheiro-comitiveiro levava o cargueiro, fazia 
as compras e preparava a comida. Já ao final da hierarquia, vinha o 
peão que exercia todas as funções auxiliares da tropa. No entanto, 
paulatinamente o termo tropeiro passa também a designar qualquer 
indivíduo que tenha participado de uma tropeada. (KERSTEN, 2006, 
p.82) 
 12 
De todo modo, contrariamente à iniciativa de historiadores da década de 1920 
em criarem uma nobreza para os tropeiros, esta categoria de trabalhadores teria 
abarcado grande diversidade de tipos e classes sociais que se arriscavam nesta atividade. 
Aqueles que compunham o grosso das tropas, arrieiros, madrinheiros, peões, estavam 
muito mais relacionados a operários do que aos capitalistas donos das mercadorias. 
Estes últimos em poucas ocasiões teriam empreendido as viagens mais longas. 
Staforini aponta que, por um lado, é possível estabelecer uma divisão social do 
trabalho dos tropeiros expressa na divisão territorial do trabalho: 
“gaúchos eram responsáveis pela criação de animais, paranaenses 
pelo aluguel de campos para invernada das tropas e os paulistas pela 
comercialização dos muares.” (STAFORINI apud CHIOVITTI, 2003, 
p. 45) 
Por outro lado, a divisão social do trabalho no interior das próprias tropas, nas 
quais integravam cozinheiros, arrieiros, madrinheiros e peões, a partir do século XIX 
seria paulatinamente borrada, sendo designados tropeiros todos aqueles que 
participavam do trabalho. 
Do ponto de vista étnico, o imaginário fixado pelas exposições e textos 
publicados na gestão de Taunay no Museu Paulista, que pretendeu a elitização e o 
embranquecimento da figura do tropeiro, entra em contraste com pinturas de Jean 
Baptiste Debret e Thomas Ender e com arquivos históricos analisados por Geosiane 
Mendes Machado. Em seu estudo sobre fugas escravas e estratégias de inserção social 
do fugido nos últimos decênios do século XIX em Minas Gerais, a autora aponta que, 
entre as especializações dos escravizados fugitivos anunciados nos jornais de Ouro 
Preto entre 1871 e 1888, estavam: tropeiro, carreiro, arrieiro, cavaleiro, cargueiro, peão 
e lida com animais (MACHADO, 2010, p. 161). 
Jean Baptiste Debret nos informa em seus retratos a presença de variadasfiguras, 
confirmando a pluralidade de pessoas empregadas na função. Em suas gravuras e 
aquarelas, 
“Os condutores de tropas responsáveis por tanger a mularia aparecem 
sempre representados como mestiços, livres, africanosescravizados 
ou indígenas civilizados, montados ou a pé, mas portando sempre 
laços para conduzir ou laçar o gado e por vezes o relho (...) O 
tangedor africano escravizado descalço aparece nas imagens de 
Debret conduzindo a comitiva, grupo de animais dóceis que vão à 
frente da tropa seguindo a madrinha, formando uma espécie de 
muralha que regula a marcha. (BUENO; BARRETO; DIAS, 2021, 
P.43) 
 13 
 
À esquerda, o tropeiro conduz descalço a tropa. À direita, também descalço, o 
tropeiro segura um saco feito com pele de boi que geralmente era atado às cangalhas das 
mulas e transportava grãos e queijo. Note-se que em ambas as imagens os tropeiros são 
retratados como negros ou miscigenados.4 
 
A presença indígena nas tropas também denota um importante aspecto: 
Nesta prancha de Debret, os indígenas Charruas aparecem como civilizados, em trajes 
 
4 À esquerda,“Tropa de Mulas”, 1822. Jean-Baptiste Debret. Aquarela sobre papel, detalhe.Museus 
Castro Maya - IPHAN/MinC (Rio de Janeiro, RJ); 
À direita, “Tropeiros Pobres de São Paulo”, 1823. Jean-Baptiste Debret. Aquarela sobre papel, c.i.d. 
22,30 cm x 15,20 cm. Museus Castro Maya - IPHAN/MinC (Rio de Janeiro, RJ). 
 14 
que Paixão Côrtes e Barbosa Lessa identificaram como birivas. Na gravura, ambas as 
figuras são representadas com artefatos e apetrechos de montaria.5 
O próprio título da gravura de Debret imprime o nome “Charruas”, etnia 
indígena que ocupava os territórios dos pampas atualmente atribuídos ao Rio Grande do 
Sul, à Argentina e ao Uruguai. Grupos Charruas, cuja economia tinha como base a caça 
e a coleta, portanto semi-nômades, sofreram constantes perseguiçõesao longo da 
colonização. Para resistir encontraram na montaria uma estratégia que permitia alcançar 
maiores distâncias e maior rapidez às constantes fugas (PRECHT & TIMM, 2011,p. 
01). 
O pintor, aquarelista, gravador e desenhista Thomas Ender apresenta outras 
referências a respeito da etnicidade dos tropeiros: 
 
Na figura da esquerda, notamos traços negros na figura de um paulista em 
poncho retratado por Thomas Ender. À direita, um viajante paulista em poncho. Ambos 
são retratados descalços.6 
As botas e calçados, portanto, não são presença constante em todas as figuras 
empenhadas nesta cultura, aspecto que fica mais evidente na imagem a seguir: 
 
5“Charruas Civilisés (Pions.)”. Trad. Charruas Civilizados (Peões). Jean Baptiste Debret. gravura: litografia 
pb.; dimensões da grav.: 24,0 x 33,5 cm em f. 54,0 x 36,0 cm. 1834. Biblioteca Brasiliana Guita e José 
Mindlin. 
6 À esquerda, “Paulist in Boncho”, 1817. Trad.: paulista com poncho.Thomas Ender. Lápis aquarelado, 
detalhe. Kupferstichkabinett der Akademie der bildenden Künste Wien (Áustria); 
À direita, “Reisender Paulist in Boncho”, 1817. Trad.: Viajante paulista com poncho.Thomas Ender. Lápis 
aquarelado, 20,00 cm x 19,30 cm. Kupferstichkabinett der Akademie der bildenden Künste Wien 
(Áustria) 
 15 
 
Aqui notamos figuras descalças e outras calçadas. Note-se que as botas são 
manufaturadas em diversos materiais (vemos, da esquerda para a direita, um homem 
descalço, um segundo homem que possivelmente calça um tamanco com meias (os 
tamancos são referências no fandango de tamancos de cuitelo, dança paulista); o 
terceiro tropeiro usa uma amarração de couro com esporas nos pés descalços; o quarto 
tropeiro utiliza uma bota que aparenta ser um garrão de potro (ou de boi), bota 
confeccionada do couro da canela dos animais ao qual se dava um nó na ponta, ou 
mesmo vestia somente a canela do tropeiro. Por fim, o último homem da esquerda para 
a direita se encontra descalço. É relevante também a presença de variados tipos 
artesanais de chapéus de palha com barbicachos e um chapéu de couro; variados talhes 
de ponchos e tipos de calças.7 
 
 
 
7“Tropeiros Paulistas em Variados Trajes” ou “Tropeiros Paulistas no Rio de Janeiro”. Jean Baptiste 
Debret. 1823. Aquarela sobre papel (detalhe). Museus Castro Maya - IPHAN/MinC (Rio de Janeiro, RJ) 
 16 
 
Em roupas rasgadas, a fotografia acima apresenta, por seu próprio título, um 
cozinheiro de tropeiros.8 
 
As imagens expostas ilustram quena cultura tropeira, definitivamente, não há a 
participação exclusiva de homens brancos, muito menos em trajes permanentemente 
adornados e festivos. Portanto, contrastam com a invenção de um personagem 
idealizado e romantizado, proposto pela narrativa de Affonso Taunay, e com dançarinos 
galantes e garbosos, na ficção do Movimento Tradicionalista Gaúcho. 
A figura do tropeiro, então, não se reduz a uma representação, e sim a múltiplas, 
sendo indispensável considerarmos estas especificidades e diferenças.Ora, se as 
atividades econômicas desempenhadas por estes trabalhadores eram diferentes, diversos 
eram também os aspectos culturais associados a eles, que resvalavam diretamente nas 
danças. 
 
8“Um Cusinheiro de Tropeiros”. Sem Identificação. Sem data. Acervo Biblioteca Nacional. 
 17 
 
Haverá, então, uma dança de tropeiros? Provavelmente não. Não no âmbito 
exclusivo de uma dança característica e originária deste movimento econômico e 
cultural. Não uma dança categorizada ou simbolizada pela presença de botas e esporas, 
já que tanto Ender quanto Debret fazem chegar até nós imagens de tropeiros descalços. 
Então, o tropeiro não dança? Sim, dança. Alguns pesquisadores e mestres da 
cultura tradicional afirmam que o tropeiro dança nas pausas em pousos das jornadas, 
outros afirmam que somente quando está arranchado, em sua casa, nos meses em que 
não está trabalhando. De toda forma, arranchado ou pousado, compartilha danças 
inseridas no complexo cultural do caipira, e não exclusivamente danças sapateadas. O 
tropeiro dança a chula gaúcha, a dança dos facões, o fandango de cuitelo, o catira, o 
cururu, e dança também a quadrilha, a dança de São Gonçalo, o terno de São Benedito, 
o pau de fitas, as danças a dois. Danças que fazem parte de um complexo cultural maior, 
que podemos nomear como caipira. 
Segundo Antônio Cândido, 
“Em certas porções do grande território devassado pelas bandeiras e 
entradas – já denominado significativamente Paulistânia – as 
características iniciais do vicentino se desdobraram numa variedade 
subcultural do tronco português, que se pode chamar de "cultura 
caipira" (CANDIDO, 2010, p. 43). 
Assim, como sugere Álvaro Augusto Antunes Assis, nos parece mais assertivo 
pensarmos que as danças de composições sapateadas e palmeadas não são exclusivas 
dos tropeiros, mas sim compartilhadas por agricultores, pastores, guasqueiros, 
forjadores, marceneiros, artesãos, trabalhadores que, assim como os tropeiros, 
compartilham da cultura caipira nas diversas e constantes festas nos arraiais. 
 
 
 
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