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Steven C. Hayes Kirk D. Strosahl Kelly G. Wilson Terapia de aceitação e compromisso o processo e a prática da mudança consciente 2ª edição Tradução Sandra Maria Mallmann da Rosa Revisão técnica Mônica Valentim Terapeuta comportamental contextual. Mestra em Psicologia Experimental pela Universidade de São Paulo. Doutora em Pediatria pela UNESP Botucatu. Ex-presidente e fundadora do capítulo brasileiro da Association for Contextual Behavioral Science (ACBS). Peer-Reviewed ACT Trainer pela ACBS. Versão impressa desta obra: 2021 Porto Alegre 2021 Obra originalmente publicada sob o título Acceptance and commitment therapy: the process and practice of mindful change, second edition. ISBN 9781462528943 Copyright © 2012 The Guilford Press A Division of Guilford Publications, Inc. Published by arrangement with The Guilford Press Gerente editorial Letícia Bispo de Lima Colaboraram nesta edição: Coordenadora editorial Cláudia Bittencourt Capa Paola Manica | Brand&Book Preparação de originais Camila Wisnieski Heck Leitura final Heloísa Stefan Editoração Ledur Serviços Editoriais Ltda. Produção digital Loope Editora | www.loope.com.br Steven C. Hayes, PhD, é professor da Nevada Foundation do Departamento de Psicologia da University of Nevada. Sua carreira está focada na análise da natureza da linguagem e cognição humanas e na sua aplicação à compreensão e ao alívio do sofrimento humano. Kirk D. Strosahl, PhD, é psicólogo de cuidados primários da Central Washington Family Medicine, em Yakima, Washington, onde promove o uso da ACT na prática médica geral, predominantemente com clientes de baixa renda, sem seguro ou com cobertura insuficiente. Kelly G. Wilson, PhD, é professor associado de psicologia da University of Mississippi, onde também é diretor do Center for Contextual Psychology e do ACT Treatment Development Group. H417t Hayes, Steven C. Terapia de aceitação e compromisso : o processo e a prática da mudança consciente [recurso eletrônico] / Steven C. Hayes, Kirk D. Strosahl, Kelly G. Wilson ; tradução: Sandra Maria Mallmann da Rosa ; revisão técnica: Mônica Valentim. – 2. ed. – Porto Alegre: Artmed, 2021. E-pub. Editado também como livro impresso em 2021. ISBN 978-65-81335-29-8 1. Terapia cognitivo-comportamental – Psicoterapia. 2. Psicologia. I. Strosahl, Kirk D. II. Wilson, Kelly G. III. Título. CDU 159.9:616.89 Catalogação na publicação: Karin Lorien Menoncin – CRB 10/2147 Reservados todos os direitos de publicação, em língua portuguesa, ao GRUPO A EDUCAÇÃO S.A. (Artmed é um selo editorial do GRUPO A EDUCAÇÃO S.A.) Rua Ernesto Alves, 150 – Bairro Floresta 90220-190 – Porto Alegre – RS Fone: (51) 3027-7000 SÃO PAULO 11 Conexão com os valores ◊ ◊ ◊ ◊ ◊ ◊ Se não decidimos para onde vamos, estamos sujeitos a acabar indo para onde nos direcionamos. DITADO CHINÊS Neste capítulo, você aprenderá… Como os valores podem ser usados para criar um senso de significado e direção na vida. Como os valores diferem dos objetivos de vida, mas estão associados a eles. A distinção entre o ato de escolher e o ato de decidir. Como apoiar a construção do cliente de direções valorizadas. Como ajudar os clientes a distinguir entre valorização como comportamento e valorização como sentimento. Como separar valores de pressões sociais e comunitárias insatisfatórias. VISÃO GERAL PRÁTICA A ACT presume que todo cliente já possui tudo o que é necessário para viver uma vida rica e significativa. Para a maioria dos clientes, no entanto, a habilidade de ver e seguir em uma direção valorizada foi prejudicada pela fusão verbal e pela esquiva experiencial. Pensamentos sobre o passado, emoções, estados corporais e outros não estimulam uma ação que enriquece a vida, especialmente quando são vistos no contexto de literalidade, controle e dar razões. Pensamentos e sentimentos com frequência levam a direções contraditórias e convidam a um foco em objetivos de processo irrelevantes (p. ex., livrar-se de certos sentimentos, ter apenas certos pensamentos). Valores escolhidos fornecem uma leitura da bússola muito mais estável. Valores podem motivar o comportamento mesmo em face de adversidades pessoais imensas. Os clientes estão sofrendo, sim... mas sem valores, não. Depois de despertada, a valorização pode se tornar uma parte poderosa de uma existência vital. Um exemplo dessa ideia simples é encontrado no livro Em busca de sentido, de Victor Frankl. Frankl descreve um ponto no tempo próximo ao final da II Guerra Mundial quando descobriu um meio de escapar do campo de concentração onde era prisioneiro. Ele descreve quando fez uma última ronda dos pacientes em seu hospital improvisado. Ele se aproxima de um paciente a quem esperava salvar, mas que estava morrendo. O paciente olhou para Frankl e disse: “Você também está saindo”. Frankl descreve ter experimentado uma terrível sensação de agitação. Procurou seu colega, com quem havia planejado fugir, e disse que iria ficar e cuidar dos seus pacientes. Quando voltou ao seu trabalho, Frankl relatou que sentiu uma sensação de paz diferente do que jamais havia experimentado (Frankl, 1992, p. 68). Se Frankl pôde experimentar um senso de propósito e paz em um dos ambientes mais terríveis imaginados pela humanidade, então nossos clientes, não importa a história que carregam, são capazes de viver uma vida rica e significativa. Quando dizemos rica e significativa, não queremos dizer sem dores. Queremos dizer rica e significativa segundo os padrões dos nossos clientes. Acreditamos que o sofrimento é universal na condição humana. Se você viver por tempo suficiente, as pessoas que você ama algum dia vão morrer, as carreiras chegarão ao fim, seu corpo vai envelhecer. O que ajuda a dignificar a vida, considerando-se o conhecimento certo de que todos vão sofrer com o tempo? Quando perguntamos aos clientes o que eles fariam se pudessem finalmente aplacar sua dor psicológica, costumamos ouvir coisas sobre família, carreira, engajamento social, autodesenvolvimento e outras. Contudo, o modo de solução de problemas da mente nos diz que não se pode ter essas coisas até que a dor psicológica seja dominada. Esse pressuposto naturalmente leva ao foco excessivo nos objetivos do processo (i.e., reduzir a depressão, a ansiedade, os flashbacks, o impulso de beber ou se drogar, aumentar a autoconfiança, etc.), com o resultado de mais longo prazo de que os clientes perdem sua conexão com missões mais significativas na vida. Essa desconexão pode se tornar tão generalizada que os clientes literalmente não “sabem” no que acreditam ou o que querem que suas vidas signifiquem. Não é incomum, na prática clínica, perguntar ao cliente algo como “O que você estaria fazendo na sua vida se não tivesse que gastar toda essa energia no controle do seu X (depressão, bebida, etc.)?” e ouvir como resposta: “Não sei”. Um objetivo importante da ACT é ajudar os clientes a construir um senso de direção na vida que pode ser perdido em sua luta para acabar com seu sofrimento diário. Eles podem descobrir que mesmo os menores passos em direção à promoção dos próprios valores podem trazer nova vitalidade para uma vida na qual uma mesmice sufocante reina há muito tempo. APLICAÇÕES CLÍNICAS Em ACT, valores são consequências livremente escolhidas e verbalmente construídas de padrões de atividade contínuos, dinâmicos e em evolução que estabelecem reforçadores predominantes para essa atividade que são intrínsecos ao engajamento no próprio padrão comportamental valorizado (Wilon & DuFrene, 2009, p. 66). Examinamos os componentes dessa definição no Capítulo 3 e discriminamos seu significado. Talvez as coisas que mais devem ser lembradas no trabalho clínico são, primeiramente, que, mesmo que os valores sejam socializados, eles têm uma qualidade de serem livremente escolhidos em vez de serem forçados por outras pessoas ou por emoções que precisam ser evitadas; e, em segundo lugar, que eles estabelecem consequências apetitivas intrínsecas. Valores não pertencem a um futuro distante. Eles têm uma qualidade apetitivanão evitativa no agora a despeito de sua extensão temporal – é como se o significado no presente se estendesse ao longo do tempo. De certo modo, esse processo estabelece um novo tipo de contingência da teoria evolucionária multinível dentro da ACT: não só as contingências de reforçamento, mas contingências de significado baseadas no condicionamento relacional e nos processos cognitivos que ele estabelece. Depois que esse novo critério de seleção está estabelecido, os sistemas comportamentais começam a evoluir naturalmente na sua direção. A evolução do comportamento ocorre com qualquer reforçador, porém muitos reforçadores levam a picos adaptativos. Por exemplo, a esquiva experiencial é reforçada, mas não leva a lugar algum. O trabalho com valores permite que os sistemas comportamentais evoluam na direção de qualidades e padrões escolhidos. Valorização como ação Terapeuta: Cliente: O terapeuta em ACT faz diversas distinções quando discute a questão dos valores. Entre as mais importantes, encontra-se a distinção entre valores como sentimentos e valorização como ações. Esses dois aspectos com frequência são inteiramente confusos para o cliente. O exemplo de valorizar um relacionamento amoroso com o próprio cônjuge é instrutivo. Sentimentos amorosos podem aumentar e diminuir com o tempo e as situações. Ter um comportamento amoroso (i.e., respeitoso, atencioso, etc.) somente quando temos sentimentos de amor (e nos comportamos da forma oposta quando surgem sentimentos negativos) tem efeitos problemáticos em um casamento. No entanto, esta é precisamente a dificuldade que encontramos quando valores são confundidos com sentimentos, já que os sentimentos não estão completamente sob controle voluntário e tendem a ir e vir. Esta questão é essencialmente a mesma que discutimos anteriormente no contexto do controle emocional e do raciocínio emocional. O contexto cultural que apoia a associação entre sentimentos de amor e atos de amor é o mesmo contexto cultural que apoia que o cliente com agorafobia permaneça em casa na presença de alta ansiedade e que o alcoolista beba na presença de forte impulso. Se o cliente baseia a vida inteiramente na ausência de obstáculos emocionais ou cognitivos, direções valorizadas não poderão ser perseguidas de forma comprometida, já que mais cedo ou mais tarde algum obstáculo formidável será encontrado. À medida que o cliente segue a trajetória da vida, inevitavelmente surgem obstáculos, e a vida pergunta: “Você vai me receber?”. Se a resposta for “Não”, então a jornada deve parar. Na área dos valores, isso significa que precisamos aprender a valorizar mesmo quando não gostamos, a amar mesmo quando estamos com raiva e a cuidar mesmo quando estamos aflitos. Uma maneira útil de distinguir sentimentos de ações é começar com coisas pelas quais o cliente não tem sentimentos fortes. O diálogo a seguir é um exemplo. Vamos fazer um pequeno exemplo bobo. Você se preocupa com o número de pessoas que usam meias com estampa de losangos? Não, por que eu deveria? Terapeuta: Cliente: Terapeuta: Cliente: Terapeuta: Cliente: Terapeuta: Cliente: Terapeuta: Cliente: Terapeuta: Cliente: Terapeuta: OK. Bem, o que eu quero que você faça é que realmente desenvolva uma forte crença de que os universitários devem usar meias com estampa de losangos. Sinta verdadeiramente isso. Realmente se mobilize com isso! Não consigo. Bem, tente de verdade. Sinta intensamente isso. Está funcionando? Não. OK. Agora, quero que você imagine que, mesmo que não consiga sentir fortemente isso, você vai agir de alguma forma que torne as meias com estampa de losangos importantes para os universitários. Vamos pensar em algumas maneiras. Você poderia, digamos, percorrer os dormitórios que têm baixas porcentagens de usuários de meias com estampa de losangos. O que mais? Eu poderia bater nos universitários que não usam. Ótimo! O que mais? Eu poderia oferecer gratuitamente aos universitários as meias com estampa de losangos. Ótimo. E note uma coisa: embora essas coisas possam ser ações tolas, você poderia realizá-las com facilidade. E seria lembrado para sempre como aquele cara idiota que perdeu seu tempo se preocupando com meias com estampa de losangos! Sim, e, talvez, devido ao seu compromisso com isso, seria lembrado como a pessoa responsável por trazer as meias com estampa de losangos de volta à moda. Mas note isto: se você se comportasse assim, ninguém jamais saberia que você não tem fortes sentimentos em relação a meias com estampa de losangos. Tudo o que eles veriam seriam suas pegadas... suas ações. OK. Agora, eis a questão. Se fizesse isso, você estaria de fato tornando as meias com estampa de losangos importantes na sua Cliente: Terapeuta: vida? Com certeza. OK. Então, o que se coloca entre você e a ação com base em coisas que você realmente considera importantes? Não pode ser os sentimentos, se eles não são críticos nem quando estamos lidando com algo tão trivial. Aqui, o terapeuta em ACT está focando na valorização da ação. Esforços para o controle consciente funcionam na arena do comportamento, mas são um problema na arena das experiências privadas. Faz muito mais sentido focar no que pode ser regulado diretamente (comportamento manifesto) do que em eventos que não podem ser facilmente controlados (eventos privados). Iniciando por uma questão trivial, o cliente pode ver que escolher considerar alguma coisa como importante não é necessariamente uma questão emocional. Essa percepção pode facilitar um pouco a conversa sobre material pessoalmente mais relevante sem associar sentimentos e resultados de valores. Valorização como escolha Valores são úteis porque ajudam os humanos a escolher entre as alternativas. Nos humanos, a escolha entre as alternativas quase sempre ocorre na presença do modo de solução de problemas da mente, o que é útil para gerar razões a favor e contra um curso de ação particular. Razões são formulações verbais de causas e efeitos. São tentativas de responder à pergunta: “Por que eu devo ou não X?”. Como uma forma mais precisa de falarmos sobre isso, chamamos de decisões a seleção entre alternativas baseada em razões. As decisões são explicadas, justificadas, associadas e guiadas por processos verbais de tomada de decisão, tais como prever, comparar, avaliar ou pesar os prós e os contras. Para que ocorra valorização, é essencial que valores não sejam confundidos com decisões e julgamentos – os valores devem ser escolhas. Uma escolha é uma seleção entre alternativas que pode ser feita com razões (se houver razões disponíveis), mas não por razões. As escolhas não são explicadas, justificadas, associadas ou guiadas por avaliações verbais e julgamentos. Dizer que uma escolha não é feita por razões não quer dizer que não haja fatos históricos que deem origem a determinada escolha. Significa que as formulações verbais que determinada pessoa constrói em relação a uma escolha não são a causa para que a escolha específica seja feita. Definido dessa forma, os animais podem escolher, mas não podem julgar. Parece improvável que os humanos, meramente porque acrescentaram o comportamento verbal, não possam fazer o que um animal pode fazer muito naturalmente. A ACT procura evitar a confusão entre ação escolhida e ação logicamente derivada. O seguinte roteiro sugerido demonstra como o terapeuta em ACT pode abordar a questão do julgamento e escolha: “Para lidar com essa questão da valorização, vamos fazer distinção entre escolhas e decisões. As duas são confundidas com frequência. Uma decisão é uma seleção entre cursos de ação alternativos feita por uma razão. Uma ‘razão’ é uma formulação de causa e efeito ou dos prós e contras. Quando eu digo ‘por uma razão’, pretendo dizer que a ação está ligada à razão, guiada pela razão, explicada pela razão ou justificada pela razão. Assim, por exemplo, você pode decidir investir em ações porque a empresa tem boa administração, um novo produto que você acha que terá sucesso e forte registro de crescimento. Essas razões guiam,explicam e justificam a compra das ações. Escolhas são outra coisa. Uma escolha é uma seleção entre alternativas que não é feita especificamente por determinadas razões, embora em geral seja feita na presença de razões (porque somos seres verbais).” Para ajudar o cliente a ver a distinção entre escolhas e decisões, o terapeuta pode primeiro explicar a distinção intelectualmente dessa maneira e, então, colocar as duas mãos à frente, cada uma fechada como se estivesse segurando alguma coisa, e dizer: “Rápido, escolha uma”. O clínico, então, pergunta: “Por que você escolheu esta mão?”. Como a escolha é trivial, a reação mais comum é “por nenhuma razão”. (Se é dada uma razão, essa escolha trivial ou variante pode ser repetida ainda mais rapidamente para que o cliente não tenha tempo de gerar razões.) Se o cliente não escolheu por uma razão, o clínico pode, então, perguntar com certo espanto: “Isso é possível? Você consegue apenas escolher coisas? E você saiu impune – o céu não caiu?”. O terapeuta pode, então, pedir que a pessoa faça exatamente a mesma coisa enquanto pensa em várias razões para escolher a mão esquerda ou a direita. Por exemplo, a pessoa pode ser encorajada a pensar “a direita é melhor” e, então, simplesmente escolher uma ou outra. Se esse obstáculo puder ser transposto, o clínico pode dizer que cada mão representa uma alternativa um pouco mais importante enfrentada pelo cliente (p. ex., a mão esquerda é “Vou comprar aquela mesa”, e a direita é “Não vou”), e o cliente deve simplesmente escolher uma ou outra, agora com razões (já que qualquer coisa de importância naturalmente incita uma análise das alternativas), mas não por razões. Dessa maneira, o nível pode ser elevado gradualmente até uma área de valores, ainda mantendo a ação como escolha, não como julgamento. Se a pessoa continuar levantando razões para abordar por que a escolha está sendo feita, uma estratégia é perguntar por que cada razão é verdadeira. Depois de repetir essa pergunta duas ou três vezes, a resposta habitual é “Eu não sei”. Essa resposta pode, então, ocasionar um exame do quanto são “razoáveis” tais julgamentos. O quanto pode ser razoável escolher entre alternativas quando essas razões são apenas superficiais? Por exemplo, suponha que perguntemos a um cliente por que ele bebe Coca-Cola em vez de Pepsi. A resposta geralmente é algo como “Porque eu gosto do gosto”. Se, então, perguntamos “Por que você gosta do gosto?”, geralmente a pausa precedendo uma resposta crível será muito longa. Por fim, a resposta que obtemos é algo como “Apenas gosto”. Em outra variante, o cliente pode ser solicitado especificamente a fazer uma escolha entre duas alternativas (p. ex., tipos de alimento). O terapeuta pode, então, perguntar: “Por que você escolheu essa?”. Tal pergunta é uma artimanha. Se a pessoa responde dando razões, e a ação ocorreu por essas razões, então foi uma decisão, e não uma escolha. O terapeuta pode repetidamente se recusar a aceitar a razão da pessoa como uma resposta: “Mas eu não pedi que suas papilas gustativas escolhessem – pedi que você escolhesse. E, além disso, você poderia ter notado que gostava desse alimento enquanto escolhia o outro, não é verdade?”. Depois de o terapeuta continuar a forçar essa linha de raciocínio por algum tempo, os clientes com frequência irão mudar para respostas mais acuradas, tais como “porque sim” ou “por nenhuma razão”, indicando que agora entendem a distinção entre escolhas e decisões. Essa distinção é importante na ACT não apenas porque é a única forma de aprender como os valores funcionam, mas também porque a ACT é sobre mudar a intenção por trás de um comportamento clinicamente significativo que com frequência é razoável, mas ineficaz. Nesse sentido, abertura para a experiência versus controle é, em última análise, uma escolha, não uma decisão ou julgamento. A escolha tem outros benefícios. Por exemplo, ajuda o cliente a evitar paralisia quando a ação fundamentada não funciona. Igualmente, ajuda o terapeuta a evitar ficar emaranhado no conteúdo e na lógica da história de vida do cliente. Acima de tudo, no entanto, a distinção é necessária para que os clientes possam se engajar em seus valores sem precisarem também invocar justificativas e explicações que inevitavelmente os fazem recuar para os mesmos padrões de comportamento sancionados socialmente que levaram ao começo dos seus problemas. As únicas questões restantes são o que fazer e o que acontece como consequência. Usadas corretamente (e não coercitivamente), as escolhas podem ajudar o cliente a ser response-able (ter capacidade de resposta). As escolhas não são “livres” no sentido de não serem afetadas pela história do indivíduo. De fato, a própria escolha é um ato historicamente situado. As escolhas são “livres” no sentido de não haver coerção, não “ter que” direcionar a escolha. Se o comportamento estivesse relacionado a razões em um sentido estritamente mecânico, então a mera presença de certas razões previsíveis constituiria as condições necessárias e suficientes para que o comportamento ocorresse. Essa abordagem determinista da causação é demonstravelmente falsa. Os humanos são capazes de ser amáveis mesmo quando há boas razões para não serem. Por exemplo, podemos considerar a criação de uma comissão de reconciliação na África do Sul como um ato de amor em relação aos agressores e aos opressores no passado, mesmo que haja mais do que amplas razões para demonstrar ódio e buscar retaliação contra seus muitos atos de criminalidade racista. Propósito está em toda parte Terapeuta: Propósito está sempre presente na vida do cliente. Isso não pode ser evitado, não importa o quanto o cliente seja calado e paralisado. Por que é assim? Porque a maior parte do comportamento é intencional, independentemente de existir um senso de direção experienciado. O relógio da vida está sempre avançando, e ele só vai em uma direção: de um momento de agora até o próximo momento de agora. Qualquer comportamento histórico envolve uma história desses momentos, e qualquer comportamento consciente e intencional envolve também um futuro verbalmente construído. De uma forma muito real, a maior parte do comportamento é intencional – seja experiencialmente, seja verbalmente, ou ambos. Isso é verdadeiro mesmo que o padrão de pensamento dominante do cliente seja: “Na verdade não estou no comando de minha vida. Ela que me comanda. Não posso fazer nada diferente porque estou aprisionado na minha situação”. Embora propósito esteja em toda parte, valores (conforme os definimos) não estão. Os clientes com frequência se sentem coagidos em suas vidas, acreditam que são vítimas da vida ou simplesmente se sentem como se estivessem à deriva. Quando estão vivendo sem contato com o momento presente, eles estão, com efeito, no piloto automático. Nessas circunstâncias, o treinamento social por si só é mais do que capaz de organizar sequências de comportamento altamente complicadas (p. ex., trabalhar todos os dias, lavar roupas, assistir à televisão, ir à igreja, etc.). A questão, portanto, não é o que o cliente está fazendo, mas como está fazendo. Os mesmos comportamentos que são “tediosos” quando estamos no piloto automático podem refletir vastos reservatórios de vitalidade quando executados na busca dos valores pessoais. No diálogo a seguir, o terapeuta em ACT tenta destacar como o comportamento do cliente pode muito bem refletir certos propósitos – mesmo quando o cliente não tem consciência disso. É claro que um propósito não é a mesma coisa que um valor. É necessário um componente adicional, isto é, escolha. Contudo, o reconhecimento de que o comportamento do cliente pode de fato refletir certos propósitos prepara o terreno para essa discussão. Acho que o que você está me dizendo é que você não tem consciência das escolhas que está fazendo todos os dias. Portanto, parece-lhe que é como se você não estivesse agindo de acordo com algum propósito porque não tem consciência desses propósitos. Se Cliente: Terapeuta: Cliente: Terapeuta:isso realmente fosse possível, a consequência não seria que cada dia a sua atividade fosse completamente aleatória? Você estaria andando em círculos, se batendo nas paredes, colocando as meias nas mãos, escovando os dentes com a escova sanitária, indo ao lugar errado para trabalhar, etc.? Deixe-me perguntar: a sua vida é realmente esse acaso ou apenas parece que você não está escolhendo as suas ações? Bem, eu não estou assim tão fora dela, mas essencialmente parece que não estou no controle do que está acontecendo comigo. Eu não tenho como mudar as coisas. E escolhendo acreditar no que a sua mente está lhe dando aqui – que você está aprisionado – você continua a agir como uma pessoa aprisionada, certo? Aham. Não estou lhe perguntando se você acredita que está aprisionado. O que estou perguntando é: você é capaz de direcionar seu comportamento? E então eu quero saber: você é capaz de escolher a direção? É importante não intimidar o cliente quanto a isso, mas gentilmente acabar com a ilusão de que não estão sendo feitas escolhas e de que os propósitos não estão sendo atingidos. A questão é: quais propósitos? Quando examinamos as formas como o comportamento funciona, o que ele produz, descobrimos o seu propósito. Com frequência, nossos clientes irão descobrir que os propósitos aos quais estão servindo são relativamente ineficazes e proporcionam, na melhor das hipóteses, apenas alívio de curto prazo de algum tipo de consequência aversiva. Por exemplo, uma cliente envolvida em um casamento insatisfatório pode devidamente fazer “todas as coisas certas” em casa para manter uma relação pacífica, embora distante, com o marido. Esse alívio temporário é comprado a um preço muito alto porque há pouca ou nenhuma chance de que o relacionamento evolua para algo mais gratificante enquanto os problemas mais dolorosos permanecerem confinados. Na ACT, tentamos transformar a discussão na Terapeuta: Cliente: Terapeuta: pergunta: se eu pudesse escolher um propósito aqui, qual propósito escolheria? O que você quer que sua vida signifique? Um dos exercícios mais poderosos da ACT e que “traçam um horizonte” é chamado O Que Você Quer Que Sua Vida Signifique? O diálogo a seguir envolve um cliente com independência financeira que está angustiado com sua falta de objetivo: Se você estiver disposto, eu gostaria que fizéssemos um exercício que pode ter alguns resultados muito interessantes e surpreendentes ou que pode simplesmente ajudá-lo a entrar em contato com alguma coisa que você já sabe há muito tempo. Vamos apenas ver o que acontece. OK, estou disposto a experimentar. Este exercício eu chamo de O Que Você Quer Que Sua Vida Signifique? Quero que você feche os olhos e relaxe por alguns minutos e afaste da sua mente todas as coisas de que temos falado. (Auxilia o cliente com a relaxação por 2 a 3 minutos.) Agora, quero que imagine que, por algum capricho do destino, você morreu, mas conseguiu assistir ao seu funeral em espírito. Você está observando e ouvindo o tributo feito pela sua esposa, seus filhos, seus amigos, as pessoas com quem você trabalhava, etc. Imagine apenas que você esteja nessa situação e coloque-se na sala emocionalmente. (Faz uma pausa.) OK. Agora, quero que visualize como gostaria que essas pessoas que fizeram parte da sua vida se lembrem de você. O que gostaria que sua esposa dissesse sobre você como marido? Faça-a dizer isso. Realmente seja corajoso aqui! Deixe que ela diga exatamente o que você mais gostaria que ela dissesse se você tivesse escolha totalmente livre sobre o que seria. (Faz uma pausa e deixa que o cliente fale.) Agora, como gostaria que seus filhos recordassem de você como pai? Mais uma vez, não se contenha. Se pudesse fazer eles dizerem Cliente: Terapeuta: Cliente: Terapeuta: Cliente: Terapeuta: Cliente: alguma coisa, o que seria? Mesmo que na verdade você não tenha vivido de acordo com aquilo que gostaria, deixe que eles falem como você mais gostaria que fosse. (Faz uma pausa e deixa que o cliente fale.) Agora, o que gostaria que seus amigos dissessem sobre você como amigo? Como gostaria de ser lembrado pelos seus amigos? Deixe que eles digam todas essas coisas – e não esconda nada! Faça com que seja dito como você mais quer. E apenas faça uma anotação mental dessas coisas enquanto ouve o que eles dizem. [O terapeuta pode continuar com isso até que esteja bem claro que o cliente entrou no exercício. Então, o terapeuta ajuda o cliente a se reorientar para a sessão, p. ex.: “Apenas imagine como será a sala quando você voltar e, quando estiver pronto, simplesmente abra os olhos”.] Isso é esquisito... tentar imaginar estar morto, mas estar lá. Algumas vezes, no passado, eu já pensei sobre morrer de repente. Geralmente imagino o quanto todos ficariam abalados – o quanto seria difícil para Debbie e as crianças! Então projetar-se até o momento da sua morte parece ser uma questão séria. Sim, parece que todos os meus problemas meio que ficaram pequenos! Ao mesmo tempo, eu fico muito triste comigo porque parece que a minha vida está sendo desperdiçada. Estou curioso... quando você ouviu os elogios, o que se destacou entre as coisas pelas quais você queria ser lembrado? Quando Debbie disse que eu tinha sido um marido carinhoso, fiel e atencioso e um pai que sempre sustentou seus filhos. Chuck, a pessoa que provavelmente eu conheço há mais tempo, disse que eu estive ao seu lado quando ele mais precisou de mim, quando ele parou de beber. Isso, na verdade, aconteceu anos atrás. E alguém se levantou e disse: “Eu me lembro de Richard – ele passou a vida inteira tentando provar que não era fruto do acaso”? (Ri.) Não. Terapeuta: Cliente: Terapeuta: Cliente: Terapeuta: Terapeuta: Cliente: Terapeuta: Cliente: Terapeuta: Alguém disse: “Aqui jaz Richard – ele ganhou mais de 2 milhões de dólares em sua carreira e, por isso, será eternamente alguém de valor”? (Ri.) Não. O que você está tentando me dizer? Nada, na verdade... apenas note que muitas coisas a respeito das quais você se critica e contra as quais luta não têm conexão com aquilo pelo que você quer ser lembrado. Parece que você se contraiu impiedosamente em nome de coisas que você nem mesmo valoriza. Isso é muito assustador se for verdade! Sim, é, e não tem a ver com o que é verdade! É sobre o que funciona e o que não funciona. Em uma variação desse exercício, o cliente pode ser solicitado a escrever um pequeno epitáfio em uma lápide imaginária. Com frequência, esse exercício revela amplas discrepâncias entre os valores do cliente e suas ações atuais. Quando as pessoas morrem, o que fica para trás não é tanto o que elas tinham, mas o que elas significavam. Por exemplo, você já ouviu falar de Albert Schweitzer? Certamente. Um médico na África, certo? Certo. Por que você deveria saber a respeito desse homem? Ele já morreu. Provavelmente a maioria das pessoas que ele tratou está morta. Mas ele significou alguma coisa. Então, dessa mesma forma, imagine que você pode escrever o que quiser na sua lápide que diga o que você significou na sua vida. O que gostaria que o seu epitáfio dissesse, se pudesse ser absolutamente qualquer coisa? Pense nisso por um minuto. “Ele participou na vida e ajudou seus semelhantes.” Ótimo… agora, deixe-me perguntar: quando você olha para o que a sua vida significa atualmente, ela significa o quê? Você está realmente participando na vida e ajudando seus semelhantes? Cliente: Terapeuta: Terapeuta: Cliente: Terapeuta: Não – não tenho certeza se consigo! Entendo. Então... você teria um epitáfio como: “Passou sua vida inteira se perguntando se tinha o que era preciso para vivê-la... e morreu sem ter certeza”. Em alguns contextos ou com alguns clientes, a utilização do exercício Funeral ou Lápide é talvez evocativo demais de questões relacionadas à mortalidade – o que não é o ponto aqui –, mas é fácil elaborar versões menos evocativas. Por exemplo, em intervenções no local de trabalho, o funeral pode ser mudado para uma festa de aposentaria, e o epitáfio na lápide,por uma gravação na parte interna de um relógio presenteado. Existem muitas variantes desse tema na literatura da ACT. Intervenção “Na mosca” (Bull’s Eye11) Uma intervenção simples, porém elegante, nesse ponto está baseada no exercício Na mosca, desenvolvido por Tobias Lundgren e colaboradores (2011). A maioria dos membros da nossa cultura está familiarizada com o conceito do ponto central em um alvo, seja jogando dardos, seja jogando arco e flecha. O objetivo desses esportes é acertar o dardo ou a flecha “na mosca”, ou seja, no centro do alvo, onde é concedida a maior parte dos pontos. De modo geral, são concedidos menos pontos quando o dardo ou a flecha se afasta do centro do alvo. O terapeuta desenha rapidamente uma série de 5 a 7 círculos concêntricos em uma folha de papel e, então, inicia a discussão. Então, observe que eu desenhei um alvo nesta folha de papel. Você está familiarizado com um alvo como este? Sim, eu jogava dardos quando criança, e utilizávamos um alvo parecido com esse. Bem, nós vamos usar o alvo para medir um tipo diferente de marcação aqui – basicamente, o grau em que você está mirando a sua vida na direção em que deseja ir. Você já descobriu que um dos seus principais valores na vida é estar participando na vida e Cliente: Terapeuta: Cliente: Terapeuta: também ajudando pessoas necessitadas. Lembre-se de que o centro do alvo é chamado de “na mosca”; isso é o que você quer atingir quando jogar os dardos, certo? Certo, e isso não acontecia com muita frequência para mim, mas era muito legal quando eu conseguia! E os círculos são concêntricos e vão se ampliando, e você recebe menos pontos por acertar o dardo nos círculos mais externos, está lembrado? Neste momento, o que eu quero que você faça é pensar nesse valor que você expressou e colocar uma marca nesse alvo que reflita o grau em que você está vivendo seus valores no momento atual. Uma marca no centro significa que você acertou na mosca; você está participando na sua vida com a maior intensidade possível e está vivendo o valor de ajudar pessoas necessitadas. Uma marca afastada do centro significa que você pode estar vivendo seus valores algumas vezes ou talvez nem um pouco, dependendo de onde colocar a sua marca. Então, agora eu quero que você pense sobre onde se encontra na sua vida neste exato momento e coloque uma marca no alvo para mim. [O terapeuta entrega uma folha de papel ao cliente, e este faz uma marca no círculo mais externo e entrega o papel ao terapeuta.] Então, parece que você se marcou bem longe da mosca, o que significa que você acha que no momento não está vivendo de acordo com seus valores – isso está correto? Sim, isso é muito perturbador porque eu sinto que sou capaz de mais do que isso. Apenas não estou fazendo! Colocar uma marca no alvo é como fazer um registro de que estou falhando. Agradeça à sua mente por esses pensamentos otimistas e cordiais. Há um propósito muito mais importante aqui do que se declarar um vencedor ou perdedor: é descobrir onde você realmente está na sua vida. Você só pode começar a partir de onde está, não de onde gostaria de estar. Portanto, por mais desagradável que possa ser, este é um passo vital no processo de escolha de fazer alguma coisa diferente, se isso for o que você escolher fazer. Cliente: Terapeuta: OK. Então eu estou aqui fora nesse círculo e quero estar aqui dentro nesse círculo. Como eu chego lá? Talvez você possa pensar nisso como um processo. Você não fica em um círculo para sempre; mesmo que acerte na mosca, você não tem um certificado da vida que diz “Bingo! Você está no centro e não terá que fazer mais nada para ficar aqui!”. Então, note apenas que a sua localização no alvo irá flutuar o tempo todo; esta é apenas uma maneira de verificar e ver onde você está; nada mais, nada menos. Se não gostar da sua localização, poderá escolher fazer uma coisa de modo diferente que possa movê-lo para um círculo mais próximo da mosca. É mais ou menos como conduzir um transatlântico: você não pode dar uma guinada rápida, mas pode virar o leme levemente, e, com o tempo, isso fará uma grande diferença na direção do navio. ESCOLHENDO DIREÇÕES VALORIZADAS: CONFIGURANDO A DIREÇÃO DA BÚSSOLA O processo de fazer contato experiencial muito próximo com os próprios valores é uma das experiências clínicas mais intensas e íntimas na ACT. As pessoas sabem intuitivamente que aquilo com que se importam mais profundamente também é onde mais podem ser machucadas e, assim, muito raramente podem permitir que essas áreas sejam vistas pelos outros. Depois do trabalho com os valores, o terapeuta provavelmente se torna íntimo de informações que nunca foram compartilhadas com mais ninguém. Usada de forma apropriada, essa mesma intimidade pode servir como base para o árduo trabalho terapêutico de implementar mudança de comportamento baseada em valores. Na ACT, o processo de avaliação dos valores serve a uma variedade de propósitos de avaliação e intervenção. Primeiramente, o cliente pode tomar consciência de valores suprimidos há muito tempo. Esse processo é motivacional no sentido de que o cliente pode encontrar discrepâncias importantes entre direções valorizadas na vida e comportamentos atuais. Referimo-nos a essa defasagem como a discrepância “valores- comportamento”, e ela é com frequência a força estimulante no processo de mudança de comportamento na ACT. Segundo, discussões sobre valores, se manejadas apropriadamente pelo terapeuta, criam um sentimento positivo baseado em potencialidades para a conversa terapêutica. A maioria das pessoas tem motivações altruístas na vida: elas querem ser boas amantes, bons cônjuges, boas amigas, etc. Essas motivações são básicas para a natureza social dos seres humanos. O processo de avaliação dos valores pode ajudar a deslocar a conversa terapêutica do foco em falhas, déficits e problemas para a ênfase das bases perfeitas e intocadas da vida do cliente. Em um mundo repleto de imperfeições, os valores de uma pessoa são perfeitos. Os valores de uma pessoa podem não ser o que outra pessoa acha que deveriam ser, mas eles são sempre perfeitos e completos dentro da própria pessoa. Muitos clientes chegam à terapia com um sentimento de que, em um nível profundo, mais fundamental, eles são, de algum modo, terrivelmente falhos. É difícil imaginar algo mais fundamental do que os valores de uma pessoa, e pode ser empoderador e edificante descobrir que temos uma base sem falhas. Depois de examinar os valores com um cliente, um terapeuta ACT pode perguntar: “Há alguma coisa que está faltando em relação a esses valores? Alguma coisa poderia ser melhorada de alguma maneira?”. Se o cliente puder pensar em alguma coisa que possa ser melhorada, a melhora é atingida por essa própria consciência. No sentido básico, tudo o que o cliente cria é perfeito. Um benefício final da construção de valores é que ele pode desencadear uma percepção de que a vida está acontecendo agora – ela não está distante em algum lugar no futuro. O relógio está avançando, mas não de uma forma ruim. Por mais estranho que pareça, existe um apoio social limitado (na melhor das hipóteses) para que pensemos constantemente em nossos valores, em comparação com a forma como estamos vivendo a vida no momento. Somos encorajados a deixar essa questão de lado porque seria uma ameaça inegável à ordem social contemporânea se as massas se mantivessem “ligadas” e começassem a realmente questionar a utilidade de “valores” amplamente promulgados e socialmente construídos. O sabor e o tom incomum do trabalho com os valores na ACT ajudam o cliente a ficar 1. 2. “localizado” no presente, o que com frequência leva a discussões concretas sobre comportamentos específicos que podem ser mudados ou modificados. Na maior parte do tempo, esses comportamentos não serão suscitados pelo meio social circundante, mas virão de dentro. Os pesquisadores e praticantes da ACT desenvolveram uma ampla gama de ferramentas para trabalhar os valores. Obras inteiras foram dedicadas ao trabalho com valores dentroda perspectiva da ACT (p. ex., Dahl, Plumb, Stewart, & Lundgren, 2009), e diferentes contextos e estilos clínicos permitem diversas abordagens do trabalho com valores. Neste capítulo, descrevemos uma abordagem clínica aplicável mais geral, mas os leitores com necessidades mais específicas devem consultar Dahl e colaboradores (2009) e outras fontes da ACT para abordagens alternativas menos demoradas. O processo de valores que descrevemos mais detalhadamente é um processo relativamente estruturado que é útil como um tipo de exercício ampliado (para avaliações rápidas, o Na mosca é mais útil). As etapas são: O terapeuta descreve o processo de avaliação dos valores para o cliente. O cliente completa a planilha Avaliação dos Valores (veja a Figura 11.1), seja durante uma sessão, seja como uma tarefa de casa entre as sessões. Essa forma de avaliação ajuda o cliente a “registrar” os temas que emergiram durante o trabalho na sessão. Os valores enumerados serão mencionados repetidamente durante o restante da ACT; portanto, o terapeuta precisa examinar o trabalho de construção de valores com o cliente para verificar se as principais visões do cliente são registradas de modo acurado. Esse processo de revisão é realizado ao longo das próximas etapas. A seguir, apresentamos as áreas de vida que são valorizadas por algumas pessoas. Nem todas têm os mesmos valores, e esta planilha não é um teste para ver se você tem os valores “corretos”. Descreva seus valores como se ninguém jamais fosse ler esta planilha. Enquanto trabalha, pense em cada área em termos dos objetivos concretos que você tem e também em termos das direções de vida mais gerais. Assim, por exemplo, você pode valorizar o casamento como um objetivo concreto e ser um cônjuge carinhoso como uma direção valorizada. O primeiro exemplo, casar, é algo que pode ser concluído. O segundo exemplo, 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. ser um cônjuge carinhoso, não tem fim. Você sempre pode ser um cônjuge mais carinhoso, independentemente do quanto já seja. Você também pode trabalhar para ser um cônjuge carinhoso mesmo que não seja casado ou não esteja em um relacionamento. Por exemplo, pode haver maneiras de se preparar para que um relacionamento íntimo tenha maior probabilidade de sucesso ou tenha sucesso. Trabalhe em cada um dos domínios da vida. Alguns deles se sobrepõem. Você pode ter problemas em separar família de casamento/relações íntimas. Faça o seu melhor para mantê-los separados. Seu terapeuta lhe dará assistência quando vocês discutirem a avaliação dos objetivos e valores. Numere claramente cada seção e as mantenha separadas umas das outras. Você pode não ter objetivos valorizados em determinadas áreas. Poderá, então, pular essas áreas e discuti- las diretamente com seu terapeuta. Também é importante anotar o que você valorizaria se não houvesse obstáculos em seu caminho. Não estamos perguntando o que você acha que poderia obter realisticamente ou o que você ou outras pessoas acham que você merece. Queremos saber com o que você se importa, em quais questões gostaria de trabalhar, na melhor de todas as situações. Enquanto preenche esta folha de trabalho, finja que ocorreu uma mágica e que tudo é possível. Nota: No uso clínico, acrescente espaços abaixo de cada uma destas categorias. Relações familiares (que não sejam casamento ou parentalidade). Nesta seção, descreva o tipo de irmão/irmã, filho/filha, pai/mãe que você deseja ser. Descreva as qualidades que gostaria de ter nesses relacionamentos. Descreva como trataria essas pessoas se você fosse aquele você ideal nessas várias relações. Casamento/casais/relações íntimas. Nesta seção, faça uma descrição da pessoa que você gostaria de ser em um relacionamento íntimo. Escreva o tipo de relacionamento que gostaria de ter. Tente focar no seu papel nessa relação. Parentalidade. Que tipo de pai/mãe você gostaria de ser, tanto agora como no futuro? Amizades/vida social. Nesta seção, escreva o que significa para você ser um bom amigo. Se pudesse ser o melhor amigo possível, como você se comportaria em relação aos seus amigos? Tente descrever uma amizade ideal. Carreira/emprego. Nesta seção, descreva o tipo de trabalho que você gostaria de fazer. Essa descrição pode ser muito específica ou muito geral. (Lembre-se, isso se passa em um mundo ideal.) Depois de escrever sobre o tipo de trabalho que gostaria de fazer, escreva por que ele o atrai. A seguir, discuta que tipo de trabalhador você gostaria de ser no que diz respeito ao seu empregador e colegas. Como você gostaria que fossem suas relações no trabalho? Educação/treinamento/crescimento e desenvolvimento pessoal. Se você gostaria de buscar uma instrução, formal ou informalmente, ou fazer algum treinamento especializado, escreva sobre isso. Escreva por que esse tipo de treinamento ou instrução o atrai. Recreação/diversão. Discuta o tipo de vida recreativa que você gostaria de ter, incluindo hobbies, esportes e atividades de lazer. Espiritualidade. Não estamos necessariamente nos referindo à religião organizada nesta seção. O que pretendemos dizer com espiritualidade é o que quer que ela 9. 10. 11. 12. 3. signifique para você, seja ela tão simples quanto estar em comunhão com a natureza, seja tão formal quanto a participação em um grupo religioso organizado. Independentemente do que espiritualidade significa para você, está bem. Se esta for uma área importante da sua vida, escreva sobre como você gostaria que ela fosse. Como ocorre com todas as outras áreas, se esta não for uma parte importante dos seus valores, pule para a próxima seção. Vida em comunidade. Para algumas pessoas, a participação em assuntos da comunidade é uma parte importante da vida. Por exemplo, algumas pessoas acham que é importante serem voluntárias para trabalhar com desabrigados ou idosos, influenciar legisladores governamentais em âmbito federal, estadual ou local, tornar-se membro de um grupo comprometido com a preservação da vida selvagem ou participar na estrutura de atendimento de um grupo de autoajuda, como os Alcoólicos Anônimos. Se esses tipos de atividades orientadas para a comunidade forem importantes para você, escreva sobre a direção que você gostaria de tomar nessa área. Autocuidados de saúde/físicos. Nesta seção, inclua seus valores relacionados à manutenção do seu bem-estar físico. Escreva sobre questões relacionadas à saúde, tais como sono, dieta, exercício, tabagismo e afins. Ambiente/sustentabilidade. Nesta seção, inclua seus valores relacionados àqueles que você pode ter na área de sustentabilidade e preocupações com o planeta, em especial com o ambiente natural. Arte/estética. Nesta seção, inclua seus valores relacionados a ocupações como arte, música, literatura, artesanato ou alguma outra forma de beleza no mundo que seja significativa para você – considerando coisas que você mesmo faz ou coisas que outros fazem e que você aprecia. FIGURA 11.1 Planilha Avaliação dos Valores. O terapeuta e o cliente discutem os valores citados em cada domínio e, juntos, geram breves narrativas dos valores para cada domínio que simplifiquem, foquem e incluam as declarações de valores que estão fora do formulário da planilha (veja a Figura 11.2, Formulário para Narrativa dos Valores). Em geral, a principal tarefa do terapeuta é ajudar o cliente a distinguir objetivos de valores e descrever os valores em termos de direções, não meramente fins concretos. Assim, o terapeuta aporta seu conhecimento técnico dos valores a partir de uma perspectiva da ACT para o processo de refinamento das narrativas do cliente para narrativas de valores que satisfaçam às exigências de definição dos valores. 4. O terapeuta gera uma breve narrativa para cada domínio, com base na discussão da tarefa de casa de avaliação dos valores do cliente. Se nada for aplicável, escreva “nada”. Depois de gerar todas as narrativas, leia cada uma para o cliente e as refine ainda mais. Continue esse processo ao mesmo tempo em que fica atento a respostas do tipo pliance, até que você e o clientecheguem a uma breve declaração que o cliente concorda que seja consistente com seus valores em determinado domínio. Domínio Narrativa da direção valorizada Relações familiares (que não sejam casamento ou parentalidade) Casamento/casais/relações íntimas Parentalidade (maternidade/paternidade) Amizades/relações sociais Carreira/emprego Educação/treinamento/crescimento e desenvolvimento pessoal Recreação/diversão Espiritualidade Vida em comunidade Autocuidados de saúde/físicos Ambiente/sustentabilidade Arte/estética FIGURA 11.2 Formulário de Narrativa dos Valores. Quando as narrativas estiverem terminadas, o cliente gera classificações preenchendo o Questionário da Vida Valorizada-2 (VLQ-2; Wilson et al., 2010), que é apresentado na Figura 11.3. (Pode ser útil para o clínico, como um tipo de exercício, também fazer posteriormente um conjunto de classificações similar.) O propósito dos dois conjuntos de avaliações (clientes e terapeutas) é, em parte, ajudar a identificar áreas em que o clínico e o cliente não estão se comunicando, o que orienta quanto às áreas que podem precisar de esclarecimento adicional por meio da discussão. A seguir, estão as áreas da vida que são valorizadas por algumas pessoas. Estamos interessados na sua qualidade de vida em cada uma dessas áreas. Há vários aspectos que lhe pedimos para classificar. Faça a si mesmo as seguintes perguntas quando fizer as avaliações em cada área. Nem todos irão valorizar todas essas áreas ou valorizá-las da mesma forma. Classifique cada área de acordo com a sua visão pessoal. Possibilidade: O quanto é possível que alguma coisa muito significativa aconteça nessa área da sua vida? Classifique o quanto você acha que é possível em uma escala de 1 a 10. 1 significa que não é possível de forma alguma, e 10 significa que é muito possível. 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 5. Importância atual: O quanto esta área é importante neste momento na sua vida? Classifique a importância em uma escala de 1 a 10. 1 significa que não é importante de forma alguma, e 10 significa que é muito importante. Importância geral: O quanto esta área é importante como um todo? Classifique a importância em uma escala de 1 a 10. 1 significa que não é importante de forma alguma, e 10 significa que é muito importante. Ação: O quanto você atuou a serviço desta área durante a semana passada? Classifique seu nível de ação em uma escala de 1 a 10. 1 significa que você não foi ativo de forma alguma com este valor, e 10 significa que você foi muito ativo. Satisfeito com o nível de ação: O quanto você está satisfeito com seu nível de ação nesta área durante a semana passada? Classifique sua satisfação neste nível de ação em uma escala de 1 a 10. 1 significa que você não está satisfeito de forma alguma, e 10 significa que você está plenamente satisfeito com seu nível de ação nesta área. Preocupação: O quanto você está preocupado com a possibilidade de esta área não progredir como você deseja? Classifique seu nível de preocupação em uma escala de 1 a 10. 1 significa que você não está preocupado de forma alguma, e 10 significa que você está muito preocupado. Possibilidade Importância atual Importância geral Ação Satisfeito com ação Preocupação Família (que não sejam casamentos ou parentalidade) Casamento/casais/relação íntima Parentalidade (maternidade/paternidade) Amizades/vida social Trabalho Educação/treinamento Recreação/diversão Espiritualidade Vida em comunidade Autocuidados físicos (dieta/ exercício/sono) Ambiente (preocupação com o planeta) Estética (arte, música, literatura, beleza) FIGURA 11.3 Questionário da Vida Valorizada-2. De Mindfulness for Two. Copyright 2009 Kelly G. Wilson e Try DuFrene. Reproduzida com permissão de New Harbinger Publications, Inc. A planilha de avaliação dos valores do cliente (da etapa 2) é examinada em conjunto pelo terapeuta e o cliente e, então, modificada de forma colaborativa. A função do terapeuta durante esse processo é • • • • • esclarecer a direção inerente àquilo que podem ser objetivos concretos valorizados. Abordando pliance e counterpliance O terapeuta também deve avaliar constantemente outros fatores que podem influenciar as declarações de valores do cliente, particularmente aquelas envolvendo pliance e counterpliance. O terapeuta deve estar alerta para, entre outros indicadores, os seguintes sinais de que pliance e counterpliance podem estar influenciando o processo: Declarações de valores controladas pela presença do terapeuta, juntamente com as suposições do cliente sobre o que pode agradar ao terapeuta. Consequências relevantes seriam sinais da aprovação do terapeuta e/ou a ausência da desaprovação de sua parte. Declarações de valores controladas pela presença da cultura de modo geral. Indicadores relevantes incluiriam a ausência de sanções culturais e a ampla aprovação social ou prestígio generalizado. Declarações de valores controladas por valores declarados ou presumidos dos pais do cliente. Consequências relevantes seriam a aprovação parental – realmente registrada e/ou verbalmente construída. Declarações de valores que têm uma qualidade do tipo “tem que” que pode indicar fusão ou esquiva. Declarações de valores que são fortemente carregadas com ruminação sobre o passado e/ou preocupação quanto ao futuro. É difícil imaginar um cliente que tenha valores que não sejam controlados em parte ou, às vezes, por todas essas variáveis. A questão principal é se a remoção da influência relevante afetaria significativamente a potência do valor como uma fonte de direção na vida. A tarefa de avaliação não pode ser concluída em apenas uma discussão. É provável que a questão da “posse” do valor ressurja constantemente. Algumas dessas questões podem ser mais bem tratadas pedindo-se que o cliente fale sobre o valor enquanto imagina a ausência de uma consequência social relevante. Para ilustrar, considere um cliente que endossa o valor de ter bom nível de instrução. O terapeuta pode perguntar se o nível de valorização (ou o valor em si) mudaria se tivesse que ser feito anonimamente: “Imagine que você tivesse a oportunidade de melhorar a sua formação, mas não pudesse contar a ninguém sobre os diplomas que obteve. Você ainda se dedicaria a atingir esse valor?” ou “E se sua mãe e seu pai nunca ficassem sabendo que você buscou instrução – isso ainda teria valor para você?”. Um rumo diferente também proporcionaria algum insight das variáveis de controle. Então, por exemplo, o terapeuta perguntaria: “E se você tivesse que trabalhar duro por um diploma, e sua mãe e seu pai soubessem e tivessem orgulho disso, mas, no dia seguinte, depois de formado, você esquecesse tudo o que aprendeu? Você ainda valorizaria o nível de instrução na mesma medida?”. Quando o cliente considera várias consequências imaginadas, pode ficar decepcionado ao descobrir que a aprovação parental é o “grande catalisador”. Nesse caso, “tornar-se instruído” não é exatamente um valor, mas um objetivo a serviço de algum outro valor (i.e., “ser amado e amar aqueles que estão na minha vida”). Depois que esse valor é clarificado, ele é anotado como um fim desejado. Não é incomum que alguns valores mudem de valência no curso da terapia ou mesmo em função da avaliação inicial. Valores ausentes O VLQ-2 pede que o cliente gere respostas que abrangem muitos domínios de vida separados. Com frequência, os clientes podem chegar com formulários mostrando um ou mais domínios deixados em branco ou não respondidos. Com clientes mais disfuncionais, todos os espaços de resposta aos domínios podem estar vazios ou conter respostas apenas muito superficiais. Aqui, o terapeuta precisa discutir pacientemente cada domínio para obter respostas do cliente. Com frequência, é útil voltar ao início da vida do cliente e procurar exemplos de sonhos, desejos ou esperanças que desapareceram devido a eventos negativos na vida. Outras vezes, o terapeuta pode ter de auxiliar o cliente na identificação de valores ocultos subjacentes aos seus objetivosde vida específicos ou, ao contrário, na geração de objetivos específicos baseados em valores bem descritos, mas infundados. Não é incomum que os clientes listem objetivos de vida específicos que não podem ser atingidos. Por exemplo, uma mulher pode dizer que gostaria de recuperar a custódia de um filho que entregou para adoção 10 anos antes. Nesses casos, o terapeuta tenta encontrar o valor subjacente e os objetivos que poderiam ser atingidos caso fossem se mover nessa direção. Outra variação desse problema existe quando o cliente foca em objetivos de vida inatingíveis como evidência de que ocorreu um dano irreparável e, no entanto, não há resultados reais significativos disponíveis nesse domínio. Esta última possibilidade é mais difícil de abordar clinicamente porque os valores agora estão sendo empregados a serviço do status quo, enquanto a perspectiva do cliente é a de que não é possível nenhuma mudança ou apenas uma mudança superficial. Em tais circunstâncias, geralmente é útil entrar no momento presente e fazer o cliente identificar os sentimentos específicos que aparecem sempre que ele se depara com esse sentimento de perda permanente. O terapeuta pode pedir que o cliente identifique o valor na raiz da dor (p. ex., “Eu queria ser uma boa mãe e achei que meu vício em metanfetamina acabaria prejudicando minha filha; é por isso que a entreguei para adoção”). Algumas vezes, a fonte da dor é um valor intimamente cultivado que o cliente perseguiu com grande custo pessoal. O terapeuta pode ajudar o cliente a “se conectar” com a expressão desse valor sem necessariamente assumir uma postura de Poliana sobre o que aconteceu. INTERAÇÕES COM OUTROS PROCESSOS CENTRAIS Em muitos protocolos da ACT, o trabalho com os valores ocorre tardiamente na intervenção, levando alguns a presumir que, depois que o trabalho com aceitação e desfusão já foi feito, podemos avançar para os valores sem dar muita atenção aos processos de mindfulness. No entanto, os processos de mindfulness na ACT frequentemente removem barreiras experienciais ao trabalho com valores e reforçam o contato com os valores e a habilidade do cliente de evoluir e agir segundo os padrões de ação valorizados. Valores e desfusão A atenção à desfusão é praticamente crítica no trabalho com valores. As pessoas com frequência chegam à terapia com histórias batidas sobre seus valores. As variantes comuns incluem conteúdo fusionado como “O mundo não é bem assim” ou “Não importa o que você faça, o mundo vai derrubá- lo” ou “Ninguém emprega pessoas na minha idade”. Os clientes citam sua própria história de dificuldades como evidência de que não há sentido em tentar agir de acordo com seus valores, por exemplo, afligindo-se por conta de que “Meus relacionamentos sempre fracassam” ou “Meus filhos nunca vão me dar outra chance”. Nós nos referimos a esse conteúdo negativo como “fusão de valores”. Inflexibilidade é o indicador característico da fusão de valores. Essa inflexibilidade pode assumir várias formas, incluindo inação apesar de abraçar fortemente certos valores, negação de que a pessoa até mesmo tem valores e/ou completa recusa a considerar certos domínios como sujeitos a valores. Outra variação da fusão de valores inclui apego rígido a um resultado positivo particular ou forte esquiva de um resultado negativo, provocando a perda da flexibilidade do cliente para avançar no domínio valorizado. Há vezes no trabalho com valores em que a fusão parece funcionar a serviço dos valores. Essa circunstância pode ser particularmente insidiosa, já que a fusão de valores pode, na verdade, produzir alguns bons resultados (p. ex., “Se eu for gentil com todos, então todos serão gentis comigo, e vou me sentir cuidado”). O problema reside na inflexibilidade e na insensibilidade que a fusão produz. A marca de nível máximo no trabalho com valores é a valorização desfusionada. Um valor pode ser sustentado com leveza, mas ainda assim ser buscado vigorosamente. A vantagem do valor desfusionado é a de que o cliente é mais capaz de perceber quando o abandono de um ato valorizado particular é a melhor maneira de servir ao mesmo valor em longo prazo. Algumas vezes, fazer alguma coisa que a princípio é contrária ao valor serve funcionalmente ao valor. Permitir que os filhos cometam alguns erros pode ser difícil para os pais, mas é vital para a experiência de aprendizagem dos filhos. A adesão inflexível a uma regra sobre proteger seus filhos de danos pode levar à superproteção e sufocar a necessidade das crianças de desenvolver sua própria autonomia. Os terapeutas podem ser tentados a prosseguir o trabalho com valores como algo que o cliente “deve fazer”, especialmente quando existe uma direção claramente valorizada que este último gostaria de tomar. Fazer isso provavelmente gera ainda mais fusão de valores por parte do cliente. Se os clientes deveriam estar dispostos a agir, então esse imperativo pode se tornar mais uma coisa para eles se autoflagelarem – mais uma evidência de que “Eu sou inadequado”. Em vez de pressionar o trabalho com valores, a emergência de persistência inflexível, inação ou confusão de valores persistente deveria estimular o terapeuta a avaliar e tratar o conteúdo fusionado. Nesse ponto, o trabalho pode retornar aos valores. Valores e self A obstrução mais comum ao trabalho com valores no domínio do self é o apego excessivo à narrativa do self conceitualizado, como com afirmações do tipo: “É tarde demais para mim – já cometi muitos erros que não podem ser redimidos” ou “Eu tenho alguma falha que torna impossível conseguir atingir qualquer coisa nesse domínio” (p. ex., “Não sou suficientemente inteligente”, “suficientemente bom”, “suficientemente entusiasmado” ou “suficientemente agradável”). Algumas vezes, a falha não é conhecida, mas é afirmada com grande certeza: “Não sei o que há de errado comigo, mas veja a minha vida!”. A emergência de tais temas deve sugerir que o terapeuta faça um trabalho que envolva fortalecer a consciência no momento presente do paciente e o self observador. Com muita frequência, o apego às histórias sobre si mesmo funciona para proteger o cliente de se importar com resultados importantes na vida. As narrativas de “não tentar”, “propenso ao fracasso” e “veja o que acontece quando alguma coisa é importante!” devem abrir espaço para discussões sobre os sentimentos que surgem nos exatos momentos em que as histórias aparecem e a capacidade de olhar para as histórias sobre si mesmo como ouvinte, não como participante. Valores e aceitação É comum que os indivíduos evidenciem exemplos de esquiva experiencial relacionados a valores. Existe uma interação constante entre valores e vulnerabilidades. Quando estamos conscientes do que alguém valoriza, sabemos como machucá-lo. Se uma pessoa valoriza a sua consideração, o desrespeito direcionado a ela será doloroso. Essa característica da interação perpassa domínios valorizados. Um artista pode evitar pintar um tema ou uma pessoa em particular por causa da dor que surgiria se ele fracassasse em sua expressão artística. O bloqueio de um escritor frequentemente compartilha dessa qualidade. Quando as pessoas passam por um fracasso doloroso no relacionamento e por um consequente divórcio, elas podem evitar situações e atividades que possam levar ao desenvolvimento de outra relação íntima. A esquiva produz algum alívio no curto prazo, mas, com o tempo, deixa a pessoa em descompasso com valores sobre intimidade. Como ocorre com a fusão, o marcador para essa esquiva é a inflexibilidade do cliente durante as discussões dessas questões na sessão e a evitação de situações na vida nas quais poderia agir de forma mais consistente com o valor. Quando o terapeuta vê comportamentos repetitivos, tais como falsos começos repetidos, preocupações e ruminação relacionada à ação sobre um valor, é hora de mudar o foco do trabalho com os valores para um foco em intervenções orientadas para a aceitação. Às vezes, um trabalho mesmo breve de aceitação pode liberar o cliente para agir de formas mais consistentescom seus valores. Valores e o momento presente A incapacidade de avançar em uma direção valorizada frequentemente envolve falhas nos processos do momento presente. Com clientes mais difíceis, conversas sobre direções valorizadas se transformam na reintrodução ruminativa de falhas passadas e/ou preocupação obsessiva sobre o caminho a seguir ou sobre todos os obstáculos potenciais que podem surgir. O pai divorciado pode gastar tanto tempo ruminando falhas passadas quanto um pai que perdeu o contato com a simples doçura de ser pai. Em tentativas repetidas de refletir sobre o passado e de se afastar de possíveis futuros negativos, a pessoa perde oportunidades de agir segundo o valor da paternidade no momento presente. Quando o terapeuta nota essas falhas dos processos do momento presente, é hora de mesclar mindfulness e intenções baseadas no momento presente (p. ex., O que surgiu para você quando falamos a respeito dos seus valores sobre ser pai? Você estaria disposto a apenas se aquietar e deixar que esses sentimentos, lembranças e avaliações estejam aqui?). Fusão e esquiva encontram muita dificuldade para sobreviver no momento presente. Elas são mais compatíveis com o passado e o futuro e prosperam em conversas sobre passado/futuro. É claro, conversar sobre viver os próprios valores está inerentemente relacionado a viver, seguir em frente. Planejar o futuro e aprender com o passado fazem parte disso. No entanto, os terapeutas devem focar em intervenções que se movimentam flexivelmente entre planos futuros e apreciação atenta dos domínios valorizados no momento presente. Valores e compromisso Um dos objetivos do trabalho com os valores é gerar ações potenciais que sejam consistentes com os valores da pessoa. Diante disso, é um pouco irônico que assumir e manter compromissos pode ser um dos maiores obstáculos para o trabalho com valores. Quando trabalhamos os valores com os clientes, as implicações desses valores na ação também emergem. Quando domínios valorizados foram negligenciados ou violados por um longo tempo, a própria ideia de escolher ações nessas áreas – ou mesmo que tais escolhas estejam prestes a acontecer – pode gerar fusão e esquiva significativas. Como regra, os terapeutas devem despender energia considerável na compreensão da valência psicológica dos valores antes de passar às discussões sobre ação de compromisso. Em essência, o terapeuta precisa entender as implicações psicológicas de fazer o cliente começar a agir em um domínio valorizado. Como essa ação está associada à história do cliente sobre si mesmo? Quais são as fontes potenciais de fusão se o cliente começar a fazer movimentos nessa área? Quando os terapeutas encontram dificuldades significativas no trabalho com valores, Cliente: Terapeuta: Cliente: Terapeuta: Cliente: Terapeuta: Cliente: Terapeuta: frequentemente é útil retirar de cena o compromisso. A seguinte transcrição de uma sessão mostra como uma conversa assim pode se desenvolver. Acho que não consigo suportar outra rejeição. O divórcio foi terrível! A ideia de convidar alguém para sair... bem, simplesmente não consigo fazer isso! Então, quando falamos sobre relações íntimas, você começa a pensar em namorar? Bem, sim, é para onde isso vai, não é? Quero dizer, quando minha esposa me deixou, eu sabia por quê. Eu também teria me deixado se pudesse! Eu não mudei. Isso vai acontecer de novo. E como eu faria isso? Fazer parte de um desses serviços de namoro on-line? Eu simplesmente... simplesmente não estou pronto. Uau! Isso é avassalador! Enquanto conversávamos, me pareceu que você estava sendo sufocado pela complexidade e impossibilidade de tudo isso. Sinto-me um pouco relutante até mesmo em perguntar alguma coisa sobre esta área... sobre intimidade. Se você quiser que eu pare, eu paro, mas posso fazer apenas algumas perguntas? E, se você disser “não” a qualquer momento, eu estou com você. Iremos parar. Esse é o meu compromisso com você. O que acontece é que parece que existe alguma coisa no meio de toda essa dor que é importante para você, e não quero negligenciá-la... passar por cima dela como se nada tivesse acontecido. Bem, sim, é claro que é importante. Não há nada mais importante para mim. Então, tudo bem? Tudo bem se eu fizer algumas perguntas? Prometo que vou devagar e deixo a opção de parar em aberto a cada etapa. Com certeza… Quero dizer, eu tenho que enfrentar essa coisa. Humm. Não sei. Não gosto muito de “tenho que”. Com certeza não quero ser mais uma pessoa na sua vida que se une ao coro e diz o que você tem que fazer. E, quanto a isso – porque é evidente para mim o quanto isso é importante –, não sei se posso realmente entendê-lo sem ter alguma apreciação da forma como esse valor o move. Portanto, que tal isto – que tal se, por alguns momentos, deixarmos de perguntar se isso é possível ou como fazer isso acontecer. Esta é outra conversa, e podemos ter essa conversa outro dia. Mas hoje, bem aqui e agora, você estaria disposto a apenas me ajudar a entender o que significa intimidade para você? Não estou querendo que dê uma explicação. O que mais me interessa é apreciar do que entender. É mais como o que você faria com uma pintura do que o que faria com um livro didático. O livro didático é algo no qual você checa todos os fatos. Com a pintura, você apenas a contempla, aprecia, passa algum tempo com ela. Você estaria disposto a me ajudar a ver um momento de intimidade que você conheceu ou do qual tem saudade? Como eu disse, mais tarde podemos falar sobre o que fazer e se vai ser feita alguma coisa a respeito. Mas, por enquanto, você estaria disposto a apenas me ajudar a ter uma ideia do que isso significa para você? Algumas vezes, é mais fácil entrar em contato com os valores quando a ação de compromisso é pelo menos momentaneamente deixada de lado. Trabalhar dessa maneira pode dosar o trabalho de aceitação e desfusão que, por fim, tornará possível a ação de compromisso. A ACT é, na sua essência, um tratamento comportamental. Seu objetivo final é ajudar o cliente a desenvolver e manter uma trajetória comportamental na vida que seja vital e valorizada. Todas as técnicas da ACT estão, em última instância, subordinadas a ajudar o cliente a viver de acordo com seus valores escolhidos. Essa afirmação significa que mesmo intervenções essenciais da ACT como desfusão e aceitação são, de certo modo, secundárias. Por exemplo, embora a ACT seja emocionalmente evocativa, ela difere de algumas abordagens focadas na emoção na medida em que não há interesse em confrontar experiências privadas dolorosas ou evitadas pelo seu valor intrínseco. Em vez disso, a aceitação de pensamentos, lembranças, emoções e outros eventos privados negativos é legítima e louvável somente na medida em que serve aos fins que são valorizados pelo cliente. Ajudar o cliente a identificar direções de vida valorizadas (tratadas neste capítulo) e a implementá-las em face de obstáculos emocionais (o próximo capítulo) direciona e dignifica o que a ACT espera dos clientes. O QUE FAZER E O QUE NÃO FAZER NA TERAPIA Uso coercitivo da escolha Existe um lado potencialmente obscuro da intimidade terapêutica que se desenvolve quando a valorização está em questão. Com frequência ela desloca terapeuta e cliente para o domínio dos julgamentos morais. Regras morais são convenções sociais sobre o que é bom, enquanto valores são escolhas pessoais sobre fins desejáveis. Para que seja o mais eficaz possível, o terapeuta ACT deve ser capaz de trabalhar conscienciosamente com o cliente. Alguns clientes apresentam histórias ou problemas atuais que são moralmente repugnantes para o terapeuta, tais como violência, adição, comportamento suicida repetitivo e molestamento infantil, só para citar alguns. O trabalho de avaliação dos valores frequentemente expõe essas áreas; no entanto, o terapeuta em ACT não pode ser atraído para o papel de “detetive moral”, usando a influência social da terapia para coagir o cliente aberta ou implicitamente a se adequar aos valores sociais amplamente aceitos.O terapeuta faz o mesmo movimento que o cliente é solicitado a fazer, ou seja, ver a valorização como essencialmente um exercício pessoal. Por exemplo, ao trabalhar com um alcoolista no modelo da ACT, não existe o pressuposto de que estar intoxicado diariamente é incompatível com viver a vida em uma direção valorizada pelo cliente. Uma vez que valores e direção são escolhas do cliente, na verdade é um resultado legítimo que o cliente escolha abusar do álcool. A linguagem e cultura do “politicamente correto”, é claro, faz parecer que esta é definitivamente a “escolha errada” porque os interesses da sociedade não são atendidos pelo sancionamento do alcoolismo. A terapia é uma empreitada verbal e, portanto, está inextricavelmente entrelaçada com as funções de controle social. O terapeuta deve evitar cair na armadilha de usar a escolha como uma forma de culpar o cliente. A linguagem da “livre escolha” é poderosa, mas não deve ser usada para coagir o cliente. Essa coerção costuma ocorrer quando o terapeuta assume uma atitude como: “Bem, é claro, se você escolher continuar bebendo, esta é uma escolha sua. Você tem que fazer essas escolhas. Não posso fazer isso por você. Apenas lembre que esta é a escolha que você fez quando chegar a hora de arcar com as consequências”. Embora essa postura possa ser tecnicamente correta (é a escolha do cliente, e somente ele pode viver as consequências), a atitude psicológica é: “A escolha que você está fazendo aqui, além de me decepcionar, mostra que você está moralmente errado. Decepção e julgamento moral são coisas que o terapeuta deve notar e conter com leveza. Essas reações constituem dados para o terapeuta. É muito provável que o cliente tenha obtido essa mesma reação de outras pessoas e até mesmo pode ter muitas dessas reações internamente. Observar de forma gentil essas reações e indagar sobre elas pode, às vezes, paradoxalmente ajudar as pessoas a fazer contato mais preciso e menos defensivo com suas próprias escolhas. É importante ter em mente que, se lições de moral ou julgamentos mudassem o problema com álcool, haveria muito menos alcoolistas neste mundo. Em raras ocasiões, um cliente pode apresentar valores que são tão divergentes dos do terapeuta que uma relação de trabalho colaborativa não pode ser estabelecida. Nesses casos, o terapeuta deve encaminhar o caso para outro profissional. Na vasta maioria dos casos, no entanto, os valores do cliente e do terapeuta são suficientemente parecidos para que não se desenvolva uma cisão básica sobre direções de vida valorizadas. Confundir valores com objetivos Um problema comum no trabalho com valores é a falha do terapeuta em detectar objetivos que são apresentados como valores pelo cliente. Por exemplo, o cliente pode dizer: “Eu quero ser feliz”. Isso parece ser um valor, mas não é. Ser feliz é algo que você pode ter ou não ter, como um objeto. Um valor é uma direção – uma qualidade de ação. Por definição, valores não podem ser adquiridos e mantidos em um estado estático – eles devem ser vividos. Quando os objetivos são erroneamente confundidos com valores, a incapacidade de atingir um objetivo aparentemente anula o valor. Um modo prático de evitar essa confusão é colocar uma declaração de objetivo ou valor produzida pelo cliente sob escrutínio: “Isso está a serviço do quê?” ou “O que você poderia fazer se isso fosse atingido?”. Muito frequentemente, esse exercício irá revelar o “valor oculto” que não foi declarado. Alguns “valores” são, na verdade, meios para um fim, caso no qual eles não são valores de forma alguma. Um modo de pensar nos valores é como valores como meios versus valores como fins. Valores como meios são coisas que são valorizadas porque podem produzir certos fins. Por exemplo, uma pessoa pode valorizar ser rica; no entanto, riqueza é valiosa porque permite que outros valores sejam perseguidos, como segurança para si mesmo e os filhos ou um desejo de ajudar outras pessoas menos afortunadas. O valor oculto aqui é se importar consigo mesmo, com a família e com os menos afortunados. Outro valor como meio comum é a promoção da saúde pessoal. Estar saudável pode parecer melhor do que a sua alternativa, mas o real valor na proteção da saúde é que isso nos possibilita fazer coisas que são valorizadas na vida, tais como viajar, conduzir sua filha ao altar no casamento dela, passar os “anos dourados” com um parceiro de toda a vida, etc. Valores como fins, em contrapartida, são resultados na vida que são valorizados por si só, mesmo que também possam desencadear outros resultados valorizados. Por exemplo, podemos valorizar a paternidade/maternidade, e isso pode produzir reconhecimento pessoal e reconhecimento dos pares. No entanto, é improvável que deixássemos de valorizar a paternidade/maternidade se o reconhecimento social não estivesse disponível. Compare isso com o dinheiro como valor. Se o dinheiro parasse de produzir bens materiais – digamos, devido à completa desvalorização de uma moeda –, ganhar dinheiro deixaria de ser um valor. A esquiva experiencial é um bom exemplo. A relação entre meios e fins é revelada se o terapeuta pergunta: “A evitação da ansiedade estaria a serviço do quê?” ou “O que você conseguiria fazer se pudesse evitar a ansiedade?”. O cliente pode responder que, então, seria possível viver uma vida mais valorizada. O terapeuta poderia perguntar: “Se você não estivesse ansioso, o que estaria fazendo que lhe diria que está vivendo uma vida mais valorizada?”. Evitar a ansiedade é um pseudovalor, e muito do impacto da ACT provém simplesmente de organizar isso e avançar diretamente para ações associadas a valores. Quando os valores implícitos nas ações atuais se tornam explícitos, o cliente com frequência os rejeita. Por exemplo, o cliente provavelmente não escolheria um epitáfio que dissesse “Aqui jaz Fred. Ele passou sua vida evitando a ansiedade”. A sociedade contemporânea está dominada por um foco em resultados semelhantes a um objeto (i.e., objetivos que são atingidos). Na maioria dos casos, na primeira vez que o cliente completa esse exercício sobre valores, o que ele produz se parece mais com um exercício de definição de objetivos do que com um exercício de escolha de direções valorizadas. A função do terapeuta é detectar essa confusão entre processo e resultado e ajudar o cliente a conectar objetivos comportamentais específicos aos valores. Ordem do trabalho com valores Já enfatizamos repetidamente que a ordem na qual os processos centrais da ACT são tratados neste livro não tem nenhuma relação com sua ordem de aparecimento na terapia, e o trabalho com valores é um excelente estudo de caso dessa questão. Alguns terapeutas em ACT gostam de usar o trabalho com valores durante as sessões iniciais da terapia. A justificativa para essa abordagem é que colocar os clientes “em contato” com seus valores, assim como com o custo do comportamento inflexível em relação aos resultados de vida valorizados, é uma boa maneira de motivá-los a permanecer em terapia e fazer mudanças. Alguns problemas clínicos complexos (i.e., adição crônica a drogas ou álcool) são bons candidatos para essa abordagem, especialmente quando a questão principal é manter o cliente envolvido na terapia. Existem versões “mais suaves” de uma abordagem completa de construção de valores, em que a sessão inicial envolve uma conversa sobre os desejos de vida do cliente e o impacto que o “comportamento-problema” teve sobre esses desejos. Na prática, existe uma dinâmica fluida constante entre os processos centrais, de modo que as discussões iniciais dos valores podem imediatamente dar lugar a uma intervenção de momento presente (p. ex., “O que apareceu para você quando conversamos sobre seus princípios de vida e como eles foram afetados pela sua depressão?”). A “arte” da ACT (se é que existe) é a habilidade de se movimentar harmoniosamente entre os processos centrais em resposta ao que está acontecendo com o cliente na sessão. Em geral, desencorajamos a adoção de uma abordagem do tipo “universal” para o