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<p>67 Problemas alimentares pediátricos* Richard M. Katz, James K. Hyche e Ellen K. Wingert das crianças de 1 a 3 anos de idade não estão, de com Avaliação 895 fome na hora das refeições, 42% terminam as refeições após Histórico 895 um tempo curto, 35% são consumidoresexigentes (picky ea- Antropometria 896 ters) e 33% demonstram seletividade Problemas Exame físico 896 alimentares graves, todavia, são observados em crianças (3- Observação comportamental 897 em particular naquelas com deficiências físicas (26- Ambiente 898 90%), e com doenças clínicas e prematuridade Tratamento 898 As consequências da subnutrição sobre o crescimento e o Clínico 898 desenvolvimento estão bem e causam mor- Comportamental 898 bidade e mortalidade significativas. Os distúrbios alimentares Oral-motor 898 afetam a família inteira, resultando em um nível significativo Resumo 899 de estresse e tensão na relação É possível que um cuidador precise gastar 2/3 das horas em que está A um problema muito importante no mundo acordado para cuidar de uma criança com distúrbio alimen- e certamente a maior responsável por doenças e crescimento e esse envolvimento intenso do cuidador principal com deficiente em populações de risco. A subnutrição prolongada a criança com distúrbio alimentar consome o tempo de ou- tem influência sobre a saúde física e o desenvolvimento mental tras obrigações com a família e com o lar. e social das crianças. Além disso, representa um custo alto para Os distúrbios alimentares possuem muitas causas, incluin- as famílias e para a sociedade. As causas primárias da subnu- do fatores clínicos, nutricionais, comportamentais, psicoló- trição são a disponibilidade de alimentos e a capacidade ou gicos e A Tabela 67.1 apresenta exemplos de disposição para consumir alimentos nutritivos. Este capítulo problemas alimentares infantis comuns. Crianças com defi- trata dos distúrbios alimentares como a origem cada vez mais ciências de desenvolvimento, patologias clínicas e problemas comum da subnutrição nas crianças. graves de comportamento provavelmente não superarão seus Distúrbio alimentaré um termo usado para descrever crian- problemas alimentares sem ajuda. Portanto, é importante que ças que encontram dificuldades em consumir uma nutrição os cuidadores e os médicos reconheçam precocemente um adequada pela via oral (alimentação prejudicada), crianças que problema alimentar na criança e façam uma avaliação que comem muito (hiperfagia) e as que ingerem substratos impró- vise oferecer um tratamento o quanto antes, com o objetivo prios para alimentação (pica). o termo é confundido frequen- de solucionar o problema. temente com transtornos alimentares como anorexia ou buli- As crianças com distúrbios alimentares formam um grupo mia, mas não tem relação com os fatores de risco da bulimia heterogêneo que inclui desde aquelas sem problemas clínicos e da anorexia nervosa na adolescência. até aquelas com distúrbios do trato gastrintestinal (GI), doenças As crianças saudáveis aprendem a aceitar e a consumir sistêmicas, atraso de desenvolvimento e deficiências uma dieta balanceada e saudável, para garantir o crescimento Quarenta e cinco por cento das crianças com desenvolvimento e a Elas desenvolvem a capacidade de autorregulação normal sofrem de problemas Os relatos são de e se adaptam a uma variedade de alterações do paladar dos que a maioria das preocupações de ordem alimentar em relação pais e da oferta do ambiente. Satter2 expandiu esse conceito a essas crianças está relacionada à falta de apetite, e em 23% e delineou o papel da criança e dos pais durante a alimenta- dos casos, as crianças tinham peso e altura normais. ção. Entretanto, fatores biológicos, pessoais e sociais podem A alimentação infantil progride a partir de aprendizados interferir no princípio de autorregulação. biológicos, do amadurecimento e do ambiente social da cria- Aproximadamente 25% dos lactentes e das crianças apre- ção. Assim, distúrbios alimentares deveriam ser considerados sentam distúrbios alimentares. Essa taxa aumenta para cerca problemas biopsicossociais. A interação dos três mecanismos de 80% em crianças com deficiências de desenvolvimento. impõe um desafio ao diagnóstico diferencial, à avaliação e Outra análise mais detalhada da prevalência indica que 52% ao tratamento. Muitas mas não todas das dificuldades alimentares persistentes nas crianças podem estar associadas GI, gastrintestinal a um distúrbio subjacente de naturezaestrutural, neurológica 893</p><p>894 Parte IV Prevenção e tratamento de doenças Tabela Problemas alimentares comuns Distúrbios alimentares incluem uma grande variedade de Recusa total de alimentos comportamentos e características da alimentação. Esses com- Recusa de alimentos por volume portamentos podem ser categorizados em déficits de habili- Recusa de alimentos por textura dade (incapaz de comer) e motivacionais Uma Recusa de alimentos por tipo Dependência da mamadeira criança com pouca energia ou problemas motores finos pode Refeições prolongadas não conseguir se alimentar sozinha. Uma criança com pouco Comportamentos mal-adaptativos apetite e que come pouco pode ter distúrbio de deglutição, Adipsia aversão ao gosto, sensibilidade à textura, problemas dentários, infecções de ouvido recorrentes e muitos outros distúrbios. Uma criança com refluxo gastroesofágico grave pode engasgar ou fisiológica. Entretanto, na maioria das crianças com dis- e/ou vomitar propositadamente para aliviar o desconforto. A túrbios alimentares significativos não se observa uma etio- recusa total de alimentos é incomum em crianças fisiologica- logia claramente aparente nem mesmo com a mais completa mente normais e saudáveis, exceto durante uma doença ou, avaliação. temporariamente, quando estão com problemas emocionais. A alimentação é uma tarefa complexa que exige uma pro- Entretanto, ainda assim, é necessária uma avaliação abran- gressão sequencial de uma série de habilidades para ser bem- gente para excluir causas físicas de recusa alimentar. -sucedida. A orientação familiar baseada na evolução do Conforme proposto pela American Psychiatric Association desenvolvimento das crianças saudáveis seria inadequada para Task Force for Revision of the Diagnostic and Statistical crianças com paralisia cerebral, deficiência de desenvolvimen- Manual for Mental Disorders, Fifth edition DSM (Força- to, doenças sindrômicas e problemas musculares e neuromus- Tarefa da Associação Americana de Psiquiatria para a Revisão culares. A coordenação ruim das estruturas orais pode inter- do Manual Diagnóstico e Estatístico de Distúrbios Mentais, ferir na capacidade de movimentar a comida dentro da boca, edição), as crianças com distúrbios alimentares podem ser mastigar e deglutir de maneira segura e eficaz. Um atraso de divididas em três amplas categorias: crianças que não se ali- desenvolvimento das habilidades motoras pode interferir na mentam suficientemente ou demonstram pouco interesse em comer; crianças que demonstram severa seletividade em re- As alimentações bem-sucedidas são frequentemente me- lação aos alimentos e aceitam apenas uma dieta limitada em didas como um indicador do vínculo entre pais e filhos. Uma relação às características sensoriais; e crianças cuja recusa relação alimentar de entre pais e filhos em geral depen- alimentar está relacionada a experiências aversivas. Além dis- de da capacidade de ambos em dar, entender e interpretar so, as crianças com distúrbios alimentares incluem aquelas sinais uns dos outros. Danos neurológicos podem interferir que são saudáveis, sofrem de distúrbios digestivos e têm ne- na capacidade de dar sinais claros de fome ou saciedade. cessidades especiais. As dificuldades alimentares em crianças As crianças normalmente recusam a comida após expe- saudáveis geralmente são transitórias e se resolvem de forma riências negativas. Essas experiências negativas ou aversivas espontânea. Entretanto, em algumas crianças, o problema podem envolver dor no ato de comer ou de se alimentar, persiste e pode exigir assistência profissional. A ingestão ca- sensação de dor na região buco-facial ou reações buco-sen- lórica abaixo do ideal, a seletividade em relação ao tipo de soriais adversas. Subsequentemente, na presença do alimento, alimento, os comportamentos disruptivos na hora das refei- surge a ansiedade antecipatória, e a criança pode se recusar ções e duração excessiva das refeições são problemas alimen- terminantemente a comer, a comer uma quantidade adequa- tarem frequentemente observados em crianças saudáveis. A da ou a comer determinados alimentos. Os pais precisam Tabela 67.3 apresenta algumas ideias sobre como melhorar os saber que esse tipo de comportamento é uma resposta apren- comportamentos de uma criança seletiva na hora de comer. dida. Devem-se ajudar os cuidadores a compreender que os diagnóstico de patologias clínicas em crianças com di- comportamentos de recusa alimentar são uma expressão de ficuldades na alimentação é um desafio, especialmente em ansiedade ou medo, e não um indício de que a criança é lactentes e crianças entre 1 e 3 anos de idade, incapazes de "indisciplinada" ou ou de que o seu medo é "tudo explicar seus problemas. A Tabela 67.4 mostra exemplos de fruto de sua imaginação". Em geral, os problemas são invo- condições clínicas comumente observadas em crianças com luntariamente agravados pela má administração dos cuida- dificuldades complexas na alimentação. Na maioria dos ca- dores. É importante orientar os pais e os cuidadores sobre a maneira como o problema alimentar da criança se desenvol- Tabela 67.2 Otimização do ambiente para a veu e o que eles podem aprender a fazer para mudar o com- alimentação portamento da criança nesse Em muitos casos, os Cômodo silencioso com distrações limitadas cuidadores vivenciam sentimentos de culpa por sua contri- Posicionamento de desenvolvimento adequado buição, real ou imaginária, para os problemas de alimentação Cadeira estável e adequada da criança. Eles precisam confiar que algumas mudanças nos Utensílios adequadamente desenvolvidos seus comportamentos (p. ex., fazer com que a hora da refeição Criança alerta para na alimentação seja prazerosa) podem melhorar o comportamento das crian- Rotinas e programações estáveis ças durante a alimentação (Tab. 67.2.) Cuidador posicionado no nível dos olhos da criança</p><p>Capítulo 67 Problemas alimentares pediátricos 895 cionista determina a necessidade de calorias, os alimentos Tabela 67.3 Estratégias para melhorar comportamento das crianças seletivas adequados e a necessidade de nutrientes; o terapeuta ocupa- na hora de comer cional ou o fonoaudiólogo avalia as habilidades motoras orais Reduzir os e orofaríngeas, a posição para comer, a necessidade de equi- Não deixar as guloseimas à mostra pamentos adaptativos e as habilidades de Os cuidadores devem dar exemplo experimentando novos alimentos o psicólogo trabalha no sentido de desenvolver estratégias Oferecer pequenas quantidades em cada porção no plano de tratamento que reduzam a ansiedade da criança Apresentar mesmo alimento novo a cada 10 a 20 refeições na hora das refeições e os comportamentos correlatos de re- Tomar os alimentos atrativos cusa alimentar, aumentem a motivação para comer e beber A consistência dos alimentos deve ser conveniente à criança e eliminem os comportamentos alimentares disruptivos. Em Acrescentar condimentos e molhos que agradem à criança Acrescentar outros alimentos para reforçar teor calórico, como queijo última análise, para que o tratamento seja eficaz em longo ralado, creme, molho de carne e manteiga prazo, os pais e outros cuidadores responsáveis devem ser Dar preferência aos alimentos de alta densidade e baixo volume treinados para implementar todas as recomendações alimen- Reforçar os comportamentos alimentares adequados tares em casa, na creche e na escola. Todas as preocupações referidas devem ser avaliadas, não importando quão simples ou comuns. Isso aliviará as preocupações dos pais e evitará Tabela Condições clínicas observadas em problemas mais graves. prognóstico com intervenções crianças com problemas alimentares precoces é muito favorável na maioria dos casos. Intervenções Anomalias anatômicas precoces aumentam a eficácia da terapia. Fenda labial ou palatina Sequência de Pierre Robin Síndrome de CHARGE Avaliação Efeitos cardiopulmonares Cardiopatia congênita complexa processo de entendimento da causa dos distúrbios ali- Pneumonia por aspiração mentares envolve a percepção dos sintomas, a identificação Distúrbios neuromusculares dos comportamentos e a determinação dos fatores de pre- Paralisia cerebral disposição, precipitação e perpetuação. Certas características Anomalias dos nervos cranianos das crianças (como temperamento, doenças recorrentes, bai- Paralisia pseudobulbar xa resistência) e características dos pais (como depressão ou Lesão de massa intracraniana incapacidade de enfrentar problemas) podem agir como Distúrbios da fase esofágica da deglutição Acalasia cricofaríngea fatores predisponentes. Os fatores precipitantes incluem do- Reparo de esofágica enças agudas, ferimentos, dor e abuso infantil. Os fatores Massa, estenose, teia esofágicas perpetuadores incluem dor contínua, situações de descon- Anéis vasculares forto e reforço derivado de comportamentos. A identificação estranhos desses fatores exerce forte influência no tratamento. Distúrbios de motilidade Ao avaliar crianças com distúrbios alimentares, cinco áre- Distúrbios de lúmen as principais devem ser analisadas: histórico, exame físico Doença do refluxo gastroesofágico Esofagite péptica/gastrite (incluindo avaliação orofaríngea), avaliação nutricional, ava- Doença inflamatória intestinal liação antropométrica e observação comportamental. Distúrbios genéticos Síndrome de Prader-Willi Histórico Trissomia 21 Síndrome velocardiofacial (síndrome da deleção 22q11.2) Um histórico detalhado ajuda a determinar a natureza do Distúrbios metabólicos problema, especialmente para as condições que afetam o es- Diversos tado nutricional e o cuidado na alimentação. A atenção tam- Constipação bém deve estar sobre o nível de desenvolvimento da criança Alergias alimentares e o entendimento e conhecimento dos cuidadores em relação CHARGE, coloboma, cardiopatia, atresia crescimento retardado e desen- a padrões alimentares, texturas, volumes e métodos de ali- volvimento retardado e/ou anomalias do sistema nervoso central (SNC), hipoplasia mentação adequados. Os possíveis efeitos dos medicamentos genital, e anomalias auriculares e/ou para a alimentação infantil incluem diminuição do apetite, náusea, irritação gastrintestinal e constipação. Alguns medi- SOS, é necessária uma equipe de profissionais experientes de camentos, com seus efeitos sobre o sistema gastrintestinal, diversas especialidades, incluindo gastroenterologia, nutri- têm potencial para gerar dificuldades na alimentação, como ção, terapia ocupacional e/ou fonoaudiologia e psicologia, apresentado na Tabela 67.5. Nas crianças, o histórico de fa- para estabelecer um diagnóstico diferencial dos sintomas tores de risco pré-natais e neonatais, sobretudo no caso de apresentados e especificar a causa ou função. Os membros lactentes prematuros ou aqueles com uma trajetória neonatal de uma equipe multidisciplinar realizam as seguintes fun- complicada, deve ser obtido. histórico cirúrgico é vital, ções: o médico trata as causas clinicas subjacentes; o nutri- particularmente de cirurgias GI, mas qualquer cirurgia rea-</p><p>896 Parte IV Prevenção e tratamento de doenças Tabela 67.5 Medicamentos indutores de efeitos ma alimentar. Não se deve presumir que crianças abaixo do colaterais interferentes percentil 5 tenham problema. ganho de peso deve ser uma Medicamento Efeitos gastrintestinais possíveis preocupação apenas se a velocidade de crescimento da crian- Ferro Náusea, vômito ça oscilar e diminuir na curva de crescimento. Entretanto, Amoxicilina Náusea, vômito, dor mesmo crianças bem nutridas, frequentemente precisam de Anti-inflamatórios não esteroidais Lesões de mucosa assistência, porque podem apresentar comportamentos du- Psicotrópicos Letargia, disfagia rante a alimentação que interferem na rotina e representam uma fonte de estresse e de preocupação para os cuidadores. lizada na infância poderia resultar em distúrbios alimentares. Exame físico Por fim, o histórico familiar poderia produzir outras evidên- Deve ser feito um exame físico completo para descartar cias de distúrbios nutricionais e alimentares. eventuais causas orgânicas. qualquer órgão ou sistema do Um perfil do histórico alimentar da criança deve incluir corpo, especialmente o sistema GI, pode agir como fator de início, curso, frequência, intensidade, duração e variabilidade precipitação de problemas alimentares. A observação paciente dos comportamentos na alimentação ao longo do tempo, com deve ter como alvo o temperamento, as respostas táteis, o os mais variados fatores e com pessoas diferentes. tempera- controle motor, a integridade oral, a coordenação, a compe- mento dos cuidadores, o conhecimento deles sobre o desen- tência para sugar/engolir, a postura e os sinais de dor e des- volvimento infantil e as práticas de alimentação, seus históricos conforto da criança. Um médico pode observar partes da alimentares, as atitudes para com as crianças, as habilidades anatomia e função alimentar acessíveis para liberar o paciente de manejo e seus recursos também devem ser analisados. para se alimentar com segurança por via oral. Os fonoaudió- papel da família, particularmente do alimentador principal, logos e terapeutas ocupacionais podem conduzir ensaios ali- seja ele a mãe, o pai, os avós, uma babá ou um funcionário da mentares para explorar o funcionamento motor oral, a pos- creche, é fundamental na abordagem das dificuldades na ali- tura, a sensação, a eficiência da deglutição, a força muscular, mentação. Em uma situação de alimentação normal, os pais a coordenação para sugar-engolir-respirar, e as habilidades de decidem o que servir para a criança e a criança come até se Podem ser utilizadas avaliações instrumen- satisfazer. Distúrbios, temperamento, conhecimentos, recursos tais em conjunto com a avaliação clínica. deglutograma de e motivação dos cuidadores podem influenciar profundamente bário modificado é o método mais comum de avaliação das os momentos de alimentação. Deve-se determinar se o padrão fases dinâmicas da função de deglutição. Essa avaliação for- de alimentação da criança é normal para a idade e para os nece informações sobre os achados estruturais e funcionais, níveis de Frequentemente, os comportamen- o risco de aspiração e a eficácia das técnicas de tratamento. A tos das crianças que preocupam os pais são variações no de- avaliação endoscópica da deglutição por fibra ótica utiliza um senvolvimento, como autoalimentação ruim ou mau compor- endoscópio flexível que permite a visualização transnasal das tamento nas refeições em crianças com um ano de idade. Os estruturas nasais, faríngeas e A ultrassonografia, cuidadores que não entendem as variações no desenvolvimen- como instrumento de imagem, visualiza as relações entre os to se tornam ansiosos e inventam novas técnicas de alimenta- padrões de movimento das estruturas orais e ção, frequentemente criando uma discordância entre a com- A avaliação nutricional da ingestão de alimentos das pulsão dos pais e a capacidade dos filhos. É comum haver crianças é crucial: a informação dietética pode ser utilizada diferenças na aceitação da dieta em diferentes refeições em para determinar as calorias consumidas e o equilíbrio nutri- crianças de 2 a 5 anos de idade. Elas são ativas, distraem-se cional da dieta. o histórico da dieta deve incluir as práticas facilmente e se recusam a permanecer em um cadeirão por e os padrões de alimentação antigos e atuais. As informações muito tempo. Exigem independência e controle, e insistem em dietéticas podem ser obtidas por meio das lembranças dos certos utensílios e alimentos. De fato, o ganho de peso diminui cuidadores; porém, esse método pode ser impreciso. A ali- e as crianças nessa idade não necessitam da mesma quantidade mentação das crianças varia conforme as refeições e os dias. de calorias que necessitavam quando lactentes. A mudança de Avaliar uma única refeição ou a quantidade de caloria em inclinação no gráfico de crescimento do National Center for um dia não revela o estado nutricional real da criança. Assim, Health Statistics (Centro Americano de Estatísticas de Saúde) a análise de um diário da alimentação de 3 dias fornece uma reflete essa queda na velocidade de crescimento. estimativa mais válida das variações reais de ingestão da criança, em relação a tipos de alimentos e quantidades con- Antropometria sumidas. As estratégias nutricionais dadas às famílias devem Mensurações de altura, peso e relação peso/altura são in- considerar as preferências, os recursos, a cultura, a etnia e a dispensáveis na determinação do estado nutricional e de educação familiares. Os pais devem ser assegurados de que crescimento. Muito pode ser entendido sobre o crescimento seus filhos estão recebendo nutrição adequada e seguindo e o desenvolvimento das crianças por meio da marcação nos sua curva de crescimento, não importando quão pequenas gráficosseriais desses valores em várias ocasiões. Uma análise ou magras essas crianças possam parecer. completa dos vários pontos pode ajudar a estabelecer o início, Distúrbios alimentares em crianças com problemas clíni- o curso e os fatores precipitantes e perpetuadores do proble- são complexos, porque se misturam com fatores sociais</p><p>67 Problemas alimentares pediátricos 897 e comportamentais, tornando os diagnósticos diferenciais Tabela Sintomas do refluxo gastroesofágico mais Os sintomas clínicos mais comuns sugestivos Vômito de patologias clínicas são disfagia, refluxo gastroesofágico, Deglutição frequente Regurgitação diarreia e constipação. Distúrbios gastrintestinais interferem Erosão dentária Recusa de alimento no processo de consumo, retenção, digestão, absorção e eli- Constrição Esôfago de Barrett minação (Tab. 67.6) e resultam em perda de peso, letargia, Anemia Sangramento doenças e distúrbios alimentares. Estridor Rouquidão Em alguns casos, crianças com distúrbios aparentemente Ardência Alteração postural funcionais podem revelar, mais tarde, causas orgânicas sub- jacentes de distúrbio alimentar. Por exemplo, um esvazia- mento gástrico lentificado, sem evidência de doença sistêmi- ca, pode se desenvolver em crianças Achados mes As manifestações clínicas incluem atraso de desenvolvimento motor oral, falta de coordenação no pro- similares de problemas físicos latentes, sem evidências clíni- cas, foram identificados por Staiano et no seu estudo cesso desconforto respiratório, recusa alimentar e seletividade A Tabela 67.8 apresenta sobre motilidade do trato gastrintestinal superior em crianças sintomas comuns de disfagia nas crianças. com distrofia muscular progressiva. Não é incomum que surjam sintomas de um distúrbio de motilidade, alergia a Observação comportamental alimentos e intolerância à lactose quando as crianças são ensinadas comer um volume maior e uma maior variedade A observação da alimentação é de extremo valor e fornece de alimentos. Presume-se que a criança estava se autorregu- evidências diretas e explicações sobre o problema alimentar. lando e evitando a substância "tóxica" por meio da recusa a comportamento dos pais e da criança durante a alimentação certos alimentos. Com maior frequência, uma investigação é recíproco. comportamento das crianças durante a alimen- diagnóstica é necessária para confirmar as hipóteses clínicas. tação influencia na atitude dos cuidadores para com as crian- As alergias alimentares são um problema cada vez mais co- ças e nos métodos de alimentação, assim como o tempera- mum em lactentes e crianças. A maioria das alergias alimen- mento e as técnicas de alimentação dos pais influenciam a tares não se manifesta com os sintomas clássicos mediados resposta das crianças à situação da alimentação. A observação pela imunoglobulina, como urticária ou prurido, mas geral- do binômio pai-criança em clínicas pode não representar seus mente com um desconforto GI de leve a moderado que pode comportamentos naturais. Filmar as sessões de alimentação levar a comportamentos de recusa Portanto, em casa, quando possível, fornece um resultado mais realista. a maioria das crianças com recusa alimentar deve passar por Os elementos importantes do comportamento entre pais e avaliações para verificação da presença de alergia. Os distúr- filhos a serem observados durante as avaliações das refeições bios do trato GI, além da doença do refluxo gastroesofágico, estão apresentados nas Tabelas 67.9 e 67.10. podem desempenhar um papel significativo nos comporta- Os distúrbios alimentares manifestados pelas crianças mentos indicativos de má adaptação alimentar. Anomalias com parâmetros normais de crescimento podem se manifes- como má rotação intestinal, estenose esofágica, anomalias tar como variedade restrita de alimentos, consistência ina- vasculares e distúrbios de motilidade do do estôma- dequada dos alimentos e comportamentos disruptivos na go e duodeno já foram associadas à recusa hora das refeições. As crianças que perderam a oportunidade um sintoma comum em crianças com distúrbios de experimentar alimentos e texturas em determinadas fases no trato gastrintestinal, alergia a alimentos, aversão condi- de seu desenvolvimento os períodos ou cionada, ruminação ou outros distúrbios latentes. refluxo veis". são mais resistentes a novos alimentos e texturas mais gastroesofágico, porém, é mais comum. A Tabela 67.7 apre- acentuadas. A dificuldade com a textura, na ausência de dis- senta os sintomas do refluxo. Crianças com tais sintomas função motora oral, pode resultar de problemas dentários, devem ser encaminhadas a um gastroenterologista para diag- texturas inadequadas dos alimentos relacionadas ao seu de- nóstico e tratamento. senvolvimento ou esquiva decorrente de experiência aversiva Pode ocorrer disfagia em uma ou mais fases da deglutição, de engasgo ou sufocamento. As crianças diagnosticadas com inclusive na fase oral, no início da deglutição, na fase faríngea distúrbio de espectro de autismo tendem a demonstrar difi- e na fase A condição pode incluir distúrbios neu- culdade com a textura dos alimentos, sem apresentar habili- rológicos, anomalias anatômicas, doença pulmonar e síndro- dades motoras orais retardadas ou dificuldades Tabela 67.6 Distúrbios gastrintestinais com influência Tabela 67.8 Sintomas de disfagia sobre processo de assimilação nutricional Salivação Consumo: apetite, disfagia, aspiração, anormalidades craniofaciais Dificuldade para mastigar Retenção: êmese, diarreia Acúmulo de alimentos na boca Digestão: alergia a alimentos, intolerância à lactose Engasgo com texturas diversas Absorção: doença celíaca, síndrome do esvaziamento rápido (dumping) Tosse durante e depois da mastigação Eliminação: constipação, doença de Hirschsprung Qualidade de alterada depois da mastigação</p><p>898 Parte IV Prevenção e tratamento de doenças Tabela 67.9 nutrição. A alimentação enteral deve ser considerada para Interações entre pais e filhos crianças que não conseguem ingerir calorias suficientes pela Pais: comportamentos boca, assim como para crianças que se cansam facilmente do positivos e habilidades Pais: comportamentos negativos esforço de mastigar e deglutir,quando a alimentação deman- Afetuosos Distantes da muito tempo do cuidador, quando ficam doentes com Entusiastas Passivos Apoiadores Controladores frequência, quando estão em uma condição clínica crítica ou Expressam prazer Rudes, não conseguem consumir líquidos. Crianças com desnutrição Incentivadores Punitivos grave e falha de desenvolvimento podem também se benefi- Calmos Ansiosos ciar da alimentação enteral. Mesmo quando a criança está Interpretam os sinais da criança Preocupados recebendo alimentação enteral, a estimulação nutritiva e não nutritiva deve ser iniciada o mais rápido possível. Lidam com estresse e frustração Perdem controle Estabelecem limites Muito permissivos Comportamental Análises comportamentais aplicadas foram empregadas Tabela 67.10 Interações entre pais e filhos com eficiência no tratamento de problemas alimentares, in- Criança: comportamentos Criança: comportamentos cluindo mal comportamento durante as recusa positivos negativos dos e preferências Distúrbios Atentas Distraídas alimentares em crianças que resultam de distúrbios de com- Agradáveis Irritáveis portamento e do manejo ruim pelos cuidadores podem ser Teimosas efetivamente tratados utilizando técnicas comportamentais Aceitam limites Fora de controle aplicadas. As crianças diagnosticadas com seletividade ali- Responsáveis Desafiadoras mentar severa requerem intervenção específica com o uso de estratégias comportamentais e/ou cognitivas para (1) di- Ambiente minuir a ansiedade, (2) desmembrar em pequenas etapas ensinadas sequencialmente em relação à tarefa de comer Tem-se dado pouca importância para fatores ambientais novos alimentos, ou (3) reduzir ou eliminar os comporta- em distúrbios alimentares. Porém, evidências inquestionáveis mentos disruptivos de fuga/esquiva durante as refeições. revelam sua importância no na manuten- Tratamentos iniciais devem ter sempre como objetivo alterar ção e na exacerbação dos problemas Dessa a rotina da alimentação, os horários, o ambiente da alimen- forma, abordagens e observações planejadas do ambiente da tação e as habilidades dos cuidadores em alimentar. que alimentação durante a fase de avaliação são importantes. ocorre fora das sessões de alimentação (como privação de ambiente natural de alimentação das crianças pode fornecer sono, hábitos intestinais ruins, letargia e irritabilidade) pode informações cruciais para o entendimento das prioridades influenciar significantemente o comportamento da criança dos pais, da disponibilidade de recursos e dos componentes durante a alimentação. As intervenções devem ter como ob- que influenciam no comportamento das crianças durante a jetivo ensinar os pais a entender o temperamento da criança, alimentação. As crianças não comem pelo valor nutritivo; ao estabelecer limites e facilitar a regulação interna da criança contrário, elas são motivadas por gosto, cheiro, e pelo durante a Isso inclui instruções de nutricio- reforço social. Análises funcionais para determinar o que nistas sobre alimentos com bom valor nutricional, sobre o gostam e não gostam revelarão por que crianças cer- preparo e a estocagem dos alimentos, técnicas de adminis- tos alimentos, alimentam-se bem em certas refeições ou se tração de alimentação por sonda enteral, sendo que essa alimentam na presença de um cuidador e não de abordagem deve ser sempre tentada antes de procedimentos com tratamentos terapêuticos mais invasivos. Tratamento Oral-motor Clínico objetivo da intervenção motora oral é melhorar a qua- Uma vez que as causas originais e funcionais do distúrbio lidade das habilidades alimentares de acordo com a capaci- alimentar forem identificadas, o tratamento é bastante claro dade funcional da criança. Como parte do processo terapêu- em muitos casos. Os gastroenterologistas desenvolveram tico, o terapeuta ocupacional ou o fonoaudiólogo com fre- muitas técnicas não invasivas para a avaliação das funções quência manipula partes da região orofacial para aumentar tratamento clínico é extenso em dificul- a consciência sensorial, fortalecer os músculos, reduzir es- dades alimentares com base orgânica. Ocasionalmente pode forços com posicionamento correto e fornecer equipamentos ser necessária hospitalização para observação clínica, quando adaptativos para melhorar as habilidades de avaliações iniciais não fornecerem a resposta ao problema Além disso, as texturas podem ser modificadas com a fina- ou quando os relatos dos cuidadores e o quadro da criança lidade de melhorar o controle do bolo alimentar (bolus) e as forem incongruentes. Em muitos casos, podem ser necessá- habilidades de deglutição ou de controlar o volume ou a taxa rias abordagens utilizando rotas alternativas para prover de fluxo do bolo alimentar administrado. As técnicas de tra-</p><p>Capítulo 67 Problemas alimentares pediátricos 899 tamento devem sempre incluir o treinamento dos cuidadores, 5. Reilley S, Skuse D, Problete X. J Pediatr 1996;129:877-82. a fim de garantir uma continuidade consistente nas refeições. 6. Douglas JE, Bryon M. Arch Dis Child 1985;75:304-8. Na maioria dos casos, existem técnicas e manobras terapêu- 7. Thommessen M, Heidberg A, Kasse BF et al. Acta Paediatr ticas eficazes para tratar problemas alimentares pediátricos. 1991;80:527-33. As técnicas de tratamento são individualizadas de acordo 8. Riordan MM, Iwata BA, Wohl KM et al. Appl Res Ment Retard com as dificuldades alimentares da criança e adaptadas à 1980;1:95-112. capacidade de o cuidador cumprir as recomendações. 9. Babbitt RL, Hoch TA, Coe DA et al. J Dev Behav Pediatr 1994; 15:278-91. 10. Barett DE, Radke-Yarrow M, Klein RE. Dev Psychol 1984;18: Resumo 541-56. 11. Greer AJ, Gulotta CS, Laud RBJ. Pediatr Psychol 2008;33:612-20. Os distúrbios alimentares são surpreendentemente co- 12. Chase HP, Martin H. N Engl J Med 1970; 933-9. muns. A incidência de distúrbios alimentares continuará a 13. Linscheid TR. Disturbances of eating and feeding. In: Magrab PR, crescer, uma vez que crianças doentes têm maior taxa de ed. Psychological Problems in Early Life, Early Life Conditions sobrevida por causa dos avanços da tecnologia médica. and Chronic Diseases Chronic Diseases. Baltimore: University Park Press, 1978:191-218. Distúrbios alimentares ocorrem por razões clínicas, senso- 14. Fischer E, Silverman A. Semin Speech Lang 2007;28:223-31. riais, físicas, pessoais, sociais e ambientais. Esses fatores ra- 15. Manikam R, Perman J. J Clin Gastroenterol 2000;11:34-46. ramente ocorrem isoladamente. Problemas alimentares pro- 16. Arvedson JC. Dev Disabil Res Rev 2008;14:118-27. longados têm consequências graves para a saúde física, cog- 17. Marchi M, Cohen P. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry 1990;29: nitiva e social da criança, e levam ao estresse no cuidador e 112-7. à disfunção familiar. A origem multifatorial dos distúrbios 18. Staiano A, Giudice E, Romano A et al. J Pediatr 1992;121:720-4. 19. alimentares exige uma equipe multidisciplinar para tratar, Haas AM. Curr Allerg Asthma Rep 2010;10:258-64. 20. Garcia-Careaga M Jr, Kerner JA Jr. Nutr Clinc Pract 2005;5: com eficiência, a criança e seus cuidadores. 526-35. A orientação e o treinamento do cuidador são indispen- 21. Zangen T, Cairla C, Zangen Set al. J Pediatr Gastroenterol Nutr sáveis para manutenção e generalização, bem como para 2003;37:225-7. evitar regressão e reincidência do quadro. A maioria das 22. Cucchiara S. Int Semin Paediatr Gastroenterol Nutr 1998;7:2. crianças com distúrbios alimentares pode ser tratada com 23. Lefton-Greif MA. Phys Med Rehabil Clin North Am 2008;19: eficiência por uma equipe de nutrição experiente se não hou- 837-51. 24. ver um problema clínico ativo. Palmer S, Horn S. Feeding problems in children. In: Palmer S, Ekvall S, eds. Pediatric Nutrition in Developmental Disorders. 6th ed. Springfield, IL: Charles C Thomas, 1978:107-29. Referências 25. O'Brian F, Azrin NH. J Appl Behav Anal 1972;5:389-99. 1. Davis, CM Can J Med Assoc 26. Ahearn WH, Kerwin ME, Eicher PS et al. J Appl Behav Anal 2. 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