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BIOMECÂNICA APLICADA AO PERSONAL TRAINING I APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA 3 Ementa 4 Objetivo geral 4 Objetivos específicos 4 Habilidades e competências 4 Organização do caderno de estudos 4 1 NOÇÕES GERAIS 8 2 QUADRIL 10 3 JOELHO 23 4 TORNOZELO E PÉ 35 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 48 BIOMECÂNICA APLICADA AO PERSONAL TRAINING I 3 APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA Apesar de algumas semelhanças entre as articulações dos membros superior e inferior, o membro inferior é mais bem equipado para suas funções de sustentação de peso e locomoção. Esse conjunto de membros são formados por quadril, coxas, pernas e pés. No presente módulo, detalharemos a anatomia, a biomecânica a cinética e a cinemática das diferentes estruturas ósseas, articulares e musculares que compõem os membros inferiores, destacando suas particularidades e como elas se relacionam para desempenhar suas funções. A partir de tal conhecimento, esperamos que o aluno seja capaz de ter uma melhor compreensão acerca do movimento normal dos membros inferiores, tanto em atividades diárias, como na execução de exercícios específicos. Bons estudos! BIOMECÂNICA APLICADA AO PERSONAL TRAINING I 4 Ementa Estudo da análise do movimento dos membros inferiores, com ênfase na estrutura, mecânica muscular e biomecânica que fundamentam o movimento normal, gerando conhecimento específico que auxilia a compreensão da mecânica global do indivíduo. Objetivo geral Abordar os sistemas ósseo, articular e muscular dos membros inferiores de forma integrada e aplicada a prática da atividade física, seja nas atividades da vida diária, em academias de ginástica ou nos esportes. Objetivos específicos Conhecer os princípios biomecânicos nos quais se baseiam o movimento dos membros inferiores Analisar as variáveis cinéticas e cinemáticas do movimento dos membros inferiores Habilidades e competências Conhecer os conceitos básicos de biomecânica, cinemática e cinética aplicados aos membros inferiores Conhecer as funções e as estruturas das articulações do membro inferior Explicar como se relacionam a biomecânica, a mecânica muscular, a cinética e a cinemática dos membros inferiores Organização do caderno de estudos Para facilitar o seu estudo, o material foi organizado em unidades, subdivididas em capítulos, de forma didática e objetiva. Além disso, este conteúdo foi baseado levando em consideração a aula presencial. A temática foi abordada por meio de textos básicos, com a BIOMECÂNICA APLICADA AO PERSONAL TRAINING I 5 inserção de ícones para estimular a reflexão, organizar as ideias e tornar a sua leitura mais agradável. Ao final, serão indicadas, também, as referências bibliográficas utilizadas neste material. Fique à vontade para utilizá-las como fonte de consulta para aprofundar seus estudos. A seguir, apresentamos a breve descrição dos ícones utilizados na organização deste Cadernos de Estudos. Atenção Chamadas inseridas no texto para direcionar o seu pensamento a pontos importantes. Provocação Questões que buscam instigar o estudante a refletir (a ter a sua opinião) sobre determinado assunto. Saiba Mais Links ou informações complementares para complementar ou elucidar o assunto abordado. Leitura Complementar Sugestões de leituras adicionais (artigos científicos), vídeos e sites confiáveis para aprofundamento do estudo. BIOMECÂNICA APLICADA AO PERSONAL TRAINING I 6 Sintetizando Texto que resume o conteúdo, facilitando a compreensão pelo aluno sobre trechos mais complexos. 7 8 BIOMECÂNICA APLICADA AO PERSONAL TRAINING I 1 NOÇÕES GERAIS Embora existam algumas semelhanças entre as articulações dos membros superior e inferior, o membro superior é especializado em atividades com amplitudes maiores de movimento. Em contraste, o membro inferior é mais bem equipado para suas funções de sustentação de peso e locomoção. Além dessas funções básicas, atividades como chutar ao gol em um campo de futebol, realizar um salto em distância ou um salto em altura e manter o equilíbrio na ponta dos pés no balé revelam algumas das capacidades mais especializadas do membro inferior. Este módulo examina as funções das articulações e da musculatura que permitem os movimentos do membro inferior. 9 10 BIOMECÂNICA APLICADA AO PERSONAL TRAINING I 2 QUADRIL Estrutura do quadril O quadril é uma articulação do tipo bola e soquete (esferóidea) (Figura 1). A bola é a cabeça do fêmur, que forma cerca de dois terços de uma esfera. O soquete é o acetábulo côncavo. O acetábulo permite um encaixe muito mais profundo do que a cavidade glenoidal da articulação do ombro, Desse modo, a estrutura óssea do quadril é muito mais estável ou menos propensa à luxação do que a do ombro. Figura 1. Estrutura óssea do quadil. Vários ligamentos grandes e fortes também contribuem para a estabilidade do quadril (Figura 2). Os ligamentos extremamente fortes iliofemoral (Y) e pubofemoral fortificam a cápsula articular anteriormente, com o reforço 11 BIOMECÂNICA APLICADA AO PERSONAL TRAINING I posterior vindo do ligamento isquiofemoral. Dentro da cavidade articular, o ligamento redondo faz a fixação direta do anel do acetábulo à cabeça do fêmur. Figura 2. Ligamentos do quadril. Artrocinemática do quadril Durante a movimentação do quadril, a cabeça femoral quase esférica normalmente permanece muito bem apoiada nos confins do acetábulo. A artrocinemática do quadril se baseia nos tradicionais princípios: convexo sobre côncavo e côncavo sobre convexo (Figura 3). Figura 3. Lei do côncavo-convexo. A Figura 4 apresenta a ilustração de um quadril aberto para facilitar a visualização das vias de movimento articular. 12 BIOMECÂNICA APLICADA AO PERSONAL TRAINING I Figura 4. As vias articulares do movimento do quadril nos planos frontal e horizontal ocorrem ao longo dos diâmetros longitudinal (roxo) e transverso (azul), respectivamente. A abdução e a adução ocorrem através do diâmetro longitudinal das superfícies articulares. A rotação medial e a rotação lateral ocorrem através do diâmetro transverso. A flexão e a extensão ocorrem como um giro entre a cabeça femoral e as superfícies lunares do acetábulo. O eixo de rotação para esse giro passa através da cabeça femoral. Osteocinemática do fêmur em relação à pelve Flexão e extensão do quadril com a pelve fixa Em média, com o joelho fletido, o quadril se flexiona cerca de 120°. Com o joelho totalmente estendido, a flexão do quadril fica normalmente limitada de 70-80° em virtude do aumento da tensão dos músculos isquiotibiais. O quadril se estende normalmente cerca de 20° além da posição neutra (Figura 5). Figura 5. Flexão e extensão do quadril com a pelve fixa. Abdução e adução do quadril com a pelve fixa O quadril abduz em média cerca de 40° e aduz cerca de 25° além da posição neutra. (Figura 6). Figura 6. Abdução e adução do quadril com a pelve fixa. Rotação lateral e medial do quadril com a pelve fixa Em média, a partir da posição neura, o quadril roda medialmente cerca de 35° e roda lateralmente cerca de 45°. (Figura 7). 13 BIOMECÂNICA APLICADA AO PERSONAL TRAINING I Figura 7. Rotação medial e lateral do quadril com a pelve fixa. Osteocinemática da pelve em relação ao fêmur Ritmo lombopélvico A extremidade caudaldo esqueleto axial está firmemente fixada à pelve através das articulações sacroilíacas. Como consequência, a rotação da pelve em relação à cabeça femoral tipicamente modifica a configuração da coluna lombar. Essa importante relação cinemática é conhecida como ritmo lombopélvico. A Figura 8 mostra dois tipos contrastantes de ritmos lombopélvicos frequentemente utilizados durante a flexão da pelve em relação aos fêmures (quadril). A Figura 8A mostra um exemplo de ritmo lombopélvico ipsidirecional no qual a pelve e a coluna lombar rodam na mesma direção. O efeito desse movimento é maximizar o deslocamento angular de todo o tronco em relação às extremidades inferiores. Durante o ritmo lombopélvico contradirecional, a pelve roda em uma direção enquanto a coluna lombar, simultaneamente, roda na direção oposta (Figura 8B). Uma consequência importante desse movimento é que o tronco supralombar (ou seja, acima da primeira vértebra lombar) pode permanecer quase estacionário enquanto a pelve roda em relação aos fêmures. Flexão e extensão do quadril com o fêmur fixo A flexão do quadril pode ocorrer através de uma inclinação pélvica anterior (Figura 9). Uma “inclinação da pelve” consiste em uma rotação de pequeno arco da pelve em relação aos fêmures estacionários, no plano sagital. Figura 8. Representação dos ritmos lombopélvicos ipsidirecional (A) e contradirecional (B). 14 BIOMECÂNICA APLICADA AO PERSONAL TRAINING I A inclinação anterior da pelve ocorre em torno de um eixo mediolateral através de ambas as cabeças femorais. Na posição sentada, com 90° de flexão do quadril, um adulto pode realizar cerca de 30° de flexão adicional em relação ao fêmur antes de ocorrer restrição oferecida por uma coluna lombar completamente estendida. Na mesma posição sentada, os quadris podem ser estendidos cerca de 10-20° através de uma inclinação posterior da pelve. Figura 9. Flexão e extensão do quadril com os fêmures fixos. Abdução e adução do quadril com o fêmur fixo A descrição desses movimentos do quadril é melhor realizada considerando-se a pessoa de pé com apoio unipodal. A extremidade que sustenta o peso é denominada quadril de suporte. A abdução do quadril de suporte ocorre elevando-se ou “apontando-se” a crista ilíaca para o lado do quadril que está sustentando o peso (Figura 10). A adução do quadril que está sustentando o peso ocorre através de um abaixamento da crista ilíaca do lado do quadril que não está sustentando o peso. Figura 10. Abdução e adução do quadril com o fêmur fixo. Rotação medial e lateral do quadril com o fêmur fixo A rotação medial do lado do quadril que está sustentando o peso do corpo ocorre à medida que a crista ilíaca no lado do quadril que não está sustentando o peso roda para frente no plano horizontal. Durante a rotação lateral, ao contrário, a crista 15 BIOMECÂNICA APLICADA AO PERSONAL TRAINING I ilíaca no lado do quadril que não está sustentando o peso roda para trás no plano horizontal. Figura 11. Rotação medial e lateral do quadril com o fêmur fixo. Músculos e interações articulares Músculos flexores do quadril Os músculos principais responsáveis pela flexão do quadril são aqueles que cruzam anteriormente a articulação: ilíaco, psoas maior, psoas menor, pectíneo, reto femoral, sartório e tensor da fáscia lata. Desses, o grande ilíaco, o psoas maior e o psoas menor, também chamados conjuntamente de iliopsoas devido à sua inserção comum no fêmur, são os principais flexores do quadril (Figura 12). Figura 12. Complexo muscular iliopsoas, principal flexor do quadril. Outros flexores do quadril são mostrados na Figura 13. O reto femoral é um músculo biarticular ativo tanto durante a flexão do quadril quanto durante a extensão do joelho, ele funciona mais efetivamente como flexor do quadril quando o joelho está em flexão, como quando uma pessoa chuta uma bola. O sartório delgado com formato de fita, também chamado de músculo do costureiro, é também um músculo biarticular. Estendendo-se desde a espinha ilíaca anterossuperior até a parte medial da tíbia logo abaixo da tuberosidade, o sartório é o músculo mais longo do corpo. Figura 13. Musculos flexores acessórios do quadril. Flexão do quadril com o fêmur fixo Com os fêmures fixos, a contração dos flexores do quadril roda a pelve em torno do eixo mediolateral através do quadril. A Figura 14 ilustra a atuação dos músculos iliopsoas e sartório realizando tal movimento. Contudo, qualquer músculo capaz de realizar a 16 BIOMECÂNICA APLICADA AO PERSONAL TRAINING I flexão do fêmur em relação à pelve é igualmente capaz de inclinar a pelve anteriormente. Figura 14. Acoplamento de forças entre dois músculos flexores do quadril (iliopsoas e sartório) e eretores da coluna acarretam a inclinação anterior da pelve. Flexão do quadril com a pelve fixa A flexão do quadril, com o fêmur movendo-se em relação à pelve, com frequência ocorre simultaneamente com a flexão do joelho para encurtar a alavanca funcional da extremidade inferior durante a fase de balanço na marcha ou na corrida. Essa ação requer coativação dos músculos flexores do quadril e abdominais (Figura 15). Figura 15. Papel de estabilização dos músculos abdominais é mostrado durante a elevação unilateral da perna. A, ativação normal dos músculos abdominais previne a inclinação anterior da pelve. B, redução da atividade do reto do abdome provoca acentuada inclinação anterior da pelve durante ativação dos músculos flexores do quadril. Músculos extensores do quadril Os extensores do quadril são o glúteo máximo (Figura 17) e os três isquiotibiais – o bíceps femoral, o semitendíneo e o semimembranáceo (Figura 16). O glúteo máximo é um músculo que, em geral, está ativo apenas quando o quadril está em flexão, como durante a subida em uma escada ou ao pedalar, ou na extensão do quadril contra uma resistência. Os isquiotibiais apresentam tendões proeminentes, que podem ser palpados facilmente na face posterior do joelho. Esses músculos biarticulares contribuem tanto para a extensão do quadril quanto para a flexão do joelho e estão ativos na posição em pé, na caminhada e na corrida. 17 BIOMECÂNICA APLICADA AO PERSONAL TRAINING I Figura 16. Isquiotibiais, principais extensores do quadril e flexores do joelho. Figura 17. Os três músculos glúteos. Extensão do quadril com o fêmur fixo Com o tronco supralombar mantido relativamente estacionário, os músculos extensores do quadril e abdominais atuam sinergicamente para inclinar posteriormente a pelve. A inclinação posterior estende levemente as articulações do quadril e reduz a lordose lombar (Figura 18). Figura 18. Conjunto de forças entre os extensores do quadril (glúteo máximo e isquiotibiais) e músculos abdominais (reto do abdome e oblíquo externo do abdome) utilizados para inclinar posteriormente a pelve. Extensão do quadril com a pelve fixa A extensão do quadril com o fêmur se movendo em relação à pelve pode ser exemplificada durante o exercício de escalada. A posição fletida do quadril direito enquanto se carrega um pacote pesado impõe grande resistência externa sobre o quadril, demandando a atividade dos músculos extensores. A ativação dos músculos extensores da coluna lombar ajuda a estabilizar a pelve (Figura 19). 18 BIOMECÂNICA APLICADA AO PERSONAL TRAINING I Figura 19. Durante subida em elevação, demandas altas são impostas sobre os músculos extensores do quadril e extensores da coluna lombar para estabilizar a posiçãoda pelve. Extensores do quadril controlando a inclinação anterior do tronco Durante a inclinação do tronco anteriormente, o suporte muscular do quadril para essa postura é responsabilidade dos isquiotibiais. Durante uma leve inclinação, a postura é controlada por uma ativação mínima de glúteo máximos e isquiotibiais. A inclinação mais significativa requer maior ativação dos isquiotibiais (Figura 20). Figura 20. Representação do nivel de atividade dos isquiotibiais durane inclinação anterior de tronco leve (A) e acentuada (B). 19 BIOMECÂNICA APLICADA AO PERSONAL TRAINING I Músculos abdutores do quadril O glúteo médio é o principal abdutor do quadril, com a ajuda do glúteo mínimo (Figura 17). Esses músculos estabilizam a pelve durante a fase de apoio da marcha e da corrida e quando um indivíduo se apoia sobre uma perna. Por exemplo, quando o peso corporal é sustentado pelo pé direito durante uma caminhada, os abdutores do quadril direito contraem isométrica e excentricamente para evitar que o lado esquerdo da pelve seja puxado para baixo pelo peso do membro inferior esquerdo, que está na fase de balanço marcha. Isso permite que o membro esquerdo se mova livremente durante a fase de balanço. Se os abdutores do quadril forem muito fracos para realizar essa função, ocorre inclinação lateral da pelve e o pé arrasta durante o balanço em cada passo durante a marcha. Músculos adutores do quadril Adutores do quadril são os músculos que cruzam a articulação medialmente e incluem os músculos adutor longo, adutor curto, adutor magno e grácil (Figura 19). Os adutores do quadril estão ativos durante a fase de balanço do ciclo da marcha para trazer o pé abaixo do centro de gravidade do corpo e dar início à fase de apoio. Durante a subida de escadas e ladeiras, os adutores estão ainda mais ativos. O grácil é uma fita muscular longa, relativamente delgada, que também contribui para a flexão da perna no joelho. Os outros três músculos adutores também contribuem para a flexão e a rotação lateral do quadril, particularmente, quando o fêmur está girado medialmente. Figura 21. Músculos adutores do quadril. Músculos adutores de ambos os membros inferiores podem trabalhar conjuntamente em diferentes atividades como ao chutar uma bola (Figura 22). 20 BIOMECÂNICA APLICADA AO PERSONAL TRAINING I Figura 22. Ação de cooperação bilateral de músculos adutores selecionados enquanto uma bola de futebol é chutada. O adutor magno esquerdo é mostrado ativamente produzindo adução da pelve em relação ao fêmur. Diversos músculos adutores direitos são mostrados produzindo ativamente uma adução do fêmur em relação à pelve, necessário para acelerar a bola. Músculos rotadores mediais e rotadores laterais do quadril Embora vários músculos contribuam para a rotação lateral do fêmur, seis músculos funcionam exclusivamente como rotadores laterais. São eles: piriforme, gêmeo superior, gêmeo inferior, obturador interno, obturador externo e quadrado femoral (Figura 23). As fibras posteriores do glúteo médio também contribuem para a rotação lateral do quadril. Figura 23. Músculos rotadores laterais do fêmur. Enquanto tentamos considerar que a marcha e a corrida ocorrem estritamente no plano sagital nas articulações do membro inferior, também ocorre, simultaneamente, a rotação lateral do fêmur a cada passo para acomodar a rotação da pelve (Figura 24). Figura 24. Nessa imagem, as fibras anteriores do glúteo mínimo, o glúteo médio e o adutor longo são mostrados rodando a pelve medialmente com o fêmur fixo durante a fase de apoio da marcha (membro direito). O principal rotador medial do fêmur é o glúteo mínimo (fibras anteriores) (Figura 17), com ajuda do tensor da fáscia lata (Figura 13), semitendíneo, semimembranáceo (Figura 16) e glúteo médio (fibras anteriores) (Figura 17). A rotação medial do fêmur em geral não é um movimento resistido que requeira uma quantidade substancial de força muscular. Tanto os rotadores mediais quanto os laterais exercem mais tensão quando o quadril está em flexão de 90° do 21 BIOMECÂNICA APLICADA AO PERSONAL TRAINING I que quando o quadril está total ou parcialmente estendido. Entretanto, em qualquer posição os rotadores mediais são mais fracos em comparação com os rotadores laterais (Figura 25). Figura 25. Ação dos músculos rotadores laterais direitos durante rotação lateral da pelve em relação ao fêmur do quadril direito. Os músculos extensores da coluna também são mostrados rodando o tronco inferior para a esquerda. Leitura Complementar Mais informações sobre a origem, inserção e inervação dos músculos atuantes no quadril podem ser encontradas na plataforma Ken Hub®. O site oferece um conteúdo detalhado e interativo sobre anatomia humana de forma gratuita. Link de acesso: https://www.kenhub.com/pt https://www.kenhub.com/pt 22 23 BIOMECÂNICA APLICADA AO PERSONAL TRAINING I 3 JOELHO Estrutura A estrutura do joelho permite a sustentação de grandes cargas e a mobilidade necessária para as atividades locomotoras. O joelho é uma grande articulação sinovial, que inclui três articulações na cápsula articular. As articulações de sustentação de carga são as duas articulações elipsóideas da articulação tibiofemoral (côndilos direito e esquerdo do fêmur sobre os platôs tibiais), sendo a terceira articulação, a articulação patelofemoral. Embora não seja parte do joelho, a articulação tibiofibular tem conexões de tecido mole que também influenciam discretamente o movimento do joelho. Articulação tibiofemoral Os côndilos medial e lateral da do fêmur se articulam com a tíbia para formar duas articulações elipsóideas lado a lado (Figura 26). Essas articulações funcionam juntas principalmente como uma articulação em gínglimo modificada por causa dos ligamentos restritores, sendo permitidos alguns movimentos laterais e rotacionais. Os platôs tibiais formam discretas depressões separadas por uma região 24 BIOMECÂNICA APLICADA AO PERSONAL TRAINING I conhecida como eminência intercondilar. Como os côndilos medial e lateral do fêmur diferem, de certo modo, em tamanho, formato e orientação, a tíbia gira lateralmente sobre o fêmur durante os últimos graus de extensão para produzir o “bloqueio” do joelho. Esse fenômeno, conhecido como mecanismo de pivô, traz o joelho para a posição de travamento de extensão completa. Figura 26. Estrutura óssea da articulação tibiofemoral. Meniscos São discos de fibrocartilagem firmemente fixados aos platôs tibiais pelos ligamentos coronários e pela cápsula articular (Figura 27). Os meniscos recebem um rico suprimento de vasos sanguíneos e nervos. O suprimento sanguíneo permite a inflamação, o reparo e o remodelamento dessas estruturas. A parte externa de cada menisco é inervada, fornecendo informação proprioceptiva a respeito da posição do joelho, bem como velocidade e aceleração dos movimentos do joelho. Os meniscos aprofundam as faces articulares dos platôs tibiais e ajudam na transmissão de carga e absorção de impacto no joelho. Figura 27. Meniscos do joelho. Ligamentos Os ligamentos colateral medial e lateral evitam os movimentos laterais do joelho (Figura 28). As fibras do ligamento colateral medial se fundem à cápsula articular e ao menisco medial para conectar o epicôndilo medial do fêmur à face medial da tíbia. A inserção do ligamento ocorre logo abaixo da pata de ganso, posicionando o ligamento para resistir ao cisalhamento direcionadomedialmente (valgo) e às forças rotacionais que atuam sobre o joelho. 25 BIOMECÂNICA APLICADA AO PERSONAL TRAINING I O ligamento colateral lateral segue de alguns milímetros posteriores à crista do epicôndilo lateral do fêmur até a cabeça da fíbula, resistindo ao estresse direcionado lateralmente (varo) na região do joelho. O ligamento colateral medial em forma de leque é consideravelmente mais longo, mais largo e mais fino do que o ligamento colateral lateral em forma de corda. Figura 28. Ligamentos do joelho. Os ligamentos cruzados anterior e posterior limitam, respectivamente, o deslizamento para a frente e para trás do fêmur sobre o platô tibial durante a flexão e a extensão do joelho (cadeia cinética fechada/pé fixo). O nome cruzado deriva do fato de que esses ligamentos se cruzam um sobre o outro; anterior e posterior se referem às suas respectivas inserções na tíbia. O ligamento cruzado anterior se estende a partir da região anterior da fossa intercondilar da tíbia, em uma direção superior, posterior até a superfície posteromedial do côndilo lateral do fêmur. O ligamento cruzado posterior, mais curto e mais forte, se estende da região posterior da fossa intercondilar tibial em uma direção anterossuperior até a superfície anterolateral do côndilo medial do fêmur. Vários outros ligamentos contribuem para a integridade do 26 BIOMECÂNICA APLICADA AO PERSONAL TRAINING I joelho. Os ligamentos poplíteos oblíquo e arqueado cruzam posteriormente o joelho e o ligamento transverso conecta os dois meniscos internamente. Outra estrutura restritiva é o feixe ou trato iliotibial, um feixe largo e espesso da fáscia lata com inserções nos côndilos laterais do fêmur e da tíbia. Saiba mais Um estudo pioneiro conduzido em 1998 buscou relatar quais estruturas podem ser fonte de dor na articulação do joelho. Os autores determinaram uma escala de 0-4, onde 0 seria ausência de dor e 4, dor severa. Os autores estabeleceram que (A) seria sensação de dor com local bem definido e (B) uma sensação sem localização precisa. Ligamentos produziam dor de 1 a 2 na porção média e de 3 a 4 nas inserções. Os meniscos produziam dor 1 na parte interna e 3 na mais externa. Os resultados dos autores são ilustrados na figura abaixo. Para ter acesso à pesquisa na íntegra, acesse: https://doi.org/10.1177/0363 5465980260060601 Artrocinemática da articulação tibiofemoral Durante a extensão da tíbia em relação ao fêmur, a superfície articular da tíbia rola e desliza anteriormente sobre os côndilos femorais. Durante a extensão do fêmur em relação à tíbia, como ao se levantar a partir de um agachamento, por exemplo, os côndilos femorais rolam anteriormente e deslizam posteriormente sobre a superfície articular da tíbia simultaneamente. A artrocinemática da flexão do joelho ocorre de forma reversa (Figura 29). Figura 29. Artrocinemática da extensão do joelho. Na figura A, a tíbia se movimenta em relação ao fêmur. Na figura B, o fêmur se movimenta em relação à tíbia. Osteocinemática da articulação tibiofemoral https://doi.org/10.1177/03635465980260060601 https://doi.org/10.1177/03635465980260060601 27 BIOMECÂNICA APLICADA AO PERSONAL TRAINING I A articulação tibiofemoral possui dois graus de liberdade, flexão e extensão, que ocorrem no plano sagital (Figura 30). A amplitude de movimento varia de 130-150° de flexão até cerca de 5-10° além da posição neutra (0°). Figura 30. Movimentos do joelho no plano sagital. A, perspectiva da tíbia em relação ao fêmur (fêmur fixo). B, perspectiva do fêmur em relação à tíbia (tíbia fixa). Com o joelho levemente fletido, rotação medial e rotação lateral também acontecem (Figura 31). Este movimento também é chamado de rotação “axial”. Um joelho flexionado à 90° pode realizar cerca de 40-45° de rotação axial. Uma vez que o joelho esteja em extensão total, a rotação axial é bloqueada. Figura 31. Rotação da tíbia em relação ao fêmur (A). Neste caso, a direção da rotação do joelho (medial ou lateral) é a mesma para o movimento da tíbia. Roação do fêmur em relação à tíbia (B). Neste caso, a direção da rotação do joelho éoposta ao movimento do fêmur se movimentando: a rotação lateral do joelho ocorre através da rotação medial do fêmur; a rotação medial ocorre através da rotação lateral do femur. Articulação patelofemoral A articulação patelofemoral consiste na articulação entre a patela com formato triangular e o sulco troclear entre os côndilos femorais. A superfície posterior da patela é coberta por cartilagem articular, que 28 BIOMECÂNICA APLICADA AO PERSONAL TRAINING I reduz o atrito entre a patela e o fêmur. A patela desempenha várias funções biomecânicas. Mais notavelmente, ela aumenta o ângulo de tração do tendão do quadríceps femoral, melhorando a vantagem mecânica desses músculos em produzir a extensão do joelho. Osteocinemática da articulação patelofemoral Aos 135° de flexão, a patela entra em contanto com fêmur, principalmente próximo de seu polo superior (Figura 32 A). À medida que o joelho se estende em direção aos 90° de flexão, a região de contato primário na patela começa a migrar em direção ao seu polo inferior. Entre 60-90° de flexão, a patela está geralmente encaixada no sulco intercondilar do fêmur (Figura 32 B). Dentro deste arco de movimento, a área de contato entre a patela e o fêmur é a maior possível. Contudo, mesmo em seu máximo, a área de contato da patela é de apenas um terço da área de superfície total do seu lado posterior. À medida que o joelho se estende através dos últimos 20-30° de flexão, o ponto de contato primário na patela migra para seu polo inferior (Figura 32 C). 29 BIOMECÂNICA APLICADA AO PERSONAL TRAINING I Figura 32. Cinemática da articulação patelofemoral durante a extensão ativa da tíbia em relação ao fêmur. O círculo indicado de “A” `à “C” ilustra o ponto de contato máximo entre a patela e o fêmur. Músculos e interações articulares Músculos flexores e extensores do joelho A flexão e a extensão são os principais movimentos permitidos na articulação tibiofemoral. Os três músculos isquiotibiais são os flexores primários que atuam sobre o joelho (Figura 16). Os músculos acessórios da flexão do joelho são o grácil (Figura 21), o sartório (Figura 13), o poplíteo (Figura 34) e o gastrocnêmio (Figura 56). O músculo quadríceps femoral, formado pelos músculos reto femoral, vasto lateral, vasto medial e vasto intermédio, é o complexo muscular que atua gerando a extensão do joelho (Figura 33). O músculo reto femoral é o único desses músculos que também cruza a 30 BIOMECÂNICA APLICADA AO PERSONAL TRAINING I articulação do quadril. Todos os quatro músculos se fixam distalmente ao tendão patelar, que se insere na tíbia. Figura 33. Músculos que compõem o quadríceps, complexo extensor do joelho. Atenção! Para que a flexão seja iniciada a partir de uma extensão completa, o joelho precisa estar “destravado”. Na extensão completa existe uma rotação lateral (externa) da tíbia em relação ao fêmur, a chamada rotação terminal. Essa rotação trava a articulação do joelho. A função de “destravamento” é realizada pelo músculo poplíteo (Figura 34), que atua rodando medialmente a tíbia em relação ao fêmur, permitindo que a flexão seja iniciada. Figura 34. Músculo poplíteo, liberador do mecanismo de “travamento” do joelho durante extensão completa. A Figura 35 apresenta as forças impostas ao joelho entre a flexão de 90° e a extensão total (0°). A extensão da tíbia em relação ao fêmur émostrada de A à C. A extensão do fêmur em relação à tíbia é mostrada de D à F. A cor vermelha intensa do músculo quadríceps denota a demanda aumentada sobre o músculo em resposta a maior resistência externa. Observa-se que durante a extensão da tíbia em relação ao fêmur, a demanda muscular aumenta à medida que o joelho sai de uma flexão de 90°e vai em direção à uma extensão total (0°). O contrário ocorre com a extensão do fêmur em relação à tíbia. Nesse movimento, a demanda do quadríceps diminui quando o joelho saí de uma posição à 90°de flexão e vai para uma posição de extensão total (0°). 31 BIOMECÂNICA APLICADA AO PERSONAL TRAINING I Figura 35. Forças impostas aos músculos extensores do joelho. Forças musculares atuantes sobre a patela A articulação patelofmeoral é frequentemente exposta a forças de compressão de alta magnitude. Um exemplo dessas forças inclui 1,3 vezes o peso corporal durante a marcha em superfícies planas; 2,6 vezes durante a realização da elevação da perna estendida; 3,3 vezes durante subida de escadas e até 7,8 vezes o peso corporal durante a realização de flexões intensas do joelho. Embora essas forças compressivas se originem da ativação do quadríceps, a magnitude delas é fortemente influenciada pela quantidade de flexão do joelho no momento da ativação do músculo. Para ilustrar essa importante interação, considere a força de compressão sobre a articulação patelofemoral em uma posição de agachamento parcial (Figura 36 A). As forças internas provenientes da extensão do joelho são transmitidas proximal e distalmente através do tendão do quadríceps (descrito na imagem como TQ) e do tendão patelar (descrito na imagem como TP), semelhante à um cabo que cruza uma polia. O efeito combinado dessas forças é transmitido ao sulco intercondilar do fêmur como uma força de compressão articular (descrito na imagem como FC). O aumento da flexão do joelho em um agachamento profundo eleva significativamente as demandas de força do quadríceps, resultando em um aumento das forças compressivas. Figura 36. Figura ilustrando a relação entre o ângulo de flexão do joelho, o nível de ativação do quadríceps e o nível de forças compressivas sobre a articulação patelofemoral. TQ, tendão do quadríceps; TP, tendão patelar; FC, forças compressivas. 32 BIOMECÂNICA APLICADA AO PERSONAL TRAINING I A Figura 37 apresenta uma ilustração mostrando a interação entre forças produzidas atuantes sobre a patela à mediada que esse osso se move no sulco intercondilar do fêmur. Cada força representa uma tendência a tracionar a patela, geralmente em um sentido lateral ou medialmente. De modo ideal, as forças em oposição se equilibram entre si de forma que a patela se alinhe adequadamente durante a flexão e a extensão do joelho. Figura 37.Esquema representando as forças atuantes sobrea patela. Leitura Complementar Mais informações sobre a origem, inserção e inervação dos músculos atuantes nas articulações do joelho podem ser encontradas na plataforma Ken Hub®. Link de acesso: https://www.kenhub.com/pt Saiba mais https://www.kenhub.com/pt 33 BIOMECÂNICA APLICADA AO PERSONAL TRAINING I Um dos exercícios mais utilizados para induzir adaptações nos músculos atuantes no quadril e no joelho é o agachamento. Geralmente, esse exercício é realizado com pouca amplitude de movimento (Half squat, A) ou com grande amplitude de movimento (Full squat, B). Após 10 semanas de treinamento utilizando esses dois exercícios, uma pesquisa científica observou diferentes ganhos de hipertrofia muscular entre músculos atuantes no quadril e joelho. Um dos principais resultados foi o de que músculos adutores e o glúteo máximo aumentaram seu volume apenas durante full squat. Tais resultados demonstram como a ativação muscular pode ser distinta entre exercícios, aparentemente, semelhantes. O artigo pode ser acessado na íntegra por meio do link: https://doi.org/10.1007/s00 421-019-04181-y https://doi.org/10.1007/s00421-019-04181-y https://doi.org/10.1007/s00421-019-04181-y 34 35 BIOMECÂNICA APLICADA AO PERSONAL TRAINING I 4 TORNOZELO E PÉ Estruturas do tornozelo A região do tornozelo inclui as articulações tibiofibular proximal, tibiofibular distal e talocrural (Figura 38 e Figura 45). A articulação tibiofibular é uma sindesmose em que o tecido fibroso denso une os ossos. A articulação é sustentada pelos ligamentos tibiofibulares anterior e posterior, bem como pelo ligamento tibiofibular interósseo. A maior parte do movimento do tornozelo ocorre na articulação em gínglimo talocrural. Três ligamentos – talofibular anterior e posterior e calcaneofibular – reforçam a cápsula articular lateralmente. Os quatro feixes do ligamento deltoide contribuem para a estabilidade articular na porção medial. A estrutura ligamentar do tornozelo é mostrada na Figura 39. Figura 38. Estrutura óssea do tornozelo. 36 BIOMECÂNICA APLICADA AO PERSONAL TRAINING I Figura 39. Ligamentos do tornozelo. Estrutura e função das articulações associadas ao tornozelo Do ponto de vista anatômico, o tornozelo inclui uma única articulação: articulação talocrural. Um componente estrutural importante dessa articulação é a articulação formada entre a tíbia e a fíbula de forma distal e proximal. Por causa dessa associação funcional, as articulações tibiofibular proximal e distal são incluídas no tema “tornozelo”. Articulação tibiofibular proximal Está localizada lateral e imediatamente inferior ao joelho. A articulação é formada entre a cabeça da fíbula e a face posterolateral do côndilo lateral da tíbia. As superfícies articulares são geralmente planas ou levemente ovais, cobertas por cartilagens. Pouco movimento ocorre nessa articulação. Uma articulação firme é necessária para assegurar que as forças dentro do bíceps femoral e do ligamento colateral do joelho sejam transferidas de forma eficaz a partir da fíbula para a tíbia (Figura 40). Articulação tibiofibular distal Essa articulação é formada pela articulação entre a superfície medial da fíbula distal e a incisura fibular da tíbia. Algum movimento relativamente pequeno é permitido entre a tíbia distal e a fíbula distalmente. Uma união estável entre a tíbia e a fíbula distal é essencial para a estabilidade e função da articulação talocrural (Figura 40). Articulação talocrural A articulação talocrural é a articulação formada entre a face medial e lateral do tálus com a cavidade retangular formada pela extremidade distal da tíbia e os maléolos. A forma de confinamento da articulação talocrural fornece uma importante estabilidade natural ao tornozelo (Figura 41). 37 BIOMECÂNICA APLICADA AO PERSONAL TRAINING I Figura 40. Articulações tibiofibular proximal e tibiofibular distal. Figura 41. Esquema comparando a articulação talocrural (A) com um encaixe articulado de carpinteiro (B). A faixa azul demonstra que grande parte do tálus é revestida por cartilagem articular. Artrocinemática da articulação talocrural Durante a dorsiflexão, supondo-se que o pé esteja sem carga e livre para girar, o tálus rola para a frente em relação à perna e desliza posteriormente, simultaneamente. Durante a flexão plantar, a relação inversa acontece (Figura 42). Figura 42. Vista lateral representando a artrocinemática na articulação talocrural durante a dorsiflexão passiva (A) e a flexão plantar (B). Osteocinemática da articulação talocrural A articulação talocrural possui um grau de liberdade, o do plano sagital, permitindomovimentos de dorsiflexão e flexão plantar. O movimento ocorre em torno de um eixo de rotação que passa através do corpo do tálus e as pontas dos dois maléolos. A Figura 43 A e B apresenta o eixo de rotação em vermelho. O eixo é ligeiramente inclinado. Desse modo, a dorsiflexão está associada à ligeira abdução e eversão, enquanto a flexão plantar está associada com ligeira adução e inversão. Figura 43. Eixo de rotação (em vermelho) e a osteocinemática na articulação talocrural. 38 BIOMECÂNICA APLICADA AO PERSONAL TRAINING I Estruturas do pé Assim como a mão, o pé é uma estrutura multióssea; contém 26 ossos com numerosas articulações, entre as quais estão as articulações subtalares e intertársicas, além das tarsometatarsais, intermetatarsais, metatarsofalângicas e interfalângicas (Figuras 44 e 45). Figura 44. Ossos que compõem o pé. Figura 45. Organização geral dos ossos, das grandes articulações e das regiões do tornozelo e pé. Estrutura e função das articulações associadas ao pé Articulação subtalar A articulação subtalar, como o próprio nome diz, reside no tálus. Os movimentos que ocorrem nessa articulação são a pronação e a supinação à medida que o calcâneo se move em relação ao tálus fixo. Na distribuição do peso durante a fase de apoio da caminhada, por exemplo, ocorrem pronação e supinação enquanto o calcâneo ainda permanece relativamente estacionário. Nessa situação, a perna e o tálus giram sobre o calcâneo estável. Esta mobilidade na articulação subtalar permite que o pé assuma posições independentes da orientação da perna. Esta função é essencial para atividades como andar em uma ladeira íngreme e mudar rapidamente de direção enquanto caminhe ou corre. Atrocinemática e osteocinemática da articulação subtalar A artrocinemática na articulação subtalar envolve um movimento de deslizamento entre os três conjuntos de facetas e produz um arco curvilíneo de movimento entre o calcâneo e o tálus. O eixo de rotação da articulação é geralmente descrito como uma linha que atravessa o calcanhar posterolateralmente e passa através da articulação subtalar nas direções anterior, medial e superior. A pronação e a supinação da articulação subtalar ocorrem quando 39 BIOMECÂNICA APLICADA AO PERSONAL TRAINING I o calcâneo se move em relação ao tálus (ou vice-versa, quando o pé está fixo). A pronação tem como componentes principais a eversão e a abdução. Já a supinação tem como componentes principais a inversão e a adução (Figura 46). Figura 46. Eixo de rotação e osteocinemática na articulação subtalar. O eixo de rotação (vermelho) é apresentado de lado (A) e por cima (B). Este eixo é apresentado novamente em (C). O movimento de pronação, com os principais componentes de eversão e abdução é demonstrado em D. O movimento de supinação com os principais componentes de inversão e adução é demonstrado em E. Em D e E, as setas azuis indicam abdução e adução, e as setas roxas indicam eversão e inversão. Articulação transversa do tarso (articulações talonavicular e calcaneocuboidea) A articulação transversa do tarso, também conhecida como articulação mediotarsal, consiste em duas articulações anatomicamente distintas: articulação talonavicular e articulação calcaneocuboidea. Essas articulações conectam o retropé ao mediopé. A articulação transversa do tarso permite a pronação e supinação do mediopé enquanto se está sobre superfícies irregulares (Figura 47). Figura 47. Articulação transversa do tarso. A articulação transversa do tarso tem uma forte relação funcional com a articulação subtalar. Essas duas articulações funcionam cooperativamente para controlar a maioria das posturas de pronação e supinação do pé. Artrocinemática e osteocinemática da articulação transversa do tarso A articulação transversa do tarso raramente se move sem os movimentos associados nas proximidades articulares, especialmente na articulação subtalar. A combinação de movimentos através de ambas as articulações subtalar e transversa do tarso justifica a maior parte da pronação e supinação do pé. A Figura 48 ilustra como a mobilidade do antepé contribui para a pronação e supinação de todo o pé. Com o calcâneo mantido fixo (Figura 48 A e C), a pronação e a supinação ocorrem principalmente 40 BIOMECÂNICA APLICADA AO PERSONAL TRAINING I no mediopé. Quando o calcâneo está livre (Figura 48 B e D), a pronação e a supinação ocorrem como uma somatória entre o retropé e o mediopé. Na Figura 48, O movimento do retropé é indicado por setas rosas, enquanto o movimento do mediopé é indicado por setas azuis. Figura 48. Movimentos de pronação e supinação do pé direito sem carga ilustrando a interação entre as articulações subtalar e transversa do tarso. 41 BIOMECÂNICA APLICADA AO PERSONAL TRAINING I O movimento da articulação transversa do tarso ocorre em dois eixos de rotação: longitudinal e obliquo. O eixo longitudinal permite os movimentos de eversão e inversão, principalmente. O eixo oblíquo, por sua vez, permite uma combinação de movimento: abdução com dorsiflexão, ou, adução com flexão plantar. Apesar dessa distinção de eixos e padrões de movimento, a maioria das atividades funcionais (ou seja, aquelas com sustentação de peso), ocorre com uma combinação de movimentos através dos dois eixos, o que produz os movimentos de pronação e supinação. A pronação e supinação da articulação transversa do tarso permite que o mediopé e antepé se adaptem a muitas formas e contornos variados. A artrocinemática na articulação transversa do tarso é mais bem descrita em um contexto com movimento através do retropé e mediopé. No movimento de supinação sem carga, realizado principalmente pela contração do músculo tibial posterior (Figura 48 D), observa-se o giro do navicular em torno da cabeça convexa do tálus no sentido superior. Por consequência, o giro do navicular também acarreta a elevação do arco longitudinal medial do pé (“peito do pé”). Na pronação do pé sem carga, realizado principalmente pela contração do músculo fibular longo, há o giro do navicular no sentido inferior. A tração do fibular longo também acarreta o abaixamento do lado medial do pé e elevação do lado lateral. Arco longitudinal do pé A Figura 49 mostra a localização dos arcos longitudinal medial e transverso do pé. O arco longitudinal medial é evidente como a característica côncava do lado medial do pé. Este arco é a principal estrutura de suporte de carga e de absorção de choque do pé. Figura 49. Arco longitudinal medial e o arco transverso de um pé normal. Os ossos que formam o arco medial são: tálus, calcâneo, navicular, cuneiformes e os três metatarsos distais associados. Sem esta configuração arqueada, as forças aplicadas contra o pé durante a corrida, por exemplo, podem exceder a capacidade fisiológica dos ossos de sustentação de peso. A estrutura 42 BIOMECÂNICA APLICADA AO PERSONAL TRAINING I complementar não muscular responsável por manter a altura e a forma geral do arco é a fáscia plantar (Figura 50). Figura 50. Modelos de pé e seus impactos na aceitação do peso corporal durante a posição de pé. Com um arco longitudinal medial normal, o peso do corpo é aceito e dissipado inicialmente através do alongamento da fáscia plantar (A). Com a queda anormal do arco longitudinal, a fáscia plantar é fica sobrecarregada e enfraquecida (B). Arco transverso do pé O complexo articular intercuneiforme e cuneocubóide forma o arco transverso do pé (Figuras 49 e 51). Esse arco proporciona estabilidade transversa ao mediopé. Soba carga do peso corporal, o arco transverso comprime-se ligeiramente e permite que a sustentação do peso seja compartilhada por todas as cinco cabeças metatarsais. A sustentação do arco transverso recebe apoio da musculatura intrínseca do pé; de músculo extrínsecos, tais quais o tibial posterior e o fibular longo; tecidos conjuntivos; e do cuneiforme intermédio. Figura 51. Características estruturais e funcionais do médiopé e do antepé. O arco transverso é formado pelo complexo articular intercuneiforme e cuneocubóideo (A). A estabilização do segundo raio é reforçada pelo recesso da segunda articulação tarsometatársica (B). A flexão plantar e a eversão combinada da articulação tarsometatársica esquerda do primeiro raio (C) permite ao antepé se adaptar melhor à superfície da rocha. Articulações tarsometatarsais e intermetatarsais As articulações tarsometatarsais e intermetatarsais permitem apenas movimentos de deslizamento. Essas articulações permitem que o pé funcione como uma unidade semirrígida ou que se adapte flexivelmente à superfícies 43 BIOMECÂNICA APLICADA AO PERSONAL TRAINING I irregulares durante a sustentação de carga (Figura 52). Figura 52. Osteocinemática da primeira articulação tarsometatársica. A flexão plantar ocorre com uma leve eversão (A) e a dorsiflexão ocorre com uma leve eversão (B). Articulações metatarsofalângicas e interfalângicas As articulações metatarsofalângicas (Figura 53) e interfalângicas são semelhantes às suas correspondentes na mão, sendo as primeiras articulações elipsóideas e as últimas, articulações em gínglimo. Numerosos ligamentos reforçam essas articulações. Os dedos do pé suavizam a transferência do peso para o pé oposto durante a marcha e ajudam a manter a estabilidade durante a sustentação de peso ao serem pressionados contra o chão, quando necessário. O primeiro dedo é chamado de hálux ou “dedo grande”. Figura 53. Visão medial da primeira articulação metatarsofalangeana. Músculos e interações articulares no tornozelo e pé Os músculos do tornozelo e pé são divididos em músculos extrínsecos e intrínsecos. Músculos extrínsecos: compartimento anterior Esses músculos são também chamados de “pré-tibiais” e realizam, principalmente, a dorsiflexão do tornozelo. São eles o tibial anterior, o extensor longo dos dedos, o extensor longo do hálux e o fibular terceiro (Figura 54). Os músculos pré- tibiais são muito ativos durante a fase de balanço da marcha. Durante o apoio inicial, os músculos estão ativos excentricamente para controlar a taxa de flexão plantar, de 44 BIOMECÂNICA APLICADA AO PERSONAL TRAINING I forma a propiciar uma aterrissagem suave do pé. Figura 54. Músculos “pré-tibiais”. Realizam a dorsiflexão do tornozelo. Músculos extrínsecos: compartimento lateral Os músculos fibular longo e fibular curto ocupam o compartimento lateral dos músculos da perna e são os principais eversores do pé (Figura 55). Esses músculos fornecem a principal fonte de estabilidade ativa para a região lateral do tornozelo. Enquanto o calcanhar é elevado durante a fase de impulso da marcha, a contração dos músculos fibulares, especialmente o fibular longo, ajuda a transferir o peso corporal no antepé de lateral para medial. Esta ação desloca o peso corporal em direção ao pé oposto, que acaba de entrar na sua fase inicial de apoio da marcha. Músculos extrínsecos: compartimento posterior Os músculos do compartimento posterior são divididos em dois grupos. O grupo superficial inclui o gastrocnêmio, o sóleo (juntos conhecidos como tríceps sural) e o plantar (Figura 55 e 56). O grupo profundo inclui o tibial posterior, o flexor longo dos dedos e o flexor longo do hálux (Figura 55). Os músculos do compartimento posterior têm como função principal a realização da flexão plantar e dos dedos. Figura 55. Músculos do compartimento lateral e músculos profundos do compartimento posterior da perna. Músculos do compartimento lateral: fibular longo e fibular curto (fazem principalmente a eversão do pé). Músculos do compartimento posterior. Músculos profundos do compartimento posterior da perna: tibial posterior, flexor longo dos dedos e flexor longo do hálux (fazem principalmente a inversão do pé). O músculo plantar é considerado um músculo superficial do compartimento superior, contribuindo para a realização da flexão plantar do tornozelo. 45 BIOMECÂNICA APLICADA AO PERSONAL TRAINING I Figura 56. Músculos superficiais do compartimento superior da perna (fazem a flexão plantar do tornozelo). Músculos intrínsecos Os músculos intrínsecos são aqueles que se originam e se inserem dentro do pé (Figura 57). O dorso do pé tem um músculo intrínseco, o extensor curto dos dedos. Esse músculo auxilia o extensor longo do hálux e o extensor longo dos dedos na extensão dos dedos do pé. Os demais músculos intrínsecos se originam e se inserem dentro da face plantar. Primeira camada. Os músculos intrínsecos da primeira camada são o flexor curto dos dedos, o abdutor do hálux e o abdutor do dedo mínimo. Como um grupo, esses músculos se originam nos processos lateral e medial da tuberosidade do calcâneo e nas proximidades dos tecidos conjuntivos. Cada um desses músculos realiza abdução e auxilia a flexão dos dedos. Segunda camada. Os músculos intrínsecos da segunda camada são: o quadrado plantar e os lumbricais. Ambos os músculos são anatomicamente relacionados aos tendões do flexor longo dos dedos. O quadrado plantar é um flexor acessório dos dedos e os lumbricais fletem as articulações metatarsofalangeanas e estendem as interfalangeanas. Terceira camada. Os músculos intrínsecos da terceira camada são o adutor do hálux, o flexor curto do hálux e o flexor do dedo mínimo. Como grupo, esses músculos curtos se originam da face plantar do cubóide, dos cuneiformes, das bases metatarsais mais centrais e tecidos conjuntivos locais. De maneira geral, esse grupo muscular realiza a flexão das articulações metatarsofalangeanas e de seus respectivos dedos. Quarta camada. Essa camada contém três músculos interósseos plantares e quatro interósseos dorsais. Ambos os grupos musculares fazem a abdução da sua respectiva articulação metatarsofalangeana. 46 BIOMECÂNICA APLICADA AO PERSONAL TRAINING I Figura 57. Músculos intrínsecos do pé. 47 48 BIOMECÂNICA APLICADA AO PERSONAL TRAINING I REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS FLOYD, R.T. Manual de Cinesiologia Estrutural. 16ª ed. São Paulo: Manole, 2011. HALL, Susan. Biomecânica Básica. 7.ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2016. KAPANDJI, I. A. Fisiologia articular. Volumes 1, 2 e 3. 6ª ed. São Paulo: Manole, 2000. NEUMANN D. A. Cinesiologia do Aparelho Musculoesquelético. 2ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2011.