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Prévia do material em texto

ISBN 9788553611409
Alvim, Eduardo Arruda
Direito processual civil / Eduardo Arruda Alvim, Daniel Willian Granado e Eduardo
Aranha Ferreira. – 6. ed. – São Paulo : Saraiva Educação, 2019.
1. Processo civil 2. Processo civil – Brasil I. Título II. Granado, Daniel Willian III.
Ferreira, Eduardo Aranha.
18-2133
CDU 347.9
Índices para catálogo sistemático:
1. Direito processual civil 347.9
2. Processo civil : Direito civil 347.9
Diretoria executiva Flávia Alves Bravin
Diretora editorial Renata Pascual Müller
Gerência editorial Roberto Navarro
Consultoria acadêmica Murilo Angeli Dias dos Santos
Edição Eveline Gonçalves Denardi (coord.) | Aline Darcy Flôr de Souza
Produção editorial Ana Cristina Garcia (coord.) | Carolina Massanhi | Luciana
Cordeiro Shirakawa | Rosana Peroni Fazolari
Arte e digital Mônica Landi (coord.) | Claudirene de Moura Santos Silva | Guilherme
H. M. Salvador | Tiago Dela Rosa | Verônica Pivisan Reis
Planejamento e processos Clarissa Boraschi Maria (coord.) | Juliana Bojczuk
Fermino | Kelli Priscila Pinto | Marília Cordeiro | Fernando Penteado | Mônica
Gonçalves Dias | Tatiana dos Santos Romão
Novos projetos Fernando Alves
Diagramação (Livro Físico) Fabricando Ideias Design Editorial
Revisão Lígia Alves | PBA Preparação e Revisão de Textos | Viviane Oshima
Capa Herbert Junior
Livro digital (E-pub)
Produção do e-pub Guilherme Henrique Martins Salvador
Data de fechamento da edição: 15-1-2019
Dúvidas?
Acesse www.editorasaraiva.com.br/direito
Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem a
prévia autorização da Editora Saraiva.
A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na Lei n. 9.610/98 e punido pelo artigo
184 do Código Penal.
http://www.editorasaraiva.com.br/direito
Sumário
Agradecimentos
Apresentação à 6ª edição
Apresentação à 5ª edição
Apresentação à 4ª edição
Apresentação à 3ª edição
Apresentação à 2ª edição
I
DIREITO PROCESSUAL
1. Origens do direito processual
2. Autonomia do direito processual civil e sua relação com os outros ramos
do direito
2.1 Direito constitucional
2.2 Direito administrativo e tributário
2.3 Direito civil e comercial
2.4 Direito processual do trabalho
2.5 Direito penal
3. Sub-ramos do direito processual
4. Direito processual e direito material
II
JURISDIÇÃO
1. Esboço histórico
2. Estado de Direito – noção
3. Função jurisdicional
3.1 Jurisdição civil
4. Natureza da função jurisdicional do Estado
4.1 Características da função jurisdicional
4.2 Princípios fundamentais da jurisdição
5. Garantias do juiz
6. Função jurisdicional e controle dos atos administrativos
7. Meios alternativos de solução de conflitos
III
ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA
1. Organização judiciária
2. Organização judiciária, processo e procedimento
3. Jurisdição extraordinária
4. Competência – uma primeira noção
5. Órgãos judiciários
6. Conselho Nacional de Justiça
IV
FUNÇÕES ESSENCIAIS À JUSTIÇA E AUXILIARES DA JUSTIÇA
1. O Ministério Público
2. A advocacia pública
3. O advogado
4. Defensoria pública
5. Os auxiliares da justiça
V
COMPETÊNCIA
1. Definição e noções gerais
2. Incompetência absoluta
3. Incompetência relativa
4. Foro e juízo
5. Competência quando forem partes União, Estados e Municípios
6. “Competência” internacional e competência interna
6.1 Imunidade de jurisdição dos Estados estrangeiros
6.1.1 Homologação de decisão estrangeira
6.2 Cooperação internacional
7. Competência exterior e competência interior
8. Competência em razão da matéria – absoluta
9. Competência funcional – absoluta
10. Competência em razão do valor – relativa
10.1 Competência dos Juizados Especiais
11. Competência territorial – relativa
11.1 Hipóteses de competência territorial
11.2 Competência dos foros regionais
12. Foros especiais e análise do art. 53
13. Modificação de competência
13.1 Foro de eleição (vontade)
13.2 Conexão
13.3 Continência
13.4 Prorrogação de competência (inércia)
14. Ações envolvendo pedido de indenização decorrente de acidente do
trabalho
15. Mandado de segurança (Lei n. 12.016/2009)
VI
PRINCÍPIOS DO PROCESSO CIVIL
1. Introdução
2. Leitura e interpretação do CPC à luz da Constituição Federal
3. Princípio da inércia judicial
4. Princípio da boa-fé processual
5. Princípio da cooperação processual
6. Princípio do devido processo legal (due process of law)
6.1 Conteúdo do princípio – a atuação da Suprema Corte norte-
americana
7. Princípio da isonomia
7.1 As regras dos arts. 180 e 183 do CPC e o princípio constitucional da
isonomia
7.2 Condenação em honorários advocatícios
7.3 Adiantamento de despesas processuais
7.4 Remessa obrigatória
7.5 Tratamento privilegiado aos idosos e portadores de doença grave
8. Princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional
8.1 Jurisdição e arbitragem
8.2 A conciliação e mediação
8.3 Justiça desportiva – um caso excepcional
8.4 Exigência de depósito prévio em ações tributárias
8.5 Ação rescisória
9. Princípio do juiz e do promotor natural
10. Princípio do contraditório e da ampla defesa e a garantia do diálogo
processual
10.1 A citação
10.2 Liminar inaudita altera parte
11. Princípio da proibição da prova ilícita
12. Princípio da publicidade dos atos processuais
13. Princípio da motivação das decisões judiciais (art. 11 do CPC/2015)
14. Princípio da independência da magistratura
15. Princípio do duplo grau de jurisdição
16. Princípio da razoável duração do processo
16.1 Ordem cronológica de julgamento (art. 12 do CPC/2015)
17. A norma fundamental para a aplicação das leis processuais
18. Conclusões
VII
TEORIA DA AÇÃO
1. Noções gerais – conceito de ação
2. Evolução
3. Natureza jurídica da ação
VIII
CONDIÇÕES DA AÇÃO
1. Introdução ao tema
2. Interesse processual
3. Legitimidade ad causam
3.1 Considerações sobre a legitimidade nas ações coletivas. Primeiras
noções
IX
PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
1. Relação jurídica processual
2. Existência da relação jurídica processual
2.1 Petição inicial
2.2 Jurisdição
2.3 Citação
2.4 Capacidade postulatória
3. Pressupostos processuais de validade da relação jurídica processual
3.1 Petição inicial apta
3.2 Competência do juízo e imparcialidade do juiz
3.3 Capacidade processual e legitimação processual
4. Pressupostos processuais negativos
X
LITISPENDÊNCIA E COISA JULGADA
1. Noções
2. Classificação das ações
3. Elementos da ação
3.1 Identidade de partes
3.2 Identidade de pedido (objeto)
XI
LITISCONSÓRCIO
1. Conceito
2. Diversidade de classificações
2.1 Litisconsórcio inicial e ulterior
2.2 Litisconsórcio necessário e facultativo
2.3 Litisconsórcio unitário e simples
2.4 Litisconsórcio eventual e litisconsórcio alternativo
2.5 Litisconsórcio sucessivo
3. Limitação do número de litisconsortes
4. Hipóteses de litisconsórcio facultativo e necessário
4.1 Litisconsórcio facultativo
4.2 Litisconsórcio necessário
5. Litisconsórcio simples e unitário
6. Exclusão de um litisconsorte
7. Outras regras relacionadas ao litisconsórcio
XII
ASSISTÊNCIA
1. Introdução
2. Assistência simples
3. Interesse jurídico e interesse de fato
4. Procedimento
4.1 O recurso de terceiro prejudicado
5. Assistência litisconsorcial
6. A intervenção da União e pessoas jurídicas de direito público – Lei n.
9.469/97
XIII
DENUNCIAÇÃO DA LIDE
1. Introdução
2. Hipóteses
3. Procedimento
XIV
CHAMAMENTO AO PROCESSO
1. Chamamento ao processo
1.1 Formação do litisconsórcio no chamamento
1.2 Hipóteses de chamamento ao processo
1.3 Procedimento e natureza do chamamento ao processo
1.4 Chamamento ao processo no Código de Defesa do Consumidor
XV
INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE
JURÍDICA
1. Introdução e fundamentos
1.1 A teoria da desconsideração da personalidade jurídica
2. Legitimidade para requerer a desconsideração da personalidade jurídica
3. Procedimento
3.1 Momentos para o requerimento da desconsideração da personalidade
jurídica
3.1.1 A desconsideração da personalidade jurídica requeridaà expressão pela qual hoje esse
ramo do direito é designado: “direito processual civil”, que abrange outros
assuntos que não dizem respeito especificamente ao processo civil, senão que
lhe são correlatos, como é o caso da organização judiciária.
Partindo-se do pressuposto de que a autonomia entre os ramos do direito é
eminentemente epistemológica, compreende-se facilmente o inter-
relacionamento entre o direito processual civil e outros ramos do direito,
particularmente o direito constitucional.
2.1 Direito constitucional
Se o direito processual disciplina o exercício da atividade jurisdicional, é
perfeitamente compreensível o porquê de se encontrarem insculpidos na
Constituição Federal, que é a lei fundamental, os seus princípios norteadores.
Assim, por exemplo, a regra do inciso XXXV do art. 5º, de que “a lei não
excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”, que
encampa o assim chamado princípio da ubiquidade. Assim, também, o art. 3º,
caput, do CPC, que estatui que “não se excluirá da apreciação jurisdicional
ameaça ou lesão a direito”. Por isso, é perfeitamente adequado falar-se em
direito constitucional processual5, voltado ao estudo das normas processuais
insertas no texto constitucional. Como se terá oportunidade de insistir
adiante, o mais importante dos princípios constitucionais do processo é o
princípio do devido processo legal, de que trata o inciso LIV do mencionado
art. 5º do texto constitucional. Observe-se, ademais, que o próprio Código de
Processo Civil prescreve que o direito processual civil deverá ser ordenado,
disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais
estabelecidas na Constituição Federal (art. 1º, CPC).
Encontra Joan Picó i Junoy a origem da constitucionalização de garantias
processuais em recentes textos fundamentais na pretensão de “evitar que el
futuro legislador desconociese o violase tales derechos, protegiéndolos, en
todo caso, mediante un sistema reforzado de reforma constitucional”6.
Observa mencionado autor que tal fenômeno se passou mais acentuadamente
em países que, na primeira metade do século XX, adotaram regimes
totalitários. Cita como exemplo a Lei Fundamental de Bonn, de 23.05.1949,
que prevê expressamente o direito de acesso à jurisdição (art. 19.4), a
existência de um juiz ordinário predeterminado pela lei (juiz natural) (art.
101.1), bem como o direito à defesa (art. 103.1), referindo, ainda, o art. 24 da
Carta espanhola de 1978, a respeito do qual assevera que “esta
constitucionalización de las minimas garantias procesales no se há alcanzado
plenamente hasta la Carta Magna de 1978”7. A propósito desse mesmo
preceito (art. 24 da Constituição espanhola), assevera Alex Carocca Pérez:
“Se trata, como es bien sabido, de una disposición que recoge una amplísima
gama de garantias procesales, que han pasado a constituirse en referencias
fundamentales de todo el ordenamiento jurídico español, por lo que,
probablemente, se há transformado en la disposición más comentada de la
Constitución Española, desde su entrada en vigencia”8. É perfeitamente
possível encontrar explicações similares em nosso País para a inserção de
tantas garantias processuais no texto constitucional. Nosso país passou,
recentemente, por período de ditadura, durante o qual as garantias
constitucionais do processo foram bastante maltratadas, de modo que optou o
legislador constituinte de 1988 por ser bastante explícito no que tange às
garantias constitucionais do processo. Afirma Nelson Nery Jr., em sentido
conforme, que todos os princípios constitucionais do processo constituem
decorrência lógica do princípio do devido processo legal (CF/88, art. 5º,
LIV), mas que “a explicitação das garantias fundamentais derivadas do
devido processo legal, como preceitos desdobrados nos incisos do art. 5º, CF
é uma forma de enfatizar a importância dessas garantias, norteando a
administração pública, o Legislativo e o Judiciário para que possam aplicar a
cláusula sem maiores indagações”9. O legislador, a propósito, veio a
consagrar tais garantias também na legislação infraconstitucional. Deveras, o
CPC/2015 veio a tratar de ditas garantias processuais em capítulo específico
denominado “Das Normas Fundamentais do Processo Civil” (Capítulo I do
Título Único do Livro I da Parte Geral do CPC).
Não vislumbramos, de outra banda, qualquer incompatibilidade entre as
características da jurisdição e o juízo arbitral, tal como tratado pela Lei n.
9.307, de 23.09.1996, recentemente alterada pela Lei n. 13.129/2015. De fato,
no que diz respeito ao juízo arbitral, temos que, depois de terem as partes
convencionado que certos possíveis conflitos, referentes a um determinado
contrato sejam dirimidos por árbitros (jurisdição privada), se uma delas não
der consecução a isso, a outra poderá, com a intervenção do Poder Judiciário,
coagi-la a tanto, hipótese que não nos parece ferir a regra do art. 5º, XXXV,
da CF/88. Aqui são as partes que afastam, porque maiores e capazes e em
relação a bens disponíveis, a interferência do Poder Judiciário. No caso, não é
a lei ordinária (Lei n. 9.307/96) que subtrai o conflito da apreciação do Poder
Judiciário, senão que são as próprias partes. Ora, se é possível que as partes
transacionem até depois do trânsito em julgado, com muito mais razão é
possível que as partes pactuem, por exemplo, que as disputas decorrentes de
determinado contrato sejam submetidas não ao Judiciário estatal, mas ao
juízo arbitral. Há, porém, a exigência de que a disputa a ser submetida ao
juízo arbitral verse sobre direitos patrimoniais disponíveis (art. 1º da Lei n.
9.307/96). Mesmo para as arbitragens em que figure a Administração Pública
direta e indireta, a Lei n. 9.307/96, com redação da Lei n. 13.129/2015
prescreve que, nesse caso, a arbitragem só será admissível para dirimir
conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis.
Merece especial menção, também, o princípio da isonomia, consagrado no
inciso I e caput, do art. 5º da CF/88, o qual se projeta sobre o direito
processual, exigindo que ambas as partes, autor e réu, sejam tratadas com
igualdade10. Tal princípio, dada a importância de que se reveste, é
expressamente encampado também no plano infraconstitucional, pelo art. 7º e
pelo inciso I do art. 139 do CPC. O mesmo se diga relativamente ao princípio
do contraditório previsto no art. 5º, LV, da CF, mercê do qual se deve
assegurar, sempre, a possibilidade de resposta à parte ex adversa, bem como
a possibilidade de produzir, sempre, prova, desde que pertinente. É oportuno
notar que o contraditório não diz respeito apenas ao direito do réu de se
defender, mas, mais do que isso, ao direito das partes de participarem e
influenciarem no processo de tomada de decisão. Não há, por isso, que se
falar que apenas ao réu aproveita o princípio do contraditório, mas a ambas as
partes. No plano infraconstitucional, a propósito, o contraditório vem
consagrado, dentre outros, nos arts. 7º, 9º e 10 do CPC.
Constitui-se, assim, o direito constitucional em ramo do direito com o qual
o direito processual mantém uma correlação íntima. Além do quanto se disse,
tenha-se presente que os órgãos do Poder Judiciário – encarregados do
exercício da função jurisdicional – vêm definidos no art. 92, I a VII, da CF,
por exemplo. Considerem-se, ainda, as garantias de que desfrutam aqueles
que exercem a função jurisdicional, ou seja, vitaliciedade, inamovibilidade e
irredutibilidade de subsídio, nos termos do art. 95 da CF.
Alguns recursos, também, como é o caso do recurso especial e do recurso
extraordinário, têm o seu arquétipo definido pelo próprio texto constitucional
(CF/88, art. 105, III, e art. 102, III, respectivamente) e, nessa exata medida,
não podem ser regulados diferentemente pela lei infraconstitucional. O STF,
aliás, já decidiu, ao julgar procedente a ADIn 2.79711, que à lei
infraconstitucional é vedado alterar as competências definidas no próprio
texto constitucional, como é o caso da competência do STF, disciplinada no
art. 102, e do STJ, tratadano art. 105 da Constituição.
Enfim, se é ao Judiciário que compete o resguardo da ordem jurídica, e no
ápice do ordenamento jurídico encontra-se a Constituição, compete a ele,
primacialmente, resguardá-la, o que poderá ser feito pela via direta, nos
termos dos arts. 102, I, a, e 103 da CF (via de ação – método concentrado),
perante o Supremo Tribunal Federal, ou, incidentalmente, perante quaisquer
órgãos do Judiciário, que podem afastar a aplicação de leis
infraconstitucionais no caso concreto que lhes venha a ser submetido (via de
exceção ou defesa – método difuso – art. 97 da CF/88). Nesta última hipótese
(controle difuso), qualquer juiz ou tribunal pode (e deve) reconhecer, para o
caso concreto submetido à sua apreciação, a incompatibilidade da lei com o
texto constitucional. Como dito anteriormente, o estudo da chamada
jurisdição constitucional é objeto do chamado direito processual
constitucional.
Nesse diapasão, há de ser mencionado o art. 102, § 1º, do texto
constitucional, que estabelece a arguição de descumprimento de preceito
fundamental pelo Poder Público, que veio a ser regulamentada pela Lei n.
9.882/99.
Repita-se que o princípio mais relevante de todos é o princípio do devido
processo legal, estampado no inciso LIV do art. 5º da CF/88 e que se projeta,
seja no campo do direito processual (procedural due process), seja na seara
do direito material (substantive due process). Trata-se, inquestionavelmente,
do mais importante princípio processual dentre os previstos na Constituição
Federal, e, como dito, sua repercussão ultrapassa os lindes do direito
processual, podendo-se falar em devido processo legal em sentido
substancial. Já se teve a oportunidade de dizer: “Pode-se, sem receio de errar,
asseverar que os demais princípios constitucionais do processo são
verdadeiramente imanentes à noção de devido processo legal, explicitando-
o”12. Tamanha a sua importância, que um dos pressupostos para a cooperação
jurídica internacional, regulamentada por Tratado de que o Brasil faça parte,
é justamente a observância e respeito às garantias do devido processo legal
no Estado requerente (art. 26, I, do CPC).
2.2 Direito administrativo e tributário
O processo não serve somente à aplicação do direito privado, mas do
direito público em geral. O art. 15 do CPC estatui, a propósito, que “na
ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou
administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e
subsidiariamente”. Também nas hipóteses de jurisdição voluntária (art. 719 e
subsequentes do CPC), em que o Estado exerce atividade eminentemente
administrativa pois inexiste qualquer conflito de interesses, há íntimo
entrelaçamento entre ambas as disciplinas. Interessante registrar que há
instrumentos processuais especificamente vocacionados a serem aplicados na
seara do direito administrativo. Tal é o caso, por exemplo, do mandado de
segurança. Trata-se de instrumento processual previsto na própria
Constituição Federal (CF/88, art. 5º, LXIX), disciplinado no âmbito
infraconstitucional pela Lei n. 12.016/2009, de larga aplicação em lides de
direito público. Pode-se dizer, sem receio de errar, que se trata, por
excelência, do instrumento de controle dos atos administrativos pelo Poder
Judiciário.
O íntimo entrelaçamento entre o direito processual e o direito tributário
pode ser vislumbrado não apenas com relação às ações que o contribuinte
pode ajuizar contra o Fisco, mas também tendo em vista os instrumentos de
que o Fisco dispõe para cobrar o contribuinte. A propósito, James Marins fala
em ações exacionais e ações antiexacionais13.
No que tange às ações antiexacionais, já mencionamos que o mandado de
segurança é dos mais importantes instrumentos de controle de Administração
Tributária por parte do particular. Todavia, como se sabe, tem aplicabilidade
restrita, pois sua utilização pressupõe que haja prova documental pré-
constituída dos fatos subjacentes à demanda (direito líquido e certo).
Também as ações ordinárias podem ser utilizadas contra a Administração
Tributária, sendo de se referir a inserção, no art. 151 do CTN, do inciso V,
pela LC 104/2001, admitindo expressamente a antecipação de tutela como
causa suspensiva da exigibilidade do crédito tributário14. Tem-se observado,
com efeito, um aumento do espectro das medidas liminares capazes de
sobrestar a exigibilidade do crédito tributário, enquanto se discute, seja via
ação anulatória (desconstitutiva), seja via ação meramente declaratória, a
relação de direito tributário material. A mencionada LC 104/2001, que
introduziu o inciso V no art. 151 do CTN, admitindo a antecipação de tutela
como causa suspensiva da exigibilidade do crédito tributário, constitui
exemplo notório disso.
De outro lado, o Fisco tem a prerrogativa de constituir unilateralmente
título executivo contra o devedor de tributos, que dá ensejo ao processo de
execução fiscal, que tem regras próprias e específicas, sendo disciplinado, em
substância, pela Lei n. 6.830/80 (Lei de Execuções Fiscais). O
entrelaçamento das disposições do CPC com a Lei de Execução Fiscal pode
ser vislumbrado, por exemplo, no art. 46, § 5º, do CPC, que cuida da
competência para a apreciação da ação de execução fiscal, ainda que o
procedimento desta última seja tratado pormenorizadamente na Lei n.
6.830/80. Além disso, pode o Fisco utilizar-se da medida cautelar fiscal,
disciplinada pela Lei n. 8.397/92.
2.3 Direito civil e comercial
Grosso modo, grande parte do direito privado é constituída pelo direito
civil, e é através do direito processual civil que os conflitos respeitantes a
essa parte do direito material são submetidos ao Judiciário. Ainda hoje, por
ser o direito civil, inegavelmente, o ramo mais estudado do direito, e apesar
de conceber-se o direito processual civil como uma disciplina autônoma, é
comum que os processualistas busquem subsídios no direito civil. Ademais,
há institutos do direito civil que se projetam para fora desse ramo do direito.
A própria Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (antiga Lei de
Introdução ao Código Civil), embora reconhecida como de hierarquia igual às
demais leis ordinárias, é tida como uma norma de sobredireito, aplicável, em
grande parte, aos demais ramos, como, por exemplo, a regra sobre o início da
vigência das leis, insculpida no art. 1º da Lei de Introdução às Normas do
Direito Brasileiro.
Por razões similares, é possível dizer que o direito comercial mantém
íntimas relações com o direito processual civil. Assim, por exemplo, os arts.
599 e seguintes do CPC, que tratam de regulamentar a intitulada ação de
dissolução parcial de sociedade. Deve-se ter presente, todavia, que o direito
comercial codificado com o CC (Lei n. 10.406/2002) resulta quase que
totalmente assimilado por esse Código, que revogou o Livro I do Código
Comercial, remanescendo dessa antiga codificação, apenas, o direito de
navegação15. Mesmo para as ações judiciais que tratam de direito marítimo, o
CPC estabelece que as ações previstas no art. 1.218, do CPC/73 (protestos
formados a bordo, apreensão de embarcações, arribadas forçadas etc.) ficam
submetidas ao procedimento comum previsto no CPC, caso ainda não tenham
sido regulamentadas por lei específica (CPC, art. 1.046, § 3º). O CPC ainda
cuida de disciplinar a denominada ação de regulação de avaria grossa (art.
707 e s.), que envolve o direito marítimo.
2.4 Direito processual do trabalho
Finalmente, cabe anotar que o direito processual civil é fonte subsidiária
do direito processual do trabalho, segundo, aliás, disposição expressa no art.
769 da Consolidação das Leis do Trabalho. Também no CPC, tem-se o art.
15, que cuida da aplicação supletiva e subsidiária deste último ao direito
processual do trabalho. A CLT contém poucas regras específicas de
processo16, de modo que a forma de veiculação da pretensão trabalhista é
regulada pelo CPC no que não conflitar com a disciplina específica da CLT.
2.5 Direito penal
Já nos referimos à regra geral no sentido da impossibilidadede se fazer
justiça com as próprias mãos, o que configura crime, nos termos do art. 345
do CP.
Como exceção já foi mencionado o art. 1.210, § 1º, do Código Civil,
segundo o qual “o possuidor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se ou
restituir-se por sua própria força, contanto que o faça logo (...)”. O próprio
Código Penal, no art. 23, incisos I, II e III, trata do estado de necessidade, da
legítima defesa, do exercício regular de direito e do estrito cumprimento do
dever legal, respectivamente. Essas circunstâncias constituem excludentes de
ilicitude, de modo que a conduta praticada em tais condições não se reputa
antijurídica, e, pois, não há falar em crime.
Sempre pode haver, seja permitido enfatizar, mesmo nos casos em que o
sistema excepcionalmente admite a autotutela, apreciação pelo Poder
Judiciário da situação concreta, a fim de se avaliar se realmente se tratava de
hipótese em que o sistema albergava a autotutela, ou se houve exagero por
parte daquele que se utilizou de permissivo legal para fazer valer manu
propria seus próprios interesses. Vale dizer, a existência de esbulho a
justificar o desforço imediato de que trata o art. 1.210, § 1º, do CC, acima
referido, por exemplo, poderá sempre ser avaliada pelo Poder Judiciário. Ou,
por outras palavras, o fato de o Código permitir a prática do desforço
imediato (hipótese de autotutela legalmente admissível) não quer significar
que dita conduta não possa ser apreciada pelo Judiciário para se avaliar se o
caso concreto subsumia-se, ou não, à previsão do art. 1.210, § 1º, do CC.
Relaciona-se, ainda, o direito penal com o direito processual por
disciplinar vários ilícitos que podem ser praticados no curso do processo,
como, exemplificativamente, o falso testemunho17 e a apropriação indébita
pelo depositário judicial18.
Há, também, que se considerar que um mesmo evento pode render ensejo
a sanções da natureza civil e também de índole penal. Neste caso, deve-se ter
presente a regra estampada no art. 91, I, do Código Penal: “São efeitos da
condenação: I – tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo
crime”. Neste caso, havendo condenação na esfera penal, não se poderá mais
discutir na esfera cível o an debeatur, mas apenas o quantum debeatur.
Dispositivo de teor equivalente é o art. 63 do Código de Processo Penal, que
dispõe: “Transitada em julgado a sentença condenatória, poderão promover-
lhe a execução, no juízo cível, para o efeito da reparação do dano, o ofendido,
seu representante legal ou seus herdeiros”. Nessa linha, o inciso VI do art.
515 do CPC/2015 diz ser título executivo judicial a sentença penal
condenatória transitada em julgado. Em verdade, como ensinam Nelson Nery
Jr. e Rosa Nery, a sentença penal condenatória há de ser integrada pela
sentença de liquidação, se for o caso, para aparelhar o processo de
execução19.
De outro lado, a absolvição criminal, a menos que tenha sido
categoricamente reconhecida a inexistência material do fato20, não obsta seja
intentada a ação de reparação de danos (CPP, art. 66)21. Tenha-se presente,
ainda, nesse contexto, a regra do art. 315 do CPC/2015: “Se o conhecimento
do mérito depender de verificação da existência de fato delituoso, o juiz pode
determinar a suspensão do processo até que se pronuncie a justiça criminal”.
A propósito deste último dispositivo, Nelson Nery Jr. e Rosa Nery figuram o
seguinte exemplo prático em que o mesmo haveria de incidir: “É exemplo de
prejudicial externa a ação penal por crime de falsidade material, cujo
julgamento deve influir na decisão sobre ação de anulação do contrato por
falsidade de assinatura”22. Diga-se, por oportuno, que há prazo máximo para a
suspensão do processo, sendo que o prazo para propositura de ação penal é de
3 meses da intimação do ato de suspensão e, se proposta referida ação, o
processo ficará suspenso até o período de 1 ano (art. 315, §§ 1º e 2º,
CPC/2015). A tramitação do processo civil será retomada quando decorridos
tais prazos, sem a conclusão do processo penal. Neste caso, a existência de
fato delituoso será verificada incidentalmente23.
3. Sub-ramos do direito processual
Aceita-se hoje, como visto, que o processo se apresenta desvinculado do
direito material (supostamente) ofendido. Está num altiplano distinto, já que
visa a resguardar a própria ordem jurídica, pacificando os litígios, embora
traga como consequência a solução dos conflitos que lhe são submetidos.
Conforme a divisão do poder jurisdicional, temos os vários sub-ramos do
direito processual. Em regra, a atividade jurisdicional é exercida pelos órgãos
do Poder Judiciário (atividade típica desse Poder), o que representa um
critério orgânico, o principal. Dentro do Poder Judiciário, temos, de um lado,
as jurisdições especializadas, como a do trabalho, militar e eleitoral, e, de
outro, a jurisdição ordinária ou comum, que exerce tanto a jurisdição civil
como a penal. Assim, o que não for de competência das jurisdições especiais
será afeto à jurisdição comum. Nesse sentido é que se fala em direito
processual penal, eleitoral, militar e trabalhista. Cada sub-ramo do direito
processual, que é o ramo maior, regulamenta o exercício da atividade
jurisdicional nesses campos específicos.
Em raros casos, a jurisdição não é exercida por órgão do Judiciário, como
na hipótese do inciso I do art. 52 da CF, que diz caber ao Senado “processar e
julgar o Presidente e o Vice-Presidente da República nos crimes de
responsabilidade, bem como os Ministros de Estado e os Comandantes da
Marinha, do Exército e da Aeronáutica nos crimes da mesma natureza
conexos com aqueles”, exercendo atividade atípica. No caso de crime
comum, o julgamento do Presidente da República é da competência do
Supremo Tribunal Federal (CF/88, art. 102, I, b).
Assim, temos o direito processual civil, penal, do trabalho, militar e
eleitoral. Tendo em vista a atividade eminentemente jurisdicional, que por
vezes é exercida por órgãos do Poder Legislativo (estranhos, pois, ao Poder
Judiciário), falam alguns autores em direito processual político, que
compreenderia hipóteses muito raras e estaria regulado nos regimentos
internos dessas Casas.
Na verdade, pode-se dizer que o poder jurisdicional é uno, sendo didáticas
as divisões apontadas, e, portanto, nesse sentido pode-se falar que o direito
processual é um só, e por isso mesmo alguns doutrinadores falam em teoria
geral do processo.
Por outro lado, é de se ressaltar que há evolução legislativa, já no plano
constitucional, que evidencia que o processo não serve apenas à veiculação
de interesses individuais: a) pela Constituição Federal de 1967, Emenda n.
1/69 (art. 153, § 4º), assegurava-se o direito de submeter à apreciação do
Judiciário “qualquer lesão de direito individual”; pela CF/88, art. 5º, XXXV,
suprime-se o adjetivo “individual”; b) o mandado de segurança sempre serviu
para a defesa de situações individuais; pela Constituição Federal de 1988, ao
lado desse, previu-se o mandado de segurança coletivo (art. 5º, LXX); c) a
Constituição Federal de 1988 previu instrumentos destinados à defesa
coletiva de direitos, como a ação civil pública a ser proposta pelo Ministério
Público (art. 129, III, CF/88), e essa legitimação não obsta a de outros, nos
termos da Constituição Federal e de outras leis24.
4. Direito processual e direito material
Normas de direito material são aquelas que criam, regem e extinguem as
relações jurídicas, dizem o que é lícito e o que é ilícito etc., fora do juízo; são
as normas de direito civil, penal, tributário, administrativo etc.
Normas de direito processual são aquelas que regulam o processo. É
verdade que também criam, regem, modificam e extinguem relações
jurídicas, mas perante o órgão encarregado de exercer a atividade
jurisdicional. Daí por que, como se vem insistindo, o direito processual é
instrumental em relação ao direito material.
São os seguintes os dizeres de Vicente Greco Filho: “Direito material e
processo, portanto, caminham juntos, de modo que este é instrumento
daquele e, aliás, se dignifica narazão direta em que aquele se manifesta
buscando a estabilidade e a justiça”25.
Costumava-se chamar o direito material de substantivo e o processual de
adjetivo. Hoje, as expressões mais utilizadas são direito material e direito
processual.
O direito processual, todavia, enquanto regulamentador de uma função
soberana do Estado (a jurisdicional), é ramo do direito público, pouco
importando que no caso concreto esteja em pauta conflito entre particulares.
Aliás, o direito processual destina-se não apenas a dirimir conflitos entre
particulares, mas entre estes e o Estado. O direito processual é regido por
princípios próprios e as regras que lhe são próprias são, em geral, de
aplicação cogente, como, por exemplo, o dever do juiz em conhecer de ofício
matéria de ordem pública, em qualquer tempo e grau de jurisdição (art. 485, §
3º, do CPC/2015). Há, porém, regras que refogem a essa regra, o que, aliás,
foi ampliado pelo Código vigente, que introduziu no ordenamento jurídico
verdadeira cláusula geral de negociação processual, prevista no art. 190.
A importância de se estabelecer a distinção entre as normas de direito
material e processual ganha relevo, dentre outras razões, em virtude da
aplicabilidade diferenciada das duas aos processos em andamento. As normas
de direito processual têm aplicabilidade imediata (art. 1.046 do CPC/2015),
ao passo que as regras de direito material não retroagem, de modo a atingir
situações jurídicas consolidadas anteriormente.
Isso, evidentemente, não significa dizer que a lei processual retroaja, o que
violaria o art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal, mas apenas que se aplica
a todos os atos processuais cuja possibilidade de prática seja contemporânea à
nova lei, pouco importando que o processo, em si, tenha tido início antes de
sua vigência.
Ressalte-se, ainda, que a inobservância, pelo julgador, das normas de
direito material (critérios de julgar) enseja error in judicando, ao passo que o
desatendimento das normas de direito processual (critérios de proceder)
configura error in procedendo.
II
JURISDIÇÃO
1. Esboço histórico
Em síntese, podemos dizer que a forma de resolução dos conflitos entre as
pessoas, paralelamente ao desenvolvimento do próprio Estado, passou da
autotutela, em tempos primitivos, à (quase) completa assunção de tal função
pelo Estado (monopólio da jurisdição). Ao longo dessa evolução, houve
épocas em que os conflitos de interesses eram dirimidos por árbitros, fosse
essa a vontade dos interessados. Em uma etapa posterior, antes de chegar ao
estágio atual, essa “arbitragem” tornou-se obrigatória26.
Diz-se quase completa assunção porque situações há em que o sistema
jurídico positivo, ainda hoje, tolera a autotutela, como já foi referido no
primeiro capítulo deste trabalho. Entre elas, pode-se destacar o desforço
imediato (art. 1.210, § 1º, do CC) e a legítima defesa, que no Código Penal é
tida por excludente de ilicitude (art. 23, II). Tenha-se presente, todavia, que,
diferentemente do que sucedia em sistemas primitivos, a autotutela é tolerada
hoje porque o sistema jurídico positivo expressamente a admite (em
determinadas hipóteses específicas, vedando-a, todavia, como regra)27 – daí
por que o Judiciário poderá, já dissemos, sempre, julgar se realmente se
tratava de hipótese em que a lei tolerava a autotutela, como, ainda, as
condições em que isso se deu, a fim de verificar se houve abuso.
2. Estado de Direito – noção
A característica mais marcante do Estado de Direito é a de que, nele, todos
se submetem à lei, governantes e governados, indistintamente. A ideia de
tripartição dos Poderes (ou, se se preferir, tripartição das funções estatais do
Poder, já que o Poder, enquanto expressão da soberania estatal, é uno) é tida
hoje como verdadeiro pressuposto para que se possa falar, efetivamente, em
Estado de Direito28.
Com efeito, pela tripartição dos Poderes, cabe, por exemplo, ao Judiciário
controlar a legalidade dos atos do Executivo, e o Judiciário o faz
imparcialmente, porque os seus membros são dotados, como se verá, de
certas garantias. Estivessem todas as funções (a de fazer as leis, administrar e
julgar) enfeixadas num só Poder, não haveria real submissão do Estado à lei,
ou, por outras palavras, não se poderia falar em Estado de Direito.
A especialização do Judiciário, derivada da tripartição dos Poderes,
encontra sua complementação no princípio da legalidade, que indica a
necessidade de submissão de todos à vontade da lei. Não fosse assim, pouco
ou nenhum significado teria a tripartição dos Poderes.
O fato de existirem “tribunais” administrativos não quer significar que o
Judiciário não detenha o monopólio da função jurisdicional. As decisões
desses órgãos da justiça administrativa, como explica com notável acuidade
Athos Gusmão Carneiro, não “se revestem de caráter jurisdicional; portanto,
não transitam materialmente em julgado, ficando sujeita a matéria ao
reexame dos Tribunais, a instâncias de quem demonstre jurídico interesse”29.
Há, nessa linha, farta jurisprudência no sentido de que os procedimentos nos
Tribunais de Contas devem obedecer ao princípio do devido processo legal30-
31. Devemos ter presente, ainda, a Súmula Vinculante 3, cujo enunciado aqui
transcrevemos: “Nos processos perante o Tribunal de Contas da União
asseguram-se o contraditório e a ampla defesa quando da decisão puder
resultar anulação ou revogação de ato administrativo que beneficie o
interessado, excetuada a apreciação da legalidade do ato de concessão inicial
de aposentadoria, reforma e pensão”.
3. Função jurisdicional
A função jurisdicional é aquela que, por força da tripartição dos Poderes,
coube ao Poder Judiciário. Compreende, como se verá, não apenas a tarefa de
dizer o direito aplicável ao caso concreto, mas de realizá-lo coativamente (o
que se faz através da execução ou da fase de cumprimento de sentença). Tem
em vista, antes de mais nada, a preservação da ordem jurídica e da paz social.
Daí por que o direito processual civil é ramo do direito público, embora,
mediatamente, sirva de instrumento para a solução do conflito de interesses
que lhe é apresentado, que pode ser, a seu turno, de índole privada ou
pública.
Nem sempre a função jurisdicional teve a amplitude que hoje lhe é
reconhecida, mercê da extensão do princípio da ubiquidade, tal como este
hoje vem encampado no inc. XXXV do art. 5º da CF, bem como no art. 3º,
caput, do CPC, que estatui que “não se excluirá da apreciação jurisdicional
ameaça ou lesão a direito”. Por exemplo, na vigência da Constituição Federal
de 1969, após o advento da Emenda Constitucional n. 7/77, previu-se o
chamado contencioso administrativo (embora este não tenha sido
regulamentado); na vigência do AI-5 estabeleceram-se diversas exceções ao
acesso ao Judiciário.
Observe-se que várias das características da jurisdição são também
encontráveis em outras funções estatais. Veja-se, por exemplo, que há atos
administrativos que possuem o atributo da executoriedade. É o que diz Celso
Antônio Bandeira de Mello, segundo o qual “o Poder Público pode compelir
materialmente o administrado, sem precisão de buscar previamente as vias
judiciais, ao cumprimento da obrigação que impôs e exigiu”32. Nota-se,
portanto, que a coatividade não é característica exclusiva da função
jurisdicional, estando também presente na atividade administrativa, ainda que
essa eficácia possa ser obstada pelo Judiciário se não informada pela
legalidade.
A contenciosidade também se encontra presente na atividade
administrativa, tanto assim que a CF/88 assegurou o princípio do
contraditório e da ampla defesa de forma expressa, seja para o processo
judicial, seja para o procedimento administrativo (CF/88, art. 5º, LV, e arts.
7º, 9º e 10 do CPC/2015).
O que efetivamente distingue a atividade jurisdicional é que as decisões do
Judiciário se revestem da autoridade de coisa julgada. Ou seja, esgotados os
recursos cabíveis no processo em que são proferidas, desde que tenha havido
resolução do mérito, tornam-se imutáveis, não podendo,em linha de
princípio, ser rediscutidas, nem naquele, nem em outros processos.
3.1 Jurisdição civil
Como se teve oportunidade de salientar no primeiro capítulo, aquilo que
não cabe na esfera de atuação, ou, em linguagem estritamente técnica, que
não seja da competência das jurisdições especializadas (trabalhista, eleitoral e
militar), será da atribuição da jurisdição ordinária ou comum. Dentro desta,
aquilo que não couber na jurisdição penal, por exclusão, caberá na jurisdição
civil. Estamos, é claro, falando da jurisdição contenciosa, ou seja, a que
resolve os conflitos de interesses (rectius, lides).
Ao seu lado existe, como já foi observado, a (impropriamente) chamada
jurisdição voluntária ou graciosa, que, sem embargo de caber ao Poder
Judiciário, não se constitui em atividade jurisdicional propriamente dita,
senão que na realidade compreende uma atividade tipicamente
administrativa, daí por que alguns a conceituam como administração pública
dos interesses privados. Da jurisdição voluntária tratar-se-á mais adiante.
A jurisdição civil é regulada pelo art. 16 do CPC: “A jurisdição civil é
exercida pelos juízes e pelos tribunais em todo o território nacional, conforme
as disposições deste Código”.
4. Natureza da função jurisdicional do Estado
O exercício da jurisdição constitui atividade eminentemente pública.
Aliás, é o que vem expresso no art. 5º, XXXV, do texto constitucional: “A lei
não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”,
que consubstancia o princípio constitucional da inafastabilidade do Poder
Judiciário. Assim, também, o art. 3º, caput, do CPC, que estatui que “não se
excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito”. Já dissemos
que as decisões dos assim ditos “tribunais administrativos” (que, por
exemplo, examinam matérias fiscais) não se revestem do atributo da
imutabilidade e poderão ser, sempre, revistas perante o Poder Judiciário.
Desse modo, a existência de mencionados tribunais administrativos não atrita
com o monopólio exercido pelo Poder Judiciário, como explica Athos
Gusmão Carneiro33.
Quanto à arbitragem, tem-se que a possibilidade de as partes submeterem
determinados conflitos à apreciação de um árbitro, ou de tribunal arbitral,
revela-se plenamente compatível com a garantia insculpida no art. 5º, XXXV,
da Constituição Federal. Deveras, são os interessados que resolvem não
acudir ao Judiciário, desde que estejam em pauta direitos patrimoniais
disponíveis (art. 1º da Lei n. 9.307/96)34.
A função jurisdicional (e aqui estamos nos referindo à função jurisdicional
propriamente dita) é eminentemente substitutiva. Diz-se, então, que, através
do resultado da atividade do Poder Judiciário, impõe-se a vontade concreta da
lei, pondo-se fim à lide, revestindo-se essa decisão de autoridade que a torna
imutável35, ou, melhor dizendo, se há coisa julgada material, o decidido
restará imutável. A imutabilidade é uma qualidade que se agrega, como
regra, ao comando da sentença, aqui em sua acepção mais ampla possível,
abarcando as interlocutórias de mérito e os acórdãos. É possível, ademais,
que tal qualidade se agregue não ao comando decisório da sentença, mas ao
que restar decidido em relação às questões prejudiciais36, conforme prevê o
art. 503, § 1º, do CPC.
A propósito, diz Chiovenda, em posição que veio a influenciar nossa
doutrina processual: “O critério realmente diferencial, correspondente, em
outros termos, à essência das coisas, reside em que a atividade jurisdicional
é sempre uma atividade de substituição; é – queremos dizer – a substituição
de uma atividade pública a uma atividade alheia”37. A coisa julgada,
portanto, ao levar à imutabilidade do que haja sido decidido, cristaliza essa
substituição, tornando-a, portanto, definitiva.
É forçoso reconhecer que tal não sucede em algumas hipóteses, todavia,
como ocorre, por exemplo, nas tutelas provisórias. Tutela provisória,
especialmente em relação à tutela antecipada estabilizada, na forma do art.
304 do CPC. Em tais casos, a atividade jurisdicional não se substitui à
vontade das partes (ou, ao menos, não o faz com foros de definitividade, pois
não há falar em coisa julgada material nas tutelas provisórias), senão que o
juiz emite um pronunciamento visando a garantir a eficácia e utilidade da
concessão do pedido de mérito. A coisa julgada liga-se à finalidade de
resolver em caráter definitivo (por isso a imutabilidade) o conflito de
interesses levado ao Judiciário; a tutela provisória, contudo, por definição, é
temporária, destinando-se ao resguardo da parte ou da própria utilidade do
processo em caráter imediato, dependendo, como regra, de um provimento
final, portanto, não se justifica cogitar de imutabilidade de decisão que a
concede. Todavia, é importante notar que o CPC/2015 passou a admitir
especial hipótese de tutela provisória que independe de decisão final. Trata-se
da tutela antecipada requerida em caráter antecedente (art. 303), que à falta de
recurso do réu tornar-se-á estável (art. 304, caput). A tutela de urgência
antecipada, nesse caso, não perde a sua natureza de tutela provisória,
concedida após cognição sumária. Contudo, é inegável que a lei processual
autoriza que tal decisão passe a produzir efeitos pamprocessuais,
independentemente de sua confirmação por decisão de mérito, tomada após
cognição exauriente38.
Outra hipótese em que não há de falar propriamente em substitutividade
consiste nas ações em que estejam envolvidos valores indisponíveis, uma vez
que, em tais casos, não há cogitar pudesse ser a solução alcançada mediante
simples vontade das partes39.
O que marca definitivamente a substitutividade é a ocorrência de coisa
julgada, pois que o resultado do que foi decidido se sobrepõe àquilo que a
parte (normalmente, a parte vencida) desejava, e esta não tem como mudar
esse resultado (ressalvada a hipótese de transação – se maiores os litigantes e
o bem for disponível – sucessiva à coisa julgada, a qual depende de
conjugação da vontade das partes). E aduza-se que, na hipótese de transação
ulterior à coisa julgada, esta não desaparece, senão que resulta legitimamente
superada pela transação, tanto que, se anulada a transação, reassume o seu
lugar a eficácia precedente da sentença, revestida pela autoridade de coisa
julgada.
Como corolário do amplo e irrestrito acesso ao Judiciário, assegurado pelo
art. 5º, XXXV, tem-se, ainda, que a função jurisdicional é indeclinável.
Deveras, de pouco adiantaria garantir-se o acesso ao Judiciário se o juiz
pudesse declinar do seu mister. Tem-se que a indeclinabilidade da atividade
jurisdicional é verdadeiro corolário do princípio do amplo e irrestrito acesso
ao Judiciário, que, de seu turno, constitui consectário lógico da assunção da
função jurisdicional pelo Estado.
A propósito, é expresso o art. 140 do CPC, em cuja parte inicial se dispõe:
“O juiz não se exime de decidir sob a alegação de lacuna ou obscuridade do
ordenamento jurídico”. O parágrafo único, por sua vez, dispõe que “O juiz só
decidirá por equidade nos casos previstos em lei”. Assim, também, no art. 4º
da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro ostenta-se a plenitude
da ordem jurídica, ou seja, ainda que não explícita a lei, sobre uma dada
hipótese, há outros referenciais para que o juiz possa decidir sempre (Art. 4º:
“Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os
costumes e os princípios gerais de direito”). Isso significa que se no art. 5º,
XXXV, da Constituição Federal está previsto pleno acesso ao Judiciário, no
4º da LINDB estão expressados todos os elementos de que se deve servir o
juiz, na hipótese de omissão da lei, mas não de omissão do sistema jurídico.
Mais do que isso, trata-se de atividade indeclinável, que haverá de ser
exercida pelo juiz natural. O princípio do juiz natural decorre do disposto no
art. 5º, XXXVII e LIII. Tem-se com isso, como ensina Nelson Nery Jr., que
não será criado tribunal “ex post facto, para julgar num ou noutro sentido,
com parcialidade, para prejudicar oubeneficiar alguém, tudo acertado
previamente. Enquanto o juiz natural é aquele previsto abstratamente, o juízo
de exceção é aquele designado para atuar no caso concreto ou individual”40.
Pondera Arruda Alvim, a propósito do princípio do juiz natural, que
“juízes são aqueles que, legalmente, ocupem os cargos nos juízos e tribunais,
constitucionalmente previstos (CF, art. 92, I a VII, da CF), cujos cargos
tenham sido legitimamente criados, pela legislação própria e
infraconstitucional”41.
Neste diapasão, tendo em vista a magnitude do princípio do juiz natural,
resta indagar como se compatibilizaria com mencionada regra a opção das
partes pelo juízo arbitral. Já nos posicionamos no sentido da perfeita
compatibilidade da arbitragem, com o perfil que lhe foi conferido pela Lei n.
9.307/96 – recentemente alterada pela Lei n. 13.129/2015 –, com o texto
constitucional. Pertinente a lição de Nelson Nery Jr. a propósito da matéria,
para quem: “Com a celebração do compromisso, as partes não estão
renunciando ao direito de ação nem ao juiz natural. Apenas estão
transferindo, deslocando a jurisdição que, de ordinário, é exercida por órgão
estatal, para um destinatário privado. Como o compromisso só pode versar
sobre matéria de direito disponível, é lícito às partes assim proceder”42. Em
outro trecho da mesma obra, ensina ainda o autor: “O compromisso arbitral,
pelo qual as partes instituem a jurisdição privada, deve ser respeitado pela
jurisdição estatal, como qualquer convenção privada”43.
4.1 Características da função jurisdicional
São características da função jurisdicional:
a) Imparcialidade do juiz. O juiz deve ser integrante de órgão do Poder
Judiciário e deve ser desinteressado na lide. O Código disciplina as hipóteses
em que o juiz deve ser tido por não imparcial (impedimento – art. 144 – e
suspeição – art. 145), atribuindo-lhes consequências distintas, permitindo a
rescisão de sentença proferida por juiz impedido (art. 966, II). A norma do
art. 966, II, está ligada ao disposto no art. 139, I, do CPC, já que a
necessidade de dispensar tratamento igualitário às partes pressupõe que o juiz
seja equidistante delas, isto é, que o juiz seja imparcial. Os vícios de
impedimento são tão graves que rendem ensejo, até mesmo, à propositura de
ação rescisória, dentro do prazo previsto no art. 975 do CPC.
Para assegurar a imparcialidade do juiz, a Constituição Federal assegura-
lhe as garantias da vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de
subsídio (CF/88, art. 95, I a III, este último inciso com a redação da Emenda
Constitucional 19).
O juiz será tido como “não imparcial” nos casos de impedimento e
suspeição. Vejamos o que isso significa.
Conforme o caso, o juiz pode ser impedido (hipóteses do art. 144 do CPC)
ou suspeito (casos do art. 145 do CPC). Nos dois casos, o vício ser deve ser
arguido por meio de petição específica, no prazo de 15 dias contados do
conhecimento do fato, na forma como disciplinado pelo art. 146 do CPC.
Porém, há consequências distintas, conforme a hipótese de que se trate.
Havendo impedimento, o fato de o problema não ter sido levantado no
prazo de 15 dias não impede a parte de fazê-lo a qualquer tempo, já que não
ocorre, nesse caso, preclusão, por se tratar de matéria de ordem pública
(sendo que tal hipótese rende ensejo, inclusive, à propositura de ação
rescisória, conforme previsto no inc. II do art. 966). Já a suspeição, se não
levantada no tempo e modo devidos, fica sanada, nada mais se podendo
alegar a propósito (há preclusão – art. 223 do CPC).
As hipóteses de suspeição de parcialidade do juiz estão previstas no art.
145 do CPC (se o juiz for amigo ou inimigo capital da parte ou de seu
advogado; se o juiz, ou cônjuge – inclui-se aqui o/a companheiro/a – for
credor ou devedor de uma das partes, ou de parentes destes, em linha reta ou
na colateral até o terceiro grau; se o juiz receber presentes de pessoas que
tiverem interesse na causa, antes ou depois de iniciado o processo, ou se
aconselhar alguma das partes ou ainda subministrar meios para atender às
despesas do litígio; ou se, de alguma forma, tiver interesse no deslinde da
causa). A parte deve se valer de petição específica para suscitar esses fatos.
Todavia, o juiz também poderá, de acordo com o § 1º do art. 145, declarar-se
suspeito por motivo íntimo, sendo de observar-se que o juiz não pode ser
obrigado a declarar os motivos de foro íntimo que o levaram a declarar-se
suspeito44. O § 2º do art. 145 do CPC/2015 reputa ilegítima a arguição de
suspeição quando esta houver sido provocada pela parte que a alega. As
hipóteses previstas no § 2º, se cometidas, caracterizam litigância de má-fé,
em razão do uso indevido do processo (art. 80, III, CPC). Oportuno, nesse
contexto, tecermos breves considerações acerca das distinções entre
suspeição e impedimento.
Como se vê do elenco do Código, os motivos de impedimento são bem
mais graves do que aqueles de suspeição. Pode-se dizer, em linhas gerais, que
os primeiros atinam com requisitos objetivos, ao passo que os últimos dizem
respeito a requisitos subjetivos. O impedimento constitui vício insanável,
rendendo ensejo até mesmo a ação rescisória (art. 966, II). Basta que se
configure qualquer das hipóteses do art. 144 para que o juiz esteja impedido
de julgar a causa, não cabendo qualquer outra ordem de indagação. Há uma
presunção iuris et de iure de que, se ocorrer qualquer daquelas hipóteses, o
juiz é parcial.
Com efeito, por exemplo, o art. 144, IV, estabelece que estará impedido o
juiz de julgar em causa em que for parte ele próprio, seu cônjuge ou
companheiro, ou parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral,
até terceiro grau, inclusive. Trata-se de dado objetivo, constatável de plano.
Já a hipótese do art. 145, I (amizade íntima com qualquer das partes ou seus
advogados), envolve certa dose de subjetivismo, e nem sempre indica
parcialidade do juiz, o que justifica ter o legislador catalogado tal caso como
de suspeição, admitindo a convalidação do vício se não arguido a tempo. Será
preciso, para caracterizar a parcialidade do juiz, nessa hipótese do art. 145, I,
não apenas demonstrar que ele é amigo íntimo de qualquer das partes, mas
que essa amizade conduz à sua parcialidade. Nos casos de impedimento,
basta a demonstração de estar presente qualquer das hipóteses previstas no
art. 144 do Código para que haja presunção absoluta de parcialidade.
Se não arguida a suspeição por meio de petição específica no prazo de 15
dias a contar do conhecimento do fato, opera-se a preclusão, e o suposto
vício, se não alegado, torna-se irrelevante (deve reputar-se sanado),
justamente porque não alegado em tempo oportuno. Diferentemente, o
impedimento enseja até mesmo a propositura de ação rescisória (art. 966, II).
As hipóteses de impedimento consubstanciam, seja permitido enfatizar,
casos de presunção iuris et de iure (absoluta) de parcialidade do juiz, e são
sempre calcadas em pressupostos objetivos. Nota-se, pois, que os regimes do
impedimento e da suspeição são distintos. Enquanto o último vício se
convalida, se não levantado a tempo (prazo de 15 dias, segundo o
estabelecido no art. 146), o primeiro não resta superado pelo decurso do
prazo de defesa, por exemplo (a existência de juiz não impedido é
pressuposto processual de validade da relação processual). As hipóteses de
impedimento do juiz, na verdade, podem ainda ser alegadas após a formação
da coisa julgada, por meio da ação rescisória (art. 966, II, do CPC), tornando-
se indiscutível apenas o escoamento do prazo para propositura dessa ação
(art. 975 do CPC).
A diferença entre as redações das cabeças dos arts. 144 e 145 é marcante.
Enquanto o art. 144 diz que “há impedimento do juiz, sendo-lhe vedado
exercer suas funções no processo”, o art. 145 preceitua que “há suspeição do
juiz”. Nos casos de suspeição, o juiz só não poderá exercer suas funções no
processo se se reconhecer suspeito (hipótese do § 1º do art. 145) ou se a
suspeição vier a ser arguida no tempo e no modo devidos, sendo acolhida apetição.
b) Coisa julgada. A parte dispositiva da sentença, desde que tenha havido
resolução do mérito, fica revestida de imutabilidade, ao que se denomina
coisa julgada45. Também recairá a autoridade de coisa julgada sobre parte da
fundamentação da decisão, quando houver a resolução de questões
prejudiciais, na forma do art. 503, §§ 1º e 2º, do CPC. A coisa julgada é
verdadeiro corolário da substitutividade da função jurisdicional. Só existe
essa substitutividade, em toda a sua extensão, porque a decisão emanada do
Judiciário se reveste dessa imutabilidade. A coisa julgada é própria da
atividade jurisdicional, não se fazendo presente nas decisões administrativas,
que podem, sempre, ser revistas pelo Judiciário.
A coisa julgada recobre ou agrega-se à parte dispositiva, porque é aí que o
juiz atribui o bem jurídico, definindo a sua titularidade46. É essa parte
dispositiva a resposta, positiva ou negativa, ao pedido do autor e aos
fundamentos jurídicos que o sustentam, e, bem assim, aos do réu.
Os “motivos”, pelos quais o juiz decide, ou a “verdade dos fatos” por ele
estabelecida na fundamentação da sentença não ficam recobertos pela coisa
julgada (art. 504, I e II, do CPC). A coisa julgada é resguardada
constitucionalmente, através do art. 5º, XXXVI, segundo o qual “a lei não
prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”.
Dissemos que somente as decisões jurisdicionais se revestem do atributo
da coisa julgada. Nesse passo, é preciso distinguir a coisa julgada formal, que
mais propriamente tem sido denominada como “preclusão máxima”, da coisa
julgada material.
Há coisa julgada material quando há resolução de mérito. Neste caso, a
imutabilidade agrega-se à parte dispositiva da decisão de mérito (mas não aos
motivos, nem à verdade dos fatos, tomada como fundamento da decisão,
conforme dispõem os incs. I e II do art. 504 do CPC) e, se preenchidos os
requisitos presentes nos incisos I a II do § 1º do art. 503 do CPC, a
imutabilidade também se agrega às questões prejudiciais, impedindo sua
rediscussão naquele e em qualquer outro processo. Trata-se, segundo a
melhor doutrina, de uma qualidade que se agrega à parte dispositiva da
decisão de mérito, ou ao conteúdo decisório tocante às questões prejudiciais,
sendo reflexo de uma opção política – das mais relevantes, por certo – do
legislador. Já a impropriamente denominada coisa julgada formal significa,
apenas, que não cabem mais recursos naquele processo (preclusão máxima),
mas, eventualmente, o pedido que nele se fez pode voltar a ser deduzido
noutro processo, se não tiver havido resolução de mérito. A ocorrência de
coisa julgada material pressupõe a coisa julgada formal (preclusão máxima),
isto é, que não caibam mais recursos no processo e, além disso, que o mérito
tenha sido percutido, e não apenas que o juiz tenha, por exemplo, extinto o
processo sem resolução de mérito, por faltar determinada condição da ação.
Nesta última hipótese, em que o pedido propriamente dito não chega a ser
julgado, fala-se apenas em coisa julgada formal. Todavia, se o pedido é
apreciado (independentemente de a ação ser julgada procedente ou não), há
coisa julgada material, tornando-se imutável o que tiver sido objeto de
decisão, no próprio ou em qualquer outro processo.
De outro lado, consoante já se afirmou, inadequado falar em coisa julgada
administrativa, já que decisões administrativas podem, sempre, ser revistas
pelo Judiciário.
Deveras, decisões administrativas podem ser, sempre, como diz Athos
Gusmão Carneiro, “objeto de reexame pelo Poder Judiciário, ao qual toca a
última palavra”47. O reexame, na hipótese de ato administrativo isento de
vício, deverá reconhecer essa circunstância, mantendo intocado esse ato.
Decisões de Tribunais de Contas encartam-se na categoria de decisões
administrativas, não configurando exercício de atividade jurisdicional. Há,
pois, em nosso sistema jurídico-positivo, ao menos sob o prisma da
necessidade de observância do princípio da legalidade, ampla margem de
liberdade para reexame jurisdicional dos atos administrativos. Nesse
contexto, é de ser referida a figura do mandado de segurança, disciplinado
pela Lei n. 12.016/2009, que, pode-se dizer, é o instrumento “por excelência”
de controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário.
Dissemos que os atos administrativos podem ser revistos pelo Judiciário
sob o prisma da legalidade. Quer isso significar que, se se tratar de atos
administrativos vinculados ou discricionários, o controle pelo Judiciário da
legalidade de tais atos é sempre possível. O que não é possível, todavia, é
controlar a margem de liberdade do administrador ao editar atos
discricionários. É defeso ao Judiciário imiscuir-se no mérito do ato
administrativo discricionário, eis que isso conduziria a uma afronta ao
princípio constitucional da tripartição dos Poderes ou, melhor dizendo, das
funções estatais do Poder.
Nesse contexto, observe-se que o inciso LXIX do art. 5º prevê o
cabimento do mandado de segurança para controle de ilegalidade ou de abuso
de poder, sendo que a expressão “ilegalidade” é usualmente atrelada, pela
doutrina, aos atos vinculados, e a locução “abuso de poder” normalmente é
identificada com os atos discricionários. Tenha-se presente, todavia, que
ambos os conceitos podem ser enquadrados num gênero maior: ilegalidade
lato sensu. Em última análise, ato discricionário praticado com abuso de
poder é ato ilegal48. Dito preceito deixa claro que, sob o prisma da legalidade,
tanto atos administrativos discricionários como vinculados são suscetíveis de
ser revistos pelo Judiciário.
A propósito do assunto, a Professora Lúcia Valle Figueiredo fala em crise
do conceito de vinculação, concluindo que inexistem, ou ao menos são
extremamente raros, atos administrativos 100% vinculados49.
c) Desenvolvimento através de contraditório regular. Há expressa
previsão constitucional no sentido de que a atividade jurisdicional deva
desenvolver-se mediante regular contraditório (CF/88, art. 5º, LV). No plano
infraconstitucional, o contraditório vem consagrado, dentre outros, nos arts.
7º, 9º e 10 do CPC. Diz Nelson Nery Jr.: “Por contraditório deve entender-se,
de um lado, a necessidade de dar-se conhecimento da existência da ação e de
todos os atos do processo às partes e, de outro lado, a possibilidade de as
partes reagirem aos atos que lhes sejam desfavoráveis”50. Muitas vezes, o juiz
decide sem ouvir previamente a outra parte, mas desde que, tão logo
proferida a decisão, esta seja ouvida, inexiste ofensa ao princípio do
contraditório. É que há hipóteses, albergadas pelo nosso sistema processual,
nas quais, se for ouvida a parte contrária antes de que seja proferida a
decisão, isso pode acarretar dano ao direito do autor (rectius, da afirmação do
direito do autor) ou a inutilidade do processo. Por isso, por exemplo, o § 2º
do art. 300 do CPC autoriza a concessão de tutela de urgência sem a oitiva da
parte contrária, que poderá exercer posteriormente o contraditório
(contraditório posposto), podendo, inclusive, recorrer da decisão. Igualmente,
há hipóteses em que o direito do autor é de tal forma evidente que, a despeito
de não haver perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo, não se
justifica a espera do contraditório para que o autor possa gozar do direito
pleiteado. Justamente por isso, o parágrafo único do art. 311 do CPC autoriza
a posposição do contraditório em algumas hipóteses restritas. Nesses casos,
como dizem Nelson Nery Jr. e Rosa Nery, o contraditório fica para um
momento posterior51.
Inversamente, o que não se tem admitido no direito brasileiro é que, diante
de uma hipótese de urgência, onde haja perigo de dano ou risco ao resultado
útil do processo, ou de evidência do direito, em que a duração do processo
redunde em prejuízo àquele que demonstra a evidência do seu direito, se
subordine a concessão da tutela provisória à audiência prévia e necessária da
parte contra a qual poderá vir a ser concedida essa medida, ainda que se trate
de audiênciado Estado. Diante da possibilidade evidenciada de perigo de
dano a um alegado direito ou risco ao resultado útil do processo, ou injusta
demora ao autor, não se justifica a exigência de contraditório prévio à
concessão da tutela provisória, à luz do disposto no art. 5º, XXXV e
LXXVIII, da CF, mesmo porque o que se colima é, justamente, evitar esse
dano, a inutilidade do processo e a demora desnecessária.
No que diz respeito, ainda, ao princípio do contraditório, deve-se
mencionar o disposto no art. 39, parágrafo único, especialmente na sua parte
final, da Lei n. 9.307, de 23.09.1996 (dispõe sobre a arbitragem), a saber:
“Não será considerada ofensa à ordem pública nacional a efetivação da
citação da parte residente ou domiciliada no Brasil, nos moldes da convenção
de arbitragem ou da lei processual do país onde se realizou a arbitragem,
admitindo-se, inclusive, a citação postal com prova inequívoca de
recebimento, desde que assegure à parte brasileira tempo hábil para o
exercício do direito de defesa”.
Está límpido no texto que deve haver respeito ao princípio do
contraditório.
Aliás, oportuno consignar que, conquanto generalizada a utilização da
expressão “contraditório”, há diferenças entre o que se entende por
contraditório no campo do processo civil e no campo do processo penal, de
modo que é preferível utilizar dois nomes distintos para designar duas
realidades distintas. No processo civil, preferimos a utilização da expressão
“bilateralidade da audiência”; no processo penal, melhor a adoção da
denominação “contraditório”.
O princípio da bilateralidade da audiência é disciplinado de forma menos
rigorosa no processo civil do que o contraditório no processo penal, ainda que
o Código de Processo Civil de 2015 tenha dado maior concreção ao princípio,
ao vedar as decisões surpresas, inclusive em matérias de ordem pública (arts.
9º e 10).
Por exemplo, se o réu for revel, ocorrerem os efeitos da revelia e não
houver requerimento de produção de provas contrapostas às alegações do
autor, na forma do art. 349, no âmbito do processo civil, tais circunstâncias
conduzirão ao julgamento antecipado da lide (art. 355, II, do CPC). No
âmbito do processo penal, exige-se a defesa do réu, ainda que revel (art. 261
do CPP)52-53. Tendo em vista essas diferenças, há quem prefira utilizar, no
âmbito do processo civil, assim como nós, a expressão princípio da
bilateralidade da audiência54, e, no processo penal, a denominação princípio
do contraditório55-56. Esse princípio alcança dimensões distintas, assumindo
uma feição diferente na área penal. Aqui, o contraditório tem especial
relevância e amplitude; na fase do inquérito policial tem predominado o
entendimento de que aí impera o princípio inquisitório57, pois o objetivo não
é o de acusar, mas o de apurar autoria e materialidade de um fato criminoso,
para eventual propositura de ação penal58. Esse entendimento, contudo, tem
sido mitigado, o que é de ser aplaudido, em recentes decisões do STF59.
Nesse sentido, o STF veio a editar a Súmula Vinculante 14, com a seguinte
redação: “É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso
amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento
investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária,
digam respeito ao exercício do direito de defesa”.
d) Inércia inicial. Só mediante provocação é que se instaura a relação
processual, porém, uma vez iniciado o processo, como regra, desenvolve-se
por impulso oficial, como deflui do já mencionado art. 2º do CPC/2015: “O
processo começa por iniciativa da parte e se desenvolve por impulso oficial,
salvo as exceções previstas em lei”. Entre essas exceções, podemos
mencionar a arrecadação dos bens do falecido, quando a herança for jacente,
e a arrecadação dos bens do ausente, hipóteses em que o juiz iniciará o
processo de ofício (arts. 738 e 744 do CPC). Como exceção ao
desenvolvimento do processo por impulso oficial, podemos mencionar a
suspensão do processo pela convenção das partes (art. 313, II).
O sentido de inércia inicial diz respeito, normalmente, não só ao início do
processo, como também àquilo que nele se pede.
Excepcionalmente, e dependendo de texto expresso, é possível,
atinentemente a determinados objetivos, que o juiz possa decidir,
independentemente de pedido, com vistas a que os objetivos da lei sejam
alcançados.
É o caso, por exemplo, do que se encontra no art. 84, §§ 3º e 4º, do CDC
(Lei n. 8.078/90). No § 4º desse art. 84, verificando o juiz a hipótese descrita
no § 3º do mesmo artigo (fundamento relevante e “havendo justificado receio
de ineficácia do provimento final”), poderá, desde logo, isto é, liminarmente
(ou na sentença), “impor multa diária ao réu, independentemente de pedido
do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando prazo
razoável para o cumprimento do preceito”. Tenha-se presente que a
imposição de multa, nesse caso, mesmo sem pedido do autor, justifica-se
tendo em vista o interesse público de que as decisões judiciais sejam
efetivamente cumpridas e respeitadas. O que se colima, com a imposição da
multa, em última análise, é resguardar o prestígio da Justiça.
Mais relevantes ainda do que esse texto (porque têm abrangência muito
maior) são os arts. 497 e 498 do CPC, nos quais está previsto que, para a
“prestação de fazer ou de não fazer” (art. 497) e “entrega de coisa” (art. 498),
e com vistas a ensejar execução específica, é viável atividade oficiosa, tendo
o texto importante relação com o art. 84 do CDC, que também diz respeito à
execução específica das obrigações de fazer, não fazer e dar coisa diversa de
dinheiro.
Em tais casos, como se disse, ostenta-se que a razão de ser dessa multa é
menos o direito da parte, e mais a de que a ordem judicial seja obedecida,
podendo o juiz, por isso mesmo, inclusive, e independentemente de
requerimento, modificar o valor ou a periodicidade da multa vincenda ou
excluí-la, caso constate que ela se tornou insuficiente ou excessiva (art. 537,
§ 1º, I), ou quando o obrigado demonstrar o cumprimento parcial
superveniente da obrigação ou que há justa causa para o seu
descumprimento (art. 537, § 1º, II).
Também no art. 81 do CPC prevê-se a possibilidade de o juiz aplicar de
ofício multa ao litigante de má-fé, bem como condená-lo a indenização por
perdas e danos. Note-se que o traço comum a esses preceitos, em que se
prevê a possibilidade de agir oficioso do juiz, é o de que esteja em jogo, além
dos interesses das partes envolvidas no litígio, a própria respeitabilidade da
administração da Justiça.
4.2 Princípios fundamentais da jurisdição
Os seguintes princípios regem o exercício da jurisdição:
a) Princípio do juiz natural. Por esse princípio, quer-se significar que os
juízes são aqueles que ocupam os cargos nos juízos e tribunais previstos no
art. 92, I a VII, da CF, proibindo-se, doutra parte, que sejam criados juízos ou
tribunais de exceção (art. 5º, XXXVII e LIII, da CF). Por outras palavras, só
aqueles órgãos aos quais a CF atribui o exercício da função jurisdicional
poderão exercê-la, nos estritos limites definidos pela própria CF (princípio da
improrrogabilidade).
b) Princípio da indelegabilidade. Já se referiu à ideia de Estado de Direito
como sendo aquele em que tanto governantes como governados se submetem
ao império da lei, tendo como pressuposto fundamental a tripartição das
funções estatais do Poder, cabendo ao Poder Judiciário o exercício da
atividade jurisdicional, ainda que uma das partes envolvidas seja o próprio
Estado. Como corolário imediato dessa ideia, decorre que a atividade
jurisdicional não pode ser delegada nem transferida (art. 2º da CF, que
consagra a independência e harmonia entre os Poderes), pois, se pudesse sê-
lo enfraquecido restaria até mesmo o princípio do juiz natural e, de resto,
comprometida a própria imparcialidade do Poder Judiciário.
c) Princípio da ubiquidade e da indeclinabilidade. Já se referiu que, no
sistema jurídico positivo brasileiro, a jurisdição alcança a tudo e a todos, por
forçada regra insculpida no art. 5º, XXXV, da CF. Como consequência desse
postulado fundamental, decorre do próprio art. 5º, XXXV, a indeclinabilidade
da prestação jurisdicional, pois de nada adiantaria garantir a todos o acesso ao
Judiciário se o juiz, diante do caso concreto, pudesse, por qualquer razão,
eximir-se de decidir. A extensão dessa regra compreende, também, a “ameaça
de lesão”. Assim, há dever de prestação da tutela jurisdicional e não simples
faculdade. O princípio da indeclinabilidade também vem previsto no plano
infraconstitucional no art. 140 do CPC: “O juiz não se exime de decidir sob a
alegação de lacuna ou obscuridade do ordenamento jurídico”. O art. 4º da Lei
de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, por sua vez, como meio de
vetar o non liquet, fornece meios para que o juiz preencha as lacunas e julgue
a causa: “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a
analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”. Estas regras
disciplinadas no art. 140 do CPC e no art. 4º da LINDB, tendo em vista o art.
5º, II, da CF/88, significam que, se de um lado há o direito de pleno acesso
ao Judiciário (art. 5º, XXXV), de outro, há o que muitos denominam de
plenitude lógica do ordenamento jurídico, o que quer dizer que no sistema
jurídico há uma pauta de normas e, no caso de lacunas, caminho para
colmatá-las, com o sentido de que “tudo” está regulado pelo direito positivo
material.
A sentença arbitral estrangeira, para ser reconhecida ou executada no
Brasil, deverá estar em “conformidade com os tratados internacionais, com
eficácia no ordenamento interno” (art. 34 da Lei n. 9.307/96); ou, então, na
ausência de tratado, poderá a sentença arbitral estrangeira produzir efeito de
acordo com os termos da Lei n. 9.307/96 (art. 34). Neste passo, vale registrar
que as disposições sobre a homologação de decisão estrangeira previstas nos
arts. 960 965 do CPC se aplicam subsidiariamente à homologação de decisão
arbitral estrangeira, conforme previsto em seu art. 960, § 3º.
d) Princípio da publicidade. Como regra (quase) absoluta, a atividade
jurisdicional desenvolve-se publicamente. É o que vem previsto no inc. IX do
art. 93 da CF e, no plano infraconstitucional, no art. 189 do CPC. A própria
Constituição Federal abre a possibilidade, todavia, desde que o exija o
interesse público, que se limite essa publicidade. A norma constitucional em
questão (CF/88, art. 93, IX) pode ser classificada como norma de eficácia
contida, sendo de se observar, com José Afonso da Silva, que a “contenção só
pode atuar circunstancialmente, não de modo contínuo”60. Daí o porquê de a
lei ordinária contemplar (validamente) tais exceções (art. 189, I a IV, do
CPC), haja vista tê-lo permitido o legislador constituinte.
e) Princípio da territorialidade. A jurisdição é ligada a um território,
havendo regras específicas para a validade de sentença brasileira fora do
território brasileiro e vice-versa, sendo que nesta última hipótese compete ao
Superior Tribunal de Justiça a homologação da sentença estrangeira (art. 105,
I, i, da CF). A disciplina a respeito da homologação de sentença estrangeira
encontra-se no CPC (arts. 960 ao 965) e na Resolução n. 9/2005 do Superior
Tribunal de Justiça, podendo vir a ser regulada por tratados internacionais
(art. 960, § 2º, do CPC). No plano infraconstitucional, o princípio da
territorialidade está previsto no art. 16 do CPC, segundo o qual “A jurisdição
civil é exercida pelos juízes e pelos tribunais em todo o território nacional,
conforme as disposições deste Código”.
5. Garantias do juiz
No Brasil, como em grande parte do mundo, gozam os juízes de garantias
que lhes permitem exercer imparcialmente a magistratura.
São elas: a vitaliciedade, a inamovibilidade e a irredutibilidade de
subsídio61. Objetivam, em síntese, tais garantias tornar o magistrado
efetivamente independente.
A vitaliciedade62, adquirida em primeiro grau após dois anos de exercício
da função jurisdicional, garante ao magistrado o direito ao cargo, salvo se
perder essa qualidade por sentença judicial com trânsito em julgado (art. 95,
I, parte final, da CF), ou seja, o magistrado não pode perder o cargo senão por
decisão judicial transitada em julgado. Mesmo antes dos dois anos, o juiz só
perderá o cargo por deliberação do tribunal a que estiver vinculado (art. 95, I,
da CF)63.
A inamovibilidade assegura ao juiz o direito de não ser remanejado,
devendo ser interpretada da forma mais ampla possível, assegurando ao
magistrado, inclusive, o direito de recusar uma promoção que lhe seja
acenada. Vem essa garantia prevista no inc. II do art. 95 da CF. Apenas em
hipóteses excepcionais admitem-se exceções à inamovibilidade (art. 93, VIII,
da CF).
A irredutibilidade de subsídio, por sua vez, visa assegurar a independência
econômica do magistrado (art. 95, III, da CF). É uma espécie de garantia,
cujo conteúdo prático resta bastante esvaziado. É que já se decidiu, a seu
propósito, que a irredutibilidade de subsídio não leva à revisão automática
dos salários dos magistrados64. Reduzido, pois, o âmbito da garantia à
expressão nominal dos salários dos magistrados, vê-se que sua importância,
sobretudo em épocas de inflação elevada, ficou bastante atenuada65-66.
6. Função jurisdicional e controle dos atos administrativos
Foi asseverado que, no Estado de Direito, em que todos (governantes e
governados) se submetem ao império da lei, a tripartição das funções estatais
do Poder é verdadeiro pressuposto fundamental. Com efeito, não fosse assim,
teríamos a Administração julgando em definitivo os seus próprios atos,
hipótese em que lhe faltaria, inegavelmente, o requisito da imparcialidade.
Desse modo, sob o regime de Estado de Direito, os atos da Administração
submetem-se, quanto ao crivo da legalidade, à apreciação do Poder
Judiciário. Não cumpre, neste passo, aprofundar o estudo do tema. O que
importa fique desde logo registrado é que, sob o prisma da legalidade, todo e
qualquer ato da Administração pode ser revisto pelo Poder Judiciário, o que,
repita-se, é consequência do princípio da ubiquidade da jurisdição67.
Há um aspecto, todavia, das relações existentes entre o Poder Judiciário e
os atos administrativos, que deve ser aflorado agora. Ao Judiciário incumbe
examinar a legalidade dos atos administrativos68. Isso significa que, revendo-
os, se estiverem conformes à lei, não poderá alterá-los; examiná-los não
significa (necessariamente) mudá-los.
Essa delimitação do agir do Poder Judiciário encontra raiz na própria
separação de Poderes (CF, art. 2º). Se se pretendesse que o reexame dos atos
administrativos, pelo Judiciário, envolvesse o poder de alterá-los,
propriamente dito, mesmo quando houvessem sido praticados conforme a lei,
isto implicaria invasão do Judiciário na esfera de outro Poder.
Os atos administrativos, que se dizem vinculados, são os praticados em
face de modelo legal, quando este contém elementos normativos indicativos
de como, precisamente, o ato deve ser praticado. Fundamentalmente, os atos
administrativos vinculados devem ser praticados em conformidade com ou à
luz do modelo legal. Se este tiver sido observado, é inviável qualquer
interferência do Poder Judiciário69.
Nos que se dizem discricionários, há uma margem legítima de liberdade
ou de avaliação deferida ao administrador, e não ao juiz. Neste âmbito, com
relação àquilo que o administrador entender conveniente e oportuno, desde
que esse entendimento seja aceitável em face da lei, não poderá o juiz
pretender que o seu critério seja melhor do que o do administrador,
substituindo o daquele pelo seu. Já no ato administrativo vinculado não há
referido entrave, justamente porque a lei fornece todos os elementos para a
prática do ato.
Por isso é que se diz que o mérito do ato administrativo discricionário não
pode ser reavaliado pelo Judiciário, para o fim de ser substituído por aquilo
que o juiz entenda melhor70, cabendo ao Judiciário, apenas, verificar se a
Administração agiu ou não conforme a lei71, isto é, se o critériodo
administrador é compatível com a lei72.
Aduza-se, ainda, que o próprio procedimento administrativo em face da
CF/88 deve obedecer a determinadas balizas (art. 5º, LV, da CF/88, por
exemplo, que assegura o direito ao contraditório e à ampla defesa, com os
meios e recursos a ela inerentes), pois esses requisitos dizem respeito ao
processo judicial e ao administrativo73.
7. Meios alternativos de solução de conflitos
É obrigação do Estado, sempre que possível, promover a solução
consensual dos conflitos (art. 3º, § 2º, CPC), razão pela qual se deve
estimular, sempre que possível, a conciliação, mediação e outros métodos de
solução negociada do conflito (art. 3º, § 3º, CPC).
A jurisdição constitui forma de heterocomposição do conflito, ou seja, não
havendo acordo de vontades entre as partes, cabe ao terceiro (Estado-juiz)
pacificar o conflito. A heterocomposição é sempre “traumática”, já que uma
das partes sairá, inexoravelmente, sucumbente.
Deve-se, com efeito, primar pela autocomposição, em que as próprias
partes chegam ao consenso. Na autocomposição, as próprias partes é que
decidem, em conjunto, a melhor solução para o seu conflito de interesses. Os
métodos de solução consensual de conflitos, pois, além de permitir que as
próprias partes decidam a melhor solução para si, sem a imposição da decisão
por terceiro, acaba por beneficiar o próprio Estado, já que diminui a
quantidade de causas a serem decididas.
Obtendo-se a solução consensual do conflito, haverá resolução do mérito,
nos termos do art. 487, III, b, do CPC. Desde que estejam em pauta que
admitam autocomposição, caberá ao juiz, presentes os elementos de
existência e os requisitos de validade do pacto, homologar o acordo (arts.
487, III, b, e 334, § 11, ambos do CPC).
A esse respeito, convém notar também que o CPC dedica aos
conciliadores e mediadores disciplina pormenorizada nos arts. 165 a 175.
Além disso, a Lei n. 13.140/2015 vem a disciplinar a mediação entre
particulares e a autocomposição de conflitos no âmbito da Administração
Pública, a demonstrar a reconhecida importância dada pelo legislador às
formas de solução consensual de conflitos.
Ao lado da solução consensual de conflitos, apresentam-se métodos de
solução alternativa dos conflitos, isto é, de meios de solução dos conflitos
que não sejam o próprio Poder Judiciário.
Exemplo bastante eloquente de meio alternativo é a arbitragem, que,
conquanto configure heterocomposição (terceiro decide a lide), foge à regra
do exercício da jurisdição pelo Judiciário.
Examinemos, neste caso, se o juízo arbitral também exerce poder
jurisdicional74.
A opção pelo juízo arbitral (Lei n. 9.307, de 23.09.1996, que disciplina
integralmente a arbitragem) implica renúncia das partes à via judiciária
estatal, confiando a solução a pessoas desinteressadas, cuja decisão produz,
“entre as partes e seus sucessores, os mesmos efeitos da sentença proferida
pelos órgãos do Poder Judiciário e, sendo condenatória, constitui título
executivo” (art. 31 da Lei n. 9.307/96). O art. 3º do CPC dispõe que ameaça
ou lesão a direito não serão excluídas da apreciação jurisdicional (princípio
da ubiquidade), sendo que o § 1º autoriza a arbitragem, na forma da lei. A
arbitragem pressupõe, também, estejam em disputa direitos patrimoniais
disponíveis, exigindo-se a capacidade das partes (art. 1º da Lei n. 9.307/96).
Com a edição da Lei n. 9.307/96, a simples cláusula compromissória
passou a ter força coativa. Representou, pois, referido diploma legal um
grande avanço em relação à precedente disciplina da arbitragem.
A cláusula compromissória, prevista no art. 4º da lei, conduz à
necessidade de que eventuais conflitos surgidos daquela relação contratual
sejam submetidos ao juízo arbitral. Trata-se de uma renúncia prévia à
jurisdição estatal.
O compromisso arbitral (art. 9º da Lei n. 9.307/96), diferentemente, refere-
se a um conflito já existente, cuja resolução é atribuída ao juízo arbitral por
manifestação de vontade das partes.
A sentença proferida pelo juízo arbitral não fica sujeita a recurso ou
homologação do Poder Judiciário (art. 18 da Lei n. 9.307/96), o que lhe
confere inteira autonomia e eficácia de per si. Há, todavia, previsão legal de
ação objetivando o reconhecimento da nulidade da sentença arbitral. A lei
prevê diversas hipóteses de nulidade da sentença arbitral (art. 32, I a VIII, da
Lei n. 9.307/96), devendo referida ação ser ajuizada perante o Poder
Judiciário (art. 33), seguindo o procedimento comum (§ 1º do art. 33 da Lei
n. 9.307/96). De qualquer sorte, deve-se ter presente que a sentença que vier a
julgar procedente o pedido “declarará a nulidade da sentença arbitral, nos
casos do art. 32, e determinará, se for o caso, que o árbitro ou o tribunal
profira nova sentença arbitral” (§ 2º do art. 33 da Lei n. 9.307/96, alterado
pela Lei n. 13.129/2015).
A adoção, entre nós, de maneira ampla, da arbitragem, tal como prevista
na Lei n. 9.307/96, ou seja, com regras que conferem efetividade ao
procedimento arbitral, sem necessidade de homologação judicial, representa
grande inovação e, em nosso sentir, ostenta diversas vantagens que se
sobrepõem a qualquer possível inconveniente desse sistema. O STJ, aliás,
veio a sumular entendimento no sentido de que a “lei de arbitragem aplica-se
aos contratos que contenham cláusula arbitral, ainda que celebrados antes da
sua edição” (Súmula 485 do STJ).
Houve quem interpretasse ditas inovações trazidas pela Lei n. 9.307/96
como incompatíveis com a garantia constitucional expressa no art. 5º,
XXXV.
Este entendimento, contudo, não prosperou, e o Supremo Tribunal
Federal, em 12.12.2001, ao julgar o pedido de homologação de sentença
estrangeira SE 5.206-7-Espanha, vencidos, em parte, os Ministros Sepúlveda
Pertence, Moreira Alves, Neri da Silveira e Sydney Sanches, que entendiam
que alguns dispositivos de referido diploma – Lei n. 9.307/96 – afrontavam o
art. 5º, XXXV, do texto constitucional, reconheceu a constitucionalidade da
Lei de Arbitragem75.
Segundo informações que constam do acórdão proferido no STF, trata-se
de procedimento instaurado em 1995, objetivando a homologação de
sentença arbitral proferida na Espanha, para que pudesse surtir efeitos no
Brasil. Em princípio, o pedido foi indeferido. Entretanto, em 1996 foi
promulgada a Lei n. 9.307/96, que dispensaria a homologação dessa sentença
na justiça do país de origem. Durante o julgamento, contudo, o Min. Moreira
Alves suscitou a questão da constitucionalidade da nova lei76.
Ainda, de acordo com o que consta de aludido acórdão, apesar de todos os
Ministros terem votado pelo provimento do recurso (de agravo regimental
contra decisão que indeferiu pedido de homologação de sentença arbitral), no
sentido de homologar a sentença arbitral espanhola no Brasil, houve
discordância quanto ao incidente de inconstitucionalidade. O Ministro
Sepúlveda Pertence, relator do recurso, bem como os Ministros Sydney
Sanches, Néri da Silveira e Moreira Alves, entenderam que a lei de
arbitragem, em alguns de seus dispositivos, dificulta o acesso ao Judiciário,
direito fundamental previsto pelo art. 5º, XXXV, da Constituição Federal. A
maioria votante, no entanto, considerou que a lei de arbitragem é um “grande
avanço” e não viu nela nenhuma ofensa à Carta Magna.
O Ministro Carlos Velloso, em seu voto, salientou que a lei só é aplicável
quando estejam em pauta direitos patrimoniais e, portanto, disponíveis.
Segundo ele, as partes têm a faculdade de renunciar a seu direito de recorrer à
Justiça. “Direito de ação não quer dizer dever de ação judicial, segundo
consta de seu voto-vista77. Mais recentemente, a constitucionalidade da Lei n.
9.307/96 veio a ser reconhecida pelo STJ, referindo-se esse tribunal ao
julgamento pelo STF do pedido de homologação de sentença estrangeira SE
5.206-7-Espanha78.
Observe-se que o art. 7º da Lei n. 9.307/96 prevê, inclusive, a
possibilidade de o Judiciário ser acionado para fazer valer cláusula
compromissória, dispondo em seu § 7º que “a sentença que julgar procedente
o pedidoincidentalmente
3.1.2 A desconsideração da personalidade jurídica requerida na
petição inicial
3.1.3 A desconsideração da personalidade jurídica inversa
3.2 O ônus da prova
3.3 Os efeitos da decisão que determinar a desconsideração da
personalidade jurídica
XVI
AMICUS CURIAE
1. Introdução
2. Procedimento
2.1 Natureza jurídica
2.2 Requisitos
2.3 Quem pode atuar como amicus curiae
2.4 Poderes
2.5 Atuação do amicus curiae em demandas repetitivas
3. A irrecorribilidade da decisão que defere o amicus curiae
4. A coisa julgada para o amicus curiae
XVII
NULIDADES PROCESSUAIS
1. Considerações gerais
2. Momento da alegação da nulidade798
3. Invalidades de fundo e de forma
3.1 Regime jurídico das invalidades
4. Ausência de intimação do Ministério Público
5. Consequência da anulação dos atos processuais
XVIII
FORMAÇÃO, SUSPENSÃO E EXTINÇÃO DO PROCESSO
1. Formação do processo
2. Suspensão do processo
2.1 Hipóteses de suspensão do processo
3. Hipóteses de extinção do processo sem resolução do mérito e casos em
que há resolução do mérito
3.1 Extinção sem resolução do mérito
3.2 Hipóteses em que há resolução do mérito
XIX
CONVENÇÕES PROCESSUAIS
1. Considerações introdutórias
2. Cláusula geral das convenções processuais
3. Controle judicial da validade da convenção processual
4. Limites da convenção processual
5. Calendário processual
XX
O TEMPO NO PROCESSO
1. Introdução
2. Princípios processuais relacionados com a teoria dos prazos
3. Classificação dos prazos: peremptórios e dilatórios
3.1 Prazos comuns e particulares
3.2 Prazos legais e judiciais
3.3 Prazos próprios e impróprios
4. Contagem dos prazos
5. Principais prazos estabelecidos em lei
6. Preclusão
7. Benefícios dos arts. 180 e 229 do CPC/2015
XXI
COMUNICAÇÃO DOS ATOS PROCESSUAIS
1. Citação
1.1 Efeitos da citação
1.1.1 A interrupção da prescrição no CPC/2015
1.1.2 Efeitos da citação propriamente ditos
1.2 Formas de citação
1.2.1 Citação pelo correio
1.2.2 Citação nas ações de família
1.2.3 Citação por edital
1.2.4 Citação com hora certa
1.3 Considerações gerais sobre o ato citatório
1.4 Procedimento da citação pelo correio
1.4.1 Procedimento da citação por oficial de justiça
1.4.2 Procedimento da citação com hora certa
1.4.3 Procedimento da citação por edital
2. Intimações
2.1 Forma de realização das intimações
2.2 Efeitos e aperfeiçoamento das intimações
3. Cartas (precatória, rogatória e de ordem)
XXII
TUTELA PROVISÓRIA
1. Noções gerais
2. Tutela de urgência
2.1 Requisitos para a concessão
2.2 Fungibilidade
2.3 Momento para a concessão
2.4 Reversibilidade da medida
2.5 Responsabilidade objetiva pela efetivação da medida
3. Procedimentos antecedentes
3.1 Tutela antecipada requerida em caráter antecedente
3.1.1 Procedimento
3.1.2 Estabilização da tutela
3.1.2.1 Aspectos gerais
3.1.2.2 Rediscussão da decisão estabilizada, por meio de ação de
conhecimento
3.2 Tutela cautelar requerida em caráter antecedente
3.2.1 Procedimento
3.2.2 Eficácia da decisão
4. Tutela da evidência
4.1 Abuso do direito de defesa e manifesto propósito protelatório
4.2 Pretensão fundada em decisão de observância obrigatória
4.3 Pretensão reipersecutória fundada em contrato de depósito
4.4 Ausência de dúvida razoável
XXIII
PETIÇÃO INICIAL
1. Introdução
1.1 Distribuição originária e por dependência (conexão e continência)
2. Requisitos da petição inicial
3. O valor da causa
4. Petição inicial e silogismo
5. O pedido
6. Indeferimento da petição inicial
6.1 Improcedência liminar do pedido (art. 332)
XXIV
AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO E JULGAMENTO
1. O fortalecimento dos mecanismos de autocomposição
1.1 Princípios da conciliação e da mediação
2. Audiência de conciliação ou mediação
2.1 Mediação e conciliação: convergências e divergências
2.2 Procedimento
XXV
RESPOSTA DO RÉU
1. Noções introdutórias: possíveis reações do réu
2. O direito de defesa e a contestação
3. As preliminares de contestação previstas no art. 337
3.1 Hipóteses dos incisos I a XIII do art. 337
4. Prazo e requisitos
5. Ônus da impugnação específica dos fatos alegados pelo autor
6. Hipóteses de afastamento da presunção de que trata o art. 341
7. Requerimento e produção de provas
8. Alegações de suspeição e de impedimento
9. Reconvenção
9.1 Legitimidade (ativa e passiva)
9.2 Conexão entre a reconvenção e a ação principal ou o fundamento da
defesa
9.3 Competência do juízo
9.4 Compatibilidade de procedimentos
9.4.1 Campo de aplicação da reconvenção
9.5 Procedimento
9.6 Desistência da ação principal e os efeitos na reconvenção
XXVI
REVELIA
1. Noções introdutórias e conceito
2. Presunção de veracidade dos fatos não contestados
2.1 Exceções à aplicação da presunção do art. 344
3. Revelia e assistência
4. Revelia e reconvenção
5. Revelia e julgamento antecipado do mérito
XXVII
A FASE DE SANEAMENTO E ORGANIZAÇÃO DO PROCESSO: as
providências preliminares e o julgamento conforme o estado do processo
1. Fase de saneamento do processo: providências preliminares –
oportunidade em que devem ser tomadas
1.1 Providências preliminares – em que consistem
2. Julgamento conforme o estado do processo
2.1 Modalidades de julgamento conforme o estado do processo
XXVIII
AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO NO PROCEDIMENTO
COMUM
1. Noções introdutórias
2. Publicidade
3. Atribuições do juiz
4. Conciliação
5. Instrução e julgamento
XXIX
TEORIA GERAL DA PROVA
1. As provas – noções introdutórias
2. Objeto e destinatário da prova
3. As provas e o julgamento antecipado do mérito
4. O juiz e a atividade probatória
5. Princípios regentes da prova
6. Ônus da prova
7. Produção antecipada da prova
8. Prova emprestada
XXX
PROVA TESTEMUNHAL, DEPOIMENTO PESSOAL, CONFISSÃO E
ATA NOTARIAL
1. Noções introdutórias
2. Dos que podem depor como testemunhas
3. Contradita
4. Obrigação da testemunha
5. Direitos da testemunha
6. Admissibilidade da prova testemunhal
7. Produção da prova testemunhal
8. Momento da produção da prova testemunhal e a testemunha referida
9. Acareação
10. Depoimento pessoal
11. Interrogatório do art. 139, VIII, do CPC/2015
12. Confissão
12.1 Confissão e reconhecimento jurídico do pedido
12.2 Necessidade de poderes especiais do advogado e do mandatário
12.3 Confissão espontânea e provocada (art. 390 do CPC/2015)
12.4 Confissão e litisconsórcio
12.5 A irrevogabilidade e anulabilidade da confissão
12.6 Eficácia probatória da confissão extrajudicial
12.7 Indivisibilidade da confissão
13. Ata notarial
XXXI
PROVA PERICIAL E INSPEÇÃO JUDICIAL
1. Generalidades
2. Requisitos da perícia
3. Âmbito da perícia
4. Procedimento
4.1 Deveres do perito
4.2 Escusa do perito
4.3 Prazo e conteúdo do laudo
4.4 Direitos do perito
5. Quem pode ser perito
6. Responsabilidade do perito
7. Perícias especiais
8. Inspeção judicial
XXXII
PROVA DOCUMENTAL, FALSIDADE DOCUMENTAL E EXIBIÇÃO
DE DOCUMENTO
1. Conceito de documento
2. Autor do documento
3. Conteúdo e eficácia do documento
4. Forma como substância do documento
5. Documento – outras considerações
6. Momento da produção da prova documental
7. Documentos públicos e particulares
8. Documentos e autenticidade
8.1 Arts. 427 a 429 – limites da autenticidade dos documentos públicos
e particulares
9. Extensão subjetiva da validade
10. Data do documento
11. Telegramas, cartas e registros domésticos
12. Livros comerciais408
13. Reprodução mecânica
14. Arguição de falsidade documental
14.1 Vantagens da ação incidental de falsidade
14.2 Em que espécie de falsidade cabe a arguição de falsidade do art.
430 e ss.
15. Exibição de documentos
15.1 Requisitos da exibição de documento ou coisa (contra a parte e
contra terceiros)
15.2 Exibitória incidente e preparatória
15.3 Exibição contra terceiro
15.4 Escusa de exibir documento ou coisa (aplicável tanto à parte como
a terceiros)
XXXIII
JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS
1. Considerações preliminares e características da Lei n. 9.099/95
2. Causas que podem servalerá como compromisso arbitral”.
Sendo a sentença arbitral ato privado, decorrente da vontade das partes,
destinada a dirimir controvérsia sobre relação contratual de natureza
patrimonial, portanto, de caráter disponível, discute-se se a arbitragem tem
natureza jurisdicional.
Joel Dias Figueira Jr., em posição que acompanhamos, defende o caráter
jurisdicional da arbitragem. Afirma mencionado autor que não existe
qualquer óbice para que o Estado delegue aos juízes privados parcela do
poder que detém para dirimir conflitos, ressalvadas as hipóteses vedadas por
lei, que se referem à natureza da lide ou à qualidade das pessoas e à ausência
de vontade e convenção das partes79.
Paulo Furtado e Uadi Lammêgo Bulos entendem que a atividade do
árbitro constitui verdadeira atividade jurisdicional, tomada a jurisdição como
um conceito abstrato. Dessa forma, esses dois autores rechaçam a corrente
que pretende dar ao juízo arbitral caráter meramente contratual (corrente
privatista ou contratualista)80.
Afiguram-se-nos corretas as opiniões dos autores acima mencionados.
Não se trata propriamente de um substitutivo da jurisdição, mas de uma
espécie de jurisdição privada. Nesse sentido, reformulamos a opinião
expressa na primeira edição desta obra, em que afirmamos ser o juízo arbitral
substitutivo da jurisdição. Trata-se, isto sim, de jurisdição privada81.
Confirmando a tendência de estímulo à utilização de formas alternativas à
jurisdição estatal, particularmente a arbitragem, o Congresso Nacional
aprovou, por meio do Decreto Legislativo n. 52, de 25.04.2002, a Convenção
sobre o Reconhecimento e a Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras,
que restou posteriormente promulgada pelo Decreto n. 4.311, de 23.07.2002.
Para produzir efeito em território nacional, a sentença arbitral estrangeira
haverá de ser submetida ao crivo da homologação pelo Superior Tribunal de
Justiça. Atualmente, a disciplina a respeito da homologação de sentença
estrangeira encontra-se prevista nos arts. 216-A a 216-N do Regimento
Interno do STJ, alterado pelas Emendas Regimentais n. 18/2014 e 24/2016,
do STJ, bem como nos arts. 960 a 965 do CPC, podendo vir a ser regulada
em tratados internacionais (art. 960, § 2º, do CPC). Acrescente-se que são
hipóteses principais de não homologação a circunstância de o litígio objeto
da arbitragem não ser “suscetível de ser resolvido por arbitragem” (art. 39, I,
da Lei n. 9.307/96) e também a ofensa, pela decisão, à ordem pública
nacional (art. 39, II, da Lei n. 9.307/96), não se incluindo neste conceito vago
a hipótese do art. 39, parágrafo único (estas hipóteses também estão presentes
na Convenção sobre Arbitragem aprovada pelo Congresso Nacional). As
hipóteses de não homologação previstas no art. 38 da Lei n. 9.307/96 dizem
respeito à legalidade da sentença arbitral estrangeira, e as do art. 39,
igualmente, mas com especial objetivo de resguardar a ordem pública
brasileira82.
III
ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA
1. Organização judiciária
Como já se salientou anteriormente, a Constituição instituiu as chamadas
justiças especializadas (militar, trabalhista e eleitoral). O que não couber na
esfera de atribuição de cada uma delas competirá à justiça comum83.
A justiça comum, a seu turno, subdivide-se em justiça penal e justiça civil.
A esfera de atribuições da justiça civil é determinada por exclusão. Vale
dizer, dentro daquilo que cabe à justiça comum, o que não competir à justiça
penal caberá à civil.
De outra parte, os órgãos da justiça comum podem ser federais (justiça
federal) ou estaduais (justiça estadual). A competência da justiça federal vem
prevista no art. 109 da CF84.
O que interessa, no âmbito do direito processual civil, é a organização da
justiça comum.
A justiça comum compreende, assim, tanto os aparelhos federais (juízes
federais e Tribunais Regionais Federais) como os aparelhos estaduais (juízes
de direito e Tribunais estaduais).
Tanto o aparelho federal como o estadual submetem-se à jurisdição
extraordinária do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de
Justiça, que, assim, encontram-se no ápice da pirâmide.
Grosso modo, pode-se montar o seguinte esquema de organização
judiciária da justiça comum:
Como se pode observar, seja no aparelho federal, seja nos aparelhos
estaduais, há dois planos, ditos graus de jurisdição.
Os tribunais, como regra, são órgãos de competência recursal, exercendo
poder de reexame sobre as decisões dos juízes de primeiro grau. Os tribunais
também exercem poder de disciplina sobre os juízes a eles vinculados. Daí
dizer-se que entre os tribunais e os juízes a eles vinculados há hierarquia
orgânica (disciplina) e funcional (reexame).
A Constituição Federal de 1988 previu a criação de juizados especiais para
a conciliação, julgamento e execução de causas cíveis de menor
complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo (art. 98, I). A
Lei n. 9.099/95 veio a disciplinar os juizados especiais cíveis e criminais no
âmbito estadual, e a Lei n. 10.259/2001 criou os juizados especiais cíveis e
criminais no âmbito federal. De seu turno, a Lei n. 12.153/2009 veio a dispor
sobre os Juizados Especiais da Fazenda Pública no âmbito dos Estados, do
Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios. As Turmas de Recursos
são disciplinadas nas leis de organização judiciária85. Cabe a elas apreciar os
recursos das decisões proferidas em primeiras instâncias pelos juizados
especiais.
As Turmas Recursais não são tribunais, senão que constituem órgão
colegiado composto por juízes de primeira instância (art. 41, § 1º, da Lei n.
9.099/95), devendo ser disciplinadas nas leis de organização judiciária locais.
Tal circunstância acarreta importante consequência, qual seja, o não
cabimento de recurso especial para impugnar as decisões proferidas pelas
Turmas Recursais, pois este somente pode ser interposto contra acórdãos
proferidos por tribunais, conforme se depreende da literalidade do inciso III
do art. 105 do texto constitucional. É cabível, no entanto, a interposição de
recuso extraordinário contra as decisões das Turmas Recursais86, pois a
Constituição Federal, em relação a este, exige apenas que a decisão recorrida
tenha sido proferida em única ou última instância, consoante se depreende do
inciso III do art. 102 da CF/88.
Este entendimento vinha sendo, todavia, abrandado pelo Superior Tribunal
de Justiça, que editou, a propósito a Súmula 203, do teor seguinte: “Não cabe
recurso especial contra decisão proferida, nos limites de sua competência, por
órgão de segundo grau dos Juizados Especiais” – o que evidenciava que se
entendia cabível o recurso especial contra decisões proferidas pelas Turmas
Recursais, quando se pretendesse discutir, por essa via, questão atinente à
competência dos juizados especiais cíveis disposta no art. 3º da precitada Lei
n. 9.099/9587. Referida Súmula foi posteriormente alterada, firmando-se o
entendimento do descabimento do especial contra decisões proferidas pelas
Turmas Recursais dos Juizados Especiais, em toda e qualquer hipótese. É o
seguinte o seu teor atual: “Não cabe recurso especial contra decisão proferida
por órgão de segundo grau dos Juizados Especiais”.
Já na esfera federal, a Lei n. 10.259/2001 estabelece que “as Turmas
Recursais serão instituídas por decisão do Tribunal Regional Federal, que
definirá sua composição e área de competência, podendo abranger mais de
uma seção” (art. 21).
Insta salientar, quanto aos Juizados Federais, a previsão de acesso ao
Superior Tribunal de Justiça para dirimir a divergência “quando a orientação
acolhida pela Turma de Uniformização, em questões de direito material,
contrariar súmula ou jurisprudência dominante no Superior Tribunal de
Justiça – STJ” (art. 14, § 4º, da Lei n. 10.259/2001).
Entre o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal e os
aparelhos estadual e federal há hierarquia funcional, que enseja o reexame da
matéria decidida, no âmbito restrito da competência desses tribunais.
2. Organização judiciária, processo e procedimento
Entende-se,em linhas gerais, por normas de organização judiciária
aquelas “que regulamentam a forma pela qual se constituem os órgãos
judiciários e traçam-lhes o modo pelo qual devem reger-se
administrativamente”88. De outro lado, “tudo aquilo que diga respeito à tutela
do direito invocado, à apreciação desse direito, à produção de provas que
objetivem demonstrar esse direito, é matéria de processo”89.
A distinção tem importante consequência. Isso porque cabe à União, isto
é, ao Congresso Nacional, legislar privativamente sobre processo (CF/88, art.
22, I). Doutra parte, compete aos Estados, isto é, às suas respectivas
Assembleias Legislativas, organizar as suas justiças90.
Daí por que a lei federal que interferir na organização judiciária local será
inconstitucional, por invasão de competência dos Estados federados.
Importante para que este conceito reste bem sedimentado ter presente a noção
de Federação como sendo o tipo de Estado em que os Estados-membros
conservam sua autonomia, podendo auto-organizar-se por poder constituinte
próprio (art. 25 da CF/88), tendo participação no poder central por meio do
Senado (art. 52 da CF/88).
Assim, em um Estado Federal como o nosso, os estados federados
possuem autonomia, que se reflete na competência legislativa que a
Constituição lhes outorga (na qual está incluída a competência para legislar
sobre organização judiciária). Essa autonomia não pode ser tocada, nem
mesmo pela União, do que decorre que lei federal que, sob o pretexto de
legislar sobre processo, invada a competência outorgada aos Estados
federados para organizarem suas próprias justiças, será incontornavelmente
inconstitucional.
Porém, cabe notar que os Estados-membros deverão dispor sobre suas
respectivas organizações judiciárias de conformidade com as diretrizes do
Estatuto da Magistratura, devendo este ser veiculado por meio de lei
complementar (art. 93 da CF/88). O vigente Estatuto da Magistratura vem
veiculado na Lei Complementar n. 35/79 (Loman – Lei Orgânica da
Magistratura Nacional), em grande parte recepcionada pela vigente ordem
constitucional.
Caberá, ainda, aos Estados legislar sobre procedimento em matéria
processual (art. 24, XI, da CF/88). Não será aqui aprofundado o exame dessa
competência concorrente adjudicada aos Estados e ao Distrito Federal, ao
lado da União, pois que ela será objeto de análise específica mais adiante.
Não obstante a suma importância da distinção entre as normas processuais
e de organização judiciária, deve-se ter em mente que as primeiras dependem
do suporte dessas últimas para que se alcancem os ideais de pleno acesso à
justiça e efetividade do processo.
3. Jurisdição extraordinária
Como se viu do esquema feito anteriormente, o Supremo Tribunal Federal
e o Superior Tribunal de Justiça encontram-se no ápice da pirâmide da
organização judiciária.
Como regra, a jurisdição é exercida em dois graus (primeiro grau, em que
se inicia o processo, e segundo grau, alcançado por meio de recurso), daí
falar-se em duplo grau de jurisdição. Apenas em casos específicos é viável a
interposição de recursos das decisões dos Tribunais de Justiça ou dos
Tribunais Regionais Federais ao Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo
Tribunal Federal. Doutra parte, em muitas das hipóteses de competência
originária dos tribunais locais, o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo
Tribunal Federal funcionam como se fossem um órgão de segundo grau que
exerce jurisdição ordinária (por exemplo, ver art. 105, II, a, b e c, da CF/88).
Para a interposição de recurso de apelação para os tribunais locais
(Tribunais de Justiça ou Tribunais Regionais Federais, conforme o caso),
tanto basta, grosso modo, o pressuposto da sucumbência91. Isso porque o
recurso de apelação é um recurso eminentemente ligado à ideia de busca por
uma decisão justa. Desse modo, se a parte sucumbente não se conformar com
a decisão da primeira instância, poderá pedir, através da apelação, a sua
reforma (ou anulação, se houver error in procedendo), com ampla
possibilidade de rediscussão de qualquer matéria de direito ou de fato.
Já para a interposição de recursos (extraordinário e especial
respectivamente) para o Supremo Tribunal Federal e para o Superior Tribunal
de Justiça, além da sucumbência, existe necessidade de enquadramento nos
pressupostos constitucionais ditados pelos arts. 102, III, e 105, III, da CF/88,
respectivamente. Cada qual desses pressupostos será examinado em capítulo
próprio. Em linhas gerais, pode-se dizer que cabe recurso extraordinário ao
Supremo Tribunal Federal quando estiver em discussão a Constituição
Federal, e que cabe recurso especial ao Superior Tribunal de Justiça quando
estiver em pauta discussão acerca da aplicação de lei federal.
4. Competência – uma primeira noção
Diz-se que certo órgão do Poder Judiciário é competente quando a
convergência de uma série de normas aponta para que este deva exercer,
naquele momento e naquelas circunstâncias, a jurisdição (plena).
A competência está ligada à matéria a ser decidida, ao território e a outros
fatores.
5. Órgãos judiciários
Os órgãos judiciários que exercem a jurisdição em primeiro grau são, em
regra, singulares, isto é, formados por apenas um juiz. Na Justiça do
Trabalho, até a edição da Emenda Constitucional n. 24, de 09.12.1999, o
julgamento de primeiro grau era realizado por órgão colegiado, composto por
juiz togado e juízes classistas. Já aqueles que a exercem em segundo grau são
órgãos ditos colegiados, ou seja, são formados por mais de um julgador. Este,
no Tribunal de Justiça, recebe a denominação de Desembargador; no
Tribunal Regional Federal, de Desembargador Federal; no Supremo
Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça, de Ministro.
Há hoje, todavia, é de se registrar, uma tendência de que os julgamentos
dos recursos, dentro dos órgãos colegiados possam ser realizados por apenas
um julgador se se tratar de matéria pacificada no âmbito dos tribunais,
sobretudo se se considerar a crescente força que vem sendo dada pelo
legislador às decisões judiciais. Nesse sentido, o art. 932, IV e V, do CPC
autoriza o relator a julgar monocraticamente o recurso, quando houver tese
firmada no âmbito do próprio tribunal ou dos tribunais superiores, a respeito
da matéria aventada no recurso. Exige-se, apenas, que, em caso de
provimento do recurso, seja ouvida anteriormente a parte contrária, em
atenção ao princípio do contraditório.
O CPC/73, em certa medida, também autorizava o julgamento
monocrático pelo relator, exigindo-se, porém, que fosse cabível recurso
contra ela, justamente para se garantir a possibilidade de julgamento
colegiado, que é da essência dos tribunais. Como havia, na lei processual
passada, a possibilidade de interposição de recurso contra decisão
monocrática do relator, tinha-se que os dispositivos que autorizavam o
julgamento monocrático eram, com acerto, constitucionais92, o que deve
permanecer inalterado com o advento do CPC/2015, na medida em que há a
possibilidade de interposição de recurso da decisão monocrática do relator ao
órgão colegiado (art. 1.021 do CPC). O STF já decidiu que “é legítima, sob o
ponto de vista constitucional, a atribuição conferida ao Relator para arquivar
ou negar seguimento a pedido ou recurso intempestivo, incabível ou
improcedente, e, ainda, quando contrariar a jurisprudência predominante do
Tribunal ou for evidente a sua incompetência (art. 21, § 1º, do RISTF; art. 38
da Lei n. 8.038/90), desde que, mediante recurso – agravo regimental –,
possam as decisões ser submetidas ao controle colegiado”93.
Os juízes necessitam de auxiliares para o exercício da função jurisdicional
(art. 149 do CPC – escrivão, chefe da secretaria, oficial de justiça, perito,
depositário, administrador, intérprete, mediador, conciliador, entre outros). O
juiz e os auxiliares que trabalham sob sua direção formam o que se chama de
juízo.
A justiça federal de primeiro grau divide-se em Seções Judiciárias, que
têm sede (no mínimo) nas Capitais dos Estados e no Distrito Federal (art. 110
da CF/88).Já a justiça estadual divide-se em Comarcas, as quais podem
abranger um ou mais Municípios.
O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça, a seu turno,
exercem jurisdição em todo o território nacional (art. 92, § 2º, da CF/88); os
Tribunais de Justiça exercem a jurisdição nos limites dos Estados federados
em que se encontrarem.
Quanto à justiça federal de segundo grau, há cinco Tribunais Regionais
Federais, que exercem a jurisdição dentro das regiões respectivas. O Tribunal
Regional Federal da 3ª Região, por exemplo, instalado na Cidade de São
Paulo, abrange os Estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul.
6. Conselho Nacional de Justiça
O Conselho Nacional de Justiça foi instituído em dezembro de 2004, pela
Emenda Constitucional n. 45, com o objetivo de “estabelecer um controle
centralizado das atividades administrativas, financeiras e disciplinares
exercidas pelos órgãos do Poder Judiciário, no território nacional, sob o
aspecto da legalidade”94.
As atribuições do Conselho são de cunho administrativo (art. 103-B, § 4º,
da CF), vale dizer, o CNJ integra a estrutura do Poder Judiciário (art. 92, I-A,
da CF), mas não possui função jurisdicional.
Tanto é assim que as decisões proferidas por esse órgão não se revestem
do atributo da imutabilidade, não havendo falar, portanto, em coisa julgada
material. Podem elas, portanto, ser atacadas judicialmente através de ação
autônoma, cuja competência é originária do Supremo Tribunal Federal
(CF/88, art. 102, I, r)95-96. Deve-se ter presente que o Conselho Nacional de
Justiça é órgão do próprio Poder Judiciário, a ele está integrado, compondo a
sua estrutura, de modo que a sua criação de modo algum ofendeu o princípio
da tripartição dos poderes (melhor dizendo, funções estatais do poder), caso
em que se poderia dizer que a EC 45/2004 teria violado o art. 60, § 4º, III, do
Texto Maior97. Ademais, é pertinente lembrar que o Conselho Nacional de
Justiça não tem atribuições judicantes.
Há quem diga que o Conselho Nacional de Justiça interfere no pacto
federativo98. Isso porque o Conselho Nacional de Justiça restringiria a
manutenção da autonomia dos Estados-membros no que tange às suas
respectivas organizações judiciárias, além de impor uma subordinação
hierárquica administrativa, orçamentária, financeira e disciplinar do Poder
Judiciário dos Estados a esse órgão.
Assim não nos parece. Isso porque o Conselho Nacional de Justiça é órgão
nacional, ou seja, não é órgão vinculado a determinada pessoa política, seja à
União ou aos Estados Federados.
Compartilha dessa nossa opinião Luís Roberto Barroso, que nos seguintes
e bem colocados termos esclarece: “O CNJ é órgão nacional e não do ente
central ou de qualquer dos entes locais, de modo que não há subordinação das
estruturas estaduais do Judiciário a um ente central. De toda sorte, o conteúdo
essencial do princípio da forma federativa de Estado relaciona-se com a
autonomia dos entes federados – definida pela Constituição Federal – e com a
participação deles na formação da vontade dos órgãos nacionais, elementos
que em nada são afetados pela criação do CNJ”99.
Cumpre, neste passo, lembrar que a Lei Complementar n. 35/79 previa um
conselho similar que, todavia, possuía funções mais limitadas, com
atribuições restritas ao âmbito dos poderes correicionais (art. 50 e s. da LC
35/79, não recepcionados pela CF/88).
O Conselho Nacional de Justiça é órgão jurisdicional híbrido, vale dizer,
composto por membros que representam os diversos estamentos da Justiça,
incluindo-se aí dois cidadãos “de notável saber jurídico e reputação ilibada,
indicados um pela Câmara dos Deputados e outro pelo Senado Federal”100.
Segundo o art. 103-B, I a XIII, da Carta Maior, o Conselho é composto de
quinze membros, sendo eles nove Magistrados, dois membros do Ministério
Público, dois advogados e, como se disse, dois cidadãos101.
IV
FUNÇÕES ESSENCIAIS À JUSTIÇA
E AUXILIARES DA JUSTIÇA
1. O Ministério Público
Ministério Público, segundo José Frederico Marques, é “o órgão através
do qual o Estado procura tutelar, com atuação militante, o interesse público e
a ordem jurídica, na relação processual e nos procedimentos de jurisdição
voluntária. Caracteriza-se como instituição permanente, essencial à função
jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do
regime democrático e dos interesses sociais e individuais”102.
Desde logo, nota-se que o Ministério Público, seja na esfera criminal (em
que, como regra, detém a titularidade da ação penal, a teor do art. 129, I, da
CF/88), seja no âmbito civil, deve ser desvinculado dos Poderes Executivo,
Legislativo e Judiciário, para que realmente possa atuar com independência,
zelando pelo interesse público e pela ordem jurídica.
Até o advento da Constituição de 1988, no entanto, o Ministério Público
vinha encartado dentro do Poder Executivo, cabendo ao Ministério Público
Federal também a representação da União (que hoje compete à Advocacia-
Geral da União – art. 131 da CF/88). Essa anomalia, que se explica por
motivos históricos, e que deita suas raízes na época da Revolução Francesa,
foi corrigida com o advento da vigente Constituição Federal, que colocou o
Ministério Público ao lado do Poder Judiciário, como organismo essencial à
Justiça.
A independência do Ministério Público em relação ao Poder Executivo é,
por exemplo, evidenciada do teor do art. 128, § 2º, da CF/88, segundo o qual
a destituição, pelo Presidente da República, do Chefe do Ministério Público
Federal – o Procurador-Geral da República – haverá de ser precedida de
autorização da maioria absoluta do Senado Federal.
Com efeito, nem sempre o interesse perseguido pela pessoa jurídica de
direito público é legítimo e o Ministério Público, tendo de falar por esta e, de
outro lado, incumbindo-lhe zelar pelo interesse público e pela ordem jurídica,
muitas vezes encontrava-se sem alternativa, haja vista o potencial conflito
entre ambos.
A Constituição Federal de 1988 corrigiu essa distorção histórica e cuidou
de expressamente vedar, no art. 129, IX, que os membros do Ministério
Público exerçam “a representação judicial e a consultoria jurídica de
entidades públicas”.
O Ministério Público, no processo civil, pode atuar como parte103 ou como
fiscal da ordem jurídica (custos legis), nos termos dos arts. 177 e 176 do
CPC, respectivamente.
Caberá ao Ministério Público atuar como parte, desde que tal atuação
esteja em conformidade com suas atribuições constitucionais, conforme
disposto no art. 177. Este dispositivo refere-se exclusivamente ao exercício
do direito de ação, contudo, logicamente, sempre que atuar como fiscal da
ordem jurídica a sua atuação deverá estar em conformidade com suas
atribuições constitucionais e não apenas quando exerce o direito de ação. De
acordo com o art. 178, caput, do CPC, cabe ao Ministério Público atuar como
fiscal da ordem jurídica nas hipóteses previstas na lei ou na Constituição,
além das hipóteses dos incisos I a III deste mesmo artigo. Aqui vale apontar
que o art. 129 da Constituição prevê um rol exemplificativo das funções
institucionais do Ministério Público, conforme se denota da redação do inciso
IX deste dispositivo, que permite ao Ministério Público “exercer outras
funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade,
sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de
entidades públicas”. Assim, a legislação infraconstitucional pode ampliar as
atribuições do Ministério Público, tanto no que se refere ao exercício do
direito de ação quanto ao que se refere às causas em que deve atuar como
fiscal da ordem jurídica, desde que em conformidade com a sua finalidade
prevista constitucionalmente.
Quando atua como fiscal da ordem jurídica, o membro do Ministério
Público não tem compromisso com nenhuma das partes, cabendo-lhe, apenas,
zelar pela ordem pública e pelo bem comum.
Veja-se, por exemplo, que, na hipótese do inciso II do art. 178, cabe ao
Ministério Público intervir como fiscal da lei sempre que estiveremem jogo
interesses de incapazes (relativa ou absolutamente incapazes). Isso não
significa que deva o membro do Ministério Público opinar necessariamente
de forma favorável ao interesse do incapaz, devendo, acima de tudo, opinar
pela prevalência da ordem jurídica.
Quando intervém na qualidade de fiscal da ordem jurídica, o Ministério
Público poderá “produzir provas, requerer as medidas processuais pertinentes
e recorrer”, nos exatos termos do inciso II do art. 179. Poderá o órgão do
Ministério Público recorrer não apenas nas hipóteses em que atue como parte,
mas também quando funcione como fiscal da ordem jurídica (art. 996, caput).
Aliás, como fiscal da ordem jurídica, o órgão do Ministério Público poderá
também requerer tutela provisória104.
Alguns exemplos de hipóteses em que o Ministério Público pode figurar
como parte estão previstos no art. 967, III, a a c, do CPC. Segundo o
dispositivo em questão, o Ministério Público tem legitimidade para propor a
ação rescisória “a) se não foi ouvido no processo em que lhe era obrigatória a
intervenção; b) quando a decisão rescindenda é o efeito de simulação ou de
colusão das partes, a fim de fraudar a lei; c) em outros casos em que se
imponha sua atuação”. A hipótese prevista na alínea c não era prevista pelo
art. 487, III, do CPC/73. A inovação do CPC/2015 abarca as hipóteses em
que o Ministério Público foi ouvido no processo. Portanto, enquanto a alínea
a atribui legitimidade ao Ministério Público para propositura da ação
rescisória contra a decisão proferida em processo em que deveria ter sido
ouvido, mas não foi, a alínea c atribui legitimidade para o Ministério Público
propor ação rescisória nos processos em que foi ouvido. Evidentemente,
nesta última hipótese, a manifestação do Ministério Público no processo em
que foi prolatada a decisão deverá ter sido contrária ao que fora decidido, sob
pena do Ministério Público carecer de interesse processual na ação rescisória.
Conforme previsto no art. 178 do CPC, o Ministério Público deve figurar
como fiscal da ordem jurídica nas hipóteses previstas em lei ou na
Constituição Federal e nos processos que envolvam: “I – interesse público ou
social; II – interesse de incapaz; III – litígios coletivos pela posse de terra
rural ou urbana”. Caso referidas hipóteses estejam presentes em ação
rescisória, o Parquet também será intimado para intervir como fiscal da
ordem jurídica, nos termos do art. 967, parágrafo único, do CPC.
Os incisos II e III do art. 178 não ensejam maiores discussões. A hipótese
do inciso I, todavia, merece maior reflexão. Diz esse dispositivo que cabe ao
Ministério Público intervir como custos legis sempre que houver interesse
público ou social.
A técnica de que o legislador se utilizou no caso do inciso I é diversa
daquela que empregou nos incisos II e III. Enquanto nestes dois enumerou
taxativamente as hipóteses em que tem cabimento a intervenção do
Ministério Público, no terceiro empregou aquilo que, em teoria geral do
direito, se denomina conceito vago (“interesse público ou social”)105-106. Já
decidiu o Superior Tribunal de Justiça que a aferição de interesse público
para efeito de intervenção do Ministério Público pode ser objeto de controle
pelo Judiciário, ainda que o Judiciário não possa impor a atuação ao
Ministério Público107-108.
A jurisprudência, à luz do CPC/73, já entendia, com acerto, que o interesse
público não se confundia com aquele da Fazenda Pública109, e que, mesmo
quando fossem partes pessoas jurídicas de direito público, o Ministério
Público não precisaria opinar em seu favor, senão que lhe incumbia zelar pela
correta aplicação da lei110. Nesse sentido, já apontava a melhor doutrina,
Arruda Alvim111, Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e
Cândido Dinamarco112. Adotando esse entendimento, o legislador previu no
parágrafo único do artigo 178 do CPC vigente que: “A participação da
Fazenda Pública não configura, por si só, hipótese de intervenção do
Ministério Público”.
Algumas hipóteses que se amoldavam à previsão normativa do inciso III
do art. 82 do CPC/73 – parcialmente correspondente ao art. 178, I, do CPC
vigente –, no que se refere à existência de interesse público, eram: ações de
desapropriação de grande repercussão social113-114, ações acidentárias115,
ações em que se discute a validade de registro público116 etc.
O Ministério Público, então, segundo se viu, é instituição independente,
vocacionada à “defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos
interesses sociais e individuais indisponíveis” (art. 127, caput, da CF/88). É
independente tanto em relação ao Executivo como em relação ao Judiciário.
Nesse contexto, vale referir a atuação do Ministério Público na qualidade
de legitimado para a propositura de ações coletivas (compreendidas como as
demandas para a tutela de interesses difusos, coletivos e individuais
homogêneos, tais como conceituados no art. 81, parágrafo único, incisos I, II
e III, respectivamente, do Código do Consumidor), que serão objeto de
estudo mais acurado adiante. Tal possibilidade vem prevista no seio do
próprio texto constitucional, pois, conforme o art. 129, III, é função
institucional do Ministério Público a propositura de ação civil pública para a
proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros
interesses difusos e coletivos, e também em diversos textos legais (a título
exemplificativo podem ser referidos o art. 82, I, da Lei n. 8.078/90 – Código
do Consumidor, e o art. 5º, I, da Lei n. 7.347/85 – Lei da Ação Civil Pública).
A teor do que dispõe o art. 127, caput, da Constituição Federal, o
Ministério Público somente pode agir nos casos em que se fazem presentes o
interesse social ou, tratando-se de interesse individual, seja este indisponível.
Diz-se expressamente neste texto: “O Ministério Público é instituição
permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a
defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e
individuais indisponíveis”. O Código de Processo Civil vigente reproduziu a
previsão constitucional em seu art. 176: “O Ministério Público atuará na
defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses e direitos
sociais e individuais indisponíveis”. Nesse sentido, as palavras de Hugo
Nigro Mazzilli: “Como ficará demonstrado neste trabalho, em suas atividades
institucionais o Ministério Público sempre busca um interesse público – mais
propriamente o interesse público primário, a que já nos vimos referindo. Ora,
a Constituição destina o Ministério Público, de forma prioritária, ao zelo dos
mais graves interesses da coletividade, ou seja, o dos interesses sociais e
individuais indisponíveis. Em outras palavras, ora o interesse a zelar se
relaciona de modo indeterminado com toda a coletividade, ora está ligado a
pessoas determinadas, mas sempre na medida em que isto consulte o
interesse geral e desde que observada a norma de compatibilidade prevista no
inc. IX do art. 129 da Constituição Federal”117-118.
Por isso mesmo, Hugo Nigro Mazzilli, com respeito à legitimidade do
órgão do Ministério Público para a propositura da ação civil pública, afirma
com pertinência: “Interpretando conjuntamente o inc. III do art. 129 com a
norma de destinação institucional (art. 127), torna-se claro que o Ministério
Público terá ação civil pública na defesa de interesse difuso ou coletivo, bem
como na defesa de interesses sociais e individuais indisponíveis”119.
A leitura que deve ser feita da extensão do que sejam interesses
indisponíveis compreende determinadas hipóteses que, em si mesmas, i.e.,
isoladamente consideradas, são representativas de interesses disponíveis.
Assim, o assunto de mensalidades escolares. Se os que a essas estão ligados
formam um grupo, uma categoria ou classe de pessoas, aceita-se, então, que,
nessa estrutura plural, ampla e “coletiva”, tais interesses passem a ser havidos
como indisponíveis, justificando a legitimidade do Ministério Público120.
Sempre que o Ministério Público tiver de intervire não for intimado, isso
será causa de nulidade do processo. Nestes termos, o caput do art. 279 do
CPC: “É nulo o processo quando o membro do Ministério Público não for
intimado a acompanhar o feito em que deva intervir”. O § 1º deste mesmo
artigo determina que a nulidade deverá ser decretada a partir do momento
processual em que devesse ter havido a intimação do órgão Ministério
Público.
Para que se decrete a nulidade, todavia, é preciso que se tenha em conta o
prejuízo dela decorrente. Assim é que os Tribunais têm entendido que não se
há de decretar a nulidade se, a despeito da ausência do órgão do Ministério
Público, a causa foi decidida a favor daquela cuja presença no processo
tivesse justificado a intervenção do Ministério Público121. Tal orientação
jurisprudencial encontrava respaldo no art. 249, § 2º, do CPC/73 e encontra
agora no art. 282, § 2º, do CPC/2015: “Quando puder decidir do mérito a
favor da parte a quem aproveite a decretação da nulidade, o juiz não a
pronunciará nem mandará repetir o ato ou suprir-lhe a falta”. Nessa mesma
linha, o legislador, ao elaborar o Código vigente, previu no art. 279, § 2º, que
a nulidade decorrente da falta de intimação do Ministério Público só pode ser
decretada após a intimação deste para que se manifeste sobre a existência ou
a inexistência de prejuízo.
Junto ao aparelho judiciário federal funciona o Ministério Público Federal.
Nos Estados, temos o Ministério Público Estadual, chefiado pelo respectivo
Procurador-Geral de Justiça. Os membros do Ministério Público Estadual em
primeiro grau denominam-se Promotores de Justiça; em segundo,
Procuradores de Justiça. No âmbito do Distrito Federal, temos o Ministério
Público do Distrito Federal. O Ministério Público da União, que compreende
o Federal, o do Distrito Federal e Territórios, o Militar e o do Trabalho, tem
como órgão máximo o Procurador-Geral da República. São as seguintes as
principais leis que estruturam o Ministério Público: no âmbito federal, a Lei
Complementar n. 75, de 1993, que dispõe sobre a organização, as atribuições
e o estatuto do Ministério Público da União, e a lei federal destinada ao
espectro estadual, a de 8.625, de 12 de fevereiro de 1993, que institui a Lei
Orgânica Nacional do Ministério Público e dispõe sobre normas gerais para a
organização do Ministério Público dos Estados. No Estado de São Paulo,
refira-se a Lei Complementar Estadual n. 734/93.
Os membros do Ministério Público possuem as mesmas garantias que os
magistrados, ou seja, vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de
subsídios, de acordo com o art. 128, § 5º, I, a, b e c, da CF/88, com a
alteração das Emendas Constitucionais 19/98 e 45/2004122-123.
Ao lado disso, o Ministério Público apresenta autonomia funcional e
administrativa (art. 127, § 2º, da CF/88), sendo estruturado em carreira, na
qual se tem ingresso mediante concurso público de provas e títulos.
O Ministério Público é informado por dois princípios, o da independência,
segundo o qual cada membro age segundo sua própria consciência jurídica,
sem estar subordinado seja ao Executivo, seja ao Judiciário124, seja mesmo
aos órgãos superiores da própria instituição, e o da unidade, segundo o qual
os diversos membros fazem parte de uma só corporação e agem em nome
dela. De acordo com Paulo Cezar Pinheiro Carneiro, “por este princípio
entende-se que o Ministério Público se constitui de um só organismo, uma
única instituição. Quando um membro do parquet atua, quem na realidade
está atuando é o próprio Ministério Público (...) não é possível dissociar o
órgão da instituição: aquele faz esta atuar. Assim como não se pode dissociar
o membro do órgão, aquele é parte integrante deste; juntos formam um só
todo”125.
2. A advocacia pública
Tal como afirmado, anteriormente à Constituição de 1988, ao Ministério
Público Federal cumpria a função de representar a União em juízo, conforme
expressamente previsto no art. 138, § 2º, da CF/67. Com a EC/69, a previsão
de representação da União pelo Ministério Público Federal se tornou
implícita, contudo, ainda havia previsão expressa da possibilidade de a União
ser representada em juízo pelo Ministério Público estadual, nas comarcas do
interior (art. 95, § 2º, da CF/67, com a redação atribuída pela Emenda n.
1/69).
Essa anomalia foi corrigida pela Constituição Federal de 1988, que elevou
o Ministério Público à condição de órgão essencial à Justiça e criou a
Advocacia-Geral da União126, cuja função é representar a União judicial e
extrajudicialmente (art. 131, caput, da CF/88). Embora o art. 131, § 3º, da
CF/98 atribua a representação da União à Procuradoria-Geral da Fazenda
Nacional, quando se tratar de execução de dívida ativa de natureza tributária,
nem por isso, neste caso, a União não será representada pela Advocacia-Geral
da União, uma vez que este órgão abrange a Procuradoria-Geral da Fazenda
Nacional (art. 2º, I, b), da Lei Complementar n. 73/93). A Constituição
Federal de 1988 também previu a figura do Procurador dos Estados e do
Distrito Federal, cuja função é a representação judicial e a consultoria jurídica
das unidades federadas (art. 132, caput, da CF/88). Em relação à
representação judicial e extrajudicial dos Municípios, a Constituição Federal
de 1988 nada dispôs a respeito. A despeito da ausência de previsão dos
procuradores do Município na seção II, “Da Advocacia Pública” (arts. 131 e
132), da Constituição Federal, havendo procurador ou procuradoria do
Município, é certo que tal agente e órgão integrarão a advocacia pública, em
razão de suas funções, que serão as mesmas dos procuradores dos Estados e
dos advogados da União – representar o ente federativo.
De acordo com o art. 182 do CPC, é incumbido à Advocacia Pública, na
forma da lei, defender e promover os interesses públicos da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, por meio da representação
judicial, em todos os âmbitos federativos, das pessoas jurídicas de direito
público que integram a administração direta e indireta.
O art. 75, I, do CPC prevê que a União será representada em juízo, ativa e
passivamente, pela Advocacia-Geral da União. O art. 75, II, do CPC, por sua
vez, determina que a representação em juízo dos Estados e do Distrito
Federal será realizada por seus procuradores e o inciso III deste dispositivo
prevê a representação em juízo dos Municípios pelo respectivo prefeito ou
pelos seus procuradores. Por fim, o inciso IV do art. 75 previu a
representação em juízo das autarquias e fundações de direito público por
quem a lei do ente federado designar. Aqui, a título de exemplo, podemos
mencionar a Lei n. 10.480/2002, que criou a Procuradoria-Geral Federal, a
quem incumbiu a função de representação judicial e extrajudicial das
autarquias e fundações públicas federais, conforme disposto em seu art. 10.
Em todos esses casos não será necessária a juntada do instrumento de
mandato na petição inicial, uma vez que a representação em juízo decorre
diretamente de normas previstas na Constituição Federal ou em normas
previstas infraconstitucionalmente, a teor do disposto no art. 287, III, do
CPC. Aqui vale registrar que, embora o referido dispositivo refira-se à
petição inicial, a sua disposição é perfeitamente aplicável em se tratando de
contestação e demais atos do processo127.
O art. 138, caput, do CPC atribui prazo em dobro para todas as
manifestações processuais da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos
Municípios e de suas respectivas autarquias e fundações de direito público.
Neste ponto, vale destacar uma alteração legislativa operada pelo CPC
vigente. O art. 188 do CPC/73 previa que “Computar-se-á em quádruplo o
prazo para contestar e em dobro para recorrer quando a parte for a Fazenda
Pública ou o Ministério Público”. Esta regra se estendia às autarquias e
fundações públicas por força no disposto no art. 10 da Lei n. 9.469/97, que
previa a aplicação do revogado art. 188 à essas entidades. Contudo, com a
redação do caput do art. 138 do CPC/2015, em regra, há agora um padrão nos
prazos para asmanifestações dos entes federativos e de suas autarquias e
fundações de direito público.
Apenas na hipótese de haver prazo expressamente previsto para um desses
entes é que não haverá prazo em dobro (art. 183, § 2º, do CPC), como ocorre,
por exemplo, com prazo para o Advogado-Geral da União prestar
informações na ação direta de inconstitucionalidade, que é, por previsão
expressa, de 15 dias (art. 12 da Lei n. 9.868/99).
As intimações dos entes federativos e de suas respectivas autarquias e
fundações de direito público deverão ser pessoais (art. 183, caput, do CPC),
devendo ser realizadas por carga, remessa ou meio eletrônico (art. 183, § 1º,
do CPC).
O CPC determina que os entes federativos e as entidades da administração
indireta mantenham cadastro nos sistemas de processos em autos eletrônicos,
para efeito de recebimento de citações e intimações, que deverão,
preferencialmente, ser realizadas por este meio, conforme art. 246, §§ 1º e 2º,
sendo tal disposição aplicável ao Ministério Público, à defensoria pública e à
advocacia pública, a teor do disposto no art. 270, parágrafo único, do CPC.
Para tanto, o parágrafo único do art. 1.050 do CPC previu um prazo de 30
dias, contados da data da entrada em vigor do CPC, para que a União, os
Estados, o Distrito Federal, os Municípios, suas respectivas entidades da
administração indireta, o Ministério Público, a Defensoria Pública e a
Advocacia Pública se cadastrassem perante a administração do tribunal no
qual atuem para cumprimento do disposto nos arts. 246, § 2º, e 270. O art.
1.051 do CPC, por sua vez, determina que as empresas públicas e privadas
devem se cadastrar nos sistemas de processos em autos eletrônicos, para a
realização de citação e intimação, no prazo de 30 dias, a contar da data de
inscrição do ato constitutivo da pessoa jurídica, perante o juízo onde tenham
sede ou filial. Contudo, o CPC não prevê nenhuma sanção para o
descumprimento do previsto nos arts. 1.050 e 1.051, o que pode tornar esses
dispositivos pouco efetivos.
Caso o membro da advocacia pública aja com dolo ou fraude no exercício
de suas funções, ele será civil e regressivamente responsável (art. 184 do
CPC).
3. O advogado
A figura do advogado vem tratada no art. 133 da CF/88, em que se estatui
ser a advocacia indispensável à administração da justiça, o que também vem
estatuído no art. 2º da Lei n. 8.906/94, que dispõe sobre o Estatuto da
Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Advogado é o
bacharel em direito regularmente inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil
(art. 3º da Lei n. 8.906/94). Pode postular em nome do cliente judicial ou
extrajudicialmente (art. 5º da Lei n. 8.906/94), além de poder postular em
causa própria.
De fato, o advogado pode representar seu cliente tanto perante o Poder
Judiciário como diante da Administração Pública128. Sua atividade é regida
em parte pelo direito privado (no que diz respeito ao contrato de mandato
firmado entre o cliente e o advogado)129, mas também pelo direito público,
quando se enfoca a atividade do advogado diante do Poder Judiciário.
Como regra quase absoluta, as partes só poderão postular em juízo através
de seus advogados (art. 103 do CPC e art. 1º, I, da Lei n. 8.906/94). É o que
se denomina capacidade postulatória130. Tal regra aplica-se também ao réu,
que só poderá defender-se por intermédio de advogado, embora fique sujeito
aos efeitos do processo pela citação válida (art. 239). Há algumas poucas
exceções à regra de que só é possível postular em juízo por meio de
advogado, como, por exemplo, o habeas corpus, a teor do art. 1º, § 1º, da Lei
n. 8.906/94 (Estatuto da OAB), e a atuação perante a Justiça do Trabalho (art.
791 da CLT)131. Aqui, vale apontar que o art. 36 do CPC/73 autorizava que a
parte, ainda que não fosse inscrita na Ordem dos Advogados, postulasse em
causa própria, no caso de falta de advogado no lugar (comarca) em que se
encontrasse ou de impedimento dos que ali se encontrassem. Contudo, essa
exceção não está prevista pelo CPC vigente, de modo que não é mais possível
a postulação, nesta hipótese, sem o preenchimento do requisito da capacidade
postulatória.
A Lei n. 8.906/94, em seu art. 1º, I, ao utilizar os termos “qualquer órgão
do Poder Judiciário e aos juizados especiais” continha a exigência da
presença de advogado também perante os juizados especiais (antigos juizados
de pequenas causas). Suspensa tal exigência pelo Supremo Tribunal
Federal132, veio restabelecida na Lei n. 9.099/95 (art. 9º), mas apenas para
causas cujo valor seja superior a 20 salários mínimos. Desse modo, é
dispensada a presença de advogado, nos Juizados Especiais Cíveis, no âmbito
estadual, para todas as causas cujo valor seja inferior a 20 salários mínimos.
Para recorrer, contudo, no âmbito dos Juizados Especiais Estaduais, é
obrigatória a representação da parte, em tal hipótese, pelo advogado (art. 41,
§ 2º, da Lei n. 9.099/95).
A Lei n. 10.259/2001, que instituiu os Juizados Especiais Cíveis e
Criminais no âmbito federal, prevê em seu art. 10 que “as partes poderão
designar, por escrito, representantes para a causa, advogado ou não”.
Aparentemente este dispositivo não regula a capacidade postulatória no
âmbito dos juizados especiais federais, mas sim o instituto da representação,
com vistas a permitir o mais amplo acesso a esses juizados133. Contudo, o
Supremo Tribunal Federal, ao julgar a ADIn 3.168, ajuizada pelo Conselho
Federal da OAB, reputou que o dispositivo em questão regula a capacidade
postulatória no âmbito dos Juizados Especiais Federais, não a representação.
Neste julgamento a Suprema Corte julgou constitucional o referido art. 10,
afastando apenas a sua aplicação aos processos que tramitam nos Juizados
Especiais Criminais Federais, tornando, portanto, obrigatória a presença de
advogado atuando em favor dos réus nos processos que tramitam nestes
juizados. Na ocasião, em razão da discussão a respeito da aplicação
subsidiária do art. 9 da Lei n. 9.099/95, que impõe um teto de 20 salários
mínimos para que as partes possam, no âmbito dos Juizados Especiais
Estaduais, postular sem a presença de advogado, também foi suscitada a
questão acerca do valor máximo da ação para que as partes possam, nos
Juizados Especiais Cíveis Federais, postular em causa própria ou designar
representantes não advogados, ficando decidido que o limite do valor da ação
é de sessenta salários mínimos, ou seja, em qualquer causa que tramite nos
Juizados Especiais Cíveis Federais a parte poderá atuar sem advogado –
postulando em causa própria ou mediante representante não inscrito na
Ordem dos Advogados –, uma vez que este é o limite para que a ação possa
ser processada por esses órgãos do Poder Judiciário (art. 3º da Lei n.
10.259/2001)134.
Em regra, não é admitido ao advogado postular em juízo sem que faça
prova do mandato (art. 104, caput, 1ª parte, do CPC e art. 5º, caput, da Lei n.
8.906/94). Entretanto, excepcionalmente, para evitar preclusão, decadência
ou prescrição, ou ainda para praticar ato considerado urgente, o advogado
poderá atuar perante o Judiciário sem instrumento de mandato (art. 104,
caput, 2ª parte), mas, nessas hipóteses, deverá providenciar sua juntada no
prazo de 15 dias, prorrogáveis por mais 15 (art. 104, § 1º, do CPC e art. 5º, §
1º da Lei n. 8.906/94). Não sendo realizada a juntada do instrumento de
mandato neste prazo – incluindo aqui a eventual prorrogação –, diz o Código
que o ato não ratificado será ineficaz relativamente àquele em cujo nome foi
praticado e o advogado responderá pelas despesas processuais e por perdas e
danos (art. 104, § 2º). Parece-nos, todavia, que, rigorosamente, o ato
praticado, nessa hipótese, não poderá ser tido como juridicamente existente,
havendo, a nosso juízo, imprecisão terminológica na lei processual.
Há também casos em que se dispensa a apresentação do instrumento de
mandato sem que seja necessária a sua juntada posteriormente, conforme
prevê o art. 287, II e III, do CPC, segundo o qual se dispensa a juntada do
instrumento de mandato se a parte estiverrepresentada pela Defensoria
Pública ou se a representação decorrer diretamente de norma prevista na
Constituição ou em lei.
O mandato poderá ser conferido ao advogado por instrumento público ou
particular (art. 105, 1ª parte, do CPC). Apenas para a procuração dada por
aqueles que não tenham condições de assinar o nome será exigido
instrumento público135. O mandato judicial com poderes ad judicia
(procuração geral para o foro) habilita o advogado a praticar todos os atos do
processo, salvo aqueles previstos na parte final do art. 105 do CPC, que, por
sua relevância, necessitam de poderes específicos. Segundo o mencionado
artigo, são necessários poderes especiais para os seguintes atos: receber
citação, confessar, reconhecer a procedência do pedido, transigir, desistir,
renunciar ao direito o qual se funda a ação, receber, dar quitação, firmar
compromisso e assinar declaração de hipossuficiência econômica.
Conforme explicado, ao advogado incumbe a função de representar a parte
em juízo (judicialmente), sendo indispensável que esteja regularmente
inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil, a teor do art. 3º da Lei n.
8.906/94. Os atos privativos de advogado praticados por pessoa não inscrita
na OAB serão nulos, conforme o disposto no art. 4º, caput, da Lei n.
8.906/94. Igualmente são nulos os atos praticados por advogado impedido, no
âmbito deste impedimento, suspenso, licenciado ou que passar a exercer
atividade incompatível com a advocacia.
A Lei n. 9.806/94 e o CPC preveem uma série de prerrogativas aos
advogados. Tais prerrogativas se justificam na medida em que são
instrumentos para que os advogados possam exercer sua função. Aqui vale
apontar que o advogado presta serviço público e exerce função social (art. 2º,
§ 2º, da Lei n. 9.806/94), sendo que seus atos constituem múnus públicos (art.
2º, § 1º, da Lei n. 9.806/94), o que justifica a atribuição a ele de determinadas
prerrogativas.
O advogado tem direito a examinar, em cartório de fórum e secretaria de
tribunal, mesmo sem procuração, autos de qualquer processo,
independentemente da fase de tramitação, assegurados a obtenção de cópias e
o registro de anotações (art. 107, I, 1ª parte, do CPC), inclusive quando se
tratar de processo que tramite em autos eletrônicos, conforme prevê o § 5º do
art. 107, acrescido pela Lei n. 13.793/2019). Contudo, tal direito é limitado
quando há segredo de justiça, hipótese em que apenas o advogado constituído
poderá ter acesso aos autos (art. 107, I, 2ª parte, e art. 189, § 1º, ambos do
CPC). Ou seja, somente o advogado constituído poderá consultar os autos do
processo se: o interesse público ou social exigir o sigilo; ele versar sobre
casamento, separação de corpos, divórcio, separação, união estável, filiação,
alimentos e guarda de crianças e adolescentes; nele constar dados protegidos
pelo direito constitucional à intimidade; ele versar sobre arbitragem, inclusive
sobre cumprimento de carta arbitral, desde que a confidencialidade estipulada
na arbitragem seja comprovada perante o juízo (art. 189, I a IV, do CPC).
Também é assegurado o direito de o advogado requerer, na qualidade de
procurador, vista dos autos de qualquer processo, pelo prazo de 5 dias,
conforme o art. 107, II, do CPC. Ou seja, poderá o advogado, sempre que
estiver constituído nos autos como procurador, pedir vista pelo prazo de 5
dias. Sendo deferido o pedido, o advogado poderá retirar os autos do cartório
por este prazo. O inciso III do art. 107, por sua vez, assegura ao advogado o
direito de “retirar os autos do cartório ou da secretaria, pelo prazo legal,
sempre que neles lhe couber falar por determinação do juiz, nos casos
previstos em lei”. Aqui a lei foi clara no sentido de que é direito retirar os
autos do cartório e não meramente requerer vista, como fez no inciso II do
art. 107. Na hipótese do art. 107, II, a vista dependerá da apreciação do juiz,
no caso do art. 107, III, é assegurado ao advogado o direito de retirar do
cartório ou da secretaria os autos do processo em que deverá se manifestar.
O advogado só não terá este direito assegurado pelo art. 107, III, se for
caso de prazo comum, hipótese em que poderá retirar os autos para obtenção
de cópias, pelo prazo de 2 a 6 horas, independentemente de ajuste e sem
prejuízo da continuidade do prazo, a teor do disposto no art. 107, § 3º. O
advogado perderá o direito previsto no art. 107, § 3º, caso se valha deste
dispositivo e não devolva os autos tempestivamente, isto é, dentro do limite
de 6 horas, salvo ampliação pelo juiz.
Havendo prazo comum e ajuste entre os advogados, se os autos forem
retirados por um dos advogados e não forem devolvidos no prazo ajustado,
será caso de aplicação do caput do art. 221, devendo ser restituído o prazo ao
advogado que não teve oportunidade de consultar os autos.
A Lei n. 9.806/94 também assegura aos advogados os honorários
advocatícios, que, segundo seu art. 22, podem ser de três espécies:
convencionais (contratuais); sucumbências ou; arbitrados judicialmente.
Os honorários convencionais são os decorrentes do contrato firmado entre
o advogado e o cliente, usualmente formalizado mediante um contrato
escrito. Assim, os honorários convencionais são uma contraprestação prevista
contratualmente pelos serviços contratados. Embora sejam fixados de acordo
com a vontade das partes, os honorários convencionais não podem ser
inferiores aos valores fixados pelo Conselho Seccional da OAB na tabela de
honorários (art. 58, V, da Lei n. 9.806/94), sob pena de infração ética
disciplina, punível com a pena de censura (art. 36, II, da Lei n. 8.906/94).
Caso não sejam estipulados os honorários advocatícios, poderá ser
proposta ação com objetivo de fixar os honorários advocatícios, ocasião em
que haverá arbitramento pelo juiz, em remuneração compatível com o
trabalho e o valor econômico da questão, não podendo o valor dos honorários
do advogado ser inferior ao estabelecido na referida tabela organizada pelo
Conselho Seccional da OAB (art. 22, § 3º, do CPC). Esta é a espécie de
honorários arbitrados judicialmente.
Há ainda os honorários sucumbenciais, que são devidos ao advogado do
vencedor. Conforme prevê o art. 85, caput, do CPC, “A sentença condenará o
vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor”. Da redação deste
dispositivo não decorre apenas o dever de o vencido pagar os honorários do
advogado do vencedor, mas também a desnecessidade de que haja pedido de
condenação na petição inicial, uma vez que a condenação ao pagamento dos
honorários está prevista em lei.
No regime do CPC/73 se firmou no STJ orientação no sentido de que, se a
sentença, transitada em julgado, não possuísse nenhuma condenação a título
de honorários, não seria possível, posteriormente, na execução ou em ação
autônoma a cobrança dos honorários sucumbenciais. É o que se previa
expressamente na Súmula 453 do STJ: “Os honorários sucumbenciais,
quando omitidos em decisão transitada em julgado, não podem ser cobrados
em execução ou em ação própria”. Contudo, o art. 85, § 18, do CPC vigente,
superando o entendimento do STJ, dispõe expressamente que “Caso a decisão
transitada em julgado seja omissa quanto ao direito aos honorários ou ao seu
valor, é cabível ação autônoma para sua definição e cobrança”.
Valendo-se o advogado da parte vencedora dessa ação autônoma, também
será caso de honorário advocatício por arbitramento. Nesta toada, cumpre
registrar que, embora esses honorários sejam arbitrados judicialmente, não se
confundem com os honorários advocatícios fixados por arbitramento em
razão da ausência de contrato (art. 22, § 2º, da Lei n. 8.906/94). Sendo assim,
é possível concluir que, atualmente, é possível que tanto os honorários
convencionais quanto os sucumbenciais sejam arbitrados judicialmente.
Contudo, nem por isso eles perdem a sua natureza jurídica. Os honorários
sucumbenciais são devidos pela parte vencida ao advogado da parte
vencedora, enquanto que os convencionais são devidos pela parte ao
advogado que a representou, cada um possuindo seu regramento no
ordenamentojurídico.
O valor dos honorários sucumbenciais deverá ser fixado pelo juiz entre o
valor mínimo de 10% e máximo de 20% sobre o valor da condenação, do
proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor
atualizado da causa (art. 85, § 2º, do CPC). Ao fixar este porcentual o juiz
deverá ter como critério o grau de zelo do profissional, o lugar da prestação
do serviço, a natureza e a importância da causa, o trabalho realizado pelo
advogado e o tempo exigido para o seu serviço, conforme determina o art. 85,
§ 2º, I a IV, do CPC. Contudo, não será observado o porcentual de 10 a 20%
quando for inestimável ou irrisório o proveito econômico da causa, ou, ainda,
quando o seu valor for muito baixo, hipótese em que o juiz deverá fixar o
valor dos honorários sucumbenciais por equidade, com base nesses critérios
(art. 85, § 8º, do CPC).
No regime do CPC/73, nas causas que fossem julgadas contra a Fazenda
Pública o valor dos honorários sucumbenciais era fixado mediante apreciação
equitativa do juiz, de acordo com o grau de zelo do profissional, o lugar de
prestação do serviço, a natureza da importância da causa, o trabalho realizado
pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço (art. 20, § 4º, e § 3º, I a
III). Ou seja, havia ampla margem para apreciação do valor dos honorários
sucumbenciais pelo juiz, sendo que, em geral, eram fixados em montantes
inferiores a 10% do valor da condenação.
O CPC/2015, alterando o previsto pela legislação revogada, estabeleceu
critérios mais objetivos para as causas que tenham como parte a Fazenda
Pública. Neste passo, é necessário esclarecer que o termo Fazenda Pública
abrange a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas
respectivas autarquias e fundações136. O § 3º do art. 85 do CPC previu
percentuais para a fixação dos honorários sucumbenciais, em razão da
variação do valor da condenação ou do proveito econômico obtido com a
causa. Assim, o valor dos honorários sucumbenciais das causas cujo valor da
condenação ou proveito econômico obtido: até 200 salários mínimos, deverá
ser de 10 a 20%; acima de 200 e até 2.000 salários mínimos, deverá ser de 8 a
10%; acima de 2.000 e até 20.000 salários mínimos, deverá ser de 5 a 8%;
acima de 20.000 e até 100.000 salários mínimos, deverá ser de 3 a 5%; acima
de 100.000 salários mínimos, deverá ser de 1 a 3% (art. 85, § 3º, I a V, do
CPC). Conforme se denota, mesmo nas causas em que a Fazenda Pública for
parte, ainda haverá uma margem de variação do percentual que deverá ser
aplicado para realização do cálculo dos honorários sucumbenciais. Para
fixação deste percentual, também deverão ser observados os critérios
estabelecidos no referido § 2º do art. 85 do CPC, conforme determina
expressamente o § 3º deste mesmo artigo.
De acordo com o art. 85, § 5º, “Quando, conforme o caso, a condenação
contra a Fazenda Pública ou o benefício econômico obtido pelo vencedor ou
o valor da causa for superior ao valor previsto no inciso I do § 3º, a fixação
do percentual de honorários deve observar a faixa inicial e, naquilo que a
exceder, a faixa subsequente, e assim sucessivamente”. Assim, por exemplo,
caso haja uma condenação no valor de 2.500 salários mínimos, sobre 200
salários mínimos incidirá um porcentual de 10 a 20%, sobre 1.800 salários
mínimos incidirá um porcentual de 8 a 10% e sobre os 500 salários mínimos
remanescentes incidirá um porcentual de 5 a 8%.
Os percentuais previstos no art. 85, § 3º, I a V, do CPC deverão ser
aplicados desde logo quando a sentença for líquida (art. 85, § 4º, I, do CPC).
Contudo, sendo ilíquida a sentença, a definição do percentual, somente
ocorrerá quando liquidado o julgado (art. 85, § 4º, II, do CPC). Não havendo
condenação principal ou não sendo possível mensurar o proveito econômico
da causa, o valor da condenação deverá ser calculado com base no valor
atualizado da causa (art. 85, § 4º, III, do CPC).
Para efeito de aplicação dos percentuais previstos no art. 85, § 3º, I a V,
sempre deverá ser considerado o valor do salário mínimo vigente quando
prolatada a sentença líquida ou quando for realizada a liquidação de sentença
(art. 85, § 4º, IV, do CPC).
Como exceção, não serão devidos os honorários sucumbenciais no
cumprimento de sentença contra a Fazenda Pública que enseje expedição de
precatório, desde que não haja impugnação, ocasião em que serão devidos os
honorários sucumbenciais (art. 85, § 7º, do CPC).
Sendo parte ou não a Fazenda Pública, na ação de indenização por ato
ilícito contra pessoa (responsabilidade extracontratual), com pedido de
pagamento de prestações sucessivas, o percentual utilizado para cálculo dos
honorários sucumbenciais incidirá sobre a soma das prestações vencidas
acrescida de 12 prestações vincendas (art. 85, § 9º, do CPC).
Conforme explicado, o CPC vigente alterou os critérios para fixação dos
honorários sucumbenciais nos casos em que a Fazenda Pública for parte,
independentemente de o resultado da causa ser favorável ou desfavorável à
Fazenda Pública. Na vigência do CPC/73, caso a Fazenda Pública saísse
vitoriosa, a fixação dos honorários sucumbências era de no mínimo 10% e no
máximo 20% sobre o valor da condenação (art. 20, § 3º, do CPC/73),
enquanto, se saísse perdedora, os honorários eram fixados por apreciação
equitativa do juiz (art. 20, § 4º, CPC/73), conforme mencionado. A nova
legislação, portanto, promoveu igualdade no tratamento das partes envolvidas
no litígio, não havendo mais a disparidade existente no § 4º do art. 20 do
CPC/73.
Os limites e critérios previstos no §§ 2º e 3º do art. 85 do CPC aplicam-se
independentemente de qual seja o conteúdo da decisão, inclusive aos casos de
improcedência ou de sentença sem resolução de mérito, a teor do disposto no
art. 85, § 6º, do CPC, sendo que, se o processo perder o objeto, os honorários
sucumbenciais serão devido por quem deu causa ao processo (art. 85, § 9º, do
CPC). Contudo, conforme aponta Arruda Alvim, “Não seria o art. 85 § 6º do
CPC/2015 aplicável ao indeferimento da petição inicial (arts. 485, I, cc 330,
I, II, III e IV do CPC/2015) caso ocorresse antes da constituição de patrono
pela parte contrária. Do contrário, estar-se-ia admitindo o enriquecimento
sem causa do advogado que sequer foi constituído, permitindo-lhe o
recebimento de honorários de sucumbência sem qualquer labor. Por outro
lado, havendo apelação contra a decisão que indefere a petição e, sendo o réu
devidamente citado e tendo apresentado contrarrazões ao recurso interposto
(art. 331, § 1º do CPC/2015), de rigor o arbitramento de honorários
advocatícios nos termos previstos pelo art. 85, § 2º do CPC/2015,
considerando que, neste caso, há labor do advogado que enseja a
condenação”137.
O CPC/2015 inovou, em relação ao CPC/73, ao prever que o tribunal, ao
julgar o recurso, majorará os honorários fixados anteriormente, levando em
consideração o trabalho adicional realizado em grau recursal, bem como o
grau de zelo do profissional, o lugar da prestação do serviço, a natureza e
importância da causa e o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido
para o serviço (art. 85, § 11). A majoração independe de pedido, bastando a
verificação dos requisitos legais. No entanto, é vedado ao tribunal majorar os
honorários de modo tal que o cômputo geral ultrapasse o limite de 20% para
a fase de conhecimento. Portanto, tendo sido os honorários fixados em 10%
pelo juiz de primeiro grau, caso o tribunal venha a manter a decisão, poderá
majorar os honorários até o limite da fase de conhecimento, qual seja, 20%
do valor da condenação.
Ainda em relação aos honorários sucumbenciais, não se pode deixar de
mencionar a abolição, pelo CPC/2015, da compensação dos honorários em
caso de sucumbência recíproca, conforme se colhe do art. 85, § 14138.
Em direito civil, admite-se a compensação de créditos quando as duas
partes são, mutuamente, credoras e devedoras uma da outra. Os honorários de
sucumbência, a teor do que dispõe o art. 22 da Lei n. 8.906/94, pertencem ao
advogado, razão pela qual em caso de sucumbênciarecíproca, são os
advogados das partes que são titulares dos créditos, enquanto que as partes
são seus devedores. Nesse caso, o autor deve ao advogado do réu, ao passo
que o réu deve ao advogado do autor, razão pela qual não há identidade de
partes nas duas relações jurídicas, a ponto de se falar em compensação de
créditos. Acertada, pois, a redação do art. 85, § 14, do CPC.
Ademais, assim como ao advogado são conferidas prerrogativas em razão
de sua atividade, igualmente, em razão dela também a ele são impostos
determinados deveres. O CPC impõe ao advogado os deveres de: expor os
fatos em juízo conforme a verdade, não formular pretensão ou de apresentar
defesa quando ciente de que são destituídas de fundamento, não produzir
provas e não praticar atos inúteis ou desnecessários à declaração ou à defesa
do direito, cumprir com exatidão as decisões jurisdicionais, de natureza
provisória ou final, e não criar embaraços à sua efetivação, declinar, no
primeiro momento que lhe couber falar nos autos, o endereço residencial ou
profissional onde receberão intimações, atualizando essa informação sempre
que ocorrer qualquer modificação temporária ou definitiva, não praticar
inovação ilegal no estado de fato de bem ou direito litigioso (art. 77, I a VI).
Nesta toada, vale mencionar que o art. 5º do CPC impõe a todos que
participam do processo o dever de comportarem-se de acordo com a boa-fé.
Advogando em causa própria, o advogado deverá declarar, na petição
inicial ou na contestação, o endereço, seu número de inscrição na Ordem dos
Advogados do Brasil e o nome da sociedade de advogados da qual participa,
para fins de recebimento de intimações (art. 106, I, do CPC). Se o advogado
não declarar essas informações na petição inicial, o juiz ordenará que se supra
a omissão, no prazo de 5 dias, antes de determinar a citação do réu, sob pena
de indeferimento da petição inicial (art. 106, § 1º, do CPC). Também deverá
o advogado comunicar ao juízo qualquer mudança de endereço (art. 106, II,
do CPC), sob pena de serem consideradas válidas as intimações enviadas por
carta registrada ou meio eletrônico ao endereço constante dos autos (art. 106,
§ 2º, do CPC).
Conforme explicado, o advogado possui o direito a retirar os autos de
cartório ou secretaria, pelo prazo legal, sempre que o juiz determinar a sua
manifestação, nos casos previstos em lei (art. 107, § 1º, do CPC). Contudo, o
advogado também tem o dever de restituir os autos no prazo legal, que
corresponderá ao prazo para prática do ato (tratando-se de prazo para
oposição de embargos de declaração, por exemplo, o prazo de devolução dos
autos em cartório será de 5 dias). Na hipótese de o advogado, após retirar os
autos, não os restituir no prazo legal, qualquer interessado poderá exigir a
devolução (art. 234, § 1º, do CPC). Se, após a intimação, o advogado não
devolver os autos no prazo de 3 dias, perderá o direito à vista fora de cartório
e incorrerá em multa correspondente à metade do valor do salário mínimo
(art. 234, § 2º, do CPC). Ao verificar a não devolução neste prazo de 3 dias, o
juiz deverá comunicar o fato à seção local da Ordem dos Advogados para
instauração de procedimento disciplinar e imposição da referida multa (art.
234, § 3º, do CPC).
Poderá o advogado renunciar ao mandato, ficando, todavia, responsável
nos dez dias subsequentes à notificação da revogação ao mandante, desde que
tal se faça necessário para evitar prejuízo à parte. É o que estabelece o art.
112, § 1º, do CPC: “O advogado poderá renunciar ao mandato a qualquer
tempo, provando, na forma prevista neste Código, que comunicou a renúncia
ao mandante, a fim de que este nomeie sucessor. § 1º Durante os 10 (dez)
dias seguintes, o advogado continuará a representar o mandante, desde que
necessário para lhe evitar prejuízo”.
O mandato também poderá ser revogado pelo próprio outorgante, a teor do
que dispõe o art. 111 do CPC, devendo este constituir novo procurador,
através deste mesmo ato, para dar continuidade ao patrocínio da causa. Essa
revogação poderá ser expressa ou, ainda, tácita, quando, por exemplo, o
outorgante confere novo instrumento de procuração a outro advogado, do
qual não conste a ressalva da reserva de poderes. Em tais casos, no entanto, a
revogação tácita só produzirá efeitos a partir da sua comunicação ao antigo
patrono. Caso novo procurador não seja constituído no prazo de 15 dias, o
juiz suspenderá o processo e designará prazo razoável para que seja sanado o
vício, conforme o art. 111, parágrafo único, e o art. 76.
4. Defensoria pública
O art. 5º, LXXIV, da CF/88 assegura a “assistência jurídica integral e
gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”, cumprindo à
Defensoria Pública a função de prestar essa assistência jurídica. Nos termos
do art. 134 da CF/88, “A Defensoria Pública é instituição permanente,
essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e
instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica,
a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e
extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita,
aos necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5º desta Constituição
Federal”.
Conforme art. 134, § 1º, da CF/88, compete à Lei Complementar organizar
a Defensoria Pública da União, do Distrito Federal e dos Territórios e
estabelecer normas gerais para a organização das Defensorias dos Estados.
Atualmente, tal organização foi realizada pela Lei Complementar n. 80/94,
que também prescreveu normas gerais para a organização das Defensorias
dos Estados.
A Defensoria Pública goza de prazo em dobro para todas as suas
manifestações (art. 186 do CPC e arts. 44, inciso I, 89, inciso I, e 128, inciso
I, da Lei Complementar n. 80/94), salvo quando a lei que estabelecer prazo
próprio (art. 186, § 4º). A contagem do prazo se inicia com a intimação
pessoal do defensor público (art. 186, § 1º), que poderá ser realizada por
carga, remessa ou meio eletrônico (art. 183, § 1º).
Havia grande discussão em relação ao art. 5º, § 5º, da Lei n. 1.060/50 que
dispõe que: “Nos Estados onde a Assistência Judiciária seja organizada e
por eles mantida, o Defensor Público, ou quem exerça cargo equivalente,
será intimado pessoalmente de todos os atos do processo, em ambas as
Instâncias, contando-se-lhes em dobro todos os prazos”. O art. 1.072, inciso
III, do CPC deixou de revogar o art. 5º da Lei n. 1.060/50, revogando os arts.
2º, 3º, 4º, 6º, 7º, 11, 12 e 17 de referido diploma legal. A discussão girava em
torno da extensão do benefício do prazo em dobro aos advogados privados
que eram conveniados à Defensoria Pública, pela OAB. O CPC/2015
resolveu em parte a discussão, na medida que tal benefício se estende aos
escritórios de prática jurídica das faculdades de Direito reconhecidas na
forma da lei e às entidades que prestam assistência jurídica gratuita em razão
de convênios firmados com a Defensoria Pública (art. 186, § 3º).
Finalmente, assim como o membro da Advocacia Pública, qualquer
membro da Defensoria Pública será civil e regressivamente responsável pelos
danos causados, quando agir com dolo ou fraude no exercício de suas funções
(art. 187, CPC).
5. Os auxiliares da justiça
Alguns dos auxiliares da justiça encontram-se enumerados no art. 149 do
CPC. São eles: o escrivão, o chefe de secretaria, o oficial de justiça, o perito,
o depositário, o administrador, o intérprete, o tradutor, o mediador, o
conciliador judicial, o partidor, o distribuidor, o contabilista e o regulador de
avarias. Juntamente com o juiz, os auxiliares formam o juízo.
O escrivão e o chefe de secretaria são os mais importantes dos auxiliares,
pois lhes incumbe dar andamento ao processo (redigir ofícios, mandados,
cartas precatórias, promover citações etc.) e documentar os atos praticados
em seu curso. Os arts. 150 a 155 do CPC contêm prescrições relativas ao
escrivão, ao chefe de secretaria e ao oficial de justiça.
Ao oficial de justiça, nos termos do disposto no art. 154, incumbeefetuar
pessoalmente citações, prisões, penhoras, arrestos e outras diligências
inerentes ao seu ofício (inciso I), bem como executar as ordens determinadas
pelo juiz a que estiver subordinado (inciso II), entregando em cartório os
mandados tão logo sejam cumpridos (inciso III). O oficial de justiça deve,
ainda, colaborar na manutenção da ordem (art. 153, IV). Compete,
igualmente, ao oficial de justiça, em sede de execução, efetuar avaliações,
quando for o caso (art. 153, inciso V). Também é tarefa do oficial de justiça
certificar, em mandado, proposta de autocomposição apresentada por
qualquer das partes, sendo que após a certificação, o juiz determinará a
intimação da parte contrária para manifestar-se no prazo de cinco dias (art.
153, VI).
Ao perito (arts. 156 a 158 do CPC) cabe intervir toda vez que a prova do
fato depender de conhecimento técnico ou científico, devendo ser ele
designado entre “os profissionais legalmente habilitados e os órgãos técnicos
ou científicos devidamente inscritos em cadastro mantido pelo tribunal ao
qual o juiz está vinculado” (art. 156, § 1º), podendo o escolhido escusar-se da
nomeação no prazo de quinze dias (art. 157, § 1º). A nomeação do perito só
ocorrerá por livre escolha do juiz nas localidades em que não houver inscritos
no cadastro disponibilizado pelo tribunal, sendo que tal nomeação deverá
recair sobre profissional ou órgão técnico ou científico comprovadamente
detentor do conhecimento necessário à realização da perícia (art. 156, § 5º).
Depositário será aquele a quem incumbe a guarda e a conservação de bens
penhorados, arrestados etc. (art. 159)139; o administrador será o depositário
com as funções de gestor (por exemplo, no caso de penhora de empresas).
O intérprete, ou tradutor, será nomeado para analisar documento redigido
em língua estrangeira; para verter para o português as declarações das partes
e depoimentos de testemunhas que não conhecerem o idiota nacional; ou,
ainda, para realizar a interpretação simultânea dos depoimentos das partes e
testemunhas com deficiência auditiva que se comuniquem por meio da
Língua Brasileira de Sinais, ou equivalente, quando assim for solicitado (art.
162, I, II e III, do CPC)140.
Mediador será aquele que auxiliará aos interessados a compreender as
questões e os interesses em conflito, atuando preferencialmente nos casos em
que tiver havido vínculo anterior entre as partes, de modo que eles possam,
pelo restabelecimento da comunicação, identificar, por si próprios, soluções
consensuais que gerem benefícios mútuos (art. 165, § 3º). Já o conciliador
poderá sugerir soluções para o litígio, sendo vedada a utilização de qualquer
tipo de constrangimento ou intimidação para que as partes conciliem.
Diferentemente do mediador, o conciliador atuará preferencialmente nos
casos em que não houver vínculo anterior entre as partes (art. 165, § 2º).
O partidor atuará na organização dos planos e cálculos das partilhas, de
acordo com a decisão judicial, respeitando a ordem dos pagamentos prevista
no art. 651, I ao IV. O distribuidor, como o próprio nome diz, será aquele
responsável pela distribuição das causas entre os juízos, quando na comarca
houver mais de um competente para a causa.
Finalmente, o contabilista auxilia o juiz na verificação dos cálculos (art.
524, § 2º), enquanto o regulador de avarias é o auxiliar da justiça, indicado
consensualmente pelas partes ou nomeado pelo juiz (art. 707), para atuar no
procedimento de regulação de avaria grossa, sendo responsável por declarar,
justificadamente, se os danos no navio e nas mercadorias caracterizam
avarias grossas passíveis de rateio, e responsável por exigir apresentação de
garantias idôneas para que possam ser liberadas as cargas aos consignatários
(art. 708). A figura do regulador de avarias será abordada com maior
profundidade em capítulo próprio.
É importante destacar que o rol constante no art. 149 do CPC não é
exaustivo, sendo possível a criação e regulamentação de novos auxiliares da
justiça pelas leis estaduais de organização judiciária.
V
COMPETÊNCIA
1. Definição e noções gerais
Arruda Alvim define competência como “a atribuição a um dado órgão do
Poder Judiciário daquilo que lhe está afeto, em decorrência de sua atividade
jurisdicional específica, dentro do Poder Judiciário, normalmente excluída a
competência simultânea de qualquer outro órgão do mesmo poder (ou, a
fortiori, de outro poder)”141.
Para Humberto Theodoro Júnior, “a competência é justamente o critério
de distribuir entre os vários órgãos judiciários, as atribuições relativas ao
desempenho da jurisdição”142.
Trata-se de conceito de teoria geral do direito, não de direito processual.
Na seara do direito administrativo, pode-se falar em competência deste ou
daquele órgão para a prática de determinados atos. No direito constitucional,
atribui-se competência aos poderes legislativos das pessoas políticas para
legislar sobre determinados assuntos (exemplificativamente, arts. 153, 155 e
156 da CF/88).
Em essência, a noção de competência conduz à ideia de legitimidade do
exercício de um determinado poder, num determinado momento e sob
determinadas circunstâncias.
Há vários critérios que permitem identificar qual o órgão jurisdicional
competente. Observe-se que se fala em “órgão jurisdicional” competente e
não em juiz competente, pois a competência é atributo do órgão jurisdicional,
não de seus integrantes, pessoas físicas. Assim, a competência será do juízo,
do tribunal, da câmara (órgão fracionário do tribunal), não de seus
integrantes.
As regras de competência encontram-se previstas nos mais variados
diplomas: na Constituição Federal, no Código de Processo Civil, em leis
federais, leis extravagantes, nos Códigos de Organização Judiciária. De
maneira geral, pode-se afirmar que a Constituição Federal define qual a
Justiça competente; o CPC (ou outras leis extravagantes), qual o foro
competente; e as leis de organização judiciária, qual o juízo competente143.
Deveras, a lei estadual pode, por exemplo, criar juízos privativos, como
faz, por exemplo, quando estabelece a existência de varas da Fazenda
Pública.
Os regimentos internos de tribunais, de seu turno, estabelecem as suas
competências internas com relação aos órgãos jurisdicionais e administrativos
respectivos (art. 96, I, a, CF/88). Já se disse que há vários critérios que
permitem identificar a competência, conforme se infere de uma leitura da
Seção I, Capítulo III, Título III, Livro I, do Código de Processo Civil.
A competência pode ser determinada em razão da matéria, em razão da
pessoa, em razão do valor da causa, em razão do território ou do foro, bem
como pode ser funcional, esta subdividida em espécies, entre as quais se
encarta a competência hierárquica. A competência em razão da matéria, em
razão da pessoa e em razão do valor da causa são subespécies da assim
denominada competência objetiva144. Ao lado desses critérios, Arruda
Alvim145 alinha a prevenção como critério de fixação de competência, o que
se dá pelo ato previsto na lei (distribuição art. 59), dentre os juízos para os
quais a competência esteja determinada.
Fixe-se um ponto, desde logo, que é fundamental para o estudo do tema:
segundo diz textualmente Arruda Alvim, “para se determinar a competência,
todos os critérios hão de ser sempre e simultaneamente utilizados”146. Dito de
outra maneira: somente a aplicação de todos os critérios determinadores da
competência ao caso concreto é que permitirá a identificação do órgão
jurisdicional competente.
Com efeito, para se definir a competência para conhecer e julgar
determinada causa, deve-se fazer, grosso modo, o seguinte “percurso”.
Primeiro, afere-se qual a Justiça competente, a partir de critérios
constitucionais, ideia que está intimamente ligada ao chamado juiz natural
(CF, art. 5º, XXXVII e LIII). Sucessivamente, qual o foro competente, tendo
em vista os critérios de competência territorial (Código de Processo Civil).
Finalmente, qual o juízo competente, tendo presentes os critérios das leis de
organizaçãoajuizadas perante os Juizados Especiais Cíveis
Estaduais
3. O procedimento nos Juizados Especiais Cíveis Estaduais
4. Os Juizados Especiais Cíveis no âmbito da Justiça Federal
XXXIV
SENTENÇA E COISA JULGADA
1. Considerações gerais
1.1 Necessidade de fundamentação da sentença
1.2 Direito superveniente e erro material
2. Coisa julgada
2.1 A impropriamente denominada coisa julgada “formal”
2.2 Coisa julgada formal e material
2.3 A coisa julgada material recai sobre a parte dispositiva da sentença
2.4 Momento da formação da coisa julgada
2.5 Como se alega a coisa julgada
2.6 Relativização da coisa julgada material
XXXV
NOÇÃO GERAL SOBRE O PROCESSO DAS AÇÕES COLETIVAS
1. Direitos difusos
2. Direitos coletivos
3. Direitos individuais homogêneos
4. Aspectos relativos à tutela desses direitos
5. Aspectos da coisa julgada no Código de Processo Civil
6. Aspectos da coisa julgada no Código do Consumidor
6.1 Coisa julgada e direitos difusos
6.2 Coisa julgada e direitos coletivos
6.3 Coisa julgada e direitos individuais homogêneos
6.4 Da suspensão das ações individuais (art. 104 do Código do
Consumidor)
7. Outras ações
7.1 Ação civil pública (Lei n. 7.347/85 – Lei da Ação Civil Pública)
7.2 Ação popular (Lei n. 4.717/65 – Lei da Ação Popular)
8. Da limitação territorial prevista no art. 16 da Lei de Ação Civil Pública,
introduzida pela Lei n. 9.494/97
9. Mandado de segurança coletivo
9.1 Pertinência temática
9.2 A exigência do caso concreto: o mandado de segurança preventivo
9.3 Coisa julgada no mandado de segurança coletivo
10. Mandado de injunção coletivo
10.1 Coisa julgada no mandado de injunção coletivo
11. Controle de constitucionalidade e as ações coletivas
XXXVI
TEORIA GERAL DOS RECURSOS
1. Recurso e seu conceito
2. Princípios fundamentais regentes do sistema recursal no direito
processual civil brasileiro
2.1 Princípio do duplo grau de jurisdição
2.2 Princípio da taxatividade dos recursos
2.2.1 Sucedâneos recursais e outras figuras relacionadas aos recursos
2.2.1.1 Sucedâneos recursais
2.2.1.2 Ações autônomas de impugnação
2.2.1.3 Incidentes no processo
2.3 Princípio dispositivo
2.4 Princípios da singularidade recursal e da correspondência
2.5 Princípio da fungibilidade recursal
2.5.1 Generalidades
2.5.2 O art. 810 do CPC/39
2.5.3 Algumas hipóteses em que há fungibilidade recursal
2.5.3.1 Conhecimento de embargos de declaração como agravo
interno
2.5.3.2 Conhecimento de recurso especial como recurso
extraordinário
2.5.3.3 Conhecimento de recurso extraordinário como recurso
especial
2.5.3.4 Conhecimento de recurso especial como agravo e vice-versa
2.5.4 Requisitos para aplicação da fungibilidade – conclusões
2.6 Princípio da dialeticidade
2.7 Princípio da voluntariedade
2.8 Princípio da irrecorribilidade em separado das interlocutórias
2.9 Princípio da complementaridade e da consumação
2.10 Princípio da proibição da reformatio in pejus
3. Recurso adesivo
4. Julgamento estendido
XXXVII
JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE
1. Uma primeira ideia
2. Questões prévias
3. Competência para análise da admissibilidade do recurso
3.1 Competência do órgão a quo para apreciação da admissibilidade
recursal e impossibilidade de incursão do órgão a quo no mérito recursal
4. Momento da aferição dos requisitos de admissibilidade
5. Natureza da decisão que julga a admissibilidade do recurso e sua
implicação no momento da fixação do trânsito em julgado
6. Caráter substitutivo da decisão da instância ad quem
7. Os requisitos de admissibilidade dos recursos
7.1 Cabimento
7.2 Legitimidade para recorrer
7.2.1 Legitimação das partes
7.2.2 Legitimação do órgão do Ministério Público
7.2.3 Legitimação do terceiro prejudicado
7.3 Interesse recursal
7.3.1 Necessidade de recorrer
7.3.2 Utilidade em recorrer
7.3.3 O interesse recursal e algumas hipóteses concretas
7.3.4 O interesse recursal e o Ministério Público
7.4 Tempestividade
7.4.1 Horário dos atos processuais
7.5 Regularidade formal
7.6 Inexistência de fato impeditivo ou extintivo do poder de recorrer
7.7 Fatos impeditivos
7.8 Preparo
XXXVIII
RECURSO DE APELAÇÃO
1. Generalidades
2. Apelação contra sentença definitiva
3. Da apelação parcial
4. Apelação contra sentença terminativa
5. Requisitos da apelação
6. Princípio do tantum devolutum quantum appellatum – extensão e
profundidade do efeito devolutivo na apelação
7. Reformatio in peius
8. Procedimento do recurso de apelação
9. Apelação e preparo
10. Do julgamento “não unânime” e o prosseguimento do julgamento
XXXIX
RECURSO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO
1. Considerações iniciais
2. Prazo de interposição
3. Hipóteses de cabimento
3.1 Tutelas provisórias
3.2 Mérito do processo
3.3 Rejeição da alegação de convenção de arbitragem
3.4 Incidente de desconsideração de personalidade jurídica
3.5 Rejeição do pedido de gratuidade da justiça ou acolhimento do
pedido de sua revogação
3.6 Exibição ou posse de documento ou coisa
3.7 Exclusão de litisconsorte
3.8 Rejeição do pedido de limitação do litisconsórcio
3.9 Admissão ou inadmissão de intervenção de terceiros
3.10 Concessão, modificação ou revogação do efeito suspensivo aos
embargos à execução
3.11 Redistribuição do ônus da prova nos termos do art. 373, § 1º
3.12 Outros casos expressamente referidos em lei
3.13 Decisões interlocutórias proferidas em fase de liquidação de
sentença ou cumprimento de sentença, bem como no processo de
execução ou inventário
4. Procedimento
5. O agravo e o efeito suspensivo
6. Outras considerações
XL
RECURSO DE AGRAVO INTERNO
1. Definição e hipóteses de cabimento
2. Procedimento
XLI
RECURSO DE EMBARGOS DECLARATÓRIOS
1. Natureza e cabimento
2. Caráter infringente dos embargos declaratórios
3. Prazo dos embargos e prazos de outros recursos
4. Embargos de declaração com fins de prequestionamento
XLII
RECURSO ORDINÁRIO
1. Generalidades
XLIII
RECURSO ESPECIAL E RECURSO EXTRAORDINÁRIO
1. Aspectos introdutórios
2. Raiz constitucional do recurso especial
2.1 A leitura do inciso III do art. 105 da CF/88
2.1.1 O que significa “causas decididas”
2.1.2 O que significa “em única ou última instância”
2.1.3 O que significa “decisão proferida por tribunal”
2.2 As alíneas a até c do inciso III do art. 105 da CF/88
3. Prequestionamento
3.1 Prequestionamento “explícito” e “implícito”
3.2 Prequestionamento numérico
3.3 Prequestionamento e matéria cognoscível de ofício
3.4 Primeiras conclusões
4. Forma de interposição do recurso especial – repasse das hipóteses
constitucionais de cabimento do recurso especial
4.1 Efeitos do recurso especial
5. Efeitos dos recursos: generalidades e peculiaridades do recurso especial
5.1 O efeito devolutivo: sua amplitude no caso do recurso especial
5.2 Os efeitos suspensivo e devolutivo e o recurso especial
5.2.1 Execução provisória
5.2.2 Uso de medidas cautelares para atribuir efeito suspensivo ao
recurso especial
6. Cisão do juízo de admissibilidade dos recursos especial e extraordinário
6.1 Natureza da decisão acerca do juízo de admissibilidade
6.1.1 A questão do termo a quo do prazo para propositura de ação
rescisória
7. Admissão do recurso especial pela instância a quo e do extraordinário,
quando houver
8. Fundamento suficiente: hipótese das Súmulas 126 do STJ e 283 do STF
9. A questão do preparo e o recurso especial
10. Recurso extraordinário
10.1 As hipóteses de cabimento de recurso extraordinário
10.2 Processamento do extraordinário dentro do STF
10.3 Efeitos do recurso extraordinário: devolutivo e/ou suspensivo
11. Últimas considerações acerca dos recursos especial e extraordinário:
questões práticas
11.1 Repercussão geral no recurso extraordinário – novo requisito de
admissibilidade
11.2 Processamento do recurso especial e do extraordinário que versar
questões repetitivas
XLIV
RECURSO DE AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL OU
EXTRAORDINÁRIO
1. Considerações iniciais
2. Procedimento
XLV
EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA NOS RECURSOS ESPECIAL E
EXTRAORDINÁRIO
1. Considerações preliminaresjudiciária locais.
A prevenção é um critério para fixação da competência, num dado órgão
jurisdicional, seja em primeiro ou em segundo grau de jurisdição. Ao tempo
do CPC/73, em primeiro grau, o critério de prevenção era diferente
dependendo da circunstância de que se tratassem de juízos com a mesma
competência territorial ou não. Assim: a) a prevenção se dava com a citação
(art. 219 do CPC/73) se os juízos não tivessem a mesma competência
territorial; b) se os juízos tivessem a mesma competência territorial, estaria
prevento aquele que despachasse em primeiro lugar (art. 106 do CPC/73).
O CPC/2015 facilitou a fixação da competência, adotando como critério
da prevenção o registro ou a distribuição da petição inicial (art. 59), nas
comarcas onde houver mais de uma vara. Em outros termos, a prevenção não
se dá mais com a citação ou com o despacho que a haja ordenado.
Reconhecida a prevenção de determinado juízo, este será competente para
apreciar todas as causas conexas à ação que se fixou naquele juízo. Podemos
afirmar que o juízo somente será efetivamente competente para conhecer
determinada ação após identificada a sua prevenção. Antes da prevenção há
juízos abstratamente competentes, pelo critério da determinação da
competência; com a prevenção, individualiza-se o juízo dentre aqueles, que
passará a ser o competente.
A prevenção é um fenômeno que pode ocorrer também em segundo grau
de jurisdição, como já se aflorou, ou seja, se apreciado um recurso por
determinado órgão colegiado de tribunal, os demais recursos e pedidos
referente a esse processo poderão ser de competência do relator que apreciou
o primeiro recurso (art. 930, parágrafo único, CPC/2015). Quanto aos
critérios de prevenção nos tribunais, contudo, é necessário analisar os
respectivos regimentos internos, pois a matéria não é integralmente
disciplinada pelo Código de Processo Civil, podendo variar caso a caso147.
A fixação de competência em razão da prevenção pressupõe que mais de
um juízo seja competente para apreciar o feito, mas que, em razão da
prevenção, a competência se fixe em um deles. Não se trata, destarte, de um
critério de determinação de competência, mas de “fixação”148 de competência
entre juízos que, originariamente, seriam abstratamente competentes para
conhecer da causa.
Em sendo atributo do órgão jurisdicional, distingue-se a incompetência do
impedimento (que diz respeito ao juiz e que compromete a sua
imparcialidade). Teve-se oportunidade de estudar que a função jurisdicional
apresenta como uma de suas características primordiais a imparcialidade. O
juiz é, por excelência, imparcial, equidistante das partes. Ora, em ocorrendo
qualquer das hipóteses do art. 144, o juiz será impedido, mas a causa deverá
permanecer no mesmo órgão jurisdicional (juízo), sendo julgada por outro
juiz. Isso porque o vício de parcialidade diz com a pessoa do juiz, não com o
órgão jurisdicional.
Na hipótese de incompetência absoluta, diferentemente, o vício não diz
com a pessoa que integra o órgão, mas com o órgão jurisdicional em si
mesmo considerado, sendo de rigor, nessa hipótese, a remessa dos autos ao
órgão jurisdicional competente, de acordo com o § 1º do art. 64, caso em que
serão nulos os atos decisórios.
Atrelado à ideia de prevenção, encontra-se o princípio da perpetuatio
jurisdictionis, expressado no art. 43 do CPC/2015, nos seguintes termos:
“Determina-se a competência no momento do registro ou da distribuição da
petição inicial, sendo irrelevantes as modificações do estado de fato e de
direito ocorridas posteriormente, salvo quando suprimirem o órgão judiciário
ou alterarem a competência absoluta”.
Nelson Nery Jr. e Rosa Nery denominam esse fenômeno de “estabilização
da competência”149, observando que se trata de regra com finalidade precípua
de proteger as partes de sucessivas mudanças do local de tramitação do
processo.
As hipóteses de desmembramento de comarcas têm gerado controvérsia
nos tribunais a respeito da necessidade do encaminhamento ou não dos
processos já em curso à nova comarca, quando o réu seja domiciliado nessa
nova Comarca.
2. Incompetência absoluta
A incompetência pode ser absoluta ou relativa. A incompetência absoluta,
diz o art. 64, § 1º, pode ser alegada em qualquer tempo e grau de jurisdição,
devendo, inclusive, ser pronunciada de ofício, sem provocação da parte.
Rende, inclusive, ensejo à ação rescisória do julgado, nos termos do inciso II
do art. 966, independentemente de ter sido articulada na ação original150.
A incompetência absoluta deve ser alegada em preliminar de contestação,
reza o art. 337, II. Aliás, esta é mais uma razão pela qual deve ser
reconhecida de ofício, tendo-se em vista o que preceitua o § 5º do mesmo art.
337.
Em respeito às garantias da ampla defesa e do contraditório (arts. 9º e 10),
as partes devem ser ouvidas antes que o juiz reconheça a incompetência
absoluta de ofício. Da mesma forma, segundo o § 2º do art. 64, o autor deve
ser intimado a se manifestar sobre a alegação formulada pelo réu, antes que o
juiz decida a questão.
Reconhecida a incompetência absoluta, serão os autos remetidos ao órgão
jurisdicional competente, ficando conservados os efeitos da decisão proferida
pelo juízo incompetente até que outra venha a ser proferida, se for o caso,
pelo juízo competente – salvo decisão judicial em sentido contrário (art. 64,
§§ 3º e 4º, CPC/2015). Trata-se, a rigor, de previsão que alterou o regramento
anteriormente dado pelo CPC/73, que previa a nulidade dos atos decisórios
(art. 133, § 2º), já que, atualmente, conservam-se os efeitos da decisão
proferida pelo juízo absolutamente incompetente, que ficará, evidentemente,
à cargo do juízo competente referendar ou alterar o quanto decidido
anteriormente.
Será absoluta a competência fundada no interesse público, fixada em razão
da matéria, da pessoa e a funcional.
Trata-se de pressuposto processual de validade do processo. Perante o
juízo incompetente, forma-se a relação processual, porém de forma inválida,
dando margem, como dito, até mesmo, à ação rescisória (art. 966, II).
O ajuizamento da ação rescisória, porém, não impede a execução da
sentença prolatada pelo juízo incompetente (art. 969), em razão da formação
da coisa julgada, a menos que na ação rescisória seja concedida tutela
provisória para esse fim (impedir o cumprimento da sentença). Não proposta
a ação rescisória no prazo de dois anos a que alude o art. 795, a sentença,
mesmo proferida por juiz vinculado a órgão jurisdicional absolutamente
incompetente, terá, para todo e qualquer efeito, validade e eficácia,
desaparecido de vez o vício que a maculava.
3. Incompetência relativa
A incompetência relativa, a seu turno, deve ser levantada necessariamente
em preliminar contestação, sob pena de prorrogação da competência (art. 65).
Vale dizer, não pode ser declarada de ofício, conforme o texto do § 5º do art.
337 do CPC/2015. Assim, à falta de alegação da incompetência relativa por
ocasião da apresentação da contestação, haverá prorrogação da competência,
de modo que o órgão inicialmente incompetente (relativamente) tornar-se-á
competente para conhecer da causa. Contudo, para que o fenômeno da
prorrogação se opere, deve-se estar diante de incompetência em razão do
valor ou do território.
Diferentemente do que sucede com a incompetência absoluta, a relativa, se
não arguida, se prorroga, de tal sorte que não pode ser considerada
pressuposto processual.
4. Foro e juízo
É importante distinguir essas duas ideias. Foro é ideia ligada a território,
diz respeito ao território dentro do qual se exerce a jurisdição. Por isso é que
se diz que a competência territorial é competência de foro. O juízo, já se teve
oportunidade de mencionar, é, em primeiro grau, formado pelo juiz e por seus
auxiliares. É, como diz Arruda Alvim: “um órgão que se coloca dentro do
foro competente, sendo uma das células jurisdicionais operativas e
competentes, dentro do foro”151. Escolhe-se dentro do foro qual o juízo
competente. Daí por que a competência em razão da matériae em razão do
valor é competência de juízo.
5. Competência quando forem partes União, Estados e Municípios
Se a União, entidade autárquica federal ou empresa pública federal forem
autoras, rés, assistentes ou opoentes, ademais, a ação haverá de tramitar,
como regra, perante a Justiça Federal (CF, art. 109, I), salvo as exceções
previstas no próprio texto constitucional. O STJ já decidiu que, tratando-se de
ação relacionada a desapropriação efetuada por empresa pública estadual, a
competência para conhecê-la e julgá-la é da Justiça comum do Estado, se a
União Federal “não subscreveu a petição inicial com a expropriante
(concessionária de energia elétrica) e se recusa, formalmente, a intervir no
feito como assistente”152. Tratando-se de sociedade de economia mista, a
competência para processar e julgar as causas em que for parte é da Justiça
Estadual. A esse respeito, confiram-se o entendimento plasmado nas
seguintes Súmulas do STJ e STF: Súmula 508 do STF: “Compete à Justiça
Estadual, em ambas as instâncias, processar e julgar as causas em que for
parte o Banco do Brasil S/A”; Súmula 517 do STF: “As sociedades de
economia mista só têm foro na Justiça Federal, quando a União intervém
como assistente ou opoente”; Súmula 42 do STJ: “Compete à Justiça Comum
Estadual processar e julgar as causas cíveis em que é parte sociedade de
economia mista e os crimes praticados em seu detrimento”.
A União tem foro próprio, nos termos do art. 109, § 2º, da CF/88 e art. 45
do CPC/2015. Nesse preceito, são estabelecidos foros concorrentes, de modo
que, nas hipóteses em que a União for ré, a ação poderá ser ajuizada em
qualquer deles (art. 51, parágrafo único, CPC/2015). Já nas hipóteses em que
a União for autora, é competente o foro de domicílio do réu, conforme
disciplinado no art. 51, caput, do CPC/2015, em consonância com o § 1º do
art. 109. Frise-se, todavia, que tais regras não podem ser afastadas por
vontade das partes (competência absoluta). Os Estados e Municípios, por sua
vez, possuem apenas juízos próprios (em São Paulo, as Varas da Fazenda
Pública). Isso quer dizer que, sendo demandados em comarca a respeito de
imóvel ali situado (art. 95), onde não exista vara da Fazenda Pública, a causa
será processada perante vara cível, sem que se possa falar em
incompetência153.
Se houver intervenção da União, suas empresas públicas, entidades
autárquicas e fundações ou conselho de fiscalização de atividade profissional,
na qualidade de parte ou terceiro interveniente, a causa deve ser deslocada
para a Justiça Federal, conforme art. 45 do CPC/2015. Os autos não serão
remetidos quando se tratar de ações de recuperação judicial, falência,
insolvência civil, acidente do trabalho, bem como aquelas sujeitas à justiça
eleitoral e à justiça do trabalho154. No caso de ação em que exista cumulação
de pedidos e apenas um deles for de interesse da União, suas entidades
autárquicas ou de suas empresas públicas, os autos também não serão
remetidos ao juízo federal competente. Neste caso, o juiz não apreciará o
mérito do pedido cuja competência é da Justiça Federal, cabendo à parte
propor a ação de interesse da União perante o juízo competente. De outro
lado, se a intervenção se der após o julgamento da causa em primeiro grau
pela Justiça Estadual, a competência para o julgamento do recurso se
transfere para o Tribunal Regional Federal da Região respectiva155. A
propósito, de ser registrado o entendimento estampado na Súmula 150 do
STJ: “Compete à Justiça Federal decidir sobre a existência de interesse
jurídico que justifique a presença, no processo, da União, suas autarquias ou
empresas públicas”156. Vale dizer, externando a União interesse no litígio,
compete à Justiça Federal decidir se é de ser admitida ou não referida
intervenção157.
Questão de grande relevância se foca na intervenção das pessoas jurídicas
de direito público, nos termos estabelecidos no art. 5º, parágrafo único, da Lei
n. 9.469/97. Dispõe mencionado artigo: “Art. 5º A União poderá intervir nas
causas em que figurarem, como autoras ou rés, autarquias, fundações
públicas, sociedades de economia mista e empresas públicas federais.
Parágrafo único. As pessoas jurídicas de direito público poderão, nas causas
cuja decisão possa ter reflexos, ainda que indiretos, de natureza econômica,
intervir, independentemente da demonstração de interesse jurídico, para
esclarecer questões de fato e de direito, podendo juntar documentos e
memoriais reputados úteis ao exame da matéria e, se for o caso, recorrer,
hipótese em que, para fins de deslocamento de competência, serão
consideradas partes”.
O parágrafo único do art. 5º da referida lei franqueia às pessoas jurídicas
de direito público a possibilidade de intervirem em qualquer processo
judicial, desde que a decisão possa ter reflexos, ainda que indiretos, de
natureza econômica, independentemente da demonstração de interesse
jurídico.
Segundo dispõe a letra do parágrafo único do art. 5º, o deslocamento da
competência está ligado ao ato de recorrer158-159.
6. “Competência” internacional e competência interna
O art. 23 estabelece casos de competência exclusiva da autoridade
judiciária brasileira. É compreensível que assim seja, diante das hipóteses ali
contempladas, quais sejam: I – ações relativas a bens imóveis situados no
Brasil; II – inventário de bens situados no Brasil; III – partilha de bens
situados no Brasil, no caso de separação judicial ou dissolução de união
estável. Com efeito, seria atentatório à soberania brasileira que autoridade
judiciária estrangeira pudesse decidir acerca do destino de bens imóveis
situados no Brasil. A competência é, pois, exclusiva. Com efeito, se o
disposto neste artigo diz respeito à soberania do País, trata-se de regra que
define a exclusividade da jurisdição brasileira, e não propriamente de uma
regra de competência160.
Diferentemente sucede nas hipóteses do art. 21. Aqui, a competência da
autoridade judiciária brasileira é concorrente com a estrangeira. Os processos
poderão correr simultaneamente, sem que possa ser levantada como óbice a
dualidade de litispendências (art. 24), salvo as disposições em contrário
contidas em tratados internacionais e acordos bilaterais em vigor no Brasil.
Quer isto significar que, nos casos do art. 21, é possível a coexistência
simultânea de duas ações entre as mesmas partes e com o mesmo objeto.
Como deixa claro o art. 24, em tal hipótese não se poderá pretender a
extinção da ação que tramita no juízo nacional sob o fundamento de que
haveria litispendência. Note-se que, rigorosamente, a litispendência existe,
todavia não há sobre esta o efeito obstativo do ajuizamento de outra demanda
com as mesmas partes e mesmo objeto em jurisdição estrangeira.
Nessa hipótese, valerá a sentença sobre cujo comando dispositivo primeiro
recair a coisa julgada, valendo lembrar que a sentença estrangeira somente
terá eficácia no Brasil depois de homologada pelo Superior Tribunal de
Justiça. Da mesma forma, as decisões interlocutórias proferidas por outros
Estados, cujo cumprimento é objeto de carta rogatória, só serão eficazes no
Brasil após a expedição do exequatur, pelo Superior Tribunal de Justiça,
salvo disposição em sentido contrário de lei ou tratado (art. 961, CPC/2015).
Nesse caso, admite-se que corram dois processos em paralelo (aqui e no
estrangeiro), sem que se possa objetar com a dualidade de litispendências. Tal
possibilidade cessa se a decisão estrangeira transitar em julgado e quando
vier a ser homologada, quando for o caso, após prévio juízo de delibação,
pelo STJ. Vale dizer, homologada a sentença estrangeira, haverá óbice
superveniente à tramitação da ação perante o juízo brasileiro. Nesse caso, há
pressuposto processual negativo (coisa julgada), que deverá conduzir à
extinção da segunda ação, com espeque no art. 485, V161. Esse é o sentido da
regra estampada no parágrafo único art. 24 do CPC/2015. Segundo Arruda
Alvim, “em sendo comum o objeto ou a causa de pedir, de causa pendente no
estrangeiro, ou de uma causa proponível na justiçanacional, poderá esta ser
proposta aqui; e a circunstância de causa conexa, já pendente na jurisdição
estrangeira, será absolutamente irrelevante, para impedir a pendência da
causa entre nós”162.
6.1 Imunidade de jurisdição dos Estados estrangeiros
Não mais se admite como absoluta a regra referente à imunidade de
Estado estrangeiro, tendo em vista que as Convenções de Viena se referem à
imunidade das pessoas e não dos Estados estrangeiros, sendo certo que as
primeiras continuam tuteladas pelas regras diplomáticas.
Oportunos os esclarecimentos feitos por Athos Gusmão Carneiro: “Já
quanto ao Estado estrangeiro, a Convenção europeia de Basileia, de 1972,
sobre as imunidades dos Estados, e leis dos Estados Unidos, do Reino Unidos
e de outros países introduziram limitações à teoria da imunidade absoluta,
passando a aceitar-se o controle jurisdicional sobre os atos de pura gestão
praticados pelo Estado estrangeiro, mas não sobre os atos caracterizados
como jure imperii (STF, AC 9696, Pleno, reclamação trabalhista contra a
hoje extinta República Democrática Alemã, ac. de 31.05.1989, rel. Min.
Sydney Sanches, com elucidativo voto do Min. Francisco Rezek)”163.
A representação em juízo de Estados estrangeiros deve ser feita pelo
embaixador e não pelo cônsul164.
As cartas rogatórias constituem instrumento de cooperação entre os países
que mantêm relações diplomáticas.
A carta rogatória passiva (recebida pelo Brasil para que se lhe dê
cumprimento) deve se submeter à homologação, perante o Superior Tribunal
de Justiça, isto é, a decisão que se busca ver cumprida deverá passar pelo
juízo de delibação do STJ ou do juízo competente para lhe dar cumprimento,
caso, por exemplo, trate-se de carta rogatória originária de país integrante do
Mercosul, pois o Brasil incorporou o Protocolo de Las Leñas, por meio do
Decreto Legislativo n. 55/95, bem como pelo Decreto n. 2.067/96, que
facilita o cumprimento de cartas rogatórias entre os países integrantes do
bloco.
6.1.1 Homologação de decisão estrangeira
A sentença estrangeira somente produz seus regulares efeitos no Brasil
após a sua homologação, ou, tratando-se de decisão interlocutória, por meio
do procedimento da carta rogatória (art. 961). Trata-se do juízo de delibação,
proveniente do sistema italiano, por meio do qual o Estado exerce a sua
soberania, em sendo a jurisdição uma das facetas de um Estado soberano165.
Nesta toada, cabe à parte interessada se valer da ação de homologação de
decisão estrangeira para que os efeitos da sentença proferida no exterior
sejam verificados (art. 960). Da mesma forma, a execução de decisão
interlocutória está adstrita ao procedimento da carta rogatória (art. 960, § 1º),
que também se submete ao juízo de delibação, como regra166.
O CPC/2015, distanciando-se do CPC/73, faz ressalva expressa à
obrigatoriedade do “juízo de delibação”, permitindo produção automática dos
efeitos de decisão estrangeira, quando houver dispositivo especial previsto
em tratado nesse sentido (art. 960, § 1º).
Vale ressaltar, ainda, que as decisões estrangeiras homologáveis são
aquelas que, no Brasil, sejam enquadradas como sentenças,
independentemente de serem classificadas como judiciais ou administrativas
no seu país de origem (art. 961, § 1º). Assim, é possível homologar decisão
proveniente do Contencioso Administrativo, vinculado ao órgão do Poder
Executivo do país originário (existente, por exemplo, na França e na Itália)167.
Por fim, o CPC/2015 é expresso em conferir aplicação subsidiária da
disciplina da homologação de decisão estrangera à sentença arbitral proferida
no exterior (art. 960, § 3º).
A competência para homologar sentença estrangeira e conceder exequatur
às cartas rogatórias foi inicialmente atribuída ao Supremo Tribunal Federal.
Porém, com o advento da Emenda Constitucional n. 45/2004, houve o
deslocamento da competência para o Superior Tribunal de Justiça, por meio
da inclusão da alínea i no art. 105, I, da Constituição Federal.
Não compete ao STJ, entretanto, a reapreciação do mérito da decisão
estrangeira. O seu “juízo de delibação” restringe-se à análise de exigências
extrínsecas à decisão, tais quais: ser proferida por autoridade competente (art.
963, I), ser precedida de citação regular, ainda que verificada a revelia (art.
963, II), ser eficaz no país em que foi proferida (art. 963, III), não ofender a
coisa julgada brasileira (art. 963 IV), estar acompanhada de tradução oficial,
salvo disposição que a dispense prevista em tratado (art. 963, V) e não conter
manifesta ofensa à ordem pública (art. 963, VI).
Com efeito, após o deslocamento da competência operada pela Emenda
Constitucional n. 45, o procedimento de homologação passou a obedecer ao
que dispõem os tratados em vigor no Brasil e ao Regimento Interno do
Superior Tribunal de Justiça, consoante art. 960, § 3º, do CPC/2015. Neste
contexto, importante ressaltar a Emenda Regimental n. 18, publicada pelo
STJ em 2014, que acrescentou o capítulo “Da Homologação de Decisão
Estrangeira” (arts. 216-A a 216-X) ao seu Regimento Interno,
regulamentado, no que lhe cabe, o procedimento de recepção de decisões
estrangeiras168.
Finalmente, uma vez homologada a sentença estrangeira ou concedido
exequatur à carta rogatória, compete à Justiça Federal proceder com o
cumprimento da decisão, nos termos do art. 515, incisos VIII e IX, do
CPC/2015 e do art. 109, X, da Constituição Federal.
6.2 Cooperação internacional
O CPC/2015 tratou da cooperação internacional, objetivando se adequar
ao crescente processo de globalização, cujos reflexos são atestados na
dinâmica movimentação de pessoas, bens e dinheiro entre Estados169.
Em primeiro plano, atribuiu-se aos tratados internacionais a função de
regular as relações em sede de cooperação internacional (art. 26, caput).
Porém, a ausência de tratado vigente no Brasil não obsta que se proceda com
a cooperação internacional, que poderá realizar-se com base na reciprocidade,
manifestada por via diplomática (art. 26, § 1º).
O CPC/2015 define duas modalidades de cooperação jurídica
internacional: auxílio direto (arts. 28 a 34) e carta rogatória (arts. 35 a 36).
O auxílio direto é cabível quando a medida não decorrer diretamente de
decisão de autoridade jurisdicional estrangeira (art. 28). Tal modalidade se
justifica, pois viabiliza maior fluidez nas relações internacionais, ao dispensar
a exigência da prévia apreciação pelo STJ, restringindo as medidas sujeitas ao
procedimento jurisdicional da homologação170.
Os possíveis objetos do auxílio direto estão elencados no art. 30 do
CPC/2015, conforme se segue: obtenção e prestação de informações sobre o
ordenamento jurídico e sobre processos administrativos ou jurisdicionais
findos ou em curso (inciso I), colheita de provas, salvo se a medida for
adotada em processo, em curso no estrangeiro, de competência exclusiva de
autoridade judiciária brasileira (inciso II), qualquer outra medida judicial ou
extrajudicial não proibida pela lei brasileira (inciso III).
O art. 29 estabelece, ainda, que a solicitação realizada por Estado
estrangeiro deverá ser encaminhada à autoridade central brasileira, que é, em
regra, o Ministério da Justiça, nos termos do art. 26, § 4º.
Pois bem, verificada a necessidade de participação do Poder Judiciário na
providência solicitada por país estrangeiro, a autoridade central encaminhará
o pedido à Advocacia-Geral da União, para que proceda com o requerimento
em juízo (art. 33).
Nesta hipótese, compete ao juízo federal do lugar em que deva ser
executada a medida, apreciar o pedido de auxílio direto passivo – ou seja,
proveniente de país estrangeiro, consoante art. 34 do CPC/2015.
Por outro lado, não verificada a necessidade de participação judicial, a
autoridade central brasileira poderá adotar as providências necessárias junto
às autoridades administrativas competentes, a fim de dar cumprimento à
medida solicitada (art. 32).
Conforme abordamos no item 6.1, a competência para realizar o “juízo de
delibação” de carta rogatória foi atribuída ao SupremoTribunal de Justiça
(art. 36), que poderá analisar, além da homologação de sentença estrangeira,
a execução de decisão interlocutória e a decisão arbitral proferida no exterior
(art. 960).
7. Competência exterior e competência interior
A competência pode ser vista da perspectiva do órgão jurisdicional que se
esteja considerando em relação ao “contexto ou conjunto de funções que ele
tem dentro do Poder Judiciário”171. Trata-se aqui da competência exterior.
Porém, principalmente quando se cuida de órgãos colegiados, tem enorme
importância a competência interior. Por exemplo, sabemos que determinada
causa será apreciada pelo Tribunal de Justiça (competência exterior), porém
cumpre fixar qual de seus órgãos fracionários (Câmara, Plenário, v.g.) irá
apreciá-la (competência interior). Assumem grande relevância, no que diz
com os critérios de competência interna, os regimentos internos dos tribunais.
8. Competência em razão da matéria – absoluta
A competência, como dito, pode ser fixada em razão da matéria a ser
discutida no processo.
O Código de Processo Civil prevê a possibilidade de serem fixados
critérios de competência em razão da matéria, da pessoa, do valor da causa,
em razão do território ou do foro, bem como pode ser funcional. Tal fixação,
pois, decorrerá de outros diplomas, observadas, evidentemente, as regras de
competência previstas na Constituição Federal, como corretamente faz
referência o art. 44 do CPC.
Normalmente, cabe às leis de organização judiciária locais regular a
competência em razão da matéria. Quanto maior o movimento, isto é, a
quantidade de processos, maior a especialização, que deverá ser disciplinada
pelas leis de organização judiciária locais. Por isso, na Capital de São Paulo,
v.g., há as Varas da Família e Sucessões, Varas da Fazenda Pública, Varas de
Registros Públicos, Varas Empresariais, Varas de Falência, Recuperação de
Empresas e causas envolvendo Arbitragem etc., divisão de competência feita
pelas leis locais, à luz dos critérios estabelecidos pelo Código de Processo
Civil para a divisão da competência em razão da matéria.
Identificada a competência territorial para determinada ação, é preciso
analisar a matéria objeto da ação e, assim, identificar o juízo competente.
Assim, a Súmula 206 do STJ: “A existência de vara privativa, instituída por
lei estadual não altera a competência territorial resultante das leis de
processo”. Conforme dissemos acima, será preciso analisar se a ação deve ser
proposta perante a Vara de Família e Sucessões, da Fazenda Pública, dos
Registros Públicos etc. Trata-se de análise que leva em conta regras de
competência absoluta, pois envolve critérios materiais172.
Havendo mais de um juízo abstratamente competente para conhecer da
causa, será esta distribuída de acordo com critérios alternativos, respeitando-
se a igualdade (arts. 251 e 252).
A prevenção é que fixará a competência para determinado juízo, dentre os
vários que, em tese, seriam competentes para apreciar a matéria. Deve ser
analisada, ainda, a competência e a divisão interna dos órgãos colegiados,
para se identificar se o pedido, por exemplo, deve ser dirigido à Turma (ou à
Câmara), ao Pleno, se se tratar de ação de competência originária dos
tribunais.
9. Competência funcional – absoluta
Este critério leva em conta a função do órgão jurisdicional.
A respeito da competência funcional, temos que a distribuição pode ser
vertical. É o que acontece quando se fala na competência dos tribunais para
apreciar recursos. O juízo de primeiro grau tem competência originária para a
causa, o tribunal tem competência para apreciar os recursos interpostos contra
as decisões de primeiro grau. A distribuição das competências funcionais
pode ser também horizontal. É o que acontece, por exemplo, quando se
expede carta precatória para interrogatório de uma testemunha residente em
outra comarca.
Tem-se, como modalidade desse critério, o caso da competência funcional
hierárquica dos tribunais para julgarem os recursos. É, ainda, o caso dos
juízos monocráticos para julgarem as ações em primeira mão, sendo de se
observar que apenas excepcionalmente as causas são ajuizadas,
originariamente, perante os tribunais, como, por exemplo, nos casos previstos
no art. 102, I, a a r, da CF, em relação ao Supremo Tribunal Federal. Em
regra, e este é o princípio informador, a competência é do primeiro grau,
salvo se, por texto expresso, deixar de sê-lo.
A competência dos tribunais é fixada pelas leis de organização judiciária,
mas antes disso pela própria Constituição Federal (art. 96). É o que se
observa no art. 102 e s. da CF/88. Como visto, é, exemplificativamente, da
competência (originária) do Supremo Tribunal Federal o julgamento de ação
direta de inconstitucionalidade de lei federal (art. 102, I, a).
10. Competência em razão do valor – relativa
A competência é também fixada em razão do valor. O art. 63 do CPC
dispõe poderem as partes “modificar a competência em razão do valor e do
território, elegendo foro onde será proposta ação oriunda de direitos e
obrigações”, o que nos conduz a afirmar que a competência em razão do
valor é relativa, na medida em que aludido dispositivo legal permite a
modificação, pelas partes, da competência.
Já à época do CPC/73, cujo art. 111 guarda substancial correspondência
com o atual art. 63, Celso Agrícola Barbi sustentava: “a segunda parte do art.
111 confirma a regra do art. 102, segundo a qual a competência em razão do
território, ou do valor, é relativa, derrogável”173.
Assim, “se, num contrato entre A e B, ambos domiciliados na comarca da
Capital de São Paulo, ajusta-se como foro de eleição o da comarca de Santos,
no mesmo Estado de São Paulo, tal pacto é válido porque, em si mesmo, não
redefine, com agressão a norma legal alguma, a competência de nenhuma das
comarcas. Isto quer dizer que quando no art. 111 se diz modificação da
competência, significa-se que, ao lado do foro já competente – in casu, o(s)
foro(s) domiciliar(es) –, erige-se mais um foro competente, isto é,
concorrentemente competente com o domiciliar”174. Esse o motivo pelo qual
a competência em razão do valor é relativa.
Outro exemplo de competência relativa, quando esta for fixada em razão
do valor da causa, dá-nos Humberto Theodoro Júnior, ao afirmar: “Uma
hipótese de influência do valor da causa sobre a competência recursal ocorre
com os executivos fiscais de pequeno valor, já que a impugnação da sentença
não será endereçada ao tribunal de segundo grau, mas ao próprio juiz prolato
da decisão (Lei n. 6.830, de 22.09.1980, art. 34, § 3º)”175.
Nas hipóteses acima ventiladas, a competência em razão do valor é
relativa (regra geral), de modo que, uma vez violada, se não alegado o vício a
tempo e no modo devidos, ocorre prorrogação da competência.
Questão de suma importância diz respeito à competência em razão do
valor da causa dos foros regionais, notadamente na comarca de São Paulo.
Em referida Comarca, determinadas causas, cujo valor ultrapasse um teto
fixado em lei, não podem ser ajuizadas nos foros regionais, mas somente no
foro central. O Código de Processo Civil traz a possibilidade de serem
fixados critérios de competência em razão do valor da causa, mas a
regulamentação de ditos critérios se faz por meio das leis de organização
judiciária locais, respeitados os critérios estabelecidos no Código de Processo
Civil.
Embora a matéria deva ser tratada com mais detença, vale ressaltar, desde
já, que a toda causa, independentemente de ter ou não conteúdo econômico
imediatamente dimensionável, deve ser atribuído um valor (art. 291), sendo
que, para determinadas hipóteses (art. 292, incisos I a VIII e §§ 1º e 2º), a lei
predetermina o valor a ser dado à causa.
Ressalta Patrícia Miranda Pizzol que “a exigência da indicação do valor da
causa se deve ao fato de ele ser importante: para a identificação do
procedimento; para a fixação do valor das custas iniciais; para a verificação
da admissibilidade de alguns recursos; para a condenação dos honorários”176.
Registre-se que oentendimento preponderante, do qual compartilhamos, é
o de que a competência dos foros regionais, no caso da Comarca de São
Paulo (art. 54, I, da Res. n. 2/76 do TJSP), conquanto fixada em razão do
valor (até 500 vezes o valor do salário mínimo vigente), é absoluta, e não
relativa.
Ensina, a propósito, Arruda Alvim que “a competência dos foros
regionais, no que diz respeito à matéria (curialmente) e ao valor (igualmente),
é absoluta, no sentido de não admitir a preferência pelo foro central, em
detrimento de um dado foro regional”177.
O fundamento para tal assertiva encontra-se delineado na própria lei de
organização judiciária, que veda a competência cumulativa entre o foro
central e os regionais (art. 53, II, da Res. n. 2/76 e art. 4º da Lei n. 3.947/83).
Assim, na comarca de São Paulo, não há opção para as partes em ajuizar
eventual ação em um foro regional ou um foro central, pois “suposta eleição
é atentatória das regras de competência, pois que, sendo descoincidente a
competência do foro central da dos foros regionais, tal eleição é contra legem
e vai contra o disposto no art. 54 da Res. 2/76 e art. 4º da Lei n. 3.947/83”178.
Desta forma, resta-nos concluir que a competência em razão do valor, para
o Código de Processo Civil, é relativa, na medida em que as partes podem
modificar a competência. De outro lado, quando se tratar de fixação de
competência em razão do valor da causa dos foros regionais na comarca de
São Paulo, a competência é absoluta.
Patrícia Pizzol, na vigência do CPC/73, entendia que a competência dos
foros regionais na Comarca de São Paulo é “absoluta, muito embora, em
princípio, à luz do art. 102 do CPC, seja a competência fixada em razão do
valor da causa prorrogável. Isso porque o critério de que se valeu o legislador
para a criação dos foros regionais e para a fixação da competência foi o do
interesse público, e não o da comodidade das partes”179.
Vemos, assim, que o caso dos foros regionais na comarca de São Paulo é
sui generis, haja vista que, conquanto o critério “valor” interfira diretamente
na fixação da competência do foro regional, trata-se de caso de competência
absoluta, sendo vedado ao interessado optar pelo foro central em detrimento
do foro regional. Nesta toada, segundo comentário de Arruda Alvim, de
pertinência contemporânea: “apesar dos aparentes entraves exegéticos que se
colocam diante do aplicador da lei (isto é, o Código de Processo Civil, que no
art. 111 define a competência territorial e por valor como relativas), não se
pode admitir, como regra corrente, na dinâmica da vida judiciária, a eleição
do foro central, por exemplo e por hipótese, em detrimento de um dado foro
regional, para causas cujos valores seriam e são da exclusiva competência do
foro regional; inversamente, nem pelo fato da competência por valor ser
relativa pelo Código de Processo Civil (art. 111) poder-se-ia admitir, no caso
vertente, que se viesse atribuir, a um dado foro regional, uma competência
por valor superior à legal (art. 54 da Res. 2/76 do TJSP). Se isto ocorresse e
fosse tido por legítimo, por certo, implicaria demonstrar o sistema de divisão
interna da comarca da Capital, com infração à lei, o que seria tanto mais
prejudicial se isto viesse a ser admitido como regra geral”180.
10.1 Competência dos Juizados Especiais
A revogada Lei n. 7.244/84 criou os Juizados Especiais de Pequenas
Causas, mas o seu âmbito de atuação era muito restrito. A Constituição
Federal de 1988 veio dispor sobre a criação de juizados especiais, pela União
e pelos Estados-membros, nos limites da sua jurisdição (art. 98, I), com
competência para a conciliação, julgamento e execução de causas cíveis de
menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo.
A Lei n. 9.099/95, ao instituir os Juizados Especiais Estaduais Cíveis e
Criminais, determinou que o Juizado Especial Cível tem competência para as
causas cíveis de menor complexidade, assim consideradas: “I – as causas
cujo valor não exceda a 40 (quarenta) vezes o salário mínimo; II – as
enumeradas no art. 275, inciso II, do Código de Processo Civil; III – a ação
de despejo para uso próprio; IV – as ações possessórias sobre bens imóveis
de valor não excedente ao fixado no inciso I deste artigo (art. 3º, incisos I a
IV)”.
Frisa-se que a Lei n. 9.099/95 foi promulgada durante a vigência do
CPC/73, estando o referido art. 275, inciso II, relacionado às causas que se
sujeitavam ao procedimento sumário. Porém, com o advento do CPC/2015, a
divisão do procedimento comum em ordinário e sumário – cognição ampla e
exauriente – foi superada. Atualmente, o procedimento comum se aplica a
todas as tutelas de caráter cognitivo, salvo aquelas sujeitas aos procedimentos
especiais.
Por conseguinte, o art. 1.049, parágrafo único, do CPC determina que, nas
hipóteses em que a lei mencionar o procedimento sumário – remetendo-se à
sistemática do CPC/73 –, deverá ser observado o procedimento comum,
respeitadas as especificidades próprias da lei especial.
Assim, as causas elencadas no art. 275, inciso II, do CPC/73 atualmente
submetem-se ao procedimento comum, devendo prevalecer tal interpretação
para fins de definição da competência do Juizado Especial Cível.
Ainda, a lei excluiu da competência dos juizados especiais “as causas de
natureza alimentar, falimentar, fiscal e de interesse da Fazenda Pública, e
também as relativas a acidentes de trabalho, a resíduos e ao estado e
capacidade das pessoas, ainda que de cunho patrimonial” (art. 3º, § 2º, Lei n.
9.099/95). Oportuno mencionar, contudo, que a recente Lei n. 12.153/2009
passou a instituir os Juizados Especiais da Fazenda Pública no âmbito dos
Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios. Aludidos
Juizados são competentes para processar, conciliar e julgar causas cíveis de
interesse dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios,
até o valor de 60 salários mínimos, nos termos do caput do art. 2º da Lei n.
12.153/2009.
A competência fixada pela Lei n. 9.099/95 não é absoluta, mas relativa181.
Dessa forma, ainda que a causa possa ser intentada perante o Juizado, a parte
poderá propor a ação no juízo cível comum (o § 3º do art. 3º da Lei n.
9.099/95 diz se tratar de “opção” do autor). Oportunas, nesse contexto, as
considerações feitas por Nelson Nery Jr. e Rosa Nery: “Muito embora a LJE
não repita, de forma expressa, a regra da revogada LPC [Lei das Pequenas
Causas] 1º, segundo a qual o autor podia optar pelo ajuizamento da causa nos
juizados de pequenas causas, o sistema atual não foi modificado. O autor
pode, no regime jurídico da vigente LJE, optar pelo ajuizamento da ação no
regime do CPC ou pelo regime da LJE”182.
De seu turno, a competência dos Juizados Especiais da Fazenda Pública,
criados pela recente Lei n. 12.153/2009, é absoluta. Com efeito, dispõe o § 4º
do art. 2º de referido diploma legal: “No foro onde estiver instalado Juizado
Especial da Fazenda Pública, a sua competência é absoluta”.
No âmbito da Justiça Federal, a Lei n. 10.259/2001 instituiu os Juizados
Especiais Cíveis e Criminais.
Ao Juizado Especial Federal Cível foi conferida competência para
“processar, conciliar e julgar causas de competência da Justiça Federal até o
valor de 60 (sessenta) salários mínimos, bem como executar as suas
sentenças” (art. 3º, caput, da Lei n. 10.259/2001), expressamente excluídas:
a) as causas a que se refere o art. 109, II, III e XI, da CF, as ações de
mandado de segurança, de desapropriação, de divisão e demarcação,
populares, execuções fiscais e por improbidade administrativa, bem como as
ações que versem direitos ou interesses difusos, coletivos ou individuais
homogêneos (art. 3º, § 1º, I); b) as ações que versem bens imóveis da União,
autarquias e fundações públicas federais (art. 3º, § 1º, II); c) as ações para a
anulação ou cancelamento de ato administrativo federal, não incluídos nesta
exceção os atos de natureza previdenciária e de lançamento fiscal (art. 3º, §
1º, III); e, ainda, d) as ações que visem impugnar pena de demissão quehaja
sido imposta a servidores públicos civis ou sanções disciplinares aplicadas a
militares (art. 3º, § 1º, IV).
O próprio legislador, a fim de dissipar eventuais incertezas acerca do
âmbito de aplicação dessa lei, estabeleceu expressamente que, “no foro onde
estiver instalada Vara do Juizado Especial, a sua competência é absoluta”
(art. 3º, § 3º).
11. Competência territorial – relativa
A competência pode ser fixada também em razão do território. As regras
de competência territorial vêm disciplinadas no art. 46 e s. Trata-se, também,
de hipótese de competência que, de regra, é relativa, assim como aquela
fixada em razão do valor.
11.1 Hipóteses de competência territorial
O art. 46 estabelece a regra geral a respeito da competência territorial. O
réu, nas ações fundadas em direito pessoal ou real sobre bens móveis, deverá
ser demandado no foro de seu domicílio. Este é o chamado foro geral
principal. Tendo mais de um domicílio (art. 71 do CC/2002), poderá o réu ser
demandado em qualquer deles (art. 46, § 1º).
Os §§ 2º, 3º e 4º do art. 46 cuidam dos chamados foros gerais
subsidiários. O § 2º dispõe que, sendo incerto ou desconhecido o domicílio
do réu, poderá ser demandado onde for encontrado ou no foro do domicílio
do autor; o § 3º dispõe que, não sendo o réu domiciliado no Brasil, nem tendo
aqui residência, será a demanda proposta no foro do domicílio do autor e, se
este também residir fora do Brasil, a ação será proposta em qualquer foro; e,
por fim, o § 4º estabelece que, existindo dois ou mais réus, com diferentes
domicílios, serão demandados no foro de qualquer deles, à escolha do autor.
11.2 Competência dos foros regionais
Nos grandes centros urbanos, em que há grande e concentrado volume de
processos em andamento, verifica-se a criação dos denominados “foros
regionais”, na tentativa de desobstruir os foros centrais, a fim de conferir uma
melhor distribuição da Justiça.
Em São Paulo, predomina o entendimento de que a competência dos foros
regionais é absoluta. Essa a opinião que encampamos, conforme já referimos
anteriormente. Nesse sentido é a orientação do Tribunal de Justiça de São
Paulo:
“Quer seja a competência de foro regional fixada ratione materiae, quer
seja fixada em razão do valor da causa, ela tem natureza absoluta e pode ser
declinada de ofício”183.
“Competência. Conflito. Foro regional. Competência para julgamento de
ação de cobrança de aluguéis. Natureza funcional. Aplicação da Res. 01/71
do Tribunal de Justiça. Competência do foro regional em cujo território está o
imóvel (art. 26, I, d). Regra que se aplica à ação de execução por título
executivo extrajudicial onde se postula o recebimento de aluguéis. Conflito
procedente”184.
Arruda Alvim também sustenta, como se verificou, que a competência dos
foros regionais, no que tange à matéria e ao valor, é absoluta185.
A Súmula 21 do extinto 1º Tribunal de Alçada Civil de São Paulo,
contudo, dispõe que “na comarca de São Paulo é relativa a competência dos
foros regionais”. Conforme dissemos, não é este o entendimento que
prevalece nos tribunais. Nós entendemos, na linha da jurisprudência
majoritária, que se trata de competência absoluta, não relativa. Nesse sentido,
dispõe a letra da Súmula 3 do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul: “Na
comarca da capital, a repartição dos feitos entre o Foro centralizado e os
Foros regionais é motivada em razões de ordem pública, autorizados os juízes
a, de ofício, declinar da competência entre os referidos foros, obedecidos os
preceitos do COJE e dos arts. 94 a 111 do CPC”.
Há que ser levado em conta, nesse caso, o interesse público que levou à
divisão de competências entre os foros regionais e o foro central, como bem
ressalta Patricia Miranda Pizzol, em lição vazada nos termos seguintes: “O
critério que primeiramente informou as normas em questão foi o do interesse
público (...) os foros regionais foram criados exatamente com a finalidade de
permitir um acesso mais amplo e cômodo à Justiça pelos jurisdicionados, e
permitir uma prestação jurisdicional mais efetiva, ou seja, o que levou o
legislador estadual a criar os foros regionais e conferir-lhes competência para
apreciar e julgar determinadas lides foi o interesse público na boa
administração da justiça. Sendo assim, a hipótese não é de competência
relativa, mas absoluta”186. Nesse norte é o entendimento de Nelson Nery Jr. e
Rosa Nery187.
Nessa mesma linha tem entendido o Tribunal de Justiça do Rio Grande do
Sul: “Conflito negativo de competência. Foro de eleição. Indicação de foro
regional da Comarca de Porto Alegre. Impossibilidade. Administração
judiciária. Questão de ordem pública. A cláusula de foro de eleição no
contrato em litígio é inoperante, em razão de as partes não disporem da
faculdade de optar por foro regional de determinado foro, com a exclusão do
juízo de competência territorial fixada dentro da mesma comarca pelas regras
de organização judiciária, no caso, o Foro Central de Porto Alegre. Foro
regional não se confunde com comarca, constituindo-se tão-somente numa
subdivisão desta, de modo que os órgãos jurisdicionais que o compõem
integram, em última análise, uma mesma comarca, ou foro. Inviável a opção
por foro regional em cláusula de foro de eleição. Competência de foro não se
confunde com competência de juízo. Conflito procedente. Unânime”188.
De acordo com Arruda Alvim, em lição que nos servimos de acompanhar,
“quando o art. 111 [correspondente ao art. 63, do CPC/2015] alude à
modificação da competência, o que aí se quer significar é que, ao lado dos
foros já competentes, se pode estabelecer um outro, igualmente competente,
com observância rigorosa das leis (Código de Processo Civil e lei de
organização judiciária). Este pacto ou ajuste sobre a competência, como tal,
portanto, é inviável para eleição do foro central, em detrimento do foro
regional, e vice-versa, pois que envolve necessária afronta à lei de
organização judiciária. (...) Mesmo no sistema do Código de Processo Civil,
quando se diz que a competência em razão do valor ou do território poderá
ser modificada pela conexão ou continência (art. 102) [correspondente ao art.
54, do CPC/2015], tal alteração exige: a) previsão normativa (v.g., a do art.
105 do CPC [de 1973, correspondente ao art. 57, do CPC/2015] e, ao nível da
lei de organização judiciária, a do art. 54, I, da Res. 2/76 do TJSP; b) e não,
ao reverso, toda e qualquer manifestação de vontade, ou qualquer outro fato a
que a lei empreste alguma relevância”189.
Há que se destacar, assim, que a criação dos foros regionais envolve uma
conotação social muito importante, que não deve ser desconsiderada, qual
seja aproximar os órgãos jurisdicionais da população, facilitando-lhes o
acesso à Justiça. Além disso, contribui para desobstruir a pauta do foro
central, tornando a prestação jurisdicional mais célere.
12. Foros especiais e análise do art. 53
Vejamos a seguir os casos de foros especiais (arts. 47, 48, 49, 50, 51 e 53).
O art. 94 e seus parágrafos encontram aplicação sempre que não for caso de
aplicar quaisquer das regras concernentes a tais foros especiais.
Nas ações relativas a direitos reais sobre imóveis, será competente o foro
da situação da coisa (art. 47, caput), podendo o autor optar pelo foro do
domicílio do réu ou de convenção das partes, desde que o litígio não recaia
sobre direito de propriedade, vizinhança, servidão, posse, divisão e
demarcação de terras e nunciação de obra nova (art. 47, § 1º)190.
A razão de ser dessa regra é evidente. A proximidade do juiz da causa com
o bem imóvel em litígio permite que se realizem com maior celeridade e
eficácia as diligências que se fizerem necessárias. As hipóteses contempladas
no § 1º deste dispositivo encerram hipótese de competência funcional e, pois,
absoluta, a respeito das quais não se admite convenção entre as partes.
Tratando-se de ação de rescisão contratual cumulada com reintegração de
posse de bem imóvel, discute-se, em sede jurisprudencial, se seria caso de
competência absoluta – hipótese em que a açãodeve ser proposta no local do
bem que se pretende reintegrar191 – ou, diferentemente, sendo de natureza de
direito pessoal a rescisão pretendida, e a reintegração um mero efeito dessa
ação192, se seria válida a eleição de foro eventualmente pactuada. Filiamo-nos
à primeira corrente, porque entendemos que, se está em pauta reintegração de
posse, a competência do foro da situação da coisa não pode ser afastada.
O art. 46 dispõe que o foro do domicílio do autor da herança, no Brasil, é
o competente não apenas para o inventário, mas também para as ações
concernentes à partilha, arrecadação, cumprimento de disposições de última
vontade, impugnação ou anulação de partilha extrajudicial, bem como todas
demandes em que o espólio figurar como réu., Ademais, em sendo incerto o
domicílio do autor da herança, será competente o foro de situação dos bens
imóveis, (parágrafo único, I), ou, caso haja bens imóveis em foros diferentes,
será competente qualquer destes (parágrafo único, II). Inexistindo bens
imóveis, a competência passa a ser do foro do local de qualquer dos bens do
espólio (parágrafo único, III).
As ações contra o ausente (arts. 744 e 745 do CPC c/c arts. 22 a 39 do CC)
correm no foro de seu último domicílio, que é também o competente para a
arrecadação, o inventário, a partilha e o cumprimento de disposições
testamentárias (art. 49).
O art. 50 não contém propriamente uma exceção à regra do foro geral do
art. 46, pois que dispõe que o incapaz será demandado no domicílio do seu
representante ou assistente, que, todavia, por lei (art. 76, parágrafo único, do
CC), também é o seu. Trata-se, pois, mais de uma explicitação da regra do
art. 46. A esse respeito, quanto à competência para processar e julgar ações
conexas de interesse do menor, a Súmula 383 do STJ: “A competência para
processar e julgar as ações conexas de interesse de menor é, em princípio, do
foro do domicílio do detentor de sua guarda”.
A redação do art. 51 do CPC, no que diz respeito à competência nas ações
em que a União for parte, encontra-se, por sua vez, em total harmonia com o
art. 109, I e §§ 1º e 2º, da CF/88, a que já aludimos anteriormente, quando
dissemos que a União tem foro privilegiado, diferentemente dos Estados e
Municípios, que têm apenas juízo privativo193. De acordo com o dispositivo,
estando a União no polo ativo, aplica-se a regra geral de competência do
domicílio do réu (art. 51, caput). Por outro lado, sendo ela a demandada, a
ação poderá ser proposta nos seguintes foros, a critério do demandante: foro
de domicílio do autor, de ocorrência do ato ou fato originário da demanda, de
situação da coisa ou no Distrito Federal (art. 51, parágrafo único). O art. 53,
I, por sua vez, regula os possíveis foros competentes para a ação de divórcio,
separação, anulação de casamento e reconhecimento ou dissolução de união
estável. Referido dispositivo impõe a seguinte ordem de competência:
domicílio do guardião de filho incapaz (art. 53, I, alínea a), último domicílio
do casal, caso não haja filho incapaz (art. 53, I, alínea b), e o foro do
domicílio do réu, não verificadas a ocorrência das hipóteses anteriores no
caso concreto (art. 53, I, alínea c).
Vale ressaltar, ainda, que o art. 53, I, veio substituir o art. 100, I, do
CPC/73, que preconizava a regra protetiva da mulher na ação de separação,
conversão em divórcio e anulação de casamento, dispondo ser competente o
foro da residência da mulher194. À época do CPC/73, já se questionava a
constitucionalidade do dispositivo, em face da consagração do princípio da
igualdade estabelecido no art. 226, § 5º, da Constituição Federal, em sua
índole não apenas formal, como também material.
A jurisprudência não chegou a um consenso até então, mas o Superior
Tribunal de Justiça se manifestou a respeito, entendendo que tal privilégio já
não mais prevalece, porquanto conflita com o princípio da igualdade entre os
cônjuges preconizado no art. 226, § 5º, da Constituição195. Dito isto, vê-se
que o atual regramento encampou o entendimento assumido pelo Superior
Tribunal de Justiça, ao afastar diferenciação de tratamento entre homens e
mulheres no que toca à fixação de competência. O art. 53, II, estabelece que é
competente para o julgamento das ações de alimentos o foro do domicílio ou
residência do alimentando. Entendemos ser plenamente justificável a
propositura da ação de alimentos no domicílio do autor/alimentando. Ainda
que a ação seja de investigação de paternidade cumulada com ação de
alimentos, a competência é a do foro do alimentando, conforme dispõe a
Súmula 1 do STJ196.
Além disso, o art. 53 dispõe ser competente o foro da sede da pessoa
jurídica, quando esta for ré (inc. III, a), da agência ou sucursal197, quanto às
obrigações que lhes digam respeito (inc. III, b), do local do exercício da
atividade principal, para ações em que figure como ré uma sociedade ou
associação sem personalidade jurídica (inc. III, c) e do local onde a obrigação
deve ser satisfeita, para a ação que lhe exigir o cumprimento (inc. III, d).
Ainda, segundo a Súmula 363 do STF, “a pessoa jurídica de direito privado
pode ser demandada no domicílio da agência ou estabelecimento em que se
praticou o ato”.
Durante a vigência do CPC/73, o STJ conferiu uma interpretação mais
ampla à alínea d do inc. IV do art. 100 (correspondente direto do art. 53, III,
alínea d, do CPC/2015), aplicando esta regra também para os casos de
indenização decorrente do não cumprimento do negócio jurídico contratual e,
em geral, a todas as causas referentes aos direitos e obrigações decorrentes
daquele pacto198.
Finalmente, será competente o foro do local do ato ou fato, na ação de
reparação de dano (inc. V, a) e na ação em que for réu o administrador ou
gestor de negócios alheios (inc. V, b). Em se tratando de indenização por
acidente de veículos ou delito, será competente o foro do domicílio do autor,
ou do local do fato (art. 53, V).
O STJ tem entendido que “o parágrafo único do art. 100 do CPC
contempla uma faculdade do autor, supostamente vítima de ato delituoso ou
de acidente causado por veículo para ajuizar a ação de reparação de dano no
foro de seu domicílio ou no do local do fato, sem exclusão da regra geral
prevista no caput do art. 94”199. O art. 100, parágrafo único, a que alude o
trecho acima é do CPC/73 e corresponde ao vigente art. 53, V, do CPC/2015.
É possível, portanto, ao autor optar entre o foro do local do ato ou fato
(art. 100, V, a) e a regra geral, segundo a qual a ação deverá ser ajuizada no
domicílio do réu (art. 94, caput), que, evidentemente, não terá por que se
opor, pois a escolha do foro do seu domicílio só o beneficia200.
Havendo previsão de regra especial e de foro diferenciado, tal como
sucede nas hipóteses do art. 53, é possível abrir mão da regra especial e
promover a ação pela regra geral (domicílio do réu)?
Encontramos algumas decisões, que reputamos corretas, no sentido de
que, nas hipóteses descritas no art. 53, poderá o autor propor a ação no foro
do domicílio do réu, renunciando ao foro especial, abrindo mão do benefício
processual que lhe é concedido201.
A regra diferenciada para a propositura da ação de reparação de danos em
caso de acidente de veículo não pode ser ampliada para favorecer a
seguradora (sub-rogada nos direitos do credor), tratando-se de uma regra que
favorece apenas a vítima direta do prejuízo202.
13. Modificação de competência
As regras de competência podem ser modificadas por diversos fatores,
dependendo do caso concreto. Vejamos.
13.1 Foro de eleição (vontade)
Quando a competência é fixada ou estabelecida com base nos critérios
valor e território, pode ser afastada por convenção das partes, diversamente
do que ocorre com o caso de a competência ser determinada com fulcro nos
critérios de matéria, pessoa ou função.
O foro de eleição não exclui o foro geral do art. 46, não podendo ensejar, a
escolha deste último, em detrimento do foro de eleição, o oferecimento de
exceção de incompetência. Ou, por outras palavras, o fato de existir foro de
eleição nãoimpede a propositura da ação no foro do domicílio do réu203. Há,
todavia, julgados entendendo ser cabível o oferecimento de exceção de
incompetência em tais casos, desde que o réu demonstre prejuízo causado
pela não escolha do foro de eleição.
A eleição de um foro é prática corrente nos contratos de adesão, o que,
muitas vezes, coloca o consumidor em situação de desvantagem perante o
fornecedor. Vislumbrando que o foro eleito acarreta, ou poderá acarretar,
dificuldades para o exercício de defesa pelo consumidor, o STJ já vinha
reconhecendo ser possível decretar a nulidade da cláusula de eleição204.
Observe-se que, em casos tais, não se estava autorizando o
reconhecimento de ofício de incompetência relativa, mas sim a decretação de
ofício de nulidade da cláusula, que, por sua consequência, gera o
reconhecimento da incompetência para julgamento do feito.
Essa saudável tendência jurisprudencial restou reconhecida pelo
legislador, que, ao editar a Lei n. 11.280/2006, introduziu um parágrafo único
no art. 112, do teor seguinte: “A nulidade da cláusula de eleição de foro, em
contrato de adesão, pode ser declarada de ofício pelo juiz, que declinará de
competência para o juízo de domicílio do réu”.
13.2 Conexão
As causas serão conexas quando lhes forem comuns o pedido ou a causa
de pedir (art. 55, CPC). Constatada a conexão, o juiz deverá ordenar a
reunião das causas para que sejam decididas simultaneamente, como medida
de economia processual, salvo se uma delas já houver sido sentenciada, a teor
do que estabelece o art. 55, § 1º, do CPC. Há certa margem de liberdade para
que as causas sejam reunidas, conforme a potencialidade de contradição
(lógica, não jurídica) dos julgados, sendo que, evidentemente, só há cogitar
de reunião das causas conexas se o juízo prevento não for absolutamente
incompetente para conhecer de causa conexa.
Aliás, neste passo, é de ser mencionado que a Lei n. 11.280/2006 alterou o
art. 253 do CPC/73, fazendo constar do inc. II que haverá distribuição por
dependência quando o pedido for reiterado e tiver havido, precedentemente,
naquele mesmo juízo, extinção do processo sem resolução do mérito. A
referida regra foi integralmente encampada pelo CPC vigente, conforme
redação do seu art. 286, II. Assim, deve haver distribuição por dependência
ainda que o pedido seja reiterado em litisconsórcio com outros autores ou
mesmo que sejam parcialmente alterados os réus da demanda.
De outro lado, a mesma Lei n. 11.280/2006 introduziu um inciso III no art.
253 do CPC/73, no sentido de que deve haver distribuição por dependência
de ações idênticas. Tal regra foi abandonada pelo CPC/2015, o qual
preconiza mais uma hipótese de distribuição por dependência, porém quando
verificado risco de prolação de decisões conflitantes ou contraditórias caso
decididas separadamente (art. 286, III).
Interessa notar que o CPC/2015 criou nova hipótese de reunião de
processos, independentemente da existência de conexão, conforme se colhe
do art. 55, § 3º, do CPC. Diz o aludido dispositivo que “serão reunidos para
julgamento conjunto os processos que possam gerar risco de prolação de
decisões conflitantes ou contraditórias caso decididos separadamente, mesmo
sem conexão entre eles”.
Em princípio, pode-se dizer que o dispositivo não encontra simples
exegese, pois não são facilmente identificáveis as hipóteses em que há risco
de prolação de decisões conflitantes, sem que haja conexão.
Porém, é de se notar que o TJSP julgou situação bastante interessante,
reveladora de hipótese fática em que foi aplicado o art. 55, § 3º, do CPC.
Tratava-se de ação de desapropriação movida por autarquia estadual contra o
particular. Ao lado disso, estava em curso ação reivindicatória movida por
aqueles que se diziam proprietários do bem. Com efeito, a procedência do
pedido de desapropriação, que tem como consequência o pagamento da justa
indenização, poderia conflitar com eventual decisão de procedência da ação
reivindicatória, por meio da qual se reconheceria que o bem pertence, em
verdade, ao autor. À vista disso, o TJSP determinou a reunião dos processos
para julgamento conjunto, na forma do mencionado art. 55, § 3º205.
É preciso notar, todavia, que tal espécie de reunião só se faz possível,
assim como na conexão, quando o juízo for absolutamente competente para
conhecer de ambas as demandas. Assim, se no exemplo acima a demanda de
desapropriação tramitasse perante vara especializada da Fazenda Pública,
parece-nos que não seria possível a reunião dos processos, já que a ação
reivindicatória não estaria abarcada na competência do juízo especializado.
Nessa hipótese, caberia apenas, ao que nos parece, a suspensão do processo
em que formulado o pedido de desapropriação, em razão da prejudicialidade
externa (definição de quem é o proprietário do bem e, por consequência, a
quem é devida a justa indenização).
13.3 Continência
Tem-se a continência entre duas ou mais ações sempre que há identidade
quanto às partes e à causa de pedir, mas o pedido de uma, por ser mais amplo,
abrange o das demais (art. 56).
A continência pode ser vista como uma forma qualificada de conexão. No
entanto, além da identidade quanto às partes e à causa de pedir, para haver
continência é necessário haver pedido mais amplo em uma das demandas,
que abranja o pedido contido na outra demanda, menos amplo.
Assim como na conexão, uma vez vislumbrada a continência entre duas ou
mais ações ajuizadas em juízos diferentes, caso não seja proferida sentença
sem resolução de mérito na ação contida, as causas deverão ser reunidas no
juízo prevento, evitando-se, dessa forma, julgamentos contraditórios (art. 57).
Nas ações civis públicas, de outro lado, há orientação do STJ na linha de que,
“reconhecida a continência, devem ser reunidas na Justiça Federal as ações
civis públicas propostas nesta e na Justiça estadual” (Súmula 489 do STJ).
13.4 Prorrogação de competência (inércia)
Se a parte ajuizar ação perante juízo relativamente incompetente, caberá à
outra parte alegar incompetência como questão preliminar de contestação, no
prazo estabelecido em lei (art. 64). No entanto, caso não seja alegada a
incompetência em preliminar de contestação, ela se prorroga em decorrência
da inércia da parte (art. 65). Tem-se, portanto, com a prorrogação de
competência, que aquele juízo originariamente incompetente para apreciar a
causa tornar-se-á competente, haja vista a ocorrência da preclusão.
No que se refere à incompetência absoluta, não há falar em prorrogação de
competência, por se tratar de matéria de ordem pública (pressuposto
processual de validade), que pode ser arguida em qualquer grau de jurisdição
e a qualquer tempo (arts. 64, § 1º, e 485, § 3º). A incompetência absoluta,
aliás, rende ensejo até mesmo à rescisão do julgado (art. 966, II).
14. Ações envolvendo pedido de indenização decorrente de acidente
do trabalho
Até dezembro de 2004, a Constituição Federal estabelecia ser da Justiça
do Trabalho a conciliação e o julgamento dos “dissídios individuais e
coletivos entre trabalhadores e empregados, abrangidos os entes de direito
público externo e da administração pública direta e indireta dos Municípios,
do Distrito Federal, dos Estados e da União, e, na forma da lei, outras
controvérsias decorrentes da relação de trabalho, bem como os litígios que
tenham origem no cumprimento de suas próprias sentenças, inclusive
coletivas”.
A Emenda Constitucional n. 45/2004 conferiu nova redação ao art. 114 da
Constituição, ampliando a competência da Justiça do Trabalho, que, segundo
o entendimento que tem prevalecido, passou a ser a competente para julgar as
ações de indenização decorrentes de acidentes do trabalho, que, antes disso,
eram processadas e julgadas pela Justiça comum.
Aliás, a propósito, o STJ já havia editado a Súmula 15, no sentido de que
“compete à Justiça Estadual processar e julgar os litígios decorrentes de
acidentes do trabalho”. O STF, por sua vez, já havia editado a Súmula 235:
“É competente para ação de acidente de trabalho a justiça cívelcomum,
inclusive em segunda instância, ainda que seja parte autarquia seguradora” e
a Súmula 501: “Compete à Justiça Ordinária Estadual o processo e o
julgamento, em ambas as instâncias, das causas de acidente de trabalho, ainda
que promovidas contra a União, suas autarquias, empresas públicas, ou
sociedades de economia mista”.
Contudo, após Emenda Constitucional n. 45, verifica-se que, pelo art. 114,
VI, da CF, passou a Justiça do Trabalho a ser a competente para conhecer a
julgar as causas relativas a indenizações decorrentes de acidente do
trabalho206-207.
Tem-se decidido, todavia, que, se já havia decisão de mérito quando do
advento da EC 45/2004, a competência continua sendo da Justiça comum208.
O STJ, aliás, chegou a editar a Súmula 367, com a seguinte redação: “A
competência estabelecida pela EC 45/2004 não alcança os processos já
sentenciados”. Mais recentemente, o STF veio a editar a Súmula Vinculante
22, vindo a consolidar referida orientação209.
15. Mandado de segurança (Lei n. 12.016/2009)
As regras de competência para o mandado de segurança são definidas de
acordo com a categoria, qualificação e hierarquia funcional da autoridade
coatora210. Dessa forma, a perfeita identificação da autoridade coatora é
fundamental para a fixação da competência para o processamento e
julgamento do mandado de segurança.
Sendo a competência definida em função da autoridade coatora, à
evidência trata-se de competência funcional, e, por isso mesmo, de natureza
absoluta, não podendo ser prorrogada, podendo, ademais, ser reconhecida de
ofício pelo Judiciário eventual incompetência211-212.
Na ausência de regras expressas, que podem estar encartadas não apenas
da Constituição Federal, mas também nas Constituições dos Estados (veja-se,
por exemplo, o art. 74, III, da Constituição do Estado de São Paulo), o
mandado de segurança será impetrado em primeira instância na Justiça
Federal, se a autoridade coatora for federal; e na Justiça Estadual, quando a
autoridade coatora for estadual. O art. 2º da recente lei disciplinadora do
mandado de segurança (Lei n. 12.016/2009) veio a estabelecer em seu art. 2º
que a autoridade coatora será considerada federal se as consequências de
ordem patrimonial do ato contra o qual se requer o mandado houverem de ser
suportadas pela União ou entidade por ela controlada.
Em determinadas hipóteses, havendo regra expressa, o mandado de
segurança contra ato de determinadas autoridades será de competência dos
Tribunais. Por exemplo, caberá ao STF julgar mandado de segurança contra
ato do Presidente da República, das Mesas da Câmara dos Deputados e do
Senado Federal, do Tribunal de Contas da União, do Procurador-Geral da
República e do próprio Supremo Tribunal Federal (art. 102, I, d, da CF). Já
em outros casos, a competência originária é do STJ (art. 105, I, b, da CF).
VI
PRINCÍPIOS DO PROCESSO CIVIL
1. Introdução
Um primeiro ponto que deve ser considerado por aquele que se propõe a
estudar os princípios do processo civil atualmente é o de que os princípios
dessa disciplina não se encontram mais encartados unicamente na
Constituição Federal, tendo como fonte de emanação também o Código de
Processo Civil.
Durante a vigência do CPC/73, o núcleo do processo civil encontrava-se
disciplinado precipuamente na Constituição Federal de 1988. Daí a
importância, à época, de serem estudados os princípios do processo a partir
do plano constitucional, na exata medida em que, como pondera Gordillo,
citado por Geraldo Ataliba, os princípios eram “ao mesmo tempo norma e
diretriz do sistema, informando-o visceralmente”213. Ou, como ensina Celso
Antônio Bandeira de Mello, princípio “é a disposição expressa ou implícita,
de natureza categorial em um sistema, pelo que conforma o sentido das
normas implantadas em uma dada ordenação jurídico-positiva”214.
Com o advento do CPC/2015, trouxe-se também ao plano
infraconstitucional os princípios fundamentais do processo civil, o que
certamente não significa o fim do regramento constitucional da matéria. Pelo
contrário, observa-se que o legislador, atento ao regramento constitucional do
processo civil, entendeu por bem regular de maneira mais pormenorizada a
forma de cumprimento de tais princípios.
O legislador de 2015, neste ponto, partiu do pressuposto da recodificação,
ou seja, buscou superar a assistemática predominante no CPC/73, fruto das
intensas reformas realizadas durante a sua vigência. Para tanto, intentou-se
dar coerência e coesão ao texto legal, estruturando princípios ou normas
fundamentais que devem servir de base à interpretação do direito processual
como um todo215. Segundo Arruda Alvim, “A leitura do código, então, tem
mais rigor lógico, iniciando-a das normas gerais para as específicas. Os
primeiros artigos do CPC/2015 têm, sobre o restante do código, uma
normatividade típica das regras e princípios constitucionais – aí reside sua
natureza fundamental”216.
Dessa forma, metodologicamente, parece que o mais adequado é traçar as
linhas gerais do estudo dos princípios a partir das normas fundamentais
estampadas no CPC/2015, sem prejuízo, é claro, do quanto estabelece o texto
constitucional. Verificar-se-á, ainda, como e por que diversos dispositivos
estampados em leis infraconstitucionais ora dão efetividade a determinados
princípios, ora atritam com a grandeza de outros.
Este estudo evidencia a profunda simbiose existente entre o direito
processual civil e o direito constitucional, especialmente com o advento do
CPC/2015. A título de exemplo, o princípio da igualdade se afigura como
princípio constitucional, que se projeta de maneira especialmente importante
para dentro do campo do processo, encontrando-se expressamente
reconhecido nos arts. 7º e 139, I, do CPC, ao disporem que será assegurada às
partes a paridade de tratamento. Neste passo, cabe-nos analisar os princípios
constitucionais aplicáveis ao processo civil.
2. Leitura e interpretação do CPC à luz da Constituição Federal
O art. 1º do CPC/2015 se contextualiza na moderna tendência da
constitucionalização do direito processual, ao preceituar que “O processo
civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as
normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa
do Brasil, observando-se as disposições deste Código”.
É evidente que o mencionado art. 1º não teve o condão de, a partir dele,
“constitucionalizar” o direito processual civil. Porém, é também fora de
dúvida que o art. 1º tem o mérito de demonstrar o expresso reconhecimento
do legislador de que o processo civil não tem apenas o seu próprio Código
como fonte imediata, mas, pelo contrário, busca embasamento, acima de
tudo, no texto constitucional. A despeito do caráter natural da posição
hegemônica do Direito Constitucional, não há como negar a sua
intensificação com o advento da CF/88 e, agora, com a vigência do
CPC/2015.
Conforme lição de Arruda Alvim217, o acentuado constitucionalismo tem
repercussão direta na teoria geral do processo e, especificamente, no conceito
de jurisdição. Vale pontuar, a esse respeito, a importância do CPC/73 no
desenvolvimento científico do direito processual, bem como na sua
independência epistemológica em relação ao direito material. Nesta toada,
preocupação de estimada valia para o legislador do Código Buzaid era
estabelecer um processo com precisão terminológica, dotado de uma
sistemática cientificamente adequada.
O CPC/2015, por sua vez, assumiu um aspecto ideológico forte: renegou a
segundo plano os excessivos formalismos procedimentais, voltando-se para a
efetividade da tutela jurisdicional em seu aspecto material. Dessa forma, ao
reafirmar o papel dos preceitos constitucionais no bojo do processo civil, o
CPC/2015 atribuiu papel mais amplo ao exercício da jurisdição. Atualmente,
não basta que haja mera subsunção do caso concreto à lei abstrata, é
necessária a observância dos requisitos de um processo justo, para que a
tutela jurisdicional cumpra a sua real finalidade.
A expressa hegemonia constitucional sobre as normasde processo civil
fez surgir no exercício da atividade jurisdicional a observância não apenas do
procedimento formalmente estabelecido, como também do valor de Justiça
subjacente à aplicação da lei ao caso concreto. A esse respeito, leciona
Humberto Theodoro Júnior: “(...) Deixa esse moderno processo tipificado
pelo novo constitucionalismo, construído pelo Estado Democrático de
Direito, de ser tratado como simples instrumento técnico de aplicação da lei
para tornar-se um sistema constitucional de tutela dos direitos, sempre que
lesados ou ameaçados (CF, art. 5º, XXXV)”218.
Para tanto, a CF/88 estabeleceu os parâmetros das garantias fundamentais
que devem permear o processo justo. O núcleo dos direitos fundamentais
processuais está assentado, em síntese, nos ditames do acesso à justiça,
devido processo legal, duração razoável do processo e no direito ao
contraditório (arts. 5º, XXXV, LIV, LV e LXXVIII, da CF/88).
Assim, seja pela via direta ou indireta, todos os princípios constitucionais
de caráter processual acabam por validar o devido processo legal em seu
aspecto material, princípio cardeal, especialmente do regime da CF/88.
Diante do exposto, note-se que o art. 1º do CPC/2015, ao determinar uma
interpretação das normas processuais à luz da Constituição, em realidade,
estabelece as bases necessárias à prestação da tutela jurisdicional de forma
mais justa e efetiva.
3. Princípio da inércia judicial
O art. 2º do CPC/2015 ratifica tradição de longa data do processo civil, ao
prever que “O processo começa por iniciativa da parte e se desenvolve por
impulso oficial, salvo as exceções previstas em lei”.
Referido dispositivo decorre, em verdade, de diversos princípios
constitucionais. Pode-se ver na inércia da jurisdição, primeiro, o acesso à
Justiça (art. 5º, XXXV, da CF). Ao lado disso, referida norma fundamental
do processo decorre do princípio da liberdade (art. 5º, caput, da CF), que, sob
a perspectiva do processo, atribui ao próprio jurisdicionado o ônus de decidir
quais problemas, ou quais litígios seus serão submetidos ao terceiro
imparcial, a quem caberá decidir a lide, isto é, o Estado-juiz. Além disso,
como todas as normas de processo, o princípio da inércia judicial também
decorre do devido processo legal, de que se tratará em seguida.
Pois bem. A primeira parte do art. 2º se refere ao princípio dispositivo,
segundo o qual é de iniciativa da parte dar início ao processo. Evidente se
tratar de princípio umbilicalmente ligado à autonomia privada, pautando-se
na liberdade do indivíduo em recorrer à tutela jurisdicional do Estado para
reparar eventuais danos ou ameaça de danos juridicamente relevantes219.
No plano processual, o princípio dispositivo se manifesta, por exemplo, no
direito do autor em desistir da ação, uma vez já proposta e não citado o réu,
ou com a anuência deste quando já introduzido na relação processual (art.
485, §§ 4º e 5º, do CPC) e no direito à renúncia à pretensão objeto da ação
(art. 487, III, c, do CPC). Verifica-se, para o réu, quando há reconhecimento
da procedência do pedido (art. 487, III, a) e quando há desistência de
pretensão formulada em sede de reconvenção220.
Por outro lado, o princípio dispositivo só é possível no plano processual se
mantida a inércia da atividade jurisdicional. Assim, ao juiz não compete
instaurar o processo sem adequada provocação das partes. Neste tocante, vale
mencionar ressalva realizada na última parte do dispositivo (“salvo as
exceções previstas em lei”). Aqui, o artigo se refere às hipóteses em que o
juízo pode decidir sem haver pedido da parte interessada. É o caso, por
exemplo, da possibilidade de o juiz instaurar o cumprimento de sentença que
reconheça obrigação de fazer, não fazer ou dar coisa distinta de dinheiro (arts.
536 e 538 do CPC). Da mesma forma, o órgão julgador pode dar início a
incidentes processuais, tais como o incidente de resolução de demandas
repetitivas (art. 976 do CPC), o conflito de competência (art. 951 do CPC) e o
incidente de arguição de inconstitucionalidade (art. 948 do CPC)221.
A segunda parte do art. 2º do CPC/2015 (“se desenvolve por impulso
oficial”) refere-se ao impulso oficial por meio do qual o processo de
desenvolve. Diferentemente do princípio dispositivo, a presente regra reflete
interesse de ordem pública, uma vez que a preocupação a respeito da
adequada composição do litígio, com celeridade e efetividade integra o corpo
de funções da atividade jurisdicional exercido pelo Estado.
Cumpre ressaltar que, ao promover o impulso oficial do processo, cabe à
julgador observar os preceitos de ordem constitucional – conforme já
explorado no estudo do art. 2º do CPC/2015. Assim, cabe ao juiz objetivar
não apenas cumprir regularmente o procedimento previsto pela lei processual,
mas também aplicá-lo de forma a proporcionar um processo justo às partes,
em respeito à efetividade da tutela jurisdicional e à duração razoável do
processo (art. 5º, incisos XXXV e LXXVIII da CF/88)222.
Por fim, verifica-se que o CPC/2015 criou situações em que o impulso
oficial sofre certa interferência, como é o caso das convenções processuais,
que autorizam as partes a promover adaptações do procedimento às
especificidades da causa, alterando, pois, as regras de procedimento no caso
concreto (art. 190 CPC). É preciso dizer que a convenção processual não
afasta, em hipótese alguma, o impulso oficial. Porém, nele interfere em razão
da criação de regras próprias para o procedimento, excetuando as regras
previstas no Código e em outros diplomas legais.
4. Princípio da boa-fé processual
O art. 5º do CPC/2015 dispõe o seguinte: “Aquele que de qualquer forma
participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé”.
Cumpre ressaltar, a esse respeito, que a boa-fé está prevista no referido
dispositivo como uma norma de conduta. Ou seja, trata-se da boa-fé em sua
modalidade objetiva, cujo parâmetro pauta-se no comportamento das partes e
de todos os participantes do processo. No plano concreto, deve ser verificada
a coerência e eticidade do comportamento do agente. Conforme lição de
Humberto Theodoro Júnior: “Consiste o princípio da boa-fé objetiva em
exigir do agente que pratique o ato jurídico sempre pautado em valores
acatados pelos costumes, identificados com a ideia de lealdade e lisura”223.
Irrelevante, para tanto, investigar as intenções ocultas dos indivíduos, cuja
implicância se manifesta apenas em sede de boa-fé subjetiva224.
Para Fredie Didier Jr., o princípio da boa-fé processual encontra
fundamento constitucional por configurar elemento decorrente do devido
processo legal. Nestes termos, o princípio do devido processo legal,
constitucionalmente resguardado, exige que o processo se paute na boa-fé de
todos os seus participantes225.
No âmbito do direito processual, é dada roupagem de cláusula geral à boa-
fé, de forma a garantir maior flexibilidade na sua aplicabilidade. Assim, a
indeterminação concreta da sua previsão visa justamente evitar que situações
sejam deixadas de lado erroneamente.
Nestes termos, em se tratando de cláusula geral, a violação da boa-fé
processual pode assumir diferentes formas. A esse respeito, a doutrina alemã
defende ser possível aplicação da boa-fé objetiva ao processo em quatro
casos: proibição de criar dolosamente posições processuais (agir de má-fé);
proibição na prática venire contra factum proprium (agir em desconformidade
com o comportamento anterior), de abuso de direitos processuais e da
supressio (suscitar no outra expectativa que não virá a se concretizar)226.
Ainda, podemos vislumbrar hipóteses nas quais a violação da boa-fé
objetiva acarreta litigância de má-fé, enquadrando-se em alguns dos incisos
do art. 80 do CPC/2015. Porém, nem todo comportamento contrário à boa-fé
implica litigância de má-fé. De onde podemos concluir que ambos os
institutos podem estar correlacionados, porém não em todas as situações.
Cumpre ressaltar, que o princípio da boa-fé objetiva também exerce uma
função hermenêutica no bojo do processo. Os seus participantes, nesse2. Hipóteses de cabimento
3. O acórdão paradigma
4. Matérias suscetíveis de serem discutidas em embargos de divergência
5. Requisitos (extrínsecos) de admissibilidade
5.1 Prazo de interposição
5.2 Regularidade formal
5.3 Preparo
6. Efeitos
7. Processamento
XLVI
OS PODERES DO RELATOR
1. Considerações iniciais
2. Análise da evolução dos poderes do relator
3. As hipóteses dos incisos IV e V do art. 932 do CPC/2015
4. A questão da aplicação de multa
5. Dos outros deveres inerentes à atividade do relator
XLVII
AÇÃO RESCISÓRIA
1. Considerações iniciais
2. Ação rescisória e seu objeto
3. Análise das hipóteses de cabimento da ação rescisória (art. 966 do
CPC/2015)
4. Art. 966, I, do CPC/2015: prevaricação, concussão ou corrupção do juiz
5. Art. 966, II, do CPC/2015: juiz impedido ou absolutamente
incompetente
6. Art. 966, III, do CPC/2015: dolo ou coação da parte vencedora ou
simulação ou colusão entre as partes para o fim de fraudar a lei
7. Art. 966, IV, do CPC/2015: ofensa à coisa julgada
8. Art. 966, V, do CPC/2015: violação manifesta a norma jurídica
9. Art. 966, VI, do CPC/2015: prova cuja falsidade tenha sido apurada em
processo criminal ou seja provada na própria ação rescisória
10. Art. 966, VII, do CPC/2015: obtiver autor, após o trânsito em julgado,
prova nova, cuja existência ignorava, ou de que não pôde fazer uso, capaz,
por si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável
11. Art. 966, VIII, do CPC/2015: fundada em erro de fato, verificável do
exame dos autos
12. Art. 966, § 2º, do CPC/2015: decisões que embora não sejam de mérito
impeçam a propositura de nova demanda ou a admissibilidade de recurso
correspondente
13. Rescisão parcial
14. O prazo de dois anos
15. Legitimidade
16. Petição inicial
17. Procedimento
XLVIII
PROCEDIMENTOS ESPECIAIS
1. Os procedimentos especiais e o novo CPC
2. Pressupostos
3. O erro na adoção do procedimento especial
4. Procedimentos especiais excluídos pelo CPC/2015
4.1 Ação de depósito (arts. 901 e ss. do CPC/73)
4.2 Ação de anulação e substituição de título ao portador (arts. 907 e ss.
do CPC/73)
4.3 Ação de nunciação de obra nova (arts. 934 e ss. do CPC/73)
4.4 Ação de usucapião de imóvel (arts. 941 e ss. do CPC/73)
4.5 Ação de oferecimento de contas (arts. 914 e ss. do CPC/73)
4.6 Venda a crédito com reserva de domínio
XLIX
AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO
1. A justificativa para a especialidade do procedimento
2. Cabimento
3. Legitimidade
3.1 Ativa
3.2 Passiva
4. Competência
5. Procedimento
5.1 Requisitos da inicial
5.2 Depósito
5.2.1 Os efeitos do depósito
5.2.2 A insuficiência do depósito e a complementação
5.2.2.1 Facultatividade da complementação
5.2.2.2 Impossibilidade de complementação
5.2.3 A consignação de prestações periódicas
5.2.3.1 As prestações vencidas após a prolação da sentença
5.3 Citação
5.4 Contestação
5.4.1 Conteúdo explícito da contestação
5.4.2 Conteúdo implícito da contestação
5.5 Levantamento dos valores depositados
6. Revelia
7. Sentença
8. Procedimento quando houver dúvida sobre o credor
8.1 Da disputa entre os credores
9. Limites da ação consignatória
10. Procedimento extrajudicial
10.1 Objeto
10.2 Local
10.3 Forma
10.4 Intimação do credor
10.5 Ações do credor
10.6 Comentário crítico
11. Resgate da enfiteuse
L
AÇÃO DE EXIGIR CONTAS
1. Conceito
2. Cabimento e legitimação
3. O art. 553 do CPC/2015 e suas especificidades
4. Procedimento
4.1 Petição inicial
4.2 Citação
4.3 Providências que podem ser tomadas pelo réu
4.3.1 Prestação de contas sem contestação
4.3.2 Contestação da obrigação de prestar contas
4.3.3 Prestação de contas e contestação
4.3.4 Contestação sem negar a obrigação de prestar contas
4.3.5 Inércia: revelia
4.4 Providências que devem ser tomadas pelo autor
4.5 Forma das contas e documentos comprobatórios
5. Sentença
5.1 Sucumbência
5.2 Cumprimento de sentença
LI
AÇÕES POSSESSÓRIAS
1. Introdução ao direito de posse
2. As ações possessórias
2.1 Fungibilidade das ações possessórias
2.2 Manutenção ou reintegração de posse: turbação ou esbulho
2.3 Interdito proibitório
3. Cabimento das ações possessórias
4. Legitimidade
5. Caráter dúplice
6. Exceção de domínio
7. Procedimento das ações possessórias
7.1 Petição inicial
7.1.1 Identificação das partes
7.1.2 Pedido
7.2 Liminar
7.2.1 A liminar movida contra pessoas jurídicas de direito público
7.2.2 O mandado de manutenção ou reintegração da posse
7.3 Citação
7.4 Contestação
7.4.1 Reconvenção
7.5 Prestação de caução
7.6 Dos litígios coletivos
8. A sentença nas ações possessórias
LII
AÇÃO DE DIVISÃO E DEMARCAÇÃO DE TERRAS PARTICULARES
1. Aspectos gerais
2. Cumulação de pedidos demarcatórios e divisórios
2.1 Julgamento das ações cumuladas
3. Demarcação e divisão extrajudicial
4. A ação demarcatória
4.1 Cabimento
4.2 Legitimidade
4.2.1 Legitimidade do condômino
4.2.2 Litisconsórcio obrigatório decorrente da natureza real da ação
demarcatória
4.3 Petição inicial
4.4 Citação
4.5 Resposta
4.5.1 Revelia
4.6 Instrução do processo
4.6.1 Escolha do perito e a indicação dos assistentes
4.6.2 Laudo
4.6.3 Manifestação das partes
4.7 Sentença demarcatória
4.8 Procedimento após a demarcação
4.8.1 Operações técnicas do procedimento
4.8.2 Verificação das linhas divisórias
4.8.3 Manifestação das partes acerca do relatório de verificação das
linhas
4.8.4 Lavratura do auto de demarcação
4.9 Sentença de encerramento da execução demarcatória
5. A ação divisória
5.1 Cabimento
5.2 Legitimidade
5.3 Petição inicial
5.4 Citação
5.5 Resposta do réu
5.5.1 Revelia
5.6 Instrução do processo
5.6.1 Escolha dos peritos e cabimento da indicação de assistente
técnico das partes
5.6.1.1 Medição da área
5.6.1.2 Imóvel indivisível
5.6.2 Manifestação das partes sobre os quinhões
5.7 Sentença de encerramento da divisória
5.8 Benfeitorias
5.8.1 Manutenção das benfeitorias
5.9 Restituição dos imóveis usurpados
5.10 Procedimento para divisão
5.10.1 Proposta de divisão
5.10.1.1 Cálculo das frações
5.10.1.2 Critério de formação dos quinhões
5.10.1.3 Critérios de partilha
5.10.2 Manifestação sobre a proposta de divisão
5.10.3 Auto de divisão
5.11 Sentença homologatória da divisão
5.12 A aplicação das regras da ação demarcatória
LIII
AÇÃO DE DISSOLUÇÃO PARCIAL DE SOCIEDADE
1. Introdução
1.1 Evolução das normas processuais
2. Cabimento
2.1 Falecimento do sócio
2.2 Exclusão do sócio
2.3 Exercício do direito de retirar-se da sociedade
2.4 A quebra da affectio societatis
3. Legitimidade
4. Competência
5. Procedimento
5.1 Petição inicial
5.2 Citação
5.3 Contestação
6. Decisão
6.1 Recorribilidade das decisões
7. Apuração de haveres
7.1 Resolução da sociedade e a fixação da data
7.2 Critérios para apuração de haveres
7.2.1 Cláusulas contratuais
7.2.2 Aplicação da boa-fé objetiva
7.2.3 Balanço patrimonial
7.3 Nomeação de perito
7.4 Depósito judicial decorrente de previsão contratual
8. Pagamento dos haveres
9. Dissolução parcial em sociedades anônimas
LIV
INVENTÁRIO E PARTILHA
1. Introdução
2. Inventário extrajudicial
3. Inventário judicial
3.1 Competência
3.2 Administrador provisório
3.3 Prazo
3.4 Legitimidade para requerer a instauração do inventário judicial
3.5 Inventariante
3.5.1 Ordem da investidura do art. 617 do CPC/2015
3.5.2 Compromisso
3.5.3 Deveres do inventariante
3.5.4 Deveres decorrentes da administração do espólio
3.5.5 Remoção do inventariante
3.5.5.1 Causas para a remoção
3.5.5.2 Procedimento para apreciação do pedido de remoção
3.5.5.3 Eventuais sanções aplicáveis ao inventariante
3.6 Procedimento do inventário
3.6.1 Petição inicial
3.6.2 Primeiras declarações
3.6.3 Citação
3.6.3.1 A posição da Fazenda Pública
3.6.3.2 Intervenção do Ministério Público
3.6.4 Audiência das partes
3.6.5 Impugnação
3.6.6 Efeitos da decisão
3.6.7 Admissão do preterido
3.6.8 Manifestação da Fazenda Pública com relação aos valores dos
imóveis
3.6.9 Avaliação dos bens
3.6.9.1 Hipótese de dispensasentido, devem exercer atividade interpretativa à luz da boa-fé sobre as
postulações e atos realizados no decorrer do procedimento.
5. Princípio da cooperação processual
Como já estudamos no capítulo anterior, o legislador de 2015 inseriu o
princípio da boa-fé no âmbito das normas fundamentais de processo civil.
Devemos ressaltar, neste ponto, a boa-fé interfere diretamente na
possibilidade de as partes cooperarem entre si.
O art. 6º do CPC/2015 estabelece que “Todos os sujeitos do processo
devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de
mérito justa e efetiva”. Porém, a cooperação entre partes pressupõe
comportamentos pautados na boa-fé, de onde podemos verificar a intima
conexão e implicância existente entre os arts. 5º e 6º do CPC/2015.
Para Humberto Theodoro Júnior227, o princípio da cooperação é um
desdobramento do princípio do contraditório, constitucionalmente
assegurado. Assim, o contraditório teria assumido roupagens modernas, a
partir das quais não bastaria assegurar formalmente às partes oportunidades
processuais de se manifestarem nos autos. O procedimento deve ir além,
oportunizando que haja real influência das partes na formação do juízo de
convencimento do juiz. Para tanto, a cooperação assumiria papel viabilizador
desse contato eficaz e construtivo entre os litigantes e o julgador.
Nesta toada, teria o legislador como objetivo viabilizar a instauração de
um modelo cooperativo de processo, através do qual haveria maior fluxo de
informações e aprimoramento argumentativo, instaurando bases processuais
mais democráticas. Fatores que, em última análise, influenciam diretamente
na qualidade da prestação da tutela jurisdicional. No plano concreto, a
cooperação das partes pode se verificar, por exemplo, no dever de consulta
do juiz, através do qual as partes serão intimadas para se manifestarem a
respeito de determinada questão, nos termos dos arts. 9º e 10 do CPC/2015.
Vale mencionar, por fim, que o princípio da cooperação não se limita às
partes processuais, podendo influenciar a própria sociedade, que podem se
valer, por exemplo, do amicus curiae para prestar esclarecimentos e
informações ao juiz, de forma a cooperar com uma prestação de tutela
jurisdicional mais efetiva e adequada.
6. Princípio do devido processo legal (due process of law)
O devido processo legal pode ser tido como um conceito, em certa escala,
vago. Ou seja, no que diz respeito à ideia do que seja o devido processo legal,
há aspectos absolutamente indiscutíveis, enquanto há outros de abrangência
acentuadamente elástica, a respeito dos quais paira alguma discussão – daí é
que, historicamente, não tem sido objeto de definições propriamente
delimitadoras do que significa.
Há, dessa forma, um núcleo que informa o princípio, que não pode ser
desrespeitado228, dado que formado pela história e pela reiteração, em vários
povos, e cujo somatório de decisões e conceituações geraram o que se pode
dizer ser o núcleo conceitual do princípio. Este princípio tem sido
profundamente estudado e, mais do que isso, “exercitado” na judicatura dos
Estados Unidos da América.
Disso decorre que existem parâmetros para se avaliar se, num dado caso,
foi, ou não foi observado o princípio.
Por isso é que, de início, foi referido um núcleo conceitual, a respeito do
qual existe grande certeza dos elementos que o compõem. Porém, para outros
aspectos, menos evidentes, nunca se abalançou a doutrina (nem os tribunais
norte-americanos) a lançar definições.
Em realidade, há normas que somente cumprem a sua finalidade, tendo,
em sua formulação, conceitos vagos, dado que, se se fosse definir o princípio,
certamente estar-se-iam excluindo hipóteses que se poderiam vir a revelar
como suscetíveis de serem avaliadas à luz do princípio e seu respectivo
conceito vago, mas que, com a definição, certamente, estariam descartadas,
ou, pior, teriam sido descartadas pelo legislador infraconstitucional. Com
isso, haveria o evidente risco de definições infraconstitucionais, contrárias à
dimensão constitucional da regra.
É, pois, o princípio do devido processo legal, como se acentuou, princípio
fundamental. Dele decorrem todos os demais princípios processuais
insculpidos no texto constitucional, tais como a proibição da prova obtida por
meio ilícito, o contraditório propriamente dito, a publicidade dos atos
processuais etc. É, como diz Nelson Nery Jr., “o princípio fundamental do
processo civil que entendemos como a base sobre a qual todos os outros se
sustentam”229. Para Humberto Theodoro Júnior, o devido processo legal pode
ser considerado como um “superprincípio”, na exata medida em que serve de
inspiração a todos os demais princípios do direito processual230. A cláusula do
devido processo legal tem origem remota na Magna Carta, sendo o seu texto
o seguinte: “Nenhum homem livre poderá ser detido ou preso, nem que se lhe
retirem bens, nem declarado fora da lei, nem prejudicado por qualquer outra
forma, nem se procederá e nem se ordenará que se proceda contra ele, senão
em virtude de um processo legal e em conforme com a lei do país” [lei do
país significa, no caso, law of the land, vale dizer, é expressão mais ou menos
equivalente a direito material] (texto da Magna Carta, do Rei João Sem-
Terra, 1215; refere-se nessa época a law of the land, e não há referência,
ainda, à expressão due process of law, tendo significado, na época, a
limitação ao poder absoluto em favor dos súditos).
Paradoxalmente, a Magna Carta foi instrumento reacionário e definiu
situação entre o rei e os nobres (como garantia destes), como observa Nelson
Nery Jr.231. Na verdade, a despeito disso, é de se registrar ter sido,
“historicamente, o primeiro documento formal de estabelecimento da
supremacia legal sobre a vontade régia, além de ser a base do regime
parlamentar britânico e definir uma série de direitos relativos a
determinados grupos (principalmente os barões) em face do governo”232.
Nisso, precisamente, reside sua grande importância histórica, e por isso
mesmo é que o tomamos como ponto de partida para este trabalho.
Apenas em 1354, durante o reinado de Eduardo III, é que se passou a
utilizar a expressão due process of law, na lei inglesa denominada Statute of
Westminster of the Liberties of London (constando ser desconhecido o
“legislador” que a teria cunhado, ou seja, “some unknown draftsman”).
Como aponta Egon Bockman Moreira, “a expressão by the law of the land
apontava para uma gama de significados muito mais pobres do que veio a
encontrar sua sucessora due process of law”233. O devido processo legal veio
a colocar-se, com o tempo, como condição de validade de todos os direitos
substanciais234.
A origem do princípio é, como se observou, inglesa. Foi a partir do século
XVII que o princípio começou a obter importância em território americano.
A V Emenda veio a dispor que “no person shall (...) be deprived of life,
liberty or property, without due process of law”235, e, através da XIV
Emenda, de 1868, passou a constituir não apenas uma limitação ao governo
central, mas também aos Estados.
Antes da Constituição Federal norte-americana, as de Maryland,
Pensilvânia e Massachussetts já consagravam o princípio sob comento,
repetindo a regra da Magna Carta e da Lei do reinado de Eduardo III, como
observa Nelson Nery Jr.236.
6.1 Conteúdo do princípio – a atuação da Suprema Corte norte-
americana
A raiz do princípio é de índole eminentemente processual. Pode-se afirmar
que o embrião do princípio está ligado à ideia de processo ordenado (orderly
proceedings), como anotava Sampaio Dória237.
Essa concepção veio passando por um processo evolutivo, de forma tal
que se passou a entender o devido processo legal não apenas como simples
garantia de um processo ordenado, mas como compreensivo do direito à
prévia citação para a ação e oportunidade de defesa. Passou-se a entender,
igualmente, como compreendida no alcance semântico do princípio a ideia de
que ninguém poderia ser preso sem justa causa.
O princípio, nos Estados Unidos, foi adotadoinicialmente com conteúdo
similar, sendo introduzido, como já dito, na Constituição norte-americana
pela V Emenda, sendo que a XIV Emenda, em meados do século XIX,
estendeu a obrigatoriedade de sua observância também aos Estados
federados.
Se é certo afirmar, como dizia Sampaio Dória, que “a teoria política
ocidental deve inegavelmente à Magna Carta a primeira concepção de um
poder político limitado”, não é menos correto reconhecer, como esse
autorizado autor, que com o surgimento da nação norte-americana é que
apareceu o “primeiro governo limitado por uma lei básica em todas as esferas
– legislativa, executiva e judiciária – em que se desdobrava sua soberania. A
Constituição Americana de 1787 é a síntese dessas limitações, quanto à
estrutura política do regime (federação e república), à tripartição dos poderes
e à garantia dos direitos individuais (o Bill of Rights apenso à Constituição,
nas dez primeiras emendas)”238.
Porém, consagrada a supremacia da Constituição sobre as leis ordinárias
(art. VI, sec. 2), surgiu o problema de como controlar os atos legislativos, o
que a Constituição atribuiu, de forma clara, ao Judiciário (art. III, sec. 2, §
1º). Essa hegemonia do Judiciário sobre os demais poderes do Estado restou
sedimentada no célebre e conhecido precedente Marbury v. Madison, em que
o Juiz Marshall239, proferindo aquele que talvez seja o mais importante voto
de sua carreira, afirmou, com todas as letras, essa importantíssima atribuição
do Judiciário, alicerce fundamental do direito constitucional norte-americano.
Observa a propósito, com pertinência, Egon Bockman Moreira, citando
Carlos Roberto de Castro Siqueira, que, “tanto no período colonial quanto
após a Independência, preponderava um nítido preconceito contra o Poder
Legislativo, o que se explica em razão da legislação metropolitana repressora,
oriunda da Casa de Westminster, em Londres”240.
É dentro desse contexto histórico-evolutivo que avulta em importância o
princípio do due process of law, pois, como observava Sampaio Dória, “a
busca de preceito constitucional explícito, para servir de veículo de atuação a
todo um indefinido e indefinível corpo de ‘leis naturais’, não tardou em
deparar com o único dispositivo da Constituição que se prestava idoneamente
a essa finalidade, a cláusula due process of law”241.
Ou seja, a cláusula due process of law constitui-se no principal canal de
controle dos atos do Legislativo, pelo Judiciário, fixando-se como a mais
importante do sistema constitucional americano.
Não obstante a importância que o princípio alcançou dentro da Suprema
Corte norte-americana, a ponto de Nelson Nery Jr. afirmar, com razão, que “o
prestígio do direito constitucional norte-americano tem como sua causa maior
a interpretação da cláusula due process pela Suprema Corte”242, é de se
registrar a assertiva de Sampaio Dória no sentido de que, “em verdade, será
inútil sondar a essência dos julgados da Suprema Corte em busca de um
conceito informulado. E informulado porque, dados os pressupostos da teoria
da interpretação flexível da Constituição, ‘a estratificação de due process em
um rígido estágio de evolução histórica ou intelectual’ implicaria em admitir
‘que o mais importante aspecto da exegese constitucional é função de
máquinas inertes e não de juízes’”243.
Aliás, pode-se, sem qualquer receio, afirmar que foi justamente esse
conteúdo elástico que tem permitido ao princípio sobreviver por tanto tempo
como vetor nuclear do sistema constitucional norte-americano.
Exemplo vivo e de enorme importância histórica com relação às diversas
feições que foram sendo assumidas pelo princípio do devido processo legal
ao longo dos tempos – particularmente em seu sentido substantivo – nos dá
Egon Bockman Moreira, mencionando a mudança de posição impressa nas
decisões da Suprema Corte pelo Juiz H. L. Black, que ingressou naquele
Tribunal em 1937, época em que os Estados Unidos finalmente se
recuperavam da profunda depressão em que mergulharam com a crise de
1929. A essa altura, deixava a cláusula de ser um entrave à legislação social,
à limitação de impostos; de um modo geral, pode-se dizer que a cláusula
deixou de ser oponível à ação regulamentadora do governo244.
O caráter não apenas processual, mas o chamado substantive due process
foi alavancado nos Estados Unidos em 1798 no caso Calder v. Bull,
firmando-se o entendimento de que atos normativos, quer os legislativos ou
os administrativos, que ferissem direitos fundamentais, ofenderiam, ipso
facto, o devido processo legal. Este caso foi ilustrativo do fato de que o
princípio do devido processo legal tinha aplicabilidade também fora dos
limites processuais. Diz Nelson Nery Jr., por exemplo, que o princípio da
legalidade, na seara do direito administrativo, nada mais é do que uma
projeção do princípio do due process nesse ramo do direito material245.
Diz, ainda, a doutrina norte-americana, com projeções no Brasil, ser o
controle jurisdicional dos atos da administração uma inequívoca manifestação
do princípio do due process of law. Projeta-se também na seara do direito
privado, por exemplo, quando se garante o respeito do ato jurídico perfeito,
conquanto haja, a esse respeito, texto autônomo e expresso, que é o art. 5º,
XXXVI, da CF (vested rights doctrine), quando se proíbe o preconceito racial
etc.
Em síntese, como observado, o princípio do due process of law teve, de
início, um caráter eminentemente processual. Aliás, a feição que
originalmente lhe deu a Magna Carta realçava seu aspecto protetivo tendo em
vista o processo penal, precipuamente246.
Porém, como se viu acima, a interpretação que hoje se lhe dá é
sensivelmente mais ampla. Não apenas projeta seus efeitos para o processo,
como também para o direito material, como um todo. Foi com a sua
transposição para os Estados Unidos que o aspecto substancial da cláusula
due process of law veio a ganhar relevo, exatamente pela necessidade, já
antes mencionada, de um preceito constitucional que pudesse ensejar o
controle de constitucionalidade dos atos do Legislativo247. É de se destacar
trecho de decisão da Suprema Corte, datado de 1992, do qual se extrai que o
due process of law é uma promessa constitucional “de que há um reino de
liberdade constitucional onde o governo não pode entrar”248.
Explica Egon Bockman Moreira que os traços que caracterizam o
princípio do devido processo legal, em sua concepção atual, nos Estados
Unidos, envolvem “uma relação jurídica justa e equitativa, desenvolvida com
precisão que outorgue segurança ao administrado, ao mesmo tempo em que
respeite sua dimensão moral”249.
Assenta-se, o princípio, sobre o trinômio vida-liberdade-propriedade.
Destarte, tudo o que disser respeito à tutela deste trinômio está ao abrigo do
devido processo legal.
Ao lado disso, o princípio do due process of law projeta-se como garantia
no campo do processo. É o sentido com que usualmente é utilizado. Garante
o direito à citação, o rápido e público julgamento, o direito ao contraditório, a
igualdade entre acusação e defesa, meios eficazes de controle de
constitucionalidade etc. Daí o acerto da afirmação de Nelson Nery Jr. no
sentido de que os demais princípios constitucionais do processo dele
decorrem250. Nesta última acepção, é mais uma garantia do que propriamente
um princípio. É verdadeiro corolário do Estado de direito.
Dissemos acima que a cláusula due process assume duas concepções:
substancial ou material e processual.
Dissemos também que o princípio do due process of law, em verdade,
abrange uma série de outros princípios, que, por isso mesmo, de rigor, não
precisariam sequer constar expressamente do texto constitucional, e nem por
isso deixaram de estar nele compreendidos. Nada obstante, tem-se por
louvável a preocupação do constituinte de 1988 em fazer constar do texto
constitucional uma série de princípios que, a rigor, estariam contidos no do
devido processo legal.
7. Princípio da isonomia
Um dos princípios basilares do processo civil é o princípio da isonomia.
A CF/88, no seu art. 5º, caput,estabelece a igualdade de todos perante a
lei, o que se reflete diretamente no disposto nos arts. 7º e 139, I, do CPC, que
impõe ao juiz o tratamento igualitário às partes.
Mais do que isso, o legislador de 2015 inseriu o princípio da igualdade no
rol das normas fundamentais de processo civil, disponde que “É assegurada
às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e
faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à
aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz zelar pelo efetivo
contraditório” (art. 7º).
O entendimento mais correto é o de que referido princípio – refletido de
forma expressa em dispositivos constitucionais e infraconstitucionais – trata
da igualdade real, substancial (na medida do possível), e não simplesmente
da igualdade formal.
A correta inteligência do princípio constitucional da isonomia é que
permite compreender porque, por exemplo, o Código do Consumidor, por
reconhecer o consumidor como o polo mais fraco da relação de consumo, traz
em seu bojo regras como a do inciso VIII do art. 6º, que autoriza a inversão
do ônus da prova.
Com efeito, pela regra geral do Código de Processo Civil, incumbe ao
autor provar os fatos constitutivos de seu direito (art. 373, I). Essa regra, no
entanto, em se tratando de relação de consumo, e desde que preenchidos os
requisitos do inciso VIII do art. 6º do CDC, pode ser afastada, invertendo-se
o ônus probatório, justamente como forma de recompor o equilíbrio entre as
partes, na medida em que o consumidor se presume como sendo o polo mais
fraco da relação de consumo. É o que Cândido Rangel Dinamarco chama de
neutralização de desigualdades251.
7.1 As regras dos arts. 180 e 183 do CPC e o princípio constitucional
da isonomia
Vejamos como se inserem nesse contexto as regras preconizadas pelos
arts. 180 e 183 do CPC, tendo em vista que referidos dispositivos conferem
prazo em dobro, respectivamente, ao Ministério Público e à Fazenda Pública,
para que se manifestem nos autos. Como tal texto se compatibiliza com o
princípio da isonomia?
O entendimento preponderante, que se tem por inteiramente correto, é o de
que os arts. 180 e 183, em verdade, recompõem a igualdade substancial entre
as partes, em razão do natural desequilíbrio existente entre elas.
É que nem a Fazenda Pública nem o Ministério Público dispõem,
usualmente, da mesma infraestrutura de que desfrutam os advogados, assim
como cuidam de um número muito maior de processos252. Além disso, nem
sempre é o mesmo membro do Ministério Público, ou da Fazenda Pública,
que atua ao longo do processo, o que implica dizer que muitas vezes o
promotor ou o procurador se depara com um processo novo (para ele), mas já
em andamento. Há, pois, um desequilíbrio que precisa ser recomposto, e o
benefício do prazo foi uma das formas encontradas pelo legislador
infraconstitucional para contornar tal situação. O advogado, ademais,
normalmente pode escolher as causas que pretende patrocinar, o que não
ocorre, ao menos com os representantes judiciais da Fazenda Pública. Nessa
medida, temos que os benefícios dos arts. 180 e183 se compatibilizam
inteiramente com o art. 5º, caput, da CF/88.
Há de se ter presente, ademais, que a Fazenda, ao menos em tese, atua em
prol dos interesses da coletividade, e o Ministério Público, por outro lado,
intervém sempre que houver interesse público (art. 178, I, do CPC), o que
também justifica o benefício do prazo.
O princípio da isonomia, nesse passo, diz respeito à igualdade substancial,
não à formal, e nessa exata medida, em face dessas considerações, percebe-se
que não foi violado pelas regras consubstanciadas nos artigos em pauta.
Outra interessante projeção do art. 5º, II, no plano da legislação
infraconstitucional, reside na forma de intimação dos atos processuais.
Enquanto as intimações normalmente são feitas pela via eletrônica ou,
quando não realizadas, por meio da publicação no órgão oficial (caput do art.
272 do CPC), a intimação do Ministério Público e da Fazenda Pública é
sempre feita pessoalmente, a teor do que dispõe, respectivamente, o caput do
art. 180 e 183 do CPC, sem que se possa dizer que referida diferenciação
colide com o primado constitucional da igualdade (no mesmo sentido, em
relação ao órgão do Ministério Público, dispõe o art. 41, IV, da Lei Orgânica
do Ministério Público – Lei n. 8.625/93).
Estudamos anteriormente que o órgão do Ministério Público pode agir
como parte, quando a lei expressamente o autorize (art. 177 do CPC),
intervindo, ainda, como fiscal da lei (custos legis), nas hipóteses do art. 178
do CPC.
O benefício de que trata o art. 180 do CPC aplica-se ao Ministério
Público, quer esteja atuando como parte, quer esteja funcionando como fiscal
da lei, porque a lei não distingue uma hipótese da outra.
7.2 Condenação em honorários advocatícios
Há outros dispositivos no Código de Processo Civil que devem ser
examinados à luz do princípio da isonomia.
É o caso do art. 85. Referido dispositivo, em seu caputº, estabelece que, no
caso de condenação, a parte vencida deverá pagar honorários de advogado ao
vencedor, os quais serão fixados, nos termos do § 2º, entre 10% e 20% do
valor da condenação, tendo em vista (1) o grau de zelo do profissional (inciso
I), (2) o lugar da prestação do serviço (inciso II), (3) a natureza e importância
da causa e a importância da causa (inciso III) e (4) o trabalho realizado pelo
advogado e o tempo exigido para o seu serviço (inciso IV).
Porém, sendo vencida a Fazenda Pública, os incisos II a V, § 3º do art. 85
autoriza o juiz a condená-la a pagar honorários em montante inferior ao
mínimo de 10% de que trata o § 2º, gradualmente estabelecidos em razão do
valor da condenação ou do proveito econômico obtido pela parte vencedora.
Cumpre ressaltar que o CPC/73 também autorizava referida diferenciação,
porém sem impor graduações de acordo o proveito econômico, nos termos do
antigo art. 20, § 4º. Já à época, havia quem entendesse que tal dispositivo não
se compatibilizava com o texto constitucional253. Efetivamente, se a Fazenda
foi vencida, é porque do seu lado não se encontrava o interesse juridicamente
protegível, e, portanto, não há (havia), genuinamente, interesse público em
pauta.
A não incidência do limite mínimo de 10%, mesmo nas hipóteses
preestabelecidas pelo CPC/2015, agride o princípio da isonomia, porque, se
vencedora, a Fazenda receberia honorários entre 10% e 20%, aplicando-se o
limite geral do § 2º do art. 85. Forçoso reconhecer que os tribunais, como
regra, admitem essa diferença, não a tendo por constitucional.
7.3 Adiantamento de despesas processuais
Doutra parte, a regra geral com relação às custas e despesas processuais,
no plano do processo civil, é a de que incumbe às partes adiantar as despesas
dos atos que realizam ou requerem no processo (art. 82). Isso quer dizer que
se uma das partes vier a requerer prova pericial, por exemplo, deverá adiantar
os honorários do perito judicial (caput do art. 95, parte final).
Se aquele que tiver requerido a perícia vencer a demanda, então essa
despesa lhe será reembolsada pelo vencido, segundo o princípio da
sucumbência, encampado entre nós pelo art. 82, cujo § 2º dispõe: “A
sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor as despesas que
antecipou”.
Essa regra do art. 82, § 2º, não se aplica, segundo a letra da lei, quando se
tratar de despesas de atos processuais, realizados a requerimento da Fazenda
Pública, da Defensoria Pública e do Ministério Público (arts. 91 e 82, § 1º)254,
salvo quando o ato processual acarretar despesas fora do âmbito das custas
judiciais, a exemplo das perícias255. O CPC/2015 inovou, ao restringir
referida diferenciação à hipótese de o Ministério Públicos figurar nos autos
como fiscal da ordem jurídica (art. 82, § 1º, parte final), não se estendendo à
sua composição como parte da relação processual.
Há que considerar, neste passo, o disposto no art. 18 da Lei n. 7.347/85,
que isenta o Ministério Público do adiantamento das custas, emolumentos e
honorários periciais,bem como das demais despesas processuais256. A
respeito de aludido dispositivo legal, há julgado do STJ no sentido de isentar
o Ministério Público no adiantamento dos honorários periciais por aplicação
da regra inserida no art. 18 da Lei n. 7.347/85257-258. De outro lado, há
julgados também do STJ afastando o emprego do art. 18 da Lei n. 7.347/85,
no sentido de determinar que o Ministério Público efetue o adiantamento de
custas periciais diante da letra da Súmula 232 daquele tribunal259.
Parece-nos correta a linha seguida por este último julgado citado. Não se
está isentando o Ministério Público do pagamento das despesas processuais,
se vencido. Absolutamente. Relativamente à Fazenda Pública, a
jurisprudência se tem inclinado no sentido de, conforme o caso, não lhe
estender o benefício de não ter de adiantar as despesas processuais dos atos
que requerer260. A respeito, elucidavam Nelson Nery Jr. e Rosa Nery já no
CPC/73: “Quando o ato tiver de realizar-se por requerimento da Fazenda
Pública, o vencido suportará as despesas a final (CPC 27). A Fazenda Pública
está dispensada do pagamento do depósito prévio porque sendo credora das
custas judiciais, não há sentido em pagar para si mesma, o que configuraria
confusão (CC 381; CC/16 1.049). Quando o ato processual acarretar despesas
fora do âmbito das custas judiciais, como, por exemplo, para as perícias, o
experto não é obrigado a praticar o ato sem a contraprestação pecuniária
respectiva, de sorte que, se ele assim o exigir, a Fazenda Pública deve fazer o
depósito prévio”261. Nesse sentido, a Súmula 232 do STJ, assim redigida: “A
Fazenda Pública, quando parte no processo, fica sujeita à exigência do
depósito prévio dos honorários do perito”.
Voltaremos a tratar do assunto com mais vagar no capítulo destinado ao
estudo da prova pericial.
7.4 Remessa obrigatória
O art. 496 do CPC dispõe no sentido de que as sentenças que sejam
proferidas contra a União, Estados, Municípios e suas respectivas autarquias
e fundações de direito público ficam sujeitas ao duplo grau de jurisdição, isto
é, ao reexame necessário262.
Não se trata, é bem de se ver, de um recurso. A doutrina classifica o
instituto de que trata o art. 496 como condição de eficácia da sentença. Por
outras palavras, em se tratando de sentença proferida contra os entes
supracitados, esta só produz efeitos, como regra, se e quando confirmada pelo
tribunal ad quem263, ainda que não haja recurso voluntário por parte da
Fazenda (o que não impede que se admita a antecipação de tutela contra a
Fazenda; aliás, a propósito, deve-se ter presente que a Lei n. 9.494/97
disciplina – e portanto admite – o cabimento de antecipação de tutela contra a
Fazenda Pública)264.
Embora se lhe negue, majoritariamente, a natureza de recurso, tal
dispositivo, porque instituído em benefício da Fazenda Pública, não pode
levar à piora da situação determinada pela sentença monocrática, aplicando-
se, então, o princípio da proibição da reformatio in pejus265. Nesse sentido, a
Súmula 45 do STJ: “No reexame necessário, é defeso, ao Tribunal, agravar a
condenação imposta à Fazenda Pública”266.
Claro está que o duplo grau de jurisdição deve ser compreendido tendo-se
em vista a igualdade substancial das partes, já que a Fazenda Pública atua, em
princípio, em prol do interesse público e/ou da própria coletividade, e por
isso, nessa medida, se condenada, deve ser a decisão condenatória,
necessariamente, submetida ao duplo grau.
Entretanto, se for mantida a sentença prolatada contra a União, Estados ou
Municípios é porque foi decidido não estar corretamente protegido o
interesse, ou público ou da coletividade, desaparecendo a razão de concessão
de quaisquer aparentes benefícios (dizem-se aparentes, pois, em verdade,
apenas restabelecem a igualdade substancial entre as partes).
A impossibilidade do agravamento da situação da Fazenda Pública por
força da remessa obrigatória é criticada por Nelson Nery Jr.267, que entende
que essa interpretação acaba por ferir o princípio constitucional da isonomia.
Entendimentos nesse sentido baseiam-se no fato de que se, por um lado,
justifica-se plenamente e revela-se compatível com a isonomia submeter a
sentença, como condição de sua eficácia, à apreciação pelo tribunal, ainda
que não haja recurso voluntário, de outro afigura-se que o tribunal, se
entender que é o caso, deve poder agravar a situação da Fazenda268. Tal não é
o entendimento que prevalece nos tribunais, consoante a já mencionada
Súmula 45 do STJ269.
Por fim, o CPC/2015 estabeleceu exceções à remessa necessária de
decisões contrárias à Fazenda Pública. O § 2º do art. 496 limita o referido
instituto em razão da condenação ou do proveito econômico obtido na causa,
devendo ser valor líquido e certo inferior a: mil salários mínimos para a
União e as respectivas autarquias e fundações de direito público (inciso I),
quinhentos salários mínimos para os Estados, o Distrito Federal, as
respectivas autarquias e fundações de direito público e os Municípios que
constituam capitais dos Estados (inciso II) e cem salários mínimos para todos
os demais Municípios e respectivas autarquias e fundações de direito público
(inciso III). Trata-se de medida estabelecida em homenagem à celeridade e à
duração razoável do processo, por serem valores economicamente
inexpressivos para a Fazenda Pública270.
O CPC/2015 prestigia, ainda, a coesão interna do sistema jurídico, ao
estabelecer no § 3º do art. 496 a não incidência da remessa necessária,
quando a sentença estiver fundada em: súmula de tribunal superior (inciso I),
acórdão proferido pelo STF ou pelo STJ em julgamento de recursos
repetitivos (inciso II), entendimento firmado em incidente de resolução de
demandas repetitivas ou de assunção de competência (inciso III) e
entendimento coincidente com orientação vinculante firmada no âmbito
administrativo do próprio ente público, consolidada em manifestação, parecer
ou súmula administrativa (inciso IV).
7.5 Tratamento privilegiado aos idosos e portadores de doença grave
O CPC/73 passou por algumas reformas em prol da garantia da prioridade
de tramitação nos procedimentos judiciais, em virtude de características
inerentes aos litigantes – tais quais a idade e existência de doença grave. A
Lei n. 10.173/2001, por exemplo, acrescentou ao CPC/73 os arts. 1.211-A,
1.211-B e 1.211-C, que passou a dispor a respeito do tratamento privilegiado
aos processos em que uma das partes ou interessados se enquadre na
condição de idoso, isto é, tenha idade igual ou superior a sessenta anos.
Tal benefício veio a ser estendido aos portadores de doença grave, a teor
da redação atribuída pela Lei n. 12.008/2009 aos dispositivos legais
supracitados.
O CPC/2015, por sua vez, guarda total harmonia com as reformas do
CPC/73, ao estabelecer em seu art. 1.048, I, que pessoa com idade igual ou
superior a sessenta anos ou portadora de doença grave terão prioridade na
tramitação de todos os atos de diligências em qualquer instância. Para tanto,
bastará à pessoa interessada que requeira tal benefício à autoridade judiciária
incumbida de decidir o feito, juntando prova de sua condição (art. 1.048, §
1º). Deferida a prioridade, os autos receberão identificação própria que
evidencie o regime de tramitação prioritária (art. 1.048, § 2º). Além disso, a
prioridade, uma vez concedida, não cessará com a morte do beneficiário, mas
estender-se-á em favor do cônjuge supérstite, companheiro ou companheira,
com união estável, segundo prescreve o art. 1.048, § 3º.
Setores autorizados da doutrina já levantaram as vozes contra a
constitucionalidade de referidos preceitos. É o caso do trabalho do Prof. Joel
Dias Figueira Jr.271, escrito antes do advento da Lei n. 12.008/2009, em que o
autor procura demonstrar a incompatibilidade de referidos dispositivos com o
princípio constitucional da igualdade, insculpido como cláusula pétrea no
caput e no inciso I do art. 5º do texto constitucional. Segundo o autor, o
critério discriminatório adotado pela lei não necessariamente protege o
hipossuficienteporque, a uma, nem todos os maiores de sessenta e cinco anos
(sessenta anos, atualmente, a teor da Lei n. 12.008/2009) se enquadrariam em
tal categoria (e, portanto, seriam merecedores de um tratamento processual
diferenciado), e, a duas, haveria outras camadas da população (menciona o
autor, antes da Lei n. 12.008/2009, que incluiu os portadores de deficiência
grave como beneficiários desse tratamento privilegiado, os doentes mentais,
menores, pobres, miseráveis, deficientes físicos, dentre outros) que seriam
muito mais hipossuficientes do que os idosos.
Parece-nos, no entanto, que a tramitação mais célere dos processos que
envolvam idosos e portadores de doença grave atende, em última análise, aos
reclamos de uma Justiça mais igual, não colidindo com o princípio
constitucional da igualdade. O escopo colimado por referida alteração
legislativa estaria ligado à ideia de viabilizar que todas as pessoas que, por
uma razão ou por outra, são partes em ações judiciais possam vir a obter, em
vida, uma decisão do Estado-juiz. O fato de existirem outras camadas da
população igualmente merecedoras de atenção do legislador não torna, per
se, inconstitucional, em nosso entender, o critério discriminatório adotado
pelo legislador.
8. Princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional
O princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, consubstanciado
no inciso XXXV do art. 5º da CF/88, possui eficácia absoluta no
ordenamento processual, haja vista a sua total projeção no campo da
legislação infraconstitucional nos arts. 3º (“Não se excluirá da apreciação
jurisdicional ameaça ou lesão a direito) e 140 do CPC (“O juiz não se exime
de decidir sob alegação de lacuna ou obscuridade do ordenamento jurídico”).
Assim, efetivamente, de nada adiantaria assegurar-se o amplo acesso ao
Judiciário se, correlatamente, não se impusesse ao juiz o dever de sentenciar,
ainda que diante de obscuridade da lei.
Na Argentina, a esse propósito, firmou-se idêntico entendimento, com o
fito de que se obtenha do sistema constitucional o seu “máximo” rendimento,
e quando se diz máximo pretende-se significar rendimento autêntico e não
inconstitucionalmente diminuído.
No julgamento de um caso célebre, pela Suprema Corte argentina,
decidiu-se que “las garantías individuales existen y protegen a los individuos
por el sólo hecho de estar consagradas en la Constititución e
independientemente de las leyes reglamentarias, las cuales sólo son
requeridas para establecer en qué caso o con qué justificativos podrá
procederse a su allanamiento y ocupación”.
Neste caso, decidiu-se, mais, que a falta de uma tipologia processual
infraconstitucional, ou de um instrumento processual, para viabilizar a
garantia constitucional, fazia-se dispensável: “De tal manera, el intento no
venía encuadrado (no existía para entonces) en ninguna vía procesal
establecida por la ley. No obstante ello, la Corte resolvió prestar la protección
requerida, sientando de esta manera el principio según el cual, la falta de tipo
procesal al efecto, no es óbice para impedir la intervención jurisdicional”272.
Dispõe a Constituição Federal sobre a garantia da tutela jurisdicional,
como visto, no inciso XXXV do art. 5º, in verbis: “a lei não excluirá da
apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”273. Esta regra é
essencialmente dirigida ao legislador infraconstitucional, conquanto atinja a
todos, indistintamente.
Deve-se ter presente, para bem compreender o alcance de dito dispositivo,
dentro de cujo quadro funcional, de direitos e garantias, em que se insere o
princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional em nosso sistema
constitucional, que não há espaço para fazer, ou deixar de fazer alguma coisa,
senão em virtude de lei (CF, art. 5º, II).
É, pois, necessário conjugarem-se dois princípios, o da inafastabilidade do
controle pelo Judiciário de quaisquer lesões ou ameaças de lesão ao de que o
Judiciário, ao decidir, está inteiramente submisso à ordem jurídica, à qual,
igualmente, estão submetidos todos os jurisdicionados, sendo, portanto,
avaliadas as condutas destes – lícitas ou ilícitas –, sempre à luz dessa pauta
descritiva de tais condutas.
A este último princípio denominam muitos de princípio da plenitude
lógica do ordenamento jurídico, o que quer significar que todas as condutas,
lícitas, estão previstas no sistema jurídico; vale dizer, há, desde logo e
primariamente, uma pauta de condutas previstas na Constituição e,
sucessivamente, nas leis infraconstitucionais, em que se descreve,
exaurientemente, a licitude das condutas em conformidade com a ordem
jurídica; e, quando essa definição de condutas não ocorra, há regras como as
dos arts. 2º e 140 do CPC (identicamente, a do art. 4º da Lei de Introdução às
Normas do Direito Brasileiro), que fornecem referenciais para decidir.
Acentue-se, ademais, que, além das condutas lícitas, o sistema jurídico
disciplina, igualmente, as condutas ilícitas, vale dizer, quando cometido um
ilícito, é o próprio sistema jurídico que caracteriza os ilícitos e lhes disciplina
as consequências jurídicas emergentes de suas ocorrências. Dessa forma,
pode-se dizer que esse princípio da plenitude lógica do ordenamento jurídico,
em rigor, “define” o lícito e o ilícito e faz com que se sigam, a um e outro, as
consequências previstas no mesmo sistema.
Se, pois, de um lado, o sistema jurídico, a partir do próprio texto
constitucional, exaure as hipóteses do lícito e do ilícito (CF, art. 5º, II), de
outra parte, como nenhuma lesão de direito pode ser subtraída à apreciação
do Judiciário, disto se segue que o acesso ao Judiciário, protegido pela texto
constitucional e infraconstitucional, justamente pelo princípio da
inafastabilidade do controle jurisdicional, normalmente envolverá a utilização
de um “instrumento idôneo” à apreciação de uma tal situação, a qual, a seu
turno, haverá de estar assentada no texto de lei (constitucional, ou não),
mercê de cujo lastro aquele que terá acudido a juízo pretende ter razão e,
assim, fazer subordinar, pela decisão judiciária, o interesse do demandado ao
seu interesse. Por isso é que se pode dizer que esses princípios – ubiquidade e
legalidade – articulam-se, formando como que um verdadeiro binômio.
É, pois, inafastável o controle jurisdicional. E, no exercício desse controle,
o juiz procurará sempre resolvê-lo à luz do direito posto pelo Estado, ou seja,
pela pauta de valores que foi transformada em condutas havidas como
legítimas pelo direito, de uma parte, e, de outro lado, haverá de excluir as
condutas havidas como ilegítimas pelo próprio direito.
É importante destacar que o controle da legalidade existe, igualmente, para
o Estado, o que significa que essa extensão do controle da legalidade é
característica do Estado de Direito. Neste, o próprio Estado se submete
inteiramente à ordem jurídica274.
O Estado de Direito275 pode-se dizer diretamente emergido da teoria da
separação de poderes. Nesse contexto, submete-se o Estado ao princípio da
legalidade, conforme detectado claramente, nos Estados Unidos, no limiar do
século XIX, especialmente tendo em vista o controle da constitucionalidade
das leis.
O direito de ação distingue-se do direito de petição (CF/88, art. 5º,
XXXIV). Este último é um direito político, exercitável em defesa de direito
ou contra ilegalidade ou abuso de poder (art. 5º, XXXIV, a). Já o direito de
ação é um direito público subjetivo, que pode ser exercitado até mesmo
contra o Estado. Isso não significa, como já vimos, que haja sempre direito à
apreciação do mérito da pretensão, o que depende do preenchimento das
condições da ação. No entanto, ainda que seja caso de extinção do processo
sem resolução do mérito, será sempre o Judiciário que irá dizê-lo.
O princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional está intimamente
ligado àquele que assegura assistência jurídica gratuita e integral aos
necessitados (art. 5º, LXXIV, da CF/88). Com efeito, sem que se enseje esse
tipo de assistência, não se irá dar efetividade ao comando que garanteo
amplo acesso ao Judiciário, pois grande parte da população, em que pese a
garantia insculpida no inciso XXXV do art. 5º, estaria alijada do efetivo
acesso ao Judiciário. Tal benefício, é importante que se diga, pode ser
concedido inclusive para pessoas jurídicas, desde que comprove a
impossibilidade de arcar com os encargos processuais, de acordo com a
orientação cristalizada na Súmula 481 do STJ: “Faz jus ao benefício da
justiça gratuita a pessoa jurídica com ou sem fins lucrativos que demonstrar
sua impossibilidade de arcar com os encargos processuais”.
8.1 Jurisdição e arbitragem
Assunto interessante, ao qual já fizemos menção, é o que envolve o acesso
ao Judiciário e o compromisso arbitral. O § 1º, art. 3º, do CPC/2015 dispõe
que, apesar da inafastabilidade do controle jurisdicional, “É permitida a
arbitragem, na forma da lei”.
A esse respeito, a Lei n. 9.307/96 modificou o panorama legal
anteriormente existente sobre o valor da cláusula compromissória. O
entendimento que sempre preponderou, no sistema precedente à Lei n.
9.307/96, foi o de que a simples existência de cláusula compromissória não
obstaria o acesso ao Judiciário, uma vez não firmado o compromisso arbitral
diante de pendência concreta entre as partes contratantes.
Por isso que o art. 301, IX, do CPC/73, em sua redação original,
relacionava como preliminar de defesa o compromisso arbitral. Apenas se
firmado o compromisso (diante da pendência concreta) e caso se pretendesse
ir ao Judiciário é que o réu poderia alegar, em preliminar, a existência do
compromisso, como impeditiva da análise do mérito da demanda pelo
Judiciário.
A Lei n. 9.307/96 alterou esse perfil, ao dispor no art. 7º: “Existindo
cláusula compromissória e havendo resistência quanto à instituição de
arbitragem, poderá a parte interessada requerer a citação da outra parte para
comparecer em juízo a fim de lavrar-se o compromisso, designando o juiz
audiência especial para tal fim”. Ou seja, passou-se a emprestar força
coercitiva à própria cláusula compromissória (genérica) e não apenas ao
compromisso (firmado diante da pendência contratual concreta).
O art. 301, IX, do CPC/73, alterado pela própria Lei n. 9.307/96,
coerentemente, passou a constar “convenção de arbitragem” e não mais
“compromisso arbitral”. Tal redação encontra total correspondência com o
inciso X do art. 337 do CPC/2015.
O juízo arbitral implica renúncia das partes à via judiciária estatal,
confiando a solução a pessoas desinteressadas, cuja decisão produz, “entre as
partes e seus sucessores, os mesmos efeitos da sentença proferida pelos
órgãos do Poder Judiciário e, sendo condenatória, constitui título executivo”
(art. 31, Lei n. 9.307/96). Pressupõe, também, que estejam em disputa bens
patrimoniais ou direitos disponíveis e que as pessoas sejam “capazes de
contratar” (art. 1º da Lei n. 9.307/96).
Trata-se de uma renúncia prévia à jurisdição estatal, pois as partes
dispõem livremente, dentro do espectro das matérias afetas à arbitragem e das
pessoas que podem se submeter ao juízo arbitral.
Houve quem, por isso, visse a arbitragem, com o perfil que lhe deu a Lei
n. 9.307/96, como incompatível com a garantia constitucional expressa no
art. 5º, XXXV. O STF, contudo, veio a reconhecer a constitucionalidade da
Lei de Arbitragem ao julgar o pedido de homologação de sentença
estrangeira SE 5260-7/Espanha276.
Devidamente entendida a jurisdição em sua concepção moderna, ou seja,
tendo-se em vista os fins a que se destina, configura-se acertado dizer que a
arbitragem configura verdadeira jurisdição privada.
8.2 A conciliação e mediação
Da mesma forma, o art. 3º, § 2º, do CPC/2015 preconiza “O Estado
promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos”.
O referido dispositivo guarda coerência com a gradual complexidade da
sociedade e aumento de litigiosidade – afinal, pelo princípio da
inafastabilidade da tutela jurisdicional, a todos é franqueado ter acesso ao
judiciário. Assim, nada mais natural que, diante deste contexto, o legislador
busque alternativas de solução de conflito, a fim de pacificar litígios sem
movimentar a máquina estatal277.
Em respeito à inclusão dos meios alternativos no âmbito das normas
fundamentais, vale ressaltar que o CPC/2015 inovou ao profissionalizar e
regulamentar ativamente o exercício da atividade de mediador e conciliador,
nos termos dos art. 165 e s. do código. Até então, cabia à Resolução n.
125/2010 do CNJ regular os meios alternativos de solução de conflitos.
Tomam agora, corpo legal no bojo do diploma processual.
Conforme destacado por Arruda Alvim: “A aposta do CPC/2015 nos
meios alternativos passa, inclusive, pela audiência de conciliação ou de
mediação (art. 334 – que será analisado mais adiante), a ser realizada
preferencialmente sem a presença do juiz, conduzida por mediadores ou
conciliadores. Esta audiência será a regra geral, não sendo designada apenas
em casos específicos. Isto requer, sem dúvida, uma reorganização ou
aprimoramento da estrutura de administração da Justiça”278.
8.3 Justiça desportiva – um caso excepcional
O texto constitucional revogado admitia a instância administrativa de
curso forçado. Na parte final do § 4º do art. 153 da CF/67 previa-se: “O
ingresso em juízo poderá ser condicionado a que se exauram previamente as
vias administrativas, desde que não exigida garantia de instância, nem
ultrapassado o prazo de cento e oitenta dias para a decisão sobre o pedido”279.
Hoje, a CF/88 admite tal exceção apenas em se tratando de justiça desportiva
(art. 217, § 1º).
Segundo José Afonso da Silva, “a Constituição valorizou a justiça
desportiva, quando estabeleceu que o Poder Judiciário só admitirá ações
relativas à disciplina e às competições desportivas após esgotarem-se as
instâncias daquela”280.
Deve-se ter presente, ademais, que a exigência de prévio esgotamento das
vias administrativas, em se tratando da justiça desportiva, absolutamente não
implica esteja obstado o acesso ao Judiciário, senão que é perfeitamente
possível, exauridas as vias administrativas, submeter a contenda ao Poder
Judiciário. Ademais, o § 2º do art. 217 estatui que a “justiça desportiva terá o
prazo máximo de sessenta dias, contados da instauração do processo, para
proferir decisão final”.
8.4 Exigência de depósito prévio em ações tributárias
O art. 38 da Lei de Execuções Fiscais (Lei n. 6.830/80) preceitua que a
propositura da ação anulatória de débito fiscal ou declaratória de inexistência
de relação jurídica tributária deve ser precedida de depósito do tributo em
discussão.
Entendemos, contudo, que o depósito só se faz necessário para a
suspensão da exigibilidade do crédito tributário, não constituindo condição
para a discussão judicial do débito281. Nessa hipótese – depósito suspensivo
da exigibilidade do crédito tributário – deve-se ter presente que o mesmo
deve ser feito segundo o montante pretendido pelo fisco, consoante
entendimento sumulado do STJ: “O depósito somente suspende a
exigibilidade do crédito tributário se for integral e em dinheiro”282.
Calha referir, nesse passo, a recente Súmula Vinculante 28 do STF, cuja
redação é a seguinte: “É inconstitucional a exigência de depósito prévio como
requisito de admissibilidade de ação judicial na qual se pretenda discutir a
exigibilidade do crédito tributário”.
8.5 Ação rescisória
A ação rescisória é cabível após o trânsito em julgado, nas hipóteses dos
incisos I a VIII do art. 966 do CPC. Exige o art. 968, II, que, para o
ajuizamento da ação rescisória, proceda o autor ao depósito de 5% sobre o
valor da causa283-284. O entendimento preponderante é o de que a exigência de
tal depósito não atrita com o princípio do amplo acesso ao Judiciário, em
virtude da natureza excepcional da ação rescisória, que é utilizável quando
houver decisão de mérito transitada em julgado, caracterizando uma situação
absolutamente diferenciada, desde que a vocação da decisão de mérito
transitada em julgado é a da sua imutabilidade. Admite-se, ainda, que a ação
rescisória seja ajuizada contradecisão que, conquanto não seja de mérito,
impeça o conhecimento de recurso ou o ajuizamento de nova ação (cf. art.
988, § 2º, do CPC/2015).
9. Princípio do juiz e do promotor natural
No art. 5º, XXXVII, a CF/88 estabelece que “não haverá juízo ou tribunal
de exceção”, complementando, no inciso LIII do mesmo dispositivo, que
“ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade
competente”.
Referidos dispositivos consagram os chamados princípios do juiz natural e
do promotor natural.
Não é possível, por força do princípio do juiz natural, que um tribunal seja
criado ou designado para julgar apenas determinado caso285, ou, como diz
Nelson Nery Jr., “a proibição da existência e criação de tribunais de exceção
é o complemento do princípio do juiz natural”286. Juízes serão, pois, aqueles
que ocupem os cargos constitucionalmente previstos (cf. art. 92, I a VII, da
CF/88), regularmente disciplinados nos moldes da legislação constitucional e
infraconstitucional.
Existem algumas situações, já enfocadas, que devem ser reexaminadas, à
luz do princípio do juiz natural.
Há determinados assuntos que são julgados pelas chamadas justiças
especializadas. É o caso dos litígios envolvendo matéria trabalhista, eleitoral
e militar (art. 92, IV, V e VI, da CF/88, respectivamente).
Trata-se, porém, de uma previsão – genérica e abstrata – da própria
Constituição Federal de 1988, atinente a litígios envolvendo determinadas
matérias. Por isso, não existe qualquer colidência entre a previsão das justiças
especializadas – pela própria Constituição Federal – e o princípio do juiz
natural. Repita-se que o que o referido princípio colima evitar é que sejam
criados tribunais, ou designados outros já existentes para apreciar
determinado caso concreto, e desde que, assim criados, sejam impostos aos
jurisdicionados. Por isso, a previsão, genérica e abstrata, no bojo da própria
Constituição, de que litígios envolvendo determinadas matérias sejam
julgados pelas chamadas justiças especializadas, não atrita com a grandeza do
princípio constitucional em estudo. O juiz natural é aquele “instituído pela lei
para julgar certas e determinadas questões”287. Deverá ser pré-instituído pela
lei ou pela própria Constituição.
Calha referir, neste passo, o assunto das chamadas prerrogativas de foro. É
o caso, por exemplo, da atribuição conferida pela própria Constituição
Federal de 1988 ao Senado Federal para julgar o Presidente da República em
caso de crime de responsabilidade (art. 52, I). Cuida-se de previsão genérica,
abstrata, encartada no corpo da Constituição Federal de 1988, não
acarretando qualquer atrito com o princípio do juiz natural, pois não leva a
que seja criado (ou designado, se já existente) tribunal para apreciar
determinado caso. Para a hipótese de crime de responsabilidade, o juízo
natural do Presidente da República será o Senado Federal.
Também se permite sejam pactuados foros de eleição, em se tratando de
competência relativa (a competência em razão do valor e do território pode
ser objeto de convenção entre as partes – art. 63 do CPC, caput, diversamente
do que sucede com a competência em razão da matéria, pessoa e em razão da
função). A possibilidade de serem previstos os foros de eleição revela-se
perfeitamente compatível com o princípio do juiz natural.
O princípio do juiz natural não alcança somente a atividade do Judiciário
(processo civil e processo penal). Absolutamente. Reflete-se, por exemplo,
também na seara do direito administrativo. Por exemplo, o servidor público
não deverá ser apenado (se for o caso) senão pela autoridade competente,
segundo regras preestabelecidas.
O princípio do juiz natural colima, pois, impedir (1) que o tribunal seja
criado após a ocorrência do fato e (2) que seja criado para julgar um caso
específico, salvo as exceções constitucionalmente previstas. Não poderá,
também, mercê desse princípio, ser designado o órgão judicante após a
ocorrência do fato; vale dizer, o juízo ou tribunal deverá ser estabelecido
segundo regras preexistentes.
Não é mesmo possível conceber que, no regime de Estado de Direito,
pudesse não se fazer presente o princípio do juiz natural. O princípio do juiz
natural (e do promotor natural) apresenta-se, portanto, como um reflexo
natural do regime de Estado de Direito.
Foram referidas as modificações introduzidas no regime do juízo arbitral
pela Lei n. 9.307/96. O compromisso arbitral – hoje, à luz da nova disciplina,
a própria convenção de arbitragem – exclui da cognição da jurisdição estatal
a lide288. Pertinente a indagação, neste passo, sobre se as modificações
introduzidas por referido diploma legal conflitam com o princípio do juiz
natural.
Temos para nós que o juízo arbitral não apenas se compatibiliza
perfeitamente com o princípio do amplo e irrestrito acesso ao Judiciário,
como também se coaduna perfeitamente com o princípio do juiz natural.
De outro lado, a Constituição Federal de 1988 consagrou com explicitude
o já referido princípio do promotor natural (art. 5º, LIII).
Vale dizer, o acusado não apenas tem a garantia de que não será julgado
por tribunal de exceção (art. 5º, XXXVII), como também tem a certeza de
que irá receber a acusação de “um órgão do Estado escolhido previamente
segundo critérios e atribuições legais”289.
Nelson Nery Jr. diz que, para se averiguar o respeito ao princípio do
promotor natural, devem estar presentes quatro requisitos: “a) a investidura
no cargo de Promotor de Justiça; b) a existência de órgão de execução; c) a
lotação por titularidade e inamovibilidade do Promotor de Justiça no órgão de
execução, exceto as hipóteses legais de substituição e remoção; d) a definição
em lei das atribuições do órgão”290.
Se o princípio do juiz natural leva a que não possam ser criados ou
designados tribunais já existentes para apreciar determinado caso específico,
o princípio do promotor natural assegura que o acusado será processado por
um membro do Ministério Público, previamente constituído e que não tem
interesse ou compromisso com a necessária condenação ou absolvição do
acusado e que tem autonomia e independência para conduzir a acusação de
acordo com o interesse público291.
10. Princípio do contraditório e da ampla defesa e a garantia do
diálogo processual
Esse princípio está estampado no art. 5º, LV, da CF/88: “aos litigantes, em
processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados
o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. O
CPC/2015, por sua vez, adota expressamente o princípio do contraditório em
seus arts. 9º e 10, ao prever que “não se proferirá decisão contra uma das
partes sem que ela seja previamente ouvida” e que “o juiz não pode decidir,
em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não
se tenha dado às partes oportunidade de se manifesta, ainda que se trata de
matéria sobre a qual deva decidir de ofício”, impondo-se não apenas a
necessidade de diálogo para garantir a ampla defesa, mas também para
refratar a possibilidade de decisões surpresas para as partes.
Muito embora a doutrina, já à luz da Constituição Federal de 1967, com a
Emenda Constitucional n. 1/69, entendesse que a garantia do contraditório se
estendia ao processo civil e aos procedimentos administrativos, a
Constituição Federal de 1988 inovou ao expressamente utilizar-se no inciso
acima citado das expressões “processo judicial” (abrangendo tanto o processo
civil como o penal) e procedimento “administrativo”.
Como o princípio do juiz natural, acima estudado, o princípio do
contraditório apresenta-se como uma consequência natural do Estado de
Direito.
Significa, esse princípio, que se deve “dar conhecimento da existência da
ação e de todos os atos do processo às partes, e, de outro, a possibilidade de
as partes reagirem aos atos que lhes sejam desfavoráveis”292. Nesse diapasão,
percebe-se a íntima correlação existente entre o princípio do contraditório e o
da isonomia (art. 5º, caput e inciso I, da CF/88; art. 139, I, do CPC), estando
aindarelacionado ao princípio do amplo e irrestrito acesso ao Judiciário.
Importante consignar que o princípio do contraditório tem dimensões
diferentes, no processo civil e no processo penal.
No processo penal, exige-se defesa técnica substancial do réu, mesmo que
revel (art. 261 do CPP), mandando-se dar defensor ao réu que seja tido por
indefeso. No processo civil, a projeção do princípio é menor. Exige-se que
seja dada ciência ao réu da propositura da ação, porém isso não impede que,
tratando-se de direitos disponíveis, seja julgada a ação, a despeito do fato de
o réu ser revel (art. 355, II, do CPC).
Seja como for, tanto no processo civil como no penal, é imperativo que se
dê ciência ao réu da propositura da ação. No entanto, como há a distinção
apontada acima, alguns entendem mais apropriado falar-se, no campo do
processo civil, em princípio da bilateralidade da audiência, uma vez que nem
sempre há efetiva manifestação do réu, bastando que lhe seja ensejada essa
manifestação para que seja respeitado o princípio do contraditório, distinção
essa que nos servimos de acompanhar293.
Além disso, Arruda Alvim294 afirma que a instituição das normas
fundamentais pelo CPC/2015 tem como objetivo a criação de um modelo
cooperativo do direito processual, buscando refratar as possibilidades de
decisões surpresas para as partes. Isso porque não adianta exigir a boa-fé e a
cooperação das partes se uma decisão judicial que não leva em consideração
o debate havido entre as partes for considerada legítima, uma vez que
implicaria a diminuição do papel auxiliar dos próprios litigantes na solução
do caso concreto. A legitimidade da decisão judicial está diretamente ligada à
sua correlação com a alegação de direito discutida pelas partes nos autos.
Nota-se o evidente intuito de “retirar a legitimidade das decisões judiciais
que não sejam fruto de um debate efetivo entre os sujeitos do processo”,
caracterizada por “monólogo do julgador consigo mesmo”, limitando-se a
uma única perspectiva, sem qualquer observância do diálogo entre os sujeitos
do processo295.
Ainda que o CPC/2015, tal qual o CPC/73, preveja hipóteses em que é
possível o julgamento conforme o estado do processo, autorizando a extinção
prematura da lide, pelo disposto nos arts. 9º e 10 do CPC/2015, se a demanda
já estiver formada, é impositivo que o julgador intime as partes para que se
manifeste sobre as todas as questões suscitadas no curso do processo e que
poderão acarretar sua extinção.
O cabimento da extinção prematura é restrito aos casos de sentenças
terminativas, através das quais se pode extinguir o processo sem apreciação
do mérito já durante a fase de saneamento (quando verificada “qualquer das
hipóteses previstas nos arts. 485 e 487, incisos II e III” – art. 354). Da mesma
forma, podem ser proferidas sentenças definitivas decorrentes do julgamento
antecipado do mérito, quando desnecessária a dilação probatória (art. 355, I)
ou, quando ocorrer a revelia, com a produção dos seus regulares efeitos, sem
que tenha havido requerimento de prova na forma do art. 349 (art. 355, II)
Quando a demanda não estiver formada, ou seja, o réu ainda não integrar o
polo passivo, a extinção prematura do processo pela ausência das condições
da ação ou pressupostos processuais, não implicaria em ofensa aos arts. 9º e
10 do CPC/2015. No entanto, nos casos em que for desnecessária de dilação
probatória e por uma questão de economia processual, recomenda o
julgamento conforme o estado do processo, deve o magistrado garantir as
partes o direito de se manifestar antes de seu julgamento, para garantir que
essa decisão não acarretará em qualquer prejuízo para as partes. Essa
necessidade é evidente, porque o art. 10 prevê a garantia do direito da parte
para se manifestar mesmo sobre matérias em que o magistrado pode decidir
de ofício, porque ainda que sejam tidas como matérias de ordem pública,
eventual decisão de ofício não retiraria seu caráter de surpresa em relação às
partes296.
Nos casos de revelia, se operam os seus efeitos (não incidindo as
excludentes dos incs. I a III do art. 345, sendo, ainda, plausíveis os fatos
alegados na inicial), e desde que o réu tenha sido validamente citado,
igualmente não ofende o princípio do contraditório o julgamento antecipado
da lide (vide, acima, diferente alcance do princípio do contraditório no
processo civil e no processo penal), incidindo a presunção de veracidade dos
fatos alegados pelo autor (art. 344).
Como dito, os princípios do contraditório e da ampla defesa aplicam-se
também aos procedimentos administrativos297. Desse modo, serão nulas as
sanções administrativas aplicadas como decorrência de procedimento em que
não se tenha ensejado ao acusado conhecimento dos atos praticados e
possibilidade de ampla defesa (por exemplo, com a produção das provas que
entender adequadas/pertinentes).
Há que se distinguir, no campo do processo penal, a fase do inquérito
policial e do processo judicial propriamente dito. No processo penal
(judicial), o princípio do contraditório assume sua expressão máxima (arts.
261 e 497 do CPP). Daí, como apontado, alguns autores, ao lado dos quais
nos perfilhamos, preferirem reservar o nome “contraditório” para o processo
penal.
No entanto, na fase policial, costuma-se dizer que o procedimento é
inquisitório e não acusatório. Visa, o inquérito policial, a coligir as provas
que poderão servir de supedâneo à ação penal.
O inquérito policial, assim, não tem um fim em si mesmo, mas visa,
apenas e tão somente, aparelhar futura e eventual ação penal. Daí por que o
fato de ser eminentemente inquisitório e não acusatório não fere os princípios
constitucionais do contraditório e da ampla defesa.
O mesmo se diga com relação ao inquérito civil. A Lei da Ação Civil
Pública (Lei n. 7.347/85) prevê, em seu art. 8º, § 1º, a possibilidade de o
Ministério Público instaurar o chamado inquérito civil público. Explica-se:
para a propositura da ação civil pública, pode ser necessário ao Ministério
Público (que é um dos possíveis legitimados ativos da ação civil pública)
instaurar um procedimento administrativo prévio, denominado inquérito civil,
que, assim como o inquérito policial, não visa senão reunir elementos para
uma possível ação ulterior. Como tal procedimento não visa a um fim em si
mesmo, mas apenas a aparelhar eventual futura ação, o fato de ser
inquisitório não atrita com a grandeza constitucional do princípio do
contraditório. Isso não quer dizer que as informações que o Ministério
Público requisitar (art. 8º, § 1º, da Lei n. 7.347/85) não devam guardar
pertinência com aquilo que se objetiva apurar com o inquérito civil. Daí que a
requisição de informação deve ser fundamentada, e não arbitrária ou
aleatória.
Na prática, porém, não é incomum que se ofereça alguma espécie de
defesa (explicação) no curso do inquérito civil com vistas não exatamente a
uma defesa, pois que não há ainda acusação, mas com o escopo de fornecer à
autoridade que preside o inquérito civil (Ministério Público) elementos que
lhe permitam concluir pela desnecessidade da ação civil pública. Essa noção
tradicional de que o inquérito policial é inquisitório e não acusatório tem sido
mitigada em diversos julgados do STF, conforme já mencionado
anteriormente298. Nesse sentido, o STF veio, inclusive, a editar a Súmula
Vinculante 14, com a seguinte redação: “É direito do defensor, no interesse
do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já
documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com
competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de
defesa”.
Interessante consignar que o princípio do contraditório, no processo civil,
faz-se presente não apenas na fase de conhecimento, mas, igualmente, na fase
de execução.
Na fase de cumprimento de sentença, não há propriamente lide (como há
na fase de conhecimento). Na fase de execução (ora cumprimento de
sentença), busca-se realizar materialmente o que tiver sido decidido na fase
de conhecimento299. Sem embargo disso, tambémna execução, há espaço
para aplicação do princípio do contraditório, ainda que com perfil diferente
da fase cognitiva300. Primeiro, o devedor, na execução, pode oferecer
impugnação nas hipóteses do art. 525, § 1º, do CPC/2015; ainda, em
hipóteses excepcionais, mesmo antes de seguro o juízo, pode oferecer o que a
doutrina tem denominado de exceção de pré-executividade, quando a
execução se revele, por alguns motivos que serão estudados oportunamente,
absolutamente inviável301. Se se tratar de execução por título extrajudicial, o
âmbito da defesa oponível é o mesmo da contestação (art. 917), já que
poderão ser levantadas, além das matérias constantes dos incisos I a IV do
art. 917 do CPC/2015, qualquer outra que poderia ser levantada em processo
de conhecimento, a teor do que dispõe o inciso V desse mesmo dispositivo
legal.
10.1 A citação
A citação é o ato processual “pelo qual são convocados o réu, o executado
ou o interessado para integrar a relação processual” (art. 238 do CPC/2015).
É a citação, pois, por excelência, o ato pelo qual se dá efetividade ao
princípio do contraditório no campo do processo civil.
Observe-se que, conforme conteúdo já presente no CPC/73, do mandado
citatório há de constar a advertência de que trata o inciso II do art. 250 do
CPC/2015, segundo a qual deverá constar no mandado “a finalidade da
citação, com todas as especificações constantes da petição inicial, bem como
a menção do prazo para contestar, sob pena de revelia, ou para embargar a
execução
A ausência da advertência inserida no art. 250, inciso II, conduz à
nulidade da citação e impede, ab initio, que se produzam os efeitos da
revelia302. Desse modo, expõe Arruda Alvim a respeito do art. 285 do CPC/73
(cujo conteúdo se manteve no CPC/2015, em seu art. 250, II): “a ausência
desta advertência torna nula a citação e impede, a fortiori, que se produza (m)
o(s) efeito(s) da revelia. Neste caso, embora não haja comprometimento da
citação, em si mesma, a lei comina de nulidade. Se a ação, pois, não vier a ser
contestada, haverá revelia, e, em nosso sentir, nulidade (desde que ocorrente
prejuízo), e, a fortiori, incogitável a incidência do art. 319 (...). De qualquer
forma, e, como regra geral, inocorrente prejuízo, não há que se dar pela
nulidade. Assim, v.g., já mais antigamente se entendia que não ocorria
qualquer prejuízo, se o citando, dentro do prazo, comparecia e apresentava
defesa. (...) Entretanto, mesmo que irregular a citação, se tiver conseguido
preencher a sua finalidade, não se deverá decretar a nulidade do processo”303.
Se faltar a advertência de que trata o art. 285 e, mesmo assim, o réu
apresentar contestação, indagamos se seria possível cogitar-se de nulidade,
pelo fato de que no mandado de citação faltava requisito essencial. Como
aduz Marcelo Abelha Rodrigues, “foi sanada a nulidade pelo fato de que
houve contestação de todos os pontos articulados pelo autor, não havendo
qualquer prejuízo em aproveitar o ato citatório”304.
Destarte, temos que as consequências da ausência da advertência do art.
250, II, deverão ser apuradas no caso concreto e em consonância com o
princípio do prejuízo, inserido no art. 282, § 2º. Dessa forma, podemos falar,
neste caso, em nulidade sanável, como bem ressaltado por Marcelo Abelha
Rodrigues305.
10.2 Liminar inaudita altera parte
Finalmente, dentro deste assunto, cumpre serem analisadas as liminares. O
sistema processual civil prevê que, em determinadas hipóteses, é possível ao
juiz determinar providências liminarmente, sem a prévia ouvida da parte
contrária, conforme prevê o art. 9º, parágrafo único, do CPC/2015.
O CPC/2015 autoriza ao magistrado que seja proferida decisão sem ouvir
a outra parte quando tratar-se de tutela provisória de urgência, evidência (art.
311, incs. II e III) ou para expedir o mandado de pagamento no caso de ação
monitória (art. 701). Sendo que, nesses casos, busca-se a prevalência da
efetividade do processo, sem que haja conflito com o princípio do
contraditório e da ampla defesa. Explica-se o porquê.
Quando o sistema prevê a possibilidade de medidas liminares, sem ser
ouvida a parte contrária, é porque há risco de dano irreparável, se não
concedida liminarmente a providência pleiteada. Então, entre dois valores em
pauta – contraditório e efetividade do processo –, há o que Nelson Nery Jr.,
baseado em doutrina alemã, denomina “limitação imanente à bilateralidade
da audiência”306. Isso não quer dizer que o contraditório possa ser afastado.
Absolutamente. Tão logo determinada a providência liminar solicitada
inaudita altera parte, esta deverá ser intimada, para defender-se e, se
entender ser o caso, interpor recurso contra a decisão. Exatamente por isso
tais decisões não deverão gerar situações irreversíveis, pois, se o fizessem, aí,
sim, seria inutilizado (e não simplesmente adiado) o contraditório. É o que
didaticamente prevê o § 3º do art. 300 do CPC.
Em suma, sacrifica-se provisoriamente o contraditório, em prol da
efetividade do processo (interesse superior da justiça), pois sem a decisão
liminar inaudita altera parte, verifica-se perigo de dano diante da duração do
processo. Porém, à parte prejudicada pela decisão será dado o direito de sobre
ela se manifestar, e de interpor recurso à instância ad quem, se entender
necessário. Além disso, há que se considerar que as medidas liminares são,
por excelência, provisórias307, o que corrobora a ideia de que as liminares
inaudita altera parte não colidem com o princípio do contraditório e da
ampla defesa.
11. Princípio da proibição da prova ilícita
A CF/88 estipula no art. 5º, LVI: “são inadmissíveis, no processo, as
provas obtidas por meios ilícitos”. A primeira dificuldade que surge consiste
em conceituar prova ilícita308.
Ao lado desse dispositivo, deve-se ter presente, dentre outros, o art. 5º,
XII, também do texto constitucional, que garante ser “inviolável o sigilo da
correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das
comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas
hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal
ou instrução processual penal”.
A ilicitude pode ser material, se a produção da prova resulta de ato
contrário ao direito; ou formal, se decorre da forma ilegítima como ela se
produz309. Reconhecida a ilicitude da prova, o STJ tem determinado seja ela
desentranhada dos autos para não influenciar de qualquer forma a decisão do
juiz310.
O tema tem dado margem a grandes discussões. O Supremo Tribunal
Federal já decidiu pela ilegalidade de gravação feita por marido que havia se
separado da mulher e não mais coabitava com ela e invadiu a sua privacidade,
violando sua linha telefônica311.
Nelson Nery Jr. entende que, se se tratar de gravação de conversa própria,
ou de linha comum, de cônjuges que vivam sob o mesmo teto, não há
ilegalidade na prova312-313, com o que se concorda.
A Lei n. 9.296/96 prevê as hipóteses em que é admitida a interceptação
telefônica por ordem judicial, regulamentando a parte final do inciso XII do
art. 5º da CF/88. A interceptação telefônica somente poderá ser utilizada
como meio de prova em investigação criminal, com autorização judicial. Não
há, por outro lado, previsão de utilização de interceptação telefônica na esfera
civil. Aliás, o art. 10 da Lei n. 9.296/96 dispõe que “constitui crime realizar
interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática, ou
quebrar segredo da Justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não
autorizados em lei”.
É importante diferenciar, como já sublinhamos, a escuta ou interceptação
telefônica do uso de gravações telefônicas como meio de prova no cível. Os
tribunais têm decidido que, se a gravação for feita por uma das partes
interlocutoras, é lícita e pode ser utilizada como meio de prova no cível314.
Se a prova for obtida por meio lícito, no processo penal, poderá ser usada
como prova emprestada no cível315. Para caber a prova emprestada, sem
violação do contraditório, a parte contra quem vai ser produzidahá de ter
participado do processo originário.
Para Eduardo Cambi, “para que a prova emprestada seja admitida, é
necessário que tenha sido recolhida, a princípio, de um processo entre as
mesmas partes e com o mesmo objeto. A prévia intervenção e participação
das partes são necessárias, porque, se uma das partes do segundo processo
não fosse a mesma do primeiro processo, haveria violação da garantia
constitucional do contraditório e, mais especificamente, do próprio direito
constitucional à prova”316-317.
Esse é o entendimento do Supremo Tribunal Federal, já que “a garantia
constitucional do contraditório – ao lado, quando for o caso, do princípio do
juiz natural – é o obstáculo mais frequentemente oponível à admissão e à
valoração da prova emprestada de outro processo, no qual, pelo menos, não
tenha sido parte aquele contra quem se pretenda fazê-la valer; por isso
mesmo, no entanto, a circunstância de provir a prova de procedimento a que
estranho a parte contra a qual se pretende utilizá-la só tem relevo se se cuida
de prova que – não fora o seu traslado para o processo – nele se devesse
produzir no curso da instrução contraditória, com a presença e a intervenção
das partes”318.
12. Princípio da publicidade dos atos processuais
O princípio da publicidade dos atos processuais decorre do disposto no
inciso LX do art. 5º e no inciso IX do art. 93, ambos da CF.
Os art. 11 e 189 do CPC consagram a regra da publicidade dos atos
processuais no plano infraconstitucional, ao disporem que os atos processuais
e julgamentos do Poder Judiciário são públicos. O próprio art. 189, em seus
incisos I e II, traz determinadas hipóteses de processos que devem tramitar
em segredo de justiça, quais sejam (I) os casos em que o exigir o interesse
público ou social e (II) os processos que versem sobre casamento, separação
de corpos, divórcio, separação, união estável, filiação, alimentos e guarda de
crianças e adolescentes. Nessas situações excepcionais, o direito de consultar
os autos e pedir certidões é restrito às partes e seus procuradores, cabendo a
terceiro que pretenda obter certidão do dispositivo da sentença, bem como do
inventário e partilha, resultante de separação judicial, requerê-lo ao juiz da
causa.
As exceções contidas no art. 189 do CPC têm respaldo no inciso LX do
art. 5º da CF/88 e na parte final do inciso IX do art. 93, também da CF/88319.
Nesses casos, o direito à intimidade das partes e o interesse social justificam a
tramitação em segredo e sobrepõem-se ao princípio da publicidade dos atos
processuais, evitando que o processo seja alvo de especulações maliciosas ou
sensacionalistas que, muitas vezes, prejudicam o seu próprio andamento.
Decorre do princípio da publicidade a regra do art. 368 do CPC, que
determina que as audiências são públicas, ressalvadas das exceções legas.
Arruda Alvim diz, a respeito deste princípio: “A publicidade é havida
como garantia para o povo de uma Justiça ‘justa’, que nada tem a esconder; e,
por outro lado, é também garantia para a própria magistratura diante do
mesmo povo, pois, agindo publicamente, permite a verificação de seus
atos”320.
13. Princípio da motivação das decisões judiciais (art. 11 do
CPC/2015)
Dispõe o art. 93, IX, da CF/88 que as decisões judiciais serão motivadas
sob pena de nulidade.
Ainda, com o advento do CPC/2015, a motivação das decisões foi
regulada a nível infraconstitucional, de forma que o seu art. 11 dispõe “Todos
os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e
fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade”. Assim, a motivação
não apenas foi inserida em lei ordinária, como inserida no rol das normas
fundamentais de processo civil.
A necessidade da motivação das decisões judiciais (todas as decisões
judiciais devem ser motivadas e não apenas a sentença), em rigor, nem
haveria de constar do texto constitucional, pois que decorre do próprio Estado
de Direito, e, ainda, do princípio do due process, de que já se tratou. É, ainda,
verdadeiro pressuposto para que se possa recorrer. As razões recursais são
voltadas a contrastar a fundamentação das decisões judiciais.
Como pondera Teresa Arruda Alvim: “Ato de inteligência e de vontade,
não se pode confundir a sentença com um ato de imposição pura e imotivada
de vontade. Daí a necessidade de que venha expressa sua fundamentação (art.
93, IX, da CF/88)”. Diz, mais, esta autora, que fundamentação deficiente,
para todos os efeitos, equivale à falta de fundamentação321-322.
Fundamentar significa dar as razões de fato e de direito que levaram à
tomada da decisão323. A fundamentação deve ser substancial e não
meramente formal.
Correta a afirmação de Cândido Rangel Dinamarco324, no sentido de que a
exigência da motivação das decisões judiciais é um contrapeso da liberdade e
independência conferidas ao juiz para decidir. Sendo assim, a motivação não
pode ser dispensada, sob pena de nos depararmos com decisões arbitrárias,
contrariando os princípios do Estado de Direito.
A sanção para a ausência de fundamentação é expressamente cominada
pelo próprio texto constitucional: nulidade da decisão (CF/88, art. 93, IX)325.
Isso revela a importância que o constituinte dispensou a este ponto
(necessidade de fundamentação das decisões judiciais), eis que, usualmente,
os preceitos constitucionais não trazem em seu bojo a norma sancionadora.
O CPC/2015, neste contexto, classificou o dever de motivação da decisão
como norma fundamental, cuja inobservância implica a nulidade do ato
decisório. Este é o conteúdo expresso na parte final do art. 11, caput, inserido
no capítulo “Das normas fundamentais do processo civil”.
Da mesma forma, ao dispor a respeito da apreciação das provas, o art. 371
determina que as razões da formação do convencimento do juiz deverão ser
indicadas na decisão, reafirmando o princípio da motivação em sede
infraconstitucional.
14. Princípio da independência da magistratura
A independência da magistratura pressupõe a regra do art. 5º, XXXVII, e a
do art. 5º, LIII, da CF/88. Fundamentalmente, está prevista essa
independência no art. 2º da Constituição, onde se lê: “São Poderes da União,
independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o
Judiciário”.
Gozam os juízes, legitimamente integrantes do Poder Judiciário, alojados
em juízos e tribunais previstos na Constituição ou a partir dela, de uma série
de garantias, justamente para que a aplicação do direito por eles feita
signifique, exclusivamente, a vontade da lei, e a fim de que a esse mister
restem estranhas quaisquer outras influências. São as garantias já abordadas
anteriormente, isto é, vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de
subsídios.
Diz-se com autoridade, com lastro em literatura do direito comparado e
com base em inumeráveis Constituições, que a “independência dos órgãos
judiciários, que hoje pode ser aceita como um dogma, está na própria
essência do Poder Judiciário, que não se compreenderia subordinado a
injunções de outro poder, para o exercício da administração da justiça”326.
A independência do juiz deve ser descrita como bifronte, ou seja, ela é
política e jurídica, sendo aquela o suporte desta. Não poucas Constituições
referem-se a que o juiz resta submetido unicamente à lei327.
Como corolário dessa independência, o juiz submete-se unicamente a sua
convicção (livre convencimento motivado); não se lhe podem solicitar
explicações quanto àquilo que haja decidido, não mais existindo nos sistemas
constitucionais contemporâneos o antigo ius respondendi, ou seja, a
obrigação de o juiz explicar suas decisões; os juízes não são obrigados a
aceitar decisões de outros juízes e tribunais, valendo estas, única e
exclusivamente, pelo poder de persuasão de que gozem, nunca como
precedentes autoritários em nosso sistema constitucional.
Por outro lado, é certa a existência de exceções constitucionalmente
expressas, tal como o resultado da ação declaratória de constitucionalidade,
introduzida em nosso sistema pela Emenda Constitucional 3/93 à
Constituição Federal deda avaliação
3.6.9.2 Forma de avaliar os bens e o laudo de avaliação
3.6.9.3 Impugnação ao laudo
3.6.9.4 Reavaliação
3.6.10 Últimas declarações
3.6.11 Cálculo do tributo
3.6.11.1 Julgamento do cálculo
3.6.11.2 Pagamento dos tributos
3.7 Pagamento de dívidas
3.7.1 Legitimidade do credor para requerer o pagamento
3.7.2 Habilitação
3.7.2.1 A satisfação do crédito habilitado
3.7.2.2 Crédito inexigível
3.7.2.3 Outras hipóteses
3.7.2.4 Decisão
4. Colação e a obrigação de igualar as legítimas
4.1 Herdeiro renunciante e excluído
4.2 Objeto da colação
4.3 Avaliação dos bens colacionados
4.4 Divergência sobre o dever de colação
4.5 Consequências da ausência de colação
5. Partilha
5.1 Pedido de quinhões
5.2 Regras para a partilha
5.3 Esboço da partilha
5.4 Elementos da partilha
6. Sentença
6.1 Emenda da partilha (art. 656 do CPC/2015)
6.2 Rescisão da sentença (art. 658 do CPC/2015)
6.2.1 Herdeiro preterido no inventário
6.2.2 Herdeiro incluído no inventário
6.2.3 Efeitos da rescisão
7. Formal de partilha
8. Arrolamento
8.1 Arrolamento comum
8.2 Arrolamento sumário
8.2.1 Petição de arrolamento sumário
8.2.2 Necessidade de capacidade postulatória
8.2.3 A taxa judiciária, impostos e tributos
8.2.4 Adjudicação ou partilha
8.2.5 Dispensa de avaliação de bens
8.3 Habilitação de crédito e reserva de bens no arrolamento
8.4 Expedição do formal de partilha
8.5 Aplicação subsidiária das regras de inventário no arrolamento
8.6 Anulação da partilha amigável
8.6.1 Legitimidade
8.6.2 Competência
8.6.3 Decadência
9. Dispensa de inventário e de arrolamento
10. Tutela provisória
11. Sobrepartilha
12. Curador especial
13. Cumulação de inventários
LV
EMBARGOS DE TERCEIRO
1. Conceito
2. Legitimidade
2.1 Ativa
2.1.1 Cônjuge ou companheiro
2.1.2 Adquirente de bens cuja alienação foi declarada ineficaz por
fraude à execução
2.1.3 Quem sofre constrição por força da desconsideração da
personalidade jurídica
2.1.4 Credor com garantia real
2.2 Passiva
3. Prazo
4. Competência
5. Procedimento
5.1 Petição inicial
5.2 Citação
5.3 Liminar e seus efeitos
5.4 Contestação
6. Sentença
LVI
OPOSIÇÃO
1. A inovação do CPC/2015 relativa à oposição
2. Cabimento e legitimidade
3. Momento da oposição
4. Procedimento
5. Sentença
LVII
HABILITAÇÃO
1. Conceito
1.1 As alterações provocadas pelo CPC/2015
2. Cabimento
3. Legitimidade para requerer a habilitação
3.1 Habilitação requerida antes da partilha
3.2 Habilitação requerida após a partilha
4. Competência
5. Procedimento
5.1 Suspensão do processo
5.2 Petição de requerimento de habilitação
5.3 Citação dos requeridos para manifestação em cinco dias
5.4 Habilitação sumária
5.5 Habilitação ordinária
6. Decisão sobre a habilitação
6.1 Recurso cabível
6.2 Autoridade da coisa julgada
LVIII
AS AÇÕES DE FAMÍLIA
1. Introdução: a especialidade do procedimento
1.1 O CPC/73 e os procedimentos relativos às ações de família
2. Valorização dos meios consensuais de resolução de conflitos
3. A multidisciplinaridade do direito de família
4. Procedimento
5. A intervenção do Ministério Público
6. Sentença
LIX
AÇÃO MONITÓRIA
1. A função do procedimento monitório e suas características
1.1 A tutela de evidência e o uso residual da ação monitória
1.2 Natureza e classificação da ação monitória
2. A análise de admissibilidade da ação monitória
3. Legitimidade
4. Competência
5. Procedimento
5.1 Petição inicial
5.2 Intimação para pagamento, entrega da coisa ou execução da
obrigação de fazer ou de não fazer
5.3 Medidas adotadas pelo réu
5.3.1 Inércia
5.3.2 Embargos monitórios
6. Das decisões proferidas na ação monitória
6.1 Extinção pelo pagamento
6.2 Julgamento dos embargos monitórios
LX
HOMOLOGAÇÃO DE PENHOR LEGAL
1. Definição e especialidade do procedimento
1.1 A homologação de penhor legal no CPC/73
2. Competência
3. Procedimento extrajudicial
4. Procedimento judicial
4.1 A petição inicial e o requerimento para citação
4.2 A obrigatoriedade da audiência preliminar
4.3 A manifestação do réu
4.4 Sentença
LXI
REGULAÇÃO DE AVARIA GROSSA
1. Introdução
2. Cabimento
3. Competência
4. Legitimidade
5. Procedimento
5.1 Petição inicial
5.2 Nomeação do regulador
5.2.1 Deveres do regulador
5.2.1.1 Declaração
5.2.1.2 Exigir garantias idôneas para liberação das cargas
5.2.1.3 Alienação de bens
5.3 Regulamento da avaria grossa
5.3.1 Impugnação ao regulamento
5.4 Sentença
LXII
RESTAURAÇÃO DOS AUTOS
1. Conceito
2. Legitimidade
3. Competência
4. Autos suplementares
5. Procedimento
5.1 Petição inicial
5.2 Citação
5.3 Resposta do réu
5.4 Desaparecimento após a produção de provas
5.5 Desaparecimento dos autos no Tribunal
6. Decisão
6.1 Sucumbência
7. Reaparecimento dos autos originais
LXIII
PROCEDIMENTOS DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA
1. Aspectos gerais
2. Legitimidade
3. Procedimento
3.1 Petição inicial
3.2 Citação
3.3 Manifestação do réu
3.3.1 Revelia
3.4 Instrução probatória
4. Sentença
4.1 Custas e honorários
5. Recursos
6. Outros casos que se aplicam ao procedimento de jurisdição voluntária
6.1 Emancipação
6.2 Sub-rogação
6.3 Alienação, arrendamento ou oneração de bens de crianças ou
adolescentes, órfãos e interditos
6.4 Alienação, locação e administração da coisa comum
6.5 Alienação de quinhão em coisa comum
6.6 Extinção de usufruto e de fideicomisso
6.7 Expedição de alvará judicial
6.8 Homologação de autocomposição extrajudicial de qualquer natureza
ou valor
LXIV
NOTIFICAÇÃO E INTERPELAÇÃO
1. Introdução
2. Notificação
2.1 Notificação por edital
3. Interpelação
4. Procedimento
4.1 Deferimento
4.2 Hipóteses de oitiva prévia do requerido
4.3 Indeferimento
4.4 Entrega dos autos ao requerente após a intimação
5. Protesto
LXV
ALIENAÇÃO JUDICIAL
1. Conceito
2. Legitimidade
3. Cabimento
4. Procedimento
4.1 Dispensa do leilão
4.2 Avaliação prévia
4.3 Publicidade
4.4 Arrematação
5. Destino dos frutos da alienação
LXVI
DIVÓRCIO, SEPARAÇÃO CONSENSUAL E EXTINÇÃO DA UNIÃO
ESTÁVEL E DA ALTERAÇÃO DO REGIME DE BENS DO
CASAMENTO
1. Introdução
1.1 Separação consensual
1.2 Divórcio
1.3 União estável
2. Legitimidade
3. Competência
4. Homologação judicial de divórcio, separação judicial ou extinção
consensual de união estável
4.1 Petição inicial
4.2 Recebimento da inicial e primeiras providências
4.3 Sentença
4.4 Conversão da separação litigiosa em consensual
4.5 Separação consensual e reconciliação do casal
5. Homologação extrajudicial
6. Procedimento para alteração de regime de bens
6.1 Averbação
LXVII
TESTAMENTOS E CODICILOS
1. Introdução à especialidade do procedimento
2. Competência
3. Testamento cerrado
3.1 Abertura do testamento cerrado
3.2 Intervenção do Ministério Público
3.3 Sentença e registro do testamento
4. Testamento público
5. Testamento particular
5.1 Publicação do testamento particular
5.2 Intervenção do Ministério Público
5.3 Audiência e sentença
6. Testamentos especiais
7. Cumprimento do testamento
7.1 Ausência de testamenteiro nomeado
7.2 Compromisso do testamenteiro
7.3 Deveres do testamenteiro
7.4 Prêmio do testamenteiro
LXVIII
HERANÇA JACENTE
1. Conceito
2. Competência
3. Legitimidade
4. Arrecadação
4.1 Hipótese em que não se procederá à arrecadação
4.2 Publicidade
4.3 Habilitação de credores
5. Guarda, conservação e administração da herança jacente: deveres do
curador
5.1 Alienação de bens
6. Habilitação de herdeiros e conversão em inventário
7. Declaração de vacância e incorporação dos bens
LXIX
BENS DOS AUSENTES
1. Introdução
2. Competência
3. Registro da declaração de ausência
4. Arrecadação dos bens do ausente
4.1 Curadoria
4.2 Publicidade
5. Sucessão provisória
5.1 Legitimidade
5.2 Citação dos herdeiros
5.2.1 Ausência de herdeiros: declaração de herança jacente
5.3 Decisão da abertura
6. Conversão da sucessão provisória em definitiva
7. Retorno do ausente
LXX
COISAS VAGAS
1. Introdução ao conceito de coisa vaga
2. Competência
3. Procedimento1988, ou as súmulas vinculantes, previstas no art.
103-A e parágrafos do Texto Maior, trazidas pela Emenda Constitucional n.
45/2004.
Ainda, o CPC/2015 atribuiu força substancial à jurisprudência, com vistas
a privilegiar a sua função uniformizadora. É neste contexto que o art. 927
preceitua que os tribunais deverão observar: as decisões do Supremo Tribunal
Federal em controle concentrado de constitucionalidade (inciso I), os
enunciados de súmula vinculante (inciso II), os acórdãos em incidente de
assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em
julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos (inciso III), os
enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria
constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria
infraconstitucional (inciso IV) e a orientação do plenário ou do órgão especial
aos quais estiverem vinculados (inciso V). Cabendo reclamação, nos termos
do art. 988, em caso de não obediência de alguns dos casos supracitados.
Cumpre ressaltar, entretanto, que o regramento do CPC/2015 não impõe
restrição ao livre convencimento do magistrado. Assim, conforme opinião de
Arruda Alvim: “Em não havendo essa disciplina – como é o caso de nossos
dias – isso não significa que a causa ou os processos deixem de ser decididos
como entendem os Tribunais e os Tribunais Superiores. Só que isto ocorrerá
ao longo do tempo com percalços, criando situações sociais altamente
indesejáveis”328.
Assim, o novo Código optou por consubstanciar o princípio da igualdade
(art. 5º, I, CF). Considerou, para tanto, que a igualdade formal diante da letra
da lei seria insuficiente à garantia da isonomia material, haja vista ser
possível diferentes entendimentos a respeito de um mandamento, mesmo em
face de situações idênticas.
O Conselho Nacional de Justiça, instituído pela EC 45/2004, não interfere
na autonomia e independência do Judiciário. Referido Conselho vem, aliás,
previsto no art. 92, I-A, do Texto Supremo, como órgão do Poder Judiciário,
sendo que sua composição e atribuições respectivas vêm dispostas no art.
103-B. Não cabe, contudo, ao Conselho interferir na atividade jurisdicional,
como claramente se dessume da leitura do § 4º do mencionado art. 103-B,
que elenca as suas atribuições. A propósito, observa com propriedade Rita
Dias Nolasco que “o CNJ não pode interferir na atividade jurisdicional, e,
evidentemente, não pode discutir o mérito das decisões dos juízes. Ou seja,
não pode interferir na autonomia e independência da magistratura”329.
Essa independência política e jurídica do Judiciário envolve a necessidade
de existir um autogoverno da magistratura.
O chamado autogoverno da magistratura se corporifica pelos regimentos
que os tribunais elaboram, tendo em vista o conteúdo constante do art. 96 da
CF. É importante ter presente que os regimentos, porque têm um conteúdo
próprio e predeterminado, têm um claro conteúdo normativo “no tocante a
esses assuntos de sua [do Judiciário] esfera privativa de regulamentação”330-
331.
Nos quadros desse autogoverno há que se ter presente a regra do art. 99 da
CF/88, em que se estabelece que “ao Poder Judiciário é assegurada
autonomia administrativa e financeira”, com a extensão constante dos §§ 1º e
2º desse art. 99.
A circunstância de o Judiciário dizer o direito, e, portanto, fazer com que,
em suas decisões, o direito ganhe dinamicidade, leva-o, em certo sentido, a
ter o poder de dizer a última palavra, tendo em vista o direito positivo.
É certo que a última palavra, dita pelo Poder Judiciário, não se reveste de
arbítrio, senão que, justamente por estar o Judiciário submetido à lei, conduz
ao resultado de que é o Judiciário, pelo seu funcionamento, que realiza por
excelência o princípio da legalidade, na ordem prática.
Para tanto, deve-se apontar, dentre uma das características substanciais da
jurisdição, não só essa incontrastabilidade das decisões judiciárias, como
também, complementando esse perfil, a coisa julgada332.
Aponta-se, ainda, a explicar essa mesma realidade, o caráter da jurisdição
como sendo substitutiva, vale dizer, ao depois da decisão não prevalecerá o
que as partes desejavam, senão aquilo que o Judiciário haja decidido, com
lastro na lei, inclusive quando se tratar de outros poderes, Executivo ou
Legislativo333-334.
15. Princípio do duplo grau de jurisdição
O princípio do duplo grau de jurisdição assegura às partes o direito de
pleitear a revisão das decisões judiciais proferidas em primeiro grau de
jurisdição. Através dos recursos que visam a implementar o duplo grau de
jurisdição (é o caso, por excelência, da apelação), as partes poderão pretender
o reconhecimento pelo tribunal de erros de direito ou de erros de fato, já que
o duplo grau de jurisdição está eminentemente relacionado à ideia de justiça.
A propósito, diz Ada Pellegrini Grinover: “O princípio do duplo grau de
jurisdição funda-se na possibilidade da decisão de primeiro grau ser injusta
ou errada, daí decorrendo a necessidade de permitir-se sua reforma em grau
de recurso”335.
A Constituição Federal não garante de forma expressa o duplo grau de
jurisdição, que, todavia, pode-se reputar um princípio constitucional
implícito. A propósito, diz com pertinência Ada Pellegrini Grinover: “Apesar
da inexistência de regra constitucional expressa que garanta o duplo grau de
jurisdição, parece-nos, com José Frederico Marques, que a regra é imanente
na Lei Magna, a qual, como as anteriores, mais que a dualidade de graus de
jurisdição, adota o sistema da pluralidade deles”336.
O duplo grau é, por exemplo, prestigiado pela Constituição Federal
quando esta prevê o cabimento de recursos ordinários dirigidos ao STF e STJ,
em determinadas causas de competência originária dos tribunais locais (arts.
102, II, e 105, II). Nestes casos, o STF e o STJ funcionam como órgãos de
jurisdição ordinária, exatamente para preservar o direito ao duplo grau de
jurisdição nas hipóteses ali contempladas.
Oreste Nestor de Souza Laspro propõe a seguinte conceituação ao
princípio do duplo grau de jurisdição: “Podemos finalmente conceituar o
duplo grau de jurisdição como sendo aquele sistema jurídico em que, para
cada demanda, existe a possibilidade de duas decisões válidas e completas no
mesmo processo, emanadas por juízes diferentes, prevalecendo sempre a
segunda em relação à primeira”337.
Nos casos dos Juizados Especiais, os recursos não são interpostos para os
órgãos de hierarquia superior, mas sim para as Turmas Recursais, compostas
por juízes de primeiro grau. Ainda assim estará preservado o duplo grau de
jurisdição, uma vez que as decisões são amplamente revistas pelas Turmas
Recursais. Para Joel Dias Figueira Jr., em posição que nos servimos de
acompanhar, as Turmas Recursais (competentes para analisar recursos
interpostos contra sentenças proferidas em Juizados Especiais) representam
nos Juizados Especiais a segunda instância na Justiça comum338. Os
julgamentos das apelações, em regra, são feitos por órgãos colegiados,
conquanto o art. 557 do CPC, que é aplicável a todos os recursos339 e assim
também ao recurso de apelação, abra a possibilidade de julgamento
monocrático se presentes as circunstâncias autorizadoras contempladas no
caput e no § 1º-A, o que não desnatura a ideia de duplo grau.
16. Princípio da razoável duração do processo
No nível constitucional, o princípio da razoável duração do processo
encontra-se consagrado no art. 5º, LXXVIII, da CF/88, inserido pela Emenda
Constitucional n. 45/2004 (“a todos, no âmbito judicial e administrativo, são
assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a
celeridade de sua tramitação”). Porém, o referido princípio foi reproduzido
pelo CPC/2015, que o inseriu no rol das normas fundamentais do processo
civil, consoante art. 4º: “As partes têm o direito de obter em prazo razoável a
solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa”.
A razoável duração do processo é garantida não somente para os processos
judiciais, mas também para os processos administrativos.3.1 Recompensa
3.1.1 Responsabilidade do descobridor
3.2 Publicidade
3.3 Comparecimento do dono ou do legítimo possuidor
3.4 Coisa vaga não reclamada
LXXI
INTERDIÇÃO
1. A interdição e a curatela
1.1 Alteração proposta pela Lei n. 13.146/2015 e os reflexos no
CPC/2015
2. Legitimidade
3. Competência
4. Atuação do Ministério Público
4.1 Legitimidade ativa
4.2 Fiscal da ordem jurídica
5. Procedimento
5.1 Petição inicial
5.2 Tutela antecipada
5.3 Entrevista
5.4 Impugnação do interditando
5.4.1 Representação do interditando
5.5 Perícia
6. Sentença
6.1 Curador: nomeação e função
6.2 Recurso
7. Levantamento da curatela
8. Breves comentários acerca da “tomada de decisão apoiada”
LXXII
DAS DISPOSIÇÕES COMUNS À TUTELA E À CURATELA
1. Introdução: ponto de convergência entre a tutela e a curatela
2. Compromisso prestado pelo tutor ou curador
2.1 Escusa do dever
3. Remoção do tutor ou curador
3.1 Nomeação de substituto interino
4. Exoneração do tutor ou curador
5. Prestação de contas
LXXIII
ORGANIZAÇÃO E FISCALIZAÇÃO DAS FUNDAÇÕES
1. Fundações: conceito e instituição
1.1 Atuação do Ministério Público
1.1.1 Aprovação do estatuto
1.1.2 Elaboração do estatuto
2. Organização e fiscalização das fundações: função do judiciário
2.1 Intervenção judicial para suprir aprovação do Ministério Público
2.2 Extinção da fundação
LXXIV
RATIFICAÇÃO DOS PROTESTOS MARÍTIMOS E CARTAS
TESMEMUNHÁVEIS FORMADOS A BORDO
1. Objeto e o conceito
2. Legitimidade
3. Procedimento
LXXV
NOÇÕES GERAIS SOBRE O PROCESSO DE EXECUÇÃO E O
CUMPRIMENTO DE SENTENÇA
1. Considerações introdutórias
2. Autonomia e sincretismo
3. Execução e mérito
4. Princípios da execução
4.1 Princípio da iniciativa
4.2 Princípio do título
4.3 Princípio do resultado
4.4 Princípio da disponibilidade
4.5 Princípio da menor onerosidade
4.6 Princípio da atipicidade dos atos executivos
5. Classificação
5.1 Quanto à origem do título
5.2 Quanto à estabilidade do título
5.3 Quanto aos meios executivos
6. Responsabilidade patrimonial
6.1 Responsabilidade patrimonial primária
6.2 Responsabilidade secundária
6.3 Questões específicas da responsabilidade patrimonial
6.4 Fraude à execução
6.4.1 Hipóteses de fraude à execução e seus requisitos
6.4.2 Averbação premonitória
6.4.3 Fraude à execução e a desconsideração da personalidade jurídica
7. Suspensão e extinção da execução
7.1 Suspensão
7.1.1 Hipóteses de suspensão da execução
7.1.2 Prescrição intercorrente
7.2 Extinção
7.2.1 Sentença na execução
LXXVI
CUMPRIMENTO DE SENTENÇA
1. Noções gerais sobre a execução de título judicial
2. Títulos executivos judiciais
2.1 Decisão judicial
2.2 Decisão homologatória de autocomposição judicial
2.3 Decisão homologatória de autocomposição extrajudicial
2.4 Formal ou certidão de partilha
2.5 Crédito do auxiliar da justiça
2.6 Sentença penal condenatória
2.7 Sentença arbitral
2.8 Sentença estrangeira
2.9 Decisão interlocutória estrangeira
3. Legitimidade ativa
4. Legitimidade passiva
4.1 Intimação do executado
5. Competência
6. Hipoteca judiciária
7. Liquidação de sentença
7.1 Considerações iniciais
7.2 Liquidação por arbitramento
7.3 Liquidação pelo procedimento comum
8. Espécies de cumprimento de sentença
8.1 Cumprimento definitivo da sentença que reconheça obrigação
pecuniária
8.1.1 Considerações iniciais
8.1.2 Requisitos da petição
8.1.3 Intimação do executado e prazo para pagamento
8.1.4 Meios executivos: multa e penhora
8.1.5 Honorários advocatícios
8.1.6 Protesto do título
8.2 Cumprimento provisório da sentença que reconheça obrigação
pecuniária
8.2.1 Considerações iniciais
8.2.2 Responsabilidade do exequente
8.2.3 Caução
8.3 Cumprimento de sentença que reconheça obrigação de fazer, não
fazer e dar coisa
8.3.1 Considerações iniciais
8.3.2 Tutela específica da obrigação
8.3.3 Multa em razão do atraso
8.3.3.1 Fixação da multa: valor e periodicidade
8.3.3.2 Alteração do valor e periodicidade da multa
8.3.3.3 Cumprimento provisório
8.3.4 Obrigação de dar coisa: particularidades
8.3.4.1 Forma e prazo para cumprimento
8.3.4.2 Benfeitorias
8.4 Cumprimento de sentença que reconheça obrigação alimentar
8.4.1 Prisão civil
8.4.2 Adoção do procedimento do cumprimento de obrigação
pecuniária
8.4.3 Inclusão em folha de pagamento
8.4.4 Constituição de capital
8.5 Cumprimento de sentença contra a Fazenda Pública
8.5.1 Requisitos da petição
8.5.2 Intimação da Fazenda Pública
8.5.3 Obrigação de fazer, não fazer ou dar
LXXVII
PROCESSO DE EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL
1. Considerações iniciais
2. Títulos executivos extrajudiciais
2.1 Títulos de crédito
2.2 Documento público
2.3 Documento particular
2.4 Instrumento de transação referendado
2.5 Contrato garantido por caução, hipoteca, penhor, anticrese ou outro
direito real de garantia
2.6 Contrato de seguro de vida, em caso de morte
2.7 Crédito decorrente de foro e laudêmio
2.8 Crédito decorrente de contrato de locação
2.9 Certidão de dívida ativa
2.10 Crédito decorrente de despesas condominiais
2.11 Certidão de oficial de registro ou tabelião
2.12 Outros títulos previstos em lei
3. Legitimidade ativa
4. Legitimidade passiva
5. Competência
6. Procedimento da execução de obrigação pecuniária
6.1 Requisitos da petição inicial
6.2 Citação e intimação para pagamento
6.3 Arresto
6.4 Parcelamento do débito
7. Procedimento da execução de obrigação de fazer, não fazer e dar coisa
7.1 Prazo para cumprimento da obrigação e medidas executórias
7.2 Alienação ou deterioração da coisa
7.3 Satisfação da obrigação fungível por terceiro
7.4 Satisfação da obrigação infungível
7.5 Desfazimento daquilo que o executado deveria se abster de fazer
8. Procedimento da execução de obrigação alimentar
9. Procedimento da execução contra a Fazenda Pública
10. Procedimento da execução de obrigação alternativa
LXXVIII
PENHORA, REMIÇÃO E EXPROPRIAÇÃO DE BENS
1. Considerações iniciais
2. Penhora
2.1 Objeto da penhora
2.2 Ordem de realização da penhora
2.2.1 Penhora de dinheiro ou aplicação financeira
2.2.2 Penhora de créditos
2.2.3 Penhora de quotas ou ações
2.2.4 Penhora de estabelecimento, semoventes, plantações, edifícios
em construção, embarcações e aeronaves
2.2.5 Penhora de faturamento
2.2.6 Penhora de frutos e rendimentos
2.3 Impenhorabilidade
2.4 Avaliação dos bens penhorados
3. Remição da execução
4. Expropriação de bens
4.1 Adjudicação
4.1.1 Legitimidade para requerer a adjudicação
4.1.2 Preço da avaliação
4.1.3 Concorrência entre pretendentes
4.1.4 Procedimento da adjudicação
4.2 Alienação
4.2.1 Alienação por iniciativa particular
4.2.1.1 Procedimento
4.2.1.2 Preço de alienação do bem
4.2.2 Alienação em leilão judicial
4.2.2.1 Procedimento
4.2.2.2 Preço mínimo
4.2.2.3 Arrematação
4.3 Apropriação de frutos e rendimentos
5. Satisfação do crédito
LXXIX
OPOSIÇÕES DO EXECUTADO
1. Primeiras considerações
2. Impugnação ao cumprimento de sentença
2.1 Natureza jurídica da impugnação
2.2 Prazo para a impugnação
2.3 Matérias passíveis de alegação
2.3.1 Inconstitucionalidade anterior à formação do título –
inexigibilidade da obrigação
2.3.2 Inconstitucionalidade posterior à formação do título – cabimento
de ação rescisória
2.3.3 Regra de transição a respeito da coisa julgada inconstitucional
2.4 Efeito suspensivo
2.4.1 Efeito suspensivo da impugnação ao cumprimento de sentença
contra a Fazenda Pública
2.5 Procedimento da impugnação
3. Embargos à execução
3.1 Natureza jurídica dos embargos
3.2 Prazo para oposição dos embargos
3.3 Julgamento liminar dos embargos à execução
3.4 Matérias passíveis de alegação
3.5 Efeito suspensivo
3.6 Procedimento dos embargos à execução
3.7 Embargos à execução contra a Fazenda Pública
4. Exceção de pré-executividade
Referências
Dedico minha participação nesta obra para meus filhos, Henrique,
José Manoel e João Pedro, e para minha esposa, a advogada e
Professora Angélica Arruda Alvim. Na verdade, não apenas todos
os meus escritose trabalhos são dedicados a eles, mas a minha
vida, como um todo, é norteada pela preocupação de servir a Deus
e cuidar do bem-estar e da felicidade dos quatro.
Eduardo Arruda Alvim
Dedico este trabalho aos meus pais, João Luciano Granado e Valci
Cardoso Granado. Exemplos de pais, em quem me espelho todos os
dias de minha vida.
Daniel Willian Granado
Dedico a minha participação nesta obra ao meu amor, Nathália,
por ser sempre minha incentivadora, por ser minha melhor
companhia, por compreender minhas ausências e, principalmente,
por ser meu passado, presente e futuro.
Eduardo Aranha Ferreira
Agradecimentos
Agradecemos, com esta obra, a dois grandes juristas: Professora Thereza
Alvim e Professor Arruda Alvim.
Talvez a característica mais marcante da Professora Thereza Alvim, ao
longo de sua vida, tenha sido o empreendedorismo. Advogada notável,
sempre conciliou a atividade acadêmica com a banca, coisa que bem poucos
conseguiram e conseguem fazer. Foi aprovada em primeiro lugar em
concurso público para a Procuradoria do Estado de São Paulo, em concorrido
exame do qual participaram destacados nomes do cenário jurídico brasileiro.
Thereza Alvim montou o Mestrado da UEL (Universidade Estadual de
Londrina), que foi o primeiro mestrado do interior do Brasil. Em cerimônia
ocorrida em Londrina em sua homenagem, 30 anos depois, foi entregue uma
carta por ela dirigida ao então reitor, Professor Oscar Alves, datada de 21 de
novembro de 1977, dando conta de todas as providências relativas ao assunto.
Ainda na primeira metade da década de 1970, teve papel importantíssimo
na criação do Mestrado da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo – PUC-SP, na qual leciona há mais de três décadas.
Ao lado disso, montou um escritório (que ostenta o seu nome), que hoje
tem, em grande parte graças à sua habilidade como advogada, combinada
com profundo conhecimento técnico, expressão nacional.
Como se não bastasse, no fim dos anos 1990, “reinventou-se”. Fundou sua
própria Faculdade, a Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo –
FADISP. Em poucos anos, a FADISP, hoje controlada pelo prestigiado
Grupo José Alves, de Goiânia, tornou-se um centro de excelência do estudo
do direito, alcançando nome nacional. A faculdade conta com Curso de
Mestrado e Doutorado, que já é, em São Paulo e no Brasil, referência.
Thereza Alvim tem especial significado para nós, autores da presente obra.
Mãe de um, professora e amiga dos três, sempre primou por impulsionar e
estimular a todos na busca pela excelência. Por isso, rendemos nossas
homenagens a tão generosa jurista, que foi, é e certamente sempre será
agregadora.
Aqueles que conhecem e trabalham hoje com o Professor Arruda Alvim
ficam estarrecidos quando encontram, logo de manhã, e-mails encaminhados
na madrugada anterior, dando conta das providências a serem tomadas no dia
que para eles ainda se inicia.
Os que o conheceram ainda muito jovem, na década de 1970, já não se
espantam com mais nada. Naquela época, além de Procurador da Fazenda
Nacional, o jovem professor Arruda Alvim, que com 34 anos alcançara o
grau de livre-docente na Faculdade de Direito da PUC-SP com sua
monumental obra Ensaio sobre a litispendência no direito processual civil,
dava aulas no bacharelado e no mestrado/doutorado da PUC-SP e já possuía
uma respeitável banca de advocacia, ao lado dos afazeres da Procuradoria.
Além disso, assumiu, perante a Editora Revista dos Tribunais, o
compromisso de editar um volume a cada seis meses, isso muito antes do
advento do computador. E vieram a lume, na década de 1970, dois volumes
do Curso de direito processual civil, os dois volumes do já mencionado
trabalho de livre-docência, dois volumes do Manual de direito processual
civil e cinco volumes do Código de Processo Civil comentado, onze livros,
portanto. Onze livros densos.
Posteriormente, ingressou na Magistratura, vindo a integrar o extinto 1º
Tribunal de Alçada Civil de São Paulo e o Tribunal de Justiça de São Paulo,
tendo se aposentado como Desembargador em 1984.
Nestes últimos 34 anos, tendo retornado à advocacia, construiu uma das
mais respeitadas bancas do Brasil, com sede em São Paulo e escritórios no
Rio de Janeiro, Brasília e Porto Alegre.
Poucos chegam a alcançar o nível intelectual de Arruda Alvim, que
sempre tem a resposta mais acertada a dar, mesmo quando os problemas
jurídicos parecem insolúveis. Porém, mais raros ainda são aqueles que têm
humildade tal qual a do Professor Arruda Alvim, que não distingue os
incipientes estudantes dos grandes juristas. Pelo contrário, Arruda Alvim está
sempre, invariavelmente, disposto a saber a opinião jurídica de todos.
Um exemplo de professor e advogado. Uma convivência diária
enriquecedora como nenhuma outra, de que temos o prazer de desfrutar como
filho, para um, amigo, para os outros, e admiradores, para todos.
Aos dois homenageados, Thereza e José Manoel, nosso profundo e sincero
agradecimento, não apenas pela contribuição ímpar ao mundo jurídico, mas
pela contribuição essencial à trajetória pessoal e profissional de cada um de
nós.
Os Autores
Apresentação à 6ª edição
É com satisfação que apresentamos a sexta edição da obra Direito
Processual Civil. Há uma novidade marcante em relação às cinco edições
precedentes. Houve uma preocupação dos coautores em exaurir o programa
de graduação de Direito Processual Civil, de tal modo que os alunos possam
encontrar, em um só volume, material para acompanhar as aulas durante todo
o curso de processo civil.
O trabalho foi, por isso mesmo, exaustivo. A obra encontra-se em perfeita
sintonia com o Código de Processo Civil de 2015 (Lei n. 13.105/2015), e, em
relação às edições precedentes, foram abordados, ainda, o cumprimento de
sentença, o processo de execução, as tutelas de urgência e evidência, as
convenções processuais e os procedimentos especiais.
São três os coautores deste trabalho. Sua origem remonta às aulas de
graduação ministradas pelo coautor Eduardo Arruda Alvim na Faculdade de
Direito da PUC-SP. Durante muitos anos, o coautor Daniel Granado, hoje
professor das FMU (Faculdades Metropolitanas Unidas), trabalhou
voluntariamente na PUC-SP com o coautor Eduardo Arruda Alvim,
contribuindo para que o texto se mantivesse permanentemente atualizado.
Deu sequência a esse trabalho na Faculdade de Direito da PUC-SP o coautor
Eduardo Aranha Ferreira, que é sócio do escritório de Eduardo Arruda
Alvim.
Com o advento do CPC/2015, surgiu a ideia de fazer um livro mais
abrangente, que cobrisse toda a matéria ministrada no bacharelado, o que
demandou, nos últimos dois anos, um exaustivo trabalho feito efetivamente a
seis mãos, até que se chegasse à versão final do livro. Este ainda contou com
a leitura cuidadosa da Professora Thereza Alvim, Associada da PUC-SP, bem
como do mestrando da PUC-SP Vinicius Bellato.
É, pois, com satisfação que apresentamos ao público a sexta edição da
obra Direito Processual Civil, agora cobrindo todo o programa de graduação
em Direito Processual Civil, livro que esperamos seja de grande utilidade não
apenas aos estudantes de Direito, mas também aos profissionais que lidam
diariamente com o Direito Processual Civil.
São Paulo, outubro de 2018.
Os Autores
Apresentação à 5ª edição
A 5ª edição do presente estudo foi atualizada com base na mais recente
orientação dos tribunais, sejam eles superiores, sejam locais.
Procuramos também introduzir atualizações legislativas, sobretudo, com o
advento da Lei n. 12.810/2013, que veio a introduzir o art. 285-B no CPC,
vindo a estabelecer que nos litígios que tenham por objeto prestações
decorrentes de empréstimo, financiamento ou arrendamento mercantil, o
autor deverá discriminar na petição inicial, dentre as obrigações contratuais,
aquelas que pretende controverter, quantificando o valor incontroverso.
Esperamos que esta nova edição tenha grande acolhida pelo público leitor,
e que seja de grande utilidade para estudantes, estagiários, advogados,
membros do ministério público, magistrados e demais operadoresdo direito.
Reiteramos, como sempre, que a edição primitiva desta obra foi elaborada
precipuamente tendo em vista as aulas por nós ministradas na faculdade de
direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP. Desde
então, esses textos continuaram a ser por nós utilizados, não apenas nas aulas
da Faculdade de Direito da PUC-SP, na qual lecionamos há vinte anos, mas
também na Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo – Fadisp, de modo
que foram sendo continuamente aprimorados e atualizados, para o que foi
fundamental a colaboração de nossos alunos, cujo esforço contínuo e
dedicação foram muito importantes para a conclusão deste trabalho. É por
eles e para eles que esses textos foram, ao longo do tempo, sendo revisados e
atualizados, possibilitando que esta 5ª edição viesse a público.
São Paulo, julho de 2013.
O Autor
Apresentação à 4ª edição
Temos o prazer de apresentar a 4ª edição de nosso Direito Processual
Civil, editado pela Revista dos Tribunais.
Na presente edição foram feitas as necessárias atualizações legislativas,
notadamente aquelas operadas pela Lei n. 12.322/2010, que vieram a
modificar o regime do agravo interposto contra decisão de inadmissibilidade
dos recursos especial e extraordinário.
Foram também inseridos significativos acórdãos, bem como as orientações
que vieram a ser consolidadas em enunciados de Súmulas surgidos entre a
edição anterior e esta, com a finalidade de expor as discussões mais recentes
sobre os mais diversos e variados aspectos do direito processual civil.
Aguardamos mais uma vez que esta nova edição seja de grande utilidade
para estudantes, estagiários, advogados, membros do Ministério Público,
magistrados e demais operadores do direito.
Reiteramos, como sempre, que a edição primitiva desta obra foi elaborada
precipuamente tendo em vista as aulas por nós ministradas na Faculdade de
Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP. Desde
então, esses textos continuaram a ser por nós utilizados, não apenas nas aulas
da Faculdade de Direito da PUC-SP, na qual lecionamos há vinte anos, mas
também na Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo – FADISP, de
modo que foram sendo continuamente aprimorados e atualizados, para o que
foi fundamental a colaboração de nossos alunos, cujo esforço contínuo e
dedicação foram muito importantes para a conclusão deste trabalho. É por
eles e para eles que esses textos foram, ao longo do tempo, sendo revisados e
atualizados, possibilitando que esta 4ª edição viesse a público.
São Paulo, julho de 2012.
O Autor
Apresentação à 3ª edição
Após generosa receptividade da 2ª edição desta obra, tornamos pública,
com imensa satisfação, a 3ª edição do nosso Direito processual civil.
Preservamos, nesta 3ª edição, a estrutura da edição precedente.
Preocupamo-nos, contudo, em atualizar e sistematizar a obra de acordo com
as últimas reformas legislativas, procurando enfatizar as recentes leis que
vieram a modificar importantes dispositivos do Código de Processo Civil e
introduzir as novas alterações no nosso sistema processual brasileiro desde a
edição anterior, dentre as quais destacam-se as Leis n. 11.696/2009 e
12.004/2009, e, notadamente, a Lei n. 12.016/2009, que passou a disciplinar
o mandado de segurança individual e coletivo.
Ademais, além de exaustiva pesquisa doutrinária, efetuamos minucioso
estudo a respeito das recentes decisões dos tribunais, inserindo significativos
acórdãos, bem como das orientações que vieram a ser consolidadas em
enunciados de Súmulas surgidos entre a edição anterior e esta, com a
finalidade de expor as discussões mais recentes sobre os mais diversos e
variados aspectos do direito processual civil.
Esperamos mais uma vez que esta nova edição seja de grande utilidade
para estudantes, estagiários, advogados, membros do Ministério Público,
magistrados e demais operadores do direito.
Sempre gostamos de deixar claro que a edição primitiva desta obra foi
elaborada precipuamente tendo em vista as aulas por nós ministradas na
Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo –
PUC-SP. Desde então, esses textos continuaram a ser por nós utilizados, não
apenas nas aulas da Faculdade de Direito da PUC-SP, na qual lecionamos há
quase vinte anos, mas também na Faculdade Autônoma de Direito de São
Paulo – FADISP, de modo que foram sendo continuamente aprimorados e
atualizados, para o que foi fundamental a colaboração de nossos alunos, cujo
esforço contínuo e dedicação foram muito importantes para a conclusão deste
trabalho. É por eles e para eles que esses textos foram, ao longo do tempo,
sendo revisados e atualizados, possibilitando que esta 3ª edição viesse a
público.
São Paulo, março de 2010.
O Autor
Apresentação à 2ª edição
É com grande satisfação que tornamos pública a 2ª edição do nosso
Direito processual civil, após generosa acolhida da edição precedente, que
veio a se esgotar rapidamente.
Houve substanciais modificações na apresentação deste curso, uma vez
que optamos por refundir os volumes 1 e 2, que tratavam respectivamente da
teoria geral do processo e do processo de conhecimento (antigo volume 1) e
dos recursos (antigo volume 2), em um único volume, diante de sugestões da
Editora Revista dos Tribunais.
Esperamos que a nova apresentação torne mais fácil a consulta e
portabilidade da obra, notadamente aos estudantes de direito, estagiários,
advogados, membros do Ministério Público, magistrados e demais
operadores do direito.
Desde a primeira edição, houve inúmeras ondas de reformas que vieram a
introduzir profundas alterações no sistema processual brasileiro, que fazem
parte de um conjunto de leis editadas com a finalidade precípua de suprimir
ou atenuar os principais problemas enfrentados pelo Judiciário desde o
advento do Código de Processo Civil de 1973, tornando os processos mais
céleres, acessíveis e menos dispendiosos.
A edição primitiva desta obra foi elaborada precipuamente tendo em vista
as aulas por nós ministradas na Faculdade de Direito da PUC-SP. Desde
então, esses textos continuaram a ser por nós utilizados não apenas nas aulas
da Faculdade de Direito da PUC-SP, na qual lecionamos há quase vinte anos,
mas também na Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo – FADISP, de
modo que foram sendo continuamente aprimorados e atualizados, para o que
foi fundamental a colaboração de nossos alunos, cujo esforço contínuo e
dedicação foram muito importantes para a conclusão deste trabalho. É por
eles e para eles que esses textos foram, ao longo do tempo, sendo revisados e
atualizados, possibilitando que esta segunda edição viesse a público.
São Paulo, setembro de 2008.
Os Autores
I
DIREITO PROCESSUAL
1. Origens do direito processual
Historicamente, o direito processual veio a ganhar importância em razão
do reconhecimento da necessidade de intervenção estatal para a solução de
conflitos de interesses ocorridos no mundo fenomênico, na medida em que o
direito atual tolera pouquíssimas hipóteses de autotutela (e, mesmo assim,
com severas restrições, conforme se verá adiante). De fato, noticia Djanira
Maria Radamés de Sá que somente “no século III d.C. é que Roma instituiu o
sistema de justiça pública, posto que, até então, prevalecia a justiça privada,
primeiramente exercida sob a forma de autotutela e, posteriormente, de
arbitragem”1. Nesse contexto, em que o Estado intervém para decidir lides,
exsurge a importância do direito processual civil, pois é este ramo do direito
que regula como a pretensão deve ser formulada, quais os recursos cabíveis
etc. A competência para legislar em matéria processual civil é privativa da
União, a teor do disposto no art. 22, I, do texto constitucional.
Os conflitos de interesses pressupõem pelo menos duas pessoas com
interesse pelo mesmo bem. Esses conflitos são regulados por leis e
ordinariamente solucionados pela sujeição espontânea dessas pessoas às
normas incidentes sobre aquela situação jurídica. Não havendo dita “sujeição
espontânea”, pode o interessado ir ao Judiciário.Ao fazê-lo, transporta o
conflito do mundo sociológico ao Estado-juiz, formulando um pedido com
base em fatos acontecidos. Esse pedido, lastreado nesses fatos (causa de
pedir), fixa a lide ou objeto litigioso, que delimita o âmbito de atuação do
Poder Judiciário, conforme os arts. 141 e 492 do CPC2. Conforme dito, hoje,
como regra quase absoluta, para se pôr termo a um conflito de interesses, é
imprescindível que o interessado se acuda do Judiciário, sendo raras as
hipóteses em que o sistema jurídico admite a autotutela. Mesmo nas hipóteses
em que a autotutela é admitida pelo sistema, deve-se ter presente que será
sempre possível o controle a posteriori pelo Judiciário. Vale dizer, o art.
1.210, § 1º, do CC, por exemplo, autoriza a defesa ou o desforço imediato por
parte do possuidor turbado ou esbulhado, mas estabelece parâmetros
intransponíveis, ou seja, os atos praticados a título de defesa ou desforço
imediato não podem ir além dos necessários à manutenção ou restituição da
posse. Se houver exagero (desproporcionalidade) por parte do possuidor
esbulhado ao praticar os atos de desforço imediato, terá este desbordado dos
limites que a lei aceita, e poderá ser, por exemplo, alvo de ação de
indenização, como poderá sofrer consequências de ordem penal (art. 345 do
CP, que cuida do crime de exercício arbitrário das próprias razões).
De acordo com o pedido formulado e os fatos que embasam esse pedido, o
Estado-juiz, imparcialmente, dirá o direito aplicável ao caso concreto (sempre
nos estritos limites em que este lhe tiver sido submetido). A lide ou objeto
litigioso é o espelho do conflito de interesses do mundo sociológico, tal como
deduzido ao Estado-juiz pelo autor.
De fato, como se terá oportunidade de examinar com mais vagar adiante, a
jurisdição, segundo se extrai do art. 2º do CPC, é inerte. Significa isso dizer
que o Judiciário só age quando regularmente provocado por meio do
exercício do direito de ação. Corolário lógico dessa assertiva é a ideia de que
o Judiciário não pode julgar nem além, nem aquém, nem fora do pedido (ou
seja, nem ultra, nem infra, nem extra petita).
Com efeito, se o órgão jurisdicional pudesse julgar fora do pedido, isso
equivaleria a quebrar a inércia da jurisdição. E, note-se bem, o Judiciário está
adstrito ao pedido e à causa de pedir. A causa de pedir identifica o pedido.
Por isso mesmo o órgão jurisdicional não pode julgar senão com base na
causa petendi invocada na petição inicial, pois do contrário estaria decidindo
fora do pedido (extra petita)3. Ou seja, se a ação A versar determinado pedido
de indenização por danos morais pelo fundamento de fato 1, o juiz não
poderá julgá-la procedente por outro fundamento de fato que não aquele
invocado: 1. De outro lado, se a ação A, cujo pedido foi alicerçado no
fundamento fático 1, for julgada improcedente e transitar materialmente em
julgado (art. 487, I, do CPC), não se poderá invocar a coisa julgada como
obstativa da propositura da ação B de indenização por danos morais, agora
calcada no outro fundamento de fato.
Tal vinculação do órgão jurisdicional à causa petendi sofre mitigação nas
ações de controle abstrato de constitucionalidade. Com efeito, conforme
jurisprudência assente do Supremo Tribunal Federal, nas ações de controle
concentrado de constitucionalidade a causa de pedir é aberta. Isso equivale a
dizer que, quando se pede ao Supremo Tribunal Federal, por exemplo, que
reconheça a constitucionalidade de determinado dispositivo de lei federal e a
ação é julgada procedente, significa isso dizer que a norma é dada por
conforme ao texto constitucional, e não mais se poderá questionar a sua
constitucionalidade, ainda que por fundamento que não tenha sido objeto de
debate na ação já julgada4.
Como consequência lógica da impossibilidade de solução dos conflitos de
interesse pelos próprios interessados, impôs-se a assunção, por parte do
Estado, da função jurisdicional, que pode ser compreendida, em suas linhas
gerais, como a aplicação do direito ao caso concreto. Cabe ao Estado hoje,
sempre que necessário, restaurar o império da lei e do direito, monopolizada
que está a atividade de composição das lides, salvo raras exceções,
necessariamente previstas em lei (como, por exemplo, a já mencionada
autotutela possessória do art. 1.210, § 1º, do CC).
A função jurisdicional, por isso, é de índole substitutiva, ou seja, diz a
vontade concreta da lei, em substituição à vontade das partes. A
substitutividade, própria da função jurisdicional, leva a que a solução
emanada da atividade jurisdicional (decisão de mérito) ponha fim, em
definitivo, ao conflito. Consigne-se, desde logo, ser complementar à noção da
assunção quase absoluta da função jurisdicional pelo Estado a de que o
Estado não se pode eximir de decidir. Por isso, consoante se terá
oportunidade de ver adiante, nem mesmo a lacuna da lei pode servir de
pretexto para que o juiz se exima de decidir. Diante de tais situações, o
sistema oferece mecanismos de integração, como se prevê no art. 4º da Lei de
Introdução às Normas do Direito Brasileiro.
São as seguintes as características fundamentais da atividade jurisdicional:
imparcialidade do juiz, coisa julgada material, desenvolvimento através de
contraditório regular e inércia inicial.
Existe a chamada jurisdição contenciosa, destinada a solucionar os
conflitos de interesse que lhe são submetidos, cuja solução tenha sido
impossível de forma definitiva e estável, e a jurisdição voluntária, ou, como
querem alguns, administração pública dos interesses privados, que trata de
determinados interesses privados em especial. A jurisdição voluntária,
conquanto exercida pelo Judiciário, reveste-se de características que mais a
aproximam da atividade administrativa, como teremos oportunidade de
verificar mais adiante.
Processo é o meio através do qual é exercido o direito de ação, e o direito
processual é que regula o processo.
2. Autonomia do direito processual civil e sua relação com os outros
ramos do direito
O direito material é composto de normas que regulam as relações jurídicas
entre as pessoas, enquanto o direito processual estabelece as regras que
regulam uma função estatal, que é a jurisdicional; por outras palavras, o
direito processual regula o exercício da função jurisdicional (do Estado).
Os princípios que informam o direito processual são próprios, na medida
em que se trata de ramo do direito público, distintos daqueles que informam
os sub-ramos do direito material, especialmente quando se tratar de relação
de direito privado.
Essa consciência da autonomia do direito processual em face do direito
material surgiu, basicamente, a partir do fim do século XIX, pois antes disso
o direito processual era visto, basicamente, como uma projeção daquele. Com
essa renovação de concepção, ficou evidente tratar-se o direito processual de
ramo do direito público, pois que diz respeito ao exercício de uma atividade
estatal.
Como se terá oportunidade de ver mais adiante, ao se estudar a teoria da
relação jurídica processual, a obra de Oscar von Bülow foi um marco (1868)
na distinção entre os direitos processual e material. A partir daí, viu-se com
mais clareza ser a relação material litigiosa diferente da relação jurídica
processual. Depois dessa obra, passou-se a entender com mais facilidade que
o processo, antes de um meio de composição de litígios, constitui uma forma
de pacificação das relações sociais, daí defluindo, claramente, tratar-se de
ramo do direito público, independentemente de o litígio, no caso concreto,
poder ser de natureza privada. Repita-se: o direito processual regula uma
atividade estatal, a jurisdicional, e por isso encarta-se como ramo do direito
público.
Foram utilizadas, para denominá-lo, várias expressões impróprias:
processo civil, prática civil, praxe forense, que não lhe conferiam a dignidade
de disciplina autônoma, passando, sucessivamente, a utilizar a expressão
“direito judiciário civil”, que só abrange o processo de conhecimento, não o
cautelar nem o de execução. Daí se chegou

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