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ISBN 9788553611409 Alvim, Eduardo Arruda Direito processual civil / Eduardo Arruda Alvim, Daniel Willian Granado e Eduardo Aranha Ferreira. – 6. ed. – São Paulo : Saraiva Educação, 2019. 1. Processo civil 2. Processo civil – Brasil I. Título II. Granado, Daniel Willian III. Ferreira, Eduardo Aranha. 18-2133 CDU 347.9 Índices para catálogo sistemático: 1. Direito processual civil 347.9 2. Processo civil : Direito civil 347.9 Diretoria executiva Flávia Alves Bravin Diretora editorial Renata Pascual Müller Gerência editorial Roberto Navarro Consultoria acadêmica Murilo Angeli Dias dos Santos Edição Eveline Gonçalves Denardi (coord.) | Aline Darcy Flôr de Souza Produção editorial Ana Cristina Garcia (coord.) | Carolina Massanhi | Luciana Cordeiro Shirakawa | Rosana Peroni Fazolari Arte e digital Mônica Landi (coord.) | Claudirene de Moura Santos Silva | Guilherme H. M. Salvador | Tiago Dela Rosa | Verônica Pivisan Reis Planejamento e processos Clarissa Boraschi Maria (coord.) | Juliana Bojczuk Fermino | Kelli Priscila Pinto | Marília Cordeiro | Fernando Penteado | Mônica Gonçalves Dias | Tatiana dos Santos Romão Novos projetos Fernando Alves Diagramação (Livro Físico) Fabricando Ideias Design Editorial Revisão Lígia Alves | PBA Preparação e Revisão de Textos | Viviane Oshima Capa Herbert Junior Livro digital (E-pub) Produção do e-pub Guilherme Henrique Martins Salvador Data de fechamento da edição: 15-1-2019 Dúvidas? Acesse www.editorasaraiva.com.br/direito Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem a prévia autorização da Editora Saraiva. A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na Lei n. 9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código Penal. http://www.editorasaraiva.com.br/direito Sumário Agradecimentos Apresentação à 6ª edição Apresentação à 5ª edição Apresentação à 4ª edição Apresentação à 3ª edição Apresentação à 2ª edição I DIREITO PROCESSUAL 1. Origens do direito processual 2. Autonomia do direito processual civil e sua relação com os outros ramos do direito 2.1 Direito constitucional 2.2 Direito administrativo e tributário 2.3 Direito civil e comercial 2.4 Direito processual do trabalho 2.5 Direito penal 3. Sub-ramos do direito processual 4. Direito processual e direito material II JURISDIÇÃO 1. Esboço histórico 2. Estado de Direito – noção 3. Função jurisdicional 3.1 Jurisdição civil 4. Natureza da função jurisdicional do Estado 4.1 Características da função jurisdicional 4.2 Princípios fundamentais da jurisdição 5. Garantias do juiz 6. Função jurisdicional e controle dos atos administrativos 7. Meios alternativos de solução de conflitos III ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA 1. Organização judiciária 2. Organização judiciária, processo e procedimento 3. Jurisdição extraordinária 4. Competência – uma primeira noção 5. Órgãos judiciários 6. Conselho Nacional de Justiça IV FUNÇÕES ESSENCIAIS À JUSTIÇA E AUXILIARES DA JUSTIÇA 1. O Ministério Público 2. A advocacia pública 3. O advogado 4. Defensoria pública 5. Os auxiliares da justiça V COMPETÊNCIA 1. Definição e noções gerais 2. Incompetência absoluta 3. Incompetência relativa 4. Foro e juízo 5. Competência quando forem partes União, Estados e Municípios 6. “Competência” internacional e competência interna 6.1 Imunidade de jurisdição dos Estados estrangeiros 6.1.1 Homologação de decisão estrangeira 6.2 Cooperação internacional 7. Competência exterior e competência interior 8. Competência em razão da matéria – absoluta 9. Competência funcional – absoluta 10. Competência em razão do valor – relativa 10.1 Competência dos Juizados Especiais 11. Competência territorial – relativa 11.1 Hipóteses de competência territorial 11.2 Competência dos foros regionais 12. Foros especiais e análise do art. 53 13. Modificação de competência 13.1 Foro de eleição (vontade) 13.2 Conexão 13.3 Continência 13.4 Prorrogação de competência (inércia) 14. Ações envolvendo pedido de indenização decorrente de acidente do trabalho 15. Mandado de segurança (Lei n. 12.016/2009) VI PRINCÍPIOS DO PROCESSO CIVIL 1. Introdução 2. Leitura e interpretação do CPC à luz da Constituição Federal 3. Princípio da inércia judicial 4. Princípio da boa-fé processual 5. Princípio da cooperação processual 6. Princípio do devido processo legal (due process of law) 6.1 Conteúdo do princípio – a atuação da Suprema Corte norte- americana 7. Princípio da isonomia 7.1 As regras dos arts. 180 e 183 do CPC e o princípio constitucional da isonomia 7.2 Condenação em honorários advocatícios 7.3 Adiantamento de despesas processuais 7.4 Remessa obrigatória 7.5 Tratamento privilegiado aos idosos e portadores de doença grave 8. Princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional 8.1 Jurisdição e arbitragem 8.2 A conciliação e mediação 8.3 Justiça desportiva – um caso excepcional 8.4 Exigência de depósito prévio em ações tributárias 8.5 Ação rescisória 9. Princípio do juiz e do promotor natural 10. Princípio do contraditório e da ampla defesa e a garantia do diálogo processual 10.1 A citação 10.2 Liminar inaudita altera parte 11. Princípio da proibição da prova ilícita 12. Princípio da publicidade dos atos processuais 13. Princípio da motivação das decisões judiciais (art. 11 do CPC/2015) 14. Princípio da independência da magistratura 15. Princípio do duplo grau de jurisdição 16. Princípio da razoável duração do processo 16.1 Ordem cronológica de julgamento (art. 12 do CPC/2015) 17. A norma fundamental para a aplicação das leis processuais 18. Conclusões VII TEORIA DA AÇÃO 1. Noções gerais – conceito de ação 2. Evolução 3. Natureza jurídica da ação VIII CONDIÇÕES DA AÇÃO 1. Introdução ao tema 2. Interesse processual 3. Legitimidade ad causam 3.1 Considerações sobre a legitimidade nas ações coletivas. Primeiras noções IX PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS 1. Relação jurídica processual 2. Existência da relação jurídica processual 2.1 Petição inicial 2.2 Jurisdição 2.3 Citação 2.4 Capacidade postulatória 3. Pressupostos processuais de validade da relação jurídica processual 3.1 Petição inicial apta 3.2 Competência do juízo e imparcialidade do juiz 3.3 Capacidade processual e legitimação processual 4. Pressupostos processuais negativos X LITISPENDÊNCIA E COISA JULGADA 1. Noções 2. Classificação das ações 3. Elementos da ação 3.1 Identidade de partes 3.2 Identidade de pedido (objeto) XI LITISCONSÓRCIO 1. Conceito 2. Diversidade de classificações 2.1 Litisconsórcio inicial e ulterior 2.2 Litisconsórcio necessário e facultativo 2.3 Litisconsórcio unitário e simples 2.4 Litisconsórcio eventual e litisconsórcio alternativo 2.5 Litisconsórcio sucessivo 3. Limitação do número de litisconsortes 4. Hipóteses de litisconsórcio facultativo e necessário 4.1 Litisconsórcio facultativo 4.2 Litisconsórcio necessário 5. Litisconsórcio simples e unitário 6. Exclusão de um litisconsorte 7. Outras regras relacionadas ao litisconsórcio XII ASSISTÊNCIA 1. Introdução 2. Assistência simples 3. Interesse jurídico e interesse de fato 4. Procedimento 4.1 O recurso de terceiro prejudicado 5. Assistência litisconsorcial 6. A intervenção da União e pessoas jurídicas de direito público – Lei n. 9.469/97 XIII DENUNCIAÇÃO DA LIDE 1. Introdução 2. Hipóteses 3. Procedimento XIV CHAMAMENTO AO PROCESSO 1. Chamamento ao processo 1.1 Formação do litisconsórcio no chamamento 1.2 Hipóteses de chamamento ao processo 1.3 Procedimento e natureza do chamamento ao processo 1.4 Chamamento ao processo no Código de Defesa do Consumidor XV INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA 1. Introdução e fundamentos 1.1 A teoria da desconsideração da personalidade jurídica 2. Legitimidade para requerer a desconsideração da personalidade jurídica 3. Procedimento 3.1 Momentos para o requerimento da desconsideração da personalidade jurídica 3.1.1 A desconsideração da personalidade jurídica requeridaà expressão pela qual hoje esse ramo do direito é designado: “direito processual civil”, que abrange outros assuntos que não dizem respeito especificamente ao processo civil, senão que lhe são correlatos, como é o caso da organização judiciária. Partindo-se do pressuposto de que a autonomia entre os ramos do direito é eminentemente epistemológica, compreende-se facilmente o inter- relacionamento entre o direito processual civil e outros ramos do direito, particularmente o direito constitucional. 2.1 Direito constitucional Se o direito processual disciplina o exercício da atividade jurisdicional, é perfeitamente compreensível o porquê de se encontrarem insculpidos na Constituição Federal, que é a lei fundamental, os seus princípios norteadores. Assim, por exemplo, a regra do inciso XXXV do art. 5º, de que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”, que encampa o assim chamado princípio da ubiquidade. Assim, também, o art. 3º, caput, do CPC, que estatui que “não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito”. Por isso, é perfeitamente adequado falar-se em direito constitucional processual5, voltado ao estudo das normas processuais insertas no texto constitucional. Como se terá oportunidade de insistir adiante, o mais importante dos princípios constitucionais do processo é o princípio do devido processo legal, de que trata o inciso LIV do mencionado art. 5º do texto constitucional. Observe-se, ademais, que o próprio Código de Processo Civil prescreve que o direito processual civil deverá ser ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidas na Constituição Federal (art. 1º, CPC). Encontra Joan Picó i Junoy a origem da constitucionalização de garantias processuais em recentes textos fundamentais na pretensão de “evitar que el futuro legislador desconociese o violase tales derechos, protegiéndolos, en todo caso, mediante un sistema reforzado de reforma constitucional”6. Observa mencionado autor que tal fenômeno se passou mais acentuadamente em países que, na primeira metade do século XX, adotaram regimes totalitários. Cita como exemplo a Lei Fundamental de Bonn, de 23.05.1949, que prevê expressamente o direito de acesso à jurisdição (art. 19.4), a existência de um juiz ordinário predeterminado pela lei (juiz natural) (art. 101.1), bem como o direito à defesa (art. 103.1), referindo, ainda, o art. 24 da Carta espanhola de 1978, a respeito do qual assevera que “esta constitucionalización de las minimas garantias procesales no se há alcanzado plenamente hasta la Carta Magna de 1978”7. A propósito desse mesmo preceito (art. 24 da Constituição espanhola), assevera Alex Carocca Pérez: “Se trata, como es bien sabido, de una disposición que recoge una amplísima gama de garantias procesales, que han pasado a constituirse en referencias fundamentales de todo el ordenamiento jurídico español, por lo que, probablemente, se há transformado en la disposición más comentada de la Constitución Española, desde su entrada en vigencia”8. É perfeitamente possível encontrar explicações similares em nosso País para a inserção de tantas garantias processuais no texto constitucional. Nosso país passou, recentemente, por período de ditadura, durante o qual as garantias constitucionais do processo foram bastante maltratadas, de modo que optou o legislador constituinte de 1988 por ser bastante explícito no que tange às garantias constitucionais do processo. Afirma Nelson Nery Jr., em sentido conforme, que todos os princípios constitucionais do processo constituem decorrência lógica do princípio do devido processo legal (CF/88, art. 5º, LIV), mas que “a explicitação das garantias fundamentais derivadas do devido processo legal, como preceitos desdobrados nos incisos do art. 5º, CF é uma forma de enfatizar a importância dessas garantias, norteando a administração pública, o Legislativo e o Judiciário para que possam aplicar a cláusula sem maiores indagações”9. O legislador, a propósito, veio a consagrar tais garantias também na legislação infraconstitucional. Deveras, o CPC/2015 veio a tratar de ditas garantias processuais em capítulo específico denominado “Das Normas Fundamentais do Processo Civil” (Capítulo I do Título Único do Livro I da Parte Geral do CPC). Não vislumbramos, de outra banda, qualquer incompatibilidade entre as características da jurisdição e o juízo arbitral, tal como tratado pela Lei n. 9.307, de 23.09.1996, recentemente alterada pela Lei n. 13.129/2015. De fato, no que diz respeito ao juízo arbitral, temos que, depois de terem as partes convencionado que certos possíveis conflitos, referentes a um determinado contrato sejam dirimidos por árbitros (jurisdição privada), se uma delas não der consecução a isso, a outra poderá, com a intervenção do Poder Judiciário, coagi-la a tanto, hipótese que não nos parece ferir a regra do art. 5º, XXXV, da CF/88. Aqui são as partes que afastam, porque maiores e capazes e em relação a bens disponíveis, a interferência do Poder Judiciário. No caso, não é a lei ordinária (Lei n. 9.307/96) que subtrai o conflito da apreciação do Poder Judiciário, senão que são as próprias partes. Ora, se é possível que as partes transacionem até depois do trânsito em julgado, com muito mais razão é possível que as partes pactuem, por exemplo, que as disputas decorrentes de determinado contrato sejam submetidas não ao Judiciário estatal, mas ao juízo arbitral. Há, porém, a exigência de que a disputa a ser submetida ao juízo arbitral verse sobre direitos patrimoniais disponíveis (art. 1º da Lei n. 9.307/96). Mesmo para as arbitragens em que figure a Administração Pública direta e indireta, a Lei n. 9.307/96, com redação da Lei n. 13.129/2015 prescreve que, nesse caso, a arbitragem só será admissível para dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis. Merece especial menção, também, o princípio da isonomia, consagrado no inciso I e caput, do art. 5º da CF/88, o qual se projeta sobre o direito processual, exigindo que ambas as partes, autor e réu, sejam tratadas com igualdade10. Tal princípio, dada a importância de que se reveste, é expressamente encampado também no plano infraconstitucional, pelo art. 7º e pelo inciso I do art. 139 do CPC. O mesmo se diga relativamente ao princípio do contraditório previsto no art. 5º, LV, da CF, mercê do qual se deve assegurar, sempre, a possibilidade de resposta à parte ex adversa, bem como a possibilidade de produzir, sempre, prova, desde que pertinente. É oportuno notar que o contraditório não diz respeito apenas ao direito do réu de se defender, mas, mais do que isso, ao direito das partes de participarem e influenciarem no processo de tomada de decisão. Não há, por isso, que se falar que apenas ao réu aproveita o princípio do contraditório, mas a ambas as partes. No plano infraconstitucional, a propósito, o contraditório vem consagrado, dentre outros, nos arts. 7º, 9º e 10 do CPC. Constitui-se, assim, o direito constitucional em ramo do direito com o qual o direito processual mantém uma correlação íntima. Além do quanto se disse, tenha-se presente que os órgãos do Poder Judiciário – encarregados do exercício da função jurisdicional – vêm definidos no art. 92, I a VII, da CF, por exemplo. Considerem-se, ainda, as garantias de que desfrutam aqueles que exercem a função jurisdicional, ou seja, vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídio, nos termos do art. 95 da CF. Alguns recursos, também, como é o caso do recurso especial e do recurso extraordinário, têm o seu arquétipo definido pelo próprio texto constitucional (CF/88, art. 105, III, e art. 102, III, respectivamente) e, nessa exata medida, não podem ser regulados diferentemente pela lei infraconstitucional. O STF, aliás, já decidiu, ao julgar procedente a ADIn 2.79711, que à lei infraconstitucional é vedado alterar as competências definidas no próprio texto constitucional, como é o caso da competência do STF, disciplinada no art. 102, e do STJ, tratadano art. 105 da Constituição. Enfim, se é ao Judiciário que compete o resguardo da ordem jurídica, e no ápice do ordenamento jurídico encontra-se a Constituição, compete a ele, primacialmente, resguardá-la, o que poderá ser feito pela via direta, nos termos dos arts. 102, I, a, e 103 da CF (via de ação – método concentrado), perante o Supremo Tribunal Federal, ou, incidentalmente, perante quaisquer órgãos do Judiciário, que podem afastar a aplicação de leis infraconstitucionais no caso concreto que lhes venha a ser submetido (via de exceção ou defesa – método difuso – art. 97 da CF/88). Nesta última hipótese (controle difuso), qualquer juiz ou tribunal pode (e deve) reconhecer, para o caso concreto submetido à sua apreciação, a incompatibilidade da lei com o texto constitucional. Como dito anteriormente, o estudo da chamada jurisdição constitucional é objeto do chamado direito processual constitucional. Nesse diapasão, há de ser mencionado o art. 102, § 1º, do texto constitucional, que estabelece a arguição de descumprimento de preceito fundamental pelo Poder Público, que veio a ser regulamentada pela Lei n. 9.882/99. Repita-se que o princípio mais relevante de todos é o princípio do devido processo legal, estampado no inciso LIV do art. 5º da CF/88 e que se projeta, seja no campo do direito processual (procedural due process), seja na seara do direito material (substantive due process). Trata-se, inquestionavelmente, do mais importante princípio processual dentre os previstos na Constituição Federal, e, como dito, sua repercussão ultrapassa os lindes do direito processual, podendo-se falar em devido processo legal em sentido substancial. Já se teve a oportunidade de dizer: “Pode-se, sem receio de errar, asseverar que os demais princípios constitucionais do processo são verdadeiramente imanentes à noção de devido processo legal, explicitando- o”12. Tamanha a sua importância, que um dos pressupostos para a cooperação jurídica internacional, regulamentada por Tratado de que o Brasil faça parte, é justamente a observância e respeito às garantias do devido processo legal no Estado requerente (art. 26, I, do CPC). 2.2 Direito administrativo e tributário O processo não serve somente à aplicação do direito privado, mas do direito público em geral. O art. 15 do CPC estatui, a propósito, que “na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente”. Também nas hipóteses de jurisdição voluntária (art. 719 e subsequentes do CPC), em que o Estado exerce atividade eminentemente administrativa pois inexiste qualquer conflito de interesses, há íntimo entrelaçamento entre ambas as disciplinas. Interessante registrar que há instrumentos processuais especificamente vocacionados a serem aplicados na seara do direito administrativo. Tal é o caso, por exemplo, do mandado de segurança. Trata-se de instrumento processual previsto na própria Constituição Federal (CF/88, art. 5º, LXIX), disciplinado no âmbito infraconstitucional pela Lei n. 12.016/2009, de larga aplicação em lides de direito público. Pode-se dizer, sem receio de errar, que se trata, por excelência, do instrumento de controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário. O íntimo entrelaçamento entre o direito processual e o direito tributário pode ser vislumbrado não apenas com relação às ações que o contribuinte pode ajuizar contra o Fisco, mas também tendo em vista os instrumentos de que o Fisco dispõe para cobrar o contribuinte. A propósito, James Marins fala em ações exacionais e ações antiexacionais13. No que tange às ações antiexacionais, já mencionamos que o mandado de segurança é dos mais importantes instrumentos de controle de Administração Tributária por parte do particular. Todavia, como se sabe, tem aplicabilidade restrita, pois sua utilização pressupõe que haja prova documental pré- constituída dos fatos subjacentes à demanda (direito líquido e certo). Também as ações ordinárias podem ser utilizadas contra a Administração Tributária, sendo de se referir a inserção, no art. 151 do CTN, do inciso V, pela LC 104/2001, admitindo expressamente a antecipação de tutela como causa suspensiva da exigibilidade do crédito tributário14. Tem-se observado, com efeito, um aumento do espectro das medidas liminares capazes de sobrestar a exigibilidade do crédito tributário, enquanto se discute, seja via ação anulatória (desconstitutiva), seja via ação meramente declaratória, a relação de direito tributário material. A mencionada LC 104/2001, que introduziu o inciso V no art. 151 do CTN, admitindo a antecipação de tutela como causa suspensiva da exigibilidade do crédito tributário, constitui exemplo notório disso. De outro lado, o Fisco tem a prerrogativa de constituir unilateralmente título executivo contra o devedor de tributos, que dá ensejo ao processo de execução fiscal, que tem regras próprias e específicas, sendo disciplinado, em substância, pela Lei n. 6.830/80 (Lei de Execuções Fiscais). O entrelaçamento das disposições do CPC com a Lei de Execução Fiscal pode ser vislumbrado, por exemplo, no art. 46, § 5º, do CPC, que cuida da competência para a apreciação da ação de execução fiscal, ainda que o procedimento desta última seja tratado pormenorizadamente na Lei n. 6.830/80. Além disso, pode o Fisco utilizar-se da medida cautelar fiscal, disciplinada pela Lei n. 8.397/92. 2.3 Direito civil e comercial Grosso modo, grande parte do direito privado é constituída pelo direito civil, e é através do direito processual civil que os conflitos respeitantes a essa parte do direito material são submetidos ao Judiciário. Ainda hoje, por ser o direito civil, inegavelmente, o ramo mais estudado do direito, e apesar de conceber-se o direito processual civil como uma disciplina autônoma, é comum que os processualistas busquem subsídios no direito civil. Ademais, há institutos do direito civil que se projetam para fora desse ramo do direito. A própria Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (antiga Lei de Introdução ao Código Civil), embora reconhecida como de hierarquia igual às demais leis ordinárias, é tida como uma norma de sobredireito, aplicável, em grande parte, aos demais ramos, como, por exemplo, a regra sobre o início da vigência das leis, insculpida no art. 1º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. Por razões similares, é possível dizer que o direito comercial mantém íntimas relações com o direito processual civil. Assim, por exemplo, os arts. 599 e seguintes do CPC, que tratam de regulamentar a intitulada ação de dissolução parcial de sociedade. Deve-se ter presente, todavia, que o direito comercial codificado com o CC (Lei n. 10.406/2002) resulta quase que totalmente assimilado por esse Código, que revogou o Livro I do Código Comercial, remanescendo dessa antiga codificação, apenas, o direito de navegação15. Mesmo para as ações judiciais que tratam de direito marítimo, o CPC estabelece que as ações previstas no art. 1.218, do CPC/73 (protestos formados a bordo, apreensão de embarcações, arribadas forçadas etc.) ficam submetidas ao procedimento comum previsto no CPC, caso ainda não tenham sido regulamentadas por lei específica (CPC, art. 1.046, § 3º). O CPC ainda cuida de disciplinar a denominada ação de regulação de avaria grossa (art. 707 e s.), que envolve o direito marítimo. 2.4 Direito processual do trabalho Finalmente, cabe anotar que o direito processual civil é fonte subsidiária do direito processual do trabalho, segundo, aliás, disposição expressa no art. 769 da Consolidação das Leis do Trabalho. Também no CPC, tem-se o art. 15, que cuida da aplicação supletiva e subsidiária deste último ao direito processual do trabalho. A CLT contém poucas regras específicas de processo16, de modo que a forma de veiculação da pretensão trabalhista é regulada pelo CPC no que não conflitar com a disciplina específica da CLT. 2.5 Direito penal Já nos referimos à regra geral no sentido da impossibilidadede se fazer justiça com as próprias mãos, o que configura crime, nos termos do art. 345 do CP. Como exceção já foi mencionado o art. 1.210, § 1º, do Código Civil, segundo o qual “o possuidor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se ou restituir-se por sua própria força, contanto que o faça logo (...)”. O próprio Código Penal, no art. 23, incisos I, II e III, trata do estado de necessidade, da legítima defesa, do exercício regular de direito e do estrito cumprimento do dever legal, respectivamente. Essas circunstâncias constituem excludentes de ilicitude, de modo que a conduta praticada em tais condições não se reputa antijurídica, e, pois, não há falar em crime. Sempre pode haver, seja permitido enfatizar, mesmo nos casos em que o sistema excepcionalmente admite a autotutela, apreciação pelo Poder Judiciário da situação concreta, a fim de se avaliar se realmente se tratava de hipótese em que o sistema albergava a autotutela, ou se houve exagero por parte daquele que se utilizou de permissivo legal para fazer valer manu propria seus próprios interesses. Vale dizer, a existência de esbulho a justificar o desforço imediato de que trata o art. 1.210, § 1º, do CC, acima referido, por exemplo, poderá sempre ser avaliada pelo Poder Judiciário. Ou, por outras palavras, o fato de o Código permitir a prática do desforço imediato (hipótese de autotutela legalmente admissível) não quer significar que dita conduta não possa ser apreciada pelo Judiciário para se avaliar se o caso concreto subsumia-se, ou não, à previsão do art. 1.210, § 1º, do CC. Relaciona-se, ainda, o direito penal com o direito processual por disciplinar vários ilícitos que podem ser praticados no curso do processo, como, exemplificativamente, o falso testemunho17 e a apropriação indébita pelo depositário judicial18. Há, também, que se considerar que um mesmo evento pode render ensejo a sanções da natureza civil e também de índole penal. Neste caso, deve-se ter presente a regra estampada no art. 91, I, do Código Penal: “São efeitos da condenação: I – tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime”. Neste caso, havendo condenação na esfera penal, não se poderá mais discutir na esfera cível o an debeatur, mas apenas o quantum debeatur. Dispositivo de teor equivalente é o art. 63 do Código de Processo Penal, que dispõe: “Transitada em julgado a sentença condenatória, poderão promover- lhe a execução, no juízo cível, para o efeito da reparação do dano, o ofendido, seu representante legal ou seus herdeiros”. Nessa linha, o inciso VI do art. 515 do CPC/2015 diz ser título executivo judicial a sentença penal condenatória transitada em julgado. Em verdade, como ensinam Nelson Nery Jr. e Rosa Nery, a sentença penal condenatória há de ser integrada pela sentença de liquidação, se for o caso, para aparelhar o processo de execução19. De outro lado, a absolvição criminal, a menos que tenha sido categoricamente reconhecida a inexistência material do fato20, não obsta seja intentada a ação de reparação de danos (CPP, art. 66)21. Tenha-se presente, ainda, nesse contexto, a regra do art. 315 do CPC/2015: “Se o conhecimento do mérito depender de verificação da existência de fato delituoso, o juiz pode determinar a suspensão do processo até que se pronuncie a justiça criminal”. A propósito deste último dispositivo, Nelson Nery Jr. e Rosa Nery figuram o seguinte exemplo prático em que o mesmo haveria de incidir: “É exemplo de prejudicial externa a ação penal por crime de falsidade material, cujo julgamento deve influir na decisão sobre ação de anulação do contrato por falsidade de assinatura”22. Diga-se, por oportuno, que há prazo máximo para a suspensão do processo, sendo que o prazo para propositura de ação penal é de 3 meses da intimação do ato de suspensão e, se proposta referida ação, o processo ficará suspenso até o período de 1 ano (art. 315, §§ 1º e 2º, CPC/2015). A tramitação do processo civil será retomada quando decorridos tais prazos, sem a conclusão do processo penal. Neste caso, a existência de fato delituoso será verificada incidentalmente23. 3. Sub-ramos do direito processual Aceita-se hoje, como visto, que o processo se apresenta desvinculado do direito material (supostamente) ofendido. Está num altiplano distinto, já que visa a resguardar a própria ordem jurídica, pacificando os litígios, embora traga como consequência a solução dos conflitos que lhe são submetidos. Conforme a divisão do poder jurisdicional, temos os vários sub-ramos do direito processual. Em regra, a atividade jurisdicional é exercida pelos órgãos do Poder Judiciário (atividade típica desse Poder), o que representa um critério orgânico, o principal. Dentro do Poder Judiciário, temos, de um lado, as jurisdições especializadas, como a do trabalho, militar e eleitoral, e, de outro, a jurisdição ordinária ou comum, que exerce tanto a jurisdição civil como a penal. Assim, o que não for de competência das jurisdições especiais será afeto à jurisdição comum. Nesse sentido é que se fala em direito processual penal, eleitoral, militar e trabalhista. Cada sub-ramo do direito processual, que é o ramo maior, regulamenta o exercício da atividade jurisdicional nesses campos específicos. Em raros casos, a jurisdição não é exercida por órgão do Judiciário, como na hipótese do inciso I do art. 52 da CF, que diz caber ao Senado “processar e julgar o Presidente e o Vice-Presidente da República nos crimes de responsabilidade, bem como os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica nos crimes da mesma natureza conexos com aqueles”, exercendo atividade atípica. No caso de crime comum, o julgamento do Presidente da República é da competência do Supremo Tribunal Federal (CF/88, art. 102, I, b). Assim, temos o direito processual civil, penal, do trabalho, militar e eleitoral. Tendo em vista a atividade eminentemente jurisdicional, que por vezes é exercida por órgãos do Poder Legislativo (estranhos, pois, ao Poder Judiciário), falam alguns autores em direito processual político, que compreenderia hipóteses muito raras e estaria regulado nos regimentos internos dessas Casas. Na verdade, pode-se dizer que o poder jurisdicional é uno, sendo didáticas as divisões apontadas, e, portanto, nesse sentido pode-se falar que o direito processual é um só, e por isso mesmo alguns doutrinadores falam em teoria geral do processo. Por outro lado, é de se ressaltar que há evolução legislativa, já no plano constitucional, que evidencia que o processo não serve apenas à veiculação de interesses individuais: a) pela Constituição Federal de 1967, Emenda n. 1/69 (art. 153, § 4º), assegurava-se o direito de submeter à apreciação do Judiciário “qualquer lesão de direito individual”; pela CF/88, art. 5º, XXXV, suprime-se o adjetivo “individual”; b) o mandado de segurança sempre serviu para a defesa de situações individuais; pela Constituição Federal de 1988, ao lado desse, previu-se o mandado de segurança coletivo (art. 5º, LXX); c) a Constituição Federal de 1988 previu instrumentos destinados à defesa coletiva de direitos, como a ação civil pública a ser proposta pelo Ministério Público (art. 129, III, CF/88), e essa legitimação não obsta a de outros, nos termos da Constituição Federal e de outras leis24. 4. Direito processual e direito material Normas de direito material são aquelas que criam, regem e extinguem as relações jurídicas, dizem o que é lícito e o que é ilícito etc., fora do juízo; são as normas de direito civil, penal, tributário, administrativo etc. Normas de direito processual são aquelas que regulam o processo. É verdade que também criam, regem, modificam e extinguem relações jurídicas, mas perante o órgão encarregado de exercer a atividade jurisdicional. Daí por que, como se vem insistindo, o direito processual é instrumental em relação ao direito material. São os seguintes os dizeres de Vicente Greco Filho: “Direito material e processo, portanto, caminham juntos, de modo que este é instrumento daquele e, aliás, se dignifica narazão direta em que aquele se manifesta buscando a estabilidade e a justiça”25. Costumava-se chamar o direito material de substantivo e o processual de adjetivo. Hoje, as expressões mais utilizadas são direito material e direito processual. O direito processual, todavia, enquanto regulamentador de uma função soberana do Estado (a jurisdicional), é ramo do direito público, pouco importando que no caso concreto esteja em pauta conflito entre particulares. Aliás, o direito processual destina-se não apenas a dirimir conflitos entre particulares, mas entre estes e o Estado. O direito processual é regido por princípios próprios e as regras que lhe são próprias são, em geral, de aplicação cogente, como, por exemplo, o dever do juiz em conhecer de ofício matéria de ordem pública, em qualquer tempo e grau de jurisdição (art. 485, § 3º, do CPC/2015). Há, porém, regras que refogem a essa regra, o que, aliás, foi ampliado pelo Código vigente, que introduziu no ordenamento jurídico verdadeira cláusula geral de negociação processual, prevista no art. 190. A importância de se estabelecer a distinção entre as normas de direito material e processual ganha relevo, dentre outras razões, em virtude da aplicabilidade diferenciada das duas aos processos em andamento. As normas de direito processual têm aplicabilidade imediata (art. 1.046 do CPC/2015), ao passo que as regras de direito material não retroagem, de modo a atingir situações jurídicas consolidadas anteriormente. Isso, evidentemente, não significa dizer que a lei processual retroaja, o que violaria o art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal, mas apenas que se aplica a todos os atos processuais cuja possibilidade de prática seja contemporânea à nova lei, pouco importando que o processo, em si, tenha tido início antes de sua vigência. Ressalte-se, ainda, que a inobservância, pelo julgador, das normas de direito material (critérios de julgar) enseja error in judicando, ao passo que o desatendimento das normas de direito processual (critérios de proceder) configura error in procedendo. II JURISDIÇÃO 1. Esboço histórico Em síntese, podemos dizer que a forma de resolução dos conflitos entre as pessoas, paralelamente ao desenvolvimento do próprio Estado, passou da autotutela, em tempos primitivos, à (quase) completa assunção de tal função pelo Estado (monopólio da jurisdição). Ao longo dessa evolução, houve épocas em que os conflitos de interesses eram dirimidos por árbitros, fosse essa a vontade dos interessados. Em uma etapa posterior, antes de chegar ao estágio atual, essa “arbitragem” tornou-se obrigatória26. Diz-se quase completa assunção porque situações há em que o sistema jurídico positivo, ainda hoje, tolera a autotutela, como já foi referido no primeiro capítulo deste trabalho. Entre elas, pode-se destacar o desforço imediato (art. 1.210, § 1º, do CC) e a legítima defesa, que no Código Penal é tida por excludente de ilicitude (art. 23, II). Tenha-se presente, todavia, que, diferentemente do que sucedia em sistemas primitivos, a autotutela é tolerada hoje porque o sistema jurídico positivo expressamente a admite (em determinadas hipóteses específicas, vedando-a, todavia, como regra)27 – daí por que o Judiciário poderá, já dissemos, sempre, julgar se realmente se tratava de hipótese em que a lei tolerava a autotutela, como, ainda, as condições em que isso se deu, a fim de verificar se houve abuso. 2. Estado de Direito – noção A característica mais marcante do Estado de Direito é a de que, nele, todos se submetem à lei, governantes e governados, indistintamente. A ideia de tripartição dos Poderes (ou, se se preferir, tripartição das funções estatais do Poder, já que o Poder, enquanto expressão da soberania estatal, é uno) é tida hoje como verdadeiro pressuposto para que se possa falar, efetivamente, em Estado de Direito28. Com efeito, pela tripartição dos Poderes, cabe, por exemplo, ao Judiciário controlar a legalidade dos atos do Executivo, e o Judiciário o faz imparcialmente, porque os seus membros são dotados, como se verá, de certas garantias. Estivessem todas as funções (a de fazer as leis, administrar e julgar) enfeixadas num só Poder, não haveria real submissão do Estado à lei, ou, por outras palavras, não se poderia falar em Estado de Direito. A especialização do Judiciário, derivada da tripartição dos Poderes, encontra sua complementação no princípio da legalidade, que indica a necessidade de submissão de todos à vontade da lei. Não fosse assim, pouco ou nenhum significado teria a tripartição dos Poderes. O fato de existirem “tribunais” administrativos não quer significar que o Judiciário não detenha o monopólio da função jurisdicional. As decisões desses órgãos da justiça administrativa, como explica com notável acuidade Athos Gusmão Carneiro, não “se revestem de caráter jurisdicional; portanto, não transitam materialmente em julgado, ficando sujeita a matéria ao reexame dos Tribunais, a instâncias de quem demonstre jurídico interesse”29. Há, nessa linha, farta jurisprudência no sentido de que os procedimentos nos Tribunais de Contas devem obedecer ao princípio do devido processo legal30- 31. Devemos ter presente, ainda, a Súmula Vinculante 3, cujo enunciado aqui transcrevemos: “Nos processos perante o Tribunal de Contas da União asseguram-se o contraditório e a ampla defesa quando da decisão puder resultar anulação ou revogação de ato administrativo que beneficie o interessado, excetuada a apreciação da legalidade do ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma e pensão”. 3. Função jurisdicional A função jurisdicional é aquela que, por força da tripartição dos Poderes, coube ao Poder Judiciário. Compreende, como se verá, não apenas a tarefa de dizer o direito aplicável ao caso concreto, mas de realizá-lo coativamente (o que se faz através da execução ou da fase de cumprimento de sentença). Tem em vista, antes de mais nada, a preservação da ordem jurídica e da paz social. Daí por que o direito processual civil é ramo do direito público, embora, mediatamente, sirva de instrumento para a solução do conflito de interesses que lhe é apresentado, que pode ser, a seu turno, de índole privada ou pública. Nem sempre a função jurisdicional teve a amplitude que hoje lhe é reconhecida, mercê da extensão do princípio da ubiquidade, tal como este hoje vem encampado no inc. XXXV do art. 5º da CF, bem como no art. 3º, caput, do CPC, que estatui que “não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito”. Por exemplo, na vigência da Constituição Federal de 1969, após o advento da Emenda Constitucional n. 7/77, previu-se o chamado contencioso administrativo (embora este não tenha sido regulamentado); na vigência do AI-5 estabeleceram-se diversas exceções ao acesso ao Judiciário. Observe-se que várias das características da jurisdição são também encontráveis em outras funções estatais. Veja-se, por exemplo, que há atos administrativos que possuem o atributo da executoriedade. É o que diz Celso Antônio Bandeira de Mello, segundo o qual “o Poder Público pode compelir materialmente o administrado, sem precisão de buscar previamente as vias judiciais, ao cumprimento da obrigação que impôs e exigiu”32. Nota-se, portanto, que a coatividade não é característica exclusiva da função jurisdicional, estando também presente na atividade administrativa, ainda que essa eficácia possa ser obstada pelo Judiciário se não informada pela legalidade. A contenciosidade também se encontra presente na atividade administrativa, tanto assim que a CF/88 assegurou o princípio do contraditório e da ampla defesa de forma expressa, seja para o processo judicial, seja para o procedimento administrativo (CF/88, art. 5º, LV, e arts. 7º, 9º e 10 do CPC/2015). O que efetivamente distingue a atividade jurisdicional é que as decisões do Judiciário se revestem da autoridade de coisa julgada. Ou seja, esgotados os recursos cabíveis no processo em que são proferidas, desde que tenha havido resolução do mérito, tornam-se imutáveis, não podendo,em linha de princípio, ser rediscutidas, nem naquele, nem em outros processos. 3.1 Jurisdição civil Como se teve oportunidade de salientar no primeiro capítulo, aquilo que não cabe na esfera de atuação, ou, em linguagem estritamente técnica, que não seja da competência das jurisdições especializadas (trabalhista, eleitoral e militar), será da atribuição da jurisdição ordinária ou comum. Dentro desta, aquilo que não couber na jurisdição penal, por exclusão, caberá na jurisdição civil. Estamos, é claro, falando da jurisdição contenciosa, ou seja, a que resolve os conflitos de interesses (rectius, lides). Ao seu lado existe, como já foi observado, a (impropriamente) chamada jurisdição voluntária ou graciosa, que, sem embargo de caber ao Poder Judiciário, não se constitui em atividade jurisdicional propriamente dita, senão que na realidade compreende uma atividade tipicamente administrativa, daí por que alguns a conceituam como administração pública dos interesses privados. Da jurisdição voluntária tratar-se-á mais adiante. A jurisdição civil é regulada pelo art. 16 do CPC: “A jurisdição civil é exercida pelos juízes e pelos tribunais em todo o território nacional, conforme as disposições deste Código”. 4. Natureza da função jurisdicional do Estado O exercício da jurisdição constitui atividade eminentemente pública. Aliás, é o que vem expresso no art. 5º, XXXV, do texto constitucional: “A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”, que consubstancia o princípio constitucional da inafastabilidade do Poder Judiciário. Assim, também, o art. 3º, caput, do CPC, que estatui que “não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito”. Já dissemos que as decisões dos assim ditos “tribunais administrativos” (que, por exemplo, examinam matérias fiscais) não se revestem do atributo da imutabilidade e poderão ser, sempre, revistas perante o Poder Judiciário. Desse modo, a existência de mencionados tribunais administrativos não atrita com o monopólio exercido pelo Poder Judiciário, como explica Athos Gusmão Carneiro33. Quanto à arbitragem, tem-se que a possibilidade de as partes submeterem determinados conflitos à apreciação de um árbitro, ou de tribunal arbitral, revela-se plenamente compatível com a garantia insculpida no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal. Deveras, são os interessados que resolvem não acudir ao Judiciário, desde que estejam em pauta direitos patrimoniais disponíveis (art. 1º da Lei n. 9.307/96)34. A função jurisdicional (e aqui estamos nos referindo à função jurisdicional propriamente dita) é eminentemente substitutiva. Diz-se, então, que, através do resultado da atividade do Poder Judiciário, impõe-se a vontade concreta da lei, pondo-se fim à lide, revestindo-se essa decisão de autoridade que a torna imutável35, ou, melhor dizendo, se há coisa julgada material, o decidido restará imutável. A imutabilidade é uma qualidade que se agrega, como regra, ao comando da sentença, aqui em sua acepção mais ampla possível, abarcando as interlocutórias de mérito e os acórdãos. É possível, ademais, que tal qualidade se agregue não ao comando decisório da sentença, mas ao que restar decidido em relação às questões prejudiciais36, conforme prevê o art. 503, § 1º, do CPC. A propósito, diz Chiovenda, em posição que veio a influenciar nossa doutrina processual: “O critério realmente diferencial, correspondente, em outros termos, à essência das coisas, reside em que a atividade jurisdicional é sempre uma atividade de substituição; é – queremos dizer – a substituição de uma atividade pública a uma atividade alheia”37. A coisa julgada, portanto, ao levar à imutabilidade do que haja sido decidido, cristaliza essa substituição, tornando-a, portanto, definitiva. É forçoso reconhecer que tal não sucede em algumas hipóteses, todavia, como ocorre, por exemplo, nas tutelas provisórias. Tutela provisória, especialmente em relação à tutela antecipada estabilizada, na forma do art. 304 do CPC. Em tais casos, a atividade jurisdicional não se substitui à vontade das partes (ou, ao menos, não o faz com foros de definitividade, pois não há falar em coisa julgada material nas tutelas provisórias), senão que o juiz emite um pronunciamento visando a garantir a eficácia e utilidade da concessão do pedido de mérito. A coisa julgada liga-se à finalidade de resolver em caráter definitivo (por isso a imutabilidade) o conflito de interesses levado ao Judiciário; a tutela provisória, contudo, por definição, é temporária, destinando-se ao resguardo da parte ou da própria utilidade do processo em caráter imediato, dependendo, como regra, de um provimento final, portanto, não se justifica cogitar de imutabilidade de decisão que a concede. Todavia, é importante notar que o CPC/2015 passou a admitir especial hipótese de tutela provisória que independe de decisão final. Trata-se da tutela antecipada requerida em caráter antecedente (art. 303), que à falta de recurso do réu tornar-se-á estável (art. 304, caput). A tutela de urgência antecipada, nesse caso, não perde a sua natureza de tutela provisória, concedida após cognição sumária. Contudo, é inegável que a lei processual autoriza que tal decisão passe a produzir efeitos pamprocessuais, independentemente de sua confirmação por decisão de mérito, tomada após cognição exauriente38. Outra hipótese em que não há de falar propriamente em substitutividade consiste nas ações em que estejam envolvidos valores indisponíveis, uma vez que, em tais casos, não há cogitar pudesse ser a solução alcançada mediante simples vontade das partes39. O que marca definitivamente a substitutividade é a ocorrência de coisa julgada, pois que o resultado do que foi decidido se sobrepõe àquilo que a parte (normalmente, a parte vencida) desejava, e esta não tem como mudar esse resultado (ressalvada a hipótese de transação – se maiores os litigantes e o bem for disponível – sucessiva à coisa julgada, a qual depende de conjugação da vontade das partes). E aduza-se que, na hipótese de transação ulterior à coisa julgada, esta não desaparece, senão que resulta legitimamente superada pela transação, tanto que, se anulada a transação, reassume o seu lugar a eficácia precedente da sentença, revestida pela autoridade de coisa julgada. Como corolário do amplo e irrestrito acesso ao Judiciário, assegurado pelo art. 5º, XXXV, tem-se, ainda, que a função jurisdicional é indeclinável. Deveras, de pouco adiantaria garantir-se o acesso ao Judiciário se o juiz pudesse declinar do seu mister. Tem-se que a indeclinabilidade da atividade jurisdicional é verdadeiro corolário do princípio do amplo e irrestrito acesso ao Judiciário, que, de seu turno, constitui consectário lógico da assunção da função jurisdicional pelo Estado. A propósito, é expresso o art. 140 do CPC, em cuja parte inicial se dispõe: “O juiz não se exime de decidir sob a alegação de lacuna ou obscuridade do ordenamento jurídico”. O parágrafo único, por sua vez, dispõe que “O juiz só decidirá por equidade nos casos previstos em lei”. Assim, também, no art. 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro ostenta-se a plenitude da ordem jurídica, ou seja, ainda que não explícita a lei, sobre uma dada hipótese, há outros referenciais para que o juiz possa decidir sempre (Art. 4º: “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”). Isso significa que se no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal está previsto pleno acesso ao Judiciário, no 4º da LINDB estão expressados todos os elementos de que se deve servir o juiz, na hipótese de omissão da lei, mas não de omissão do sistema jurídico. Mais do que isso, trata-se de atividade indeclinável, que haverá de ser exercida pelo juiz natural. O princípio do juiz natural decorre do disposto no art. 5º, XXXVII e LIII. Tem-se com isso, como ensina Nelson Nery Jr., que não será criado tribunal “ex post facto, para julgar num ou noutro sentido, com parcialidade, para prejudicar oubeneficiar alguém, tudo acertado previamente. Enquanto o juiz natural é aquele previsto abstratamente, o juízo de exceção é aquele designado para atuar no caso concreto ou individual”40. Pondera Arruda Alvim, a propósito do princípio do juiz natural, que “juízes são aqueles que, legalmente, ocupem os cargos nos juízos e tribunais, constitucionalmente previstos (CF, art. 92, I a VII, da CF), cujos cargos tenham sido legitimamente criados, pela legislação própria e infraconstitucional”41. Neste diapasão, tendo em vista a magnitude do princípio do juiz natural, resta indagar como se compatibilizaria com mencionada regra a opção das partes pelo juízo arbitral. Já nos posicionamos no sentido da perfeita compatibilidade da arbitragem, com o perfil que lhe foi conferido pela Lei n. 9.307/96 – recentemente alterada pela Lei n. 13.129/2015 –, com o texto constitucional. Pertinente a lição de Nelson Nery Jr. a propósito da matéria, para quem: “Com a celebração do compromisso, as partes não estão renunciando ao direito de ação nem ao juiz natural. Apenas estão transferindo, deslocando a jurisdição que, de ordinário, é exercida por órgão estatal, para um destinatário privado. Como o compromisso só pode versar sobre matéria de direito disponível, é lícito às partes assim proceder”42. Em outro trecho da mesma obra, ensina ainda o autor: “O compromisso arbitral, pelo qual as partes instituem a jurisdição privada, deve ser respeitado pela jurisdição estatal, como qualquer convenção privada”43. 4.1 Características da função jurisdicional São características da função jurisdicional: a) Imparcialidade do juiz. O juiz deve ser integrante de órgão do Poder Judiciário e deve ser desinteressado na lide. O Código disciplina as hipóteses em que o juiz deve ser tido por não imparcial (impedimento – art. 144 – e suspeição – art. 145), atribuindo-lhes consequências distintas, permitindo a rescisão de sentença proferida por juiz impedido (art. 966, II). A norma do art. 966, II, está ligada ao disposto no art. 139, I, do CPC, já que a necessidade de dispensar tratamento igualitário às partes pressupõe que o juiz seja equidistante delas, isto é, que o juiz seja imparcial. Os vícios de impedimento são tão graves que rendem ensejo, até mesmo, à propositura de ação rescisória, dentro do prazo previsto no art. 975 do CPC. Para assegurar a imparcialidade do juiz, a Constituição Federal assegura- lhe as garantias da vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídio (CF/88, art. 95, I a III, este último inciso com a redação da Emenda Constitucional 19). O juiz será tido como “não imparcial” nos casos de impedimento e suspeição. Vejamos o que isso significa. Conforme o caso, o juiz pode ser impedido (hipóteses do art. 144 do CPC) ou suspeito (casos do art. 145 do CPC). Nos dois casos, o vício ser deve ser arguido por meio de petição específica, no prazo de 15 dias contados do conhecimento do fato, na forma como disciplinado pelo art. 146 do CPC. Porém, há consequências distintas, conforme a hipótese de que se trate. Havendo impedimento, o fato de o problema não ter sido levantado no prazo de 15 dias não impede a parte de fazê-lo a qualquer tempo, já que não ocorre, nesse caso, preclusão, por se tratar de matéria de ordem pública (sendo que tal hipótese rende ensejo, inclusive, à propositura de ação rescisória, conforme previsto no inc. II do art. 966). Já a suspeição, se não levantada no tempo e modo devidos, fica sanada, nada mais se podendo alegar a propósito (há preclusão – art. 223 do CPC). As hipóteses de suspeição de parcialidade do juiz estão previstas no art. 145 do CPC (se o juiz for amigo ou inimigo capital da parte ou de seu advogado; se o juiz, ou cônjuge – inclui-se aqui o/a companheiro/a – for credor ou devedor de uma das partes, ou de parentes destes, em linha reta ou na colateral até o terceiro grau; se o juiz receber presentes de pessoas que tiverem interesse na causa, antes ou depois de iniciado o processo, ou se aconselhar alguma das partes ou ainda subministrar meios para atender às despesas do litígio; ou se, de alguma forma, tiver interesse no deslinde da causa). A parte deve se valer de petição específica para suscitar esses fatos. Todavia, o juiz também poderá, de acordo com o § 1º do art. 145, declarar-se suspeito por motivo íntimo, sendo de observar-se que o juiz não pode ser obrigado a declarar os motivos de foro íntimo que o levaram a declarar-se suspeito44. O § 2º do art. 145 do CPC/2015 reputa ilegítima a arguição de suspeição quando esta houver sido provocada pela parte que a alega. As hipóteses previstas no § 2º, se cometidas, caracterizam litigância de má-fé, em razão do uso indevido do processo (art. 80, III, CPC). Oportuno, nesse contexto, tecermos breves considerações acerca das distinções entre suspeição e impedimento. Como se vê do elenco do Código, os motivos de impedimento são bem mais graves do que aqueles de suspeição. Pode-se dizer, em linhas gerais, que os primeiros atinam com requisitos objetivos, ao passo que os últimos dizem respeito a requisitos subjetivos. O impedimento constitui vício insanável, rendendo ensejo até mesmo a ação rescisória (art. 966, II). Basta que se configure qualquer das hipóteses do art. 144 para que o juiz esteja impedido de julgar a causa, não cabendo qualquer outra ordem de indagação. Há uma presunção iuris et de iure de que, se ocorrer qualquer daquelas hipóteses, o juiz é parcial. Com efeito, por exemplo, o art. 144, IV, estabelece que estará impedido o juiz de julgar em causa em que for parte ele próprio, seu cônjuge ou companheiro, ou parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até terceiro grau, inclusive. Trata-se de dado objetivo, constatável de plano. Já a hipótese do art. 145, I (amizade íntima com qualquer das partes ou seus advogados), envolve certa dose de subjetivismo, e nem sempre indica parcialidade do juiz, o que justifica ter o legislador catalogado tal caso como de suspeição, admitindo a convalidação do vício se não arguido a tempo. Será preciso, para caracterizar a parcialidade do juiz, nessa hipótese do art. 145, I, não apenas demonstrar que ele é amigo íntimo de qualquer das partes, mas que essa amizade conduz à sua parcialidade. Nos casos de impedimento, basta a demonstração de estar presente qualquer das hipóteses previstas no art. 144 do Código para que haja presunção absoluta de parcialidade. Se não arguida a suspeição por meio de petição específica no prazo de 15 dias a contar do conhecimento do fato, opera-se a preclusão, e o suposto vício, se não alegado, torna-se irrelevante (deve reputar-se sanado), justamente porque não alegado em tempo oportuno. Diferentemente, o impedimento enseja até mesmo a propositura de ação rescisória (art. 966, II). As hipóteses de impedimento consubstanciam, seja permitido enfatizar, casos de presunção iuris et de iure (absoluta) de parcialidade do juiz, e são sempre calcadas em pressupostos objetivos. Nota-se, pois, que os regimes do impedimento e da suspeição são distintos. Enquanto o último vício se convalida, se não levantado a tempo (prazo de 15 dias, segundo o estabelecido no art. 146), o primeiro não resta superado pelo decurso do prazo de defesa, por exemplo (a existência de juiz não impedido é pressuposto processual de validade da relação processual). As hipóteses de impedimento do juiz, na verdade, podem ainda ser alegadas após a formação da coisa julgada, por meio da ação rescisória (art. 966, II, do CPC), tornando- se indiscutível apenas o escoamento do prazo para propositura dessa ação (art. 975 do CPC). A diferença entre as redações das cabeças dos arts. 144 e 145 é marcante. Enquanto o art. 144 diz que “há impedimento do juiz, sendo-lhe vedado exercer suas funções no processo”, o art. 145 preceitua que “há suspeição do juiz”. Nos casos de suspeição, o juiz só não poderá exercer suas funções no processo se se reconhecer suspeito (hipótese do § 1º do art. 145) ou se a suspeição vier a ser arguida no tempo e no modo devidos, sendo acolhida apetição. b) Coisa julgada. A parte dispositiva da sentença, desde que tenha havido resolução do mérito, fica revestida de imutabilidade, ao que se denomina coisa julgada45. Também recairá a autoridade de coisa julgada sobre parte da fundamentação da decisão, quando houver a resolução de questões prejudiciais, na forma do art. 503, §§ 1º e 2º, do CPC. A coisa julgada é verdadeiro corolário da substitutividade da função jurisdicional. Só existe essa substitutividade, em toda a sua extensão, porque a decisão emanada do Judiciário se reveste dessa imutabilidade. A coisa julgada é própria da atividade jurisdicional, não se fazendo presente nas decisões administrativas, que podem, sempre, ser revistas pelo Judiciário. A coisa julgada recobre ou agrega-se à parte dispositiva, porque é aí que o juiz atribui o bem jurídico, definindo a sua titularidade46. É essa parte dispositiva a resposta, positiva ou negativa, ao pedido do autor e aos fundamentos jurídicos que o sustentam, e, bem assim, aos do réu. Os “motivos”, pelos quais o juiz decide, ou a “verdade dos fatos” por ele estabelecida na fundamentação da sentença não ficam recobertos pela coisa julgada (art. 504, I e II, do CPC). A coisa julgada é resguardada constitucionalmente, através do art. 5º, XXXVI, segundo o qual “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. Dissemos que somente as decisões jurisdicionais se revestem do atributo da coisa julgada. Nesse passo, é preciso distinguir a coisa julgada formal, que mais propriamente tem sido denominada como “preclusão máxima”, da coisa julgada material. Há coisa julgada material quando há resolução de mérito. Neste caso, a imutabilidade agrega-se à parte dispositiva da decisão de mérito (mas não aos motivos, nem à verdade dos fatos, tomada como fundamento da decisão, conforme dispõem os incs. I e II do art. 504 do CPC) e, se preenchidos os requisitos presentes nos incisos I a II do § 1º do art. 503 do CPC, a imutabilidade também se agrega às questões prejudiciais, impedindo sua rediscussão naquele e em qualquer outro processo. Trata-se, segundo a melhor doutrina, de uma qualidade que se agrega à parte dispositiva da decisão de mérito, ou ao conteúdo decisório tocante às questões prejudiciais, sendo reflexo de uma opção política – das mais relevantes, por certo – do legislador. Já a impropriamente denominada coisa julgada formal significa, apenas, que não cabem mais recursos naquele processo (preclusão máxima), mas, eventualmente, o pedido que nele se fez pode voltar a ser deduzido noutro processo, se não tiver havido resolução de mérito. A ocorrência de coisa julgada material pressupõe a coisa julgada formal (preclusão máxima), isto é, que não caibam mais recursos no processo e, além disso, que o mérito tenha sido percutido, e não apenas que o juiz tenha, por exemplo, extinto o processo sem resolução de mérito, por faltar determinada condição da ação. Nesta última hipótese, em que o pedido propriamente dito não chega a ser julgado, fala-se apenas em coisa julgada formal. Todavia, se o pedido é apreciado (independentemente de a ação ser julgada procedente ou não), há coisa julgada material, tornando-se imutável o que tiver sido objeto de decisão, no próprio ou em qualquer outro processo. De outro lado, consoante já se afirmou, inadequado falar em coisa julgada administrativa, já que decisões administrativas podem, sempre, ser revistas pelo Judiciário. Deveras, decisões administrativas podem ser, sempre, como diz Athos Gusmão Carneiro, “objeto de reexame pelo Poder Judiciário, ao qual toca a última palavra”47. O reexame, na hipótese de ato administrativo isento de vício, deverá reconhecer essa circunstância, mantendo intocado esse ato. Decisões de Tribunais de Contas encartam-se na categoria de decisões administrativas, não configurando exercício de atividade jurisdicional. Há, pois, em nosso sistema jurídico-positivo, ao menos sob o prisma da necessidade de observância do princípio da legalidade, ampla margem de liberdade para reexame jurisdicional dos atos administrativos. Nesse contexto, é de ser referida a figura do mandado de segurança, disciplinado pela Lei n. 12.016/2009, que, pode-se dizer, é o instrumento “por excelência” de controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário. Dissemos que os atos administrativos podem ser revistos pelo Judiciário sob o prisma da legalidade. Quer isso significar que, se se tratar de atos administrativos vinculados ou discricionários, o controle pelo Judiciário da legalidade de tais atos é sempre possível. O que não é possível, todavia, é controlar a margem de liberdade do administrador ao editar atos discricionários. É defeso ao Judiciário imiscuir-se no mérito do ato administrativo discricionário, eis que isso conduziria a uma afronta ao princípio constitucional da tripartição dos Poderes ou, melhor dizendo, das funções estatais do Poder. Nesse contexto, observe-se que o inciso LXIX do art. 5º prevê o cabimento do mandado de segurança para controle de ilegalidade ou de abuso de poder, sendo que a expressão “ilegalidade” é usualmente atrelada, pela doutrina, aos atos vinculados, e a locução “abuso de poder” normalmente é identificada com os atos discricionários. Tenha-se presente, todavia, que ambos os conceitos podem ser enquadrados num gênero maior: ilegalidade lato sensu. Em última análise, ato discricionário praticado com abuso de poder é ato ilegal48. Dito preceito deixa claro que, sob o prisma da legalidade, tanto atos administrativos discricionários como vinculados são suscetíveis de ser revistos pelo Judiciário. A propósito do assunto, a Professora Lúcia Valle Figueiredo fala em crise do conceito de vinculação, concluindo que inexistem, ou ao menos são extremamente raros, atos administrativos 100% vinculados49. c) Desenvolvimento através de contraditório regular. Há expressa previsão constitucional no sentido de que a atividade jurisdicional deva desenvolver-se mediante regular contraditório (CF/88, art. 5º, LV). No plano infraconstitucional, o contraditório vem consagrado, dentre outros, nos arts. 7º, 9º e 10 do CPC. Diz Nelson Nery Jr.: “Por contraditório deve entender-se, de um lado, a necessidade de dar-se conhecimento da existência da ação e de todos os atos do processo às partes e, de outro lado, a possibilidade de as partes reagirem aos atos que lhes sejam desfavoráveis”50. Muitas vezes, o juiz decide sem ouvir previamente a outra parte, mas desde que, tão logo proferida a decisão, esta seja ouvida, inexiste ofensa ao princípio do contraditório. É que há hipóteses, albergadas pelo nosso sistema processual, nas quais, se for ouvida a parte contrária antes de que seja proferida a decisão, isso pode acarretar dano ao direito do autor (rectius, da afirmação do direito do autor) ou a inutilidade do processo. Por isso, por exemplo, o § 2º do art. 300 do CPC autoriza a concessão de tutela de urgência sem a oitiva da parte contrária, que poderá exercer posteriormente o contraditório (contraditório posposto), podendo, inclusive, recorrer da decisão. Igualmente, há hipóteses em que o direito do autor é de tal forma evidente que, a despeito de não haver perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo, não se justifica a espera do contraditório para que o autor possa gozar do direito pleiteado. Justamente por isso, o parágrafo único do art. 311 do CPC autoriza a posposição do contraditório em algumas hipóteses restritas. Nesses casos, como dizem Nelson Nery Jr. e Rosa Nery, o contraditório fica para um momento posterior51. Inversamente, o que não se tem admitido no direito brasileiro é que, diante de uma hipótese de urgência, onde haja perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo, ou de evidência do direito, em que a duração do processo redunde em prejuízo àquele que demonstra a evidência do seu direito, se subordine a concessão da tutela provisória à audiência prévia e necessária da parte contra a qual poderá vir a ser concedida essa medida, ainda que se trate de audiênciado Estado. Diante da possibilidade evidenciada de perigo de dano a um alegado direito ou risco ao resultado útil do processo, ou injusta demora ao autor, não se justifica a exigência de contraditório prévio à concessão da tutela provisória, à luz do disposto no art. 5º, XXXV e LXXVIII, da CF, mesmo porque o que se colima é, justamente, evitar esse dano, a inutilidade do processo e a demora desnecessária. No que diz respeito, ainda, ao princípio do contraditório, deve-se mencionar o disposto no art. 39, parágrafo único, especialmente na sua parte final, da Lei n. 9.307, de 23.09.1996 (dispõe sobre a arbitragem), a saber: “Não será considerada ofensa à ordem pública nacional a efetivação da citação da parte residente ou domiciliada no Brasil, nos moldes da convenção de arbitragem ou da lei processual do país onde se realizou a arbitragem, admitindo-se, inclusive, a citação postal com prova inequívoca de recebimento, desde que assegure à parte brasileira tempo hábil para o exercício do direito de defesa”. Está límpido no texto que deve haver respeito ao princípio do contraditório. Aliás, oportuno consignar que, conquanto generalizada a utilização da expressão “contraditório”, há diferenças entre o que se entende por contraditório no campo do processo civil e no campo do processo penal, de modo que é preferível utilizar dois nomes distintos para designar duas realidades distintas. No processo civil, preferimos a utilização da expressão “bilateralidade da audiência”; no processo penal, melhor a adoção da denominação “contraditório”. O princípio da bilateralidade da audiência é disciplinado de forma menos rigorosa no processo civil do que o contraditório no processo penal, ainda que o Código de Processo Civil de 2015 tenha dado maior concreção ao princípio, ao vedar as decisões surpresas, inclusive em matérias de ordem pública (arts. 9º e 10). Por exemplo, se o réu for revel, ocorrerem os efeitos da revelia e não houver requerimento de produção de provas contrapostas às alegações do autor, na forma do art. 349, no âmbito do processo civil, tais circunstâncias conduzirão ao julgamento antecipado da lide (art. 355, II, do CPC). No âmbito do processo penal, exige-se a defesa do réu, ainda que revel (art. 261 do CPP)52-53. Tendo em vista essas diferenças, há quem prefira utilizar, no âmbito do processo civil, assim como nós, a expressão princípio da bilateralidade da audiência54, e, no processo penal, a denominação princípio do contraditório55-56. Esse princípio alcança dimensões distintas, assumindo uma feição diferente na área penal. Aqui, o contraditório tem especial relevância e amplitude; na fase do inquérito policial tem predominado o entendimento de que aí impera o princípio inquisitório57, pois o objetivo não é o de acusar, mas o de apurar autoria e materialidade de um fato criminoso, para eventual propositura de ação penal58. Esse entendimento, contudo, tem sido mitigado, o que é de ser aplaudido, em recentes decisões do STF59. Nesse sentido, o STF veio a editar a Súmula Vinculante 14, com a seguinte redação: “É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa”. d) Inércia inicial. Só mediante provocação é que se instaura a relação processual, porém, uma vez iniciado o processo, como regra, desenvolve-se por impulso oficial, como deflui do já mencionado art. 2º do CPC/2015: “O processo começa por iniciativa da parte e se desenvolve por impulso oficial, salvo as exceções previstas em lei”. Entre essas exceções, podemos mencionar a arrecadação dos bens do falecido, quando a herança for jacente, e a arrecadação dos bens do ausente, hipóteses em que o juiz iniciará o processo de ofício (arts. 738 e 744 do CPC). Como exceção ao desenvolvimento do processo por impulso oficial, podemos mencionar a suspensão do processo pela convenção das partes (art. 313, II). O sentido de inércia inicial diz respeito, normalmente, não só ao início do processo, como também àquilo que nele se pede. Excepcionalmente, e dependendo de texto expresso, é possível, atinentemente a determinados objetivos, que o juiz possa decidir, independentemente de pedido, com vistas a que os objetivos da lei sejam alcançados. É o caso, por exemplo, do que se encontra no art. 84, §§ 3º e 4º, do CDC (Lei n. 8.078/90). No § 4º desse art. 84, verificando o juiz a hipótese descrita no § 3º do mesmo artigo (fundamento relevante e “havendo justificado receio de ineficácia do provimento final”), poderá, desde logo, isto é, liminarmente (ou na sentença), “impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando prazo razoável para o cumprimento do preceito”. Tenha-se presente que a imposição de multa, nesse caso, mesmo sem pedido do autor, justifica-se tendo em vista o interesse público de que as decisões judiciais sejam efetivamente cumpridas e respeitadas. O que se colima, com a imposição da multa, em última análise, é resguardar o prestígio da Justiça. Mais relevantes ainda do que esse texto (porque têm abrangência muito maior) são os arts. 497 e 498 do CPC, nos quais está previsto que, para a “prestação de fazer ou de não fazer” (art. 497) e “entrega de coisa” (art. 498), e com vistas a ensejar execução específica, é viável atividade oficiosa, tendo o texto importante relação com o art. 84 do CDC, que também diz respeito à execução específica das obrigações de fazer, não fazer e dar coisa diversa de dinheiro. Em tais casos, como se disse, ostenta-se que a razão de ser dessa multa é menos o direito da parte, e mais a de que a ordem judicial seja obedecida, podendo o juiz, por isso mesmo, inclusive, e independentemente de requerimento, modificar o valor ou a periodicidade da multa vincenda ou excluí-la, caso constate que ela se tornou insuficiente ou excessiva (art. 537, § 1º, I), ou quando o obrigado demonstrar o cumprimento parcial superveniente da obrigação ou que há justa causa para o seu descumprimento (art. 537, § 1º, II). Também no art. 81 do CPC prevê-se a possibilidade de o juiz aplicar de ofício multa ao litigante de má-fé, bem como condená-lo a indenização por perdas e danos. Note-se que o traço comum a esses preceitos, em que se prevê a possibilidade de agir oficioso do juiz, é o de que esteja em jogo, além dos interesses das partes envolvidas no litígio, a própria respeitabilidade da administração da Justiça. 4.2 Princípios fundamentais da jurisdição Os seguintes princípios regem o exercício da jurisdição: a) Princípio do juiz natural. Por esse princípio, quer-se significar que os juízes são aqueles que ocupam os cargos nos juízos e tribunais previstos no art. 92, I a VII, da CF, proibindo-se, doutra parte, que sejam criados juízos ou tribunais de exceção (art. 5º, XXXVII e LIII, da CF). Por outras palavras, só aqueles órgãos aos quais a CF atribui o exercício da função jurisdicional poderão exercê-la, nos estritos limites definidos pela própria CF (princípio da improrrogabilidade). b) Princípio da indelegabilidade. Já se referiu à ideia de Estado de Direito como sendo aquele em que tanto governantes como governados se submetem ao império da lei, tendo como pressuposto fundamental a tripartição das funções estatais do Poder, cabendo ao Poder Judiciário o exercício da atividade jurisdicional, ainda que uma das partes envolvidas seja o próprio Estado. Como corolário imediato dessa ideia, decorre que a atividade jurisdicional não pode ser delegada nem transferida (art. 2º da CF, que consagra a independência e harmonia entre os Poderes), pois, se pudesse sê- lo enfraquecido restaria até mesmo o princípio do juiz natural e, de resto, comprometida a própria imparcialidade do Poder Judiciário. c) Princípio da ubiquidade e da indeclinabilidade. Já se referiu que, no sistema jurídico positivo brasileiro, a jurisdição alcança a tudo e a todos, por forçada regra insculpida no art. 5º, XXXV, da CF. Como consequência desse postulado fundamental, decorre do próprio art. 5º, XXXV, a indeclinabilidade da prestação jurisdicional, pois de nada adiantaria garantir a todos o acesso ao Judiciário se o juiz, diante do caso concreto, pudesse, por qualquer razão, eximir-se de decidir. A extensão dessa regra compreende, também, a “ameaça de lesão”. Assim, há dever de prestação da tutela jurisdicional e não simples faculdade. O princípio da indeclinabilidade também vem previsto no plano infraconstitucional no art. 140 do CPC: “O juiz não se exime de decidir sob a alegação de lacuna ou obscuridade do ordenamento jurídico”. O art. 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, por sua vez, como meio de vetar o non liquet, fornece meios para que o juiz preencha as lacunas e julgue a causa: “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”. Estas regras disciplinadas no art. 140 do CPC e no art. 4º da LINDB, tendo em vista o art. 5º, II, da CF/88, significam que, se de um lado há o direito de pleno acesso ao Judiciário (art. 5º, XXXV), de outro, há o que muitos denominam de plenitude lógica do ordenamento jurídico, o que quer dizer que no sistema jurídico há uma pauta de normas e, no caso de lacunas, caminho para colmatá-las, com o sentido de que “tudo” está regulado pelo direito positivo material. A sentença arbitral estrangeira, para ser reconhecida ou executada no Brasil, deverá estar em “conformidade com os tratados internacionais, com eficácia no ordenamento interno” (art. 34 da Lei n. 9.307/96); ou, então, na ausência de tratado, poderá a sentença arbitral estrangeira produzir efeito de acordo com os termos da Lei n. 9.307/96 (art. 34). Neste passo, vale registrar que as disposições sobre a homologação de decisão estrangeira previstas nos arts. 960 965 do CPC se aplicam subsidiariamente à homologação de decisão arbitral estrangeira, conforme previsto em seu art. 960, § 3º. d) Princípio da publicidade. Como regra (quase) absoluta, a atividade jurisdicional desenvolve-se publicamente. É o que vem previsto no inc. IX do art. 93 da CF e, no plano infraconstitucional, no art. 189 do CPC. A própria Constituição Federal abre a possibilidade, todavia, desde que o exija o interesse público, que se limite essa publicidade. A norma constitucional em questão (CF/88, art. 93, IX) pode ser classificada como norma de eficácia contida, sendo de se observar, com José Afonso da Silva, que a “contenção só pode atuar circunstancialmente, não de modo contínuo”60. Daí o porquê de a lei ordinária contemplar (validamente) tais exceções (art. 189, I a IV, do CPC), haja vista tê-lo permitido o legislador constituinte. e) Princípio da territorialidade. A jurisdição é ligada a um território, havendo regras específicas para a validade de sentença brasileira fora do território brasileiro e vice-versa, sendo que nesta última hipótese compete ao Superior Tribunal de Justiça a homologação da sentença estrangeira (art. 105, I, i, da CF). A disciplina a respeito da homologação de sentença estrangeira encontra-se no CPC (arts. 960 ao 965) e na Resolução n. 9/2005 do Superior Tribunal de Justiça, podendo vir a ser regulada por tratados internacionais (art. 960, § 2º, do CPC). No plano infraconstitucional, o princípio da territorialidade está previsto no art. 16 do CPC, segundo o qual “A jurisdição civil é exercida pelos juízes e pelos tribunais em todo o território nacional, conforme as disposições deste Código”. 5. Garantias do juiz No Brasil, como em grande parte do mundo, gozam os juízes de garantias que lhes permitem exercer imparcialmente a magistratura. São elas: a vitaliciedade, a inamovibilidade e a irredutibilidade de subsídio61. Objetivam, em síntese, tais garantias tornar o magistrado efetivamente independente. A vitaliciedade62, adquirida em primeiro grau após dois anos de exercício da função jurisdicional, garante ao magistrado o direito ao cargo, salvo se perder essa qualidade por sentença judicial com trânsito em julgado (art. 95, I, parte final, da CF), ou seja, o magistrado não pode perder o cargo senão por decisão judicial transitada em julgado. Mesmo antes dos dois anos, o juiz só perderá o cargo por deliberação do tribunal a que estiver vinculado (art. 95, I, da CF)63. A inamovibilidade assegura ao juiz o direito de não ser remanejado, devendo ser interpretada da forma mais ampla possível, assegurando ao magistrado, inclusive, o direito de recusar uma promoção que lhe seja acenada. Vem essa garantia prevista no inc. II do art. 95 da CF. Apenas em hipóteses excepcionais admitem-se exceções à inamovibilidade (art. 93, VIII, da CF). A irredutibilidade de subsídio, por sua vez, visa assegurar a independência econômica do magistrado (art. 95, III, da CF). É uma espécie de garantia, cujo conteúdo prático resta bastante esvaziado. É que já se decidiu, a seu propósito, que a irredutibilidade de subsídio não leva à revisão automática dos salários dos magistrados64. Reduzido, pois, o âmbito da garantia à expressão nominal dos salários dos magistrados, vê-se que sua importância, sobretudo em épocas de inflação elevada, ficou bastante atenuada65-66. 6. Função jurisdicional e controle dos atos administrativos Foi asseverado que, no Estado de Direito, em que todos (governantes e governados) se submetem ao império da lei, a tripartição das funções estatais do Poder é verdadeiro pressuposto fundamental. Com efeito, não fosse assim, teríamos a Administração julgando em definitivo os seus próprios atos, hipótese em que lhe faltaria, inegavelmente, o requisito da imparcialidade. Desse modo, sob o regime de Estado de Direito, os atos da Administração submetem-se, quanto ao crivo da legalidade, à apreciação do Poder Judiciário. Não cumpre, neste passo, aprofundar o estudo do tema. O que importa fique desde logo registrado é que, sob o prisma da legalidade, todo e qualquer ato da Administração pode ser revisto pelo Poder Judiciário, o que, repita-se, é consequência do princípio da ubiquidade da jurisdição67. Há um aspecto, todavia, das relações existentes entre o Poder Judiciário e os atos administrativos, que deve ser aflorado agora. Ao Judiciário incumbe examinar a legalidade dos atos administrativos68. Isso significa que, revendo- os, se estiverem conformes à lei, não poderá alterá-los; examiná-los não significa (necessariamente) mudá-los. Essa delimitação do agir do Poder Judiciário encontra raiz na própria separação de Poderes (CF, art. 2º). Se se pretendesse que o reexame dos atos administrativos, pelo Judiciário, envolvesse o poder de alterá-los, propriamente dito, mesmo quando houvessem sido praticados conforme a lei, isto implicaria invasão do Judiciário na esfera de outro Poder. Os atos administrativos, que se dizem vinculados, são os praticados em face de modelo legal, quando este contém elementos normativos indicativos de como, precisamente, o ato deve ser praticado. Fundamentalmente, os atos administrativos vinculados devem ser praticados em conformidade com ou à luz do modelo legal. Se este tiver sido observado, é inviável qualquer interferência do Poder Judiciário69. Nos que se dizem discricionários, há uma margem legítima de liberdade ou de avaliação deferida ao administrador, e não ao juiz. Neste âmbito, com relação àquilo que o administrador entender conveniente e oportuno, desde que esse entendimento seja aceitável em face da lei, não poderá o juiz pretender que o seu critério seja melhor do que o do administrador, substituindo o daquele pelo seu. Já no ato administrativo vinculado não há referido entrave, justamente porque a lei fornece todos os elementos para a prática do ato. Por isso é que se diz que o mérito do ato administrativo discricionário não pode ser reavaliado pelo Judiciário, para o fim de ser substituído por aquilo que o juiz entenda melhor70, cabendo ao Judiciário, apenas, verificar se a Administração agiu ou não conforme a lei71, isto é, se o critériodo administrador é compatível com a lei72. Aduza-se, ainda, que o próprio procedimento administrativo em face da CF/88 deve obedecer a determinadas balizas (art. 5º, LV, da CF/88, por exemplo, que assegura o direito ao contraditório e à ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes), pois esses requisitos dizem respeito ao processo judicial e ao administrativo73. 7. Meios alternativos de solução de conflitos É obrigação do Estado, sempre que possível, promover a solução consensual dos conflitos (art. 3º, § 2º, CPC), razão pela qual se deve estimular, sempre que possível, a conciliação, mediação e outros métodos de solução negociada do conflito (art. 3º, § 3º, CPC). A jurisdição constitui forma de heterocomposição do conflito, ou seja, não havendo acordo de vontades entre as partes, cabe ao terceiro (Estado-juiz) pacificar o conflito. A heterocomposição é sempre “traumática”, já que uma das partes sairá, inexoravelmente, sucumbente. Deve-se, com efeito, primar pela autocomposição, em que as próprias partes chegam ao consenso. Na autocomposição, as próprias partes é que decidem, em conjunto, a melhor solução para o seu conflito de interesses. Os métodos de solução consensual de conflitos, pois, além de permitir que as próprias partes decidam a melhor solução para si, sem a imposição da decisão por terceiro, acaba por beneficiar o próprio Estado, já que diminui a quantidade de causas a serem decididas. Obtendo-se a solução consensual do conflito, haverá resolução do mérito, nos termos do art. 487, III, b, do CPC. Desde que estejam em pauta que admitam autocomposição, caberá ao juiz, presentes os elementos de existência e os requisitos de validade do pacto, homologar o acordo (arts. 487, III, b, e 334, § 11, ambos do CPC). A esse respeito, convém notar também que o CPC dedica aos conciliadores e mediadores disciplina pormenorizada nos arts. 165 a 175. Além disso, a Lei n. 13.140/2015 vem a disciplinar a mediação entre particulares e a autocomposição de conflitos no âmbito da Administração Pública, a demonstrar a reconhecida importância dada pelo legislador às formas de solução consensual de conflitos. Ao lado da solução consensual de conflitos, apresentam-se métodos de solução alternativa dos conflitos, isto é, de meios de solução dos conflitos que não sejam o próprio Poder Judiciário. Exemplo bastante eloquente de meio alternativo é a arbitragem, que, conquanto configure heterocomposição (terceiro decide a lide), foge à regra do exercício da jurisdição pelo Judiciário. Examinemos, neste caso, se o juízo arbitral também exerce poder jurisdicional74. A opção pelo juízo arbitral (Lei n. 9.307, de 23.09.1996, que disciplina integralmente a arbitragem) implica renúncia das partes à via judiciária estatal, confiando a solução a pessoas desinteressadas, cuja decisão produz, “entre as partes e seus sucessores, os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário e, sendo condenatória, constitui título executivo” (art. 31 da Lei n. 9.307/96). O art. 3º do CPC dispõe que ameaça ou lesão a direito não serão excluídas da apreciação jurisdicional (princípio da ubiquidade), sendo que o § 1º autoriza a arbitragem, na forma da lei. A arbitragem pressupõe, também, estejam em disputa direitos patrimoniais disponíveis, exigindo-se a capacidade das partes (art. 1º da Lei n. 9.307/96). Com a edição da Lei n. 9.307/96, a simples cláusula compromissória passou a ter força coativa. Representou, pois, referido diploma legal um grande avanço em relação à precedente disciplina da arbitragem. A cláusula compromissória, prevista no art. 4º da lei, conduz à necessidade de que eventuais conflitos surgidos daquela relação contratual sejam submetidos ao juízo arbitral. Trata-se de uma renúncia prévia à jurisdição estatal. O compromisso arbitral (art. 9º da Lei n. 9.307/96), diferentemente, refere- se a um conflito já existente, cuja resolução é atribuída ao juízo arbitral por manifestação de vontade das partes. A sentença proferida pelo juízo arbitral não fica sujeita a recurso ou homologação do Poder Judiciário (art. 18 da Lei n. 9.307/96), o que lhe confere inteira autonomia e eficácia de per si. Há, todavia, previsão legal de ação objetivando o reconhecimento da nulidade da sentença arbitral. A lei prevê diversas hipóteses de nulidade da sentença arbitral (art. 32, I a VIII, da Lei n. 9.307/96), devendo referida ação ser ajuizada perante o Poder Judiciário (art. 33), seguindo o procedimento comum (§ 1º do art. 33 da Lei n. 9.307/96). De qualquer sorte, deve-se ter presente que a sentença que vier a julgar procedente o pedido “declarará a nulidade da sentença arbitral, nos casos do art. 32, e determinará, se for o caso, que o árbitro ou o tribunal profira nova sentença arbitral” (§ 2º do art. 33 da Lei n. 9.307/96, alterado pela Lei n. 13.129/2015). A adoção, entre nós, de maneira ampla, da arbitragem, tal como prevista na Lei n. 9.307/96, ou seja, com regras que conferem efetividade ao procedimento arbitral, sem necessidade de homologação judicial, representa grande inovação e, em nosso sentir, ostenta diversas vantagens que se sobrepõem a qualquer possível inconveniente desse sistema. O STJ, aliás, veio a sumular entendimento no sentido de que a “lei de arbitragem aplica-se aos contratos que contenham cláusula arbitral, ainda que celebrados antes da sua edição” (Súmula 485 do STJ). Houve quem interpretasse ditas inovações trazidas pela Lei n. 9.307/96 como incompatíveis com a garantia constitucional expressa no art. 5º, XXXV. Este entendimento, contudo, não prosperou, e o Supremo Tribunal Federal, em 12.12.2001, ao julgar o pedido de homologação de sentença estrangeira SE 5.206-7-Espanha, vencidos, em parte, os Ministros Sepúlveda Pertence, Moreira Alves, Neri da Silveira e Sydney Sanches, que entendiam que alguns dispositivos de referido diploma – Lei n. 9.307/96 – afrontavam o art. 5º, XXXV, do texto constitucional, reconheceu a constitucionalidade da Lei de Arbitragem75. Segundo informações que constam do acórdão proferido no STF, trata-se de procedimento instaurado em 1995, objetivando a homologação de sentença arbitral proferida na Espanha, para que pudesse surtir efeitos no Brasil. Em princípio, o pedido foi indeferido. Entretanto, em 1996 foi promulgada a Lei n. 9.307/96, que dispensaria a homologação dessa sentença na justiça do país de origem. Durante o julgamento, contudo, o Min. Moreira Alves suscitou a questão da constitucionalidade da nova lei76. Ainda, de acordo com o que consta de aludido acórdão, apesar de todos os Ministros terem votado pelo provimento do recurso (de agravo regimental contra decisão que indeferiu pedido de homologação de sentença arbitral), no sentido de homologar a sentença arbitral espanhola no Brasil, houve discordância quanto ao incidente de inconstitucionalidade. O Ministro Sepúlveda Pertence, relator do recurso, bem como os Ministros Sydney Sanches, Néri da Silveira e Moreira Alves, entenderam que a lei de arbitragem, em alguns de seus dispositivos, dificulta o acesso ao Judiciário, direito fundamental previsto pelo art. 5º, XXXV, da Constituição Federal. A maioria votante, no entanto, considerou que a lei de arbitragem é um “grande avanço” e não viu nela nenhuma ofensa à Carta Magna. O Ministro Carlos Velloso, em seu voto, salientou que a lei só é aplicável quando estejam em pauta direitos patrimoniais e, portanto, disponíveis. Segundo ele, as partes têm a faculdade de renunciar a seu direito de recorrer à Justiça. “Direito de ação não quer dizer dever de ação judicial, segundo consta de seu voto-vista77. Mais recentemente, a constitucionalidade da Lei n. 9.307/96 veio a ser reconhecida pelo STJ, referindo-se esse tribunal ao julgamento pelo STF do pedido de homologação de sentença estrangeira SE 5.206-7-Espanha78. Observe-se que o art. 7º da Lei n. 9.307/96 prevê, inclusive, a possibilidade de o Judiciário ser acionado para fazer valer cláusula compromissória, dispondo em seu § 7º que “a sentença que julgar procedente o pedidoincidentalmente 3.1.2 A desconsideração da personalidade jurídica requerida na petição inicial 3.1.3 A desconsideração da personalidade jurídica inversa 3.2 O ônus da prova 3.3 Os efeitos da decisão que determinar a desconsideração da personalidade jurídica XVI AMICUS CURIAE 1. Introdução 2. Procedimento 2.1 Natureza jurídica 2.2 Requisitos 2.3 Quem pode atuar como amicus curiae 2.4 Poderes 2.5 Atuação do amicus curiae em demandas repetitivas 3. A irrecorribilidade da decisão que defere o amicus curiae 4. A coisa julgada para o amicus curiae XVII NULIDADES PROCESSUAIS 1. Considerações gerais 2. Momento da alegação da nulidade798 3. Invalidades de fundo e de forma 3.1 Regime jurídico das invalidades 4. Ausência de intimação do Ministério Público 5. Consequência da anulação dos atos processuais XVIII FORMAÇÃO, SUSPENSÃO E EXTINÇÃO DO PROCESSO 1. Formação do processo 2. Suspensão do processo 2.1 Hipóteses de suspensão do processo 3. Hipóteses de extinção do processo sem resolução do mérito e casos em que há resolução do mérito 3.1 Extinção sem resolução do mérito 3.2 Hipóteses em que há resolução do mérito XIX CONVENÇÕES PROCESSUAIS 1. Considerações introdutórias 2. Cláusula geral das convenções processuais 3. Controle judicial da validade da convenção processual 4. Limites da convenção processual 5. Calendário processual XX O TEMPO NO PROCESSO 1. Introdução 2. Princípios processuais relacionados com a teoria dos prazos 3. Classificação dos prazos: peremptórios e dilatórios 3.1 Prazos comuns e particulares 3.2 Prazos legais e judiciais 3.3 Prazos próprios e impróprios 4. Contagem dos prazos 5. Principais prazos estabelecidos em lei 6. Preclusão 7. Benefícios dos arts. 180 e 229 do CPC/2015 XXI COMUNICAÇÃO DOS ATOS PROCESSUAIS 1. Citação 1.1 Efeitos da citação 1.1.1 A interrupção da prescrição no CPC/2015 1.1.2 Efeitos da citação propriamente ditos 1.2 Formas de citação 1.2.1 Citação pelo correio 1.2.2 Citação nas ações de família 1.2.3 Citação por edital 1.2.4 Citação com hora certa 1.3 Considerações gerais sobre o ato citatório 1.4 Procedimento da citação pelo correio 1.4.1 Procedimento da citação por oficial de justiça 1.4.2 Procedimento da citação com hora certa 1.4.3 Procedimento da citação por edital 2. Intimações 2.1 Forma de realização das intimações 2.2 Efeitos e aperfeiçoamento das intimações 3. Cartas (precatória, rogatória e de ordem) XXII TUTELA PROVISÓRIA 1. Noções gerais 2. Tutela de urgência 2.1 Requisitos para a concessão 2.2 Fungibilidade 2.3 Momento para a concessão 2.4 Reversibilidade da medida 2.5 Responsabilidade objetiva pela efetivação da medida 3. Procedimentos antecedentes 3.1 Tutela antecipada requerida em caráter antecedente 3.1.1 Procedimento 3.1.2 Estabilização da tutela 3.1.2.1 Aspectos gerais 3.1.2.2 Rediscussão da decisão estabilizada, por meio de ação de conhecimento 3.2 Tutela cautelar requerida em caráter antecedente 3.2.1 Procedimento 3.2.2 Eficácia da decisão 4. Tutela da evidência 4.1 Abuso do direito de defesa e manifesto propósito protelatório 4.2 Pretensão fundada em decisão de observância obrigatória 4.3 Pretensão reipersecutória fundada em contrato de depósito 4.4 Ausência de dúvida razoável XXIII PETIÇÃO INICIAL 1. Introdução 1.1 Distribuição originária e por dependência (conexão e continência) 2. Requisitos da petição inicial 3. O valor da causa 4. Petição inicial e silogismo 5. O pedido 6. Indeferimento da petição inicial 6.1 Improcedência liminar do pedido (art. 332) XXIV AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO E JULGAMENTO 1. O fortalecimento dos mecanismos de autocomposição 1.1 Princípios da conciliação e da mediação 2. Audiência de conciliação ou mediação 2.1 Mediação e conciliação: convergências e divergências 2.2 Procedimento XXV RESPOSTA DO RÉU 1. Noções introdutórias: possíveis reações do réu 2. O direito de defesa e a contestação 3. As preliminares de contestação previstas no art. 337 3.1 Hipóteses dos incisos I a XIII do art. 337 4. Prazo e requisitos 5. Ônus da impugnação específica dos fatos alegados pelo autor 6. Hipóteses de afastamento da presunção de que trata o art. 341 7. Requerimento e produção de provas 8. Alegações de suspeição e de impedimento 9. Reconvenção 9.1 Legitimidade (ativa e passiva) 9.2 Conexão entre a reconvenção e a ação principal ou o fundamento da defesa 9.3 Competência do juízo 9.4 Compatibilidade de procedimentos 9.4.1 Campo de aplicação da reconvenção 9.5 Procedimento 9.6 Desistência da ação principal e os efeitos na reconvenção XXVI REVELIA 1. Noções introdutórias e conceito 2. Presunção de veracidade dos fatos não contestados 2.1 Exceções à aplicação da presunção do art. 344 3. Revelia e assistência 4. Revelia e reconvenção 5. Revelia e julgamento antecipado do mérito XXVII A FASE DE SANEAMENTO E ORGANIZAÇÃO DO PROCESSO: as providências preliminares e o julgamento conforme o estado do processo 1. Fase de saneamento do processo: providências preliminares – oportunidade em que devem ser tomadas 1.1 Providências preliminares – em que consistem 2. Julgamento conforme o estado do processo 2.1 Modalidades de julgamento conforme o estado do processo XXVIII AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO NO PROCEDIMENTO COMUM 1. Noções introdutórias 2. Publicidade 3. Atribuições do juiz 4. Conciliação 5. Instrução e julgamento XXIX TEORIA GERAL DA PROVA 1. As provas – noções introdutórias 2. Objeto e destinatário da prova 3. As provas e o julgamento antecipado do mérito 4. O juiz e a atividade probatória 5. Princípios regentes da prova 6. Ônus da prova 7. Produção antecipada da prova 8. Prova emprestada XXX PROVA TESTEMUNHAL, DEPOIMENTO PESSOAL, CONFISSÃO E ATA NOTARIAL 1. Noções introdutórias 2. Dos que podem depor como testemunhas 3. Contradita 4. Obrigação da testemunha 5. Direitos da testemunha 6. Admissibilidade da prova testemunhal 7. Produção da prova testemunhal 8. Momento da produção da prova testemunhal e a testemunha referida 9. Acareação 10. Depoimento pessoal 11. Interrogatório do art. 139, VIII, do CPC/2015 12. Confissão 12.1 Confissão e reconhecimento jurídico do pedido 12.2 Necessidade de poderes especiais do advogado e do mandatário 12.3 Confissão espontânea e provocada (art. 390 do CPC/2015) 12.4 Confissão e litisconsórcio 12.5 A irrevogabilidade e anulabilidade da confissão 12.6 Eficácia probatória da confissão extrajudicial 12.7 Indivisibilidade da confissão 13. Ata notarial XXXI PROVA PERICIAL E INSPEÇÃO JUDICIAL 1. Generalidades 2. Requisitos da perícia 3. Âmbito da perícia 4. Procedimento 4.1 Deveres do perito 4.2 Escusa do perito 4.3 Prazo e conteúdo do laudo 4.4 Direitos do perito 5. Quem pode ser perito 6. Responsabilidade do perito 7. Perícias especiais 8. Inspeção judicial XXXII PROVA DOCUMENTAL, FALSIDADE DOCUMENTAL E EXIBIÇÃO DE DOCUMENTO 1. Conceito de documento 2. Autor do documento 3. Conteúdo e eficácia do documento 4. Forma como substância do documento 5. Documento – outras considerações 6. Momento da produção da prova documental 7. Documentos públicos e particulares 8. Documentos e autenticidade 8.1 Arts. 427 a 429 – limites da autenticidade dos documentos públicos e particulares 9. Extensão subjetiva da validade 10. Data do documento 11. Telegramas, cartas e registros domésticos 12. Livros comerciais408 13. Reprodução mecânica 14. Arguição de falsidade documental 14.1 Vantagens da ação incidental de falsidade 14.2 Em que espécie de falsidade cabe a arguição de falsidade do art. 430 e ss. 15. Exibição de documentos 15.1 Requisitos da exibição de documento ou coisa (contra a parte e contra terceiros) 15.2 Exibitória incidente e preparatória 15.3 Exibição contra terceiro 15.4 Escusa de exibir documento ou coisa (aplicável tanto à parte como a terceiros) XXXIII JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS 1. Considerações preliminares e características da Lei n. 9.099/95 2. Causas que podem servalerá como compromisso arbitral”. Sendo a sentença arbitral ato privado, decorrente da vontade das partes, destinada a dirimir controvérsia sobre relação contratual de natureza patrimonial, portanto, de caráter disponível, discute-se se a arbitragem tem natureza jurisdicional. Joel Dias Figueira Jr., em posição que acompanhamos, defende o caráter jurisdicional da arbitragem. Afirma mencionado autor que não existe qualquer óbice para que o Estado delegue aos juízes privados parcela do poder que detém para dirimir conflitos, ressalvadas as hipóteses vedadas por lei, que se referem à natureza da lide ou à qualidade das pessoas e à ausência de vontade e convenção das partes79. Paulo Furtado e Uadi Lammêgo Bulos entendem que a atividade do árbitro constitui verdadeira atividade jurisdicional, tomada a jurisdição como um conceito abstrato. Dessa forma, esses dois autores rechaçam a corrente que pretende dar ao juízo arbitral caráter meramente contratual (corrente privatista ou contratualista)80. Afiguram-se-nos corretas as opiniões dos autores acima mencionados. Não se trata propriamente de um substitutivo da jurisdição, mas de uma espécie de jurisdição privada. Nesse sentido, reformulamos a opinião expressa na primeira edição desta obra, em que afirmamos ser o juízo arbitral substitutivo da jurisdição. Trata-se, isto sim, de jurisdição privada81. Confirmando a tendência de estímulo à utilização de formas alternativas à jurisdição estatal, particularmente a arbitragem, o Congresso Nacional aprovou, por meio do Decreto Legislativo n. 52, de 25.04.2002, a Convenção sobre o Reconhecimento e a Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras, que restou posteriormente promulgada pelo Decreto n. 4.311, de 23.07.2002. Para produzir efeito em território nacional, a sentença arbitral estrangeira haverá de ser submetida ao crivo da homologação pelo Superior Tribunal de Justiça. Atualmente, a disciplina a respeito da homologação de sentença estrangeira encontra-se prevista nos arts. 216-A a 216-N do Regimento Interno do STJ, alterado pelas Emendas Regimentais n. 18/2014 e 24/2016, do STJ, bem como nos arts. 960 a 965 do CPC, podendo vir a ser regulada em tratados internacionais (art. 960, § 2º, do CPC). Acrescente-se que são hipóteses principais de não homologação a circunstância de o litígio objeto da arbitragem não ser “suscetível de ser resolvido por arbitragem” (art. 39, I, da Lei n. 9.307/96) e também a ofensa, pela decisão, à ordem pública nacional (art. 39, II, da Lei n. 9.307/96), não se incluindo neste conceito vago a hipótese do art. 39, parágrafo único (estas hipóteses também estão presentes na Convenção sobre Arbitragem aprovada pelo Congresso Nacional). As hipóteses de não homologação previstas no art. 38 da Lei n. 9.307/96 dizem respeito à legalidade da sentença arbitral estrangeira, e as do art. 39, igualmente, mas com especial objetivo de resguardar a ordem pública brasileira82. III ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA 1. Organização judiciária Como já se salientou anteriormente, a Constituição instituiu as chamadas justiças especializadas (militar, trabalhista e eleitoral). O que não couber na esfera de atribuição de cada uma delas competirá à justiça comum83. A justiça comum, a seu turno, subdivide-se em justiça penal e justiça civil. A esfera de atribuições da justiça civil é determinada por exclusão. Vale dizer, dentro daquilo que cabe à justiça comum, o que não competir à justiça penal caberá à civil. De outra parte, os órgãos da justiça comum podem ser federais (justiça federal) ou estaduais (justiça estadual). A competência da justiça federal vem prevista no art. 109 da CF84. O que interessa, no âmbito do direito processual civil, é a organização da justiça comum. A justiça comum compreende, assim, tanto os aparelhos federais (juízes federais e Tribunais Regionais Federais) como os aparelhos estaduais (juízes de direito e Tribunais estaduais). Tanto o aparelho federal como o estadual submetem-se à jurisdição extraordinária do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, que, assim, encontram-se no ápice da pirâmide. Grosso modo, pode-se montar o seguinte esquema de organização judiciária da justiça comum: Como se pode observar, seja no aparelho federal, seja nos aparelhos estaduais, há dois planos, ditos graus de jurisdição. Os tribunais, como regra, são órgãos de competência recursal, exercendo poder de reexame sobre as decisões dos juízes de primeiro grau. Os tribunais também exercem poder de disciplina sobre os juízes a eles vinculados. Daí dizer-se que entre os tribunais e os juízes a eles vinculados há hierarquia orgânica (disciplina) e funcional (reexame). A Constituição Federal de 1988 previu a criação de juizados especiais para a conciliação, julgamento e execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo (art. 98, I). A Lei n. 9.099/95 veio a disciplinar os juizados especiais cíveis e criminais no âmbito estadual, e a Lei n. 10.259/2001 criou os juizados especiais cíveis e criminais no âmbito federal. De seu turno, a Lei n. 12.153/2009 veio a dispor sobre os Juizados Especiais da Fazenda Pública no âmbito dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios. As Turmas de Recursos são disciplinadas nas leis de organização judiciária85. Cabe a elas apreciar os recursos das decisões proferidas em primeiras instâncias pelos juizados especiais. As Turmas Recursais não são tribunais, senão que constituem órgão colegiado composto por juízes de primeira instância (art. 41, § 1º, da Lei n. 9.099/95), devendo ser disciplinadas nas leis de organização judiciária locais. Tal circunstância acarreta importante consequência, qual seja, o não cabimento de recurso especial para impugnar as decisões proferidas pelas Turmas Recursais, pois este somente pode ser interposto contra acórdãos proferidos por tribunais, conforme se depreende da literalidade do inciso III do art. 105 do texto constitucional. É cabível, no entanto, a interposição de recuso extraordinário contra as decisões das Turmas Recursais86, pois a Constituição Federal, em relação a este, exige apenas que a decisão recorrida tenha sido proferida em única ou última instância, consoante se depreende do inciso III do art. 102 da CF/88. Este entendimento vinha sendo, todavia, abrandado pelo Superior Tribunal de Justiça, que editou, a propósito a Súmula 203, do teor seguinte: “Não cabe recurso especial contra decisão proferida, nos limites de sua competência, por órgão de segundo grau dos Juizados Especiais” – o que evidenciava que se entendia cabível o recurso especial contra decisões proferidas pelas Turmas Recursais, quando se pretendesse discutir, por essa via, questão atinente à competência dos juizados especiais cíveis disposta no art. 3º da precitada Lei n. 9.099/9587. Referida Súmula foi posteriormente alterada, firmando-se o entendimento do descabimento do especial contra decisões proferidas pelas Turmas Recursais dos Juizados Especiais, em toda e qualquer hipótese. É o seguinte o seu teor atual: “Não cabe recurso especial contra decisão proferida por órgão de segundo grau dos Juizados Especiais”. Já na esfera federal, a Lei n. 10.259/2001 estabelece que “as Turmas Recursais serão instituídas por decisão do Tribunal Regional Federal, que definirá sua composição e área de competência, podendo abranger mais de uma seção” (art. 21). Insta salientar, quanto aos Juizados Federais, a previsão de acesso ao Superior Tribunal de Justiça para dirimir a divergência “quando a orientação acolhida pela Turma de Uniformização, em questões de direito material, contrariar súmula ou jurisprudência dominante no Superior Tribunal de Justiça – STJ” (art. 14, § 4º, da Lei n. 10.259/2001). Entre o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal e os aparelhos estadual e federal há hierarquia funcional, que enseja o reexame da matéria decidida, no âmbito restrito da competência desses tribunais. 2. Organização judiciária, processo e procedimento Entende-se,em linhas gerais, por normas de organização judiciária aquelas “que regulamentam a forma pela qual se constituem os órgãos judiciários e traçam-lhes o modo pelo qual devem reger-se administrativamente”88. De outro lado, “tudo aquilo que diga respeito à tutela do direito invocado, à apreciação desse direito, à produção de provas que objetivem demonstrar esse direito, é matéria de processo”89. A distinção tem importante consequência. Isso porque cabe à União, isto é, ao Congresso Nacional, legislar privativamente sobre processo (CF/88, art. 22, I). Doutra parte, compete aos Estados, isto é, às suas respectivas Assembleias Legislativas, organizar as suas justiças90. Daí por que a lei federal que interferir na organização judiciária local será inconstitucional, por invasão de competência dos Estados federados. Importante para que este conceito reste bem sedimentado ter presente a noção de Federação como sendo o tipo de Estado em que os Estados-membros conservam sua autonomia, podendo auto-organizar-se por poder constituinte próprio (art. 25 da CF/88), tendo participação no poder central por meio do Senado (art. 52 da CF/88). Assim, em um Estado Federal como o nosso, os estados federados possuem autonomia, que se reflete na competência legislativa que a Constituição lhes outorga (na qual está incluída a competência para legislar sobre organização judiciária). Essa autonomia não pode ser tocada, nem mesmo pela União, do que decorre que lei federal que, sob o pretexto de legislar sobre processo, invada a competência outorgada aos Estados federados para organizarem suas próprias justiças, será incontornavelmente inconstitucional. Porém, cabe notar que os Estados-membros deverão dispor sobre suas respectivas organizações judiciárias de conformidade com as diretrizes do Estatuto da Magistratura, devendo este ser veiculado por meio de lei complementar (art. 93 da CF/88). O vigente Estatuto da Magistratura vem veiculado na Lei Complementar n. 35/79 (Loman – Lei Orgânica da Magistratura Nacional), em grande parte recepcionada pela vigente ordem constitucional. Caberá, ainda, aos Estados legislar sobre procedimento em matéria processual (art. 24, XI, da CF/88). Não será aqui aprofundado o exame dessa competência concorrente adjudicada aos Estados e ao Distrito Federal, ao lado da União, pois que ela será objeto de análise específica mais adiante. Não obstante a suma importância da distinção entre as normas processuais e de organização judiciária, deve-se ter em mente que as primeiras dependem do suporte dessas últimas para que se alcancem os ideais de pleno acesso à justiça e efetividade do processo. 3. Jurisdição extraordinária Como se viu do esquema feito anteriormente, o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça encontram-se no ápice da pirâmide da organização judiciária. Como regra, a jurisdição é exercida em dois graus (primeiro grau, em que se inicia o processo, e segundo grau, alcançado por meio de recurso), daí falar-se em duplo grau de jurisdição. Apenas em casos específicos é viável a interposição de recursos das decisões dos Tribunais de Justiça ou dos Tribunais Regionais Federais ao Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo Tribunal Federal. Doutra parte, em muitas das hipóteses de competência originária dos tribunais locais, o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal funcionam como se fossem um órgão de segundo grau que exerce jurisdição ordinária (por exemplo, ver art. 105, II, a, b e c, da CF/88). Para a interposição de recurso de apelação para os tribunais locais (Tribunais de Justiça ou Tribunais Regionais Federais, conforme o caso), tanto basta, grosso modo, o pressuposto da sucumbência91. Isso porque o recurso de apelação é um recurso eminentemente ligado à ideia de busca por uma decisão justa. Desse modo, se a parte sucumbente não se conformar com a decisão da primeira instância, poderá pedir, através da apelação, a sua reforma (ou anulação, se houver error in procedendo), com ampla possibilidade de rediscussão de qualquer matéria de direito ou de fato. Já para a interposição de recursos (extraordinário e especial respectivamente) para o Supremo Tribunal Federal e para o Superior Tribunal de Justiça, além da sucumbência, existe necessidade de enquadramento nos pressupostos constitucionais ditados pelos arts. 102, III, e 105, III, da CF/88, respectivamente. Cada qual desses pressupostos será examinado em capítulo próprio. Em linhas gerais, pode-se dizer que cabe recurso extraordinário ao Supremo Tribunal Federal quando estiver em discussão a Constituição Federal, e que cabe recurso especial ao Superior Tribunal de Justiça quando estiver em pauta discussão acerca da aplicação de lei federal. 4. Competência – uma primeira noção Diz-se que certo órgão do Poder Judiciário é competente quando a convergência de uma série de normas aponta para que este deva exercer, naquele momento e naquelas circunstâncias, a jurisdição (plena). A competência está ligada à matéria a ser decidida, ao território e a outros fatores. 5. Órgãos judiciários Os órgãos judiciários que exercem a jurisdição em primeiro grau são, em regra, singulares, isto é, formados por apenas um juiz. Na Justiça do Trabalho, até a edição da Emenda Constitucional n. 24, de 09.12.1999, o julgamento de primeiro grau era realizado por órgão colegiado, composto por juiz togado e juízes classistas. Já aqueles que a exercem em segundo grau são órgãos ditos colegiados, ou seja, são formados por mais de um julgador. Este, no Tribunal de Justiça, recebe a denominação de Desembargador; no Tribunal Regional Federal, de Desembargador Federal; no Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça, de Ministro. Há hoje, todavia, é de se registrar, uma tendência de que os julgamentos dos recursos, dentro dos órgãos colegiados possam ser realizados por apenas um julgador se se tratar de matéria pacificada no âmbito dos tribunais, sobretudo se se considerar a crescente força que vem sendo dada pelo legislador às decisões judiciais. Nesse sentido, o art. 932, IV e V, do CPC autoriza o relator a julgar monocraticamente o recurso, quando houver tese firmada no âmbito do próprio tribunal ou dos tribunais superiores, a respeito da matéria aventada no recurso. Exige-se, apenas, que, em caso de provimento do recurso, seja ouvida anteriormente a parte contrária, em atenção ao princípio do contraditório. O CPC/73, em certa medida, também autorizava o julgamento monocrático pelo relator, exigindo-se, porém, que fosse cabível recurso contra ela, justamente para se garantir a possibilidade de julgamento colegiado, que é da essência dos tribunais. Como havia, na lei processual passada, a possibilidade de interposição de recurso contra decisão monocrática do relator, tinha-se que os dispositivos que autorizavam o julgamento monocrático eram, com acerto, constitucionais92, o que deve permanecer inalterado com o advento do CPC/2015, na medida em que há a possibilidade de interposição de recurso da decisão monocrática do relator ao órgão colegiado (art. 1.021 do CPC). O STF já decidiu que “é legítima, sob o ponto de vista constitucional, a atribuição conferida ao Relator para arquivar ou negar seguimento a pedido ou recurso intempestivo, incabível ou improcedente, e, ainda, quando contrariar a jurisprudência predominante do Tribunal ou for evidente a sua incompetência (art. 21, § 1º, do RISTF; art. 38 da Lei n. 8.038/90), desde que, mediante recurso – agravo regimental –, possam as decisões ser submetidas ao controle colegiado”93. Os juízes necessitam de auxiliares para o exercício da função jurisdicional (art. 149 do CPC – escrivão, chefe da secretaria, oficial de justiça, perito, depositário, administrador, intérprete, mediador, conciliador, entre outros). O juiz e os auxiliares que trabalham sob sua direção formam o que se chama de juízo. A justiça federal de primeiro grau divide-se em Seções Judiciárias, que têm sede (no mínimo) nas Capitais dos Estados e no Distrito Federal (art. 110 da CF/88).Já a justiça estadual divide-se em Comarcas, as quais podem abranger um ou mais Municípios. O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça, a seu turno, exercem jurisdição em todo o território nacional (art. 92, § 2º, da CF/88); os Tribunais de Justiça exercem a jurisdição nos limites dos Estados federados em que se encontrarem. Quanto à justiça federal de segundo grau, há cinco Tribunais Regionais Federais, que exercem a jurisdição dentro das regiões respectivas. O Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por exemplo, instalado na Cidade de São Paulo, abrange os Estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul. 6. Conselho Nacional de Justiça O Conselho Nacional de Justiça foi instituído em dezembro de 2004, pela Emenda Constitucional n. 45, com o objetivo de “estabelecer um controle centralizado das atividades administrativas, financeiras e disciplinares exercidas pelos órgãos do Poder Judiciário, no território nacional, sob o aspecto da legalidade”94. As atribuições do Conselho são de cunho administrativo (art. 103-B, § 4º, da CF), vale dizer, o CNJ integra a estrutura do Poder Judiciário (art. 92, I-A, da CF), mas não possui função jurisdicional. Tanto é assim que as decisões proferidas por esse órgão não se revestem do atributo da imutabilidade, não havendo falar, portanto, em coisa julgada material. Podem elas, portanto, ser atacadas judicialmente através de ação autônoma, cuja competência é originária do Supremo Tribunal Federal (CF/88, art. 102, I, r)95-96. Deve-se ter presente que o Conselho Nacional de Justiça é órgão do próprio Poder Judiciário, a ele está integrado, compondo a sua estrutura, de modo que a sua criação de modo algum ofendeu o princípio da tripartição dos poderes (melhor dizendo, funções estatais do poder), caso em que se poderia dizer que a EC 45/2004 teria violado o art. 60, § 4º, III, do Texto Maior97. Ademais, é pertinente lembrar que o Conselho Nacional de Justiça não tem atribuições judicantes. Há quem diga que o Conselho Nacional de Justiça interfere no pacto federativo98. Isso porque o Conselho Nacional de Justiça restringiria a manutenção da autonomia dos Estados-membros no que tange às suas respectivas organizações judiciárias, além de impor uma subordinação hierárquica administrativa, orçamentária, financeira e disciplinar do Poder Judiciário dos Estados a esse órgão. Assim não nos parece. Isso porque o Conselho Nacional de Justiça é órgão nacional, ou seja, não é órgão vinculado a determinada pessoa política, seja à União ou aos Estados Federados. Compartilha dessa nossa opinião Luís Roberto Barroso, que nos seguintes e bem colocados termos esclarece: “O CNJ é órgão nacional e não do ente central ou de qualquer dos entes locais, de modo que não há subordinação das estruturas estaduais do Judiciário a um ente central. De toda sorte, o conteúdo essencial do princípio da forma federativa de Estado relaciona-se com a autonomia dos entes federados – definida pela Constituição Federal – e com a participação deles na formação da vontade dos órgãos nacionais, elementos que em nada são afetados pela criação do CNJ”99. Cumpre, neste passo, lembrar que a Lei Complementar n. 35/79 previa um conselho similar que, todavia, possuía funções mais limitadas, com atribuições restritas ao âmbito dos poderes correicionais (art. 50 e s. da LC 35/79, não recepcionados pela CF/88). O Conselho Nacional de Justiça é órgão jurisdicional híbrido, vale dizer, composto por membros que representam os diversos estamentos da Justiça, incluindo-se aí dois cidadãos “de notável saber jurídico e reputação ilibada, indicados um pela Câmara dos Deputados e outro pelo Senado Federal”100. Segundo o art. 103-B, I a XIII, da Carta Maior, o Conselho é composto de quinze membros, sendo eles nove Magistrados, dois membros do Ministério Público, dois advogados e, como se disse, dois cidadãos101. IV FUNÇÕES ESSENCIAIS À JUSTIÇA E AUXILIARES DA JUSTIÇA 1. O Ministério Público Ministério Público, segundo José Frederico Marques, é “o órgão através do qual o Estado procura tutelar, com atuação militante, o interesse público e a ordem jurídica, na relação processual e nos procedimentos de jurisdição voluntária. Caracteriza-se como instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais”102. Desde logo, nota-se que o Ministério Público, seja na esfera criminal (em que, como regra, detém a titularidade da ação penal, a teor do art. 129, I, da CF/88), seja no âmbito civil, deve ser desvinculado dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, para que realmente possa atuar com independência, zelando pelo interesse público e pela ordem jurídica. Até o advento da Constituição de 1988, no entanto, o Ministério Público vinha encartado dentro do Poder Executivo, cabendo ao Ministério Público Federal também a representação da União (que hoje compete à Advocacia- Geral da União – art. 131 da CF/88). Essa anomalia, que se explica por motivos históricos, e que deita suas raízes na época da Revolução Francesa, foi corrigida com o advento da vigente Constituição Federal, que colocou o Ministério Público ao lado do Poder Judiciário, como organismo essencial à Justiça. A independência do Ministério Público em relação ao Poder Executivo é, por exemplo, evidenciada do teor do art. 128, § 2º, da CF/88, segundo o qual a destituição, pelo Presidente da República, do Chefe do Ministério Público Federal – o Procurador-Geral da República – haverá de ser precedida de autorização da maioria absoluta do Senado Federal. Com efeito, nem sempre o interesse perseguido pela pessoa jurídica de direito público é legítimo e o Ministério Público, tendo de falar por esta e, de outro lado, incumbindo-lhe zelar pelo interesse público e pela ordem jurídica, muitas vezes encontrava-se sem alternativa, haja vista o potencial conflito entre ambos. A Constituição Federal de 1988 corrigiu essa distorção histórica e cuidou de expressamente vedar, no art. 129, IX, que os membros do Ministério Público exerçam “a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas”. O Ministério Público, no processo civil, pode atuar como parte103 ou como fiscal da ordem jurídica (custos legis), nos termos dos arts. 177 e 176 do CPC, respectivamente. Caberá ao Ministério Público atuar como parte, desde que tal atuação esteja em conformidade com suas atribuições constitucionais, conforme disposto no art. 177. Este dispositivo refere-se exclusivamente ao exercício do direito de ação, contudo, logicamente, sempre que atuar como fiscal da ordem jurídica a sua atuação deverá estar em conformidade com suas atribuições constitucionais e não apenas quando exerce o direito de ação. De acordo com o art. 178, caput, do CPC, cabe ao Ministério Público atuar como fiscal da ordem jurídica nas hipóteses previstas na lei ou na Constituição, além das hipóteses dos incisos I a III deste mesmo artigo. Aqui vale apontar que o art. 129 da Constituição prevê um rol exemplificativo das funções institucionais do Ministério Público, conforme se denota da redação do inciso IX deste dispositivo, que permite ao Ministério Público “exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas”. Assim, a legislação infraconstitucional pode ampliar as atribuições do Ministério Público, tanto no que se refere ao exercício do direito de ação quanto ao que se refere às causas em que deve atuar como fiscal da ordem jurídica, desde que em conformidade com a sua finalidade prevista constitucionalmente. Quando atua como fiscal da ordem jurídica, o membro do Ministério Público não tem compromisso com nenhuma das partes, cabendo-lhe, apenas, zelar pela ordem pública e pelo bem comum. Veja-se, por exemplo, que, na hipótese do inciso II do art. 178, cabe ao Ministério Público intervir como fiscal da lei sempre que estiveremem jogo interesses de incapazes (relativa ou absolutamente incapazes). Isso não significa que deva o membro do Ministério Público opinar necessariamente de forma favorável ao interesse do incapaz, devendo, acima de tudo, opinar pela prevalência da ordem jurídica. Quando intervém na qualidade de fiscal da ordem jurídica, o Ministério Público poderá “produzir provas, requerer as medidas processuais pertinentes e recorrer”, nos exatos termos do inciso II do art. 179. Poderá o órgão do Ministério Público recorrer não apenas nas hipóteses em que atue como parte, mas também quando funcione como fiscal da ordem jurídica (art. 996, caput). Aliás, como fiscal da ordem jurídica, o órgão do Ministério Público poderá também requerer tutela provisória104. Alguns exemplos de hipóteses em que o Ministério Público pode figurar como parte estão previstos no art. 967, III, a a c, do CPC. Segundo o dispositivo em questão, o Ministério Público tem legitimidade para propor a ação rescisória “a) se não foi ouvido no processo em que lhe era obrigatória a intervenção; b) quando a decisão rescindenda é o efeito de simulação ou de colusão das partes, a fim de fraudar a lei; c) em outros casos em que se imponha sua atuação”. A hipótese prevista na alínea c não era prevista pelo art. 487, III, do CPC/73. A inovação do CPC/2015 abarca as hipóteses em que o Ministério Público foi ouvido no processo. Portanto, enquanto a alínea a atribui legitimidade ao Ministério Público para propositura da ação rescisória contra a decisão proferida em processo em que deveria ter sido ouvido, mas não foi, a alínea c atribui legitimidade para o Ministério Público propor ação rescisória nos processos em que foi ouvido. Evidentemente, nesta última hipótese, a manifestação do Ministério Público no processo em que foi prolatada a decisão deverá ter sido contrária ao que fora decidido, sob pena do Ministério Público carecer de interesse processual na ação rescisória. Conforme previsto no art. 178 do CPC, o Ministério Público deve figurar como fiscal da ordem jurídica nas hipóteses previstas em lei ou na Constituição Federal e nos processos que envolvam: “I – interesse público ou social; II – interesse de incapaz; III – litígios coletivos pela posse de terra rural ou urbana”. Caso referidas hipóteses estejam presentes em ação rescisória, o Parquet também será intimado para intervir como fiscal da ordem jurídica, nos termos do art. 967, parágrafo único, do CPC. Os incisos II e III do art. 178 não ensejam maiores discussões. A hipótese do inciso I, todavia, merece maior reflexão. Diz esse dispositivo que cabe ao Ministério Público intervir como custos legis sempre que houver interesse público ou social. A técnica de que o legislador se utilizou no caso do inciso I é diversa daquela que empregou nos incisos II e III. Enquanto nestes dois enumerou taxativamente as hipóteses em que tem cabimento a intervenção do Ministério Público, no terceiro empregou aquilo que, em teoria geral do direito, se denomina conceito vago (“interesse público ou social”)105-106. Já decidiu o Superior Tribunal de Justiça que a aferição de interesse público para efeito de intervenção do Ministério Público pode ser objeto de controle pelo Judiciário, ainda que o Judiciário não possa impor a atuação ao Ministério Público107-108. A jurisprudência, à luz do CPC/73, já entendia, com acerto, que o interesse público não se confundia com aquele da Fazenda Pública109, e que, mesmo quando fossem partes pessoas jurídicas de direito público, o Ministério Público não precisaria opinar em seu favor, senão que lhe incumbia zelar pela correta aplicação da lei110. Nesse sentido, já apontava a melhor doutrina, Arruda Alvim111, Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Dinamarco112. Adotando esse entendimento, o legislador previu no parágrafo único do artigo 178 do CPC vigente que: “A participação da Fazenda Pública não configura, por si só, hipótese de intervenção do Ministério Público”. Algumas hipóteses que se amoldavam à previsão normativa do inciso III do art. 82 do CPC/73 – parcialmente correspondente ao art. 178, I, do CPC vigente –, no que se refere à existência de interesse público, eram: ações de desapropriação de grande repercussão social113-114, ações acidentárias115, ações em que se discute a validade de registro público116 etc. O Ministério Público, então, segundo se viu, é instituição independente, vocacionada à “defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis” (art. 127, caput, da CF/88). É independente tanto em relação ao Executivo como em relação ao Judiciário. Nesse contexto, vale referir a atuação do Ministério Público na qualidade de legitimado para a propositura de ações coletivas (compreendidas como as demandas para a tutela de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, tais como conceituados no art. 81, parágrafo único, incisos I, II e III, respectivamente, do Código do Consumidor), que serão objeto de estudo mais acurado adiante. Tal possibilidade vem prevista no seio do próprio texto constitucional, pois, conforme o art. 129, III, é função institucional do Ministério Público a propositura de ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos, e também em diversos textos legais (a título exemplificativo podem ser referidos o art. 82, I, da Lei n. 8.078/90 – Código do Consumidor, e o art. 5º, I, da Lei n. 7.347/85 – Lei da Ação Civil Pública). A teor do que dispõe o art. 127, caput, da Constituição Federal, o Ministério Público somente pode agir nos casos em que se fazem presentes o interesse social ou, tratando-se de interesse individual, seja este indisponível. Diz-se expressamente neste texto: “O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”. O Código de Processo Civil vigente reproduziu a previsão constitucional em seu art. 176: “O Ministério Público atuará na defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses e direitos sociais e individuais indisponíveis”. Nesse sentido, as palavras de Hugo Nigro Mazzilli: “Como ficará demonstrado neste trabalho, em suas atividades institucionais o Ministério Público sempre busca um interesse público – mais propriamente o interesse público primário, a que já nos vimos referindo. Ora, a Constituição destina o Ministério Público, de forma prioritária, ao zelo dos mais graves interesses da coletividade, ou seja, o dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Em outras palavras, ora o interesse a zelar se relaciona de modo indeterminado com toda a coletividade, ora está ligado a pessoas determinadas, mas sempre na medida em que isto consulte o interesse geral e desde que observada a norma de compatibilidade prevista no inc. IX do art. 129 da Constituição Federal”117-118. Por isso mesmo, Hugo Nigro Mazzilli, com respeito à legitimidade do órgão do Ministério Público para a propositura da ação civil pública, afirma com pertinência: “Interpretando conjuntamente o inc. III do art. 129 com a norma de destinação institucional (art. 127), torna-se claro que o Ministério Público terá ação civil pública na defesa de interesse difuso ou coletivo, bem como na defesa de interesses sociais e individuais indisponíveis”119. A leitura que deve ser feita da extensão do que sejam interesses indisponíveis compreende determinadas hipóteses que, em si mesmas, i.e., isoladamente consideradas, são representativas de interesses disponíveis. Assim, o assunto de mensalidades escolares. Se os que a essas estão ligados formam um grupo, uma categoria ou classe de pessoas, aceita-se, então, que, nessa estrutura plural, ampla e “coletiva”, tais interesses passem a ser havidos como indisponíveis, justificando a legitimidade do Ministério Público120. Sempre que o Ministério Público tiver de intervire não for intimado, isso será causa de nulidade do processo. Nestes termos, o caput do art. 279 do CPC: “É nulo o processo quando o membro do Ministério Público não for intimado a acompanhar o feito em que deva intervir”. O § 1º deste mesmo artigo determina que a nulidade deverá ser decretada a partir do momento processual em que devesse ter havido a intimação do órgão Ministério Público. Para que se decrete a nulidade, todavia, é preciso que se tenha em conta o prejuízo dela decorrente. Assim é que os Tribunais têm entendido que não se há de decretar a nulidade se, a despeito da ausência do órgão do Ministério Público, a causa foi decidida a favor daquela cuja presença no processo tivesse justificado a intervenção do Ministério Público121. Tal orientação jurisprudencial encontrava respaldo no art. 249, § 2º, do CPC/73 e encontra agora no art. 282, § 2º, do CPC/2015: “Quando puder decidir do mérito a favor da parte a quem aproveite a decretação da nulidade, o juiz não a pronunciará nem mandará repetir o ato ou suprir-lhe a falta”. Nessa mesma linha, o legislador, ao elaborar o Código vigente, previu no art. 279, § 2º, que a nulidade decorrente da falta de intimação do Ministério Público só pode ser decretada após a intimação deste para que se manifeste sobre a existência ou a inexistência de prejuízo. Junto ao aparelho judiciário federal funciona o Ministério Público Federal. Nos Estados, temos o Ministério Público Estadual, chefiado pelo respectivo Procurador-Geral de Justiça. Os membros do Ministério Público Estadual em primeiro grau denominam-se Promotores de Justiça; em segundo, Procuradores de Justiça. No âmbito do Distrito Federal, temos o Ministério Público do Distrito Federal. O Ministério Público da União, que compreende o Federal, o do Distrito Federal e Territórios, o Militar e o do Trabalho, tem como órgão máximo o Procurador-Geral da República. São as seguintes as principais leis que estruturam o Ministério Público: no âmbito federal, a Lei Complementar n. 75, de 1993, que dispõe sobre a organização, as atribuições e o estatuto do Ministério Público da União, e a lei federal destinada ao espectro estadual, a de 8.625, de 12 de fevereiro de 1993, que institui a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público e dispõe sobre normas gerais para a organização do Ministério Público dos Estados. No Estado de São Paulo, refira-se a Lei Complementar Estadual n. 734/93. Os membros do Ministério Público possuem as mesmas garantias que os magistrados, ou seja, vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídios, de acordo com o art. 128, § 5º, I, a, b e c, da CF/88, com a alteração das Emendas Constitucionais 19/98 e 45/2004122-123. Ao lado disso, o Ministério Público apresenta autonomia funcional e administrativa (art. 127, § 2º, da CF/88), sendo estruturado em carreira, na qual se tem ingresso mediante concurso público de provas e títulos. O Ministério Público é informado por dois princípios, o da independência, segundo o qual cada membro age segundo sua própria consciência jurídica, sem estar subordinado seja ao Executivo, seja ao Judiciário124, seja mesmo aos órgãos superiores da própria instituição, e o da unidade, segundo o qual os diversos membros fazem parte de uma só corporação e agem em nome dela. De acordo com Paulo Cezar Pinheiro Carneiro, “por este princípio entende-se que o Ministério Público se constitui de um só organismo, uma única instituição. Quando um membro do parquet atua, quem na realidade está atuando é o próprio Ministério Público (...) não é possível dissociar o órgão da instituição: aquele faz esta atuar. Assim como não se pode dissociar o membro do órgão, aquele é parte integrante deste; juntos formam um só todo”125. 2. A advocacia pública Tal como afirmado, anteriormente à Constituição de 1988, ao Ministério Público Federal cumpria a função de representar a União em juízo, conforme expressamente previsto no art. 138, § 2º, da CF/67. Com a EC/69, a previsão de representação da União pelo Ministério Público Federal se tornou implícita, contudo, ainda havia previsão expressa da possibilidade de a União ser representada em juízo pelo Ministério Público estadual, nas comarcas do interior (art. 95, § 2º, da CF/67, com a redação atribuída pela Emenda n. 1/69). Essa anomalia foi corrigida pela Constituição Federal de 1988, que elevou o Ministério Público à condição de órgão essencial à Justiça e criou a Advocacia-Geral da União126, cuja função é representar a União judicial e extrajudicialmente (art. 131, caput, da CF/88). Embora o art. 131, § 3º, da CF/98 atribua a representação da União à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, quando se tratar de execução de dívida ativa de natureza tributária, nem por isso, neste caso, a União não será representada pela Advocacia-Geral da União, uma vez que este órgão abrange a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (art. 2º, I, b), da Lei Complementar n. 73/93). A Constituição Federal de 1988 também previu a figura do Procurador dos Estados e do Distrito Federal, cuja função é a representação judicial e a consultoria jurídica das unidades federadas (art. 132, caput, da CF/88). Em relação à representação judicial e extrajudicial dos Municípios, a Constituição Federal de 1988 nada dispôs a respeito. A despeito da ausência de previsão dos procuradores do Município na seção II, “Da Advocacia Pública” (arts. 131 e 132), da Constituição Federal, havendo procurador ou procuradoria do Município, é certo que tal agente e órgão integrarão a advocacia pública, em razão de suas funções, que serão as mesmas dos procuradores dos Estados e dos advogados da União – representar o ente federativo. De acordo com o art. 182 do CPC, é incumbido à Advocacia Pública, na forma da lei, defender e promover os interesses públicos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, por meio da representação judicial, em todos os âmbitos federativos, das pessoas jurídicas de direito público que integram a administração direta e indireta. O art. 75, I, do CPC prevê que a União será representada em juízo, ativa e passivamente, pela Advocacia-Geral da União. O art. 75, II, do CPC, por sua vez, determina que a representação em juízo dos Estados e do Distrito Federal será realizada por seus procuradores e o inciso III deste dispositivo prevê a representação em juízo dos Municípios pelo respectivo prefeito ou pelos seus procuradores. Por fim, o inciso IV do art. 75 previu a representação em juízo das autarquias e fundações de direito público por quem a lei do ente federado designar. Aqui, a título de exemplo, podemos mencionar a Lei n. 10.480/2002, que criou a Procuradoria-Geral Federal, a quem incumbiu a função de representação judicial e extrajudicial das autarquias e fundações públicas federais, conforme disposto em seu art. 10. Em todos esses casos não será necessária a juntada do instrumento de mandato na petição inicial, uma vez que a representação em juízo decorre diretamente de normas previstas na Constituição Federal ou em normas previstas infraconstitucionalmente, a teor do disposto no art. 287, III, do CPC. Aqui vale registrar que, embora o referido dispositivo refira-se à petição inicial, a sua disposição é perfeitamente aplicável em se tratando de contestação e demais atos do processo127. O art. 138, caput, do CPC atribui prazo em dobro para todas as manifestações processuais da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e de suas respectivas autarquias e fundações de direito público. Neste ponto, vale destacar uma alteração legislativa operada pelo CPC vigente. O art. 188 do CPC/73 previa que “Computar-se-á em quádruplo o prazo para contestar e em dobro para recorrer quando a parte for a Fazenda Pública ou o Ministério Público”. Esta regra se estendia às autarquias e fundações públicas por força no disposto no art. 10 da Lei n. 9.469/97, que previa a aplicação do revogado art. 188 à essas entidades. Contudo, com a redação do caput do art. 138 do CPC/2015, em regra, há agora um padrão nos prazos para asmanifestações dos entes federativos e de suas autarquias e fundações de direito público. Apenas na hipótese de haver prazo expressamente previsto para um desses entes é que não haverá prazo em dobro (art. 183, § 2º, do CPC), como ocorre, por exemplo, com prazo para o Advogado-Geral da União prestar informações na ação direta de inconstitucionalidade, que é, por previsão expressa, de 15 dias (art. 12 da Lei n. 9.868/99). As intimações dos entes federativos e de suas respectivas autarquias e fundações de direito público deverão ser pessoais (art. 183, caput, do CPC), devendo ser realizadas por carga, remessa ou meio eletrônico (art. 183, § 1º, do CPC). O CPC determina que os entes federativos e as entidades da administração indireta mantenham cadastro nos sistemas de processos em autos eletrônicos, para efeito de recebimento de citações e intimações, que deverão, preferencialmente, ser realizadas por este meio, conforme art. 246, §§ 1º e 2º, sendo tal disposição aplicável ao Ministério Público, à defensoria pública e à advocacia pública, a teor do disposto no art. 270, parágrafo único, do CPC. Para tanto, o parágrafo único do art. 1.050 do CPC previu um prazo de 30 dias, contados da data da entrada em vigor do CPC, para que a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios, suas respectivas entidades da administração indireta, o Ministério Público, a Defensoria Pública e a Advocacia Pública se cadastrassem perante a administração do tribunal no qual atuem para cumprimento do disposto nos arts. 246, § 2º, e 270. O art. 1.051 do CPC, por sua vez, determina que as empresas públicas e privadas devem se cadastrar nos sistemas de processos em autos eletrônicos, para a realização de citação e intimação, no prazo de 30 dias, a contar da data de inscrição do ato constitutivo da pessoa jurídica, perante o juízo onde tenham sede ou filial. Contudo, o CPC não prevê nenhuma sanção para o descumprimento do previsto nos arts. 1.050 e 1.051, o que pode tornar esses dispositivos pouco efetivos. Caso o membro da advocacia pública aja com dolo ou fraude no exercício de suas funções, ele será civil e regressivamente responsável (art. 184 do CPC). 3. O advogado A figura do advogado vem tratada no art. 133 da CF/88, em que se estatui ser a advocacia indispensável à administração da justiça, o que também vem estatuído no art. 2º da Lei n. 8.906/94, que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Advogado é o bacharel em direito regularmente inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil (art. 3º da Lei n. 8.906/94). Pode postular em nome do cliente judicial ou extrajudicialmente (art. 5º da Lei n. 8.906/94), além de poder postular em causa própria. De fato, o advogado pode representar seu cliente tanto perante o Poder Judiciário como diante da Administração Pública128. Sua atividade é regida em parte pelo direito privado (no que diz respeito ao contrato de mandato firmado entre o cliente e o advogado)129, mas também pelo direito público, quando se enfoca a atividade do advogado diante do Poder Judiciário. Como regra quase absoluta, as partes só poderão postular em juízo através de seus advogados (art. 103 do CPC e art. 1º, I, da Lei n. 8.906/94). É o que se denomina capacidade postulatória130. Tal regra aplica-se também ao réu, que só poderá defender-se por intermédio de advogado, embora fique sujeito aos efeitos do processo pela citação válida (art. 239). Há algumas poucas exceções à regra de que só é possível postular em juízo por meio de advogado, como, por exemplo, o habeas corpus, a teor do art. 1º, § 1º, da Lei n. 8.906/94 (Estatuto da OAB), e a atuação perante a Justiça do Trabalho (art. 791 da CLT)131. Aqui, vale apontar que o art. 36 do CPC/73 autorizava que a parte, ainda que não fosse inscrita na Ordem dos Advogados, postulasse em causa própria, no caso de falta de advogado no lugar (comarca) em que se encontrasse ou de impedimento dos que ali se encontrassem. Contudo, essa exceção não está prevista pelo CPC vigente, de modo que não é mais possível a postulação, nesta hipótese, sem o preenchimento do requisito da capacidade postulatória. A Lei n. 8.906/94, em seu art. 1º, I, ao utilizar os termos “qualquer órgão do Poder Judiciário e aos juizados especiais” continha a exigência da presença de advogado também perante os juizados especiais (antigos juizados de pequenas causas). Suspensa tal exigência pelo Supremo Tribunal Federal132, veio restabelecida na Lei n. 9.099/95 (art. 9º), mas apenas para causas cujo valor seja superior a 20 salários mínimos. Desse modo, é dispensada a presença de advogado, nos Juizados Especiais Cíveis, no âmbito estadual, para todas as causas cujo valor seja inferior a 20 salários mínimos. Para recorrer, contudo, no âmbito dos Juizados Especiais Estaduais, é obrigatória a representação da parte, em tal hipótese, pelo advogado (art. 41, § 2º, da Lei n. 9.099/95). A Lei n. 10.259/2001, que instituiu os Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito federal, prevê em seu art. 10 que “as partes poderão designar, por escrito, representantes para a causa, advogado ou não”. Aparentemente este dispositivo não regula a capacidade postulatória no âmbito dos juizados especiais federais, mas sim o instituto da representação, com vistas a permitir o mais amplo acesso a esses juizados133. Contudo, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar a ADIn 3.168, ajuizada pelo Conselho Federal da OAB, reputou que o dispositivo em questão regula a capacidade postulatória no âmbito dos Juizados Especiais Federais, não a representação. Neste julgamento a Suprema Corte julgou constitucional o referido art. 10, afastando apenas a sua aplicação aos processos que tramitam nos Juizados Especiais Criminais Federais, tornando, portanto, obrigatória a presença de advogado atuando em favor dos réus nos processos que tramitam nestes juizados. Na ocasião, em razão da discussão a respeito da aplicação subsidiária do art. 9 da Lei n. 9.099/95, que impõe um teto de 20 salários mínimos para que as partes possam, no âmbito dos Juizados Especiais Estaduais, postular sem a presença de advogado, também foi suscitada a questão acerca do valor máximo da ação para que as partes possam, nos Juizados Especiais Cíveis Federais, postular em causa própria ou designar representantes não advogados, ficando decidido que o limite do valor da ação é de sessenta salários mínimos, ou seja, em qualquer causa que tramite nos Juizados Especiais Cíveis Federais a parte poderá atuar sem advogado – postulando em causa própria ou mediante representante não inscrito na Ordem dos Advogados –, uma vez que este é o limite para que a ação possa ser processada por esses órgãos do Poder Judiciário (art. 3º da Lei n. 10.259/2001)134. Em regra, não é admitido ao advogado postular em juízo sem que faça prova do mandato (art. 104, caput, 1ª parte, do CPC e art. 5º, caput, da Lei n. 8.906/94). Entretanto, excepcionalmente, para evitar preclusão, decadência ou prescrição, ou ainda para praticar ato considerado urgente, o advogado poderá atuar perante o Judiciário sem instrumento de mandato (art. 104, caput, 2ª parte), mas, nessas hipóteses, deverá providenciar sua juntada no prazo de 15 dias, prorrogáveis por mais 15 (art. 104, § 1º, do CPC e art. 5º, § 1º da Lei n. 8.906/94). Não sendo realizada a juntada do instrumento de mandato neste prazo – incluindo aqui a eventual prorrogação –, diz o Código que o ato não ratificado será ineficaz relativamente àquele em cujo nome foi praticado e o advogado responderá pelas despesas processuais e por perdas e danos (art. 104, § 2º). Parece-nos, todavia, que, rigorosamente, o ato praticado, nessa hipótese, não poderá ser tido como juridicamente existente, havendo, a nosso juízo, imprecisão terminológica na lei processual. Há também casos em que se dispensa a apresentação do instrumento de mandato sem que seja necessária a sua juntada posteriormente, conforme prevê o art. 287, II e III, do CPC, segundo o qual se dispensa a juntada do instrumento de mandato se a parte estiverrepresentada pela Defensoria Pública ou se a representação decorrer diretamente de norma prevista na Constituição ou em lei. O mandato poderá ser conferido ao advogado por instrumento público ou particular (art. 105, 1ª parte, do CPC). Apenas para a procuração dada por aqueles que não tenham condições de assinar o nome será exigido instrumento público135. O mandato judicial com poderes ad judicia (procuração geral para o foro) habilita o advogado a praticar todos os atos do processo, salvo aqueles previstos na parte final do art. 105 do CPC, que, por sua relevância, necessitam de poderes específicos. Segundo o mencionado artigo, são necessários poderes especiais para os seguintes atos: receber citação, confessar, reconhecer a procedência do pedido, transigir, desistir, renunciar ao direito o qual se funda a ação, receber, dar quitação, firmar compromisso e assinar declaração de hipossuficiência econômica. Conforme explicado, ao advogado incumbe a função de representar a parte em juízo (judicialmente), sendo indispensável que esteja regularmente inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil, a teor do art. 3º da Lei n. 8.906/94. Os atos privativos de advogado praticados por pessoa não inscrita na OAB serão nulos, conforme o disposto no art. 4º, caput, da Lei n. 8.906/94. Igualmente são nulos os atos praticados por advogado impedido, no âmbito deste impedimento, suspenso, licenciado ou que passar a exercer atividade incompatível com a advocacia. A Lei n. 9.806/94 e o CPC preveem uma série de prerrogativas aos advogados. Tais prerrogativas se justificam na medida em que são instrumentos para que os advogados possam exercer sua função. Aqui vale apontar que o advogado presta serviço público e exerce função social (art. 2º, § 2º, da Lei n. 9.806/94), sendo que seus atos constituem múnus públicos (art. 2º, § 1º, da Lei n. 9.806/94), o que justifica a atribuição a ele de determinadas prerrogativas. O advogado tem direito a examinar, em cartório de fórum e secretaria de tribunal, mesmo sem procuração, autos de qualquer processo, independentemente da fase de tramitação, assegurados a obtenção de cópias e o registro de anotações (art. 107, I, 1ª parte, do CPC), inclusive quando se tratar de processo que tramite em autos eletrônicos, conforme prevê o § 5º do art. 107, acrescido pela Lei n. 13.793/2019). Contudo, tal direito é limitado quando há segredo de justiça, hipótese em que apenas o advogado constituído poderá ter acesso aos autos (art. 107, I, 2ª parte, e art. 189, § 1º, ambos do CPC). Ou seja, somente o advogado constituído poderá consultar os autos do processo se: o interesse público ou social exigir o sigilo; ele versar sobre casamento, separação de corpos, divórcio, separação, união estável, filiação, alimentos e guarda de crianças e adolescentes; nele constar dados protegidos pelo direito constitucional à intimidade; ele versar sobre arbitragem, inclusive sobre cumprimento de carta arbitral, desde que a confidencialidade estipulada na arbitragem seja comprovada perante o juízo (art. 189, I a IV, do CPC). Também é assegurado o direito de o advogado requerer, na qualidade de procurador, vista dos autos de qualquer processo, pelo prazo de 5 dias, conforme o art. 107, II, do CPC. Ou seja, poderá o advogado, sempre que estiver constituído nos autos como procurador, pedir vista pelo prazo de 5 dias. Sendo deferido o pedido, o advogado poderá retirar os autos do cartório por este prazo. O inciso III do art. 107, por sua vez, assegura ao advogado o direito de “retirar os autos do cartório ou da secretaria, pelo prazo legal, sempre que neles lhe couber falar por determinação do juiz, nos casos previstos em lei”. Aqui a lei foi clara no sentido de que é direito retirar os autos do cartório e não meramente requerer vista, como fez no inciso II do art. 107. Na hipótese do art. 107, II, a vista dependerá da apreciação do juiz, no caso do art. 107, III, é assegurado ao advogado o direito de retirar do cartório ou da secretaria os autos do processo em que deverá se manifestar. O advogado só não terá este direito assegurado pelo art. 107, III, se for caso de prazo comum, hipótese em que poderá retirar os autos para obtenção de cópias, pelo prazo de 2 a 6 horas, independentemente de ajuste e sem prejuízo da continuidade do prazo, a teor do disposto no art. 107, § 3º. O advogado perderá o direito previsto no art. 107, § 3º, caso se valha deste dispositivo e não devolva os autos tempestivamente, isto é, dentro do limite de 6 horas, salvo ampliação pelo juiz. Havendo prazo comum e ajuste entre os advogados, se os autos forem retirados por um dos advogados e não forem devolvidos no prazo ajustado, será caso de aplicação do caput do art. 221, devendo ser restituído o prazo ao advogado que não teve oportunidade de consultar os autos. A Lei n. 9.806/94 também assegura aos advogados os honorários advocatícios, que, segundo seu art. 22, podem ser de três espécies: convencionais (contratuais); sucumbências ou; arbitrados judicialmente. Os honorários convencionais são os decorrentes do contrato firmado entre o advogado e o cliente, usualmente formalizado mediante um contrato escrito. Assim, os honorários convencionais são uma contraprestação prevista contratualmente pelos serviços contratados. Embora sejam fixados de acordo com a vontade das partes, os honorários convencionais não podem ser inferiores aos valores fixados pelo Conselho Seccional da OAB na tabela de honorários (art. 58, V, da Lei n. 9.806/94), sob pena de infração ética disciplina, punível com a pena de censura (art. 36, II, da Lei n. 8.906/94). Caso não sejam estipulados os honorários advocatícios, poderá ser proposta ação com objetivo de fixar os honorários advocatícios, ocasião em que haverá arbitramento pelo juiz, em remuneração compatível com o trabalho e o valor econômico da questão, não podendo o valor dos honorários do advogado ser inferior ao estabelecido na referida tabela organizada pelo Conselho Seccional da OAB (art. 22, § 3º, do CPC). Esta é a espécie de honorários arbitrados judicialmente. Há ainda os honorários sucumbenciais, que são devidos ao advogado do vencedor. Conforme prevê o art. 85, caput, do CPC, “A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor”. Da redação deste dispositivo não decorre apenas o dever de o vencido pagar os honorários do advogado do vencedor, mas também a desnecessidade de que haja pedido de condenação na petição inicial, uma vez que a condenação ao pagamento dos honorários está prevista em lei. No regime do CPC/73 se firmou no STJ orientação no sentido de que, se a sentença, transitada em julgado, não possuísse nenhuma condenação a título de honorários, não seria possível, posteriormente, na execução ou em ação autônoma a cobrança dos honorários sucumbenciais. É o que se previa expressamente na Súmula 453 do STJ: “Os honorários sucumbenciais, quando omitidos em decisão transitada em julgado, não podem ser cobrados em execução ou em ação própria”. Contudo, o art. 85, § 18, do CPC vigente, superando o entendimento do STJ, dispõe expressamente que “Caso a decisão transitada em julgado seja omissa quanto ao direito aos honorários ou ao seu valor, é cabível ação autônoma para sua definição e cobrança”. Valendo-se o advogado da parte vencedora dessa ação autônoma, também será caso de honorário advocatício por arbitramento. Nesta toada, cumpre registrar que, embora esses honorários sejam arbitrados judicialmente, não se confundem com os honorários advocatícios fixados por arbitramento em razão da ausência de contrato (art. 22, § 2º, da Lei n. 8.906/94). Sendo assim, é possível concluir que, atualmente, é possível que tanto os honorários convencionais quanto os sucumbenciais sejam arbitrados judicialmente. Contudo, nem por isso eles perdem a sua natureza jurídica. Os honorários sucumbenciais são devidos pela parte vencida ao advogado da parte vencedora, enquanto que os convencionais são devidos pela parte ao advogado que a representou, cada um possuindo seu regramento no ordenamentojurídico. O valor dos honorários sucumbenciais deverá ser fixado pelo juiz entre o valor mínimo de 10% e máximo de 20% sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa (art. 85, § 2º, do CPC). Ao fixar este porcentual o juiz deverá ter como critério o grau de zelo do profissional, o lugar da prestação do serviço, a natureza e a importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço, conforme determina o art. 85, § 2º, I a IV, do CPC. Contudo, não será observado o porcentual de 10 a 20% quando for inestimável ou irrisório o proveito econômico da causa, ou, ainda, quando o seu valor for muito baixo, hipótese em que o juiz deverá fixar o valor dos honorários sucumbenciais por equidade, com base nesses critérios (art. 85, § 8º, do CPC). No regime do CPC/73, nas causas que fossem julgadas contra a Fazenda Pública o valor dos honorários sucumbenciais era fixado mediante apreciação equitativa do juiz, de acordo com o grau de zelo do profissional, o lugar de prestação do serviço, a natureza da importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço (art. 20, § 4º, e § 3º, I a III). Ou seja, havia ampla margem para apreciação do valor dos honorários sucumbenciais pelo juiz, sendo que, em geral, eram fixados em montantes inferiores a 10% do valor da condenação. O CPC/2015, alterando o previsto pela legislação revogada, estabeleceu critérios mais objetivos para as causas que tenham como parte a Fazenda Pública. Neste passo, é necessário esclarecer que o termo Fazenda Pública abrange a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas respectivas autarquias e fundações136. O § 3º do art. 85 do CPC previu percentuais para a fixação dos honorários sucumbenciais, em razão da variação do valor da condenação ou do proveito econômico obtido com a causa. Assim, o valor dos honorários sucumbenciais das causas cujo valor da condenação ou proveito econômico obtido: até 200 salários mínimos, deverá ser de 10 a 20%; acima de 200 e até 2.000 salários mínimos, deverá ser de 8 a 10%; acima de 2.000 e até 20.000 salários mínimos, deverá ser de 5 a 8%; acima de 20.000 e até 100.000 salários mínimos, deverá ser de 3 a 5%; acima de 100.000 salários mínimos, deverá ser de 1 a 3% (art. 85, § 3º, I a V, do CPC). Conforme se denota, mesmo nas causas em que a Fazenda Pública for parte, ainda haverá uma margem de variação do percentual que deverá ser aplicado para realização do cálculo dos honorários sucumbenciais. Para fixação deste percentual, também deverão ser observados os critérios estabelecidos no referido § 2º do art. 85 do CPC, conforme determina expressamente o § 3º deste mesmo artigo. De acordo com o art. 85, § 5º, “Quando, conforme o caso, a condenação contra a Fazenda Pública ou o benefício econômico obtido pelo vencedor ou o valor da causa for superior ao valor previsto no inciso I do § 3º, a fixação do percentual de honorários deve observar a faixa inicial e, naquilo que a exceder, a faixa subsequente, e assim sucessivamente”. Assim, por exemplo, caso haja uma condenação no valor de 2.500 salários mínimos, sobre 200 salários mínimos incidirá um porcentual de 10 a 20%, sobre 1.800 salários mínimos incidirá um porcentual de 8 a 10% e sobre os 500 salários mínimos remanescentes incidirá um porcentual de 5 a 8%. Os percentuais previstos no art. 85, § 3º, I a V, do CPC deverão ser aplicados desde logo quando a sentença for líquida (art. 85, § 4º, I, do CPC). Contudo, sendo ilíquida a sentença, a definição do percentual, somente ocorrerá quando liquidado o julgado (art. 85, § 4º, II, do CPC). Não havendo condenação principal ou não sendo possível mensurar o proveito econômico da causa, o valor da condenação deverá ser calculado com base no valor atualizado da causa (art. 85, § 4º, III, do CPC). Para efeito de aplicação dos percentuais previstos no art. 85, § 3º, I a V, sempre deverá ser considerado o valor do salário mínimo vigente quando prolatada a sentença líquida ou quando for realizada a liquidação de sentença (art. 85, § 4º, IV, do CPC). Como exceção, não serão devidos os honorários sucumbenciais no cumprimento de sentença contra a Fazenda Pública que enseje expedição de precatório, desde que não haja impugnação, ocasião em que serão devidos os honorários sucumbenciais (art. 85, § 7º, do CPC). Sendo parte ou não a Fazenda Pública, na ação de indenização por ato ilícito contra pessoa (responsabilidade extracontratual), com pedido de pagamento de prestações sucessivas, o percentual utilizado para cálculo dos honorários sucumbenciais incidirá sobre a soma das prestações vencidas acrescida de 12 prestações vincendas (art. 85, § 9º, do CPC). Conforme explicado, o CPC vigente alterou os critérios para fixação dos honorários sucumbenciais nos casos em que a Fazenda Pública for parte, independentemente de o resultado da causa ser favorável ou desfavorável à Fazenda Pública. Na vigência do CPC/73, caso a Fazenda Pública saísse vitoriosa, a fixação dos honorários sucumbências era de no mínimo 10% e no máximo 20% sobre o valor da condenação (art. 20, § 3º, do CPC/73), enquanto, se saísse perdedora, os honorários eram fixados por apreciação equitativa do juiz (art. 20, § 4º, CPC/73), conforme mencionado. A nova legislação, portanto, promoveu igualdade no tratamento das partes envolvidas no litígio, não havendo mais a disparidade existente no § 4º do art. 20 do CPC/73. Os limites e critérios previstos no §§ 2º e 3º do art. 85 do CPC aplicam-se independentemente de qual seja o conteúdo da decisão, inclusive aos casos de improcedência ou de sentença sem resolução de mérito, a teor do disposto no art. 85, § 6º, do CPC, sendo que, se o processo perder o objeto, os honorários sucumbenciais serão devido por quem deu causa ao processo (art. 85, § 9º, do CPC). Contudo, conforme aponta Arruda Alvim, “Não seria o art. 85 § 6º do CPC/2015 aplicável ao indeferimento da petição inicial (arts. 485, I, cc 330, I, II, III e IV do CPC/2015) caso ocorresse antes da constituição de patrono pela parte contrária. Do contrário, estar-se-ia admitindo o enriquecimento sem causa do advogado que sequer foi constituído, permitindo-lhe o recebimento de honorários de sucumbência sem qualquer labor. Por outro lado, havendo apelação contra a decisão que indefere a petição e, sendo o réu devidamente citado e tendo apresentado contrarrazões ao recurso interposto (art. 331, § 1º do CPC/2015), de rigor o arbitramento de honorários advocatícios nos termos previstos pelo art. 85, § 2º do CPC/2015, considerando que, neste caso, há labor do advogado que enseja a condenação”137. O CPC/2015 inovou, em relação ao CPC/73, ao prever que o tribunal, ao julgar o recurso, majorará os honorários fixados anteriormente, levando em consideração o trabalho adicional realizado em grau recursal, bem como o grau de zelo do profissional, o lugar da prestação do serviço, a natureza e importância da causa e o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o serviço (art. 85, § 11). A majoração independe de pedido, bastando a verificação dos requisitos legais. No entanto, é vedado ao tribunal majorar os honorários de modo tal que o cômputo geral ultrapasse o limite de 20% para a fase de conhecimento. Portanto, tendo sido os honorários fixados em 10% pelo juiz de primeiro grau, caso o tribunal venha a manter a decisão, poderá majorar os honorários até o limite da fase de conhecimento, qual seja, 20% do valor da condenação. Ainda em relação aos honorários sucumbenciais, não se pode deixar de mencionar a abolição, pelo CPC/2015, da compensação dos honorários em caso de sucumbência recíproca, conforme se colhe do art. 85, § 14138. Em direito civil, admite-se a compensação de créditos quando as duas partes são, mutuamente, credoras e devedoras uma da outra. Os honorários de sucumbência, a teor do que dispõe o art. 22 da Lei n. 8.906/94, pertencem ao advogado, razão pela qual em caso de sucumbênciarecíproca, são os advogados das partes que são titulares dos créditos, enquanto que as partes são seus devedores. Nesse caso, o autor deve ao advogado do réu, ao passo que o réu deve ao advogado do autor, razão pela qual não há identidade de partes nas duas relações jurídicas, a ponto de se falar em compensação de créditos. Acertada, pois, a redação do art. 85, § 14, do CPC. Ademais, assim como ao advogado são conferidas prerrogativas em razão de sua atividade, igualmente, em razão dela também a ele são impostos determinados deveres. O CPC impõe ao advogado os deveres de: expor os fatos em juízo conforme a verdade, não formular pretensão ou de apresentar defesa quando ciente de que são destituídas de fundamento, não produzir provas e não praticar atos inúteis ou desnecessários à declaração ou à defesa do direito, cumprir com exatidão as decisões jurisdicionais, de natureza provisória ou final, e não criar embaraços à sua efetivação, declinar, no primeiro momento que lhe couber falar nos autos, o endereço residencial ou profissional onde receberão intimações, atualizando essa informação sempre que ocorrer qualquer modificação temporária ou definitiva, não praticar inovação ilegal no estado de fato de bem ou direito litigioso (art. 77, I a VI). Nesta toada, vale mencionar que o art. 5º do CPC impõe a todos que participam do processo o dever de comportarem-se de acordo com a boa-fé. Advogando em causa própria, o advogado deverá declarar, na petição inicial ou na contestação, o endereço, seu número de inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil e o nome da sociedade de advogados da qual participa, para fins de recebimento de intimações (art. 106, I, do CPC). Se o advogado não declarar essas informações na petição inicial, o juiz ordenará que se supra a omissão, no prazo de 5 dias, antes de determinar a citação do réu, sob pena de indeferimento da petição inicial (art. 106, § 1º, do CPC). Também deverá o advogado comunicar ao juízo qualquer mudança de endereço (art. 106, II, do CPC), sob pena de serem consideradas válidas as intimações enviadas por carta registrada ou meio eletrônico ao endereço constante dos autos (art. 106, § 2º, do CPC). Conforme explicado, o advogado possui o direito a retirar os autos de cartório ou secretaria, pelo prazo legal, sempre que o juiz determinar a sua manifestação, nos casos previstos em lei (art. 107, § 1º, do CPC). Contudo, o advogado também tem o dever de restituir os autos no prazo legal, que corresponderá ao prazo para prática do ato (tratando-se de prazo para oposição de embargos de declaração, por exemplo, o prazo de devolução dos autos em cartório será de 5 dias). Na hipótese de o advogado, após retirar os autos, não os restituir no prazo legal, qualquer interessado poderá exigir a devolução (art. 234, § 1º, do CPC). Se, após a intimação, o advogado não devolver os autos no prazo de 3 dias, perderá o direito à vista fora de cartório e incorrerá em multa correspondente à metade do valor do salário mínimo (art. 234, § 2º, do CPC). Ao verificar a não devolução neste prazo de 3 dias, o juiz deverá comunicar o fato à seção local da Ordem dos Advogados para instauração de procedimento disciplinar e imposição da referida multa (art. 234, § 3º, do CPC). Poderá o advogado renunciar ao mandato, ficando, todavia, responsável nos dez dias subsequentes à notificação da revogação ao mandante, desde que tal se faça necessário para evitar prejuízo à parte. É o que estabelece o art. 112, § 1º, do CPC: “O advogado poderá renunciar ao mandato a qualquer tempo, provando, na forma prevista neste Código, que comunicou a renúncia ao mandante, a fim de que este nomeie sucessor. § 1º Durante os 10 (dez) dias seguintes, o advogado continuará a representar o mandante, desde que necessário para lhe evitar prejuízo”. O mandato também poderá ser revogado pelo próprio outorgante, a teor do que dispõe o art. 111 do CPC, devendo este constituir novo procurador, através deste mesmo ato, para dar continuidade ao patrocínio da causa. Essa revogação poderá ser expressa ou, ainda, tácita, quando, por exemplo, o outorgante confere novo instrumento de procuração a outro advogado, do qual não conste a ressalva da reserva de poderes. Em tais casos, no entanto, a revogação tácita só produzirá efeitos a partir da sua comunicação ao antigo patrono. Caso novo procurador não seja constituído no prazo de 15 dias, o juiz suspenderá o processo e designará prazo razoável para que seja sanado o vício, conforme o art. 111, parágrafo único, e o art. 76. 4. Defensoria pública O art. 5º, LXXIV, da CF/88 assegura a “assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”, cumprindo à Defensoria Pública a função de prestar essa assistência jurídica. Nos termos do art. 134 da CF/88, “A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5º desta Constituição Federal”. Conforme art. 134, § 1º, da CF/88, compete à Lei Complementar organizar a Defensoria Pública da União, do Distrito Federal e dos Territórios e estabelecer normas gerais para a organização das Defensorias dos Estados. Atualmente, tal organização foi realizada pela Lei Complementar n. 80/94, que também prescreveu normas gerais para a organização das Defensorias dos Estados. A Defensoria Pública goza de prazo em dobro para todas as suas manifestações (art. 186 do CPC e arts. 44, inciso I, 89, inciso I, e 128, inciso I, da Lei Complementar n. 80/94), salvo quando a lei que estabelecer prazo próprio (art. 186, § 4º). A contagem do prazo se inicia com a intimação pessoal do defensor público (art. 186, § 1º), que poderá ser realizada por carga, remessa ou meio eletrônico (art. 183, § 1º). Havia grande discussão em relação ao art. 5º, § 5º, da Lei n. 1.060/50 que dispõe que: “Nos Estados onde a Assistência Judiciária seja organizada e por eles mantida, o Defensor Público, ou quem exerça cargo equivalente, será intimado pessoalmente de todos os atos do processo, em ambas as Instâncias, contando-se-lhes em dobro todos os prazos”. O art. 1.072, inciso III, do CPC deixou de revogar o art. 5º da Lei n. 1.060/50, revogando os arts. 2º, 3º, 4º, 6º, 7º, 11, 12 e 17 de referido diploma legal. A discussão girava em torno da extensão do benefício do prazo em dobro aos advogados privados que eram conveniados à Defensoria Pública, pela OAB. O CPC/2015 resolveu em parte a discussão, na medida que tal benefício se estende aos escritórios de prática jurídica das faculdades de Direito reconhecidas na forma da lei e às entidades que prestam assistência jurídica gratuita em razão de convênios firmados com a Defensoria Pública (art. 186, § 3º). Finalmente, assim como o membro da Advocacia Pública, qualquer membro da Defensoria Pública será civil e regressivamente responsável pelos danos causados, quando agir com dolo ou fraude no exercício de suas funções (art. 187, CPC). 5. Os auxiliares da justiça Alguns dos auxiliares da justiça encontram-se enumerados no art. 149 do CPC. São eles: o escrivão, o chefe de secretaria, o oficial de justiça, o perito, o depositário, o administrador, o intérprete, o tradutor, o mediador, o conciliador judicial, o partidor, o distribuidor, o contabilista e o regulador de avarias. Juntamente com o juiz, os auxiliares formam o juízo. O escrivão e o chefe de secretaria são os mais importantes dos auxiliares, pois lhes incumbe dar andamento ao processo (redigir ofícios, mandados, cartas precatórias, promover citações etc.) e documentar os atos praticados em seu curso. Os arts. 150 a 155 do CPC contêm prescrições relativas ao escrivão, ao chefe de secretaria e ao oficial de justiça. Ao oficial de justiça, nos termos do disposto no art. 154, incumbeefetuar pessoalmente citações, prisões, penhoras, arrestos e outras diligências inerentes ao seu ofício (inciso I), bem como executar as ordens determinadas pelo juiz a que estiver subordinado (inciso II), entregando em cartório os mandados tão logo sejam cumpridos (inciso III). O oficial de justiça deve, ainda, colaborar na manutenção da ordem (art. 153, IV). Compete, igualmente, ao oficial de justiça, em sede de execução, efetuar avaliações, quando for o caso (art. 153, inciso V). Também é tarefa do oficial de justiça certificar, em mandado, proposta de autocomposição apresentada por qualquer das partes, sendo que após a certificação, o juiz determinará a intimação da parte contrária para manifestar-se no prazo de cinco dias (art. 153, VI). Ao perito (arts. 156 a 158 do CPC) cabe intervir toda vez que a prova do fato depender de conhecimento técnico ou científico, devendo ser ele designado entre “os profissionais legalmente habilitados e os órgãos técnicos ou científicos devidamente inscritos em cadastro mantido pelo tribunal ao qual o juiz está vinculado” (art. 156, § 1º), podendo o escolhido escusar-se da nomeação no prazo de quinze dias (art. 157, § 1º). A nomeação do perito só ocorrerá por livre escolha do juiz nas localidades em que não houver inscritos no cadastro disponibilizado pelo tribunal, sendo que tal nomeação deverá recair sobre profissional ou órgão técnico ou científico comprovadamente detentor do conhecimento necessário à realização da perícia (art. 156, § 5º). Depositário será aquele a quem incumbe a guarda e a conservação de bens penhorados, arrestados etc. (art. 159)139; o administrador será o depositário com as funções de gestor (por exemplo, no caso de penhora de empresas). O intérprete, ou tradutor, será nomeado para analisar documento redigido em língua estrangeira; para verter para o português as declarações das partes e depoimentos de testemunhas que não conhecerem o idiota nacional; ou, ainda, para realizar a interpretação simultânea dos depoimentos das partes e testemunhas com deficiência auditiva que se comuniquem por meio da Língua Brasileira de Sinais, ou equivalente, quando assim for solicitado (art. 162, I, II e III, do CPC)140. Mediador será aquele que auxiliará aos interessados a compreender as questões e os interesses em conflito, atuando preferencialmente nos casos em que tiver havido vínculo anterior entre as partes, de modo que eles possam, pelo restabelecimento da comunicação, identificar, por si próprios, soluções consensuais que gerem benefícios mútuos (art. 165, § 3º). Já o conciliador poderá sugerir soluções para o litígio, sendo vedada a utilização de qualquer tipo de constrangimento ou intimidação para que as partes conciliem. Diferentemente do mediador, o conciliador atuará preferencialmente nos casos em que não houver vínculo anterior entre as partes (art. 165, § 2º). O partidor atuará na organização dos planos e cálculos das partilhas, de acordo com a decisão judicial, respeitando a ordem dos pagamentos prevista no art. 651, I ao IV. O distribuidor, como o próprio nome diz, será aquele responsável pela distribuição das causas entre os juízos, quando na comarca houver mais de um competente para a causa. Finalmente, o contabilista auxilia o juiz na verificação dos cálculos (art. 524, § 2º), enquanto o regulador de avarias é o auxiliar da justiça, indicado consensualmente pelas partes ou nomeado pelo juiz (art. 707), para atuar no procedimento de regulação de avaria grossa, sendo responsável por declarar, justificadamente, se os danos no navio e nas mercadorias caracterizam avarias grossas passíveis de rateio, e responsável por exigir apresentação de garantias idôneas para que possam ser liberadas as cargas aos consignatários (art. 708). A figura do regulador de avarias será abordada com maior profundidade em capítulo próprio. É importante destacar que o rol constante no art. 149 do CPC não é exaustivo, sendo possível a criação e regulamentação de novos auxiliares da justiça pelas leis estaduais de organização judiciária. V COMPETÊNCIA 1. Definição e noções gerais Arruda Alvim define competência como “a atribuição a um dado órgão do Poder Judiciário daquilo que lhe está afeto, em decorrência de sua atividade jurisdicional específica, dentro do Poder Judiciário, normalmente excluída a competência simultânea de qualquer outro órgão do mesmo poder (ou, a fortiori, de outro poder)”141. Para Humberto Theodoro Júnior, “a competência é justamente o critério de distribuir entre os vários órgãos judiciários, as atribuições relativas ao desempenho da jurisdição”142. Trata-se de conceito de teoria geral do direito, não de direito processual. Na seara do direito administrativo, pode-se falar em competência deste ou daquele órgão para a prática de determinados atos. No direito constitucional, atribui-se competência aos poderes legislativos das pessoas políticas para legislar sobre determinados assuntos (exemplificativamente, arts. 153, 155 e 156 da CF/88). Em essência, a noção de competência conduz à ideia de legitimidade do exercício de um determinado poder, num determinado momento e sob determinadas circunstâncias. Há vários critérios que permitem identificar qual o órgão jurisdicional competente. Observe-se que se fala em “órgão jurisdicional” competente e não em juiz competente, pois a competência é atributo do órgão jurisdicional, não de seus integrantes, pessoas físicas. Assim, a competência será do juízo, do tribunal, da câmara (órgão fracionário do tribunal), não de seus integrantes. As regras de competência encontram-se previstas nos mais variados diplomas: na Constituição Federal, no Código de Processo Civil, em leis federais, leis extravagantes, nos Códigos de Organização Judiciária. De maneira geral, pode-se afirmar que a Constituição Federal define qual a Justiça competente; o CPC (ou outras leis extravagantes), qual o foro competente; e as leis de organização judiciária, qual o juízo competente143. Deveras, a lei estadual pode, por exemplo, criar juízos privativos, como faz, por exemplo, quando estabelece a existência de varas da Fazenda Pública. Os regimentos internos de tribunais, de seu turno, estabelecem as suas competências internas com relação aos órgãos jurisdicionais e administrativos respectivos (art. 96, I, a, CF/88). Já se disse que há vários critérios que permitem identificar a competência, conforme se infere de uma leitura da Seção I, Capítulo III, Título III, Livro I, do Código de Processo Civil. A competência pode ser determinada em razão da matéria, em razão da pessoa, em razão do valor da causa, em razão do território ou do foro, bem como pode ser funcional, esta subdividida em espécies, entre as quais se encarta a competência hierárquica. A competência em razão da matéria, em razão da pessoa e em razão do valor da causa são subespécies da assim denominada competência objetiva144. Ao lado desses critérios, Arruda Alvim145 alinha a prevenção como critério de fixação de competência, o que se dá pelo ato previsto na lei (distribuição art. 59), dentre os juízos para os quais a competência esteja determinada. Fixe-se um ponto, desde logo, que é fundamental para o estudo do tema: segundo diz textualmente Arruda Alvim, “para se determinar a competência, todos os critérios hão de ser sempre e simultaneamente utilizados”146. Dito de outra maneira: somente a aplicação de todos os critérios determinadores da competência ao caso concreto é que permitirá a identificação do órgão jurisdicional competente. Com efeito, para se definir a competência para conhecer e julgar determinada causa, deve-se fazer, grosso modo, o seguinte “percurso”. Primeiro, afere-se qual a Justiça competente, a partir de critérios constitucionais, ideia que está intimamente ligada ao chamado juiz natural (CF, art. 5º, XXXVII e LIII). Sucessivamente, qual o foro competente, tendo em vista os critérios de competência territorial (Código de Processo Civil). Finalmente, qual o juízo competente, tendo presentes os critérios das leis de organizaçãoajuizadas perante os Juizados Especiais Cíveis Estaduais 3. O procedimento nos Juizados Especiais Cíveis Estaduais 4. Os Juizados Especiais Cíveis no âmbito da Justiça Federal XXXIV SENTENÇA E COISA JULGADA 1. Considerações gerais 1.1 Necessidade de fundamentação da sentença 1.2 Direito superveniente e erro material 2. Coisa julgada 2.1 A impropriamente denominada coisa julgada “formal” 2.2 Coisa julgada formal e material 2.3 A coisa julgada material recai sobre a parte dispositiva da sentença 2.4 Momento da formação da coisa julgada 2.5 Como se alega a coisa julgada 2.6 Relativização da coisa julgada material XXXV NOÇÃO GERAL SOBRE O PROCESSO DAS AÇÕES COLETIVAS 1. Direitos difusos 2. Direitos coletivos 3. Direitos individuais homogêneos 4. Aspectos relativos à tutela desses direitos 5. Aspectos da coisa julgada no Código de Processo Civil 6. Aspectos da coisa julgada no Código do Consumidor 6.1 Coisa julgada e direitos difusos 6.2 Coisa julgada e direitos coletivos 6.3 Coisa julgada e direitos individuais homogêneos 6.4 Da suspensão das ações individuais (art. 104 do Código do Consumidor) 7. Outras ações 7.1 Ação civil pública (Lei n. 7.347/85 – Lei da Ação Civil Pública) 7.2 Ação popular (Lei n. 4.717/65 – Lei da Ação Popular) 8. Da limitação territorial prevista no art. 16 da Lei de Ação Civil Pública, introduzida pela Lei n. 9.494/97 9. Mandado de segurança coletivo 9.1 Pertinência temática 9.2 A exigência do caso concreto: o mandado de segurança preventivo 9.3 Coisa julgada no mandado de segurança coletivo 10. Mandado de injunção coletivo 10.1 Coisa julgada no mandado de injunção coletivo 11. Controle de constitucionalidade e as ações coletivas XXXVI TEORIA GERAL DOS RECURSOS 1. Recurso e seu conceito 2. Princípios fundamentais regentes do sistema recursal no direito processual civil brasileiro 2.1 Princípio do duplo grau de jurisdição 2.2 Princípio da taxatividade dos recursos 2.2.1 Sucedâneos recursais e outras figuras relacionadas aos recursos 2.2.1.1 Sucedâneos recursais 2.2.1.2 Ações autônomas de impugnação 2.2.1.3 Incidentes no processo 2.3 Princípio dispositivo 2.4 Princípios da singularidade recursal e da correspondência 2.5 Princípio da fungibilidade recursal 2.5.1 Generalidades 2.5.2 O art. 810 do CPC/39 2.5.3 Algumas hipóteses em que há fungibilidade recursal 2.5.3.1 Conhecimento de embargos de declaração como agravo interno 2.5.3.2 Conhecimento de recurso especial como recurso extraordinário 2.5.3.3 Conhecimento de recurso extraordinário como recurso especial 2.5.3.4 Conhecimento de recurso especial como agravo e vice-versa 2.5.4 Requisitos para aplicação da fungibilidade – conclusões 2.6 Princípio da dialeticidade 2.7 Princípio da voluntariedade 2.8 Princípio da irrecorribilidade em separado das interlocutórias 2.9 Princípio da complementaridade e da consumação 2.10 Princípio da proibição da reformatio in pejus 3. Recurso adesivo 4. Julgamento estendido XXXVII JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE 1. Uma primeira ideia 2. Questões prévias 3. Competência para análise da admissibilidade do recurso 3.1 Competência do órgão a quo para apreciação da admissibilidade recursal e impossibilidade de incursão do órgão a quo no mérito recursal 4. Momento da aferição dos requisitos de admissibilidade 5. Natureza da decisão que julga a admissibilidade do recurso e sua implicação no momento da fixação do trânsito em julgado 6. Caráter substitutivo da decisão da instância ad quem 7. Os requisitos de admissibilidade dos recursos 7.1 Cabimento 7.2 Legitimidade para recorrer 7.2.1 Legitimação das partes 7.2.2 Legitimação do órgão do Ministério Público 7.2.3 Legitimação do terceiro prejudicado 7.3 Interesse recursal 7.3.1 Necessidade de recorrer 7.3.2 Utilidade em recorrer 7.3.3 O interesse recursal e algumas hipóteses concretas 7.3.4 O interesse recursal e o Ministério Público 7.4 Tempestividade 7.4.1 Horário dos atos processuais 7.5 Regularidade formal 7.6 Inexistência de fato impeditivo ou extintivo do poder de recorrer 7.7 Fatos impeditivos 7.8 Preparo XXXVIII RECURSO DE APELAÇÃO 1. Generalidades 2. Apelação contra sentença definitiva 3. Da apelação parcial 4. Apelação contra sentença terminativa 5. Requisitos da apelação 6. Princípio do tantum devolutum quantum appellatum – extensão e profundidade do efeito devolutivo na apelação 7. Reformatio in peius 8. Procedimento do recurso de apelação 9. Apelação e preparo 10. Do julgamento “não unânime” e o prosseguimento do julgamento XXXIX RECURSO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO 1. Considerações iniciais 2. Prazo de interposição 3. Hipóteses de cabimento 3.1 Tutelas provisórias 3.2 Mérito do processo 3.3 Rejeição da alegação de convenção de arbitragem 3.4 Incidente de desconsideração de personalidade jurídica 3.5 Rejeição do pedido de gratuidade da justiça ou acolhimento do pedido de sua revogação 3.6 Exibição ou posse de documento ou coisa 3.7 Exclusão de litisconsorte 3.8 Rejeição do pedido de limitação do litisconsórcio 3.9 Admissão ou inadmissão de intervenção de terceiros 3.10 Concessão, modificação ou revogação do efeito suspensivo aos embargos à execução 3.11 Redistribuição do ônus da prova nos termos do art. 373, § 1º 3.12 Outros casos expressamente referidos em lei 3.13 Decisões interlocutórias proferidas em fase de liquidação de sentença ou cumprimento de sentença, bem como no processo de execução ou inventário 4. Procedimento 5. O agravo e o efeito suspensivo 6. Outras considerações XL RECURSO DE AGRAVO INTERNO 1. Definição e hipóteses de cabimento 2. Procedimento XLI RECURSO DE EMBARGOS DECLARATÓRIOS 1. Natureza e cabimento 2. Caráter infringente dos embargos declaratórios 3. Prazo dos embargos e prazos de outros recursos 4. Embargos de declaração com fins de prequestionamento XLII RECURSO ORDINÁRIO 1. Generalidades XLIII RECURSO ESPECIAL E RECURSO EXTRAORDINÁRIO 1. Aspectos introdutórios 2. Raiz constitucional do recurso especial 2.1 A leitura do inciso III do art. 105 da CF/88 2.1.1 O que significa “causas decididas” 2.1.2 O que significa “em única ou última instância” 2.1.3 O que significa “decisão proferida por tribunal” 2.2 As alíneas a até c do inciso III do art. 105 da CF/88 3. Prequestionamento 3.1 Prequestionamento “explícito” e “implícito” 3.2 Prequestionamento numérico 3.3 Prequestionamento e matéria cognoscível de ofício 3.4 Primeiras conclusões 4. Forma de interposição do recurso especial – repasse das hipóteses constitucionais de cabimento do recurso especial 4.1 Efeitos do recurso especial 5. Efeitos dos recursos: generalidades e peculiaridades do recurso especial 5.1 O efeito devolutivo: sua amplitude no caso do recurso especial 5.2 Os efeitos suspensivo e devolutivo e o recurso especial 5.2.1 Execução provisória 5.2.2 Uso de medidas cautelares para atribuir efeito suspensivo ao recurso especial 6. Cisão do juízo de admissibilidade dos recursos especial e extraordinário 6.1 Natureza da decisão acerca do juízo de admissibilidade 6.1.1 A questão do termo a quo do prazo para propositura de ação rescisória 7. Admissão do recurso especial pela instância a quo e do extraordinário, quando houver 8. Fundamento suficiente: hipótese das Súmulas 126 do STJ e 283 do STF 9. A questão do preparo e o recurso especial 10. Recurso extraordinário 10.1 As hipóteses de cabimento de recurso extraordinário 10.2 Processamento do extraordinário dentro do STF 10.3 Efeitos do recurso extraordinário: devolutivo e/ou suspensivo 11. Últimas considerações acerca dos recursos especial e extraordinário: questões práticas 11.1 Repercussão geral no recurso extraordinário – novo requisito de admissibilidade 11.2 Processamento do recurso especial e do extraordinário que versar questões repetitivas XLIV RECURSO DE AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL OU EXTRAORDINÁRIO 1. Considerações iniciais 2. Procedimento XLV EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA NOS RECURSOS ESPECIAL E EXTRAORDINÁRIO 1. Considerações preliminaresjudiciária locais. A prevenção é um critério para fixação da competência, num dado órgão jurisdicional, seja em primeiro ou em segundo grau de jurisdição. Ao tempo do CPC/73, em primeiro grau, o critério de prevenção era diferente dependendo da circunstância de que se tratassem de juízos com a mesma competência territorial ou não. Assim: a) a prevenção se dava com a citação (art. 219 do CPC/73) se os juízos não tivessem a mesma competência territorial; b) se os juízos tivessem a mesma competência territorial, estaria prevento aquele que despachasse em primeiro lugar (art. 106 do CPC/73). O CPC/2015 facilitou a fixação da competência, adotando como critério da prevenção o registro ou a distribuição da petição inicial (art. 59), nas comarcas onde houver mais de uma vara. Em outros termos, a prevenção não se dá mais com a citação ou com o despacho que a haja ordenado. Reconhecida a prevenção de determinado juízo, este será competente para apreciar todas as causas conexas à ação que se fixou naquele juízo. Podemos afirmar que o juízo somente será efetivamente competente para conhecer determinada ação após identificada a sua prevenção. Antes da prevenção há juízos abstratamente competentes, pelo critério da determinação da competência; com a prevenção, individualiza-se o juízo dentre aqueles, que passará a ser o competente. A prevenção é um fenômeno que pode ocorrer também em segundo grau de jurisdição, como já se aflorou, ou seja, se apreciado um recurso por determinado órgão colegiado de tribunal, os demais recursos e pedidos referente a esse processo poderão ser de competência do relator que apreciou o primeiro recurso (art. 930, parágrafo único, CPC/2015). Quanto aos critérios de prevenção nos tribunais, contudo, é necessário analisar os respectivos regimentos internos, pois a matéria não é integralmente disciplinada pelo Código de Processo Civil, podendo variar caso a caso147. A fixação de competência em razão da prevenção pressupõe que mais de um juízo seja competente para apreciar o feito, mas que, em razão da prevenção, a competência se fixe em um deles. Não se trata, destarte, de um critério de determinação de competência, mas de “fixação”148 de competência entre juízos que, originariamente, seriam abstratamente competentes para conhecer da causa. Em sendo atributo do órgão jurisdicional, distingue-se a incompetência do impedimento (que diz respeito ao juiz e que compromete a sua imparcialidade). Teve-se oportunidade de estudar que a função jurisdicional apresenta como uma de suas características primordiais a imparcialidade. O juiz é, por excelência, imparcial, equidistante das partes. Ora, em ocorrendo qualquer das hipóteses do art. 144, o juiz será impedido, mas a causa deverá permanecer no mesmo órgão jurisdicional (juízo), sendo julgada por outro juiz. Isso porque o vício de parcialidade diz com a pessoa do juiz, não com o órgão jurisdicional. Na hipótese de incompetência absoluta, diferentemente, o vício não diz com a pessoa que integra o órgão, mas com o órgão jurisdicional em si mesmo considerado, sendo de rigor, nessa hipótese, a remessa dos autos ao órgão jurisdicional competente, de acordo com o § 1º do art. 64, caso em que serão nulos os atos decisórios. Atrelado à ideia de prevenção, encontra-se o princípio da perpetuatio jurisdictionis, expressado no art. 43 do CPC/2015, nos seguintes termos: “Determina-se a competência no momento do registro ou da distribuição da petição inicial, sendo irrelevantes as modificações do estado de fato e de direito ocorridas posteriormente, salvo quando suprimirem o órgão judiciário ou alterarem a competência absoluta”. Nelson Nery Jr. e Rosa Nery denominam esse fenômeno de “estabilização da competência”149, observando que se trata de regra com finalidade precípua de proteger as partes de sucessivas mudanças do local de tramitação do processo. As hipóteses de desmembramento de comarcas têm gerado controvérsia nos tribunais a respeito da necessidade do encaminhamento ou não dos processos já em curso à nova comarca, quando o réu seja domiciliado nessa nova Comarca. 2. Incompetência absoluta A incompetência pode ser absoluta ou relativa. A incompetência absoluta, diz o art. 64, § 1º, pode ser alegada em qualquer tempo e grau de jurisdição, devendo, inclusive, ser pronunciada de ofício, sem provocação da parte. Rende, inclusive, ensejo à ação rescisória do julgado, nos termos do inciso II do art. 966, independentemente de ter sido articulada na ação original150. A incompetência absoluta deve ser alegada em preliminar de contestação, reza o art. 337, II. Aliás, esta é mais uma razão pela qual deve ser reconhecida de ofício, tendo-se em vista o que preceitua o § 5º do mesmo art. 337. Em respeito às garantias da ampla defesa e do contraditório (arts. 9º e 10), as partes devem ser ouvidas antes que o juiz reconheça a incompetência absoluta de ofício. Da mesma forma, segundo o § 2º do art. 64, o autor deve ser intimado a se manifestar sobre a alegação formulada pelo réu, antes que o juiz decida a questão. Reconhecida a incompetência absoluta, serão os autos remetidos ao órgão jurisdicional competente, ficando conservados os efeitos da decisão proferida pelo juízo incompetente até que outra venha a ser proferida, se for o caso, pelo juízo competente – salvo decisão judicial em sentido contrário (art. 64, §§ 3º e 4º, CPC/2015). Trata-se, a rigor, de previsão que alterou o regramento anteriormente dado pelo CPC/73, que previa a nulidade dos atos decisórios (art. 133, § 2º), já que, atualmente, conservam-se os efeitos da decisão proferida pelo juízo absolutamente incompetente, que ficará, evidentemente, à cargo do juízo competente referendar ou alterar o quanto decidido anteriormente. Será absoluta a competência fundada no interesse público, fixada em razão da matéria, da pessoa e a funcional. Trata-se de pressuposto processual de validade do processo. Perante o juízo incompetente, forma-se a relação processual, porém de forma inválida, dando margem, como dito, até mesmo, à ação rescisória (art. 966, II). O ajuizamento da ação rescisória, porém, não impede a execução da sentença prolatada pelo juízo incompetente (art. 969), em razão da formação da coisa julgada, a menos que na ação rescisória seja concedida tutela provisória para esse fim (impedir o cumprimento da sentença). Não proposta a ação rescisória no prazo de dois anos a que alude o art. 795, a sentença, mesmo proferida por juiz vinculado a órgão jurisdicional absolutamente incompetente, terá, para todo e qualquer efeito, validade e eficácia, desaparecido de vez o vício que a maculava. 3. Incompetência relativa A incompetência relativa, a seu turno, deve ser levantada necessariamente em preliminar contestação, sob pena de prorrogação da competência (art. 65). Vale dizer, não pode ser declarada de ofício, conforme o texto do § 5º do art. 337 do CPC/2015. Assim, à falta de alegação da incompetência relativa por ocasião da apresentação da contestação, haverá prorrogação da competência, de modo que o órgão inicialmente incompetente (relativamente) tornar-se-á competente para conhecer da causa. Contudo, para que o fenômeno da prorrogação se opere, deve-se estar diante de incompetência em razão do valor ou do território. Diferentemente do que sucede com a incompetência absoluta, a relativa, se não arguida, se prorroga, de tal sorte que não pode ser considerada pressuposto processual. 4. Foro e juízo É importante distinguir essas duas ideias. Foro é ideia ligada a território, diz respeito ao território dentro do qual se exerce a jurisdição. Por isso é que se diz que a competência territorial é competência de foro. O juízo, já se teve oportunidade de mencionar, é, em primeiro grau, formado pelo juiz e por seus auxiliares. É, como diz Arruda Alvim: “um órgão que se coloca dentro do foro competente, sendo uma das células jurisdicionais operativas e competentes, dentro do foro”151. Escolhe-se dentro do foro qual o juízo competente. Daí por que a competência em razão da matériae em razão do valor é competência de juízo. 5. Competência quando forem partes União, Estados e Municípios Se a União, entidade autárquica federal ou empresa pública federal forem autoras, rés, assistentes ou opoentes, ademais, a ação haverá de tramitar, como regra, perante a Justiça Federal (CF, art. 109, I), salvo as exceções previstas no próprio texto constitucional. O STJ já decidiu que, tratando-se de ação relacionada a desapropriação efetuada por empresa pública estadual, a competência para conhecê-la e julgá-la é da Justiça comum do Estado, se a União Federal “não subscreveu a petição inicial com a expropriante (concessionária de energia elétrica) e se recusa, formalmente, a intervir no feito como assistente”152. Tratando-se de sociedade de economia mista, a competência para processar e julgar as causas em que for parte é da Justiça Estadual. A esse respeito, confiram-se o entendimento plasmado nas seguintes Súmulas do STJ e STF: Súmula 508 do STF: “Compete à Justiça Estadual, em ambas as instâncias, processar e julgar as causas em que for parte o Banco do Brasil S/A”; Súmula 517 do STF: “As sociedades de economia mista só têm foro na Justiça Federal, quando a União intervém como assistente ou opoente”; Súmula 42 do STJ: “Compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar as causas cíveis em que é parte sociedade de economia mista e os crimes praticados em seu detrimento”. A União tem foro próprio, nos termos do art. 109, § 2º, da CF/88 e art. 45 do CPC/2015. Nesse preceito, são estabelecidos foros concorrentes, de modo que, nas hipóteses em que a União for ré, a ação poderá ser ajuizada em qualquer deles (art. 51, parágrafo único, CPC/2015). Já nas hipóteses em que a União for autora, é competente o foro de domicílio do réu, conforme disciplinado no art. 51, caput, do CPC/2015, em consonância com o § 1º do art. 109. Frise-se, todavia, que tais regras não podem ser afastadas por vontade das partes (competência absoluta). Os Estados e Municípios, por sua vez, possuem apenas juízos próprios (em São Paulo, as Varas da Fazenda Pública). Isso quer dizer que, sendo demandados em comarca a respeito de imóvel ali situado (art. 95), onde não exista vara da Fazenda Pública, a causa será processada perante vara cível, sem que se possa falar em incompetência153. Se houver intervenção da União, suas empresas públicas, entidades autárquicas e fundações ou conselho de fiscalização de atividade profissional, na qualidade de parte ou terceiro interveniente, a causa deve ser deslocada para a Justiça Federal, conforme art. 45 do CPC/2015. Os autos não serão remetidos quando se tratar de ações de recuperação judicial, falência, insolvência civil, acidente do trabalho, bem como aquelas sujeitas à justiça eleitoral e à justiça do trabalho154. No caso de ação em que exista cumulação de pedidos e apenas um deles for de interesse da União, suas entidades autárquicas ou de suas empresas públicas, os autos também não serão remetidos ao juízo federal competente. Neste caso, o juiz não apreciará o mérito do pedido cuja competência é da Justiça Federal, cabendo à parte propor a ação de interesse da União perante o juízo competente. De outro lado, se a intervenção se der após o julgamento da causa em primeiro grau pela Justiça Estadual, a competência para o julgamento do recurso se transfere para o Tribunal Regional Federal da Região respectiva155. A propósito, de ser registrado o entendimento estampado na Súmula 150 do STJ: “Compete à Justiça Federal decidir sobre a existência de interesse jurídico que justifique a presença, no processo, da União, suas autarquias ou empresas públicas”156. Vale dizer, externando a União interesse no litígio, compete à Justiça Federal decidir se é de ser admitida ou não referida intervenção157. Questão de grande relevância se foca na intervenção das pessoas jurídicas de direito público, nos termos estabelecidos no art. 5º, parágrafo único, da Lei n. 9.469/97. Dispõe mencionado artigo: “Art. 5º A União poderá intervir nas causas em que figurarem, como autoras ou rés, autarquias, fundações públicas, sociedades de economia mista e empresas públicas federais. Parágrafo único. As pessoas jurídicas de direito público poderão, nas causas cuja decisão possa ter reflexos, ainda que indiretos, de natureza econômica, intervir, independentemente da demonstração de interesse jurídico, para esclarecer questões de fato e de direito, podendo juntar documentos e memoriais reputados úteis ao exame da matéria e, se for o caso, recorrer, hipótese em que, para fins de deslocamento de competência, serão consideradas partes”. O parágrafo único do art. 5º da referida lei franqueia às pessoas jurídicas de direito público a possibilidade de intervirem em qualquer processo judicial, desde que a decisão possa ter reflexos, ainda que indiretos, de natureza econômica, independentemente da demonstração de interesse jurídico. Segundo dispõe a letra do parágrafo único do art. 5º, o deslocamento da competência está ligado ao ato de recorrer158-159. 6. “Competência” internacional e competência interna O art. 23 estabelece casos de competência exclusiva da autoridade judiciária brasileira. É compreensível que assim seja, diante das hipóteses ali contempladas, quais sejam: I – ações relativas a bens imóveis situados no Brasil; II – inventário de bens situados no Brasil; III – partilha de bens situados no Brasil, no caso de separação judicial ou dissolução de união estável. Com efeito, seria atentatório à soberania brasileira que autoridade judiciária estrangeira pudesse decidir acerca do destino de bens imóveis situados no Brasil. A competência é, pois, exclusiva. Com efeito, se o disposto neste artigo diz respeito à soberania do País, trata-se de regra que define a exclusividade da jurisdição brasileira, e não propriamente de uma regra de competência160. Diferentemente sucede nas hipóteses do art. 21. Aqui, a competência da autoridade judiciária brasileira é concorrente com a estrangeira. Os processos poderão correr simultaneamente, sem que possa ser levantada como óbice a dualidade de litispendências (art. 24), salvo as disposições em contrário contidas em tratados internacionais e acordos bilaterais em vigor no Brasil. Quer isto significar que, nos casos do art. 21, é possível a coexistência simultânea de duas ações entre as mesmas partes e com o mesmo objeto. Como deixa claro o art. 24, em tal hipótese não se poderá pretender a extinção da ação que tramita no juízo nacional sob o fundamento de que haveria litispendência. Note-se que, rigorosamente, a litispendência existe, todavia não há sobre esta o efeito obstativo do ajuizamento de outra demanda com as mesmas partes e mesmo objeto em jurisdição estrangeira. Nessa hipótese, valerá a sentença sobre cujo comando dispositivo primeiro recair a coisa julgada, valendo lembrar que a sentença estrangeira somente terá eficácia no Brasil depois de homologada pelo Superior Tribunal de Justiça. Da mesma forma, as decisões interlocutórias proferidas por outros Estados, cujo cumprimento é objeto de carta rogatória, só serão eficazes no Brasil após a expedição do exequatur, pelo Superior Tribunal de Justiça, salvo disposição em sentido contrário de lei ou tratado (art. 961, CPC/2015). Nesse caso, admite-se que corram dois processos em paralelo (aqui e no estrangeiro), sem que se possa objetar com a dualidade de litispendências. Tal possibilidade cessa se a decisão estrangeira transitar em julgado e quando vier a ser homologada, quando for o caso, após prévio juízo de delibação, pelo STJ. Vale dizer, homologada a sentença estrangeira, haverá óbice superveniente à tramitação da ação perante o juízo brasileiro. Nesse caso, há pressuposto processual negativo (coisa julgada), que deverá conduzir à extinção da segunda ação, com espeque no art. 485, V161. Esse é o sentido da regra estampada no parágrafo único art. 24 do CPC/2015. Segundo Arruda Alvim, “em sendo comum o objeto ou a causa de pedir, de causa pendente no estrangeiro, ou de uma causa proponível na justiçanacional, poderá esta ser proposta aqui; e a circunstância de causa conexa, já pendente na jurisdição estrangeira, será absolutamente irrelevante, para impedir a pendência da causa entre nós”162. 6.1 Imunidade de jurisdição dos Estados estrangeiros Não mais se admite como absoluta a regra referente à imunidade de Estado estrangeiro, tendo em vista que as Convenções de Viena se referem à imunidade das pessoas e não dos Estados estrangeiros, sendo certo que as primeiras continuam tuteladas pelas regras diplomáticas. Oportunos os esclarecimentos feitos por Athos Gusmão Carneiro: “Já quanto ao Estado estrangeiro, a Convenção europeia de Basileia, de 1972, sobre as imunidades dos Estados, e leis dos Estados Unidos, do Reino Unidos e de outros países introduziram limitações à teoria da imunidade absoluta, passando a aceitar-se o controle jurisdicional sobre os atos de pura gestão praticados pelo Estado estrangeiro, mas não sobre os atos caracterizados como jure imperii (STF, AC 9696, Pleno, reclamação trabalhista contra a hoje extinta República Democrática Alemã, ac. de 31.05.1989, rel. Min. Sydney Sanches, com elucidativo voto do Min. Francisco Rezek)”163. A representação em juízo de Estados estrangeiros deve ser feita pelo embaixador e não pelo cônsul164. As cartas rogatórias constituem instrumento de cooperação entre os países que mantêm relações diplomáticas. A carta rogatória passiva (recebida pelo Brasil para que se lhe dê cumprimento) deve se submeter à homologação, perante o Superior Tribunal de Justiça, isto é, a decisão que se busca ver cumprida deverá passar pelo juízo de delibação do STJ ou do juízo competente para lhe dar cumprimento, caso, por exemplo, trate-se de carta rogatória originária de país integrante do Mercosul, pois o Brasil incorporou o Protocolo de Las Leñas, por meio do Decreto Legislativo n. 55/95, bem como pelo Decreto n. 2.067/96, que facilita o cumprimento de cartas rogatórias entre os países integrantes do bloco. 6.1.1 Homologação de decisão estrangeira A sentença estrangeira somente produz seus regulares efeitos no Brasil após a sua homologação, ou, tratando-se de decisão interlocutória, por meio do procedimento da carta rogatória (art. 961). Trata-se do juízo de delibação, proveniente do sistema italiano, por meio do qual o Estado exerce a sua soberania, em sendo a jurisdição uma das facetas de um Estado soberano165. Nesta toada, cabe à parte interessada se valer da ação de homologação de decisão estrangeira para que os efeitos da sentença proferida no exterior sejam verificados (art. 960). Da mesma forma, a execução de decisão interlocutória está adstrita ao procedimento da carta rogatória (art. 960, § 1º), que também se submete ao juízo de delibação, como regra166. O CPC/2015, distanciando-se do CPC/73, faz ressalva expressa à obrigatoriedade do “juízo de delibação”, permitindo produção automática dos efeitos de decisão estrangeira, quando houver dispositivo especial previsto em tratado nesse sentido (art. 960, § 1º). Vale ressaltar, ainda, que as decisões estrangeiras homologáveis são aquelas que, no Brasil, sejam enquadradas como sentenças, independentemente de serem classificadas como judiciais ou administrativas no seu país de origem (art. 961, § 1º). Assim, é possível homologar decisão proveniente do Contencioso Administrativo, vinculado ao órgão do Poder Executivo do país originário (existente, por exemplo, na França e na Itália)167. Por fim, o CPC/2015 é expresso em conferir aplicação subsidiária da disciplina da homologação de decisão estrangera à sentença arbitral proferida no exterior (art. 960, § 3º). A competência para homologar sentença estrangeira e conceder exequatur às cartas rogatórias foi inicialmente atribuída ao Supremo Tribunal Federal. Porém, com o advento da Emenda Constitucional n. 45/2004, houve o deslocamento da competência para o Superior Tribunal de Justiça, por meio da inclusão da alínea i no art. 105, I, da Constituição Federal. Não compete ao STJ, entretanto, a reapreciação do mérito da decisão estrangeira. O seu “juízo de delibação” restringe-se à análise de exigências extrínsecas à decisão, tais quais: ser proferida por autoridade competente (art. 963, I), ser precedida de citação regular, ainda que verificada a revelia (art. 963, II), ser eficaz no país em que foi proferida (art. 963, III), não ofender a coisa julgada brasileira (art. 963 IV), estar acompanhada de tradução oficial, salvo disposição que a dispense prevista em tratado (art. 963, V) e não conter manifesta ofensa à ordem pública (art. 963, VI). Com efeito, após o deslocamento da competência operada pela Emenda Constitucional n. 45, o procedimento de homologação passou a obedecer ao que dispõem os tratados em vigor no Brasil e ao Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, consoante art. 960, § 3º, do CPC/2015. Neste contexto, importante ressaltar a Emenda Regimental n. 18, publicada pelo STJ em 2014, que acrescentou o capítulo “Da Homologação de Decisão Estrangeira” (arts. 216-A a 216-X) ao seu Regimento Interno, regulamentado, no que lhe cabe, o procedimento de recepção de decisões estrangeiras168. Finalmente, uma vez homologada a sentença estrangeira ou concedido exequatur à carta rogatória, compete à Justiça Federal proceder com o cumprimento da decisão, nos termos do art. 515, incisos VIII e IX, do CPC/2015 e do art. 109, X, da Constituição Federal. 6.2 Cooperação internacional O CPC/2015 tratou da cooperação internacional, objetivando se adequar ao crescente processo de globalização, cujos reflexos são atestados na dinâmica movimentação de pessoas, bens e dinheiro entre Estados169. Em primeiro plano, atribuiu-se aos tratados internacionais a função de regular as relações em sede de cooperação internacional (art. 26, caput). Porém, a ausência de tratado vigente no Brasil não obsta que se proceda com a cooperação internacional, que poderá realizar-se com base na reciprocidade, manifestada por via diplomática (art. 26, § 1º). O CPC/2015 define duas modalidades de cooperação jurídica internacional: auxílio direto (arts. 28 a 34) e carta rogatória (arts. 35 a 36). O auxílio direto é cabível quando a medida não decorrer diretamente de decisão de autoridade jurisdicional estrangeira (art. 28). Tal modalidade se justifica, pois viabiliza maior fluidez nas relações internacionais, ao dispensar a exigência da prévia apreciação pelo STJ, restringindo as medidas sujeitas ao procedimento jurisdicional da homologação170. Os possíveis objetos do auxílio direto estão elencados no art. 30 do CPC/2015, conforme se segue: obtenção e prestação de informações sobre o ordenamento jurídico e sobre processos administrativos ou jurisdicionais findos ou em curso (inciso I), colheita de provas, salvo se a medida for adotada em processo, em curso no estrangeiro, de competência exclusiva de autoridade judiciária brasileira (inciso II), qualquer outra medida judicial ou extrajudicial não proibida pela lei brasileira (inciso III). O art. 29 estabelece, ainda, que a solicitação realizada por Estado estrangeiro deverá ser encaminhada à autoridade central brasileira, que é, em regra, o Ministério da Justiça, nos termos do art. 26, § 4º. Pois bem, verificada a necessidade de participação do Poder Judiciário na providência solicitada por país estrangeiro, a autoridade central encaminhará o pedido à Advocacia-Geral da União, para que proceda com o requerimento em juízo (art. 33). Nesta hipótese, compete ao juízo federal do lugar em que deva ser executada a medida, apreciar o pedido de auxílio direto passivo – ou seja, proveniente de país estrangeiro, consoante art. 34 do CPC/2015. Por outro lado, não verificada a necessidade de participação judicial, a autoridade central brasileira poderá adotar as providências necessárias junto às autoridades administrativas competentes, a fim de dar cumprimento à medida solicitada (art. 32). Conforme abordamos no item 6.1, a competência para realizar o “juízo de delibação” de carta rogatória foi atribuída ao SupremoTribunal de Justiça (art. 36), que poderá analisar, além da homologação de sentença estrangeira, a execução de decisão interlocutória e a decisão arbitral proferida no exterior (art. 960). 7. Competência exterior e competência interior A competência pode ser vista da perspectiva do órgão jurisdicional que se esteja considerando em relação ao “contexto ou conjunto de funções que ele tem dentro do Poder Judiciário”171. Trata-se aqui da competência exterior. Porém, principalmente quando se cuida de órgãos colegiados, tem enorme importância a competência interior. Por exemplo, sabemos que determinada causa será apreciada pelo Tribunal de Justiça (competência exterior), porém cumpre fixar qual de seus órgãos fracionários (Câmara, Plenário, v.g.) irá apreciá-la (competência interior). Assumem grande relevância, no que diz com os critérios de competência interna, os regimentos internos dos tribunais. 8. Competência em razão da matéria – absoluta A competência, como dito, pode ser fixada em razão da matéria a ser discutida no processo. O Código de Processo Civil prevê a possibilidade de serem fixados critérios de competência em razão da matéria, da pessoa, do valor da causa, em razão do território ou do foro, bem como pode ser funcional. Tal fixação, pois, decorrerá de outros diplomas, observadas, evidentemente, as regras de competência previstas na Constituição Federal, como corretamente faz referência o art. 44 do CPC. Normalmente, cabe às leis de organização judiciária locais regular a competência em razão da matéria. Quanto maior o movimento, isto é, a quantidade de processos, maior a especialização, que deverá ser disciplinada pelas leis de organização judiciária locais. Por isso, na Capital de São Paulo, v.g., há as Varas da Família e Sucessões, Varas da Fazenda Pública, Varas de Registros Públicos, Varas Empresariais, Varas de Falência, Recuperação de Empresas e causas envolvendo Arbitragem etc., divisão de competência feita pelas leis locais, à luz dos critérios estabelecidos pelo Código de Processo Civil para a divisão da competência em razão da matéria. Identificada a competência territorial para determinada ação, é preciso analisar a matéria objeto da ação e, assim, identificar o juízo competente. Assim, a Súmula 206 do STJ: “A existência de vara privativa, instituída por lei estadual não altera a competência territorial resultante das leis de processo”. Conforme dissemos acima, será preciso analisar se a ação deve ser proposta perante a Vara de Família e Sucessões, da Fazenda Pública, dos Registros Públicos etc. Trata-se de análise que leva em conta regras de competência absoluta, pois envolve critérios materiais172. Havendo mais de um juízo abstratamente competente para conhecer da causa, será esta distribuída de acordo com critérios alternativos, respeitando- se a igualdade (arts. 251 e 252). A prevenção é que fixará a competência para determinado juízo, dentre os vários que, em tese, seriam competentes para apreciar a matéria. Deve ser analisada, ainda, a competência e a divisão interna dos órgãos colegiados, para se identificar se o pedido, por exemplo, deve ser dirigido à Turma (ou à Câmara), ao Pleno, se se tratar de ação de competência originária dos tribunais. 9. Competência funcional – absoluta Este critério leva em conta a função do órgão jurisdicional. A respeito da competência funcional, temos que a distribuição pode ser vertical. É o que acontece quando se fala na competência dos tribunais para apreciar recursos. O juízo de primeiro grau tem competência originária para a causa, o tribunal tem competência para apreciar os recursos interpostos contra as decisões de primeiro grau. A distribuição das competências funcionais pode ser também horizontal. É o que acontece, por exemplo, quando se expede carta precatória para interrogatório de uma testemunha residente em outra comarca. Tem-se, como modalidade desse critério, o caso da competência funcional hierárquica dos tribunais para julgarem os recursos. É, ainda, o caso dos juízos monocráticos para julgarem as ações em primeira mão, sendo de se observar que apenas excepcionalmente as causas são ajuizadas, originariamente, perante os tribunais, como, por exemplo, nos casos previstos no art. 102, I, a a r, da CF, em relação ao Supremo Tribunal Federal. Em regra, e este é o princípio informador, a competência é do primeiro grau, salvo se, por texto expresso, deixar de sê-lo. A competência dos tribunais é fixada pelas leis de organização judiciária, mas antes disso pela própria Constituição Federal (art. 96). É o que se observa no art. 102 e s. da CF/88. Como visto, é, exemplificativamente, da competência (originária) do Supremo Tribunal Federal o julgamento de ação direta de inconstitucionalidade de lei federal (art. 102, I, a). 10. Competência em razão do valor – relativa A competência é também fixada em razão do valor. O art. 63 do CPC dispõe poderem as partes “modificar a competência em razão do valor e do território, elegendo foro onde será proposta ação oriunda de direitos e obrigações”, o que nos conduz a afirmar que a competência em razão do valor é relativa, na medida em que aludido dispositivo legal permite a modificação, pelas partes, da competência. Já à época do CPC/73, cujo art. 111 guarda substancial correspondência com o atual art. 63, Celso Agrícola Barbi sustentava: “a segunda parte do art. 111 confirma a regra do art. 102, segundo a qual a competência em razão do território, ou do valor, é relativa, derrogável”173. Assim, “se, num contrato entre A e B, ambos domiciliados na comarca da Capital de São Paulo, ajusta-se como foro de eleição o da comarca de Santos, no mesmo Estado de São Paulo, tal pacto é válido porque, em si mesmo, não redefine, com agressão a norma legal alguma, a competência de nenhuma das comarcas. Isto quer dizer que quando no art. 111 se diz modificação da competência, significa-se que, ao lado do foro já competente – in casu, o(s) foro(s) domiciliar(es) –, erige-se mais um foro competente, isto é, concorrentemente competente com o domiciliar”174. Esse o motivo pelo qual a competência em razão do valor é relativa. Outro exemplo de competência relativa, quando esta for fixada em razão do valor da causa, dá-nos Humberto Theodoro Júnior, ao afirmar: “Uma hipótese de influência do valor da causa sobre a competência recursal ocorre com os executivos fiscais de pequeno valor, já que a impugnação da sentença não será endereçada ao tribunal de segundo grau, mas ao próprio juiz prolato da decisão (Lei n. 6.830, de 22.09.1980, art. 34, § 3º)”175. Nas hipóteses acima ventiladas, a competência em razão do valor é relativa (regra geral), de modo que, uma vez violada, se não alegado o vício a tempo e no modo devidos, ocorre prorrogação da competência. Questão de suma importância diz respeito à competência em razão do valor da causa dos foros regionais, notadamente na comarca de São Paulo. Em referida Comarca, determinadas causas, cujo valor ultrapasse um teto fixado em lei, não podem ser ajuizadas nos foros regionais, mas somente no foro central. O Código de Processo Civil traz a possibilidade de serem fixados critérios de competência em razão do valor da causa, mas a regulamentação de ditos critérios se faz por meio das leis de organização judiciária locais, respeitados os critérios estabelecidos no Código de Processo Civil. Embora a matéria deva ser tratada com mais detença, vale ressaltar, desde já, que a toda causa, independentemente de ter ou não conteúdo econômico imediatamente dimensionável, deve ser atribuído um valor (art. 291), sendo que, para determinadas hipóteses (art. 292, incisos I a VIII e §§ 1º e 2º), a lei predetermina o valor a ser dado à causa. Ressalta Patrícia Miranda Pizzol que “a exigência da indicação do valor da causa se deve ao fato de ele ser importante: para a identificação do procedimento; para a fixação do valor das custas iniciais; para a verificação da admissibilidade de alguns recursos; para a condenação dos honorários”176. Registre-se que oentendimento preponderante, do qual compartilhamos, é o de que a competência dos foros regionais, no caso da Comarca de São Paulo (art. 54, I, da Res. n. 2/76 do TJSP), conquanto fixada em razão do valor (até 500 vezes o valor do salário mínimo vigente), é absoluta, e não relativa. Ensina, a propósito, Arruda Alvim que “a competência dos foros regionais, no que diz respeito à matéria (curialmente) e ao valor (igualmente), é absoluta, no sentido de não admitir a preferência pelo foro central, em detrimento de um dado foro regional”177. O fundamento para tal assertiva encontra-se delineado na própria lei de organização judiciária, que veda a competência cumulativa entre o foro central e os regionais (art. 53, II, da Res. n. 2/76 e art. 4º da Lei n. 3.947/83). Assim, na comarca de São Paulo, não há opção para as partes em ajuizar eventual ação em um foro regional ou um foro central, pois “suposta eleição é atentatória das regras de competência, pois que, sendo descoincidente a competência do foro central da dos foros regionais, tal eleição é contra legem e vai contra o disposto no art. 54 da Res. 2/76 e art. 4º da Lei n. 3.947/83”178. Desta forma, resta-nos concluir que a competência em razão do valor, para o Código de Processo Civil, é relativa, na medida em que as partes podem modificar a competência. De outro lado, quando se tratar de fixação de competência em razão do valor da causa dos foros regionais na comarca de São Paulo, a competência é absoluta. Patrícia Pizzol, na vigência do CPC/73, entendia que a competência dos foros regionais na Comarca de São Paulo é “absoluta, muito embora, em princípio, à luz do art. 102 do CPC, seja a competência fixada em razão do valor da causa prorrogável. Isso porque o critério de que se valeu o legislador para a criação dos foros regionais e para a fixação da competência foi o do interesse público, e não o da comodidade das partes”179. Vemos, assim, que o caso dos foros regionais na comarca de São Paulo é sui generis, haja vista que, conquanto o critério “valor” interfira diretamente na fixação da competência do foro regional, trata-se de caso de competência absoluta, sendo vedado ao interessado optar pelo foro central em detrimento do foro regional. Nesta toada, segundo comentário de Arruda Alvim, de pertinência contemporânea: “apesar dos aparentes entraves exegéticos que se colocam diante do aplicador da lei (isto é, o Código de Processo Civil, que no art. 111 define a competência territorial e por valor como relativas), não se pode admitir, como regra corrente, na dinâmica da vida judiciária, a eleição do foro central, por exemplo e por hipótese, em detrimento de um dado foro regional, para causas cujos valores seriam e são da exclusiva competência do foro regional; inversamente, nem pelo fato da competência por valor ser relativa pelo Código de Processo Civil (art. 111) poder-se-ia admitir, no caso vertente, que se viesse atribuir, a um dado foro regional, uma competência por valor superior à legal (art. 54 da Res. 2/76 do TJSP). Se isto ocorresse e fosse tido por legítimo, por certo, implicaria demonstrar o sistema de divisão interna da comarca da Capital, com infração à lei, o que seria tanto mais prejudicial se isto viesse a ser admitido como regra geral”180. 10.1 Competência dos Juizados Especiais A revogada Lei n. 7.244/84 criou os Juizados Especiais de Pequenas Causas, mas o seu âmbito de atuação era muito restrito. A Constituição Federal de 1988 veio dispor sobre a criação de juizados especiais, pela União e pelos Estados-membros, nos limites da sua jurisdição (art. 98, I), com competência para a conciliação, julgamento e execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo. A Lei n. 9.099/95, ao instituir os Juizados Especiais Estaduais Cíveis e Criminais, determinou que o Juizado Especial Cível tem competência para as causas cíveis de menor complexidade, assim consideradas: “I – as causas cujo valor não exceda a 40 (quarenta) vezes o salário mínimo; II – as enumeradas no art. 275, inciso II, do Código de Processo Civil; III – a ação de despejo para uso próprio; IV – as ações possessórias sobre bens imóveis de valor não excedente ao fixado no inciso I deste artigo (art. 3º, incisos I a IV)”. Frisa-se que a Lei n. 9.099/95 foi promulgada durante a vigência do CPC/73, estando o referido art. 275, inciso II, relacionado às causas que se sujeitavam ao procedimento sumário. Porém, com o advento do CPC/2015, a divisão do procedimento comum em ordinário e sumário – cognição ampla e exauriente – foi superada. Atualmente, o procedimento comum se aplica a todas as tutelas de caráter cognitivo, salvo aquelas sujeitas aos procedimentos especiais. Por conseguinte, o art. 1.049, parágrafo único, do CPC determina que, nas hipóteses em que a lei mencionar o procedimento sumário – remetendo-se à sistemática do CPC/73 –, deverá ser observado o procedimento comum, respeitadas as especificidades próprias da lei especial. Assim, as causas elencadas no art. 275, inciso II, do CPC/73 atualmente submetem-se ao procedimento comum, devendo prevalecer tal interpretação para fins de definição da competência do Juizado Especial Cível. Ainda, a lei excluiu da competência dos juizados especiais “as causas de natureza alimentar, falimentar, fiscal e de interesse da Fazenda Pública, e também as relativas a acidentes de trabalho, a resíduos e ao estado e capacidade das pessoas, ainda que de cunho patrimonial” (art. 3º, § 2º, Lei n. 9.099/95). Oportuno mencionar, contudo, que a recente Lei n. 12.153/2009 passou a instituir os Juizados Especiais da Fazenda Pública no âmbito dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios. Aludidos Juizados são competentes para processar, conciliar e julgar causas cíveis de interesse dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, até o valor de 60 salários mínimos, nos termos do caput do art. 2º da Lei n. 12.153/2009. A competência fixada pela Lei n. 9.099/95 não é absoluta, mas relativa181. Dessa forma, ainda que a causa possa ser intentada perante o Juizado, a parte poderá propor a ação no juízo cível comum (o § 3º do art. 3º da Lei n. 9.099/95 diz se tratar de “opção” do autor). Oportunas, nesse contexto, as considerações feitas por Nelson Nery Jr. e Rosa Nery: “Muito embora a LJE não repita, de forma expressa, a regra da revogada LPC [Lei das Pequenas Causas] 1º, segundo a qual o autor podia optar pelo ajuizamento da causa nos juizados de pequenas causas, o sistema atual não foi modificado. O autor pode, no regime jurídico da vigente LJE, optar pelo ajuizamento da ação no regime do CPC ou pelo regime da LJE”182. De seu turno, a competência dos Juizados Especiais da Fazenda Pública, criados pela recente Lei n. 12.153/2009, é absoluta. Com efeito, dispõe o § 4º do art. 2º de referido diploma legal: “No foro onde estiver instalado Juizado Especial da Fazenda Pública, a sua competência é absoluta”. No âmbito da Justiça Federal, a Lei n. 10.259/2001 instituiu os Juizados Especiais Cíveis e Criminais. Ao Juizado Especial Federal Cível foi conferida competência para “processar, conciliar e julgar causas de competência da Justiça Federal até o valor de 60 (sessenta) salários mínimos, bem como executar as suas sentenças” (art. 3º, caput, da Lei n. 10.259/2001), expressamente excluídas: a) as causas a que se refere o art. 109, II, III e XI, da CF, as ações de mandado de segurança, de desapropriação, de divisão e demarcação, populares, execuções fiscais e por improbidade administrativa, bem como as ações que versem direitos ou interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos (art. 3º, § 1º, I); b) as ações que versem bens imóveis da União, autarquias e fundações públicas federais (art. 3º, § 1º, II); c) as ações para a anulação ou cancelamento de ato administrativo federal, não incluídos nesta exceção os atos de natureza previdenciária e de lançamento fiscal (art. 3º, § 1º, III); e, ainda, d) as ações que visem impugnar pena de demissão quehaja sido imposta a servidores públicos civis ou sanções disciplinares aplicadas a militares (art. 3º, § 1º, IV). O próprio legislador, a fim de dissipar eventuais incertezas acerca do âmbito de aplicação dessa lei, estabeleceu expressamente que, “no foro onde estiver instalada Vara do Juizado Especial, a sua competência é absoluta” (art. 3º, § 3º). 11. Competência territorial – relativa A competência pode ser fixada também em razão do território. As regras de competência territorial vêm disciplinadas no art. 46 e s. Trata-se, também, de hipótese de competência que, de regra, é relativa, assim como aquela fixada em razão do valor. 11.1 Hipóteses de competência territorial O art. 46 estabelece a regra geral a respeito da competência territorial. O réu, nas ações fundadas em direito pessoal ou real sobre bens móveis, deverá ser demandado no foro de seu domicílio. Este é o chamado foro geral principal. Tendo mais de um domicílio (art. 71 do CC/2002), poderá o réu ser demandado em qualquer deles (art. 46, § 1º). Os §§ 2º, 3º e 4º do art. 46 cuidam dos chamados foros gerais subsidiários. O § 2º dispõe que, sendo incerto ou desconhecido o domicílio do réu, poderá ser demandado onde for encontrado ou no foro do domicílio do autor; o § 3º dispõe que, não sendo o réu domiciliado no Brasil, nem tendo aqui residência, será a demanda proposta no foro do domicílio do autor e, se este também residir fora do Brasil, a ação será proposta em qualquer foro; e, por fim, o § 4º estabelece que, existindo dois ou mais réus, com diferentes domicílios, serão demandados no foro de qualquer deles, à escolha do autor. 11.2 Competência dos foros regionais Nos grandes centros urbanos, em que há grande e concentrado volume de processos em andamento, verifica-se a criação dos denominados “foros regionais”, na tentativa de desobstruir os foros centrais, a fim de conferir uma melhor distribuição da Justiça. Em São Paulo, predomina o entendimento de que a competência dos foros regionais é absoluta. Essa a opinião que encampamos, conforme já referimos anteriormente. Nesse sentido é a orientação do Tribunal de Justiça de São Paulo: “Quer seja a competência de foro regional fixada ratione materiae, quer seja fixada em razão do valor da causa, ela tem natureza absoluta e pode ser declinada de ofício”183. “Competência. Conflito. Foro regional. Competência para julgamento de ação de cobrança de aluguéis. Natureza funcional. Aplicação da Res. 01/71 do Tribunal de Justiça. Competência do foro regional em cujo território está o imóvel (art. 26, I, d). Regra que se aplica à ação de execução por título executivo extrajudicial onde se postula o recebimento de aluguéis. Conflito procedente”184. Arruda Alvim também sustenta, como se verificou, que a competência dos foros regionais, no que tange à matéria e ao valor, é absoluta185. A Súmula 21 do extinto 1º Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, contudo, dispõe que “na comarca de São Paulo é relativa a competência dos foros regionais”. Conforme dissemos, não é este o entendimento que prevalece nos tribunais. Nós entendemos, na linha da jurisprudência majoritária, que se trata de competência absoluta, não relativa. Nesse sentido, dispõe a letra da Súmula 3 do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul: “Na comarca da capital, a repartição dos feitos entre o Foro centralizado e os Foros regionais é motivada em razões de ordem pública, autorizados os juízes a, de ofício, declinar da competência entre os referidos foros, obedecidos os preceitos do COJE e dos arts. 94 a 111 do CPC”. Há que ser levado em conta, nesse caso, o interesse público que levou à divisão de competências entre os foros regionais e o foro central, como bem ressalta Patricia Miranda Pizzol, em lição vazada nos termos seguintes: “O critério que primeiramente informou as normas em questão foi o do interesse público (...) os foros regionais foram criados exatamente com a finalidade de permitir um acesso mais amplo e cômodo à Justiça pelos jurisdicionados, e permitir uma prestação jurisdicional mais efetiva, ou seja, o que levou o legislador estadual a criar os foros regionais e conferir-lhes competência para apreciar e julgar determinadas lides foi o interesse público na boa administração da justiça. Sendo assim, a hipótese não é de competência relativa, mas absoluta”186. Nesse norte é o entendimento de Nelson Nery Jr. e Rosa Nery187. Nessa mesma linha tem entendido o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul: “Conflito negativo de competência. Foro de eleição. Indicação de foro regional da Comarca de Porto Alegre. Impossibilidade. Administração judiciária. Questão de ordem pública. A cláusula de foro de eleição no contrato em litígio é inoperante, em razão de as partes não disporem da faculdade de optar por foro regional de determinado foro, com a exclusão do juízo de competência territorial fixada dentro da mesma comarca pelas regras de organização judiciária, no caso, o Foro Central de Porto Alegre. Foro regional não se confunde com comarca, constituindo-se tão-somente numa subdivisão desta, de modo que os órgãos jurisdicionais que o compõem integram, em última análise, uma mesma comarca, ou foro. Inviável a opção por foro regional em cláusula de foro de eleição. Competência de foro não se confunde com competência de juízo. Conflito procedente. Unânime”188. De acordo com Arruda Alvim, em lição que nos servimos de acompanhar, “quando o art. 111 [correspondente ao art. 63, do CPC/2015] alude à modificação da competência, o que aí se quer significar é que, ao lado dos foros já competentes, se pode estabelecer um outro, igualmente competente, com observância rigorosa das leis (Código de Processo Civil e lei de organização judiciária). Este pacto ou ajuste sobre a competência, como tal, portanto, é inviável para eleição do foro central, em detrimento do foro regional, e vice-versa, pois que envolve necessária afronta à lei de organização judiciária. (...) Mesmo no sistema do Código de Processo Civil, quando se diz que a competência em razão do valor ou do território poderá ser modificada pela conexão ou continência (art. 102) [correspondente ao art. 54, do CPC/2015], tal alteração exige: a) previsão normativa (v.g., a do art. 105 do CPC [de 1973, correspondente ao art. 57, do CPC/2015] e, ao nível da lei de organização judiciária, a do art. 54, I, da Res. 2/76 do TJSP; b) e não, ao reverso, toda e qualquer manifestação de vontade, ou qualquer outro fato a que a lei empreste alguma relevância”189. Há que se destacar, assim, que a criação dos foros regionais envolve uma conotação social muito importante, que não deve ser desconsiderada, qual seja aproximar os órgãos jurisdicionais da população, facilitando-lhes o acesso à Justiça. Além disso, contribui para desobstruir a pauta do foro central, tornando a prestação jurisdicional mais célere. 12. Foros especiais e análise do art. 53 Vejamos a seguir os casos de foros especiais (arts. 47, 48, 49, 50, 51 e 53). O art. 94 e seus parágrafos encontram aplicação sempre que não for caso de aplicar quaisquer das regras concernentes a tais foros especiais. Nas ações relativas a direitos reais sobre imóveis, será competente o foro da situação da coisa (art. 47, caput), podendo o autor optar pelo foro do domicílio do réu ou de convenção das partes, desde que o litígio não recaia sobre direito de propriedade, vizinhança, servidão, posse, divisão e demarcação de terras e nunciação de obra nova (art. 47, § 1º)190. A razão de ser dessa regra é evidente. A proximidade do juiz da causa com o bem imóvel em litígio permite que se realizem com maior celeridade e eficácia as diligências que se fizerem necessárias. As hipóteses contempladas no § 1º deste dispositivo encerram hipótese de competência funcional e, pois, absoluta, a respeito das quais não se admite convenção entre as partes. Tratando-se de ação de rescisão contratual cumulada com reintegração de posse de bem imóvel, discute-se, em sede jurisprudencial, se seria caso de competência absoluta – hipótese em que a açãodeve ser proposta no local do bem que se pretende reintegrar191 – ou, diferentemente, sendo de natureza de direito pessoal a rescisão pretendida, e a reintegração um mero efeito dessa ação192, se seria válida a eleição de foro eventualmente pactuada. Filiamo-nos à primeira corrente, porque entendemos que, se está em pauta reintegração de posse, a competência do foro da situação da coisa não pode ser afastada. O art. 46 dispõe que o foro do domicílio do autor da herança, no Brasil, é o competente não apenas para o inventário, mas também para as ações concernentes à partilha, arrecadação, cumprimento de disposições de última vontade, impugnação ou anulação de partilha extrajudicial, bem como todas demandes em que o espólio figurar como réu., Ademais, em sendo incerto o domicílio do autor da herança, será competente o foro de situação dos bens imóveis, (parágrafo único, I), ou, caso haja bens imóveis em foros diferentes, será competente qualquer destes (parágrafo único, II). Inexistindo bens imóveis, a competência passa a ser do foro do local de qualquer dos bens do espólio (parágrafo único, III). As ações contra o ausente (arts. 744 e 745 do CPC c/c arts. 22 a 39 do CC) correm no foro de seu último domicílio, que é também o competente para a arrecadação, o inventário, a partilha e o cumprimento de disposições testamentárias (art. 49). O art. 50 não contém propriamente uma exceção à regra do foro geral do art. 46, pois que dispõe que o incapaz será demandado no domicílio do seu representante ou assistente, que, todavia, por lei (art. 76, parágrafo único, do CC), também é o seu. Trata-se, pois, mais de uma explicitação da regra do art. 46. A esse respeito, quanto à competência para processar e julgar ações conexas de interesse do menor, a Súmula 383 do STJ: “A competência para processar e julgar as ações conexas de interesse de menor é, em princípio, do foro do domicílio do detentor de sua guarda”. A redação do art. 51 do CPC, no que diz respeito à competência nas ações em que a União for parte, encontra-se, por sua vez, em total harmonia com o art. 109, I e §§ 1º e 2º, da CF/88, a que já aludimos anteriormente, quando dissemos que a União tem foro privilegiado, diferentemente dos Estados e Municípios, que têm apenas juízo privativo193. De acordo com o dispositivo, estando a União no polo ativo, aplica-se a regra geral de competência do domicílio do réu (art. 51, caput). Por outro lado, sendo ela a demandada, a ação poderá ser proposta nos seguintes foros, a critério do demandante: foro de domicílio do autor, de ocorrência do ato ou fato originário da demanda, de situação da coisa ou no Distrito Federal (art. 51, parágrafo único). O art. 53, I, por sua vez, regula os possíveis foros competentes para a ação de divórcio, separação, anulação de casamento e reconhecimento ou dissolução de união estável. Referido dispositivo impõe a seguinte ordem de competência: domicílio do guardião de filho incapaz (art. 53, I, alínea a), último domicílio do casal, caso não haja filho incapaz (art. 53, I, alínea b), e o foro do domicílio do réu, não verificadas a ocorrência das hipóteses anteriores no caso concreto (art. 53, I, alínea c). Vale ressaltar, ainda, que o art. 53, I, veio substituir o art. 100, I, do CPC/73, que preconizava a regra protetiva da mulher na ação de separação, conversão em divórcio e anulação de casamento, dispondo ser competente o foro da residência da mulher194. À época do CPC/73, já se questionava a constitucionalidade do dispositivo, em face da consagração do princípio da igualdade estabelecido no art. 226, § 5º, da Constituição Federal, em sua índole não apenas formal, como também material. A jurisprudência não chegou a um consenso até então, mas o Superior Tribunal de Justiça se manifestou a respeito, entendendo que tal privilégio já não mais prevalece, porquanto conflita com o princípio da igualdade entre os cônjuges preconizado no art. 226, § 5º, da Constituição195. Dito isto, vê-se que o atual regramento encampou o entendimento assumido pelo Superior Tribunal de Justiça, ao afastar diferenciação de tratamento entre homens e mulheres no que toca à fixação de competência. O art. 53, II, estabelece que é competente para o julgamento das ações de alimentos o foro do domicílio ou residência do alimentando. Entendemos ser plenamente justificável a propositura da ação de alimentos no domicílio do autor/alimentando. Ainda que a ação seja de investigação de paternidade cumulada com ação de alimentos, a competência é a do foro do alimentando, conforme dispõe a Súmula 1 do STJ196. Além disso, o art. 53 dispõe ser competente o foro da sede da pessoa jurídica, quando esta for ré (inc. III, a), da agência ou sucursal197, quanto às obrigações que lhes digam respeito (inc. III, b), do local do exercício da atividade principal, para ações em que figure como ré uma sociedade ou associação sem personalidade jurídica (inc. III, c) e do local onde a obrigação deve ser satisfeita, para a ação que lhe exigir o cumprimento (inc. III, d). Ainda, segundo a Súmula 363 do STF, “a pessoa jurídica de direito privado pode ser demandada no domicílio da agência ou estabelecimento em que se praticou o ato”. Durante a vigência do CPC/73, o STJ conferiu uma interpretação mais ampla à alínea d do inc. IV do art. 100 (correspondente direto do art. 53, III, alínea d, do CPC/2015), aplicando esta regra também para os casos de indenização decorrente do não cumprimento do negócio jurídico contratual e, em geral, a todas as causas referentes aos direitos e obrigações decorrentes daquele pacto198. Finalmente, será competente o foro do local do ato ou fato, na ação de reparação de dano (inc. V, a) e na ação em que for réu o administrador ou gestor de negócios alheios (inc. V, b). Em se tratando de indenização por acidente de veículos ou delito, será competente o foro do domicílio do autor, ou do local do fato (art. 53, V). O STJ tem entendido que “o parágrafo único do art. 100 do CPC contempla uma faculdade do autor, supostamente vítima de ato delituoso ou de acidente causado por veículo para ajuizar a ação de reparação de dano no foro de seu domicílio ou no do local do fato, sem exclusão da regra geral prevista no caput do art. 94”199. O art. 100, parágrafo único, a que alude o trecho acima é do CPC/73 e corresponde ao vigente art. 53, V, do CPC/2015. É possível, portanto, ao autor optar entre o foro do local do ato ou fato (art. 100, V, a) e a regra geral, segundo a qual a ação deverá ser ajuizada no domicílio do réu (art. 94, caput), que, evidentemente, não terá por que se opor, pois a escolha do foro do seu domicílio só o beneficia200. Havendo previsão de regra especial e de foro diferenciado, tal como sucede nas hipóteses do art. 53, é possível abrir mão da regra especial e promover a ação pela regra geral (domicílio do réu)? Encontramos algumas decisões, que reputamos corretas, no sentido de que, nas hipóteses descritas no art. 53, poderá o autor propor a ação no foro do domicílio do réu, renunciando ao foro especial, abrindo mão do benefício processual que lhe é concedido201. A regra diferenciada para a propositura da ação de reparação de danos em caso de acidente de veículo não pode ser ampliada para favorecer a seguradora (sub-rogada nos direitos do credor), tratando-se de uma regra que favorece apenas a vítima direta do prejuízo202. 13. Modificação de competência As regras de competência podem ser modificadas por diversos fatores, dependendo do caso concreto. Vejamos. 13.1 Foro de eleição (vontade) Quando a competência é fixada ou estabelecida com base nos critérios valor e território, pode ser afastada por convenção das partes, diversamente do que ocorre com o caso de a competência ser determinada com fulcro nos critérios de matéria, pessoa ou função. O foro de eleição não exclui o foro geral do art. 46, não podendo ensejar, a escolha deste último, em detrimento do foro de eleição, o oferecimento de exceção de incompetência. Ou, por outras palavras, o fato de existir foro de eleição nãoimpede a propositura da ação no foro do domicílio do réu203. Há, todavia, julgados entendendo ser cabível o oferecimento de exceção de incompetência em tais casos, desde que o réu demonstre prejuízo causado pela não escolha do foro de eleição. A eleição de um foro é prática corrente nos contratos de adesão, o que, muitas vezes, coloca o consumidor em situação de desvantagem perante o fornecedor. Vislumbrando que o foro eleito acarreta, ou poderá acarretar, dificuldades para o exercício de defesa pelo consumidor, o STJ já vinha reconhecendo ser possível decretar a nulidade da cláusula de eleição204. Observe-se que, em casos tais, não se estava autorizando o reconhecimento de ofício de incompetência relativa, mas sim a decretação de ofício de nulidade da cláusula, que, por sua consequência, gera o reconhecimento da incompetência para julgamento do feito. Essa saudável tendência jurisprudencial restou reconhecida pelo legislador, que, ao editar a Lei n. 11.280/2006, introduziu um parágrafo único no art. 112, do teor seguinte: “A nulidade da cláusula de eleição de foro, em contrato de adesão, pode ser declarada de ofício pelo juiz, que declinará de competência para o juízo de domicílio do réu”. 13.2 Conexão As causas serão conexas quando lhes forem comuns o pedido ou a causa de pedir (art. 55, CPC). Constatada a conexão, o juiz deverá ordenar a reunião das causas para que sejam decididas simultaneamente, como medida de economia processual, salvo se uma delas já houver sido sentenciada, a teor do que estabelece o art. 55, § 1º, do CPC. Há certa margem de liberdade para que as causas sejam reunidas, conforme a potencialidade de contradição (lógica, não jurídica) dos julgados, sendo que, evidentemente, só há cogitar de reunião das causas conexas se o juízo prevento não for absolutamente incompetente para conhecer de causa conexa. Aliás, neste passo, é de ser mencionado que a Lei n. 11.280/2006 alterou o art. 253 do CPC/73, fazendo constar do inc. II que haverá distribuição por dependência quando o pedido for reiterado e tiver havido, precedentemente, naquele mesmo juízo, extinção do processo sem resolução do mérito. A referida regra foi integralmente encampada pelo CPC vigente, conforme redação do seu art. 286, II. Assim, deve haver distribuição por dependência ainda que o pedido seja reiterado em litisconsórcio com outros autores ou mesmo que sejam parcialmente alterados os réus da demanda. De outro lado, a mesma Lei n. 11.280/2006 introduziu um inciso III no art. 253 do CPC/73, no sentido de que deve haver distribuição por dependência de ações idênticas. Tal regra foi abandonada pelo CPC/2015, o qual preconiza mais uma hipótese de distribuição por dependência, porém quando verificado risco de prolação de decisões conflitantes ou contraditórias caso decididas separadamente (art. 286, III). Interessa notar que o CPC/2015 criou nova hipótese de reunião de processos, independentemente da existência de conexão, conforme se colhe do art. 55, § 3º, do CPC. Diz o aludido dispositivo que “serão reunidos para julgamento conjunto os processos que possam gerar risco de prolação de decisões conflitantes ou contraditórias caso decididos separadamente, mesmo sem conexão entre eles”. Em princípio, pode-se dizer que o dispositivo não encontra simples exegese, pois não são facilmente identificáveis as hipóteses em que há risco de prolação de decisões conflitantes, sem que haja conexão. Porém, é de se notar que o TJSP julgou situação bastante interessante, reveladora de hipótese fática em que foi aplicado o art. 55, § 3º, do CPC. Tratava-se de ação de desapropriação movida por autarquia estadual contra o particular. Ao lado disso, estava em curso ação reivindicatória movida por aqueles que se diziam proprietários do bem. Com efeito, a procedência do pedido de desapropriação, que tem como consequência o pagamento da justa indenização, poderia conflitar com eventual decisão de procedência da ação reivindicatória, por meio da qual se reconheceria que o bem pertence, em verdade, ao autor. À vista disso, o TJSP determinou a reunião dos processos para julgamento conjunto, na forma do mencionado art. 55, § 3º205. É preciso notar, todavia, que tal espécie de reunião só se faz possível, assim como na conexão, quando o juízo for absolutamente competente para conhecer de ambas as demandas. Assim, se no exemplo acima a demanda de desapropriação tramitasse perante vara especializada da Fazenda Pública, parece-nos que não seria possível a reunião dos processos, já que a ação reivindicatória não estaria abarcada na competência do juízo especializado. Nessa hipótese, caberia apenas, ao que nos parece, a suspensão do processo em que formulado o pedido de desapropriação, em razão da prejudicialidade externa (definição de quem é o proprietário do bem e, por consequência, a quem é devida a justa indenização). 13.3 Continência Tem-se a continência entre duas ou mais ações sempre que há identidade quanto às partes e à causa de pedir, mas o pedido de uma, por ser mais amplo, abrange o das demais (art. 56). A continência pode ser vista como uma forma qualificada de conexão. No entanto, além da identidade quanto às partes e à causa de pedir, para haver continência é necessário haver pedido mais amplo em uma das demandas, que abranja o pedido contido na outra demanda, menos amplo. Assim como na conexão, uma vez vislumbrada a continência entre duas ou mais ações ajuizadas em juízos diferentes, caso não seja proferida sentença sem resolução de mérito na ação contida, as causas deverão ser reunidas no juízo prevento, evitando-se, dessa forma, julgamentos contraditórios (art. 57). Nas ações civis públicas, de outro lado, há orientação do STJ na linha de que, “reconhecida a continência, devem ser reunidas na Justiça Federal as ações civis públicas propostas nesta e na Justiça estadual” (Súmula 489 do STJ). 13.4 Prorrogação de competência (inércia) Se a parte ajuizar ação perante juízo relativamente incompetente, caberá à outra parte alegar incompetência como questão preliminar de contestação, no prazo estabelecido em lei (art. 64). No entanto, caso não seja alegada a incompetência em preliminar de contestação, ela se prorroga em decorrência da inércia da parte (art. 65). Tem-se, portanto, com a prorrogação de competência, que aquele juízo originariamente incompetente para apreciar a causa tornar-se-á competente, haja vista a ocorrência da preclusão. No que se refere à incompetência absoluta, não há falar em prorrogação de competência, por se tratar de matéria de ordem pública (pressuposto processual de validade), que pode ser arguida em qualquer grau de jurisdição e a qualquer tempo (arts. 64, § 1º, e 485, § 3º). A incompetência absoluta, aliás, rende ensejo até mesmo à rescisão do julgado (art. 966, II). 14. Ações envolvendo pedido de indenização decorrente de acidente do trabalho Até dezembro de 2004, a Constituição Federal estabelecia ser da Justiça do Trabalho a conciliação e o julgamento dos “dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregados, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta dos Municípios, do Distrito Federal, dos Estados e da União, e, na forma da lei, outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, bem como os litígios que tenham origem no cumprimento de suas próprias sentenças, inclusive coletivas”. A Emenda Constitucional n. 45/2004 conferiu nova redação ao art. 114 da Constituição, ampliando a competência da Justiça do Trabalho, que, segundo o entendimento que tem prevalecido, passou a ser a competente para julgar as ações de indenização decorrentes de acidentes do trabalho, que, antes disso, eram processadas e julgadas pela Justiça comum. Aliás, a propósito, o STJ já havia editado a Súmula 15, no sentido de que “compete à Justiça Estadual processar e julgar os litígios decorrentes de acidentes do trabalho”. O STF, por sua vez, já havia editado a Súmula 235: “É competente para ação de acidente de trabalho a justiça cívelcomum, inclusive em segunda instância, ainda que seja parte autarquia seguradora” e a Súmula 501: “Compete à Justiça Ordinária Estadual o processo e o julgamento, em ambas as instâncias, das causas de acidente de trabalho, ainda que promovidas contra a União, suas autarquias, empresas públicas, ou sociedades de economia mista”. Contudo, após Emenda Constitucional n. 45, verifica-se que, pelo art. 114, VI, da CF, passou a Justiça do Trabalho a ser a competente para conhecer a julgar as causas relativas a indenizações decorrentes de acidente do trabalho206-207. Tem-se decidido, todavia, que, se já havia decisão de mérito quando do advento da EC 45/2004, a competência continua sendo da Justiça comum208. O STJ, aliás, chegou a editar a Súmula 367, com a seguinte redação: “A competência estabelecida pela EC 45/2004 não alcança os processos já sentenciados”. Mais recentemente, o STF veio a editar a Súmula Vinculante 22, vindo a consolidar referida orientação209. 15. Mandado de segurança (Lei n. 12.016/2009) As regras de competência para o mandado de segurança são definidas de acordo com a categoria, qualificação e hierarquia funcional da autoridade coatora210. Dessa forma, a perfeita identificação da autoridade coatora é fundamental para a fixação da competência para o processamento e julgamento do mandado de segurança. Sendo a competência definida em função da autoridade coatora, à evidência trata-se de competência funcional, e, por isso mesmo, de natureza absoluta, não podendo ser prorrogada, podendo, ademais, ser reconhecida de ofício pelo Judiciário eventual incompetência211-212. Na ausência de regras expressas, que podem estar encartadas não apenas da Constituição Federal, mas também nas Constituições dos Estados (veja-se, por exemplo, o art. 74, III, da Constituição do Estado de São Paulo), o mandado de segurança será impetrado em primeira instância na Justiça Federal, se a autoridade coatora for federal; e na Justiça Estadual, quando a autoridade coatora for estadual. O art. 2º da recente lei disciplinadora do mandado de segurança (Lei n. 12.016/2009) veio a estabelecer em seu art. 2º que a autoridade coatora será considerada federal se as consequências de ordem patrimonial do ato contra o qual se requer o mandado houverem de ser suportadas pela União ou entidade por ela controlada. Em determinadas hipóteses, havendo regra expressa, o mandado de segurança contra ato de determinadas autoridades será de competência dos Tribunais. Por exemplo, caberá ao STF julgar mandado de segurança contra ato do Presidente da República, das Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, do Tribunal de Contas da União, do Procurador-Geral da República e do próprio Supremo Tribunal Federal (art. 102, I, d, da CF). Já em outros casos, a competência originária é do STJ (art. 105, I, b, da CF). VI PRINCÍPIOS DO PROCESSO CIVIL 1. Introdução Um primeiro ponto que deve ser considerado por aquele que se propõe a estudar os princípios do processo civil atualmente é o de que os princípios dessa disciplina não se encontram mais encartados unicamente na Constituição Federal, tendo como fonte de emanação também o Código de Processo Civil. Durante a vigência do CPC/73, o núcleo do processo civil encontrava-se disciplinado precipuamente na Constituição Federal de 1988. Daí a importância, à época, de serem estudados os princípios do processo a partir do plano constitucional, na exata medida em que, como pondera Gordillo, citado por Geraldo Ataliba, os princípios eram “ao mesmo tempo norma e diretriz do sistema, informando-o visceralmente”213. Ou, como ensina Celso Antônio Bandeira de Mello, princípio “é a disposição expressa ou implícita, de natureza categorial em um sistema, pelo que conforma o sentido das normas implantadas em uma dada ordenação jurídico-positiva”214. Com o advento do CPC/2015, trouxe-se também ao plano infraconstitucional os princípios fundamentais do processo civil, o que certamente não significa o fim do regramento constitucional da matéria. Pelo contrário, observa-se que o legislador, atento ao regramento constitucional do processo civil, entendeu por bem regular de maneira mais pormenorizada a forma de cumprimento de tais princípios. O legislador de 2015, neste ponto, partiu do pressuposto da recodificação, ou seja, buscou superar a assistemática predominante no CPC/73, fruto das intensas reformas realizadas durante a sua vigência. Para tanto, intentou-se dar coerência e coesão ao texto legal, estruturando princípios ou normas fundamentais que devem servir de base à interpretação do direito processual como um todo215. Segundo Arruda Alvim, “A leitura do código, então, tem mais rigor lógico, iniciando-a das normas gerais para as específicas. Os primeiros artigos do CPC/2015 têm, sobre o restante do código, uma normatividade típica das regras e princípios constitucionais – aí reside sua natureza fundamental”216. Dessa forma, metodologicamente, parece que o mais adequado é traçar as linhas gerais do estudo dos princípios a partir das normas fundamentais estampadas no CPC/2015, sem prejuízo, é claro, do quanto estabelece o texto constitucional. Verificar-se-á, ainda, como e por que diversos dispositivos estampados em leis infraconstitucionais ora dão efetividade a determinados princípios, ora atritam com a grandeza de outros. Este estudo evidencia a profunda simbiose existente entre o direito processual civil e o direito constitucional, especialmente com o advento do CPC/2015. A título de exemplo, o princípio da igualdade se afigura como princípio constitucional, que se projeta de maneira especialmente importante para dentro do campo do processo, encontrando-se expressamente reconhecido nos arts. 7º e 139, I, do CPC, ao disporem que será assegurada às partes a paridade de tratamento. Neste passo, cabe-nos analisar os princípios constitucionais aplicáveis ao processo civil. 2. Leitura e interpretação do CPC à luz da Constituição Federal O art. 1º do CPC/2015 se contextualiza na moderna tendência da constitucionalização do direito processual, ao preceituar que “O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código”. É evidente que o mencionado art. 1º não teve o condão de, a partir dele, “constitucionalizar” o direito processual civil. Porém, é também fora de dúvida que o art. 1º tem o mérito de demonstrar o expresso reconhecimento do legislador de que o processo civil não tem apenas o seu próprio Código como fonte imediata, mas, pelo contrário, busca embasamento, acima de tudo, no texto constitucional. A despeito do caráter natural da posição hegemônica do Direito Constitucional, não há como negar a sua intensificação com o advento da CF/88 e, agora, com a vigência do CPC/2015. Conforme lição de Arruda Alvim217, o acentuado constitucionalismo tem repercussão direta na teoria geral do processo e, especificamente, no conceito de jurisdição. Vale pontuar, a esse respeito, a importância do CPC/73 no desenvolvimento científico do direito processual, bem como na sua independência epistemológica em relação ao direito material. Nesta toada, preocupação de estimada valia para o legislador do Código Buzaid era estabelecer um processo com precisão terminológica, dotado de uma sistemática cientificamente adequada. O CPC/2015, por sua vez, assumiu um aspecto ideológico forte: renegou a segundo plano os excessivos formalismos procedimentais, voltando-se para a efetividade da tutela jurisdicional em seu aspecto material. Dessa forma, ao reafirmar o papel dos preceitos constitucionais no bojo do processo civil, o CPC/2015 atribuiu papel mais amplo ao exercício da jurisdição. Atualmente, não basta que haja mera subsunção do caso concreto à lei abstrata, é necessária a observância dos requisitos de um processo justo, para que a tutela jurisdicional cumpra a sua real finalidade. A expressa hegemonia constitucional sobre as normasde processo civil fez surgir no exercício da atividade jurisdicional a observância não apenas do procedimento formalmente estabelecido, como também do valor de Justiça subjacente à aplicação da lei ao caso concreto. A esse respeito, leciona Humberto Theodoro Júnior: “(...) Deixa esse moderno processo tipificado pelo novo constitucionalismo, construído pelo Estado Democrático de Direito, de ser tratado como simples instrumento técnico de aplicação da lei para tornar-se um sistema constitucional de tutela dos direitos, sempre que lesados ou ameaçados (CF, art. 5º, XXXV)”218. Para tanto, a CF/88 estabeleceu os parâmetros das garantias fundamentais que devem permear o processo justo. O núcleo dos direitos fundamentais processuais está assentado, em síntese, nos ditames do acesso à justiça, devido processo legal, duração razoável do processo e no direito ao contraditório (arts. 5º, XXXV, LIV, LV e LXXVIII, da CF/88). Assim, seja pela via direta ou indireta, todos os princípios constitucionais de caráter processual acabam por validar o devido processo legal em seu aspecto material, princípio cardeal, especialmente do regime da CF/88. Diante do exposto, note-se que o art. 1º do CPC/2015, ao determinar uma interpretação das normas processuais à luz da Constituição, em realidade, estabelece as bases necessárias à prestação da tutela jurisdicional de forma mais justa e efetiva. 3. Princípio da inércia judicial O art. 2º do CPC/2015 ratifica tradição de longa data do processo civil, ao prever que “O processo começa por iniciativa da parte e se desenvolve por impulso oficial, salvo as exceções previstas em lei”. Referido dispositivo decorre, em verdade, de diversos princípios constitucionais. Pode-se ver na inércia da jurisdição, primeiro, o acesso à Justiça (art. 5º, XXXV, da CF). Ao lado disso, referida norma fundamental do processo decorre do princípio da liberdade (art. 5º, caput, da CF), que, sob a perspectiva do processo, atribui ao próprio jurisdicionado o ônus de decidir quais problemas, ou quais litígios seus serão submetidos ao terceiro imparcial, a quem caberá decidir a lide, isto é, o Estado-juiz. Além disso, como todas as normas de processo, o princípio da inércia judicial também decorre do devido processo legal, de que se tratará em seguida. Pois bem. A primeira parte do art. 2º se refere ao princípio dispositivo, segundo o qual é de iniciativa da parte dar início ao processo. Evidente se tratar de princípio umbilicalmente ligado à autonomia privada, pautando-se na liberdade do indivíduo em recorrer à tutela jurisdicional do Estado para reparar eventuais danos ou ameaça de danos juridicamente relevantes219. No plano processual, o princípio dispositivo se manifesta, por exemplo, no direito do autor em desistir da ação, uma vez já proposta e não citado o réu, ou com a anuência deste quando já introduzido na relação processual (art. 485, §§ 4º e 5º, do CPC) e no direito à renúncia à pretensão objeto da ação (art. 487, III, c, do CPC). Verifica-se, para o réu, quando há reconhecimento da procedência do pedido (art. 487, III, a) e quando há desistência de pretensão formulada em sede de reconvenção220. Por outro lado, o princípio dispositivo só é possível no plano processual se mantida a inércia da atividade jurisdicional. Assim, ao juiz não compete instaurar o processo sem adequada provocação das partes. Neste tocante, vale mencionar ressalva realizada na última parte do dispositivo (“salvo as exceções previstas em lei”). Aqui, o artigo se refere às hipóteses em que o juízo pode decidir sem haver pedido da parte interessada. É o caso, por exemplo, da possibilidade de o juiz instaurar o cumprimento de sentença que reconheça obrigação de fazer, não fazer ou dar coisa distinta de dinheiro (arts. 536 e 538 do CPC). Da mesma forma, o órgão julgador pode dar início a incidentes processuais, tais como o incidente de resolução de demandas repetitivas (art. 976 do CPC), o conflito de competência (art. 951 do CPC) e o incidente de arguição de inconstitucionalidade (art. 948 do CPC)221. A segunda parte do art. 2º do CPC/2015 (“se desenvolve por impulso oficial”) refere-se ao impulso oficial por meio do qual o processo de desenvolve. Diferentemente do princípio dispositivo, a presente regra reflete interesse de ordem pública, uma vez que a preocupação a respeito da adequada composição do litígio, com celeridade e efetividade integra o corpo de funções da atividade jurisdicional exercido pelo Estado. Cumpre ressaltar que, ao promover o impulso oficial do processo, cabe à julgador observar os preceitos de ordem constitucional – conforme já explorado no estudo do art. 2º do CPC/2015. Assim, cabe ao juiz objetivar não apenas cumprir regularmente o procedimento previsto pela lei processual, mas também aplicá-lo de forma a proporcionar um processo justo às partes, em respeito à efetividade da tutela jurisdicional e à duração razoável do processo (art. 5º, incisos XXXV e LXXVIII da CF/88)222. Por fim, verifica-se que o CPC/2015 criou situações em que o impulso oficial sofre certa interferência, como é o caso das convenções processuais, que autorizam as partes a promover adaptações do procedimento às especificidades da causa, alterando, pois, as regras de procedimento no caso concreto (art. 190 CPC). É preciso dizer que a convenção processual não afasta, em hipótese alguma, o impulso oficial. Porém, nele interfere em razão da criação de regras próprias para o procedimento, excetuando as regras previstas no Código e em outros diplomas legais. 4. Princípio da boa-fé processual O art. 5º do CPC/2015 dispõe o seguinte: “Aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé”. Cumpre ressaltar, a esse respeito, que a boa-fé está prevista no referido dispositivo como uma norma de conduta. Ou seja, trata-se da boa-fé em sua modalidade objetiva, cujo parâmetro pauta-se no comportamento das partes e de todos os participantes do processo. No plano concreto, deve ser verificada a coerência e eticidade do comportamento do agente. Conforme lição de Humberto Theodoro Júnior: “Consiste o princípio da boa-fé objetiva em exigir do agente que pratique o ato jurídico sempre pautado em valores acatados pelos costumes, identificados com a ideia de lealdade e lisura”223. Irrelevante, para tanto, investigar as intenções ocultas dos indivíduos, cuja implicância se manifesta apenas em sede de boa-fé subjetiva224. Para Fredie Didier Jr., o princípio da boa-fé processual encontra fundamento constitucional por configurar elemento decorrente do devido processo legal. Nestes termos, o princípio do devido processo legal, constitucionalmente resguardado, exige que o processo se paute na boa-fé de todos os seus participantes225. No âmbito do direito processual, é dada roupagem de cláusula geral à boa- fé, de forma a garantir maior flexibilidade na sua aplicabilidade. Assim, a indeterminação concreta da sua previsão visa justamente evitar que situações sejam deixadas de lado erroneamente. Nestes termos, em se tratando de cláusula geral, a violação da boa-fé processual pode assumir diferentes formas. A esse respeito, a doutrina alemã defende ser possível aplicação da boa-fé objetiva ao processo em quatro casos: proibição de criar dolosamente posições processuais (agir de má-fé); proibição na prática venire contra factum proprium (agir em desconformidade com o comportamento anterior), de abuso de direitos processuais e da supressio (suscitar no outra expectativa que não virá a se concretizar)226. Ainda, podemos vislumbrar hipóteses nas quais a violação da boa-fé objetiva acarreta litigância de má-fé, enquadrando-se em alguns dos incisos do art. 80 do CPC/2015. Porém, nem todo comportamento contrário à boa-fé implica litigância de má-fé. De onde podemos concluir que ambos os institutos podem estar correlacionados, porém não em todas as situações. Cumpre ressaltar, que o princípio da boa-fé objetiva também exerce uma função hermenêutica no bojo do processo. Os seus participantes, nesse2. Hipóteses de cabimento 3. O acórdão paradigma 4. Matérias suscetíveis de serem discutidas em embargos de divergência 5. Requisitos (extrínsecos) de admissibilidade 5.1 Prazo de interposição 5.2 Regularidade formal 5.3 Preparo 6. Efeitos 7. Processamento XLVI OS PODERES DO RELATOR 1. Considerações iniciais 2. Análise da evolução dos poderes do relator 3. As hipóteses dos incisos IV e V do art. 932 do CPC/2015 4. A questão da aplicação de multa 5. Dos outros deveres inerentes à atividade do relator XLVII AÇÃO RESCISÓRIA 1. Considerações iniciais 2. Ação rescisória e seu objeto 3. Análise das hipóteses de cabimento da ação rescisória (art. 966 do CPC/2015) 4. Art. 966, I, do CPC/2015: prevaricação, concussão ou corrupção do juiz 5. Art. 966, II, do CPC/2015: juiz impedido ou absolutamente incompetente 6. Art. 966, III, do CPC/2015: dolo ou coação da parte vencedora ou simulação ou colusão entre as partes para o fim de fraudar a lei 7. Art. 966, IV, do CPC/2015: ofensa à coisa julgada 8. Art. 966, V, do CPC/2015: violação manifesta a norma jurídica 9. Art. 966, VI, do CPC/2015: prova cuja falsidade tenha sido apurada em processo criminal ou seja provada na própria ação rescisória 10. Art. 966, VII, do CPC/2015: obtiver autor, após o trânsito em julgado, prova nova, cuja existência ignorava, ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável 11. Art. 966, VIII, do CPC/2015: fundada em erro de fato, verificável do exame dos autos 12. Art. 966, § 2º, do CPC/2015: decisões que embora não sejam de mérito impeçam a propositura de nova demanda ou a admissibilidade de recurso correspondente 13. Rescisão parcial 14. O prazo de dois anos 15. Legitimidade 16. Petição inicial 17. Procedimento XLVIII PROCEDIMENTOS ESPECIAIS 1. Os procedimentos especiais e o novo CPC 2. Pressupostos 3. O erro na adoção do procedimento especial 4. Procedimentos especiais excluídos pelo CPC/2015 4.1 Ação de depósito (arts. 901 e ss. do CPC/73) 4.2 Ação de anulação e substituição de título ao portador (arts. 907 e ss. do CPC/73) 4.3 Ação de nunciação de obra nova (arts. 934 e ss. do CPC/73) 4.4 Ação de usucapião de imóvel (arts. 941 e ss. do CPC/73) 4.5 Ação de oferecimento de contas (arts. 914 e ss. do CPC/73) 4.6 Venda a crédito com reserva de domínio XLIX AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO 1. A justificativa para a especialidade do procedimento 2. Cabimento 3. Legitimidade 3.1 Ativa 3.2 Passiva 4. Competência 5. Procedimento 5.1 Requisitos da inicial 5.2 Depósito 5.2.1 Os efeitos do depósito 5.2.2 A insuficiência do depósito e a complementação 5.2.2.1 Facultatividade da complementação 5.2.2.2 Impossibilidade de complementação 5.2.3 A consignação de prestações periódicas 5.2.3.1 As prestações vencidas após a prolação da sentença 5.3 Citação 5.4 Contestação 5.4.1 Conteúdo explícito da contestação 5.4.2 Conteúdo implícito da contestação 5.5 Levantamento dos valores depositados 6. Revelia 7. Sentença 8. Procedimento quando houver dúvida sobre o credor 8.1 Da disputa entre os credores 9. Limites da ação consignatória 10. Procedimento extrajudicial 10.1 Objeto 10.2 Local 10.3 Forma 10.4 Intimação do credor 10.5 Ações do credor 10.6 Comentário crítico 11. Resgate da enfiteuse L AÇÃO DE EXIGIR CONTAS 1. Conceito 2. Cabimento e legitimação 3. O art. 553 do CPC/2015 e suas especificidades 4. Procedimento 4.1 Petição inicial 4.2 Citação 4.3 Providências que podem ser tomadas pelo réu 4.3.1 Prestação de contas sem contestação 4.3.2 Contestação da obrigação de prestar contas 4.3.3 Prestação de contas e contestação 4.3.4 Contestação sem negar a obrigação de prestar contas 4.3.5 Inércia: revelia 4.4 Providências que devem ser tomadas pelo autor 4.5 Forma das contas e documentos comprobatórios 5. Sentença 5.1 Sucumbência 5.2 Cumprimento de sentença LI AÇÕES POSSESSÓRIAS 1. Introdução ao direito de posse 2. As ações possessórias 2.1 Fungibilidade das ações possessórias 2.2 Manutenção ou reintegração de posse: turbação ou esbulho 2.3 Interdito proibitório 3. Cabimento das ações possessórias 4. Legitimidade 5. Caráter dúplice 6. Exceção de domínio 7. Procedimento das ações possessórias 7.1 Petição inicial 7.1.1 Identificação das partes 7.1.2 Pedido 7.2 Liminar 7.2.1 A liminar movida contra pessoas jurídicas de direito público 7.2.2 O mandado de manutenção ou reintegração da posse 7.3 Citação 7.4 Contestação 7.4.1 Reconvenção 7.5 Prestação de caução 7.6 Dos litígios coletivos 8. A sentença nas ações possessórias LII AÇÃO DE DIVISÃO E DEMARCAÇÃO DE TERRAS PARTICULARES 1. Aspectos gerais 2. Cumulação de pedidos demarcatórios e divisórios 2.1 Julgamento das ações cumuladas 3. Demarcação e divisão extrajudicial 4. A ação demarcatória 4.1 Cabimento 4.2 Legitimidade 4.2.1 Legitimidade do condômino 4.2.2 Litisconsórcio obrigatório decorrente da natureza real da ação demarcatória 4.3 Petição inicial 4.4 Citação 4.5 Resposta 4.5.1 Revelia 4.6 Instrução do processo 4.6.1 Escolha do perito e a indicação dos assistentes 4.6.2 Laudo 4.6.3 Manifestação das partes 4.7 Sentença demarcatória 4.8 Procedimento após a demarcação 4.8.1 Operações técnicas do procedimento 4.8.2 Verificação das linhas divisórias 4.8.3 Manifestação das partes acerca do relatório de verificação das linhas 4.8.4 Lavratura do auto de demarcação 4.9 Sentença de encerramento da execução demarcatória 5. A ação divisória 5.1 Cabimento 5.2 Legitimidade 5.3 Petição inicial 5.4 Citação 5.5 Resposta do réu 5.5.1 Revelia 5.6 Instrução do processo 5.6.1 Escolha dos peritos e cabimento da indicação de assistente técnico das partes 5.6.1.1 Medição da área 5.6.1.2 Imóvel indivisível 5.6.2 Manifestação das partes sobre os quinhões 5.7 Sentença de encerramento da divisória 5.8 Benfeitorias 5.8.1 Manutenção das benfeitorias 5.9 Restituição dos imóveis usurpados 5.10 Procedimento para divisão 5.10.1 Proposta de divisão 5.10.1.1 Cálculo das frações 5.10.1.2 Critério de formação dos quinhões 5.10.1.3 Critérios de partilha 5.10.2 Manifestação sobre a proposta de divisão 5.10.3 Auto de divisão 5.11 Sentença homologatória da divisão 5.12 A aplicação das regras da ação demarcatória LIII AÇÃO DE DISSOLUÇÃO PARCIAL DE SOCIEDADE 1. Introdução 1.1 Evolução das normas processuais 2. Cabimento 2.1 Falecimento do sócio 2.2 Exclusão do sócio 2.3 Exercício do direito de retirar-se da sociedade 2.4 A quebra da affectio societatis 3. Legitimidade 4. Competência 5. Procedimento 5.1 Petição inicial 5.2 Citação 5.3 Contestação 6. Decisão 6.1 Recorribilidade das decisões 7. Apuração de haveres 7.1 Resolução da sociedade e a fixação da data 7.2 Critérios para apuração de haveres 7.2.1 Cláusulas contratuais 7.2.2 Aplicação da boa-fé objetiva 7.2.3 Balanço patrimonial 7.3 Nomeação de perito 7.4 Depósito judicial decorrente de previsão contratual 8. Pagamento dos haveres 9. Dissolução parcial em sociedades anônimas LIV INVENTÁRIO E PARTILHA 1. Introdução 2. Inventário extrajudicial 3. Inventário judicial 3.1 Competência 3.2 Administrador provisório 3.3 Prazo 3.4 Legitimidade para requerer a instauração do inventário judicial 3.5 Inventariante 3.5.1 Ordem da investidura do art. 617 do CPC/2015 3.5.2 Compromisso 3.5.3 Deveres do inventariante 3.5.4 Deveres decorrentes da administração do espólio 3.5.5 Remoção do inventariante 3.5.5.1 Causas para a remoção 3.5.5.2 Procedimento para apreciação do pedido de remoção 3.5.5.3 Eventuais sanções aplicáveis ao inventariante 3.6 Procedimento do inventário 3.6.1 Petição inicial 3.6.2 Primeiras declarações 3.6.3 Citação 3.6.3.1 A posição da Fazenda Pública 3.6.3.2 Intervenção do Ministério Público 3.6.4 Audiência das partes 3.6.5 Impugnação 3.6.6 Efeitos da decisão 3.6.7 Admissão do preterido 3.6.8 Manifestação da Fazenda Pública com relação aos valores dos imóveis 3.6.9 Avaliação dos bens 3.6.9.1 Hipótese de dispensasentido, devem exercer atividade interpretativa à luz da boa-fé sobre as postulações e atos realizados no decorrer do procedimento. 5. Princípio da cooperação processual Como já estudamos no capítulo anterior, o legislador de 2015 inseriu o princípio da boa-fé no âmbito das normas fundamentais de processo civil. Devemos ressaltar, neste ponto, a boa-fé interfere diretamente na possibilidade de as partes cooperarem entre si. O art. 6º do CPC/2015 estabelece que “Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva”. Porém, a cooperação entre partes pressupõe comportamentos pautados na boa-fé, de onde podemos verificar a intima conexão e implicância existente entre os arts. 5º e 6º do CPC/2015. Para Humberto Theodoro Júnior227, o princípio da cooperação é um desdobramento do princípio do contraditório, constitucionalmente assegurado. Assim, o contraditório teria assumido roupagens modernas, a partir das quais não bastaria assegurar formalmente às partes oportunidades processuais de se manifestarem nos autos. O procedimento deve ir além, oportunizando que haja real influência das partes na formação do juízo de convencimento do juiz. Para tanto, a cooperação assumiria papel viabilizador desse contato eficaz e construtivo entre os litigantes e o julgador. Nesta toada, teria o legislador como objetivo viabilizar a instauração de um modelo cooperativo de processo, através do qual haveria maior fluxo de informações e aprimoramento argumentativo, instaurando bases processuais mais democráticas. Fatores que, em última análise, influenciam diretamente na qualidade da prestação da tutela jurisdicional. No plano concreto, a cooperação das partes pode se verificar, por exemplo, no dever de consulta do juiz, através do qual as partes serão intimadas para se manifestarem a respeito de determinada questão, nos termos dos arts. 9º e 10 do CPC/2015. Vale mencionar, por fim, que o princípio da cooperação não se limita às partes processuais, podendo influenciar a própria sociedade, que podem se valer, por exemplo, do amicus curiae para prestar esclarecimentos e informações ao juiz, de forma a cooperar com uma prestação de tutela jurisdicional mais efetiva e adequada. 6. Princípio do devido processo legal (due process of law) O devido processo legal pode ser tido como um conceito, em certa escala, vago. Ou seja, no que diz respeito à ideia do que seja o devido processo legal, há aspectos absolutamente indiscutíveis, enquanto há outros de abrangência acentuadamente elástica, a respeito dos quais paira alguma discussão – daí é que, historicamente, não tem sido objeto de definições propriamente delimitadoras do que significa. Há, dessa forma, um núcleo que informa o princípio, que não pode ser desrespeitado228, dado que formado pela história e pela reiteração, em vários povos, e cujo somatório de decisões e conceituações geraram o que se pode dizer ser o núcleo conceitual do princípio. Este princípio tem sido profundamente estudado e, mais do que isso, “exercitado” na judicatura dos Estados Unidos da América. Disso decorre que existem parâmetros para se avaliar se, num dado caso, foi, ou não foi observado o princípio. Por isso é que, de início, foi referido um núcleo conceitual, a respeito do qual existe grande certeza dos elementos que o compõem. Porém, para outros aspectos, menos evidentes, nunca se abalançou a doutrina (nem os tribunais norte-americanos) a lançar definições. Em realidade, há normas que somente cumprem a sua finalidade, tendo, em sua formulação, conceitos vagos, dado que, se se fosse definir o princípio, certamente estar-se-iam excluindo hipóteses que se poderiam vir a revelar como suscetíveis de serem avaliadas à luz do princípio e seu respectivo conceito vago, mas que, com a definição, certamente, estariam descartadas, ou, pior, teriam sido descartadas pelo legislador infraconstitucional. Com isso, haveria o evidente risco de definições infraconstitucionais, contrárias à dimensão constitucional da regra. É, pois, o princípio do devido processo legal, como se acentuou, princípio fundamental. Dele decorrem todos os demais princípios processuais insculpidos no texto constitucional, tais como a proibição da prova obtida por meio ilícito, o contraditório propriamente dito, a publicidade dos atos processuais etc. É, como diz Nelson Nery Jr., “o princípio fundamental do processo civil que entendemos como a base sobre a qual todos os outros se sustentam”229. Para Humberto Theodoro Júnior, o devido processo legal pode ser considerado como um “superprincípio”, na exata medida em que serve de inspiração a todos os demais princípios do direito processual230. A cláusula do devido processo legal tem origem remota na Magna Carta, sendo o seu texto o seguinte: “Nenhum homem livre poderá ser detido ou preso, nem que se lhe retirem bens, nem declarado fora da lei, nem prejudicado por qualquer outra forma, nem se procederá e nem se ordenará que se proceda contra ele, senão em virtude de um processo legal e em conforme com a lei do país” [lei do país significa, no caso, law of the land, vale dizer, é expressão mais ou menos equivalente a direito material] (texto da Magna Carta, do Rei João Sem- Terra, 1215; refere-se nessa época a law of the land, e não há referência, ainda, à expressão due process of law, tendo significado, na época, a limitação ao poder absoluto em favor dos súditos). Paradoxalmente, a Magna Carta foi instrumento reacionário e definiu situação entre o rei e os nobres (como garantia destes), como observa Nelson Nery Jr.231. Na verdade, a despeito disso, é de se registrar ter sido, “historicamente, o primeiro documento formal de estabelecimento da supremacia legal sobre a vontade régia, além de ser a base do regime parlamentar britânico e definir uma série de direitos relativos a determinados grupos (principalmente os barões) em face do governo”232. Nisso, precisamente, reside sua grande importância histórica, e por isso mesmo é que o tomamos como ponto de partida para este trabalho. Apenas em 1354, durante o reinado de Eduardo III, é que se passou a utilizar a expressão due process of law, na lei inglesa denominada Statute of Westminster of the Liberties of London (constando ser desconhecido o “legislador” que a teria cunhado, ou seja, “some unknown draftsman”). Como aponta Egon Bockman Moreira, “a expressão by the law of the land apontava para uma gama de significados muito mais pobres do que veio a encontrar sua sucessora due process of law”233. O devido processo legal veio a colocar-se, com o tempo, como condição de validade de todos os direitos substanciais234. A origem do princípio é, como se observou, inglesa. Foi a partir do século XVII que o princípio começou a obter importância em território americano. A V Emenda veio a dispor que “no person shall (...) be deprived of life, liberty or property, without due process of law”235, e, através da XIV Emenda, de 1868, passou a constituir não apenas uma limitação ao governo central, mas também aos Estados. Antes da Constituição Federal norte-americana, as de Maryland, Pensilvânia e Massachussetts já consagravam o princípio sob comento, repetindo a regra da Magna Carta e da Lei do reinado de Eduardo III, como observa Nelson Nery Jr.236. 6.1 Conteúdo do princípio – a atuação da Suprema Corte norte- americana A raiz do princípio é de índole eminentemente processual. Pode-se afirmar que o embrião do princípio está ligado à ideia de processo ordenado (orderly proceedings), como anotava Sampaio Dória237. Essa concepção veio passando por um processo evolutivo, de forma tal que se passou a entender o devido processo legal não apenas como simples garantia de um processo ordenado, mas como compreensivo do direito à prévia citação para a ação e oportunidade de defesa. Passou-se a entender, igualmente, como compreendida no alcance semântico do princípio a ideia de que ninguém poderia ser preso sem justa causa. O princípio, nos Estados Unidos, foi adotadoinicialmente com conteúdo similar, sendo introduzido, como já dito, na Constituição norte-americana pela V Emenda, sendo que a XIV Emenda, em meados do século XIX, estendeu a obrigatoriedade de sua observância também aos Estados federados. Se é certo afirmar, como dizia Sampaio Dória, que “a teoria política ocidental deve inegavelmente à Magna Carta a primeira concepção de um poder político limitado”, não é menos correto reconhecer, como esse autorizado autor, que com o surgimento da nação norte-americana é que apareceu o “primeiro governo limitado por uma lei básica em todas as esferas – legislativa, executiva e judiciária – em que se desdobrava sua soberania. A Constituição Americana de 1787 é a síntese dessas limitações, quanto à estrutura política do regime (federação e república), à tripartição dos poderes e à garantia dos direitos individuais (o Bill of Rights apenso à Constituição, nas dez primeiras emendas)”238. Porém, consagrada a supremacia da Constituição sobre as leis ordinárias (art. VI, sec. 2), surgiu o problema de como controlar os atos legislativos, o que a Constituição atribuiu, de forma clara, ao Judiciário (art. III, sec. 2, § 1º). Essa hegemonia do Judiciário sobre os demais poderes do Estado restou sedimentada no célebre e conhecido precedente Marbury v. Madison, em que o Juiz Marshall239, proferindo aquele que talvez seja o mais importante voto de sua carreira, afirmou, com todas as letras, essa importantíssima atribuição do Judiciário, alicerce fundamental do direito constitucional norte-americano. Observa a propósito, com pertinência, Egon Bockman Moreira, citando Carlos Roberto de Castro Siqueira, que, “tanto no período colonial quanto após a Independência, preponderava um nítido preconceito contra o Poder Legislativo, o que se explica em razão da legislação metropolitana repressora, oriunda da Casa de Westminster, em Londres”240. É dentro desse contexto histórico-evolutivo que avulta em importância o princípio do due process of law, pois, como observava Sampaio Dória, “a busca de preceito constitucional explícito, para servir de veículo de atuação a todo um indefinido e indefinível corpo de ‘leis naturais’, não tardou em deparar com o único dispositivo da Constituição que se prestava idoneamente a essa finalidade, a cláusula due process of law”241. Ou seja, a cláusula due process of law constitui-se no principal canal de controle dos atos do Legislativo, pelo Judiciário, fixando-se como a mais importante do sistema constitucional americano. Não obstante a importância que o princípio alcançou dentro da Suprema Corte norte-americana, a ponto de Nelson Nery Jr. afirmar, com razão, que “o prestígio do direito constitucional norte-americano tem como sua causa maior a interpretação da cláusula due process pela Suprema Corte”242, é de se registrar a assertiva de Sampaio Dória no sentido de que, “em verdade, será inútil sondar a essência dos julgados da Suprema Corte em busca de um conceito informulado. E informulado porque, dados os pressupostos da teoria da interpretação flexível da Constituição, ‘a estratificação de due process em um rígido estágio de evolução histórica ou intelectual’ implicaria em admitir ‘que o mais importante aspecto da exegese constitucional é função de máquinas inertes e não de juízes’”243. Aliás, pode-se, sem qualquer receio, afirmar que foi justamente esse conteúdo elástico que tem permitido ao princípio sobreviver por tanto tempo como vetor nuclear do sistema constitucional norte-americano. Exemplo vivo e de enorme importância histórica com relação às diversas feições que foram sendo assumidas pelo princípio do devido processo legal ao longo dos tempos – particularmente em seu sentido substantivo – nos dá Egon Bockman Moreira, mencionando a mudança de posição impressa nas decisões da Suprema Corte pelo Juiz H. L. Black, que ingressou naquele Tribunal em 1937, época em que os Estados Unidos finalmente se recuperavam da profunda depressão em que mergulharam com a crise de 1929. A essa altura, deixava a cláusula de ser um entrave à legislação social, à limitação de impostos; de um modo geral, pode-se dizer que a cláusula deixou de ser oponível à ação regulamentadora do governo244. O caráter não apenas processual, mas o chamado substantive due process foi alavancado nos Estados Unidos em 1798 no caso Calder v. Bull, firmando-se o entendimento de que atos normativos, quer os legislativos ou os administrativos, que ferissem direitos fundamentais, ofenderiam, ipso facto, o devido processo legal. Este caso foi ilustrativo do fato de que o princípio do devido processo legal tinha aplicabilidade também fora dos limites processuais. Diz Nelson Nery Jr., por exemplo, que o princípio da legalidade, na seara do direito administrativo, nada mais é do que uma projeção do princípio do due process nesse ramo do direito material245. Diz, ainda, a doutrina norte-americana, com projeções no Brasil, ser o controle jurisdicional dos atos da administração uma inequívoca manifestação do princípio do due process of law. Projeta-se também na seara do direito privado, por exemplo, quando se garante o respeito do ato jurídico perfeito, conquanto haja, a esse respeito, texto autônomo e expresso, que é o art. 5º, XXXVI, da CF (vested rights doctrine), quando se proíbe o preconceito racial etc. Em síntese, como observado, o princípio do due process of law teve, de início, um caráter eminentemente processual. Aliás, a feição que originalmente lhe deu a Magna Carta realçava seu aspecto protetivo tendo em vista o processo penal, precipuamente246. Porém, como se viu acima, a interpretação que hoje se lhe dá é sensivelmente mais ampla. Não apenas projeta seus efeitos para o processo, como também para o direito material, como um todo. Foi com a sua transposição para os Estados Unidos que o aspecto substancial da cláusula due process of law veio a ganhar relevo, exatamente pela necessidade, já antes mencionada, de um preceito constitucional que pudesse ensejar o controle de constitucionalidade dos atos do Legislativo247. É de se destacar trecho de decisão da Suprema Corte, datado de 1992, do qual se extrai que o due process of law é uma promessa constitucional “de que há um reino de liberdade constitucional onde o governo não pode entrar”248. Explica Egon Bockman Moreira que os traços que caracterizam o princípio do devido processo legal, em sua concepção atual, nos Estados Unidos, envolvem “uma relação jurídica justa e equitativa, desenvolvida com precisão que outorgue segurança ao administrado, ao mesmo tempo em que respeite sua dimensão moral”249. Assenta-se, o princípio, sobre o trinômio vida-liberdade-propriedade. Destarte, tudo o que disser respeito à tutela deste trinômio está ao abrigo do devido processo legal. Ao lado disso, o princípio do due process of law projeta-se como garantia no campo do processo. É o sentido com que usualmente é utilizado. Garante o direito à citação, o rápido e público julgamento, o direito ao contraditório, a igualdade entre acusação e defesa, meios eficazes de controle de constitucionalidade etc. Daí o acerto da afirmação de Nelson Nery Jr. no sentido de que os demais princípios constitucionais do processo dele decorrem250. Nesta última acepção, é mais uma garantia do que propriamente um princípio. É verdadeiro corolário do Estado de direito. Dissemos acima que a cláusula due process assume duas concepções: substancial ou material e processual. Dissemos também que o princípio do due process of law, em verdade, abrange uma série de outros princípios, que, por isso mesmo, de rigor, não precisariam sequer constar expressamente do texto constitucional, e nem por isso deixaram de estar nele compreendidos. Nada obstante, tem-se por louvável a preocupação do constituinte de 1988 em fazer constar do texto constitucional uma série de princípios que, a rigor, estariam contidos no do devido processo legal. 7. Princípio da isonomia Um dos princípios basilares do processo civil é o princípio da isonomia. A CF/88, no seu art. 5º, caput,estabelece a igualdade de todos perante a lei, o que se reflete diretamente no disposto nos arts. 7º e 139, I, do CPC, que impõe ao juiz o tratamento igualitário às partes. Mais do que isso, o legislador de 2015 inseriu o princípio da igualdade no rol das normas fundamentais de processo civil, disponde que “É assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz zelar pelo efetivo contraditório” (art. 7º). O entendimento mais correto é o de que referido princípio – refletido de forma expressa em dispositivos constitucionais e infraconstitucionais – trata da igualdade real, substancial (na medida do possível), e não simplesmente da igualdade formal. A correta inteligência do princípio constitucional da isonomia é que permite compreender porque, por exemplo, o Código do Consumidor, por reconhecer o consumidor como o polo mais fraco da relação de consumo, traz em seu bojo regras como a do inciso VIII do art. 6º, que autoriza a inversão do ônus da prova. Com efeito, pela regra geral do Código de Processo Civil, incumbe ao autor provar os fatos constitutivos de seu direito (art. 373, I). Essa regra, no entanto, em se tratando de relação de consumo, e desde que preenchidos os requisitos do inciso VIII do art. 6º do CDC, pode ser afastada, invertendo-se o ônus probatório, justamente como forma de recompor o equilíbrio entre as partes, na medida em que o consumidor se presume como sendo o polo mais fraco da relação de consumo. É o que Cândido Rangel Dinamarco chama de neutralização de desigualdades251. 7.1 As regras dos arts. 180 e 183 do CPC e o princípio constitucional da isonomia Vejamos como se inserem nesse contexto as regras preconizadas pelos arts. 180 e 183 do CPC, tendo em vista que referidos dispositivos conferem prazo em dobro, respectivamente, ao Ministério Público e à Fazenda Pública, para que se manifestem nos autos. Como tal texto se compatibiliza com o princípio da isonomia? O entendimento preponderante, que se tem por inteiramente correto, é o de que os arts. 180 e 183, em verdade, recompõem a igualdade substancial entre as partes, em razão do natural desequilíbrio existente entre elas. É que nem a Fazenda Pública nem o Ministério Público dispõem, usualmente, da mesma infraestrutura de que desfrutam os advogados, assim como cuidam de um número muito maior de processos252. Além disso, nem sempre é o mesmo membro do Ministério Público, ou da Fazenda Pública, que atua ao longo do processo, o que implica dizer que muitas vezes o promotor ou o procurador se depara com um processo novo (para ele), mas já em andamento. Há, pois, um desequilíbrio que precisa ser recomposto, e o benefício do prazo foi uma das formas encontradas pelo legislador infraconstitucional para contornar tal situação. O advogado, ademais, normalmente pode escolher as causas que pretende patrocinar, o que não ocorre, ao menos com os representantes judiciais da Fazenda Pública. Nessa medida, temos que os benefícios dos arts. 180 e183 se compatibilizam inteiramente com o art. 5º, caput, da CF/88. Há de se ter presente, ademais, que a Fazenda, ao menos em tese, atua em prol dos interesses da coletividade, e o Ministério Público, por outro lado, intervém sempre que houver interesse público (art. 178, I, do CPC), o que também justifica o benefício do prazo. O princípio da isonomia, nesse passo, diz respeito à igualdade substancial, não à formal, e nessa exata medida, em face dessas considerações, percebe-se que não foi violado pelas regras consubstanciadas nos artigos em pauta. Outra interessante projeção do art. 5º, II, no plano da legislação infraconstitucional, reside na forma de intimação dos atos processuais. Enquanto as intimações normalmente são feitas pela via eletrônica ou, quando não realizadas, por meio da publicação no órgão oficial (caput do art. 272 do CPC), a intimação do Ministério Público e da Fazenda Pública é sempre feita pessoalmente, a teor do que dispõe, respectivamente, o caput do art. 180 e 183 do CPC, sem que se possa dizer que referida diferenciação colide com o primado constitucional da igualdade (no mesmo sentido, em relação ao órgão do Ministério Público, dispõe o art. 41, IV, da Lei Orgânica do Ministério Público – Lei n. 8.625/93). Estudamos anteriormente que o órgão do Ministério Público pode agir como parte, quando a lei expressamente o autorize (art. 177 do CPC), intervindo, ainda, como fiscal da lei (custos legis), nas hipóteses do art. 178 do CPC. O benefício de que trata o art. 180 do CPC aplica-se ao Ministério Público, quer esteja atuando como parte, quer esteja funcionando como fiscal da lei, porque a lei não distingue uma hipótese da outra. 7.2 Condenação em honorários advocatícios Há outros dispositivos no Código de Processo Civil que devem ser examinados à luz do princípio da isonomia. É o caso do art. 85. Referido dispositivo, em seu caputº, estabelece que, no caso de condenação, a parte vencida deverá pagar honorários de advogado ao vencedor, os quais serão fixados, nos termos do § 2º, entre 10% e 20% do valor da condenação, tendo em vista (1) o grau de zelo do profissional (inciso I), (2) o lugar da prestação do serviço (inciso II), (3) a natureza e importância da causa e a importância da causa (inciso III) e (4) o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço (inciso IV). Porém, sendo vencida a Fazenda Pública, os incisos II a V, § 3º do art. 85 autoriza o juiz a condená-la a pagar honorários em montante inferior ao mínimo de 10% de que trata o § 2º, gradualmente estabelecidos em razão do valor da condenação ou do proveito econômico obtido pela parte vencedora. Cumpre ressaltar que o CPC/73 também autorizava referida diferenciação, porém sem impor graduações de acordo o proveito econômico, nos termos do antigo art. 20, § 4º. Já à época, havia quem entendesse que tal dispositivo não se compatibilizava com o texto constitucional253. Efetivamente, se a Fazenda foi vencida, é porque do seu lado não se encontrava o interesse juridicamente protegível, e, portanto, não há (havia), genuinamente, interesse público em pauta. A não incidência do limite mínimo de 10%, mesmo nas hipóteses preestabelecidas pelo CPC/2015, agride o princípio da isonomia, porque, se vencedora, a Fazenda receberia honorários entre 10% e 20%, aplicando-se o limite geral do § 2º do art. 85. Forçoso reconhecer que os tribunais, como regra, admitem essa diferença, não a tendo por constitucional. 7.3 Adiantamento de despesas processuais Doutra parte, a regra geral com relação às custas e despesas processuais, no plano do processo civil, é a de que incumbe às partes adiantar as despesas dos atos que realizam ou requerem no processo (art. 82). Isso quer dizer que se uma das partes vier a requerer prova pericial, por exemplo, deverá adiantar os honorários do perito judicial (caput do art. 95, parte final). Se aquele que tiver requerido a perícia vencer a demanda, então essa despesa lhe será reembolsada pelo vencido, segundo o princípio da sucumbência, encampado entre nós pelo art. 82, cujo § 2º dispõe: “A sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor as despesas que antecipou”. Essa regra do art. 82, § 2º, não se aplica, segundo a letra da lei, quando se tratar de despesas de atos processuais, realizados a requerimento da Fazenda Pública, da Defensoria Pública e do Ministério Público (arts. 91 e 82, § 1º)254, salvo quando o ato processual acarretar despesas fora do âmbito das custas judiciais, a exemplo das perícias255. O CPC/2015 inovou, ao restringir referida diferenciação à hipótese de o Ministério Públicos figurar nos autos como fiscal da ordem jurídica (art. 82, § 1º, parte final), não se estendendo à sua composição como parte da relação processual. Há que considerar, neste passo, o disposto no art. 18 da Lei n. 7.347/85, que isenta o Ministério Público do adiantamento das custas, emolumentos e honorários periciais,bem como das demais despesas processuais256. A respeito de aludido dispositivo legal, há julgado do STJ no sentido de isentar o Ministério Público no adiantamento dos honorários periciais por aplicação da regra inserida no art. 18 da Lei n. 7.347/85257-258. De outro lado, há julgados também do STJ afastando o emprego do art. 18 da Lei n. 7.347/85, no sentido de determinar que o Ministério Público efetue o adiantamento de custas periciais diante da letra da Súmula 232 daquele tribunal259. Parece-nos correta a linha seguida por este último julgado citado. Não se está isentando o Ministério Público do pagamento das despesas processuais, se vencido. Absolutamente. Relativamente à Fazenda Pública, a jurisprudência se tem inclinado no sentido de, conforme o caso, não lhe estender o benefício de não ter de adiantar as despesas processuais dos atos que requerer260. A respeito, elucidavam Nelson Nery Jr. e Rosa Nery já no CPC/73: “Quando o ato tiver de realizar-se por requerimento da Fazenda Pública, o vencido suportará as despesas a final (CPC 27). A Fazenda Pública está dispensada do pagamento do depósito prévio porque sendo credora das custas judiciais, não há sentido em pagar para si mesma, o que configuraria confusão (CC 381; CC/16 1.049). Quando o ato processual acarretar despesas fora do âmbito das custas judiciais, como, por exemplo, para as perícias, o experto não é obrigado a praticar o ato sem a contraprestação pecuniária respectiva, de sorte que, se ele assim o exigir, a Fazenda Pública deve fazer o depósito prévio”261. Nesse sentido, a Súmula 232 do STJ, assim redigida: “A Fazenda Pública, quando parte no processo, fica sujeita à exigência do depósito prévio dos honorários do perito”. Voltaremos a tratar do assunto com mais vagar no capítulo destinado ao estudo da prova pericial. 7.4 Remessa obrigatória O art. 496 do CPC dispõe no sentido de que as sentenças que sejam proferidas contra a União, Estados, Municípios e suas respectivas autarquias e fundações de direito público ficam sujeitas ao duplo grau de jurisdição, isto é, ao reexame necessário262. Não se trata, é bem de se ver, de um recurso. A doutrina classifica o instituto de que trata o art. 496 como condição de eficácia da sentença. Por outras palavras, em se tratando de sentença proferida contra os entes supracitados, esta só produz efeitos, como regra, se e quando confirmada pelo tribunal ad quem263, ainda que não haja recurso voluntário por parte da Fazenda (o que não impede que se admita a antecipação de tutela contra a Fazenda; aliás, a propósito, deve-se ter presente que a Lei n. 9.494/97 disciplina – e portanto admite – o cabimento de antecipação de tutela contra a Fazenda Pública)264. Embora se lhe negue, majoritariamente, a natureza de recurso, tal dispositivo, porque instituído em benefício da Fazenda Pública, não pode levar à piora da situação determinada pela sentença monocrática, aplicando- se, então, o princípio da proibição da reformatio in pejus265. Nesse sentido, a Súmula 45 do STJ: “No reexame necessário, é defeso, ao Tribunal, agravar a condenação imposta à Fazenda Pública”266. Claro está que o duplo grau de jurisdição deve ser compreendido tendo-se em vista a igualdade substancial das partes, já que a Fazenda Pública atua, em princípio, em prol do interesse público e/ou da própria coletividade, e por isso, nessa medida, se condenada, deve ser a decisão condenatória, necessariamente, submetida ao duplo grau. Entretanto, se for mantida a sentença prolatada contra a União, Estados ou Municípios é porque foi decidido não estar corretamente protegido o interesse, ou público ou da coletividade, desaparecendo a razão de concessão de quaisquer aparentes benefícios (dizem-se aparentes, pois, em verdade, apenas restabelecem a igualdade substancial entre as partes). A impossibilidade do agravamento da situação da Fazenda Pública por força da remessa obrigatória é criticada por Nelson Nery Jr.267, que entende que essa interpretação acaba por ferir o princípio constitucional da isonomia. Entendimentos nesse sentido baseiam-se no fato de que se, por um lado, justifica-se plenamente e revela-se compatível com a isonomia submeter a sentença, como condição de sua eficácia, à apreciação pelo tribunal, ainda que não haja recurso voluntário, de outro afigura-se que o tribunal, se entender que é o caso, deve poder agravar a situação da Fazenda268. Tal não é o entendimento que prevalece nos tribunais, consoante a já mencionada Súmula 45 do STJ269. Por fim, o CPC/2015 estabeleceu exceções à remessa necessária de decisões contrárias à Fazenda Pública. O § 2º do art. 496 limita o referido instituto em razão da condenação ou do proveito econômico obtido na causa, devendo ser valor líquido e certo inferior a: mil salários mínimos para a União e as respectivas autarquias e fundações de direito público (inciso I), quinhentos salários mínimos para os Estados, o Distrito Federal, as respectivas autarquias e fundações de direito público e os Municípios que constituam capitais dos Estados (inciso II) e cem salários mínimos para todos os demais Municípios e respectivas autarquias e fundações de direito público (inciso III). Trata-se de medida estabelecida em homenagem à celeridade e à duração razoável do processo, por serem valores economicamente inexpressivos para a Fazenda Pública270. O CPC/2015 prestigia, ainda, a coesão interna do sistema jurídico, ao estabelecer no § 3º do art. 496 a não incidência da remessa necessária, quando a sentença estiver fundada em: súmula de tribunal superior (inciso I), acórdão proferido pelo STF ou pelo STJ em julgamento de recursos repetitivos (inciso II), entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência (inciso III) e entendimento coincidente com orientação vinculante firmada no âmbito administrativo do próprio ente público, consolidada em manifestação, parecer ou súmula administrativa (inciso IV). 7.5 Tratamento privilegiado aos idosos e portadores de doença grave O CPC/73 passou por algumas reformas em prol da garantia da prioridade de tramitação nos procedimentos judiciais, em virtude de características inerentes aos litigantes – tais quais a idade e existência de doença grave. A Lei n. 10.173/2001, por exemplo, acrescentou ao CPC/73 os arts. 1.211-A, 1.211-B e 1.211-C, que passou a dispor a respeito do tratamento privilegiado aos processos em que uma das partes ou interessados se enquadre na condição de idoso, isto é, tenha idade igual ou superior a sessenta anos. Tal benefício veio a ser estendido aos portadores de doença grave, a teor da redação atribuída pela Lei n. 12.008/2009 aos dispositivos legais supracitados. O CPC/2015, por sua vez, guarda total harmonia com as reformas do CPC/73, ao estabelecer em seu art. 1.048, I, que pessoa com idade igual ou superior a sessenta anos ou portadora de doença grave terão prioridade na tramitação de todos os atos de diligências em qualquer instância. Para tanto, bastará à pessoa interessada que requeira tal benefício à autoridade judiciária incumbida de decidir o feito, juntando prova de sua condição (art. 1.048, § 1º). Deferida a prioridade, os autos receberão identificação própria que evidencie o regime de tramitação prioritária (art. 1.048, § 2º). Além disso, a prioridade, uma vez concedida, não cessará com a morte do beneficiário, mas estender-se-á em favor do cônjuge supérstite, companheiro ou companheira, com união estável, segundo prescreve o art. 1.048, § 3º. Setores autorizados da doutrina já levantaram as vozes contra a constitucionalidade de referidos preceitos. É o caso do trabalho do Prof. Joel Dias Figueira Jr.271, escrito antes do advento da Lei n. 12.008/2009, em que o autor procura demonstrar a incompatibilidade de referidos dispositivos com o princípio constitucional da igualdade, insculpido como cláusula pétrea no caput e no inciso I do art. 5º do texto constitucional. Segundo o autor, o critério discriminatório adotado pela lei não necessariamente protege o hipossuficienteporque, a uma, nem todos os maiores de sessenta e cinco anos (sessenta anos, atualmente, a teor da Lei n. 12.008/2009) se enquadrariam em tal categoria (e, portanto, seriam merecedores de um tratamento processual diferenciado), e, a duas, haveria outras camadas da população (menciona o autor, antes da Lei n. 12.008/2009, que incluiu os portadores de deficiência grave como beneficiários desse tratamento privilegiado, os doentes mentais, menores, pobres, miseráveis, deficientes físicos, dentre outros) que seriam muito mais hipossuficientes do que os idosos. Parece-nos, no entanto, que a tramitação mais célere dos processos que envolvam idosos e portadores de doença grave atende, em última análise, aos reclamos de uma Justiça mais igual, não colidindo com o princípio constitucional da igualdade. O escopo colimado por referida alteração legislativa estaria ligado à ideia de viabilizar que todas as pessoas que, por uma razão ou por outra, são partes em ações judiciais possam vir a obter, em vida, uma decisão do Estado-juiz. O fato de existirem outras camadas da população igualmente merecedoras de atenção do legislador não torna, per se, inconstitucional, em nosso entender, o critério discriminatório adotado pelo legislador. 8. Princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional O princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, consubstanciado no inciso XXXV do art. 5º da CF/88, possui eficácia absoluta no ordenamento processual, haja vista a sua total projeção no campo da legislação infraconstitucional nos arts. 3º (“Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito) e 140 do CPC (“O juiz não se exime de decidir sob alegação de lacuna ou obscuridade do ordenamento jurídico”). Assim, efetivamente, de nada adiantaria assegurar-se o amplo acesso ao Judiciário se, correlatamente, não se impusesse ao juiz o dever de sentenciar, ainda que diante de obscuridade da lei. Na Argentina, a esse propósito, firmou-se idêntico entendimento, com o fito de que se obtenha do sistema constitucional o seu “máximo” rendimento, e quando se diz máximo pretende-se significar rendimento autêntico e não inconstitucionalmente diminuído. No julgamento de um caso célebre, pela Suprema Corte argentina, decidiu-se que “las garantías individuales existen y protegen a los individuos por el sólo hecho de estar consagradas en la Constititución e independientemente de las leyes reglamentarias, las cuales sólo son requeridas para establecer en qué caso o con qué justificativos podrá procederse a su allanamiento y ocupación”. Neste caso, decidiu-se, mais, que a falta de uma tipologia processual infraconstitucional, ou de um instrumento processual, para viabilizar a garantia constitucional, fazia-se dispensável: “De tal manera, el intento no venía encuadrado (no existía para entonces) en ninguna vía procesal establecida por la ley. No obstante ello, la Corte resolvió prestar la protección requerida, sientando de esta manera el principio según el cual, la falta de tipo procesal al efecto, no es óbice para impedir la intervención jurisdicional”272. Dispõe a Constituição Federal sobre a garantia da tutela jurisdicional, como visto, no inciso XXXV do art. 5º, in verbis: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”273. Esta regra é essencialmente dirigida ao legislador infraconstitucional, conquanto atinja a todos, indistintamente. Deve-se ter presente, para bem compreender o alcance de dito dispositivo, dentro de cujo quadro funcional, de direitos e garantias, em que se insere o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional em nosso sistema constitucional, que não há espaço para fazer, ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei (CF, art. 5º, II). É, pois, necessário conjugarem-se dois princípios, o da inafastabilidade do controle pelo Judiciário de quaisquer lesões ou ameaças de lesão ao de que o Judiciário, ao decidir, está inteiramente submisso à ordem jurídica, à qual, igualmente, estão submetidos todos os jurisdicionados, sendo, portanto, avaliadas as condutas destes – lícitas ou ilícitas –, sempre à luz dessa pauta descritiva de tais condutas. A este último princípio denominam muitos de princípio da plenitude lógica do ordenamento jurídico, o que quer significar que todas as condutas, lícitas, estão previstas no sistema jurídico; vale dizer, há, desde logo e primariamente, uma pauta de condutas previstas na Constituição e, sucessivamente, nas leis infraconstitucionais, em que se descreve, exaurientemente, a licitude das condutas em conformidade com a ordem jurídica; e, quando essa definição de condutas não ocorra, há regras como as dos arts. 2º e 140 do CPC (identicamente, a do art. 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro), que fornecem referenciais para decidir. Acentue-se, ademais, que, além das condutas lícitas, o sistema jurídico disciplina, igualmente, as condutas ilícitas, vale dizer, quando cometido um ilícito, é o próprio sistema jurídico que caracteriza os ilícitos e lhes disciplina as consequências jurídicas emergentes de suas ocorrências. Dessa forma, pode-se dizer que esse princípio da plenitude lógica do ordenamento jurídico, em rigor, “define” o lícito e o ilícito e faz com que se sigam, a um e outro, as consequências previstas no mesmo sistema. Se, pois, de um lado, o sistema jurídico, a partir do próprio texto constitucional, exaure as hipóteses do lícito e do ilícito (CF, art. 5º, II), de outra parte, como nenhuma lesão de direito pode ser subtraída à apreciação do Judiciário, disto se segue que o acesso ao Judiciário, protegido pela texto constitucional e infraconstitucional, justamente pelo princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, normalmente envolverá a utilização de um “instrumento idôneo” à apreciação de uma tal situação, a qual, a seu turno, haverá de estar assentada no texto de lei (constitucional, ou não), mercê de cujo lastro aquele que terá acudido a juízo pretende ter razão e, assim, fazer subordinar, pela decisão judiciária, o interesse do demandado ao seu interesse. Por isso é que se pode dizer que esses princípios – ubiquidade e legalidade – articulam-se, formando como que um verdadeiro binômio. É, pois, inafastável o controle jurisdicional. E, no exercício desse controle, o juiz procurará sempre resolvê-lo à luz do direito posto pelo Estado, ou seja, pela pauta de valores que foi transformada em condutas havidas como legítimas pelo direito, de uma parte, e, de outro lado, haverá de excluir as condutas havidas como ilegítimas pelo próprio direito. É importante destacar que o controle da legalidade existe, igualmente, para o Estado, o que significa que essa extensão do controle da legalidade é característica do Estado de Direito. Neste, o próprio Estado se submete inteiramente à ordem jurídica274. O Estado de Direito275 pode-se dizer diretamente emergido da teoria da separação de poderes. Nesse contexto, submete-se o Estado ao princípio da legalidade, conforme detectado claramente, nos Estados Unidos, no limiar do século XIX, especialmente tendo em vista o controle da constitucionalidade das leis. O direito de ação distingue-se do direito de petição (CF/88, art. 5º, XXXIV). Este último é um direito político, exercitável em defesa de direito ou contra ilegalidade ou abuso de poder (art. 5º, XXXIV, a). Já o direito de ação é um direito público subjetivo, que pode ser exercitado até mesmo contra o Estado. Isso não significa, como já vimos, que haja sempre direito à apreciação do mérito da pretensão, o que depende do preenchimento das condições da ação. No entanto, ainda que seja caso de extinção do processo sem resolução do mérito, será sempre o Judiciário que irá dizê-lo. O princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional está intimamente ligado àquele que assegura assistência jurídica gratuita e integral aos necessitados (art. 5º, LXXIV, da CF/88). Com efeito, sem que se enseje esse tipo de assistência, não se irá dar efetividade ao comando que garanteo amplo acesso ao Judiciário, pois grande parte da população, em que pese a garantia insculpida no inciso XXXV do art. 5º, estaria alijada do efetivo acesso ao Judiciário. Tal benefício, é importante que se diga, pode ser concedido inclusive para pessoas jurídicas, desde que comprove a impossibilidade de arcar com os encargos processuais, de acordo com a orientação cristalizada na Súmula 481 do STJ: “Faz jus ao benefício da justiça gratuita a pessoa jurídica com ou sem fins lucrativos que demonstrar sua impossibilidade de arcar com os encargos processuais”. 8.1 Jurisdição e arbitragem Assunto interessante, ao qual já fizemos menção, é o que envolve o acesso ao Judiciário e o compromisso arbitral. O § 1º, art. 3º, do CPC/2015 dispõe que, apesar da inafastabilidade do controle jurisdicional, “É permitida a arbitragem, na forma da lei”. A esse respeito, a Lei n. 9.307/96 modificou o panorama legal anteriormente existente sobre o valor da cláusula compromissória. O entendimento que sempre preponderou, no sistema precedente à Lei n. 9.307/96, foi o de que a simples existência de cláusula compromissória não obstaria o acesso ao Judiciário, uma vez não firmado o compromisso arbitral diante de pendência concreta entre as partes contratantes. Por isso que o art. 301, IX, do CPC/73, em sua redação original, relacionava como preliminar de defesa o compromisso arbitral. Apenas se firmado o compromisso (diante da pendência concreta) e caso se pretendesse ir ao Judiciário é que o réu poderia alegar, em preliminar, a existência do compromisso, como impeditiva da análise do mérito da demanda pelo Judiciário. A Lei n. 9.307/96 alterou esse perfil, ao dispor no art. 7º: “Existindo cláusula compromissória e havendo resistência quanto à instituição de arbitragem, poderá a parte interessada requerer a citação da outra parte para comparecer em juízo a fim de lavrar-se o compromisso, designando o juiz audiência especial para tal fim”. Ou seja, passou-se a emprestar força coercitiva à própria cláusula compromissória (genérica) e não apenas ao compromisso (firmado diante da pendência contratual concreta). O art. 301, IX, do CPC/73, alterado pela própria Lei n. 9.307/96, coerentemente, passou a constar “convenção de arbitragem” e não mais “compromisso arbitral”. Tal redação encontra total correspondência com o inciso X do art. 337 do CPC/2015. O juízo arbitral implica renúncia das partes à via judiciária estatal, confiando a solução a pessoas desinteressadas, cuja decisão produz, “entre as partes e seus sucessores, os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário e, sendo condenatória, constitui título executivo” (art. 31, Lei n. 9.307/96). Pressupõe, também, que estejam em disputa bens patrimoniais ou direitos disponíveis e que as pessoas sejam “capazes de contratar” (art. 1º da Lei n. 9.307/96). Trata-se de uma renúncia prévia à jurisdição estatal, pois as partes dispõem livremente, dentro do espectro das matérias afetas à arbitragem e das pessoas que podem se submeter ao juízo arbitral. Houve quem, por isso, visse a arbitragem, com o perfil que lhe deu a Lei n. 9.307/96, como incompatível com a garantia constitucional expressa no art. 5º, XXXV. O STF, contudo, veio a reconhecer a constitucionalidade da Lei de Arbitragem ao julgar o pedido de homologação de sentença estrangeira SE 5260-7/Espanha276. Devidamente entendida a jurisdição em sua concepção moderna, ou seja, tendo-se em vista os fins a que se destina, configura-se acertado dizer que a arbitragem configura verdadeira jurisdição privada. 8.2 A conciliação e mediação Da mesma forma, o art. 3º, § 2º, do CPC/2015 preconiza “O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos”. O referido dispositivo guarda coerência com a gradual complexidade da sociedade e aumento de litigiosidade – afinal, pelo princípio da inafastabilidade da tutela jurisdicional, a todos é franqueado ter acesso ao judiciário. Assim, nada mais natural que, diante deste contexto, o legislador busque alternativas de solução de conflito, a fim de pacificar litígios sem movimentar a máquina estatal277. Em respeito à inclusão dos meios alternativos no âmbito das normas fundamentais, vale ressaltar que o CPC/2015 inovou ao profissionalizar e regulamentar ativamente o exercício da atividade de mediador e conciliador, nos termos dos art. 165 e s. do código. Até então, cabia à Resolução n. 125/2010 do CNJ regular os meios alternativos de solução de conflitos. Tomam agora, corpo legal no bojo do diploma processual. Conforme destacado por Arruda Alvim: “A aposta do CPC/2015 nos meios alternativos passa, inclusive, pela audiência de conciliação ou de mediação (art. 334 – que será analisado mais adiante), a ser realizada preferencialmente sem a presença do juiz, conduzida por mediadores ou conciliadores. Esta audiência será a regra geral, não sendo designada apenas em casos específicos. Isto requer, sem dúvida, uma reorganização ou aprimoramento da estrutura de administração da Justiça”278. 8.3 Justiça desportiva – um caso excepcional O texto constitucional revogado admitia a instância administrativa de curso forçado. Na parte final do § 4º do art. 153 da CF/67 previa-se: “O ingresso em juízo poderá ser condicionado a que se exauram previamente as vias administrativas, desde que não exigida garantia de instância, nem ultrapassado o prazo de cento e oitenta dias para a decisão sobre o pedido”279. Hoje, a CF/88 admite tal exceção apenas em se tratando de justiça desportiva (art. 217, § 1º). Segundo José Afonso da Silva, “a Constituição valorizou a justiça desportiva, quando estabeleceu que o Poder Judiciário só admitirá ações relativas à disciplina e às competições desportivas após esgotarem-se as instâncias daquela”280. Deve-se ter presente, ademais, que a exigência de prévio esgotamento das vias administrativas, em se tratando da justiça desportiva, absolutamente não implica esteja obstado o acesso ao Judiciário, senão que é perfeitamente possível, exauridas as vias administrativas, submeter a contenda ao Poder Judiciário. Ademais, o § 2º do art. 217 estatui que a “justiça desportiva terá o prazo máximo de sessenta dias, contados da instauração do processo, para proferir decisão final”. 8.4 Exigência de depósito prévio em ações tributárias O art. 38 da Lei de Execuções Fiscais (Lei n. 6.830/80) preceitua que a propositura da ação anulatória de débito fiscal ou declaratória de inexistência de relação jurídica tributária deve ser precedida de depósito do tributo em discussão. Entendemos, contudo, que o depósito só se faz necessário para a suspensão da exigibilidade do crédito tributário, não constituindo condição para a discussão judicial do débito281. Nessa hipótese – depósito suspensivo da exigibilidade do crédito tributário – deve-se ter presente que o mesmo deve ser feito segundo o montante pretendido pelo fisco, consoante entendimento sumulado do STJ: “O depósito somente suspende a exigibilidade do crédito tributário se for integral e em dinheiro”282. Calha referir, nesse passo, a recente Súmula Vinculante 28 do STF, cuja redação é a seguinte: “É inconstitucional a exigência de depósito prévio como requisito de admissibilidade de ação judicial na qual se pretenda discutir a exigibilidade do crédito tributário”. 8.5 Ação rescisória A ação rescisória é cabível após o trânsito em julgado, nas hipóteses dos incisos I a VIII do art. 966 do CPC. Exige o art. 968, II, que, para o ajuizamento da ação rescisória, proceda o autor ao depósito de 5% sobre o valor da causa283-284. O entendimento preponderante é o de que a exigência de tal depósito não atrita com o princípio do amplo acesso ao Judiciário, em virtude da natureza excepcional da ação rescisória, que é utilizável quando houver decisão de mérito transitada em julgado, caracterizando uma situação absolutamente diferenciada, desde que a vocação da decisão de mérito transitada em julgado é a da sua imutabilidade. Admite-se, ainda, que a ação rescisória seja ajuizada contradecisão que, conquanto não seja de mérito, impeça o conhecimento de recurso ou o ajuizamento de nova ação (cf. art. 988, § 2º, do CPC/2015). 9. Princípio do juiz e do promotor natural No art. 5º, XXXVII, a CF/88 estabelece que “não haverá juízo ou tribunal de exceção”, complementando, no inciso LIII do mesmo dispositivo, que “ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente”. Referidos dispositivos consagram os chamados princípios do juiz natural e do promotor natural. Não é possível, por força do princípio do juiz natural, que um tribunal seja criado ou designado para julgar apenas determinado caso285, ou, como diz Nelson Nery Jr., “a proibição da existência e criação de tribunais de exceção é o complemento do princípio do juiz natural”286. Juízes serão, pois, aqueles que ocupem os cargos constitucionalmente previstos (cf. art. 92, I a VII, da CF/88), regularmente disciplinados nos moldes da legislação constitucional e infraconstitucional. Existem algumas situações, já enfocadas, que devem ser reexaminadas, à luz do princípio do juiz natural. Há determinados assuntos que são julgados pelas chamadas justiças especializadas. É o caso dos litígios envolvendo matéria trabalhista, eleitoral e militar (art. 92, IV, V e VI, da CF/88, respectivamente). Trata-se, porém, de uma previsão – genérica e abstrata – da própria Constituição Federal de 1988, atinente a litígios envolvendo determinadas matérias. Por isso, não existe qualquer colidência entre a previsão das justiças especializadas – pela própria Constituição Federal – e o princípio do juiz natural. Repita-se que o que o referido princípio colima evitar é que sejam criados tribunais, ou designados outros já existentes para apreciar determinado caso concreto, e desde que, assim criados, sejam impostos aos jurisdicionados. Por isso, a previsão, genérica e abstrata, no bojo da própria Constituição, de que litígios envolvendo determinadas matérias sejam julgados pelas chamadas justiças especializadas, não atrita com a grandeza do princípio constitucional em estudo. O juiz natural é aquele “instituído pela lei para julgar certas e determinadas questões”287. Deverá ser pré-instituído pela lei ou pela própria Constituição. Calha referir, neste passo, o assunto das chamadas prerrogativas de foro. É o caso, por exemplo, da atribuição conferida pela própria Constituição Federal de 1988 ao Senado Federal para julgar o Presidente da República em caso de crime de responsabilidade (art. 52, I). Cuida-se de previsão genérica, abstrata, encartada no corpo da Constituição Federal de 1988, não acarretando qualquer atrito com o princípio do juiz natural, pois não leva a que seja criado (ou designado, se já existente) tribunal para apreciar determinado caso. Para a hipótese de crime de responsabilidade, o juízo natural do Presidente da República será o Senado Federal. Também se permite sejam pactuados foros de eleição, em se tratando de competência relativa (a competência em razão do valor e do território pode ser objeto de convenção entre as partes – art. 63 do CPC, caput, diversamente do que sucede com a competência em razão da matéria, pessoa e em razão da função). A possibilidade de serem previstos os foros de eleição revela-se perfeitamente compatível com o princípio do juiz natural. O princípio do juiz natural não alcança somente a atividade do Judiciário (processo civil e processo penal). Absolutamente. Reflete-se, por exemplo, também na seara do direito administrativo. Por exemplo, o servidor público não deverá ser apenado (se for o caso) senão pela autoridade competente, segundo regras preestabelecidas. O princípio do juiz natural colima, pois, impedir (1) que o tribunal seja criado após a ocorrência do fato e (2) que seja criado para julgar um caso específico, salvo as exceções constitucionalmente previstas. Não poderá, também, mercê desse princípio, ser designado o órgão judicante após a ocorrência do fato; vale dizer, o juízo ou tribunal deverá ser estabelecido segundo regras preexistentes. Não é mesmo possível conceber que, no regime de Estado de Direito, pudesse não se fazer presente o princípio do juiz natural. O princípio do juiz natural (e do promotor natural) apresenta-se, portanto, como um reflexo natural do regime de Estado de Direito. Foram referidas as modificações introduzidas no regime do juízo arbitral pela Lei n. 9.307/96. O compromisso arbitral – hoje, à luz da nova disciplina, a própria convenção de arbitragem – exclui da cognição da jurisdição estatal a lide288. Pertinente a indagação, neste passo, sobre se as modificações introduzidas por referido diploma legal conflitam com o princípio do juiz natural. Temos para nós que o juízo arbitral não apenas se compatibiliza perfeitamente com o princípio do amplo e irrestrito acesso ao Judiciário, como também se coaduna perfeitamente com o princípio do juiz natural. De outro lado, a Constituição Federal de 1988 consagrou com explicitude o já referido princípio do promotor natural (art. 5º, LIII). Vale dizer, o acusado não apenas tem a garantia de que não será julgado por tribunal de exceção (art. 5º, XXXVII), como também tem a certeza de que irá receber a acusação de “um órgão do Estado escolhido previamente segundo critérios e atribuições legais”289. Nelson Nery Jr. diz que, para se averiguar o respeito ao princípio do promotor natural, devem estar presentes quatro requisitos: “a) a investidura no cargo de Promotor de Justiça; b) a existência de órgão de execução; c) a lotação por titularidade e inamovibilidade do Promotor de Justiça no órgão de execução, exceto as hipóteses legais de substituição e remoção; d) a definição em lei das atribuições do órgão”290. Se o princípio do juiz natural leva a que não possam ser criados ou designados tribunais já existentes para apreciar determinado caso específico, o princípio do promotor natural assegura que o acusado será processado por um membro do Ministério Público, previamente constituído e que não tem interesse ou compromisso com a necessária condenação ou absolvição do acusado e que tem autonomia e independência para conduzir a acusação de acordo com o interesse público291. 10. Princípio do contraditório e da ampla defesa e a garantia do diálogo processual Esse princípio está estampado no art. 5º, LV, da CF/88: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. O CPC/2015, por sua vez, adota expressamente o princípio do contraditório em seus arts. 9º e 10, ao prever que “não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida” e que “o juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifesta, ainda que se trata de matéria sobre a qual deva decidir de ofício”, impondo-se não apenas a necessidade de diálogo para garantir a ampla defesa, mas também para refratar a possibilidade de decisões surpresas para as partes. Muito embora a doutrina, já à luz da Constituição Federal de 1967, com a Emenda Constitucional n. 1/69, entendesse que a garantia do contraditório se estendia ao processo civil e aos procedimentos administrativos, a Constituição Federal de 1988 inovou ao expressamente utilizar-se no inciso acima citado das expressões “processo judicial” (abrangendo tanto o processo civil como o penal) e procedimento “administrativo”. Como o princípio do juiz natural, acima estudado, o princípio do contraditório apresenta-se como uma consequência natural do Estado de Direito. Significa, esse princípio, que se deve “dar conhecimento da existência da ação e de todos os atos do processo às partes, e, de outro, a possibilidade de as partes reagirem aos atos que lhes sejam desfavoráveis”292. Nesse diapasão, percebe-se a íntima correlação existente entre o princípio do contraditório e o da isonomia (art. 5º, caput e inciso I, da CF/88; art. 139, I, do CPC), estando aindarelacionado ao princípio do amplo e irrestrito acesso ao Judiciário. Importante consignar que o princípio do contraditório tem dimensões diferentes, no processo civil e no processo penal. No processo penal, exige-se defesa técnica substancial do réu, mesmo que revel (art. 261 do CPP), mandando-se dar defensor ao réu que seja tido por indefeso. No processo civil, a projeção do princípio é menor. Exige-se que seja dada ciência ao réu da propositura da ação, porém isso não impede que, tratando-se de direitos disponíveis, seja julgada a ação, a despeito do fato de o réu ser revel (art. 355, II, do CPC). Seja como for, tanto no processo civil como no penal, é imperativo que se dê ciência ao réu da propositura da ação. No entanto, como há a distinção apontada acima, alguns entendem mais apropriado falar-se, no campo do processo civil, em princípio da bilateralidade da audiência, uma vez que nem sempre há efetiva manifestação do réu, bastando que lhe seja ensejada essa manifestação para que seja respeitado o princípio do contraditório, distinção essa que nos servimos de acompanhar293. Além disso, Arruda Alvim294 afirma que a instituição das normas fundamentais pelo CPC/2015 tem como objetivo a criação de um modelo cooperativo do direito processual, buscando refratar as possibilidades de decisões surpresas para as partes. Isso porque não adianta exigir a boa-fé e a cooperação das partes se uma decisão judicial que não leva em consideração o debate havido entre as partes for considerada legítima, uma vez que implicaria a diminuição do papel auxiliar dos próprios litigantes na solução do caso concreto. A legitimidade da decisão judicial está diretamente ligada à sua correlação com a alegação de direito discutida pelas partes nos autos. Nota-se o evidente intuito de “retirar a legitimidade das decisões judiciais que não sejam fruto de um debate efetivo entre os sujeitos do processo”, caracterizada por “monólogo do julgador consigo mesmo”, limitando-se a uma única perspectiva, sem qualquer observância do diálogo entre os sujeitos do processo295. Ainda que o CPC/2015, tal qual o CPC/73, preveja hipóteses em que é possível o julgamento conforme o estado do processo, autorizando a extinção prematura da lide, pelo disposto nos arts. 9º e 10 do CPC/2015, se a demanda já estiver formada, é impositivo que o julgador intime as partes para que se manifeste sobre as todas as questões suscitadas no curso do processo e que poderão acarretar sua extinção. O cabimento da extinção prematura é restrito aos casos de sentenças terminativas, através das quais se pode extinguir o processo sem apreciação do mérito já durante a fase de saneamento (quando verificada “qualquer das hipóteses previstas nos arts. 485 e 487, incisos II e III” – art. 354). Da mesma forma, podem ser proferidas sentenças definitivas decorrentes do julgamento antecipado do mérito, quando desnecessária a dilação probatória (art. 355, I) ou, quando ocorrer a revelia, com a produção dos seus regulares efeitos, sem que tenha havido requerimento de prova na forma do art. 349 (art. 355, II) Quando a demanda não estiver formada, ou seja, o réu ainda não integrar o polo passivo, a extinção prematura do processo pela ausência das condições da ação ou pressupostos processuais, não implicaria em ofensa aos arts. 9º e 10 do CPC/2015. No entanto, nos casos em que for desnecessária de dilação probatória e por uma questão de economia processual, recomenda o julgamento conforme o estado do processo, deve o magistrado garantir as partes o direito de se manifestar antes de seu julgamento, para garantir que essa decisão não acarretará em qualquer prejuízo para as partes. Essa necessidade é evidente, porque o art. 10 prevê a garantia do direito da parte para se manifestar mesmo sobre matérias em que o magistrado pode decidir de ofício, porque ainda que sejam tidas como matérias de ordem pública, eventual decisão de ofício não retiraria seu caráter de surpresa em relação às partes296. Nos casos de revelia, se operam os seus efeitos (não incidindo as excludentes dos incs. I a III do art. 345, sendo, ainda, plausíveis os fatos alegados na inicial), e desde que o réu tenha sido validamente citado, igualmente não ofende o princípio do contraditório o julgamento antecipado da lide (vide, acima, diferente alcance do princípio do contraditório no processo civil e no processo penal), incidindo a presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor (art. 344). Como dito, os princípios do contraditório e da ampla defesa aplicam-se também aos procedimentos administrativos297. Desse modo, serão nulas as sanções administrativas aplicadas como decorrência de procedimento em que não se tenha ensejado ao acusado conhecimento dos atos praticados e possibilidade de ampla defesa (por exemplo, com a produção das provas que entender adequadas/pertinentes). Há que se distinguir, no campo do processo penal, a fase do inquérito policial e do processo judicial propriamente dito. No processo penal (judicial), o princípio do contraditório assume sua expressão máxima (arts. 261 e 497 do CPP). Daí, como apontado, alguns autores, ao lado dos quais nos perfilhamos, preferirem reservar o nome “contraditório” para o processo penal. No entanto, na fase policial, costuma-se dizer que o procedimento é inquisitório e não acusatório. Visa, o inquérito policial, a coligir as provas que poderão servir de supedâneo à ação penal. O inquérito policial, assim, não tem um fim em si mesmo, mas visa, apenas e tão somente, aparelhar futura e eventual ação penal. Daí por que o fato de ser eminentemente inquisitório e não acusatório não fere os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa. O mesmo se diga com relação ao inquérito civil. A Lei da Ação Civil Pública (Lei n. 7.347/85) prevê, em seu art. 8º, § 1º, a possibilidade de o Ministério Público instaurar o chamado inquérito civil público. Explica-se: para a propositura da ação civil pública, pode ser necessário ao Ministério Público (que é um dos possíveis legitimados ativos da ação civil pública) instaurar um procedimento administrativo prévio, denominado inquérito civil, que, assim como o inquérito policial, não visa senão reunir elementos para uma possível ação ulterior. Como tal procedimento não visa a um fim em si mesmo, mas apenas a aparelhar eventual futura ação, o fato de ser inquisitório não atrita com a grandeza constitucional do princípio do contraditório. Isso não quer dizer que as informações que o Ministério Público requisitar (art. 8º, § 1º, da Lei n. 7.347/85) não devam guardar pertinência com aquilo que se objetiva apurar com o inquérito civil. Daí que a requisição de informação deve ser fundamentada, e não arbitrária ou aleatória. Na prática, porém, não é incomum que se ofereça alguma espécie de defesa (explicação) no curso do inquérito civil com vistas não exatamente a uma defesa, pois que não há ainda acusação, mas com o escopo de fornecer à autoridade que preside o inquérito civil (Ministério Público) elementos que lhe permitam concluir pela desnecessidade da ação civil pública. Essa noção tradicional de que o inquérito policial é inquisitório e não acusatório tem sido mitigada em diversos julgados do STF, conforme já mencionado anteriormente298. Nesse sentido, o STF veio, inclusive, a editar a Súmula Vinculante 14, com a seguinte redação: “É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa”. Interessante consignar que o princípio do contraditório, no processo civil, faz-se presente não apenas na fase de conhecimento, mas, igualmente, na fase de execução. Na fase de cumprimento de sentença, não há propriamente lide (como há na fase de conhecimento). Na fase de execução (ora cumprimento de sentença), busca-se realizar materialmente o que tiver sido decidido na fase de conhecimento299. Sem embargo disso, tambémna execução, há espaço para aplicação do princípio do contraditório, ainda que com perfil diferente da fase cognitiva300. Primeiro, o devedor, na execução, pode oferecer impugnação nas hipóteses do art. 525, § 1º, do CPC/2015; ainda, em hipóteses excepcionais, mesmo antes de seguro o juízo, pode oferecer o que a doutrina tem denominado de exceção de pré-executividade, quando a execução se revele, por alguns motivos que serão estudados oportunamente, absolutamente inviável301. Se se tratar de execução por título extrajudicial, o âmbito da defesa oponível é o mesmo da contestação (art. 917), já que poderão ser levantadas, além das matérias constantes dos incisos I a IV do art. 917 do CPC/2015, qualquer outra que poderia ser levantada em processo de conhecimento, a teor do que dispõe o inciso V desse mesmo dispositivo legal. 10.1 A citação A citação é o ato processual “pelo qual são convocados o réu, o executado ou o interessado para integrar a relação processual” (art. 238 do CPC/2015). É a citação, pois, por excelência, o ato pelo qual se dá efetividade ao princípio do contraditório no campo do processo civil. Observe-se que, conforme conteúdo já presente no CPC/73, do mandado citatório há de constar a advertência de que trata o inciso II do art. 250 do CPC/2015, segundo a qual deverá constar no mandado “a finalidade da citação, com todas as especificações constantes da petição inicial, bem como a menção do prazo para contestar, sob pena de revelia, ou para embargar a execução A ausência da advertência inserida no art. 250, inciso II, conduz à nulidade da citação e impede, ab initio, que se produzam os efeitos da revelia302. Desse modo, expõe Arruda Alvim a respeito do art. 285 do CPC/73 (cujo conteúdo se manteve no CPC/2015, em seu art. 250, II): “a ausência desta advertência torna nula a citação e impede, a fortiori, que se produza (m) o(s) efeito(s) da revelia. Neste caso, embora não haja comprometimento da citação, em si mesma, a lei comina de nulidade. Se a ação, pois, não vier a ser contestada, haverá revelia, e, em nosso sentir, nulidade (desde que ocorrente prejuízo), e, a fortiori, incogitável a incidência do art. 319 (...). De qualquer forma, e, como regra geral, inocorrente prejuízo, não há que se dar pela nulidade. Assim, v.g., já mais antigamente se entendia que não ocorria qualquer prejuízo, se o citando, dentro do prazo, comparecia e apresentava defesa. (...) Entretanto, mesmo que irregular a citação, se tiver conseguido preencher a sua finalidade, não se deverá decretar a nulidade do processo”303. Se faltar a advertência de que trata o art. 285 e, mesmo assim, o réu apresentar contestação, indagamos se seria possível cogitar-se de nulidade, pelo fato de que no mandado de citação faltava requisito essencial. Como aduz Marcelo Abelha Rodrigues, “foi sanada a nulidade pelo fato de que houve contestação de todos os pontos articulados pelo autor, não havendo qualquer prejuízo em aproveitar o ato citatório”304. Destarte, temos que as consequências da ausência da advertência do art. 250, II, deverão ser apuradas no caso concreto e em consonância com o princípio do prejuízo, inserido no art. 282, § 2º. Dessa forma, podemos falar, neste caso, em nulidade sanável, como bem ressaltado por Marcelo Abelha Rodrigues305. 10.2 Liminar inaudita altera parte Finalmente, dentro deste assunto, cumpre serem analisadas as liminares. O sistema processual civil prevê que, em determinadas hipóteses, é possível ao juiz determinar providências liminarmente, sem a prévia ouvida da parte contrária, conforme prevê o art. 9º, parágrafo único, do CPC/2015. O CPC/2015 autoriza ao magistrado que seja proferida decisão sem ouvir a outra parte quando tratar-se de tutela provisória de urgência, evidência (art. 311, incs. II e III) ou para expedir o mandado de pagamento no caso de ação monitória (art. 701). Sendo que, nesses casos, busca-se a prevalência da efetividade do processo, sem que haja conflito com o princípio do contraditório e da ampla defesa. Explica-se o porquê. Quando o sistema prevê a possibilidade de medidas liminares, sem ser ouvida a parte contrária, é porque há risco de dano irreparável, se não concedida liminarmente a providência pleiteada. Então, entre dois valores em pauta – contraditório e efetividade do processo –, há o que Nelson Nery Jr., baseado em doutrina alemã, denomina “limitação imanente à bilateralidade da audiência”306. Isso não quer dizer que o contraditório possa ser afastado. Absolutamente. Tão logo determinada a providência liminar solicitada inaudita altera parte, esta deverá ser intimada, para defender-se e, se entender ser o caso, interpor recurso contra a decisão. Exatamente por isso tais decisões não deverão gerar situações irreversíveis, pois, se o fizessem, aí, sim, seria inutilizado (e não simplesmente adiado) o contraditório. É o que didaticamente prevê o § 3º do art. 300 do CPC. Em suma, sacrifica-se provisoriamente o contraditório, em prol da efetividade do processo (interesse superior da justiça), pois sem a decisão liminar inaudita altera parte, verifica-se perigo de dano diante da duração do processo. Porém, à parte prejudicada pela decisão será dado o direito de sobre ela se manifestar, e de interpor recurso à instância ad quem, se entender necessário. Além disso, há que se considerar que as medidas liminares são, por excelência, provisórias307, o que corrobora a ideia de que as liminares inaudita altera parte não colidem com o princípio do contraditório e da ampla defesa. 11. Princípio da proibição da prova ilícita A CF/88 estipula no art. 5º, LVI: “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”. A primeira dificuldade que surge consiste em conceituar prova ilícita308. Ao lado desse dispositivo, deve-se ter presente, dentre outros, o art. 5º, XII, também do texto constitucional, que garante ser “inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”. A ilicitude pode ser material, se a produção da prova resulta de ato contrário ao direito; ou formal, se decorre da forma ilegítima como ela se produz309. Reconhecida a ilicitude da prova, o STJ tem determinado seja ela desentranhada dos autos para não influenciar de qualquer forma a decisão do juiz310. O tema tem dado margem a grandes discussões. O Supremo Tribunal Federal já decidiu pela ilegalidade de gravação feita por marido que havia se separado da mulher e não mais coabitava com ela e invadiu a sua privacidade, violando sua linha telefônica311. Nelson Nery Jr. entende que, se se tratar de gravação de conversa própria, ou de linha comum, de cônjuges que vivam sob o mesmo teto, não há ilegalidade na prova312-313, com o que se concorda. A Lei n. 9.296/96 prevê as hipóteses em que é admitida a interceptação telefônica por ordem judicial, regulamentando a parte final do inciso XII do art. 5º da CF/88. A interceptação telefônica somente poderá ser utilizada como meio de prova em investigação criminal, com autorização judicial. Não há, por outro lado, previsão de utilização de interceptação telefônica na esfera civil. Aliás, o art. 10 da Lei n. 9.296/96 dispõe que “constitui crime realizar interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática, ou quebrar segredo da Justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei”. É importante diferenciar, como já sublinhamos, a escuta ou interceptação telefônica do uso de gravações telefônicas como meio de prova no cível. Os tribunais têm decidido que, se a gravação for feita por uma das partes interlocutoras, é lícita e pode ser utilizada como meio de prova no cível314. Se a prova for obtida por meio lícito, no processo penal, poderá ser usada como prova emprestada no cível315. Para caber a prova emprestada, sem violação do contraditório, a parte contra quem vai ser produzidahá de ter participado do processo originário. Para Eduardo Cambi, “para que a prova emprestada seja admitida, é necessário que tenha sido recolhida, a princípio, de um processo entre as mesmas partes e com o mesmo objeto. A prévia intervenção e participação das partes são necessárias, porque, se uma das partes do segundo processo não fosse a mesma do primeiro processo, haveria violação da garantia constitucional do contraditório e, mais especificamente, do próprio direito constitucional à prova”316-317. Esse é o entendimento do Supremo Tribunal Federal, já que “a garantia constitucional do contraditório – ao lado, quando for o caso, do princípio do juiz natural – é o obstáculo mais frequentemente oponível à admissão e à valoração da prova emprestada de outro processo, no qual, pelo menos, não tenha sido parte aquele contra quem se pretenda fazê-la valer; por isso mesmo, no entanto, a circunstância de provir a prova de procedimento a que estranho a parte contra a qual se pretende utilizá-la só tem relevo se se cuida de prova que – não fora o seu traslado para o processo – nele se devesse produzir no curso da instrução contraditória, com a presença e a intervenção das partes”318. 12. Princípio da publicidade dos atos processuais O princípio da publicidade dos atos processuais decorre do disposto no inciso LX do art. 5º e no inciso IX do art. 93, ambos da CF. Os art. 11 e 189 do CPC consagram a regra da publicidade dos atos processuais no plano infraconstitucional, ao disporem que os atos processuais e julgamentos do Poder Judiciário são públicos. O próprio art. 189, em seus incisos I e II, traz determinadas hipóteses de processos que devem tramitar em segredo de justiça, quais sejam (I) os casos em que o exigir o interesse público ou social e (II) os processos que versem sobre casamento, separação de corpos, divórcio, separação, união estável, filiação, alimentos e guarda de crianças e adolescentes. Nessas situações excepcionais, o direito de consultar os autos e pedir certidões é restrito às partes e seus procuradores, cabendo a terceiro que pretenda obter certidão do dispositivo da sentença, bem como do inventário e partilha, resultante de separação judicial, requerê-lo ao juiz da causa. As exceções contidas no art. 189 do CPC têm respaldo no inciso LX do art. 5º da CF/88 e na parte final do inciso IX do art. 93, também da CF/88319. Nesses casos, o direito à intimidade das partes e o interesse social justificam a tramitação em segredo e sobrepõem-se ao princípio da publicidade dos atos processuais, evitando que o processo seja alvo de especulações maliciosas ou sensacionalistas que, muitas vezes, prejudicam o seu próprio andamento. Decorre do princípio da publicidade a regra do art. 368 do CPC, que determina que as audiências são públicas, ressalvadas das exceções legas. Arruda Alvim diz, a respeito deste princípio: “A publicidade é havida como garantia para o povo de uma Justiça ‘justa’, que nada tem a esconder; e, por outro lado, é também garantia para a própria magistratura diante do mesmo povo, pois, agindo publicamente, permite a verificação de seus atos”320. 13. Princípio da motivação das decisões judiciais (art. 11 do CPC/2015) Dispõe o art. 93, IX, da CF/88 que as decisões judiciais serão motivadas sob pena de nulidade. Ainda, com o advento do CPC/2015, a motivação das decisões foi regulada a nível infraconstitucional, de forma que o seu art. 11 dispõe “Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade”. Assim, a motivação não apenas foi inserida em lei ordinária, como inserida no rol das normas fundamentais de processo civil. A necessidade da motivação das decisões judiciais (todas as decisões judiciais devem ser motivadas e não apenas a sentença), em rigor, nem haveria de constar do texto constitucional, pois que decorre do próprio Estado de Direito, e, ainda, do princípio do due process, de que já se tratou. É, ainda, verdadeiro pressuposto para que se possa recorrer. As razões recursais são voltadas a contrastar a fundamentação das decisões judiciais. Como pondera Teresa Arruda Alvim: “Ato de inteligência e de vontade, não se pode confundir a sentença com um ato de imposição pura e imotivada de vontade. Daí a necessidade de que venha expressa sua fundamentação (art. 93, IX, da CF/88)”. Diz, mais, esta autora, que fundamentação deficiente, para todos os efeitos, equivale à falta de fundamentação321-322. Fundamentar significa dar as razões de fato e de direito que levaram à tomada da decisão323. A fundamentação deve ser substancial e não meramente formal. Correta a afirmação de Cândido Rangel Dinamarco324, no sentido de que a exigência da motivação das decisões judiciais é um contrapeso da liberdade e independência conferidas ao juiz para decidir. Sendo assim, a motivação não pode ser dispensada, sob pena de nos depararmos com decisões arbitrárias, contrariando os princípios do Estado de Direito. A sanção para a ausência de fundamentação é expressamente cominada pelo próprio texto constitucional: nulidade da decisão (CF/88, art. 93, IX)325. Isso revela a importância que o constituinte dispensou a este ponto (necessidade de fundamentação das decisões judiciais), eis que, usualmente, os preceitos constitucionais não trazem em seu bojo a norma sancionadora. O CPC/2015, neste contexto, classificou o dever de motivação da decisão como norma fundamental, cuja inobservância implica a nulidade do ato decisório. Este é o conteúdo expresso na parte final do art. 11, caput, inserido no capítulo “Das normas fundamentais do processo civil”. Da mesma forma, ao dispor a respeito da apreciação das provas, o art. 371 determina que as razões da formação do convencimento do juiz deverão ser indicadas na decisão, reafirmando o princípio da motivação em sede infraconstitucional. 14. Princípio da independência da magistratura A independência da magistratura pressupõe a regra do art. 5º, XXXVII, e a do art. 5º, LIII, da CF/88. Fundamentalmente, está prevista essa independência no art. 2º da Constituição, onde se lê: “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”. Gozam os juízes, legitimamente integrantes do Poder Judiciário, alojados em juízos e tribunais previstos na Constituição ou a partir dela, de uma série de garantias, justamente para que a aplicação do direito por eles feita signifique, exclusivamente, a vontade da lei, e a fim de que a esse mister restem estranhas quaisquer outras influências. São as garantias já abordadas anteriormente, isto é, vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídios. Diz-se com autoridade, com lastro em literatura do direito comparado e com base em inumeráveis Constituições, que a “independência dos órgãos judiciários, que hoje pode ser aceita como um dogma, está na própria essência do Poder Judiciário, que não se compreenderia subordinado a injunções de outro poder, para o exercício da administração da justiça”326. A independência do juiz deve ser descrita como bifronte, ou seja, ela é política e jurídica, sendo aquela o suporte desta. Não poucas Constituições referem-se a que o juiz resta submetido unicamente à lei327. Como corolário dessa independência, o juiz submete-se unicamente a sua convicção (livre convencimento motivado); não se lhe podem solicitar explicações quanto àquilo que haja decidido, não mais existindo nos sistemas constitucionais contemporâneos o antigo ius respondendi, ou seja, a obrigação de o juiz explicar suas decisões; os juízes não são obrigados a aceitar decisões de outros juízes e tribunais, valendo estas, única e exclusivamente, pelo poder de persuasão de que gozem, nunca como precedentes autoritários em nosso sistema constitucional. Por outro lado, é certa a existência de exceções constitucionalmente expressas, tal como o resultado da ação declaratória de constitucionalidade, introduzida em nosso sistema pela Emenda Constitucional 3/93 à Constituição Federal deda avaliação 3.6.9.2 Forma de avaliar os bens e o laudo de avaliação 3.6.9.3 Impugnação ao laudo 3.6.9.4 Reavaliação 3.6.10 Últimas declarações 3.6.11 Cálculo do tributo 3.6.11.1 Julgamento do cálculo 3.6.11.2 Pagamento dos tributos 3.7 Pagamento de dívidas 3.7.1 Legitimidade do credor para requerer o pagamento 3.7.2 Habilitação 3.7.2.1 A satisfação do crédito habilitado 3.7.2.2 Crédito inexigível 3.7.2.3 Outras hipóteses 3.7.2.4 Decisão 4. Colação e a obrigação de igualar as legítimas 4.1 Herdeiro renunciante e excluído 4.2 Objeto da colação 4.3 Avaliação dos bens colacionados 4.4 Divergência sobre o dever de colação 4.5 Consequências da ausência de colação 5. Partilha 5.1 Pedido de quinhões 5.2 Regras para a partilha 5.3 Esboço da partilha 5.4 Elementos da partilha 6. Sentença 6.1 Emenda da partilha (art. 656 do CPC/2015) 6.2 Rescisão da sentença (art. 658 do CPC/2015) 6.2.1 Herdeiro preterido no inventário 6.2.2 Herdeiro incluído no inventário 6.2.3 Efeitos da rescisão 7. Formal de partilha 8. Arrolamento 8.1 Arrolamento comum 8.2 Arrolamento sumário 8.2.1 Petição de arrolamento sumário 8.2.2 Necessidade de capacidade postulatória 8.2.3 A taxa judiciária, impostos e tributos 8.2.4 Adjudicação ou partilha 8.2.5 Dispensa de avaliação de bens 8.3 Habilitação de crédito e reserva de bens no arrolamento 8.4 Expedição do formal de partilha 8.5 Aplicação subsidiária das regras de inventário no arrolamento 8.6 Anulação da partilha amigável 8.6.1 Legitimidade 8.6.2 Competência 8.6.3 Decadência 9. Dispensa de inventário e de arrolamento 10. Tutela provisória 11. Sobrepartilha 12. Curador especial 13. Cumulação de inventários LV EMBARGOS DE TERCEIRO 1. Conceito 2. Legitimidade 2.1 Ativa 2.1.1 Cônjuge ou companheiro 2.1.2 Adquirente de bens cuja alienação foi declarada ineficaz por fraude à execução 2.1.3 Quem sofre constrição por força da desconsideração da personalidade jurídica 2.1.4 Credor com garantia real 2.2 Passiva 3. Prazo 4. Competência 5. Procedimento 5.1 Petição inicial 5.2 Citação 5.3 Liminar e seus efeitos 5.4 Contestação 6. Sentença LVI OPOSIÇÃO 1. A inovação do CPC/2015 relativa à oposição 2. Cabimento e legitimidade 3. Momento da oposição 4. Procedimento 5. Sentença LVII HABILITAÇÃO 1. Conceito 1.1 As alterações provocadas pelo CPC/2015 2. Cabimento 3. Legitimidade para requerer a habilitação 3.1 Habilitação requerida antes da partilha 3.2 Habilitação requerida após a partilha 4. Competência 5. Procedimento 5.1 Suspensão do processo 5.2 Petição de requerimento de habilitação 5.3 Citação dos requeridos para manifestação em cinco dias 5.4 Habilitação sumária 5.5 Habilitação ordinária 6. Decisão sobre a habilitação 6.1 Recurso cabível 6.2 Autoridade da coisa julgada LVIII AS AÇÕES DE FAMÍLIA 1. Introdução: a especialidade do procedimento 1.1 O CPC/73 e os procedimentos relativos às ações de família 2. Valorização dos meios consensuais de resolução de conflitos 3. A multidisciplinaridade do direito de família 4. Procedimento 5. A intervenção do Ministério Público 6. Sentença LIX AÇÃO MONITÓRIA 1. A função do procedimento monitório e suas características 1.1 A tutela de evidência e o uso residual da ação monitória 1.2 Natureza e classificação da ação monitória 2. A análise de admissibilidade da ação monitória 3. Legitimidade 4. Competência 5. Procedimento 5.1 Petição inicial 5.2 Intimação para pagamento, entrega da coisa ou execução da obrigação de fazer ou de não fazer 5.3 Medidas adotadas pelo réu 5.3.1 Inércia 5.3.2 Embargos monitórios 6. Das decisões proferidas na ação monitória 6.1 Extinção pelo pagamento 6.2 Julgamento dos embargos monitórios LX HOMOLOGAÇÃO DE PENHOR LEGAL 1. Definição e especialidade do procedimento 1.1 A homologação de penhor legal no CPC/73 2. Competência 3. Procedimento extrajudicial 4. Procedimento judicial 4.1 A petição inicial e o requerimento para citação 4.2 A obrigatoriedade da audiência preliminar 4.3 A manifestação do réu 4.4 Sentença LXI REGULAÇÃO DE AVARIA GROSSA 1. Introdução 2. Cabimento 3. Competência 4. Legitimidade 5. Procedimento 5.1 Petição inicial 5.2 Nomeação do regulador 5.2.1 Deveres do regulador 5.2.1.1 Declaração 5.2.1.2 Exigir garantias idôneas para liberação das cargas 5.2.1.3 Alienação de bens 5.3 Regulamento da avaria grossa 5.3.1 Impugnação ao regulamento 5.4 Sentença LXII RESTAURAÇÃO DOS AUTOS 1. Conceito 2. Legitimidade 3. Competência 4. Autos suplementares 5. Procedimento 5.1 Petição inicial 5.2 Citação 5.3 Resposta do réu 5.4 Desaparecimento após a produção de provas 5.5 Desaparecimento dos autos no Tribunal 6. Decisão 6.1 Sucumbência 7. Reaparecimento dos autos originais LXIII PROCEDIMENTOS DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA 1. Aspectos gerais 2. Legitimidade 3. Procedimento 3.1 Petição inicial 3.2 Citação 3.3 Manifestação do réu 3.3.1 Revelia 3.4 Instrução probatória 4. Sentença 4.1 Custas e honorários 5. Recursos 6. Outros casos que se aplicam ao procedimento de jurisdição voluntária 6.1 Emancipação 6.2 Sub-rogação 6.3 Alienação, arrendamento ou oneração de bens de crianças ou adolescentes, órfãos e interditos 6.4 Alienação, locação e administração da coisa comum 6.5 Alienação de quinhão em coisa comum 6.6 Extinção de usufruto e de fideicomisso 6.7 Expedição de alvará judicial 6.8 Homologação de autocomposição extrajudicial de qualquer natureza ou valor LXIV NOTIFICAÇÃO E INTERPELAÇÃO 1. Introdução 2. Notificação 2.1 Notificação por edital 3. Interpelação 4. Procedimento 4.1 Deferimento 4.2 Hipóteses de oitiva prévia do requerido 4.3 Indeferimento 4.4 Entrega dos autos ao requerente após a intimação 5. Protesto LXV ALIENAÇÃO JUDICIAL 1. Conceito 2. Legitimidade 3. Cabimento 4. Procedimento 4.1 Dispensa do leilão 4.2 Avaliação prévia 4.3 Publicidade 4.4 Arrematação 5. Destino dos frutos da alienação LXVI DIVÓRCIO, SEPARAÇÃO CONSENSUAL E EXTINÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL E DA ALTERAÇÃO DO REGIME DE BENS DO CASAMENTO 1. Introdução 1.1 Separação consensual 1.2 Divórcio 1.3 União estável 2. Legitimidade 3. Competência 4. Homologação judicial de divórcio, separação judicial ou extinção consensual de união estável 4.1 Petição inicial 4.2 Recebimento da inicial e primeiras providências 4.3 Sentença 4.4 Conversão da separação litigiosa em consensual 4.5 Separação consensual e reconciliação do casal 5. Homologação extrajudicial 6. Procedimento para alteração de regime de bens 6.1 Averbação LXVII TESTAMENTOS E CODICILOS 1. Introdução à especialidade do procedimento 2. Competência 3. Testamento cerrado 3.1 Abertura do testamento cerrado 3.2 Intervenção do Ministério Público 3.3 Sentença e registro do testamento 4. Testamento público 5. Testamento particular 5.1 Publicação do testamento particular 5.2 Intervenção do Ministério Público 5.3 Audiência e sentença 6. Testamentos especiais 7. Cumprimento do testamento 7.1 Ausência de testamenteiro nomeado 7.2 Compromisso do testamenteiro 7.3 Deveres do testamenteiro 7.4 Prêmio do testamenteiro LXVIII HERANÇA JACENTE 1. Conceito 2. Competência 3. Legitimidade 4. Arrecadação 4.1 Hipótese em que não se procederá à arrecadação 4.2 Publicidade 4.3 Habilitação de credores 5. Guarda, conservação e administração da herança jacente: deveres do curador 5.1 Alienação de bens 6. Habilitação de herdeiros e conversão em inventário 7. Declaração de vacância e incorporação dos bens LXIX BENS DOS AUSENTES 1. Introdução 2. Competência 3. Registro da declaração de ausência 4. Arrecadação dos bens do ausente 4.1 Curadoria 4.2 Publicidade 5. Sucessão provisória 5.1 Legitimidade 5.2 Citação dos herdeiros 5.2.1 Ausência de herdeiros: declaração de herança jacente 5.3 Decisão da abertura 6. Conversão da sucessão provisória em definitiva 7. Retorno do ausente LXX COISAS VAGAS 1. Introdução ao conceito de coisa vaga 2. Competência 3. Procedimento1988, ou as súmulas vinculantes, previstas no art. 103-A e parágrafos do Texto Maior, trazidas pela Emenda Constitucional n. 45/2004. Ainda, o CPC/2015 atribuiu força substancial à jurisprudência, com vistas a privilegiar a sua função uniformizadora. É neste contexto que o art. 927 preceitua que os tribunais deverão observar: as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade (inciso I), os enunciados de súmula vinculante (inciso II), os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos (inciso III), os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional (inciso IV) e a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados (inciso V). Cabendo reclamação, nos termos do art. 988, em caso de não obediência de alguns dos casos supracitados. Cumpre ressaltar, entretanto, que o regramento do CPC/2015 não impõe restrição ao livre convencimento do magistrado. Assim, conforme opinião de Arruda Alvim: “Em não havendo essa disciplina – como é o caso de nossos dias – isso não significa que a causa ou os processos deixem de ser decididos como entendem os Tribunais e os Tribunais Superiores. Só que isto ocorrerá ao longo do tempo com percalços, criando situações sociais altamente indesejáveis”328. Assim, o novo Código optou por consubstanciar o princípio da igualdade (art. 5º, I, CF). Considerou, para tanto, que a igualdade formal diante da letra da lei seria insuficiente à garantia da isonomia material, haja vista ser possível diferentes entendimentos a respeito de um mandamento, mesmo em face de situações idênticas. O Conselho Nacional de Justiça, instituído pela EC 45/2004, não interfere na autonomia e independência do Judiciário. Referido Conselho vem, aliás, previsto no art. 92, I-A, do Texto Supremo, como órgão do Poder Judiciário, sendo que sua composição e atribuições respectivas vêm dispostas no art. 103-B. Não cabe, contudo, ao Conselho interferir na atividade jurisdicional, como claramente se dessume da leitura do § 4º do mencionado art. 103-B, que elenca as suas atribuições. A propósito, observa com propriedade Rita Dias Nolasco que “o CNJ não pode interferir na atividade jurisdicional, e, evidentemente, não pode discutir o mérito das decisões dos juízes. Ou seja, não pode interferir na autonomia e independência da magistratura”329. Essa independência política e jurídica do Judiciário envolve a necessidade de existir um autogoverno da magistratura. O chamado autogoverno da magistratura se corporifica pelos regimentos que os tribunais elaboram, tendo em vista o conteúdo constante do art. 96 da CF. É importante ter presente que os regimentos, porque têm um conteúdo próprio e predeterminado, têm um claro conteúdo normativo “no tocante a esses assuntos de sua [do Judiciário] esfera privativa de regulamentação”330- 331. Nos quadros desse autogoverno há que se ter presente a regra do art. 99 da CF/88, em que se estabelece que “ao Poder Judiciário é assegurada autonomia administrativa e financeira”, com a extensão constante dos §§ 1º e 2º desse art. 99. A circunstância de o Judiciário dizer o direito, e, portanto, fazer com que, em suas decisões, o direito ganhe dinamicidade, leva-o, em certo sentido, a ter o poder de dizer a última palavra, tendo em vista o direito positivo. É certo que a última palavra, dita pelo Poder Judiciário, não se reveste de arbítrio, senão que, justamente por estar o Judiciário submetido à lei, conduz ao resultado de que é o Judiciário, pelo seu funcionamento, que realiza por excelência o princípio da legalidade, na ordem prática. Para tanto, deve-se apontar, dentre uma das características substanciais da jurisdição, não só essa incontrastabilidade das decisões judiciárias, como também, complementando esse perfil, a coisa julgada332. Aponta-se, ainda, a explicar essa mesma realidade, o caráter da jurisdição como sendo substitutiva, vale dizer, ao depois da decisão não prevalecerá o que as partes desejavam, senão aquilo que o Judiciário haja decidido, com lastro na lei, inclusive quando se tratar de outros poderes, Executivo ou Legislativo333-334. 15. Princípio do duplo grau de jurisdição O princípio do duplo grau de jurisdição assegura às partes o direito de pleitear a revisão das decisões judiciais proferidas em primeiro grau de jurisdição. Através dos recursos que visam a implementar o duplo grau de jurisdição (é o caso, por excelência, da apelação), as partes poderão pretender o reconhecimento pelo tribunal de erros de direito ou de erros de fato, já que o duplo grau de jurisdição está eminentemente relacionado à ideia de justiça. A propósito, diz Ada Pellegrini Grinover: “O princípio do duplo grau de jurisdição funda-se na possibilidade da decisão de primeiro grau ser injusta ou errada, daí decorrendo a necessidade de permitir-se sua reforma em grau de recurso”335. A Constituição Federal não garante de forma expressa o duplo grau de jurisdição, que, todavia, pode-se reputar um princípio constitucional implícito. A propósito, diz com pertinência Ada Pellegrini Grinover: “Apesar da inexistência de regra constitucional expressa que garanta o duplo grau de jurisdição, parece-nos, com José Frederico Marques, que a regra é imanente na Lei Magna, a qual, como as anteriores, mais que a dualidade de graus de jurisdição, adota o sistema da pluralidade deles”336. O duplo grau é, por exemplo, prestigiado pela Constituição Federal quando esta prevê o cabimento de recursos ordinários dirigidos ao STF e STJ, em determinadas causas de competência originária dos tribunais locais (arts. 102, II, e 105, II). Nestes casos, o STF e o STJ funcionam como órgãos de jurisdição ordinária, exatamente para preservar o direito ao duplo grau de jurisdição nas hipóteses ali contempladas. Oreste Nestor de Souza Laspro propõe a seguinte conceituação ao princípio do duplo grau de jurisdição: “Podemos finalmente conceituar o duplo grau de jurisdição como sendo aquele sistema jurídico em que, para cada demanda, existe a possibilidade de duas decisões válidas e completas no mesmo processo, emanadas por juízes diferentes, prevalecendo sempre a segunda em relação à primeira”337. Nos casos dos Juizados Especiais, os recursos não são interpostos para os órgãos de hierarquia superior, mas sim para as Turmas Recursais, compostas por juízes de primeiro grau. Ainda assim estará preservado o duplo grau de jurisdição, uma vez que as decisões são amplamente revistas pelas Turmas Recursais. Para Joel Dias Figueira Jr., em posição que nos servimos de acompanhar, as Turmas Recursais (competentes para analisar recursos interpostos contra sentenças proferidas em Juizados Especiais) representam nos Juizados Especiais a segunda instância na Justiça comum338. Os julgamentos das apelações, em regra, são feitos por órgãos colegiados, conquanto o art. 557 do CPC, que é aplicável a todos os recursos339 e assim também ao recurso de apelação, abra a possibilidade de julgamento monocrático se presentes as circunstâncias autorizadoras contempladas no caput e no § 1º-A, o que não desnatura a ideia de duplo grau. 16. Princípio da razoável duração do processo No nível constitucional, o princípio da razoável duração do processo encontra-se consagrado no art. 5º, LXXVIII, da CF/88, inserido pela Emenda Constitucional n. 45/2004 (“a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”). Porém, o referido princípio foi reproduzido pelo CPC/2015, que o inseriu no rol das normas fundamentais do processo civil, consoante art. 4º: “As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa”. A razoável duração do processo é garantida não somente para os processos judiciais, mas também para os processos administrativos.3.1 Recompensa 3.1.1 Responsabilidade do descobridor 3.2 Publicidade 3.3 Comparecimento do dono ou do legítimo possuidor 3.4 Coisa vaga não reclamada LXXI INTERDIÇÃO 1. A interdição e a curatela 1.1 Alteração proposta pela Lei n. 13.146/2015 e os reflexos no CPC/2015 2. Legitimidade 3. Competência 4. Atuação do Ministério Público 4.1 Legitimidade ativa 4.2 Fiscal da ordem jurídica 5. Procedimento 5.1 Petição inicial 5.2 Tutela antecipada 5.3 Entrevista 5.4 Impugnação do interditando 5.4.1 Representação do interditando 5.5 Perícia 6. Sentença 6.1 Curador: nomeação e função 6.2 Recurso 7. Levantamento da curatela 8. Breves comentários acerca da “tomada de decisão apoiada” LXXII DAS DISPOSIÇÕES COMUNS À TUTELA E À CURATELA 1. Introdução: ponto de convergência entre a tutela e a curatela 2. Compromisso prestado pelo tutor ou curador 2.1 Escusa do dever 3. Remoção do tutor ou curador 3.1 Nomeação de substituto interino 4. Exoneração do tutor ou curador 5. Prestação de contas LXXIII ORGANIZAÇÃO E FISCALIZAÇÃO DAS FUNDAÇÕES 1. Fundações: conceito e instituição 1.1 Atuação do Ministério Público 1.1.1 Aprovação do estatuto 1.1.2 Elaboração do estatuto 2. Organização e fiscalização das fundações: função do judiciário 2.1 Intervenção judicial para suprir aprovação do Ministério Público 2.2 Extinção da fundação LXXIV RATIFICAÇÃO DOS PROTESTOS MARÍTIMOS E CARTAS TESMEMUNHÁVEIS FORMADOS A BORDO 1. Objeto e o conceito 2. Legitimidade 3. Procedimento LXXV NOÇÕES GERAIS SOBRE O PROCESSO DE EXECUÇÃO E O CUMPRIMENTO DE SENTENÇA 1. Considerações introdutórias 2. Autonomia e sincretismo 3. Execução e mérito 4. Princípios da execução 4.1 Princípio da iniciativa 4.2 Princípio do título 4.3 Princípio do resultado 4.4 Princípio da disponibilidade 4.5 Princípio da menor onerosidade 4.6 Princípio da atipicidade dos atos executivos 5. Classificação 5.1 Quanto à origem do título 5.2 Quanto à estabilidade do título 5.3 Quanto aos meios executivos 6. Responsabilidade patrimonial 6.1 Responsabilidade patrimonial primária 6.2 Responsabilidade secundária 6.3 Questões específicas da responsabilidade patrimonial 6.4 Fraude à execução 6.4.1 Hipóteses de fraude à execução e seus requisitos 6.4.2 Averbação premonitória 6.4.3 Fraude à execução e a desconsideração da personalidade jurídica 7. Suspensão e extinção da execução 7.1 Suspensão 7.1.1 Hipóteses de suspensão da execução 7.1.2 Prescrição intercorrente 7.2 Extinção 7.2.1 Sentença na execução LXXVI CUMPRIMENTO DE SENTENÇA 1. Noções gerais sobre a execução de título judicial 2. Títulos executivos judiciais 2.1 Decisão judicial 2.2 Decisão homologatória de autocomposição judicial 2.3 Decisão homologatória de autocomposição extrajudicial 2.4 Formal ou certidão de partilha 2.5 Crédito do auxiliar da justiça 2.6 Sentença penal condenatória 2.7 Sentença arbitral 2.8 Sentença estrangeira 2.9 Decisão interlocutória estrangeira 3. Legitimidade ativa 4. Legitimidade passiva 4.1 Intimação do executado 5. Competência 6. Hipoteca judiciária 7. Liquidação de sentença 7.1 Considerações iniciais 7.2 Liquidação por arbitramento 7.3 Liquidação pelo procedimento comum 8. Espécies de cumprimento de sentença 8.1 Cumprimento definitivo da sentença que reconheça obrigação pecuniária 8.1.1 Considerações iniciais 8.1.2 Requisitos da petição 8.1.3 Intimação do executado e prazo para pagamento 8.1.4 Meios executivos: multa e penhora 8.1.5 Honorários advocatícios 8.1.6 Protesto do título 8.2 Cumprimento provisório da sentença que reconheça obrigação pecuniária 8.2.1 Considerações iniciais 8.2.2 Responsabilidade do exequente 8.2.3 Caução 8.3 Cumprimento de sentença que reconheça obrigação de fazer, não fazer e dar coisa 8.3.1 Considerações iniciais 8.3.2 Tutela específica da obrigação 8.3.3 Multa em razão do atraso 8.3.3.1 Fixação da multa: valor e periodicidade 8.3.3.2 Alteração do valor e periodicidade da multa 8.3.3.3 Cumprimento provisório 8.3.4 Obrigação de dar coisa: particularidades 8.3.4.1 Forma e prazo para cumprimento 8.3.4.2 Benfeitorias 8.4 Cumprimento de sentença que reconheça obrigação alimentar 8.4.1 Prisão civil 8.4.2 Adoção do procedimento do cumprimento de obrigação pecuniária 8.4.3 Inclusão em folha de pagamento 8.4.4 Constituição de capital 8.5 Cumprimento de sentença contra a Fazenda Pública 8.5.1 Requisitos da petição 8.5.2 Intimação da Fazenda Pública 8.5.3 Obrigação de fazer, não fazer ou dar LXXVII PROCESSO DE EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL 1. Considerações iniciais 2. Títulos executivos extrajudiciais 2.1 Títulos de crédito 2.2 Documento público 2.3 Documento particular 2.4 Instrumento de transação referendado 2.5 Contrato garantido por caução, hipoteca, penhor, anticrese ou outro direito real de garantia 2.6 Contrato de seguro de vida, em caso de morte 2.7 Crédito decorrente de foro e laudêmio 2.8 Crédito decorrente de contrato de locação 2.9 Certidão de dívida ativa 2.10 Crédito decorrente de despesas condominiais 2.11 Certidão de oficial de registro ou tabelião 2.12 Outros títulos previstos em lei 3. Legitimidade ativa 4. Legitimidade passiva 5. Competência 6. Procedimento da execução de obrigação pecuniária 6.1 Requisitos da petição inicial 6.2 Citação e intimação para pagamento 6.3 Arresto 6.4 Parcelamento do débito 7. Procedimento da execução de obrigação de fazer, não fazer e dar coisa 7.1 Prazo para cumprimento da obrigação e medidas executórias 7.2 Alienação ou deterioração da coisa 7.3 Satisfação da obrigação fungível por terceiro 7.4 Satisfação da obrigação infungível 7.5 Desfazimento daquilo que o executado deveria se abster de fazer 8. Procedimento da execução de obrigação alimentar 9. Procedimento da execução contra a Fazenda Pública 10. Procedimento da execução de obrigação alternativa LXXVIII PENHORA, REMIÇÃO E EXPROPRIAÇÃO DE BENS 1. Considerações iniciais 2. Penhora 2.1 Objeto da penhora 2.2 Ordem de realização da penhora 2.2.1 Penhora de dinheiro ou aplicação financeira 2.2.2 Penhora de créditos 2.2.3 Penhora de quotas ou ações 2.2.4 Penhora de estabelecimento, semoventes, plantações, edifícios em construção, embarcações e aeronaves 2.2.5 Penhora de faturamento 2.2.6 Penhora de frutos e rendimentos 2.3 Impenhorabilidade 2.4 Avaliação dos bens penhorados 3. Remição da execução 4. Expropriação de bens 4.1 Adjudicação 4.1.1 Legitimidade para requerer a adjudicação 4.1.2 Preço da avaliação 4.1.3 Concorrência entre pretendentes 4.1.4 Procedimento da adjudicação 4.2 Alienação 4.2.1 Alienação por iniciativa particular 4.2.1.1 Procedimento 4.2.1.2 Preço de alienação do bem 4.2.2 Alienação em leilão judicial 4.2.2.1 Procedimento 4.2.2.2 Preço mínimo 4.2.2.3 Arrematação 4.3 Apropriação de frutos e rendimentos 5. Satisfação do crédito LXXIX OPOSIÇÕES DO EXECUTADO 1. Primeiras considerações 2. Impugnação ao cumprimento de sentença 2.1 Natureza jurídica da impugnação 2.2 Prazo para a impugnação 2.3 Matérias passíveis de alegação 2.3.1 Inconstitucionalidade anterior à formação do título – inexigibilidade da obrigação 2.3.2 Inconstitucionalidade posterior à formação do título – cabimento de ação rescisória 2.3.3 Regra de transição a respeito da coisa julgada inconstitucional 2.4 Efeito suspensivo 2.4.1 Efeito suspensivo da impugnação ao cumprimento de sentença contra a Fazenda Pública 2.5 Procedimento da impugnação 3. Embargos à execução 3.1 Natureza jurídica dos embargos 3.2 Prazo para oposição dos embargos 3.3 Julgamento liminar dos embargos à execução 3.4 Matérias passíveis de alegação 3.5 Efeito suspensivo 3.6 Procedimento dos embargos à execução 3.7 Embargos à execução contra a Fazenda Pública 4. Exceção de pré-executividade Referências Dedico minha participação nesta obra para meus filhos, Henrique, José Manoel e João Pedro, e para minha esposa, a advogada e Professora Angélica Arruda Alvim. Na verdade, não apenas todos os meus escritose trabalhos são dedicados a eles, mas a minha vida, como um todo, é norteada pela preocupação de servir a Deus e cuidar do bem-estar e da felicidade dos quatro. Eduardo Arruda Alvim Dedico este trabalho aos meus pais, João Luciano Granado e Valci Cardoso Granado. Exemplos de pais, em quem me espelho todos os dias de minha vida. Daniel Willian Granado Dedico a minha participação nesta obra ao meu amor, Nathália, por ser sempre minha incentivadora, por ser minha melhor companhia, por compreender minhas ausências e, principalmente, por ser meu passado, presente e futuro. Eduardo Aranha Ferreira Agradecimentos Agradecemos, com esta obra, a dois grandes juristas: Professora Thereza Alvim e Professor Arruda Alvim. Talvez a característica mais marcante da Professora Thereza Alvim, ao longo de sua vida, tenha sido o empreendedorismo. Advogada notável, sempre conciliou a atividade acadêmica com a banca, coisa que bem poucos conseguiram e conseguem fazer. Foi aprovada em primeiro lugar em concurso público para a Procuradoria do Estado de São Paulo, em concorrido exame do qual participaram destacados nomes do cenário jurídico brasileiro. Thereza Alvim montou o Mestrado da UEL (Universidade Estadual de Londrina), que foi o primeiro mestrado do interior do Brasil. Em cerimônia ocorrida em Londrina em sua homenagem, 30 anos depois, foi entregue uma carta por ela dirigida ao então reitor, Professor Oscar Alves, datada de 21 de novembro de 1977, dando conta de todas as providências relativas ao assunto. Ainda na primeira metade da década de 1970, teve papel importantíssimo na criação do Mestrado da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP, na qual leciona há mais de três décadas. Ao lado disso, montou um escritório (que ostenta o seu nome), que hoje tem, em grande parte graças à sua habilidade como advogada, combinada com profundo conhecimento técnico, expressão nacional. Como se não bastasse, no fim dos anos 1990, “reinventou-se”. Fundou sua própria Faculdade, a Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo – FADISP. Em poucos anos, a FADISP, hoje controlada pelo prestigiado Grupo José Alves, de Goiânia, tornou-se um centro de excelência do estudo do direito, alcançando nome nacional. A faculdade conta com Curso de Mestrado e Doutorado, que já é, em São Paulo e no Brasil, referência. Thereza Alvim tem especial significado para nós, autores da presente obra. Mãe de um, professora e amiga dos três, sempre primou por impulsionar e estimular a todos na busca pela excelência. Por isso, rendemos nossas homenagens a tão generosa jurista, que foi, é e certamente sempre será agregadora. Aqueles que conhecem e trabalham hoje com o Professor Arruda Alvim ficam estarrecidos quando encontram, logo de manhã, e-mails encaminhados na madrugada anterior, dando conta das providências a serem tomadas no dia que para eles ainda se inicia. Os que o conheceram ainda muito jovem, na década de 1970, já não se espantam com mais nada. Naquela época, além de Procurador da Fazenda Nacional, o jovem professor Arruda Alvim, que com 34 anos alcançara o grau de livre-docente na Faculdade de Direito da PUC-SP com sua monumental obra Ensaio sobre a litispendência no direito processual civil, dava aulas no bacharelado e no mestrado/doutorado da PUC-SP e já possuía uma respeitável banca de advocacia, ao lado dos afazeres da Procuradoria. Além disso, assumiu, perante a Editora Revista dos Tribunais, o compromisso de editar um volume a cada seis meses, isso muito antes do advento do computador. E vieram a lume, na década de 1970, dois volumes do Curso de direito processual civil, os dois volumes do já mencionado trabalho de livre-docência, dois volumes do Manual de direito processual civil e cinco volumes do Código de Processo Civil comentado, onze livros, portanto. Onze livros densos. Posteriormente, ingressou na Magistratura, vindo a integrar o extinto 1º Tribunal de Alçada Civil de São Paulo e o Tribunal de Justiça de São Paulo, tendo se aposentado como Desembargador em 1984. Nestes últimos 34 anos, tendo retornado à advocacia, construiu uma das mais respeitadas bancas do Brasil, com sede em São Paulo e escritórios no Rio de Janeiro, Brasília e Porto Alegre. Poucos chegam a alcançar o nível intelectual de Arruda Alvim, que sempre tem a resposta mais acertada a dar, mesmo quando os problemas jurídicos parecem insolúveis. Porém, mais raros ainda são aqueles que têm humildade tal qual a do Professor Arruda Alvim, que não distingue os incipientes estudantes dos grandes juristas. Pelo contrário, Arruda Alvim está sempre, invariavelmente, disposto a saber a opinião jurídica de todos. Um exemplo de professor e advogado. Uma convivência diária enriquecedora como nenhuma outra, de que temos o prazer de desfrutar como filho, para um, amigo, para os outros, e admiradores, para todos. Aos dois homenageados, Thereza e José Manoel, nosso profundo e sincero agradecimento, não apenas pela contribuição ímpar ao mundo jurídico, mas pela contribuição essencial à trajetória pessoal e profissional de cada um de nós. Os Autores Apresentação à 6ª edição É com satisfação que apresentamos a sexta edição da obra Direito Processual Civil. Há uma novidade marcante em relação às cinco edições precedentes. Houve uma preocupação dos coautores em exaurir o programa de graduação de Direito Processual Civil, de tal modo que os alunos possam encontrar, em um só volume, material para acompanhar as aulas durante todo o curso de processo civil. O trabalho foi, por isso mesmo, exaustivo. A obra encontra-se em perfeita sintonia com o Código de Processo Civil de 2015 (Lei n. 13.105/2015), e, em relação às edições precedentes, foram abordados, ainda, o cumprimento de sentença, o processo de execução, as tutelas de urgência e evidência, as convenções processuais e os procedimentos especiais. São três os coautores deste trabalho. Sua origem remonta às aulas de graduação ministradas pelo coautor Eduardo Arruda Alvim na Faculdade de Direito da PUC-SP. Durante muitos anos, o coautor Daniel Granado, hoje professor das FMU (Faculdades Metropolitanas Unidas), trabalhou voluntariamente na PUC-SP com o coautor Eduardo Arruda Alvim, contribuindo para que o texto se mantivesse permanentemente atualizado. Deu sequência a esse trabalho na Faculdade de Direito da PUC-SP o coautor Eduardo Aranha Ferreira, que é sócio do escritório de Eduardo Arruda Alvim. Com o advento do CPC/2015, surgiu a ideia de fazer um livro mais abrangente, que cobrisse toda a matéria ministrada no bacharelado, o que demandou, nos últimos dois anos, um exaustivo trabalho feito efetivamente a seis mãos, até que se chegasse à versão final do livro. Este ainda contou com a leitura cuidadosa da Professora Thereza Alvim, Associada da PUC-SP, bem como do mestrando da PUC-SP Vinicius Bellato. É, pois, com satisfação que apresentamos ao público a sexta edição da obra Direito Processual Civil, agora cobrindo todo o programa de graduação em Direito Processual Civil, livro que esperamos seja de grande utilidade não apenas aos estudantes de Direito, mas também aos profissionais que lidam diariamente com o Direito Processual Civil. São Paulo, outubro de 2018. Os Autores Apresentação à 5ª edição A 5ª edição do presente estudo foi atualizada com base na mais recente orientação dos tribunais, sejam eles superiores, sejam locais. Procuramos também introduzir atualizações legislativas, sobretudo, com o advento da Lei n. 12.810/2013, que veio a introduzir o art. 285-B no CPC, vindo a estabelecer que nos litígios que tenham por objeto prestações decorrentes de empréstimo, financiamento ou arrendamento mercantil, o autor deverá discriminar na petição inicial, dentre as obrigações contratuais, aquelas que pretende controverter, quantificando o valor incontroverso. Esperamos que esta nova edição tenha grande acolhida pelo público leitor, e que seja de grande utilidade para estudantes, estagiários, advogados, membros do ministério público, magistrados e demais operadoresdo direito. Reiteramos, como sempre, que a edição primitiva desta obra foi elaborada precipuamente tendo em vista as aulas por nós ministradas na faculdade de direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP. Desde então, esses textos continuaram a ser por nós utilizados, não apenas nas aulas da Faculdade de Direito da PUC-SP, na qual lecionamos há vinte anos, mas também na Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo – Fadisp, de modo que foram sendo continuamente aprimorados e atualizados, para o que foi fundamental a colaboração de nossos alunos, cujo esforço contínuo e dedicação foram muito importantes para a conclusão deste trabalho. É por eles e para eles que esses textos foram, ao longo do tempo, sendo revisados e atualizados, possibilitando que esta 5ª edição viesse a público. São Paulo, julho de 2013. O Autor Apresentação à 4ª edição Temos o prazer de apresentar a 4ª edição de nosso Direito Processual Civil, editado pela Revista dos Tribunais. Na presente edição foram feitas as necessárias atualizações legislativas, notadamente aquelas operadas pela Lei n. 12.322/2010, que vieram a modificar o regime do agravo interposto contra decisão de inadmissibilidade dos recursos especial e extraordinário. Foram também inseridos significativos acórdãos, bem como as orientações que vieram a ser consolidadas em enunciados de Súmulas surgidos entre a edição anterior e esta, com a finalidade de expor as discussões mais recentes sobre os mais diversos e variados aspectos do direito processual civil. Aguardamos mais uma vez que esta nova edição seja de grande utilidade para estudantes, estagiários, advogados, membros do Ministério Público, magistrados e demais operadores do direito. Reiteramos, como sempre, que a edição primitiva desta obra foi elaborada precipuamente tendo em vista as aulas por nós ministradas na Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP. Desde então, esses textos continuaram a ser por nós utilizados, não apenas nas aulas da Faculdade de Direito da PUC-SP, na qual lecionamos há vinte anos, mas também na Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo – FADISP, de modo que foram sendo continuamente aprimorados e atualizados, para o que foi fundamental a colaboração de nossos alunos, cujo esforço contínuo e dedicação foram muito importantes para a conclusão deste trabalho. É por eles e para eles que esses textos foram, ao longo do tempo, sendo revisados e atualizados, possibilitando que esta 4ª edição viesse a público. São Paulo, julho de 2012. O Autor Apresentação à 3ª edição Após generosa receptividade da 2ª edição desta obra, tornamos pública, com imensa satisfação, a 3ª edição do nosso Direito processual civil. Preservamos, nesta 3ª edição, a estrutura da edição precedente. Preocupamo-nos, contudo, em atualizar e sistematizar a obra de acordo com as últimas reformas legislativas, procurando enfatizar as recentes leis que vieram a modificar importantes dispositivos do Código de Processo Civil e introduzir as novas alterações no nosso sistema processual brasileiro desde a edição anterior, dentre as quais destacam-se as Leis n. 11.696/2009 e 12.004/2009, e, notadamente, a Lei n. 12.016/2009, que passou a disciplinar o mandado de segurança individual e coletivo. Ademais, além de exaustiva pesquisa doutrinária, efetuamos minucioso estudo a respeito das recentes decisões dos tribunais, inserindo significativos acórdãos, bem como das orientações que vieram a ser consolidadas em enunciados de Súmulas surgidos entre a edição anterior e esta, com a finalidade de expor as discussões mais recentes sobre os mais diversos e variados aspectos do direito processual civil. Esperamos mais uma vez que esta nova edição seja de grande utilidade para estudantes, estagiários, advogados, membros do Ministério Público, magistrados e demais operadores do direito. Sempre gostamos de deixar claro que a edição primitiva desta obra foi elaborada precipuamente tendo em vista as aulas por nós ministradas na Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP. Desde então, esses textos continuaram a ser por nós utilizados, não apenas nas aulas da Faculdade de Direito da PUC-SP, na qual lecionamos há quase vinte anos, mas também na Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo – FADISP, de modo que foram sendo continuamente aprimorados e atualizados, para o que foi fundamental a colaboração de nossos alunos, cujo esforço contínuo e dedicação foram muito importantes para a conclusão deste trabalho. É por eles e para eles que esses textos foram, ao longo do tempo, sendo revisados e atualizados, possibilitando que esta 3ª edição viesse a público. São Paulo, março de 2010. O Autor Apresentação à 2ª edição É com grande satisfação que tornamos pública a 2ª edição do nosso Direito processual civil, após generosa acolhida da edição precedente, que veio a se esgotar rapidamente. Houve substanciais modificações na apresentação deste curso, uma vez que optamos por refundir os volumes 1 e 2, que tratavam respectivamente da teoria geral do processo e do processo de conhecimento (antigo volume 1) e dos recursos (antigo volume 2), em um único volume, diante de sugestões da Editora Revista dos Tribunais. Esperamos que a nova apresentação torne mais fácil a consulta e portabilidade da obra, notadamente aos estudantes de direito, estagiários, advogados, membros do Ministério Público, magistrados e demais operadores do direito. Desde a primeira edição, houve inúmeras ondas de reformas que vieram a introduzir profundas alterações no sistema processual brasileiro, que fazem parte de um conjunto de leis editadas com a finalidade precípua de suprimir ou atenuar os principais problemas enfrentados pelo Judiciário desde o advento do Código de Processo Civil de 1973, tornando os processos mais céleres, acessíveis e menos dispendiosos. A edição primitiva desta obra foi elaborada precipuamente tendo em vista as aulas por nós ministradas na Faculdade de Direito da PUC-SP. Desde então, esses textos continuaram a ser por nós utilizados não apenas nas aulas da Faculdade de Direito da PUC-SP, na qual lecionamos há quase vinte anos, mas também na Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo – FADISP, de modo que foram sendo continuamente aprimorados e atualizados, para o que foi fundamental a colaboração de nossos alunos, cujo esforço contínuo e dedicação foram muito importantes para a conclusão deste trabalho. É por eles e para eles que esses textos foram, ao longo do tempo, sendo revisados e atualizados, possibilitando que esta segunda edição viesse a público. São Paulo, setembro de 2008. Os Autores I DIREITO PROCESSUAL 1. Origens do direito processual Historicamente, o direito processual veio a ganhar importância em razão do reconhecimento da necessidade de intervenção estatal para a solução de conflitos de interesses ocorridos no mundo fenomênico, na medida em que o direito atual tolera pouquíssimas hipóteses de autotutela (e, mesmo assim, com severas restrições, conforme se verá adiante). De fato, noticia Djanira Maria Radamés de Sá que somente “no século III d.C. é que Roma instituiu o sistema de justiça pública, posto que, até então, prevalecia a justiça privada, primeiramente exercida sob a forma de autotutela e, posteriormente, de arbitragem”1. Nesse contexto, em que o Estado intervém para decidir lides, exsurge a importância do direito processual civil, pois é este ramo do direito que regula como a pretensão deve ser formulada, quais os recursos cabíveis etc. A competência para legislar em matéria processual civil é privativa da União, a teor do disposto no art. 22, I, do texto constitucional. Os conflitos de interesses pressupõem pelo menos duas pessoas com interesse pelo mesmo bem. Esses conflitos são regulados por leis e ordinariamente solucionados pela sujeição espontânea dessas pessoas às normas incidentes sobre aquela situação jurídica. Não havendo dita “sujeição espontânea”, pode o interessado ir ao Judiciário.Ao fazê-lo, transporta o conflito do mundo sociológico ao Estado-juiz, formulando um pedido com base em fatos acontecidos. Esse pedido, lastreado nesses fatos (causa de pedir), fixa a lide ou objeto litigioso, que delimita o âmbito de atuação do Poder Judiciário, conforme os arts. 141 e 492 do CPC2. Conforme dito, hoje, como regra quase absoluta, para se pôr termo a um conflito de interesses, é imprescindível que o interessado se acuda do Judiciário, sendo raras as hipóteses em que o sistema jurídico admite a autotutela. Mesmo nas hipóteses em que a autotutela é admitida pelo sistema, deve-se ter presente que será sempre possível o controle a posteriori pelo Judiciário. Vale dizer, o art. 1.210, § 1º, do CC, por exemplo, autoriza a defesa ou o desforço imediato por parte do possuidor turbado ou esbulhado, mas estabelece parâmetros intransponíveis, ou seja, os atos praticados a título de defesa ou desforço imediato não podem ir além dos necessários à manutenção ou restituição da posse. Se houver exagero (desproporcionalidade) por parte do possuidor esbulhado ao praticar os atos de desforço imediato, terá este desbordado dos limites que a lei aceita, e poderá ser, por exemplo, alvo de ação de indenização, como poderá sofrer consequências de ordem penal (art. 345 do CP, que cuida do crime de exercício arbitrário das próprias razões). De acordo com o pedido formulado e os fatos que embasam esse pedido, o Estado-juiz, imparcialmente, dirá o direito aplicável ao caso concreto (sempre nos estritos limites em que este lhe tiver sido submetido). A lide ou objeto litigioso é o espelho do conflito de interesses do mundo sociológico, tal como deduzido ao Estado-juiz pelo autor. De fato, como se terá oportunidade de examinar com mais vagar adiante, a jurisdição, segundo se extrai do art. 2º do CPC, é inerte. Significa isso dizer que o Judiciário só age quando regularmente provocado por meio do exercício do direito de ação. Corolário lógico dessa assertiva é a ideia de que o Judiciário não pode julgar nem além, nem aquém, nem fora do pedido (ou seja, nem ultra, nem infra, nem extra petita). Com efeito, se o órgão jurisdicional pudesse julgar fora do pedido, isso equivaleria a quebrar a inércia da jurisdição. E, note-se bem, o Judiciário está adstrito ao pedido e à causa de pedir. A causa de pedir identifica o pedido. Por isso mesmo o órgão jurisdicional não pode julgar senão com base na causa petendi invocada na petição inicial, pois do contrário estaria decidindo fora do pedido (extra petita)3. Ou seja, se a ação A versar determinado pedido de indenização por danos morais pelo fundamento de fato 1, o juiz não poderá julgá-la procedente por outro fundamento de fato que não aquele invocado: 1. De outro lado, se a ação A, cujo pedido foi alicerçado no fundamento fático 1, for julgada improcedente e transitar materialmente em julgado (art. 487, I, do CPC), não se poderá invocar a coisa julgada como obstativa da propositura da ação B de indenização por danos morais, agora calcada no outro fundamento de fato. Tal vinculação do órgão jurisdicional à causa petendi sofre mitigação nas ações de controle abstrato de constitucionalidade. Com efeito, conforme jurisprudência assente do Supremo Tribunal Federal, nas ações de controle concentrado de constitucionalidade a causa de pedir é aberta. Isso equivale a dizer que, quando se pede ao Supremo Tribunal Federal, por exemplo, que reconheça a constitucionalidade de determinado dispositivo de lei federal e a ação é julgada procedente, significa isso dizer que a norma é dada por conforme ao texto constitucional, e não mais se poderá questionar a sua constitucionalidade, ainda que por fundamento que não tenha sido objeto de debate na ação já julgada4. Como consequência lógica da impossibilidade de solução dos conflitos de interesse pelos próprios interessados, impôs-se a assunção, por parte do Estado, da função jurisdicional, que pode ser compreendida, em suas linhas gerais, como a aplicação do direito ao caso concreto. Cabe ao Estado hoje, sempre que necessário, restaurar o império da lei e do direito, monopolizada que está a atividade de composição das lides, salvo raras exceções, necessariamente previstas em lei (como, por exemplo, a já mencionada autotutela possessória do art. 1.210, § 1º, do CC). A função jurisdicional, por isso, é de índole substitutiva, ou seja, diz a vontade concreta da lei, em substituição à vontade das partes. A substitutividade, própria da função jurisdicional, leva a que a solução emanada da atividade jurisdicional (decisão de mérito) ponha fim, em definitivo, ao conflito. Consigne-se, desde logo, ser complementar à noção da assunção quase absoluta da função jurisdicional pelo Estado a de que o Estado não se pode eximir de decidir. Por isso, consoante se terá oportunidade de ver adiante, nem mesmo a lacuna da lei pode servir de pretexto para que o juiz se exima de decidir. Diante de tais situações, o sistema oferece mecanismos de integração, como se prevê no art. 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. São as seguintes as características fundamentais da atividade jurisdicional: imparcialidade do juiz, coisa julgada material, desenvolvimento através de contraditório regular e inércia inicial. Existe a chamada jurisdição contenciosa, destinada a solucionar os conflitos de interesse que lhe são submetidos, cuja solução tenha sido impossível de forma definitiva e estável, e a jurisdição voluntária, ou, como querem alguns, administração pública dos interesses privados, que trata de determinados interesses privados em especial. A jurisdição voluntária, conquanto exercida pelo Judiciário, reveste-se de características que mais a aproximam da atividade administrativa, como teremos oportunidade de verificar mais adiante. Processo é o meio através do qual é exercido o direito de ação, e o direito processual é que regula o processo. 2. Autonomia do direito processual civil e sua relação com os outros ramos do direito O direito material é composto de normas que regulam as relações jurídicas entre as pessoas, enquanto o direito processual estabelece as regras que regulam uma função estatal, que é a jurisdicional; por outras palavras, o direito processual regula o exercício da função jurisdicional (do Estado). Os princípios que informam o direito processual são próprios, na medida em que se trata de ramo do direito público, distintos daqueles que informam os sub-ramos do direito material, especialmente quando se tratar de relação de direito privado. Essa consciência da autonomia do direito processual em face do direito material surgiu, basicamente, a partir do fim do século XIX, pois antes disso o direito processual era visto, basicamente, como uma projeção daquele. Com essa renovação de concepção, ficou evidente tratar-se o direito processual de ramo do direito público, pois que diz respeito ao exercício de uma atividade estatal. Como se terá oportunidade de ver mais adiante, ao se estudar a teoria da relação jurídica processual, a obra de Oscar von Bülow foi um marco (1868) na distinção entre os direitos processual e material. A partir daí, viu-se com mais clareza ser a relação material litigiosa diferente da relação jurídica processual. Depois dessa obra, passou-se a entender com mais facilidade que o processo, antes de um meio de composição de litígios, constitui uma forma de pacificação das relações sociais, daí defluindo, claramente, tratar-se de ramo do direito público, independentemente de o litígio, no caso concreto, poder ser de natureza privada. Repita-se: o direito processual regula uma atividade estatal, a jurisdicional, e por isso encarta-se como ramo do direito público. Foram utilizadas, para denominá-lo, várias expressões impróprias: processo civil, prática civil, praxe forense, que não lhe conferiam a dignidade de disciplina autônoma, passando, sucessivamente, a utilizar a expressão “direito judiciário civil”, que só abrange o processo de conhecimento, não o cautelar nem o de execução. Daí se chegou