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INSUFICIÊNCIA RENAL CRÔNICA Sérgio Antônio Draibe Horácio Ajzen A Insuficiência Renal Crônica (IRC) é uma síndrome metabólica decorrente de uma perda progressiva, geralmente lenta, da capacidade excretória renal. Dado que a função de excreção de catabólitos é resultante principalmente da filtração glomerular, a IRC consiste assim em uma perda progressiva da filtração glomerular que pode ser avaliada clinicamente pela medida do “clearance” de creatinina em urina de 24 horas. Em indivíduos normais a filtração glomerular é da ordem de 110 a 120 ml/min correspondente à função de filtração de cerca de 2.000.000 de néfrons (glomérulos e túbulos renais). Em pacientes IRC a filtração se reduz podendo chegar, em casos avançados, até 10-5 ml/min quando o tratamento dialítico ou o transplante renal se fazem necessários. A conseqüência bioquímica dessa redução de função se traduz pela retenção, no organismo, de um sem-número de solutos tóxicos geralmente provenientes do metabolismo protéico, que podem ser avaliados indiretamente através das dosagens da uréia e creatinina plasmáticas, que se elevam progressivamente. São várias as causas de IRC, sendo as mais comuns a glomerulonefrite crônica, nefropatia túbulo-instersticial crônica (pielonefrite), necrose cortical renal, hipertensão arterial grave, processos renais obstrutivos crônicos, diabetes, amiloidose, lúpus eritematoso disseminado e doenças hereditárias tais como rins policísticos e síndrome de Alport. Ao nível do parênquima renal, todas essas entidades provocam, por mecanismos iniciais diversos, proliferação celular (endotelial, mesangial e tubular), aumento da matriz mesangial, fibrose e obliterações glomerulares, dilatações e obstruções tubulares, fibrose intersticial generalizada, além da eventual deposição renal de substâncias estranhas ao rim como é o caso da amiloidose. Fato notório é o caráter progressivo da IRC, que ocorre até mesmo na ausência da causa inicial que determinou a lesão renal. Acredita-se que com a redução inicial de um certo número de néfrons, aqueles remanescentes tornam-se hiperfiltrantes, hipertrofiam-se, sofrem alterações da superfície glomerular e modificações de permeabilidade da membrana glomerular às proteínas. Essas alterações levam à produção renal de fatores de crescimento, citocinas e hormônios, tais como IGF-I (Insulin-like Growth Factor - I), IL1 e IL6 (interleucinas 1 e 6), TGF-a e ß (Transforming Growth Factor - a e ß), PDGF (Platelet-Derived Growth Factor), TNF - a (Tumoral Necrosis Factor - a), endotelina, Fator Natriurético Atrial, angiotensina II, etc. Esses agentes seriam responsáveis pelos processos de proliferação celular renal, coagulação intraglomerular, recrutamento e proliferação de células imunitárias, aumento da matriz celular, proliferação colágena e fibrose. Desse modo a continuidade da presença de lesões fibróticas glomerulares e intersticiais acabaria por determinar perda progressiva dos néfrons e da filtração glomerular. O organismo adapta-se continuamente a esta situação no sentido de manter a homeostase: os néfrons remanescentes aumentam a excreção fracional de muitos solutos, que continuam a ser produzidos a taxas normais. A própria elevação de um determinado soluto no plasma, aumenta a sua excreção renal pelos néfrons remanescentes devido à elevação de sua carga filtrada. Excetuando-se excessos ou privações, o balanço de sódio, potássio e água são mantidos até fases avançadas da IRC. Vários solutos, entretanto, mantêm sua concentração plasmática em níveis normais, graças à elevação progressiva de hormônios reguladores. É o caso, por exemplo, da maior excreção fracional de sódio que fica progressivamente dependente entre outros do aumento da concentração plasmática do Fator Natriurético Atrial. As concentrações plasmáticas de cálcio e fósforo, são mantidas em níveis normais, às custas, entre outros, da progressiva elevação do paratormônio (PTH). Perdas de função renal de até 50% não se manifestam clinicamente de forma consistente. Reduções maiores causam a síndrome urêmica, constelação de sinais, sintomas e complicações que atingem praticamente todos os órgãos e sistemas do organismo (Tabela 1). Essas manifestações são conseqüência da retenção de solutos tóxicos ou do excesso de ação de mecanismos homeostáticos, reguladores da concentração plasmática de solutos vitais ao organismo. O tempo que um paciente portador de uma lesão renal leva para atingir fases avançadas da IRC é bastante variável, dependendo da etiologia da lesão renal, de aspectos raciais, imunitários, estado hipertensivo, sobrecargas protéicas da dieta etc. A firme correção do estado hipertensivo e a redução do conteúdo protéico da dieta parecem retardar a progressão da lesão renal. Em fases avançadas da IRC (“clearance” de creatinina entre 15 e 5 ml/min) os sintomas urêmicos se exacerbam apesar da dieta hipoprotéica, havendo necessidade de se programar tratamento dialítico e transplante renal para o paciente. As manifestações clínicas podem ser divididas em sintomas que melhoram, persistem ou que surgem em função do tratamento dialítico (Tabela 2). Obviamente a diálise será indicada quando, apesar do tratamento com dieta hipoprotética, diuréticos e anti-hipertensivos, os sintomas neurológicos e gastrintestinais estiverem presentes e o “clearance” de creatinina estiver entre 10 e 5 ml/min. A hipervolemia é decorrente da expansão do volume extracelular do paciente urêmico. Graus de expansão não suficientes para serem notados clinicamente ocorrem com freqüência e repercutem sobre o sistema circulatório e sobre o pulmão, além de contribuir para o aparecimento de hipertensão arterial. Assim, pode aparecer insuficiência cardíaca na ausência de cardiopatia prévia e, edema pulmonar que pode ocorrer em conseqüência da incapacidade do ventrículo esquerdo em vencer a pós-carga. Nos pacientes renais crônicos, a hipertensão arterial em geral pode ser controlada desde que se reduza o volume de líquido extracelular. Esta hipertensão, chamada volume-dependente, melhora com o uso de diuréticos ou diálise. Por outro lado, tem-se verificado que alguns renais crônicos, mesmo atingindo seu peso seco, permanecem hipertensos, parecendo, desta forma, que outros fatores como substâncias vasoativas (angiotensina), déficit de substâncias hipotensoras (prostaglandinas) e hiperatividade do sistema nervoso autônomo podem ser responsáveis pelo surgimento da hipertensão arterial. Nesses casos, além de diuréticos ou diálise, anti-hipertensivos tais como vasodilatadores e a-bloqueadores estão indicados. O edema ocorre como conseqüência da ingestão excessiva de sal e água, insuficiência cardíaca e hipoalbuminemia; sua correção se faz através do uso de diuréticos, diálise e reposição da perda protéica. O balanço de sódio é mantido até fases finais da IRC. Em raros casos ocorre perda renal de sódio, que necessita ser reposto. Hipercalemia ocorrerá se houver excesso de ingestão, acidose tubular renal hipercalêmica ou uso de drogas que interferem com a excreção de potássio. Os rins lesados têm reduzida capacidade de produção de amônia de tal forma que os tampões bicarbonato e fosfato que carregam H+ através dos néfrons remanescentes acabam sendo excretados, não sendo regenerados. O desequilíbrio entre a produção e/ou ingestão de ácidos e a oferta de tampões ocasiona o aparecimento de uma acidose metabólica geralmente hiperclorêmica. Os sintomas causados pelas chamadas substâncias tóxicas também melhoram com dieta hipoprotéica ou com a diálise. Dentro destas citam-se a uréia, creatinina, creatina, indóis, guanidinas, fenóis, polipeptídeos, ácidos tricaboxílicos, etc., que têm seu efeito principalmente sobre as mucosas do organismo. Seu acúmulo no decorrer da insuficiência renal crônica pode ser resultante da falta de excreção ou de uma metabolização deficiente. No aparelho digestivo, verifica-se presença de hálito amoniacal, anorexia, náuseas e vômitos, úlceras gastrintestinais, sangramento do trato digestivo, diarréia e quadros de pancreatite. Não se sabeao certo a causa determinante destes sintomas; estes praticamente desaparecem com o início do tratamento dialítico. A intolerância aos hidratos de carbono é outra manifestação dos pacientes renais crônicos. Embora poucos pacientes já apresentem hiperglicemia em jejum, a anormalidade será verificada em 50% deles, quando se realiza a curva de tolerância à glicose. Não se sabe ao certo a causa determinante dessa intolerância, parecendo, no entanto, que estes pacientes apresentariam um antagonismo periférico à insulina que melhora com a diálise, quer pela remoção de substâncias antagônicas à insulina, quer por melhora no estado nutritivo do paciente, pois a diálise permite maior liberalidade na ingestão alimentar. A neuropatia urêmica ocorre em mais ou menos 65% dos pacientes renais crônicos que iniciam o tratamento dialítico. Trata-se de uma polineuropatia que atinge, mais freqüentemente, os membros inferiores com manifestações sensitivas e motoras. É o resultado de degenerações de axônios com desmielinização secundária. Clinicamente, manifesta-se por parestesias, sensação de queimação, formigamento e diminuição da velocidade da condução motora e sensitiva, sendo mais freqüente no sexo masculino. Não se distingue da polineuropatia alcoólica diabética ou daquela decorrente da porfiria. A neuropatia não melhora com a diálise. Além desta neuropatia, o paciente com IRC pode apresentar, principalmente nos estádios mais avançados da doença, uma encefalopatia urêmica caracterizada por alterações de sensório, irritabilidade, sonolência e coma. Estes sintomas desaparecem com o tratamento dialítico. A síndrome do desequilíbrio caracteriza-se clinicamente por cefaléia, delírio, convulsões e coma, resultante de edema cerebral e aumento da pressão intracraniana. Surge geralmente na vigência ou logo após os processos dialíticos, sendo mais freqüente em pacientes renais agudos ou mesmo crônicos cuja diálise é realizada com fluxos de sangue e banho elevados. Qualquer que seja a causa da IRC, os pacientes renais, principalmente aqueles com função mais comprometida, apresentam anemia. Esta é resultante principalmente da deficiência de eritropoetina. A anemia é do tipo hipoproliferativo, sendo menos intensa quando a IRC é secundária a rins policísticos. Sua correção se faz com o uso de eritropoetina recombinante humana. Outra alteração hematológica nos pacientes renais crônicos é a da hemostasia. Um dos fatores que concorrem para este fato são as plaquetas, responsáveis pela manutenção da integridade vascular, pela formação inicial de trombos e pela estabilização dos coágulos. Normalmente as plaquetas fornecem um fosfolipídio que tem papel importante na formação da fibrina. Este componente lipoprotéico, chamado fator III, consolida e estabiliza a formação da fibrina. Na IRC ocorre um defeito qualitativo das plaquetas, pelo qual há menor formação do fator III e inibição da agregação plaquetária e cuja causa parece decorrer de alterações bioquímicas. A anemia melhora parcial mas consistentemente com a diálise. As alterações da hemostasia melhoram totalmente sugerindo que a causa responsável seja a retenção de substâncias dialisáveis. Das alterações dermatológicas o prurido é o sintoma mais freqüentemente referido, principalmente em pacientes com hiperparatiroidismo secundário. O paciente renal crônico apresenta diminuição da libido e oligospermia, sendo que as biópsias testiculares têm revelado diminuída espermatogênese. As mulheres apresentam amenorréia que, por vezes, é normalizada na vigência de diálise crônica. A galactorréia pode aparecer principalmente em mulheres amenorréicas e tem sido relacionada à hiperprolactinemia. É pouco freqüente a gravidez normal em pacientes renais crônicas, sendo mais comum o abortamento precoce mesmo naquelas que se submetem à diálise crônica. É comum o achado de hipercolesterolemia e aumento nos níveis de triglicerídeos que não se normalizam com a diálise crônica. Os pacientes com insuficiência mais avançada podem apresentar quadro de pericardite. Este sintoma pode aparecer tanto na fase pré-dialítica, como durante a diálise crônica. Em tais casos a diálise deve ser intensificada e, se o derrame pericárdico não melhorar, terá de ser drenado cirurgicamente. A presença de pericardite pode favorecer a ocorrência de tamponamento cardíaco em pacientes hemodialisados. Assim, deve-se reduzir a dose de heparina (heparinização fracionada com metade da dose habituall) ou utilizar heparinas de baixo peso molecular durante a hemodiálise. A osteodistrofia renal é uma anormalidade óssea encontrada em pacientes renais crônicos com importante déficit de função renal. Persiste mesmo nos pacientes submetidos seguidamente a um programa de diálise. Apresenta-se principalmente sob as formas histológicas de osteomalácia, osteíte fibrosa e doença mista. Recentemente tem sido detectada em nosso meio uma nova forma de lesão óssea de baixo “turnover”, denominada doença óssea adinâmica. Clinicamente esses quadros se caracterizam por dores ósseas generalizadas, fraturas espontâneas em ossos longos, costelas e colapsos de vértebras. Várias causas são responsáveis, como alterações na síntese da vitamina D, alterações na absorção intestinal de cálcio, presença de hiperparatiroidismo e acidose metabólica. A vitamina D3 é formada na epiderme pela ação dos raios ultravioleta sobre a pró-vitamina chamada 7- hidrocolesterol que, passando para o sangue, se liga a globulinas, sendo levada para o fígado. Por outro lado, a vitamina D3 ingerida com alimentos é absorvida no duodeno e jejuno, passa para o sangue, sendo uma parte armazenada nos tecidos e outra levada ao fígado. Aí a vitamina D3 sofre hidroxilação, formando o 25- hidroxicolecalciferol (25-OH)D3 o qual, no rim, passa a 1,25-di-hidroxicolecalciferol (1,25 (OH)2 D3) devido a uma segunda hidroxilação realizada pela enzima 1 a-hidroxilase. Em pacientes renais crônicos ocorre uma redução na formação de 1,25(OH)2D3 o que acarreta, menor absorção intestinal de cálcio e redução do bloqueio das paratiróides que seguem produzindo PTH. Quadros de osteomalácia aparecem assim em decorrência da hipovitaminose D, pois o osso formado não se calcifica adequadamente. O PTH tem sua produção e secreção aumentadas devido à falta de vitamina D, à hipocalcemia e elevação da concentração plasmática de fósforo. O hiperparatiroidismo resultante aumenta o “turnover” ósseo estimulando tanto a destruição como a formação óssea, levando ao quadro de osteíte fibrosa. A doença mista é resultante da combinação da osteomalácia e do hiperparatiroidismo secundário. A doença óssea adinâmica é de etiologia obscura mas parece estar associada a reduzidas ingestões de cálcio e fósforo, combinadas com uma produção ainda normal de vitamina D ativa pelos rins. O papel da acidose metabólica na osteodistrofia renal é bastante discutido. É possível que o fosfato cálcio dos ossos seja mobilizado para tamponar o excesso de (H)+, determinando assim a desmineralização óssea. As infecções virais, principalmente as hepatites B e C são contraídas através de transfusões de sangue contaminado e do ambiente dialítico. Raramente a transfusão pode também veicular o vírus HIV. Atualmente as transfusões são evitadas através do uso de eritropoetina recombinante humana. A hepatite B pode ser prevenida pela vacinação. Boa parte dos centros de diálise brasileiros ainda não elimina convenientemente o alumínio da água utilizada para a composição do banho de diálise. Pode daí resultar uma intoxicação neurológica central pelo metal, causando demência (“Dialysis Dementia”) e, frequentemente osteomalácia. O quadro clínico da demência consiste em dislalia, disartria, tremores, rebaixamento intelectual e convulsões. Seu tratamento se faz através da eliminação do alumínio da água e pelo uso de desferrioxamina (20-40 mg/kg EV 2 vezes por semana durante 3 - 6 meses). O hiperesplenismo observado em alguns pacientes tem sido relacionado à incorporação no baço de partículas de plástico liberadas pelos tubos que compõem a circulação extracorpóreado sangue durante a hemodiálise. TABELA 1:Sinais, Sintomas e Manifestações da Síndrome Urêmica 1. Neurológicos Centrais • Derrame Pleural 1.1. Irritabilidade • Tamponamento Cardíaco 1.2. Tremo res — Asterix • Aterosclerose Acelerada 1.3. Dificuldade de Concentração 1.4. Redução da Memória 6. Hematológicos 1.5. Sonolência • Anemia 1.6. Coma • Sangramentos • Alteração da Quimiotaxia dos Neutrófilos 2. Neurológicos Centrais por Intoxicação pelo Alumínio • Redução da Função Linfocitária • Tremores • Disartria — Dislalia 7.Endocrinológicos • Alterações do Equilíbrio • Hiperglicemia • Alterações da Memória • Hiperinsulinemia • Rebaixamento Intelectual • Hiperglucogenemia (Hiperglucagonemia) • Convulsões • Elevação do GH e de Catecolaminas • Coma • Hiperprolactinemia • Distúrbios da Função Sexual 3. Neurológicos Periféricos - Amenorréia/Menorragia 3.1. Polineuropatia Urêmica - Infertilidade 3.1.1. Hipoestesia, Formigamento e - Galactorréia Queimação de Membros Inferiores - Diminuição da Libido 3.1.2. Redução Reflexos Patelares 3.1.3. Soluço 8. Metabólicos 3.1.4. Síndrome da Perna Inquieta • Perda de Peso 3.1.5. Fraqueza Muscular — Cãibras • Fraqueza • Osteodistrofia Renal 4. Gastrintestinais - Osteomalácia • Hálito Urêmico - Osteíte Fibrosa • Estomatite — Gengivite • Acidose Metabólica • Anorexia • Hipercalemia • Náuseas • Hiperuricemia • Vômitos • Parotidite 9. Infecciosos • Gastrites • Maior Suscetibilidade a Infecções: • Úlceras Gastrintestinais -Deficiência da Imunidade Celular e • Pancreatite Humoral • Diarréias • Hepatites B e C (Transfusões Sangüíneas) • AIDS (Transfusões Sangüíneas) 5. Cardiovasculares e Pulmorares 10. Dermatológicos • Hipertensão Arterial • Prurido • Pericardite • Pele Seca • Insuficiência Cardíaca • Conjuntivites • Edema • Equimoses • Edema Agudo de Pulmão • Calcificações Distróficas • Despigmentações TABELA 2 A) Manifestações que Melhoram com o 1.1. Diminuição da Libido Tratamento Dialítico 1.2. Diminuição da Fertilidade 1. Hipervolemia 1.3. Amenorréia 2. Hipertensão Arterial 2. Alterações Lipídicas 3. Insuficiência Cardíaca 3. Pericardite 4. Edema 4. Neuropatia Periférica 5. Alterações Eletrolíticas e do 5. Osteodistrofia Renal Equilíbrio Ácido-Básico 6. Anemia 6. Alterações Decorrentes da Retenção de Solutos Tóxicos C) Manifestações que se Desenvolvem Durante 6.1.Digestivas o Tratamento Dialítico 6.2. Intolerância aos Hidratos de Carbono 1. Infecções Virais 6.3. Neurológicos Centrais 2. Demência da Diálise 6.4. Distúrbios da Hemostasia 3. Hiperesplenismo 6.5. Dermatológicos B) Manifestações que Persistem Apesar do Tratamento Dialítico 1. Disfunção Sexual Tratamento na fase pré-dialítica O paciente renal crônico mantém-se praticamente assintomático até o ponto em que sua função renal está diminuída em cerca de 50%. Até aí, parece não ser necessário um tratamento rígido no que concerne à dieta ou medicamentos. Não existe concordância entre os vários autores sobre o momento em que este tratamento deveria ser iniciado. O tratamento baseia-se primordialmente em dietas que, embora pobres em proteínas, contenham aminoácidos essenciais em quantidades adequadas. Esta redução na ingestão protéica reduz a magnitude dos sintomas urêmicos. De forma geral, a quantidade de proteínas que deve ser administrada está em torno de 0,6-0,8 g/kg/dia, pois quantidades menores não garantem um balanço nitrogenado neutro ou positivo. Estas proteínas devem ser de origem animal (carnes e clara de ovo), uma vez que as de origem vegetal como verduras, legumes e frutas são de baixo valor biológico. O leite embora rico em aminoácidos essenciais, contém fósforo em elevadas quantidades, o que pode ser prejudicial para pacientes com hiperfosfatemia. Concomitantemente deve-se garantir uma ingestão calórica suficiente (35 kcal/kg/dia), o que pode ser feito à custa de gorduras e hidratos de carbono que não contenham proteínas (açúcar, mel, goiabada, marmelada, etc.) e de gorduras. A ingestão de sal só deverá ser restringida se houver edema, hipertensão arterial e insuficiência cardíaca. Por outro lado, pacientes normotensos e com nefropatia perdedora de sal devem ingerir sódio pois sua restrição acarreta piora da função renal. Às vezes o sódio deverá ser administrado também sob a forma de bicarbonato de sódio, principalmente nos pacientes que apresentam acidose decorrente da perda urinária de bicarbonato. De forma geral, a ingestão de potássio não deve ser restringida a não ser nos estágios finais da IRC, quando o néfron perde a capacidade de secretar este íon. Quando for necessária sua restrição, deve-se tomar o cuidado de não usar diuréticos poupadores de potássio, ou mesmo de medicamentos que contenham este íon como penicilinas, xaropes, etc. Além disto, tem-se verificado que medicamentos que inibem a enzima de conversão da angiotensina I para angiotensina II também determinam incrementos na concentração plasmática de potássio. Deve-se este fato ao hipoaldosteronismo que pode ocorrer na vigência do uso destes medicamentos. Quadros de hipercalemia também foram observados com o uso de ß-bloqueadores. Quando se restringe a ingestão protéica, restringe-se normalmente a ingestão de potássio. Além disso, devem- se tomar o cuidado de não fornecer frutas que contenham quantidades excessivas deste íon, como pêssego, uva, manga, abacaxi. Se, ainda assim, houver hipercalemia, deve-se empregar resinas permutadoras de cátions (poliestirenossulfonato de cálcio - SORCAL 10-15 g 2-3 vezes ao dia). Deve-se evitar apenas a ingestão demasiada de sucos ricos em potássio. Bebidas alcoólicas como uísque, conhaque e vodca podem ser permitidas em moderadas quantidades. A presença de edema que indica balanço positivo de sódio torna necessária a sua restrição na dieta. A restrição de sal leva automaticamente à restrição de água pois o paciente tem menos sede. Além disto, cabe o uso de diuréticos, podendo ser usados os de alça (furosemida: 40-160 mg/dia; ácido etacrínico: 50-200 mg/dia) ou os menos potentes, como as clorotiazidas,em combinação com os anteriores. A acidose metabólica tende a aparecer nos estágios mais avançados da nefropatia, sendo tratada com bicarbonato de sódio (1-4 g/dia) quando possível. Quando o paciente tiver indicação de diálise, o tratamento dialítico corrige automaticamente a acidose. A prevenção da osteodistrofia se faz administrando carbonato de cálcio aos pacientes durante as refeições (2-6 g/dia) em quantidade suficiente para manter os níveis normais de cálcio e fósforo. Como se sabe, além de fornecer cálcio, o carbonato serve como quelante intestinal de fósforo, evitando assim a hiperfosfatemia. Além disso, ele apresenta moderado efeito alcalizante servindo para combater a acidose metabólica. Recentemente tem sido proposto o uso de acetato de cálcio via oral que aparentemente é mais efetivo. O hidróxido de alumínio possui um efeito quelador de fosfato mais evidente. Seu uso, porém, fica restrito a hiperfosfatemias graves, devido ao perigo da intoxicação pelo alumínio. O uso de 1,25-(OH)2D3 (calcitriol) fica reservado aos pacientes que apresentam osteomalácia definida ou hiperparatiroidismo secundário evidente (calcitriol - Rocaltrol® 0,25-0,50 mg/dia 2-3 vezes por semana). As concentrações plasmáticas de magnésio com pacientes IRC são variáveis. No sentido de evitar hipermagnesemia, não se deve administrar os alcalinizantes existentes no comércio e usados para o tratamento de úlceras gastroduodenais, pois a maioria deles contém magnésio. A insuficiência cardíaca será tratada da forma habitual, com restrição de sódio, diuréticos e cardiotônicos. Nas hipertensões em que o volume do líquido extracelular tenha papel preponderante, devem-se usar inicialmente diuréticos de alça tal como a furosemida. Em caso de insucesso devem-se usar drogas hipotensoras como alfa- metildopa, clonidina, prazosin, bloqueadores de cálcio, beta-bloqueadores, substâncias inibidoras da enzima de conversão da angiotensina I para angiotensina II, quando não houver contra-indicações para estes dois últimos medicamentos. Embora rara, pode haver indicação do uso de Minoxidil. A anemia do paciente IRC deve ser tratada com eritropoetina humana recombinante geralmente na dose de 20 a 50 µ/kg por via subcutânea 2 a 3 vezes por semana em fase de manutenção. Em muitos pacientes a administração de ferro por via intramuscular ou endovenosa pode ser necessária. Devido à restrição protéica e à anorexia, os pacientes devem receber suplementações de ácido fólico (1 mg/dia) e vitaminas do complexo B. O tratamento do prurido é, na maioria das vezes desanimador. Pode-se tentar a colestiramina na dose de 2 a 4 g/dia e antialérgicos. As melhores respostas são obtidas, entretanto, com o enérgico tratamento do hiperparatiroidismo secundário. A paratiroidectomia traz, muitas vezes, alívio do prurido. O paciente renal crônico apresenta às vezes sintomas e intercorrências que necessitam tratamento por vários medicamentos, como antibióticos, antituberculosos, antiarrítmicos cerebrais e miocárdicos, cardiotônicos, imunossupressores, sedativos, etc. Desde que o paciente apresenta déficit de função renal, a dose destes medicamentos terá que ser ajustada, principalmente quando são de eliminação renal. Para a maioria das drogas a dose inicial deve ser igual à de um paciente sem insuficiência renal; as doses subseqüentes serão ajustadas conforme o grau de função renal. Tal ajuste pode ser feito aumentando-se o intervalo entre as tomadas do medicamento, ou então diminuindo a dose em cada tomada. Este último método deve ser preferido no caso de se desejar manter um nível relativamente mais constante do medicamento no sangue. Finalmente pacientes portadores de doença renal progressiva devem ser preparados para a fase de diálise e transplante renal. Devem ser vacinados contra o vírus da hepatite B quando ainda apresentam boa função renal, época em que são mais responsivos à vacina. Além disso, devem receber tratamento preventivo para a osteodistrofia renal e anemia. Os métodos dialíticos devem ser de seu pleno conhecimento e todos deverão ter fístula artério-venosa funcionante 2-3 meses antes de iniciar o tratamento dialítico, qualquer que seja a modalidade empregada (diálise peritoneal ou hemodiálise). Há muitos centros atualmente que indicam diretamente o transplante renal antes de os pacientes iniciarem a diálise. Nessa concepção somente fariam diálise aqueles que não tiveram sucesso com o transplante.
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