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OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM > Identificar microrganismos patogênicos em produtos farmacêuticos. > Detectar a presença de metabólitos tóxicos em produtos farmacêuticos. > Estabelecer conduta técnica adequada à não contaminação microbiológica. Introdução O objetivo do controle de qualidade dos produtos farmacêuticos é garantir a segurança, a eficácia e a aceitabilidade desses produtos pelo consumidor, o qual, com o passar do tempo e a crescente facilidade de acesso à informação, tem se tornado cada vez mais exigente. A utilização segura de produtos farmacêuticos envolve análises do controle de qualidade, como a análise microbiológica de matérias-primas e do produto acabado. Esses produtos devem ser produzidos, de acordo com as exigências particulares de cada um, visando à eliminação com- pleta dos microrganismos ou respeitando os limites microbianos impostos pelas normas reguladoras. Controle de qualidade microbiológico de produtos farmacêuticos Cristina Lorena Massocatto Neste capítulo, vamos apresentar os tipos de produtos farmacêuticos de acordo com a presença ou ausência de microrganismos. Especificamente, vamos descrever a classificação desses produtos, os principais grupos de microrganismos e toxinas que estão envolvidos em sua contaminação, aspectos relacionados à análise e, por fim, a conduta técnica adequada à não contaminação microbiológica. Contaminação microbiana em produtos farmacêuticos Os produtos fiscalizados pela vigilância sanitária, como medicamentos e seus insumos, bem como correlatos, devem ser produzidos de acordo com suas particularidades, respeitando os limites microbianos, de maneira que sua utilização ou consumo sejam plenamente seguros. Os limites microbianos dos produtos farmacêuticos podem consistir em ausência total de formas viáveis de microrganismos, ou seja, produtos estéreis, ou sua presença aceitável em quantidades definidas, limitadas ou não a determinados microrganismos, sendo estes denominados produtos não estéreis (PINTO; KANEKO; PINTO, 2015). São tipos de microrganismos importantes para o processo de fabricação e controle farmacêutico as bactérias, os fungos e os vírus. As bactérias e os fungos podem estar dispostos como células únicas ou aglomerados celulares, e exibem estruturas que propiciam sua replicação. Já os vírus, por serem menores e mais simples, dependem da presença de células procariontes ou eucariontes para se reproduzirem. Para obter produtos farmacêuticos dentro das especificações microbioló- gicas desejadas, é essencial conhecer a fontes e os mecanismos responsáveis para as possíveis contaminações. Matérias-primas contaminadas resultam em produtos contaminados, e estes ainda podem ser contaminados por outros microrganismos, possivelmente presentes nos equipamentos, nos ambientes produtivos, nos operadores e nos materiais de embalagem (PINTO; KANEKO; PINTO, 2015). A replicação de microrganismos contaminantes, sobretudo de bacté- rias Gram-negativas, ocorre de forma rápida em espaços como juntas e válvulas, onde água e resíduos do produto podem se acumular, formando um biofilme, que consiste em um risco potencial à qualidade do produto (SCOTT; BLOOMFIELD, 1990). Controle de qualidade microbiológico de produtos farmacêuticos2 O controle microbiológico de matérias-primas segue as determinações estipuladas para produtos não estéreis. É necessário verificar a presença de microrganismos mesófilos totais (bactérias e fungos) e dos seguintes patógenos: Escherichia coli, Pseudomonas aeruginosa, Staphylococcus aureus e Salmonella sp. (OLIVEIRA; GAITANI, 2019). De acordo com a Farmacopeia Brasileira (SILVA, 2019), os limites máximos aceitáveis estabelecidos para matéria-prima ou base galênica são: � bactérias aeróbias = 103 UFC/g ou mL; � contagem de fungos/leveduras = 102 UFC/g ou mL; � pesquisa de E. coli = ausência em 1 g ou mL; � pesquisa de P. aeruginosa = ausência em 1 g ou mL; � pesquisa de S. aureus = ausência em 1 g ou mL; � pesquisa de Salmonella sp. = ausência em 10 g ou mL. De acordo com Pinto, Kaneko e Pinto (2015), um controle de qualidade microbiológico eficiente dos produtos não estéreis garante que a carga mi- crobiana presente no produto não prejudique sua qualidade ou a segurança do paciente. A análise tem o objetivo de verificar a ausência de microrganis- mos patogênicos, os quais não devem estar presentes, por representarem um risco de aquisição de doença ou transferência de toxinas, e determinar a quantidade de microrganismos viáveis, os quais, estando presente em grandes quantidades, podem levar à deterioração da formulação, promo- vendo alterações físicas e químicas, além de aumentar o risco de infecção e toxi-infecção para o usuário (SILVA, 2019). Com relação aos produtos estéreis, os testes de esterilidade se aplicam a insumos farmacêuticos, medicamentos e produtos para a saúde que devem apresentar ausência total de microrganismos. Um resultado satisfatório corresponde à não detecção de microrganismo na amostra examinada, sendo que a extensão desse resultado ao lote depende das precauções tomadas no processo de fabricação, o qual deve seguir as boas práticas de fabricação (SILVA, 2019). Métodos de identificação de microrganismos Existem diferentes técnicas indicadas pelas farmacopeias para a realização da análise microbiológica de matérias-primas e do produto farmacêutico. Entre elas, destacam-se o método de filtração por membrana, o método de contagem em placa pelo método de pour plate, a contagem em placa pelo Controle de qualidade microbiológico de produtos farmacêuticos 3 método de espalhamento em superfície e a contagem em tubos múltiplos. Veja cada uma dessas técnicas em detalhes a seguir. Método de filtração por membrana Para possibilitar a retenção de microrganismos pelo uso de membrana fil- trante, recomenda-se utilizar membranas com porosidade apropriada (0,45 µm ou 0,22 µm de poro e 47 mm de diâmetro). A filtração de alíquotas do produto sob a forma líquida deve ser executada em câmara de fluxo laminar, com equipamentos para filtração e membrana esterilizados. O processo de filtração deve ser realizado com duas membranas filtrantes. Posteriormente, para a contagem de microrganismos aeróbios totais, deve-se colocar uma das membranas, na mesma posição, sobre placa de Petri com meio ágar caseína-soja e incubar a 30–35°C por quatro dias. Para a avaliação de fungos, a outra membrana deve ser transferida para a placa de Petri com meio ágar Sabouraud-dextrose e incubar a placa a 20–25°C por sete dias. Após a incubação, é realizada a contagem do número de colônias e expressado o número de unidade formadora de colônia (UFC) por grama ou mililitro do produto (SILVA, 2019; PINTO; KANEKO; PINTO, 2015; OLIVEIRA; GAITANI, 2019). Método de pour plate A técnica consiste em adicionar 1 mL da amostra preparada sob a forma líquida em uma placa de Petri de 9 cm. Para a contagem total de bactérias, deve-se verter de 15 a 20 mL de ágar caseína-soja, estéril, fundido e resfriado a 45–48°C, homogeneizar com movimento em “S” ou “8”, deixar sobre a ban- cada até solidificação à temperatura ambiente e, posteriormente, incubar as placas invertidas a 30–35°C durante quatro dias. Para a quantificação de fungos, deve-se adicionar o mesmo volume de ágar Sabouraud-dextrose, estéril, fundido e resfriado a 45–48°C, homogeneizar com movimento em “S” ou “8”, deixar sobre a bancada até solidificação à temperatura ambiente e, posteriormente, incubar as placas invertidas a 20–25°C durante sete dias. Números inferiores a 250 para a contagem de bactérias e a 50 para fungos e leveduras, multiplicados pelo fator de diluição empregado no preparo da amostra, originarão o número de UFC por grama ou mililitro do produto. Contagens superiores exigem diluições maiores (PINTO; KANEKO; PINTO, 2015; OLIVEIRA; GAITANI, 2019). Controle de qualidade microbiológico de produtos farmacêuticos4 Método de espalhamento em superfície Para a contagemde bactérias, verter 15–20 mL de ágar caseína-soja fundido e resfriado a 45–45°C em uma placa de Petri e deixar solidificar em local isento de microrganismos, como em câmara de fluxo laminar ou em incubadora. Para a contagem de fungos, realizar o mesmo procedimento, mas substituindo o ágar caseína-soja por ágar Sabouraud-dextrose. Adicionar 100 µL da amostra diluída, previamente preparada, sobre o meio e espalhar com alça de Drigalski com movimentos delicados. As placas deverão ser incubadas invertidas. As condições de incubação e os cálculos para a quantificação de carga microbiana são os mesmos descritos na seção “Método de pour plate” (PINTO; KANEKO; PINTO, 2015; OLIVEIRA; GAITANI, 2019). Método de contagem em tubos múltiplos A técnica dos tubos múltiplos também é conhecida como “técnica do número mais provável” (NMP). A técnica emprega meios líquidos e diluições seriadas das amostras e, para realizá-la, deve-se preparar uma série de 12 tubos contendo 9 mL de caseína-soja e um tubo de Durhan invertido em cada. Para o preparo das amostras, deve-se realizar diluição 1:10. Quando se tratar de amostras sólidas, deve-se adicionar 10 g da amostra com 90 mL de diluente. No caso de amostras líquidas, deve-se misturar 1 mL da amostra com 9 mL de caldo de caseína-soja. A análise é executada em três réplicas. No primeiro tubo, deve-se adi- cionar 1 mL da amostra previamente diluída, depois homogeneizar e retirar 1 mL do conteúdo do primeiro tubo, passando para o tubo seguinte para a amplificação da diluição. Após, deve-se repetir o procedimento anterior, mas envolvendo o segundo e o terceiro tubos. Os três tubos restantes serão utilizados como controle negativo, devendo-se adicionar 1 mL de diluente em cada um deles. Em seguida, deve-se incubar todos os tubos à temperatura de 30–35°C por três dias. Posteriormente, deve-se verificar a presença de turvação ou produção de gás, o que indica a presença de microrganismos (SILVA, 2019; OLIVEIRA; GAITANI, 2019). Provas adicionais Existindo a suspeita ou a necessidade de identificar a presença de um dos microrganismos, a pesquisa deve ser seguida empregando-se provas bioquí- micas e sorológicas específicas, de acordo com o microrganismo pesquisado. Controle de qualidade microbiológico de produtos farmacêuticos 5 Rotineiramente, são utilizados testes de fermentação de diferentes açúcares, investigação potencial de utilização de citrato como única fonte de carbono, reação de peroxidase e coagulase, entre outros (Quadro 1) (PINTO; KANEKO; PINTO, 2015). Quadro 1. Sistemas complementares empregados na identificação de microrganismos Microrganismos Características do comportamento microbiano que propiciam a identificação laboratorial Candida albicans Realizar o enriquecimento seletivo da amostra em caldo Sabouraud-dextrose por 3 a 5 dias. Transferir uma alçada para placas contendo ágar Sabouraud-dextrose e incubar a 30–35°C por 24–48 horas. O desenvolvimento de colônias brancas no ágar Sabouraud-dextrose ou colônias marrons/ pretas em ágar Nickerson indicam a presença de C. albicans, o que deve ser confirmado com testes bioquímicos: assimilação de açúcares, produção de tubo germinativo, produção de fosfolipase e produção de proteinase. Clostridium sp. Empregar o caldo para enriquecimento de Clostridium, visando ao enriquecimento da amostra. Transferir uma alçada do meio enriquecido para placas contendo meio de isolamento ágar Columbia e incubar em condições anaeróbicas a 30–35°C por 48 horas. A identificação de colônias catalase negativas indica a presença de Clostridium sp. Escherichia coli O enriquecimento da amostra deve ser realizado em caldo caseína-soja, o qual, posteriormente, deve ser transferido (1 mL) para 100 mL de caldo Mac Conkey e incubado a 42–44°C por 24–48 horas. Transferir uma alçada desse meio para placas com ágar Mac Conkey e incubar 30–35°C por 18–72 horas. Colônias de cor vermelha indicam a presença de E. coli. A confirmação ocorre pela realização de testes bioquímicos: ágar eosina-cloreto de metiltionínio, ágar tríplice açúcar- ferro, citrato de Simmons, indol, vermelho de metila e teste de Voges-Proskauer. (Continua) Controle de qualidade microbiológico de produtos farmacêuticos6 Microrganismos Características do comportamento microbiano que propiciam a identificação laboratorial Pseudomonas aeruginosa Transferir uma alçada da amostra do caldo de caseína-soja, pré-incubado por 24 horas, para placas com ágar cetrimida, utilizando o método de estrias em superfície, e incubar a 30–35°C por 18–72 horas. O desenvolvimento de colônias com diferentes características pode indicar a presença de P. aeruginosa. Assim, devem ser submetidas a testes bioquímicos para confirmação: citocromo-oxidase, fluoresceína, crescimento a 41°C. Salmonella Transferir 0,1 mL do caldo de caseína de soja incubado por 24 horas para 10 mL de caldo Rappaport- Vassiliadis e incubar a 30–35°C por 18–24 horas. Na sequência, transferir uma alçada desse meio para placas com ágar xilose lisina desoxicolato e incubar a 30–35°C por 18–48 horas. O crescimento de colônias grandes, de cor vermelha com ou sem o centro preto, indica a presença de Salmonella. Para a confirmação, realizar testes bioquímicos adicionais: ágar tríplice açúcar-ferro, lisina-descarboxilase, citrato de Simmons, uréase e fermentação de lactose. Staphylococcus aureus Transferir uma alçada da amostra do caldo de caseína- soja pré-incubado por 24 horas para placas com ágar sal manitol-vermelho de fenol e incubar a 30–35oC por 18–72 horas. O crescimento de colônias amarelas circundadas por zona diferente, de cor amarelo forte, indica a possível presença de S. aureus. Para a confirmação, realizar testes bioquímicos: coagulase e desoxirribonuclease, além da coloração de Gram (Gram-positivo). Metabólitos tóxicos em produtos farmacêuticos Os pirogênios consistem em qualquer substância capaz de causar febre em humanos ou animais e podem ser agrupados em pirogênios exógenos e endógenos. Os pirogênios exógenos são originados fora do corpo e, quando injetados, induzem o aumento da temperatura, como os pirogênios de origem microbiana, sendo o lipopolissacarídeo (uma endotoxina) o mais significativo. Já os pirogênios endógenos são produzidos internamente no hospedeiro, em resposta ao estímulo pirogênio exógeno (WILLIAMS, 2001). (Continuação) Controle de qualidade microbiológico de produtos farmacêuticos 7 As endotoxinas são substâncias de alto peso molecular capazes de pro- vocar alterações funcionais no organismo humano. Muitas vezes, essas subs- tâncias se encontram associadas à membrana externa de bactérias como as Gram-negativas, grupo que constitui a mais significativa fonte de pirogênio (substâncias que causam febre) para a indústria farmacêutica (WILLIAMS, 2001). Embora a maior parte dessas endotoxinas permaneça ligada às estruturas celulares até a desintegração, uma pequena parte pode ser liberada, na forma solúvel, por culturas de bactérias jovens ou por Gram-negativas como E. coli, Salmonella, Shigella, Pseudomonas, Neisseria, Haemophilus e outros agentes patogênicos em crescimento. Dessa forma, a detecção e a eliminação de endotoxinas em produtos farmacêuticos são essenciais (GUIMARÃES, 2017). Apesar de serem termoestáveis, ciclos extensos de calor seco, condi- ções alcalinas ou ácidas e polimixina B, sob certas condições, podem inativar as endotoxinas. As características das endotoxinas de exibirem relativa estabilidade térmica e provocar o aumento da temperatura quando administra- das por via parenteral tornam suas detecção e eliminação fundamentais para produtores de parenterais (PINTO; KANEKO; PINTO, 2015). Além das endotoxinas de bactérias Gram-negativas, outras substâncias causam reações pirogênicas. Cepas de estreptococos do grupo A produzem toxinas eritrogênicas, que causam avermelhamento da pele e são potentes pirogênios. A Mycobaterium tuberculosis, além de sercausadora da tubercu- lose, produz duas substâncias pirogênicas e pode induzir febre pela interação com fagócitos, granulomas reativos ou via sistêmica. O vírus são os principais microrganismos causadores de episódios pirogênicos em humanos. Com relação aos fungos, estudos têm demonstrado alta ação pirogênica quando injetados via endovenosa (PINTO; KANEKO; PINTO, 2015). No Quadro 2, estão representados os principais procedimentos de detecção de endotoxinas in vitro. Controle de qualidade microbiológico de produtos farmacêuticos8 Quadro 2. Principais procedimentos laboratoriais para a detecção de endotoxinas Técnica Características do procedimento laboratorial Ponto final de gelificação Mais simples e amplamente utilizada para a detecção de endotoxinas. Permite a detecção e a quantificação de endotoxinas com base na reação de gelificação do reagente de lisado de amebócito de Limulus (LAL), o qual coagula em contato com as endotoxinas bacterianas. O ensaio pode avaliar o nível aproximado de endotoxinas de uma solução do produto, com diluições subsequentes, permitindo definir a máxima diluição com resultado positivo de gelificação. A concentração é estimada multiplicando a mais alta diluição positiva pela sensibilidade do LAL. Ensaio turbimétrico Baseia-se na característica de que qualquer aumento na concentração de endotoxina leva ao aumento proporcional na turbidez devido à precipitação de coagulogênio no lisado. A sensibilidade da metodologia é de 0,005 UE/mL. Método cromogênico Baseia-se na medida de um cromóforo liberado por um peptídeo cromogênico pela reação das endotoxinas com o lisado. A intensidade da cor é proporcional à quantidade de endotoxinas bacterianas. Micotoxinas Ainda, pode-se destacar a possível presença de micotoxinas em produtos farmacêuticos. As micotoxinas correspondem a metabólitos secundários de origem fúngica. Essas substâncias podem constituir moléculas complexas, com características variadas e elevada toxicidade para seres humanos e animais. Os fungos que exibem capacidade de produzir esses compostos (pois nem todas as espécies de fungos são produtoras de micotoxinas) apresentam grande capacidade de adaptação, podendo se desenvolver em diferentes substratos. As espécies micotoxigênicas mais importantes pertencem aos gêneros Aspergillus, Penicillium e Fusarium (PINTO; KANEKO; PINTO, 2015). Os métodos analíticos aplicados à identificação de micotoxinas se baseia na extração da substância para um solvente orgânico (fase líquida), seguida da purificação do extrato para remover as impurezas e separar as toxinas (etapa que ocorre por meio da utilização de colunas de extração em fase Controle de qualidade microbiológico de produtos farmacêuticos 9 sólida), e, por fim, das detecções qualitativa e quantitativa da micotoxina, geralmente envolvendo técnicas cromatográficas. Nesses casos, a cromato- grafia líquida de alta eficiência (CLAE) é a técnica mais empregada (TRUCKESS, 2000; VENTURA et al., 2004). Já foram desenvolvidos imunoensaios, como o Enzyme-linked immuno- sorbent assay (Elisa), visando à identificação laboratorial de micotoxinas por kits de detecção para aflatoxinas, ocratoxinas, fumonisinas, zearalenonas e desoxinivalenol (OLIVEIRA; PRADO; JUNQUEIRA, 2000; TRUCKESS, 2000; YONG; COUSIN, 2001). A identificação de espécies fúngicas micotoxigênicas consiste em um importante alerta para a possível presença de micotoxinas nos produtos. Porém, não é sinônimo de presença de micotoxinas, sendo indicada a avaliação de seu potencial toxigênico (PINTO; KANEKO; PINTO, 2015). Conduta técnica adequada à não contaminação microbiológica De acordo com a Resolução da Diretoria Colegiada nº 301, de 21 de agosto de 2019 (BRASIL, 2019), a qual dispõe sobre as boas práticas de fabricação de medicamentos, a contaminação microbiológica consiste na introdução não desejada de microrganismos em matéria-prima, produto intermediário e/ou terminado durante as etapas de produção como amostragem, pesagem, for- mulação, produção (re)embalagem, armazenamento ou transporte. A mesma resolução reporta que o detentor de uma autorização para fabricação deve fabricar produtos seguros, de qualidade e eficazes, de forma a não colocar os usuários em risco. Para alcançar a tão buscada qualidade, é essencial a participação e o comprometimento de toda a equipe, nos diversos níveis da organização, bem como dos fornecedores e distribuidores. Além disso, deve existir um sistema de qualidade farmacêutica adequado e funcionando, o qual deve incorporar as boas práticas de fabricação e gerenciamento dos riscos de qualidade. Para a obtenção de formas farmacêuticas que atendam às normativas existentes, é necessário o estabelecimento de uma estratégia de controle microbiológico. Pinto, Kaneko e Pinto (2015) mencionam que a qualidade microbiológica do produto final está relacionada à qualidade dos princípios ativos e dos excipientes utilizados na fabricação. Além disso, o planejamento do processo Controle de qualidade microbiológico de produtos farmacêuticos10 produtivo deve priorizar condutas que propiciem a inocuidade dos produtos fabricados. Sempre que possível, a produção deve ser realizada empregando condições sanitárias adequadas e em reatores fechados, o que diminui a possibilidade de contaminação. Ainda, todos os recipientes de estocagem das matérias-primas devem ser limpos e protegidos de contaminação. Formulações farmacêuticas englobam fármaco, diluentes ou excipien- tes, os quais podem atuar como substâncias estimulantes ou inibidoras do crescimento microbiano. Formulações aquosas propiciam o desenvolvi- mento de microrganismos, enquanto produtos secos, como pós, comprimidos, liofilizados e outros com baixos níveis de água, exibem condições menos favoráveis ao crescimento microbiano. No entanto, microrganismos podem estar presentes em grandes quantidades nessas formulações, exigindo o uso de métodos de eliminação ou diminuição da carga microbiana por técnicas físicas e/ou químicas. Durante o planejamento do processo produtivo, ao estabelecer as etapas de controle microbiológico, deve-se avaliar as características dos fármacos, excipientes, conservantes, pH, tensão superficial, osmolalidade, potencial redox, acondicionamento, embalagem, fechamento e estocagem (Quadro 3). Cada etapa do processo deve ser cuidadosamente avaliada quanto à possi- bilidade de contaminação microbiana. A partir da identificação dos riscos, deve-se estabelecer estratégias de controle que garantam a segurança do produto (PINTO; KANEKO; PINTO, 2015). Controle de qualidade microbiológico de produtos farmacêuticos 11 Quadro 3. Fatores a serem considerados ao se estabelecer uma estratégia de controle microbiológico na produção de produtos farmacêuticos Fatores Características em torno dos fatores a serem consideradas ao se estabelecer uma estratégia de controle microbiológico na produção de produtos farmacêuticos Fármacos Todos os fármacos podem ser degradados por microrganismos, embora alguns princípios ativos exibam a propriedade de inibir o crescimento de determinados microrganismos. Excipientes Alguns excipientes possibilitam o crescimento microbiano, como o amido e o açúcar, enquanto outros o inibem, como os surfactantes, os detergentes e os agentes quelantes. Conservantes Geralmente, são adicionados apenas a fórmulas multidoses. Em formas farmacêuticas apresentadas como dose única, não é comum sua adição na formulação, de modo que não é incentivada por agências regulatórias. pH Um pH extremo, menor que quatro e maior que dez, inibe a maioria dos microrganismos, mas não todos. Fórmulas com pH distantes de 7,0 tornam o crescimento microbiano lento. Tensão superficial Bactérias Gram-negativas podem ter o crescimento estimulado em condição de baixa tensão superficial, enquanto as bactérias Gram-positivas têm seu desenvolvimento inibido em tensões superficiais inferiores a 50 mN/m. OsmolalidadeFormulações que exibem alta pressão osmótica suprimem o desenvolvimento de muitos microrganismos. Potencial redox Microrganismos aeróbicos se desenvolvem em potencial redox entre 100–500 mV; anaeróbicos, em torno de –420 mV; microrganismos facultativos, na faixa de 150 mV a –600 mV. Condições de estocagem Produtos farmacêuticos armazenados sob refrigeração e congelamento reduzirão a proliferação dos microrganismos, mas o uso de baixas temperaturas pode não ser a melhor opção, considerando o controle durante transporte e a necessidade de descongelamento antes do uso. Controle de qualidade microbiológico de produtos farmacêuticos12 Outra medida cujo foco é a qualidade da cadeia produtiva farmacêutica é a água utilizada nos processos de preparações, a qual deve atender à legislação vigente, que exige avaliações físico-químicas e microbiológicas com periodicidade. Os requisitos de qualidade exigidos dependerão de sua finalidade e de seu emprego dentro do sistema produtivo, sendo o sistema de purificação a ser utilizado definido com o intuito de atender ao grau de pureza requerido (OLIVEIRA; GAITANI, 2019). A água para injetáveis é empregada na formulação de produtos farma- cêuticos parenterais de pequeno e grande volumes. É, ainda, utilizada na limpeza de equipamentos e utensílios que entram em contato com os produtos estéreis durantes sua produção (SILVA, 2019). De acordo com a Farmacopeia Brasileira (SILVA, 2019), a água para injetáveis deve atender aos seguintes parâmetros microbiológicos: � contagem do número total de bactérias heterotróficas ≤ 10 UFC/100 mL; � endotoxinas