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Sumário
1. A mensagem das funções da linguagem 5
A mensagem e seu perfil 5
Diálogo das funções 8
2. Função referencial 9
O quê: referente 9
Mensagem referencial 10
A ciência, a arte realista, o jornal 11
No “campo” do referente, a emoção poética 13
3. Função emotiva 16
Quem: emissor em detalhes 16
Emoção e arte 18
A solidão 20
4. Função conativa 22
Para quem: receptor 23
A persuasão da mensagem 23
A sedução da mensagem 25
O quadrinho do leitor bidu 26
5. Função fática 28
Onde: canal 28
O cotidiano fático 28
O canal da arte 30
6. Função poética 32
Como: mensagem 32
Na poesia o fundamental é ... a poesia 34
Selecionar e combinar 36
Estranhamente... 38
Solidão 40
A poética do inconsciente 41
O chiste 42
O lapso 43
O sonho 45
7. Função metalingüística 48
Com o quê: código 48
A moda é metalingüística 51
Linguagem-objeto e metalinguagem 52
Objeto metalingüístico 55
8. Vocabulário crítico 57
9. Bibliografia comentada 61
1
A mensagem das
funções da linguagem
A mensagem e seu perfil
Diferentes mensagens veiculam significações as mais diversificadas, mostrando na
sua marca e traço, no seu efeito, o seu modo de funcionar.
O funcionamento da mensagem ocorre tendo em vista a finalidade de transmitir —
uma vez que participam do processo comunicacional: um emissor que envia a mensagem a
um receptor, usando do código para efetuá-la; esta, por sua vez, refere-se a um contexto. A
passagem da emissão para a recepção faz-se através do suporte físico que é o canal.
Aí estão, portanto, os fatores que sustentam o modelo de comunicação: emissor,
receptor, canal, código, referente, mensagem.
Nem sempre foi assim.O psicólogo austríaco Karl Bühler compusera esse modelo de
forma triádica, apontando três fatores básicos: o destinador (mensagens de caráter
expressivo), o destinatário (mensagens de caráter apelativo) e o contexto (mensagens de
caráter comunicativo).
Roman Jakobson, no ensaio Lingüística e poética ¹, am-
¹ JAKOBSON, Roman. Lingüística e comunicação. São Paulo, Cultrix, 1969.
V. “Bibliografia comentada”.
6
plia essas funções de três para seis, complementando o modelo de Bühler. Para isso,
Jakobson enfoca o perfil da mensagem, conforme a meta ou orientação (Einstellung) dessa
mesma mensagem em cada fator da comunicação.
Assim, as atribuições de sentido, as possibilidades de interpretação — as mais
plurais — que se possam deduzir e observar na mensagem estão localizadas primeiramente
na própria direção intencional do fator da comunicação, o qual determina o perfil da
mensagem, determina sua função, a função de linguagem que marca aquela informação.
Ênfase no fator determina Função de linguagem
Referente F. Referencial
Emissor F. Emotiva
Receptor F. Conativa
Canal F. Fática
Mensagem F. Poética
Código F. Metalinguística
Mensagens de caráter emotivo são assim qualificadas porque pode-se observar, na
forma de organizar os sinais que a compõem, a orientação para o emissor: “Você não serve
para nada!” seguramente informa sobre o estado de ânimo do remetente e não sobre o
destinatário para quem se fala — aí marcado pelo signo “você”; por sua vez, a emissão
marca-se pela exclamação e pela seleção lexical centrada em “não serve” e “nada”.
No entanto, nem só de mensagens verbais vive o ser humano. A linguagem participa
de aspectos mais amplos que apenas o verbo.
O corpo fala, a fotografia flagra, a arquitetura recorta espaços, a pintura imprime, o
teatro encena o verbal, o visual, o sonoro, a poesia — forma especialmente inédita de
linguagem — surpreende, a música irradia sons, a escultura tateia, o cinema movimenta
etc.
7
Um fragmento da Ode (Explicita) em defesa da poesia no dia de São Lukács de Haroldo de
Campos² retoma o bem-dizer da natureza da poesia:
[...]
porque não tens mensagem
e teu conteúdo é tua forma
e porque és feita de palavras
e não sabes contar nenhuma estória
e por isso és poesia
como cage dizia
ou como
há pouco
augusto
o augusto:
que a flor flore
o colibri colibrise
e a poesia poesia
Essas mensagens possuem um modo singular de formarem um organismo, uma
organização própria que as significa como mensagem: um conjunto de signos
arquitetônicos não se confunde, evidentemente, com a estrutura musical, que por sua vez se
diferencia da escultura. A isso McLuhan apontará que é a própria estrutura da mensagem
que permite aquela organização de signos e não outra (conferir “Canal da arte”, no capítulo
4). Isso implica pensar que linguagens estruturam-se em função do fator para o qual estão
inclinadas. A propaganda, por exemplo, marca-se fundamentalmente pela persuasão —
isto é, pela intenção de seduzir o receptor. A organização, portanto, da mensagem da
propaganda, seja qual for o veículo que a estruture — televisão, revista, outdoor, rádio —,
imporá um perfil conativo a essa linguagem.
²CAMPOS, Haroldo de. A educação dos cinco sentidos. São Paulo, Brasiliense, 1985.
8
Diálogo das funções
Numa mesma mensagem, porém, várias funções podem ocorrer, uma vez que,
atualizando concretamente possibilidades de uso do código, entrecruzam-se diferentes
níveis de linguagem. A emissão, que organiza os sinais físicos em forma de mensagem,
colocará ênfase em uma das funções — e as demais dialogarão em subsídio. Assim, um
dos fatores prevalecerá, certamente — digamos, o código e a função que desenha a forma
de mensagem compreende a metalingüística: mas essa mensagem assim qualificada como
determinantemente metalingüística, porque viabiliza concretamente o uso do código,
produzirá também, na cena da linguagem, a entrada, em diálogo, de outras funções e, no
conjunto, teremos as funções de linguagem hierarquizadas.
Na comunicação diária, por exemplo, além da referencialidade da linguagem — o
que torna a mensagem oral imediatamente compreendida —, há pinceladas de função
conativa, ou seja, de diálogo com alguém, ou através de uma ordem, ou através de um
narrar, mas, ao mesmo tempo, esse diálogo vem caracterizado por traços emotivos.
Cada capítulo desse livro colocará ênfase em uma das funções; observe-se, no
entanto, que a predominância de um dos fatores determinará a predominância de uma
função da linguagem. As outras funções são viabilizadas a pertencerem àquele conjunto.
Em cada exemplo procuraremos mostrar esse conjunto articulado, onde uma função marca
a qualidade da mensagem e as outras marcam o contraponto, para desenharem o diagrama
relacional da mensagem. Se as funções dialogam, não há mensagem solitária na sua
marca...
2
Função referencial
O quê: referente
Para falarmos de função referencial usaremos de um artifício didático, que separa
dois níveis de linguagem, denotativo e conotativo, apontando-lhes as diferenças e
oposições.
A conotação da linguagem é mais comumente compreendida como “linguagem
figurada”. Se dissermos “pé da mesa”, estamos nos referindo à semelhança entre o signo pé
— que está no campo orgânico do ser humano — e o traço que compõe a sustentação da
mesa, no campo dos objetos. Um signo empresta sua significação para dois campos
diversos, uma espécie de transferência de significado. Assim, a linguagem “figura” o
objeto que sustenta a mesa, com base na similaridade do pé humano e essa relação se dá
entre signos.
Por outro lado, a denotação tenta uma relação e uma aproximação mais diretas entre
o termo e o objeto. O pé do animal, o pé do ser humano seriam signos denotativos,
linguagem correlacionada a um real, que responderia sempre à pergunta “que é tal objeto?”
com o nome do objeto, sem figuração ou intermediários.
10
Não nos alongaremos aqui na discussão sobre linguagem e realidade: ela permeia
toda a questão da filosofia, da arte, da religião, da psicanálise; é uma questão ancestral. No
entanto, é possível desde já, desconfiar dessa relação ingênua entre signo e realidade como
algo direto, sem intermediários. A partir da afirmação de Saussure acerca daarbitrariedade
do signo em relação ao objeto, podemos perceber como não é fácil fazer afirmações
categóricas e absolutas a respeito da representação da realidade através do signo. Porque se
convencionou nomear “árvore” o objeto que conhecemos como tal, e não por outro signo?
Portanto, levemos em conta que, apenas por necessidade didática, enviamos a essa cisão —
linguagem legível, denotativa e linguagem figurada, conotativa.
Observemos, então, que referente, objeto, denotação são termos que se relacionam
por semelhança, embora não sejam sinônimos. Referente e contexto respondem a um do
que se fala? Fala-se sobre um objeto referido ao mundo extralingüístico, mundo
fenomênico das coisas — coisas essas sempre designadas por expressões referenciais,
denotativas. A idéia aqui é de transparência entre o nome e a coisa (entre o signo e o
objeto), de equivalência, de colagem: a linguagem denotativa referencial reflete o mundo.
Seria, assim, tão simples?
Mensagem referencial
Diz Jakobson que a tarefa dominante de numerosas mensagens é organizar os signos
em função do referente. A linguagem denotativa seria, então, construída em bases
convencionais, elaborada em função de uma certa repetibilidade das normas do código,
produzindo informações definidas, claras, transparentes, sem ambigüidades.
11
Essa linguagem de primeiro grau manifesta, precisamente, a relação de co-realidade
do signo, dirigindo-se ao significado dos objetos — denotatum.
É com essa forma de linguagem — comunicação direta— que instrumentamos nosso
cotidiano, quando nos referimos a situações que nos rodeiam, quando conversamos: sem
perceber, construímos mensagens de uso automatizado, sem ruídos de comunicação,
mensagens legíveis.
Numa dada mensagem é impossível observarmos as funções em estado puro — são
articuladas entre si, cruzando-se o jogo hierárquico dessas funções. Há o predomínio de um
dos fatores e, como você já percebeu, aqui o referente domina esse tipo de mensagem, a
mais comum, uma vez que ela própria é o instrumento de nossa comunicação cotidiana. No
entanto, em um bate-papo informal, quantas exclamações emotivas não percorrem o
diálogo entre as pessoas? O que implica dizer que emoções também são objetos
referenciais!
A ciência, a arte realista, o jornal
Por outro lado, o uso da função referencial da linguagem é uma das dominantes do
discurso científico: Aqui, a intenção é produzir uma informação teórica — História, Física,
Filosofia — com a finalidade de transmitir conhecimentos acerca de seu objeto de estudos.
O uso de signos para a História, para a Física, para a Filosofia implica um código cujo
referente é específico para cada um desses campos. Isto é, a transmissão legível e
denotativa dessas mensagens possui uma dimensão cognitiva, para aquisição do
conhecimento. Daí que o uso da função referencial marca-se, lingüisticamente, com o traço
da 3ª pessoa do verbo, ou seja, de quem ou do que se fala.
Os noticiários de rádio e televisão têm nuclearmente, a função referencial
organizando a estrutura da mensagem.
12
Uma vez mais, como aí concorrem outras dimensões — no rádio, a voz, na televisão, a
imagem — não podemos afirmar uma referencialidade pura do fato, da notícia, mas a
ocorrência de outros elementos, tal como a expressão facial do apresentador, a entonação
da voz do locutor etc: mescla--se a referencialidade com a posição do emissor.
A chamada arte realista (que se propõe a retratar a realidade tal como se apresenta)
tenta também descrever o referente, repetindo-o. Na música, as canções que
contam/cantam uma narrativa de teor emotivo, sofrem a interferência da função referencial.
Tom Zé, cantor e compositor da nossa MPB, disse muito bem: “Todo compositor
brasileiro sofre de complexo de épico”. Nesse sentido, ao lado da função referencial está a
emotiva.
Um bom exercício de função referencial argumentativa é a leitura dos editoriais de
jornal: são textos verbais bem construídos, de estrutura linear, sintaxe clara, onde, na
introdução, apresenta-se uma tese que vai ser defendida e demonstrada no
desenvolvimento, para se concluir da veracidade incontestável da tese, na parte final do
texto. Porém, mesmo em textos altamente impessoais, algo se marca: a argumentação, por
exemplo, é uma forma de persuadir o receptor do ponto de vista do emissor. Concorrem,
portanto, três funções de linguagem. No editorial, pontua-se tanto a posição da empresa
jornalística diante do fato discutido, como a tentativa de fazer o leitor concordar com o
argumento. Barthes já dizia que o signo não é neutro... nem inocente. E isso nos lembra a
velha discussão das teorias da linguagem: o signo que denomina apontando para o real, já
não é representação?
No livro A arte no horizonte do provável, seu autor, Haroldo de Campos,
identificando as funções de linguagem em diálogo na poesia, aponta:
13
Na poesia clássica, caracterizada pela épica, a função cognitiva ou referencial é associada
preferentemente à poética, produzindo-se uma poesia de 3ª pessoa, impessoal, objetiva,
descritiva¹.
E exemplifica com um fragmento de Os lusíadas, de Camões, analisando (isto é, tendo
uma postura metalingüística diante do texto) o efeito poético (a função poética) da
descrição (referente) do reino marinho.
No “campo” do referente, a emoção poética
Em Lembrança rural, de Cecília Meireles, o referente — o rural, o campo — é descrito
enquanto quadro, paisagem. Sendo lembrança, conforme a indicação do título, as
impressões visuais que restaram na memória provocarão a tentativa de recuperar,
descritivamente o real, o referente, mas as digressões do emissor marcam sua presença.
Lembrança rural
Chão verde e mole. Cheiros de relva. Babas de lodo.
A encosta barrenta aceita o frio, toda nua.
Carros de bois, falas ao vento, braços, foices.
Os passarinhos bebem do céu pingos de chuvas.
Casebres caindo, na erma tarde. Nem existem na história
do mundo. Sentam-se à porta as mães descalças.
E tão profundo, o campo, que ninguém chega a ver que é triste.
A roupa da noite esconde tudo, quando passa...
Flores molhadas. Última abelha. Nuvens gordas. Vestidos
vermelhos, muito longe, dançam nas cercas. Cigarra
escondida, ensaiando na sombra rumores de bronze
.
Debaixo da ponte, a água suspira, presa...
Vontade de ficar neste sossego toda a vida:
para andar à toa, falando sozinha,
enquanto as formigas caminham nas árvores...
(Cecília Meireles)
¹ São Paulo, Perspectiva, 1977. (Col. Debates.)
14
Aí dialogam a função referencial, a poética e a emotiva, esta em menor grau
(“Vontade de ficar neste sossego toda a vida” ou “É tão profundo, o campo, que ninguém
chega a ver que é triste”). No entanto, não é o real puramente descrito, é um ponto de vista
sobre o campo e isto percebe-se na seleção do léxico e no modo como as frases são
combinadas para resultar na montagem de um quadro. O primeiro verso, por exemplo,
constrói-se com três sintagmas nominais de estrutura idêntica:
Chão verde e mole. Cheiros de relva. Babas de lodo.
Ou, o terceiro verso que procede a uma enumeração por vírgulas, apresentando os objetos
da paisagem:
Carros de bois, falas ao vento, braços, foices.
Neste poema, de registro descritivo-referencial, as qualidades dos objetos aí
apontados são da ordem do sensorial— tato, visão, som, olfato —, convidando o receptor a
pintar o quadro rural, distribuindo os elementos do campo aqui e ali — o emissor escolheu
e combinou certos elementos para compor o conjunto — numa espécie de colagem dos
resíduos que ficaram na lembrança.
No diálogo das funções de linguagem, diremos, então, que propondo uma descrição
do contexto campo, a função referencial aí se apresenta, porém, articulada a um certo
modo de organizar, selecionando o conjunto lexical — “chão, encosta, carros de bois,
foices, braços, casebres, flores, abelhas, nuvens, cigarras, ponte, água, formigas, árvores”...
— e combinando-o numaformulação sintática, que é a justaposição desses elementos na
forma de uma montagem/colagem, o que resulta num cuidado poético com a linguagem —
a função poética. Ainda observa-se um modo de ver/lembrar esses itens, qualitativamente,
o que marca o ponto de vista do emissor, a função emotiva. Quando aponta “água” e
“ponte”, por exemplo, contextualiza seu ponto de vista
15
marcando sua posição, ao selecionar o verbo “suspirar” e o adjetivo “presa”, resultando:
Debaixo da ponte, a água suspira, presa...
O referencial do poema é organizado sintaticamente e marcado emotivamente, resultando
em um rosto da mensagem que se marca pelos três traços: referencial, poético e emotivo.
3
Função emotiva
Quem: emissor em detalhes
Não adianta nem tentar
Me esquecer
Durante muito tempo em sua vida
Eu vou viver
Detalhes tão pequenos de nós dois
São coisas muito grandes pra esquecer
E a toda hora vão estar presentes
Você vai ver
[...]
Eu sei que um outro deve estar falando
Ao seu ouvido
Palavras de amor como eu falei
Mas eu duvido
Duvido que ele tenha tanto amor
E até os erros do meu português ruim
E nessa hora você vai
Vai lembrar de mim
[...]
Se alguém tocar seu corpo como eu
Não diga nada
Não vá dizer meu nome sem querer
A pessoa errada
Pensando ter amor nesse momento
Desesperada você tenta até o fim
E até nesse momento você vai
Vai lembrar de mim
[...]
17
Todos conhecemos a canção e, na memória afetiva, a letra de “Detalhes”, de Roberto
Carlos e Erasmo Carlos da qual transcrevemos fragmentos, o suficiente para percebermos o
alto teor emotivo — não apenas na letra, mas na frase musical e no acompanhamento —
que reborda a música. A mensagem organiza-se, centralmente, na posição do emissor,
marcado pelo traço indicial do pronome em 1ª pessoa, ao mesmo tempo que envia seus
sentires, lembranças, expressões e confissões a uma 2ª pessoa, aqui apontada pelo “você”,
a amada.”Eu”, “nosso amor passado” e “você” — são os eixos que organizam a
expressividade de “Detalhes”, onde o eu adivinha o presente da amada (“você vai lembrar
de mim”, “você vai ver detalhes de nós dois a toda hora presentes”, “desesperada você
tenta até o fim” etc.), presente esse cuja principal característica é a ausência do eu — o
emissor que insiste em estar presente nos detalhes da vida da amada.
Não só pelo referente — pelo tema da presença/ausência do amor — essa música
configura uma mensagem emotiva, mas também a interpretação e o acompanhamento são
revestidos da mesma expressão dos sentimentos de saudade e perda. O conjunto todo da
mensagem concorre, portanto, para aflorar sentimentos e embalar emoções.
Há uma direção do emissor para o receptor — “você vai ver”, a “culpa é sua”, “você
vai lembrar de mim”, numa espécie de chamada desse receptor a ser incluído, pelas
vivências em conjunto e, agora, pelas lembranças, na mesma atmosfera expressiva. Aí
temos a ocorrência de duas funções de linguagem: aquela centrada na emissão, função
emotiva, e a função conativa, localizada nesse “você”.
A função emotiva, portanto, tem seu Einstellung no emissor que deixa transparente
as intenções do seu dizer, marcando-se em 1ª pessoa; comparece também numa fala
marcada pela interjeição (“extrato puramente emotivo da linguagem”, diz-nos Jakobson
acerca da interjeição), pelos adjetivos, que apontam o ponto de vista do emissor, daquele
que fala, por alguns
18
advérbios, por signos de pontuação — tais como exclamação, reticências. A função
emotiva implica, sempre, uma marca subjetiva de quem fala, no modo como fala. Por isso,
as canções populares desditosas são mensagens que acabam provocando a emoção do tipo
epidérmico — falam adjetivamente, adverbialmente, das perdas amorosas.
As novelas, em sua maioria, traçam seu núcleo de ação e seus personagens na
expressão dramática de sentimentos, afetos, emoções, cuja finalidade é co-mover o
espectador.
A pintura expressionista — conferir Van Gogh — escorre interjeição emotiva — no
traço angustiado, na cor forte, na deformação do objeto, no modo como esses elementos
limitam-se, comprimidos, no espaço da tela e da moldura, ou buscam libertar-se do espaço
da tela.
Emoção e arte
Há um mito de senso comum que identifica arte e função emotiva e, nesse sentido, a
arte expressaria sentimentos e pensamentos do autor, que, tomado de “inspiração”, diz
o que o mortal dos homens não sabe dizer, uma vez que o artista aí é o privilegiado pela
vocação poética: ser o porta-voz para os homens, dessa entidade mágica e inspirada que
o faz dizer coisas indizíveis.
No entanto, há outra postura que concebe arte como construção: a emoção se dá
diante das relações novas que se percebem na escultura, na pintura, no poema. Emoção
estética que faz o receptor defrontar-se com o novo, o original, causando-lhe a surpresa do
estranhamento (ostrânienie). Assim, a característica do poético não é a emoção, apesar de
todo o equívoco a respeito da identificação da arte ser expressão dos sentimentos.
19
Amor, então,
também, acaba?
Não, que eu saiba
O que eu sei
é que se transforma
numa matéria-prima
que a vida se encarrega
de transformar em raiva
Ou em rima
(Paulo Leminski, Caprichos & Relaxos)
Aqui Paulo Leminski diz do mesmo tema que “Detalhes”— o amor que acaba.
Marca o texto também em 1ª pessoa. Questiona e, portanto, inclui o receptor. Mas,
enquanto para Roberto Carlos e Erasmo Carlos há uma ordem para manter a lembrança
viva na ausência, a ausência celebrada por Leminski constrói-se na rima, matéria-prima
desse poema. “Detalhes” “conta” uma história e canta; Leminski diz, no breve canto-
instante, que o amor perdura. A canção “Detalhes” alonga, o poema de Leminski, curto,
rima.
O artista não é um inspirado que, tomado pela mágica da emoção vai expressar seus
ocultos pensamentos. Fernando Pessoa disse: “o que em mim sente está pensando”. Seu
gênio está no trabalho competente da organização do código, no desenho de uma
linguagem do inédito — seja ela música, poesia, pintura etc.
Mesmo no quadro da poesia romântica — a poesia do eu, por excelência — a função
emotiva deverá ser acessória, cedendo lugar ou sendo
determinada pela função poética ou configuradora da mensagem “sem o que” a informação
estética não se realiza [...] e o poema romântico não assumirá o estatuto estético da poesia, mas
permanecerá no grito, na lágrima, na explosão emotiva, na retórica do coração. A fraqueza de boa
parte do Romantismo poético no Brasil e fora dele está nesse dissídio entre a motivação
emocional e a capacidade do exercício da função propriamente poética (diagramadora,
configuradora) por
20
parte de alguns de seus nomes mais conhecidos, ainda hoje responsáveis pela imagem falsa
do que seja poesia e do que seja o ofício do poeta perante um público leigo e condicionado
pela rotina petrificante das antologias escolares e das histórias da literatura¹.
A solidão
Imagem
Foto de Eduardo Nascimento, publicada em Antonina dos meus dias. Curitiba, Secretaria do Estado da
Cultura e do Esporte do Paraná, Funarte, 1980.
¹Campos, Haroldo de. A arte no horizonte do provável, cit., p. 148.
21
A fotografia fixa um objeto, mas, ao fixá-lo, revela movimentos de emissão: o emissor
escolheu o objeto, preparou tecnicamente a máquina, incidiu maior ou menor intensidade
de luz, angulou, permitiu sombras... as marcas aí se fazem visíveis. Relações entre a
referência e os traços do emissor, mas, sobretudo, cuidado e zelo com a mensagem.
4
Função conativa
Para quem: receptor
Quando a mensagem está orientada para o destinatário, trata-se aí da função
conativa. Esta palavra tem sua origem no termo latino conatum, que significa tentar
influenciar alguém através de um esforço. A função conativa é também chamada de
apelativa, numa ação verbal do emissor de se fazer notar pelo destinatário, seja através de
uma ordem, exortação, chamamento ou invocação, saudação ousúplica.
Talvez pudéssemos pensar que o diálogo — a forma mais correntemente comum de
conação — no quadro da estética romântica (a mais confessional) é, na verdade, uma
linguagem de superfície que resulta em monólogo emotivo — onde o emissor é receptor de
si próprio. A amada perdida em “Detalhes” comparece através do pronome você e da
descrição de alguns possíveis comportamentos imaginariamente descritos pelo emissor —
que está mais interessado em extravasar suas fantasias. Assim, seu espaço como receptor é
passivo, apesar de representada por você — marca chamativa da função conativa.
23
Outro exemplo é a consciência da função da leitura — que incorpora o leitor no
texto, dando-lhe espaço para, nas descobertas, co-laborar com a emissão que, nesse aspecto
está intimamente ligada ao trabalho com o código e com a mensagem — e não com os
sentimentos — e vai resultar, modernamente, nas estreitas relações das funções poética e
metalingüística.
Lembremo-nos, uma vez mais, que uma mensagem — seja qual for o material de
que é feita — envolve diferentes funções em diálogo. Uma das funções seguramente
determinará o perfil da mensagem, mas as outras complementam, dialogam, articulam,
relacionam diferentes níveis de linguagem numa mesma mensagem. Assim, já afirmamos,
mais acima, um possível diálogo determinante na função conativa. Ela pode desenhar uma
mensagem de configuração emotiva, mas, a consciência de possuir um receptor, nas
articulações de linguagem, implica que a função conativa também pode conectar-se com a
poética e com a metalingüística.
De todo, importa dizer que a função conativa marca-se gramaticalmente pela
presença do imperativo e do vocativo e pela 2ª pessoa do verbo. E revelada também nas
fórmulas mágicas ou encantatórias — as que se expressam em forma de desejo: “Fique
com Deus” ou “Vá para o inferno!”.
A persuasão da mensagem
Freqüentemente, desde que há tentativa de convencer o receptor de algo, a função
conativa carrega traços de argumentação/persuasão que marcam o remetente da mensagem.
Para a linguagem da propaganda, por exemplo, as mensagens construídas visam
essencialmente atingir o receptor. Possuem, no seu ato de configuração dos signos,
características de função poética, visando sensibilizar o público pela beleza da
argumentação. Por trás da mensagem publicitária há sem-
1
1 Este livro foi digitalizado e distribuído GRATUITAMENTE pela equipe Digital Source com a intenção de facilitar o acesso ao
conhecimento a quem não pode pagar e também proporcionar aos Deficientes Visuais a oportunidade de conhecerem novas
obras.
Se quiser outros títulos nos procure http://groups.google.com/group/Viciados_em_Livros, será um prazer recebê-lo em nosso
grupo.
24
Imagem
PIGNATARI, Décio. Poesia pois é poesia; 1950-1975. São Paulo, Duas Cidades, 1977.
25
pre o imperativo do consumo da mercadoria apresentada, diferentemente da função estética
da arte, que não intenciona persuadir para fins de consumo. A publicidade apropria-se, para
formulação de sua linguagem, e é próprio dela, dos níveis gráfico, visual e sonoro dos
signos, conforme o canal que medeia a informação: outdoor, revista, televisão, rádio e
outros.
Esta bula de remédio criada por Décio Pignatari revela predominantemente no traço
gráfico-visual o desenho da dança das letras que compõem o nome do produto Disenfórmio
e o seu efeito — comprovado no canal —, se o receptor usa-lo. Não será preciso mais
nenhuma mensagem com signos verbais, dado que a imagem e seu movimento persuadem,
na sua demonstração, do resultado do uso do produto. Concorre aí, na dominância,
enquanto finalidade, a função conativa; mas a função estética é o suporte para persuadir o
receptor.
A sedução da mensagem
Seduzir o leitor, possuindo-o na própria mensagem, em forma de convite direto —
essa é a arte fascinante de Machado em Memórias póstumas de Brás Cubas.
Cap. XXXIV — A uma alma sensível
Há aí, entre as cinco ou dez pessoas que me lêem, há aí uma alma sensível, que está
decerto um tanto agastada com o capítulo anterior, começa a tremer pela sorte de
Eugênia, e talvez... sim, talvez, lá no fundo de si mesma, me chame cínico. Eu cínico,
alma sensível? [...] Não, alma sensível, eu não sou cínico, eu fui homem; [...] Retira,
pois, a expressão, alma sensível, castiga os nervos, limpa os óculos, — que isso às
vezes é dos óculos, — e acabemos de uma vez com esta flor da moita.
Cap. XCVI(...)
Ela batia nervosamente com a ponta do pé no chão; aproximei-me e beijei-a na testa.
Virgília recuou, como se fosse um beijo de defunto.
26
Cap. XCVII — Entre a boca e a testa
Sinto que o leitor estremeceu, — ou devia estremecer. Naturalmente a última palavra
sugeriu-lhe três ou quatro reflexões. [...]
Receptor aí é o leitor incluso nas tramas e tecidos do texto memorial de Brás Cubas.
No capítulo XXXIV somos os eleitos privilegiados cinco ou dez leitores, chamados de
“alma sensível”. Qualidade de “fino leitor”, aquele que percebe os meandros por entre as
superfícies.
Entre as duas seqüências de capítulos (XCVI e XCVII), um intervalo para nossa
reflexão, espaço entre a boca e a testa, entre o pensamento e a fala, inclusos que fomos,
leitores, no sentir do emissor/narrador acerca do nosso estremecimento.
Modo sedutor de fascinar — a requisição conativa que Brás opera nesta Memórias,
forma moderna de significar a função conativa, redimensionando, democraticamente, a
cooperação do leitor no ato da leitura.
O quadrinho do leitor bidu
Imagem
Bidu, personagem criada por Maurício de Sousa para nomear o cachorro sabido, na
sua esperteza, convoca o leitor, que aqui se faz bidu e adivinhão, pois vê o que Bidu
27
não vê: que a piada infame, desenhada, não é dita, mas acontecida. Esse ver fica por conta
do leitor que “acompanha” Bidu percorrendo os quadrinhos, uma vez que já foi convidado
a fazê-lo: “Queridos leitores, acompanhem-me por favor!”
5
Função fática
Onde: canal
Se a mensagem centrar-se no contato, no suporte físico, no canal, a função será
fática. O objetivo desse tipo de mensagem é testar o canal, é prolongar, interromper ou
reafirmar a comunicação, não no sentido de, efetivamente, informar significados. São
repetições ritualizadas, quase ruídos, balbucios, gagueiras, cacoetes de comunicação
(mesmo gestuais), fórmulas vazias, convenções sociais, de superfície, testando, assim, a
própria comunicação. Diz Jakobson:
O empenho em iniciar e manter a comunicação é típico das aves falantes; dessarte, a
função tática da linguagem é a única que partilham com os seres humanos. É também a
primeira função verbal que as crianças adquirem; elas têm tendência a comunicar-se
antes de serem capazes de ouvir ou receber comunicação informativa¹.
O cotidiano fático
Certos “tiques” da fala podem caracterizar-se como fáticos: “certo?, entende?, não é?, tipo
assim etc.” São
¹Jakobson, Roman. Lingüística e comunicação, cit., p. 127.
29
conectores entre uma expressão e outra e dão a ilusão de que emissor e receptor
comunicam-se. Na verdade, o gesto afirmativo que re-envia a mensagem recebida, a
repetição redundante dessas expressões, mantém os interlocutores falantes em contato, sem
produzir respostas a essas perguntas, fixando-os na sintonia do canal. No momento de uma
apresentação social, a fórmula “muito prazer” é altamente fática; passa a ter significado
somente depois que as pessoas têm um conhecimento entre si. Se “como vai” obtiver
respostas do tipo “hoje estou mal, pois ontem tive um acesso de tosse”, não estará
cumprindo sua função fática de cordialidade e contato entre as pessoas.
As conversas ao telefone, monossilábicas, apenas afirmam estar o receptor ouvindo a
mensagem. Se do outro lado da linha sobrevir o silêncio, aquele que fala, logo perguntará:
“Alô, está me ouvindo?” Os comportamentos fáticos são compulsivos, repetitivos; na fila
do elevador, cada um que chega tocao botão de chamada — o que é desnecessário e nada
informa ao robô que já está programado.
O traço característico da faticidade é a tautologia, isto é, dizer que o que é, é; “Puxa,
como esta frio hoje, não?”
Jakobson apresenta um exemplo curioso de faticidade — quando o mais importante não
pode ser dito, diz-se algo que substitui, por nada dizer, o que poderia ser dito. O exemplo,
já antológico, refere-se a um encontro de namorados:
— Bem — disse o rapaz.
— Bem, cá estamos — disse ele.
— Cá estamos — confirmou ela — não estamos?
— Pois estamos mesmo — disse ele. — Uupa! Cá estamos.
— Bem — disse ela.
— Bem! — confirmou ele. — Bem!
30
O canal da arte
O emissor, ao codificar signos que serão o instrumento de seu trabalho, o faz no
suporte físico — o canal — tendo em vista que a mensagem, assim organizada, será
recebida e decodificada pelo receptor. Dessa forma, estão estruturados os elementos
mínimos de um processo comunicacional, onde emissor, mensagem, receptor, canal e
referente compõem um conjunto — uma linguagem.
Se for pintura, os elementos estruturados, os signos organizados no suporte tela
compõem uma mensagem onde os traços dessa linguagem se fazem presentes — o pincel,
a tela, cores, composição em figuras, composição icônica. Entre uma pintura a guache e
uma pintura a óleo a percepção do destinatário observa diferenças de sentido. É preciso
lembrar que em Understanding media McLuhan lança um dos pilares de sua teoria sobre
os meios de comunicação, the medium is the message — “o meio é a mensagem” —,
observando que é na natureza mesma do meio de comunicação que reside o funcionamento
da mensagem e que esta é determinada, no seu sentido e na percepção do receptor, pelas
características do meio, ou por outra, do canal, na qual está organizada. Assim, uma pintura
a guache surpreende um sentido diverso de uma pintura a óleo, apesar de ambas terem o
mesmo referente. A mesma notícia veiculada pela televisão produz efeitos diferentes se
informada pelo rádio. Ainda: a obra Iracema do romântico José de Alencar, por exemplo,
se lida no meio impresso — o livro — caracteriza-se diferentemente do filme Iracema,
apoiado na obra alencarina, dirigido por Bodanski. Não há julgamento de valor — o livro é
melhor, o filme é ruim — que sustente as diferenças de tradução, pois trata-se aqui de
sustentação no meio, no canal: o que é peculiar ao cinema, isto é, movimentar o enredo
pela imagem, difere do modo como o enredo se fixa no meio impresso — o livro.
31
A arte de vanguarda, num de seus momentos, considerou a folha branca como o
lugar-espaço para produzir significação, chamando a atenção do leitor a dar estatuto ao
canal, que sempre fora tão automatizado e que, neste limite, passeia entre a metalinguagem
e a informação estética. Mallarmé, neste limite, imprime em Un coup de dés uma espécie
de ideografia da arte — um livro de páginas soltas, a ordem do receptor reoperando na
montagem a estrutura de uma partitura musical, no cuidado e seleção dos tipos gráficos e
na sintaxe desconstruída. Mallarmé, simbolista francês, radicaliza o meio — o livro — e a
página ganha outra dimensão, na medida em que se desautomatiza o uso.
Veja o silêncio na página branca, rodeado do silêncio da página branca. É um texto
que, se faz com que o receptor atente ao canal como uso do espaço, envia sinais para
percebermos também uma intencionalidade cuidadosa com a mensagem. Ao repetir o
silêncio, faz o silêncio aparecer silenciado. Ao informar que o canal pode ser usado de
forma não fática, estrutura-se o texto poética e metalingüisticamente.
silêncio silêncio silêncio
silêncio silêncio silêncio
silêncio silêncio
silêncio silêncio silêncio
silêncio silêncio silêncio
(Eugen Gomringer)
6
Função poética*
Como: mensagem
Sabemos que uma das atualizações discursivas da linguagem é a sua configuração
poética, quando o fator predominante é a mensagem, com um modo muito peculiar de
mostrar-se. O que primeiramente se mostra, podemos dizer assim, é a realidade da palavra
no que ela tem de concreto. E qual é a realidade sensível e concreta da palavra?
Vejamos alguns exemplos de função poética na prosa. Bóris Schnaiderman, no seu
livro Dostoievski Prosa Poesia¹, vai-nos apontando os nomes das personagens e sua
relação com a significação da estrutura do conto — “O senhor Prokhartchin” —,
recuperando, portanto, a idéia de “concretude” do signo:
Ustínia Fiódorovna — o prenome tem relação, pelo som, com ustói, que significa pilar;
a palavra é bastante usada no plural, com o sentido de base, fundamentos. Mais uma
vez, Haroldo de Campos lembra uma correspondência: Sustentina.
* Para complementar o estudo acerca da função poética e da função metalingüística, consultar A
metalinguagem, de minha autoria. São Paulo, Atica, 1986. (Série Princípios, n. 44.)
¹ São Paulo, Perspectiva, 1982. V. “Bibliografia comentada”.
33
Mark Ivânovitch — no conto, este nome não tem função significativa; no entanto, o
fato de vir o prenome seguido sempre de patronímico, acrescenta-lhe uma conotação
respeitosa, e isto condiz com a sua apresentação como “pessoa inteligente e lida”.
Oplevâniev — relaciona-se com plievát, cuspir, e oplievát, cobrir de cusparadas.
Corresponderia a algo como Ocuspes.
Priepolovienko — no caso, parece relacionar-se com pol, soalho, e não com “sexo”,
nem com metade”, que lhe são homônimos.
Solovienko — devido à condição humilde, parece ligar-se mais a sol do que a soliviéi
(rouxinol) ou às ilhas Solovki, famosas pelo mosteiro ali existente e como lugar de
degredo político.
Zinóvi Prokófievitch — o nome não tem significado especial, mas o uso do patronímico
está de acordo com a afirmação do narrador de que ele procurava a todo custo ingressar
na alta sociedade.
Okeanov — tem relação com Okeán, oceano.
Súdbin — relaciona-se com sudbá , destino, e isto não vem fora de propósito no caso de
um escrivão. Num texto brasileiro, poderíamos ter o nome Escrivino.
Kantarióv — no caso, não parece significativo.
Riemnióv — vem de riémen, cinto. Se eu quisesse misturar elemeritos russos e
portugueses, teria Cintóv.
Porfíri Grigórievitch — não tem significado específico.
Zimovéikin — lembra zimá, inverno, e zimovát, hibernar, e às vezes seu aparecimento,
no conto, tem qualquer coisa de uma lufada de ar gélido. (Uma possibilidade:
Hibernóv.)
Iarosláv llitch — não é propriamente significativo, mas larosIáv era o nome de vários
príncipes da antiga Rússia, e laroslávi é o nome de uma antiga cidade, cujo nome foi
dado em homenagem a larosláv, o Sábio, e tudo isto matiza o colorido semântico das
palavras de Ustínia Fiódorovna, no sentido de que ela conhecia “larosláv llitch em
pessoa”.
Avdótia — era simplesmente um nome muito comum entre as pessoas de condição
humilde.
São relações entre o nome próprio e o papel da personagem, concentrados,
evidentemente, na escolha que o narrador faz do léxico da língua, que o tradutor aproxima
concretamente do significado original. Segundo a perspectiva de Bóris Schnaiderman,
Dostoievski apresenta um limite entre prosa e poesia, configurando nos seus romances e
contos estruturas da função poética, como no exemplo dos
34
nomes próprios que o analista-crítico apontou. Certamente, quando a prosa espelha
desenhos poéticos no seu sintagma, ela está mais próxima da poesia, uma vez que
incorpora procedimentos poéticos.
Então, é possível observar função poética fora da poesia?
Qualquer sistema de sinal, no sentido de sua organização, pode carregar em si a
concentração poética, ainda que não predominantemente. Uma foto pode estar
contaminada de traços poéticos, uma roupa pode coordenar, na sua montagem
sintagmática, o equilíbrio de cor, corte e textura do tecido, um prato de comida pode
desenhar, sensualmente, a forma e cheiro do cardápio, uma arquitetura pode exibir relações
de sentido entre o espaço e a construção, a prosa pode aspirar à poeticidade...mas na
poesia, os emotivos que me perdoem, ela é fundante e fundamental, nos diz isso o mestre
Jakobson.
Na poesia o fundamental é ... a poesia
O poeta: e. e. cummings.
O referente: sobre a solidão (loneliness) e
a folha que cai (a leaf falls)
O poema
l(a
lê
af
fa
ll
s)
one
l
iness
35
A análise: na pena e na folha de outro poeta — Augusto de Campos², que nos diz, na
decomposição da peça, ser ela formada de vinte letras (quatro vogais com oito ocorrências,
quatro consoantes com doze ocorrências).
Para tanto, ele explora: a) a curta dimensão das linhas (construídas, exceto a
última, de um, dois ou três sinais gráficos (incluídos os parênteses)); b) o ícone
das letras “l” e f”, e em menor grau ‘s” e “i”, além dos próprios “()”;c) a
ambigüidade do signo tipográfico “l”, que tanto pode corresponderá letra “l”
como ao numera “l”. Além disso, através de um hábil recorte das linhas, o
poeta iconiza o movimento da folha caindo — o “l” que vem da primeira linha,
passando pelos “ff” subseqüentes — , rodopiando na inversão das letras af”
(final de “leaf”) e fa” (início de “falIs”) até desaparecer na última linha. Ao nível
semântico, a microarquitetura do poema projeta, na antepenúltima linha, a
palavra “one” (um), reforçada pelo “l” (um, numeral) da linha seguinte. Repare-
se que a disposição tipográfica criada por Cummings enseja, por um lado, a
leitura inversa, embora entrecortada, da direita para a esquerda, da frase a leaf
falls; por outro lado, através da construção tmética l (a leaf falls) oneliness e da
ambivalência do “l” (seguido do artigo indefinido “a”, na primeira linha, e
precedido pelo numeral “one”, na penúltima), introjeta e retrojeta a idéia de
isolamento no texto, contribuindo para recriar a unicidade e a simultaneidade
das sensações objetivas e subjetivas que a experiência do poeta sobrepôs³.
A “intradução” de Augusto de Campos:
l(a se
le (l
af f
fa e
ll l(l
s) (ha
one e .
l ai)
iness itude
² Sobre E.E. Cummings, ver desse autor 40 Poem(a)s. Trad. Augusto de
Campos. São Paulo, Brasiliense, 1986.
³Idem, ibidem, p. 26-7.
36
A função poética explicada pelo tradutor:
[...] ousei tentar uma recodificação não-ortodoxa do poema em letraset,
utilizando um tipo Mecanorma holandês (Spring 152) cujo design de letras
retorcidas me pareceu acentuar as características icônicas da composição.
Animado por esse exercício pictotipográfico, e com seu reforço, cheguei a
arriscar uma “intradução”(não-tradução? tradução interna ou interior ou
íntima?) do texto.
[...] a espacialização adotada permitiu isolar do texto, à maneira cummingsiana,
segmentos de significado, criando leituras em camada (no caso, sobressaem
as palavras “so” — que pode ser lida como “só” — e “ai”); entre várias
soluções, acabei optando por evidenciar o numeral “l” já na segunda linha. Um
olhar- -de-errata poderá vislumbrar na penúltima “estrofe” uma sugestão da
palavra “haicai” — micrometalinguagem embutida no poema. O design das
letras, que, por associação, pode contaminar de alguma forma outras letras (o
“o” e o “c” isolados, especialmente), além dos “I” e “f” privilegiados, dá-me a
ilusão de recuperar algo dos ícones perdidos. E a folha cai (ou parece cair)
dentro e fora dos parênteses, da 2ª à 5ª linha*.
Podemos considerar esse poema, feito na verticalidade solitária da página, como
uma pintura (“exercício pictotipográfico”): exposto visualmente, com o cuidado
significativo de desenhá-lo na folha, de escolher — dentre as possibilidades da língua — as
letras do código e combiná-las, singularmente, para produzir, em rápida percepção, o
sentido da solidão. Aí se configura uma metáfora visual de um motivo já bastante
tradicional em literatura, que é o tema da solidão. Mas o modo de construir a metáfora é
novo e desautomatiza a sensibilidade do leitor.
Selecionar e combinar
Os elementos da mensagem efetivamente utilizados são equivalentes aos elementos
do paradigma potencialmente utilizáveis. Há uma espécie de coincidência entre o que foi
escolhido do paradigma e o que foi justaposto no sintagma. Conforme nos diz Jakobson,
ao definir a função poética:
* Idem, ibidem. p.29-30.
37
A função poética projeta o princípio de equivalência do eixo de seleção no eixo de
combinação.
]
Sabemos que selecionar e combinar são os “dois nodos básicos de arranjo utilizados
no comportamento verbal” e correspondem ao paradigma e sintagma, respectivamente, ou
à metáfora e metonímia ou, ainda, à condensação e deslocamento.
Na feitura poética — técnica de sabedoria daquele que desenha a poeticidade da
mensagem — o poeta seleciona, escolhe dentre/por entre! os elementos expostos no código
aqueles que vai utilizar para compor o sintagma, o encadeamento, a combinatória.
Cummings escolhe quatro vogais, Augusto o tradutor-criador incorpora as cinco
vogais; Cummings seleciona quatro consoantes, Augusto recorta sete. Desta seleção
combina-se o léxico “loneliness”! “a leaf falls”e, em português, “solitude”/”folha cai”.
Ora, qual o modo concreto e sensível de “expressar” a solidão de uma folha que cai?
“Imprimindo” no suporte da folha de papel, pintando através dos tipos gráficos e, ao
mesmo tempo, isolando na folha, a folha que cai, solitariamente, una e única no seu lento
parafuso vertical.
As equivalências (de que fala Jakobson na definição da função poética) são aqui
muito “visíveis”: duplicação da energia tipográfica do l — capturado pelo tradutor* como
*Observemos que a tradução, feita por A. de Campos, é uma recriação e, portanto, exercício de função
poética: “[...]”tradução de textos criativos será sempre recriação, ou criação paralela, autônoma, porém
recíproca. Quanto mais inçado de dificuldades esse texto, mais recriável, mais sedutor enquanto
possibilidade aberta de recriação. Numa tradução dessa natureza, não se traduz apenas o significado,
traduz-se o próprio signo, ou seja, sua fisicalidade, sua materialidade mesma (propriedades sonoras, de
imagética visual, enfim, tudo aquilo que forma, segundo Charles Morris, a iconicidade do signo estético,
entendido por signo icônico, ‘aquele que é de certa maneira similar àquilo que denota’)”. (CAMPOS,
Haroldo de. Metalinguagem. Rio de Janeiro, Vozes, 1970.)
38
um número, o 1 (e... não são o mesmo na sua diferença?), a coincidência sonora do f/s,
além da analogia entre o objeto sobre o qual se fala e o modo de construção (entre o o quê
e o como). Assim, podemos afirmar que a seleção paradigmática, nesse exercício visual de
Cummings, foi operada por equivalências e similaridades dos traços não só tipográficos,
como também sonoros; o sintagma exibe, na construção vertical, seu modo de
contigüidade, de combinatória.
Por isso, dizemos que, na função poética, a mensagem está voltada para si mesma: as
características físicas do signo, seu estatuto sonoro, visual, são privilegiadas, decorrendo
um sentido não previsto numa mensagem de teor puramente convencional, por exemplo. O
poema de Cummings é um flagrante da solidão — condensa, com tão pouco, uma
combinatória de sentidos que quebra a expectativa de velhos e surrados significados. É
preciso estar atento aos signos — estes revelam, no seu arranjo, sua própria pedagogia de
aparição, criando um espanto no seu bem-dizer(-se).
Estranhamente.
O admirável espanto provocado pelo bem-dizer a natureza poética é o que os formalistas
russos chamaram de ostrânienie, “estranhamento”: um tempo de olhar para o poema,
percorrendo-lhe as significações plurais e (im)possíveis, o tempo perceptivo da leitura do
receptor.
eu
quando olho nos olhos
sei quando uma pessoa
está por dentro ou está por fora
quem está por fora
não segura
um olhar que demora
de dentro do meu centro
este poema me olha
(Paulo Leminiski, Caprichos e Relaxos)
39
Há um pedido e uma sedução neste poema: aquele “eu”solitário no verso demanda
um olhar maisdemorado para ele. Que expectativa amorosa e emotiva contém esse eu
lírico, que diz saber do dentro e do fora de outros olhares? Parece que vai descrever-se
emotivamente, quando — estranhamente — de dentro do centro do poema, vira do avesso,
fura o espelho lírico da emoção e pede uma atenção mais persistente ao espelho poético:
este poema me olha
Equivalência sonoro-gráfica do POEMA que ME o(LH)a em figura-espelho das
letras; equivalência semântica criada pela similaridade sonora de dENTRO do CENTRO,
a sedução-
-pedido de entrar no texto, a equivalência da leitura do leitor, olhando, em movimento
análogo da visão, de-morando o olhar rítmico no ritmo deslocado do poema.
A função poética, portanto, fundamenta a essência da poesia, aponta um poema
como poema, através dos mecanismos de similaridade:
— Que são as rimas senão eco do ritmo?
— Que são anagramas senão figuras gráfico-sonoras viajando pelo tecido textual?
— Que são metáforas senão sentidos até então impossíveis de serem sentidos?
— Que são aliterações senão insistência do significante?
[..]
desse nó de nós
a poesia
sister incestuosa
prima pura impura
em que
siamesmos
uni-
somos
outro
(Haroldo de Campos, “Je est un autre ad augustum”, em Educação dos cinco sentidos)
40
Equivalências sonoras, “a hesitação entre o som e o sentido” de que nos diz Valéry,
figura paranomástica, esqueleto essencial e medular que configura a poesia, em:
sibilância — desse/nós/sister/incestuosa/siamesmos/
somos/e
bilabial surda — poema/prima/pura/impura...
“mesmice” sonora, circular, conectando som e sentido/paranomásia/ voltada a
sensualidade sígnica para si mesma em “siamesmos”, mensagem expondo sua nudez
icônica, “prima”, isto é, originariamente única, e onde o objeto do qual se fala é gêmeo
“siamês” do modo de falar.
Assim, um “poema poético” exibe o princípio poético da similaridade — revelada e
descoberta — no sintagma:
— similaridade do som: rimas, metrificação, figuras sonoras (aliteração, coliteração...);
— similaridade na seleção lexical, formando um dicionário interno, onde uma palavra tem
como referência outra palavra, no contexto do poema;
— similaridade na construção sintática que pode provocar paralelismo, equivalência,
montagem coordenada, montagem subordinada;
— similaridade na figuração retórica do poema, comportamento metafórico,
paranomástico, quebras metonímicas...
Solidão
A fotografia fixa a solidão dos objetos — eis aí a escolha do emissor, barcos vazios,
rodeados de água e de sombra, sua marca já apontada na página 20. De novo, o cuidado
zeloso com a mensagem, sua composição sintática, seu design, sua flagrante sombra da
qualidade sensível. A referência se desloca, a poeticidade condensa.
IMAGEM
A poética do inconsciente
Desde a psicanálise de Sigmund Freud, especialmente nas obras Interpretação dos sonhos (1900),
Psicopatologia da vida cotidiana (1901), Os chistes e sua relação com o inconsciente (1905), o
inconsciente fala *, isto é, é “estruturado como uma linguagem” (Lacan) e o tom de sua fala é poético. Se,
como
* “ O inconsciente freudiano é a soma dos efeitos da palavra num sujeito” CESAROTTO, OSCAR &
LEITE, Márcio Peter de Souza. O que é psicanálise. São Paulo, Brasiliense. (Col. Primeiros Passos.)
42
diz Freud, o sonho é a via régia (real) para o inconsciente, a possibilidade de olhar a
palavra que escapa da nossa intenção como palavra poética, indica-nos que semelhanças há
entre o escape do inconsciente, atos falhos, chistes, sonhos, lapsos e a expressão estética.
Como se realiza essa similaridade?
Dissemos que há palavras que escapam da nossa intenção: tropeçamos em algum
termo, trocamos por outro, esquecemos, produzimos ambigüidade no receptor quando
enunciamos um termo plurissignificativo — portanto, inúmeros são os níveis do discurso
em que a intenção escapa quando escapam “equívocos”, O inconsciente atua.
E submetidos e assujeitados a essa fala que logra fazer aparecer uma linguagem
escondida, insuspeitada, ignorada, dizemos mais, dizemos menos — revelando-se aí o
desejo, que mesmo interdito no seu ocultamento, evidencia o sujeito diante do seu dito.
O chiste
Freud observa relações estruturais entre o Witz e o inconsciente, apontando a técnica
similar entre eles, que é a do significante*. Lacan revisita o chiste de Henrich Heine,
comentado por Freud (Os chistes e sua relação com o inconsciente, 1905).
Um agente de loteria, pobre, vangloria-se do modo como o Barão de Rothschild o
tratara:
[...] tão certo como Deus deve olhar por mim tratou-me de igual para igual, de modo bastante
familionário.
LACAN, Jacques. Las formaciones dei inconsciente. Buenos Aires, Nueva Visión, 1979.
43
Lacan remonta o diagrama freudiano:
FAMI LI ON ÁRIO
FAMI LI AR
MI LI ON ÁRIO
O termo familionário inexiste no código, mas seguramente, há de se convir, existe
opologicamente no efeito- palavra do sujeito que enunciou o dito.
Há desconcerto pelo equívoco e o enigma aí produzido provocará o riso, uma vez
“desvelada” a significação.
Ora, a significação está na formação da palavra: esta deixa um resíduo que lhe é
linearmente “familiar” e opera por uma estrutura composta de familiar e milionário, pela
técnica de condensação.
A palavra milionário rebela-se contra a sua supressão, aparecendo, exibindo-se na
formação familionária, fundindo-se ao mais similar sonoramente, o familiar. O sintagma
linear: “R. tratou-me bastante familiarmente, tanto quanto possível para um milionário”,
revela-se condensado, breve, substituído pela palavra-montagem à primeira escuta
inaudível, e, após, desvelada, provocando prazer.
Na verdade temos uma poética da forma-liberadora — que rompe a linearidade do
dito, recolocando de forma condensada o princípio poético da similaridade e da
equivalência. Do aparente sem sentido, ao sentido analógico na montagem do termo novo
— de um lado, atendendo às exigências do inconsciente, que escapa, e, de outro, na
evidência de elementos verbais usufruindo a técnica poética do dichten (condensar).
Lacan reflete: “Familionário — ato falho ou criação poética?”
O lapso
No chiste escapa o dito prazeroso, no lapso escapa o que desejava ser dito: entre o
esquecimento e seu substituto,
44
algumas formações do inconsciente de efeito metafórico e metonímico.
Segundo Lacan, no esquecimento de um nome, o próprio, e conforme Freud aponta
em Psicopatologia da vida cotidiana*, não se encontra, tal como no chiste, a produção de
um novo sentido, mas falta algo esse algo será encontrado, operando-se um trabalho na
cadeia significante.
Assim, ao nome Signoreili, esquecido, produzem-se substituições que são
contaminadas sonoramente, tais como Botticeili, Boltrafio, Bósnia, Herzegovnia, Trafoi —
verdadeiros passeios anagramáticos, contenção de sons e letras, o sentido faltante:
Botticelli/ Boltrafio Herzegovnia
Boltrafio Trafoi Bósnia
Bósnia
onde os pedaços de Signorelli acham-se esparzidos erraticamente. Lacan aponta que Signor
corresponde a Herr mas também é, na verdade do dito que Freud não pode escutar —
quando escrevia o caso —, a inicial do nome de Sigmund, o sujeito ocultado no
esquecimento de seu próprio nome, sujeito dividido em espelhos — sílabas, porque
implicado na deslembrança
Herzegovnia
Signor
Sigmund
O nome interdito na substituição de outro nome apresentou o caminho do
deslocamento metonímico.
As operações de acesso à linguagem:
metáfora — na substituição do nome próprio por outro nome próprio;
*FREUD, S. A psicopatologia da vida cotidiana. Rio de Janeiro, Imago. (Edição Standard Brasileira das
obras Psicopatolágicas Completas de Sigmund Freud, v. 6.)
45
metonímia — a fragmentação do nome esquecido que habitou vários outros nomes
são similares ao processo de arranjo da função poética, O nome Signorelli, paradigmático,
ocultado no seu impossível dizer-se, lapso do esquecimento, libera-senos seus substitutos,
deslocando-se, fragmentando-se.
Tal como no sintagma, há aí nexos, exatidão, cadeia significante, que, no retorno ao
nome achado, reenvia, em presença, o que falta, o ausente.
A poesia exibe, no sintagma, não o acaso, mas a necessidade. Exibe as
possibilidades ocultas, em equivalências, do paradigma — e, porque comprime e desloca,
mais mostra.
Não é só o flagrante da beleza, mas é, sobretudo, o flagrante da técnica.
O sonho
São determinantes da semiose onírica os processos de condensação e deslocamento,
conforme indica Freud na Interpretação dos sonhos (1900). No complexo quadro da
cultura e com o advento das ciências da linguagem, Lacan pôde ler tais mecanismos —
através do Jakobson da poética — como metáfora e metonímia, ampliando esses conceitos
para o campo da psicanálise.
Essa dialogia de campos da linguagem mostra-nos quão similares são os
desvendamentos dos mecanismos do sonho e da poética — isto é, do modo como é
efetivada a linguagem — criação, rompedora da lógica linear e captadora de uma analógica
da metáfora e do deslizamento.
Para Freud o sonho é o texto do sonho e o acesso decifrador ao inconsciente. Ao
relato do sonho fica atenta a escuta do analista, e o crítico atento fica diante do dito
poético. Posturas similares, a do crítico e a do analista: ambos diante do enigma a ser
decifrado.
46
A ação sígnica do sonho não obedece a padrões lineares— uma vez que a noção de
tempo e de contexto desloca-se da referencialidade cognitiva, carregando desta os resíduos
impressivos, recortando molduras encenadas.
A fragmentação, o deslocamento correspondem ao sintagma, ao corte diacrônico, à
metonímia; a condensação, a identificação correspondem ao paradigma, ao corte
sincrônico, à metáfora e à substituição.
As imagens pictóricas, as palavras — coisas, o cenário, as personagens, o contexto
—, cena do sonho, são efeitos de uma extração do cotidiano, da vida perceptiva, das
impressões que imprimem marcas e sintetizam-se em outra cena, que embute e encapsula
todo o contexto de que, potencialmente, fragmentos originários fazem parte.
Quando um traço se cola a outro, quando se condensam, há algo de identificável
neles, pois o nexo se dá com base na lei de analogia.
Um texto reverbera suas escolhas, manifesta uma presença, ecoando as
possibilidades ausentes. Quando Jakobson diz, “projeção do eixo da similaridade no eixo
da combinação”, diz dos subditos originários que lá estão em estado de repouso, diz do
trabalho operador da emissão — a retirada do código, a montagem na mensagem.
O trabalho poético, hieroglifado (hierogrifado), tal como o texto do sonho, está sob a pele
das palavras, anagramadas, alogicamente analógicas, palavras sob/entre ecos de palavras:
Sonhei com o mar, sonhei com Omar.
Que o analista diante do texto do sonho é como o crítico perplexo dos descaminhos
surpresos do texto poético:
“E deu-se a entrada dos demônios”, quis Guimarães Rosa, permitindo uma escuta do
real: ‘Deus e a entrada dos Demônios”.
Que a errância poética mostra a fissura do sujeito desdobrado e reduplicado na
pérola do eu inacessível, lembrado, especularizado:
47
Se recordo quem fui
outrem me vejo
(Ricardo Reis)
Que as palavras se esfregam libidinosamente, contaminadas do desejo sempre deslocado e
perdido:
[..] nessas minhas mais pequenas chamadas de ninharias como veremos verbenas
açucares açucenas ou circunstãncias somenas tudo isso eu sei não conta tudo isso
desaponta não sei mas ouça como canta louve como conta prove como dança e não peça
que eu te guie não peça despeça que eu te guie desguie que eu te peça promessa que eu
te fie me deixe me esqueça me largue me desamargue que no fim eu acerto que no fim
eu conserto e para o fim me reservo e se verá que estou certo e se verá que tem jeito e
se verá que está feito que pelo torto fiz direito [...]
(Haroldo de Campos, Galáxias)
7
Função metalingüística
Com o quê:
O conceito abrange noções do campo da lingüística, da teoria, da informação, da
teoria da comunicação: é um sistema de símbolos com significação fixada, convencional,
para representar e transmitir a organização dos seus sinais na mensagem, circulando pelo
canal entre a emissão e a recepção.
Uma língua é um código, os sinais de trânsito também: este, mais artificial, no
sentido de tecnicamente construído. Já a língua pressupõe certo desenvolvimento, uma
historia entre o individual e o social, ambos interagindo, para a transformação do código
língua.
Estão no código os elementos que serão manipulados para a formação da mensagem:
ao longo desse trabalho, pudemos observar que, de acordo com a sintaxe que o emissor
organizar os signos, qualificará seu trabalho na mensagem. Se retirar, escolhendo do
código, elementos sígnicos que componham um modo de dizer o fato emissor, por
exemplo, sabemos que esse modo – combinação – resultará numa mensagem de caráter
emotivo.
49
Uma mensagem de nível metalingüístico implica que a seleção operada no código
combine elementos que retornem ao próprio código.
É necessário observar que o termo código sai do seu território lingüístico e assume,
livremente, conotações mais amplas – aliada à noção de linguagem. Por exemplo, a pintura
é um código, linguagem que desvendo liberdade infinita de combinatórias, numa relação
repertório e uso do código. A história da pintura mostra como diversificados materiais
entram na composição de seu paradigma, de seu código: cada novo quadro incorpora
técnica, invenção, surpresa, originalidade, ampliando as possibilidades de seleção/
combinatória do código pictório.
Cada quadro é, portanto, um modelo de linguagem pictórica.
Os sistemas de sinais implicam linguagem, implicam saber a natureza dos signos q
a compõem – o que significa formações originais. Ou, o contrário – quando o emissor
usuário desconhece o material á disposição, produz mensagem de baixo teor informativo.
Mensagens de perfil metalingüístico operam, portanto, com o código e o
presentificam na mensagem.
Poesia, por exemplo, é uma forma especial de linguagem. A poesia recebe sua forma
especial de poema, o modo de poema fazer-se poesia. Uma poesia que fala do ato criativo,
da dificuldade de seu material – palavra - , do conflito pedregoso diante da folha branca
como “uma pedra no meio do caminho” (Drummond), na dificuldade desconfiada do ato
de poetar, da palavra que é uso de todos e que, no poema, necessata ser singular e exata
para bem dizer-se, dizendo sua natureza: são temas metalingüísticos na órbita do criador-
emissor.
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para que
fazer poesia?
[...]
se em mim
fio e pavio
do óbvio
epígono sim
“inocente” inútil
[...]
em vez de ácido
água com açúcar
[...]
por que
poesia?
se sou
personagem de bijuteria
palavra de segunda mão
tradução da tradução da tra
“no soy nada
nunca seré nada
no puedo
querer ser nada”
Mera praga
(Régis Bonvicino, Sósia da cópia)¹
Poesia contamina e eis o poeta falando da finalidade poética. A poesia como
exatamente inútil, mas imprescindível no sistema de circulação de bens. Para que, então,
fazer poesia? Para escutar como “açúcar” rediz “ácido” — são, semanticamente opostos,
mas “mera praga” sonora, sons empestados que se esfregam uns nos outros; para que “fio”
e “pavio” sejam o “óbvio”, o óbvio impossível no poema exato, uma vez que (o poeta
sabe) ao bom poeta não é dado ser epígono, mas prógono.
¹ São Paulo, Max Limonad, 1983.
51
Assim, mensurando a originalidade, o poeta parodia o dito, o redito, o tresdito,
“palavra de segunda mão”, traduzindo a tradução de Fernando Pessoa da Tabacaria.
O que se faz aí, neste poema de referência metalingüística, é trazer para a mensagem
a semântica do código poesia, um falar sobre poesia no poema.
A moda é metalingüística
A moda e seu objeto roupa também operam metalingüisticamente no círculo de sua
história. Barthes² nos diz que a roupa é umsistema de sinal:
o paradigma, peças modelares; seria blusa, sapato, saia, calça, camisa, chapéu,
vestido, chale, meia, casaco... o que compõe o guarda-roupa;
o sintagma é a reunião de peças escolhidas, combinatória no suporte corpo de quem
veste: aquela calça com aquela camisa, com aquele blazer, com aquela meia, com aquele
sapato etc.
A roupa, enquanto sistema de sinal, compõe uma mensagem, uma vez que, no
suporte corpo do usuário, há um recorte da seleção do código (mesmo quando não
selecionada para combinar, a displicência informa a displicência...). Essa linguagem,
portanto, comunica, mas sobretudo informa, enquanto moda, a história da roupa.
Na verdade, a moda mostra o modo como recupera o tempo, o passado e o
reinterpreta.
Sua natureza é de duração efêmera, transitória, mutante: é do tempo que a moda fala
o tempo todo, pois aponta no presente “estar na moda” o passado que “esteve na moda”.
Sobretudo hoje, na era da informática, o ritmo de
²BARTHES, Roland. Sistema da moda. São Paulo, Nacional/Edusp, 1979.
52
mudança é cada vez mais rápido, e o passado que a moda recupera é o passado cada vez
mais recente.
A moda fala da moda. “Ombros estruturados”, isto é, ombreiras em 1980, rediz a
década de 30. A minissaia, hoje, são os curtíssimos vestidos franjados e molengos dos anos
20. A moda pic-nic torna presente os anos 50.
Assim, a novidade não é o novo, é o repetido — a moda se alimenta,
metalingüisticamente, de seu próprio material, já havido e dito como moda. E da sua
natureza lidar com o ritmo do tempo e fazê-lo sempre presente. O que ela lança como novo
é o que uma vez, na história, já tinha sido novo: agora, com leve mudança, a moda é, por
isso mesmo, muito antiga.
Linguagem-objeto e metalinguagem
Todos os sistemas de sinais são passíveis de interpretação metalingüística. Jakobson
nos diz que podemos observar dois níveis de linguagem:
a linguagem-objeto — que fala de objetos estranhos à linguagem; e
a metalinguagem (termo proposto por Alfred Tarski, 1930) que fala da linguagem
como tal³.
Falamos em português — metalinguagem — a respeito da língua portuguesa —
linguagem-objeto. Na verdade, essa operação metalingüística é de uso cotidiano: quando
emissor e receptor necessitam verificar se se utilizam do mesmo código, o discurso
focaliza o código. “Não entendi o que você quer dizer”, convida o receptor a reoperar, com
outras palavras, o tema da conversa, tornando-o mais legível.
A função metalingüística é uma equação: em termos gerais, a linguagem-objeto (o
tema) é tratada com a linguagem
JAKOBSON, Roman. II metalinguaggio come problema linguistico. In:
semiotica. Milano, Studi Bompiani, 1978.)
. Lo sviluppo della
53
imagem
NÃO TENHO ESSA FONTE...
Releitura feita por Omar Khouri, em edição do autor, do poema de Oswald de Andrade.
54
Imagem
NÃO TENHO ESSA FONTE
55
do tema. O poema, por exemplo, assunta o poema, onde A (o poema) é igual a B (assunto
poema no poema).
Na verdade, aqui caberia lembrar a tese de Charles Sanders Peirce, segundo a qual
todo signo traduz-se em outro signo, que o desenvolve mais amplamente ou mais
condensadamente.
É o que faz a crítica — a literária, por exemplo, comporta-se metalingüisticamente
diante do seu objeto de estudo.
É o que faz a tradução: recupera a qualidade sensível original e a surpreende na
recriação do (novo) texto.
É o que faz o dicionário: tenta dar conta o mais amplamente possível das relações de
significância das palavras.
Então...
uma obra-prima da literatura nada mais é do que um dicionário em desordem.
(Jean Cocteu)
Objeto metalingüístico
Não se pode negar que a página aqui é a sua própria significação: ela empresta a
transparência de que precisamos para atravessar esse humor amoroso de Oswald que Ornar
Khouri desenha. Isto significa que o canal é a página como suporte, para esse signo
transparente e, somente pelo toque e suspensão da folha na luz, os dois sentidos, a visão e o
tato, são requisitados do fruidor para a compreensão, digamos, desse objeto.
Objeto metalingüístico que opera em sintonia com o canal função fática, portanto —,
mas que é efeito de um trabalho poético com a própria mensagem. A emoção poética se
acha na exclamação “ah!” vermelha e gigante, como
56
um flagrar interjetivo. Esse espanto próprio do que é estranho — portanto, um objeto que
surpreende pelo inusitado uso do sensível da mensagem — carrega em si o princípio da
função poética já que, pelo olho tátil, expõe o lado palpável do signo. Ora, esse olho tátil
que toca o objeto é o do fruidor. Nesse sentido, o receptor participa com o gesto corporal
de suspender a página contra a luz — e através do círculo da letra a e da letra o enxerga o
outro lado do amor, o humor — ao mesmo tempo que co-labora no trabalho do emissor.
Função conativa, portanto.
Cruzamos na significação desse objeto textual as funções fática, conativa e poética,
que sustentam, nuclearmente, o que é mais significativo na composição impressa dessa
mensagem: sua concretude metalingüística.
Por que é um objeto metalingüístico? Tomemos código como linguagem e
observemos que houve uma recriação, ou, por outra, uma tradução do dístico
Amor
Humor
de Oswald de Andrade. O que Omar Khouri fez foi outra mensagem da mensagem. Eis aí a
equivalência metalingüística, onde o poema relâmpago oswaldiano é retomado como
referência do objeto metalingüístico de O. Khouri.
8
Vocabulário crítico
Analógica (lógica): associação e combinação de imagens, sejam sonoras, visuais, verbais.
Entrelaçam-se, por semelhanças, o signo apontador do objeto, intermediando interpretante
— mas, essa analógica é pura surpresa, adere sentidos “nunca dantes navegados”,
desabitados de territórios sígnicos já cristalizados e reconhecidos.
Aquilo que se pode contar é simbólico, digitalizável, linear: princípio, meio e fim. Nosso
alfabeto é digital, sim, mas em vista de um espaço relacional os “demônios tipográficos”
[p/ b/ d/ q], por exemplo, são analógicos... São pensamentos de formas.
A lógica analógica aproxima e relaciona paisagens de distantes arqueologias.
Cadeia significante: sob o ponto de vista da Lingüística e da Semiologia, refere-se ao
âmbito do sintagma, do que está reunido e combinado, no nível do texto manifesto. As
palavras têm, entre si, nexos de ligação, encadeiam-se. Sob o ponto de vista da psicanálise
lacaniana, a concepção não difere quando se trata de combinatória manifesta. Mas a
questão que aí se propõe é: o modo como o sujeito, submetido a essa cadeia significante, é
por ela
58
representado. O conceito de significante, para Lacan, formula-se: “o significante representa
um sujeito para outro significante”, o que implica que o sujeito aí está — na cadeia — em
substituição e deslocado, já que é o significante que o traça, marcando-o.
Ícone: denominação de certa característica do signo que mantém relações de
similaridade/analógicas com seu objeto, segundo a Semiótica de Peirce. O signo icônico é
um dos princípios poéticos da linguagem, mas também a estrutura da fotografia, cinema,
escultura, equações algébricas, diagramas, arquitetura etc. são sistemas de sinais icônicos.
Metáfora: podemos pensar a metáfora (também a metonímia) como figura retórica, mas a
ampliação do conceito é o que interessa, quando se trata de uma semiótica da arte. Assim, a
metáfora é um dos processos de associação por similaridade, um dos eixos da linguagem e
uma das formas — analógica — de inteligir sensivelmente os fenômenos do universo.
Supõe capacidade de substituição, operando por semelhanças, as mais longínquas.
Décio Pignatari, em seu clássico exemplo (em Comunicação poética, Cortez & Moraes,
São Paulo, 1977), aponta: José é águia, onde a “semelhança não está nos próprios signos,
mas nas coisas ou objetos — no caso, uma pessoa e uma ave — designados por eles”. Em
seguida indica Aguilar é águia, mostrando a relaçãosom-sentido, ou seja, a paronomásia,
que caracteriza o eixo da similaridade, onde “há uma transposição ou tradução entre
objetos, para uma semelhança de sons entre os próprios signos que designam esses
objetos”. Peirce chama de ícones os signos organizados por similaridade.
Metonímia: conceito que, prevalecendo no sintagma, na cadeia significante, implica tomar
a parte pelo todo. É uma associação por contigüidade. Peirce chama de símbolos a esses
signos que se organizam na contigüidade linear e
59
temporal do sintagma. A palavra, enquanto símbolo metonímico, é formada por partes dos
sons, os fonemas. Na cadeia significante, as palavras relacionadas entre si são, na verdade,
partes do léxico de uma língua. Metonímia é um dos modos de pensar: deslocando
continuamente o pensamento, deslocamento onde uma coisa se segue à outra,
seqüencialmente e numa combinatória linear.
Para sermos mais exatos, o primeiro pensador dessas formas foi Sigmund Freud quando
apontou a condensação e o deslocamento nos processos oníricos. Segue-se Saussure, com
as noções de paradigma e sintagma; e Peirce, com as associações por similaridade e
contigüidade — retiradas de David Hume.
Então, Roman Jakobson, o poeta da Lingüística, sistematiza as noções de metáfora e
metonímia em “Dois aspectos da linguagem e dois tipos de afasia”. (Lingüística e
comunicação, Cultrix, São Paulo, 1969.)
Paradigma: na utilização da linguagem, uma das operações do usuário é a seleção dos
elementos que compõem o paradigma (ou modelo) daquele sistema. A escolha é feita entre
várias alternativas que mantêm traços de similaridade entre si. Selecionar, escolher com
base na operação de semelhança, implica a capacidade de substituir.
Ao paradigma corresponde o plano metafórico da linguagem — pois a metáfora realiza-se
com base substitutiva analógica ou similar, condensando a significação.
O termo código, assim como língua, equivale, num uso livre associativo, a paradigma.
Paronomásia: relações de significação do som; diz Valéry, “hesitação entre o som e o
sentido”, como elemento nuclear e fundante de todo bom poema, que tece a gama de
plurivalências da instância sonora. A sonoridade de um texto, numa operação de
mapeamento de sua textura, são ondas ampliadas de significação: ritmo, corte, rimas,
60
repetições aliteradas, coliterações, resíduos de anagramas etc.
Semiose: do grego semeion, aplica-se à noção de significado, daí sema, semântica,
disciplina que, exatamente, estuda as relações de significado do signo. No entanto, Peirce
aponta que “o significado de um signo é outro signo”, operação que é, fundamentalmente,
do “interpretante”. Semiose é, então, uma produtividade contínua de construção dos
sentidos sígnicos, tradução de um signo por outro, seja no mesmo código, seja
atravessando um código a outro. As imagens pictóricas do sonho — condensadas ou
deslocadas — sofrem uma “tradução”, cujo efeito é o relato do sujeito sonhante.
Sintagma: é já o efeito da operação de seleção, é a combinação, reunião dos elementos do
paradigma em um contexto, a mensagem.
A característica dos elementos no sintagma é a contigüidade das seqüências, que
apresentam elementos de nexos entre elas — nexos de subordinação, ou nexos de
coordenação.
Corresponde, operativamente, à metonímia a capacidade de ligar elementos, deslocá-los e
seqüenciá-los. Também o sintagma pode ser associado, livremente, à mensagem e à fala
(parole, para Saussure).
9
Bibliografia comentada
CAMPOS, Haroldo de. Ideograma Anagrama Diagrama; uma leitura de Fenollosa. In: — .
Ideograma (Lógica Poesia Linguagem). São Paulo, Cultrix, 1977.
Nesse artigo, especialmente, Haroldo de Campos opera a poeticidade da linguagem
do ideograma: um texto de prazer, capturando o Oriente.
CHALHUB, Samira. A metalinguagem. São Paulo, Ática, 1986. (Série Princípios, 44.)
Nesse livro, a concepção de metalinguagem ultrapassa o modelo comunicacional e
abrange a poética e a semiótica. A função poética e a metalinguagem são estudadas no
seu inter/intra-relacionamento, mais especificamente dirigidos à Literatura.
FERRARA, Lucrécia D’Aléssio. A estratégia dos signos. São Paulo, Perspectiva, 1981.
A autora aborda, entre outros, a arquitetura como sistema de sinal, a pop-art, as
concepções sobre a natureza da arte — signos esses estrategicamente operados tanto
pela emissão, quanto pela posição do crítico-analítico-criador.
FREUD, Sigmund. A interpretação dos sonhos. Rio de Janeiro, Imago, 1972. (Col.
Standard Brasileira, v. 4 e 5.)
2
2Este livro foi digitalizado e distribuído GRATUITAMENTE pela equipe Digital Source com a intenção de facilitar o acesso ao
conhecimento a quem não pode pagar e também proporcionar aos Deficientes Visuais a oportunidade de conhecerem novas
obras.
Se quiser outros títulos nos procure http://groups.google.com/group/Viciados_em_Livros, será um prazer recebê-lo em nosso
grupo.
62
Para captar a Psicanálise — a da linguagem, através da operação de interpretação
dos relatos dos sonhos que Freud fez.
Essa obra responde, operacionalmente, à questão: como ler um texto?
Evidentemente, sob a ótica do crítico literário empenhado na busca do concreto da
linguagem.
JAKOBSON, Roman. Lingüística e comunicação. São Paulo, Cultrix, 1969.
São dois os artigos fundamentais para a compreensão das funções da linguagem —
“Lingüística e poética”, onde Jakobson opera no campo da Poética e “Dois aspectos
da linguagem e dois tipos de afasia”, onde estuda o duplo caráter da linguagem: a
seleção e a combinação.
.Diálogos. São Paulo, Cultrix, 1985.
Como indica o título, são conversas nas quais o sábio russo resume, em suma, a
inter-relação das ciências com a linguagem, onde esta é fundante e fundamental. Um
livro necessário e um texto de prazer.
PIGNATARI, Décio. A metalinguagem da arte. Escrita, n. 9, s.d.
Nesse artigo o autor usa o conceito amplo de metalinguagem, partindo da questão
“o que é arte?”, refletida sob o ângulo das relações entre arte e ciência, tendo como
ponto de partida a Revolução Industrial.
A tese proposta é de que a “metalinguagem artística necessariamente nasce do
diálogo com as ciências e deriva de noções científicas —: estrutura, ritmo,
equilíbrio, espaço etc.”
SANTAELLA, Maria Lúcia. Produção de linguagem e ideologia. São Paulo, Cortez, 1980.
Proponho sobretudo a leitura do capítulo “Apontamentos para a questão do ícone; a
dimensão do concreto”, onde a autora trabalha a dialética signo e vida e a
manifestação da epifania, apontando as reflexões entre
63
linguagem e pensamento, sob a ótica do pensador semiótico, Charles Sanders
Peirce.
SCHNAIDERMAN, Bóris. Dostoievski Prosa Poesia. São Paulo, Perspectiva, 1982.
O autor aborda, além do conceito operacionalizado de Polifonia no texto de
Dostoievski, a reflexão acerca dos limites de gênero entre prosa e poesia através da
concretude da função poética no gênero narrativo.
http://groups-beta.google.com/group/Viciados_em_Livros
http://groups-beta.google.com/group/digitalsource

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