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METODOLOGIA DO ENSINO: LITERATURA CURSOS DE GRADUAÇÃO – EAD Metodologia do Ensino: Literatura – Prof.ª Dra. Ana Cláudia da Silva Olá! Meu nome é Ana Cláudia da Silva. Sou Doutora em Estudos Literários pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – Unesp - campus de Araraquara, Mestre em Letras, na área de concentração de Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa e Especialista em Fundamentos Teóricos e Críticos da Literatura, também pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – Unesp - campus de Araraquara. Minha formação inicial é de Bacharel em Letras pela Universidade de São Paulo; anos depois, fiz a complementação dos estudos pedagógicos – Programa Especial de Formação Pedagógica em Letras, pelo Claretiano, na modalidade EaD. Já atuei como docente de disciplinas da área de Literatura: literaturas portuguesa, brasileira e infanto-juvenil e como coordenadora de cursos de Letras, presenciais e a distância, no Claretiano. Minha área de pesquisa são as Literaturas Africanas de Língua Portuguesa, especialmente a obra do escritor moçambicano Mia Couto. Sou autora do livro Ciranda de escritas, em coautoria com a Profa. Dra. Susana Ramos Ventura, com a qual produzi outros materiais didáticos para o curso de Letras – EaD do Claretiano: Teoria da Literatura III e Literaturas de Língua Portuguesa V. Tenho refletido durante anos sobre o ensino de literatura, tanto a partir de minha própria experiência docente, como a partir da vivência como coordenadora de cursos de formação de professores. Minhas paixões são duas: os Estudos Literários e a Educação. Gosto também de artesanato, que faço nas (poucas!) horas de folga: patchwork, fuxicos, bordados e costura. Desejo a todos bons estudos, e que esta disciplina possa contribuir efetivamente para a formação profissional de cada um. e-mail: anaclsv@uol.com.br Fazemos parte do Claretiano - Rede de Educação METODOLOGIA DO ENSINO: LITERATURA Ana Cláudia da Silva Batatais Claretiano 2013 Fazemos parte do Claretiano - Rede de Educação © Ação Educacional Claretiana, 2010 – Batatais (SP) Versão: dez./2013 800.071 1 S71m Silva, Ana Cláudia da Metodologia do ensino: Literatura / Ana Cláudia da Silva – Batatais, SP : Claretiano, 2013. 130 p. ISBN: 978-85-8377-084-8 1. Literatura. 2. Texto. 3. Métodos. 4. Ensino. 5. Educação. I. Metodologia do ensino: Literatura. CDD 800.071 1 Corpo Técnico Editorial do Material Didático Mediacional Coordenador de Material Didático Mediacional: J. Alves Preparação Aline de Fátima Guedes Camila Maria Nardi Matos Carolina de Andrade Baviera Cátia Aparecida Ribeiro Dandara Louise Vieira Matavelli Elaine Aparecida de Lima Moraes Josiane Marchiori Martins Lidiane Maria Magalini Luciana A. Mani Adami Luciana dos Santos Sançana de Melo Luis Henrique de Souza Patrícia Alves Veronez Montera Rita Cristina Bartolomeu Rosemeire Cristina Astolphi Buzzelli Simone Rodrigues de Oliveira Bibliotecária Ana Carolina Guimarães – CRB7: 64/11 Revisão Cecília Beatriz Alves Teixeira Felipe Aleixo Filipi Andrade de Deus Silveira Paulo Roberto F. M. Sposati Ortiz Rodrigo Ferreira Daverni Sônia Galindo Melo Talita Cristina Bartolomeu Vanessa Vergani Machado Projeto gráfico, diagramação e capa Eduardo de Oliveira Azevedo Joice Cristina Micai Lúcia Maria de Sousa Ferrão Luis Antônio Guimarães Toloi Raphael Fantacini de Oliveira Tamires Botta Murakami de Souza Wagner Segato dos Santos Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução, a transmissão total ou parcial por qualquer forma e/ou qualquer meio (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia, gravação e distribuição na web), ou o arquivamento em qualquer sistema de banco de dados sem a permissão por escrito do autor e da Ação Educacional Claretiana. Claretiano - Centro Universitário Rua Dom Bosco, 466 - Bairro: Castelo – Batatais SP – CEP 14.300-000 cead@claretiano.edu.br Fone: (16) 3660-1777 – Fax: (16) 3660-1780 – 0800 941 0006 www.claretianobt.com.br SUMÁRIO CADERNO DE REFERÊNCIA DE CONTEÚDO 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................... 7 2 ORIENTAÇÕES PARA ESTUDO .......................................................................... 10 3 GLOSSÁRIO DE CONCEITOS ............................................................................. 23 4 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................... 30 UniDADE 1 – LITERATURA E DIREITOS HUMANOS 1 OBJETIVOS ........................................................................................................ 31 2 CONTEÚDOS ..................................................................................................... 31 3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE ............................................... 31 4 INTRODUÇÃO À UNIDADE ............................................................................... 33 5 O DIREITO À LITERATURA ................................................................................ 38 6 LITERATURA, "SONHO ACORDADO DAS CIVILIZAÇÕES" ............................... 43 7 LITERATURA É CONTEÚDO E FORMA ............................................................. 45 8 LITERATURA HUMANIZA .................................................................................. 47 9 TEXTOS COMPLEMENTARES ............................................................................ 49 10 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS ........................................................................ 50 11 CONSIDERAÇÕES .............................................................................................. 52 12 E-REFERÊnCiAS ................................................................................................ 52 13 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................... 53 UniDADE 2 – O TEXTO LITERÁRIO NA SALA DE AULA 1 OBJETIVOS ........................................................................................................ 55 2 CONTEÚDOS ..................................................................................................... 55 3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE ............................................... 56 4 INTRODUÇÃO À UNIDADE ............................................................................... 57 5 TEXTO NÃO É PRETEXTO .................................................................................. 58 6 QUANDO O TEXTO SE TORNA PRETEXTO ....................................................... 61 7 TEXTO E CONTEXTO ......................................................................................... 72 8 TEXTOS COMPLEMENTARES ............................................................................ 77 9 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS ........................................................................ 78 10 CONSIDERAÇÕES .............................................................................................. 79 11 E-REFERÊnCiAS ................................................................................................ 80 12 REFERÊNCIAS BBLIOGRÁFICAS ....................................................................... 80 UniDADE 3 – TEXTOS DIDÁTICOS, DIDATIZADOS E PARADIDÁTICOS 1 OBJETIVOS ........................................................................................................ 83 2 CONTEÚDOS .....................................................................................................84 3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE ............................................... 84 4 INTRODUÇÃO À UNIDADE ............................................................................... 85 5 TEXTOS DIDÁTICOS........................................................................................... 86 6 TEXTOS DIDATIZADOS ...................................................................................... 91 7 TEXTOS PARADIDÁTICOS ................................................................................. 94 8 TEXTOS COMPLEMENTARES ............................................................................ 98 9 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS ........................................................................ 99 10 CONSIDERAÇÕES .............................................................................................. 101 11 E-REFERÊnCiAS ................................................................................................ 101 12 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................... 102 UniDADE 4 – A LITERATURA NA LEGISLAÇÃO EDUCACIONAL 1 OBJETIVOS ........................................................................................................ 103 2 CONTEÚDOS ..................................................................................................... 103 3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE ............................................... 104 4 INTRODUÇÃO À UNIDADE ............................................................................... 104 5 PERÍODO COLOniAL (1500 – 1821) .................................................................. 105 6 BRASiL iMPÉRiO (1822 – 1888) ........................................................................ 106 7 PRiMEiRA E SEGUnDA REPÚBLiCAS (1889-1936) .......................................... 109 8 LDB n. 4024 (1961) E LDB n. 5692 (1971) ........................................................ 111 9 LDB n. 9.394 (1996) ........................................................................................... 113 10 OS PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS .............................................. 116 11 TEXTOS COMPLEMENTARES ............................................................................ 125 12 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS ........................................................................ 126 13 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................. 127 14 E-REFERÊnCiAS ................................................................................................ 127 15 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................... 129 CRC Caderno de Referência de Conteúdo Ementa ––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– O texto literário. Literatura e direitos humanos. A leitura literária: texto, contexto e pretexto. Textos didáticos, didatizados e paradidáticos. A literatura na legislação educacional. Literatura e outras linguagens. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– 1. INTRODUÇÃO Este Caderno de Referência de Conteúdo, Metodologia do Ensi- no: Literatura, refere-se aos caminhos possíveis para o ensino da lite- ratura na educação básica. Desde há muitos anos, o ensino de literatura tem sido pau- tado pela historiografia: estudam-se, em Literatura, os chamados períodos literários, com seus respectivos estilos de época, seus autores fundamentais, canônicos – isto é, "obrigatórios" para o co- nhecimento daquele período – e suas obras capitais. Contudo, de alguns anos para cá, o ensino da literatura vem recebendo outras orientações. Conforme os Parâmetros Curricula- © Metodologia do Ensino: Literatura8 res Nacionais (PCNs), toda a educação básica é voltada para a for- mação do cidadão na leitura e na escrita, bem como na preparação para o mundo do trabalho. O conhecimento da literatura, nesse contexto, permanece nos currículos como uma forma de entender a cultura brasileira, como expressão da cultura do nosso país. Embora o conhecimento dos estilos de época seja ainda exigido nos exames vestibulares, ele é preterido pela interpretação e leitura dos textos literários, objetivando a formação do leitor. Neste Caderno de Referência de Conteúdo, trabalharemos com quatro unidades. Na primeira unidade, intitulada "Literatura e direitos humanos", refletiremos, a partir das ideias do sociólogo e crítico literário Antonio Candido, sobre o poder que tem a literatura de humanização, isto é, de tornar o homem mais apto para conviver consigo mesmo e com os outros. A visão que Candido tem da literatura nos faz descobrir um sentido mais profundo para o ensino dela nas escolas. Em seguida, na segunda unidade, trataremos do texto lite- rário na sala de aula, refletindo, com a professora Marisa Lajolo, alguns aspectos que incidem sobre o trato que se dá aos textos escolares, concentrados usualmente nos livros didáticos. Com ela, passaremos a refletir sobre procedimentos comuns no ensino de literatura que se pratica hoje nas salas de aula. A Unidade 3 é uma continuação desse percurso. nela vamos abordar a presença de textos didáticos, didatizados e paradidáti- cos na escola. Nossas reflexões terão por base os resultados obti- dos na pesquisa "A Circulação de Textos na Escola", realizada, há alguns anos, por pesquisadores da Universidade de São Paulo, me- diante a observação e análise crítica dos textos que circulavam no ambiente escolar. Na última unidade, trataremos da legislação educacional, acompanhando, com o professor William Roberto Cereja, algumas 9 Claretiano - Centro Universitário © Caderno de Referência de Conteúdo das transformações pelas quais passou o ensino da literatura des- de a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), em 1961, até os dias de hoje. Esperamos, ao final deste percurso, ter permitido a você pensar o ensino de literatura a partir de referenciais diferenciados, tais como o sociológico, o didático e o legal. Conhecê-los, porém, é apenas uma parte da sua formação como professor de literatura. É o que julgamos mais importante para refletirmos juntos, mas de modo nenhum esgota a questão do ensino da literatura. É fundamental para sua formação, por exemplo, uma deter- minação autodidática, de aprender por si só, de buscar soluções e materiais de apoio além deste que ora lhe oferecemos. Procure consultar, na medida do possível, a bibliografia in- dicada em cada unidade; nela, você descobrirá outros aspectos do ensino escolar da literatura que talvez mobilizem mais a sua atenção do que aqueles que aqui abordamos e que, insistimos, são apenas uma parcela do conhecimento que podemos adquirir refle- tindo sobre a nossa prática e aprendendo com as análises tecidas por outros pesquisadores. Lembre-se de que todo bom professor é um ótimo leitor. Se você não tem o hábito da leitura, comece a cultivá-lo desde já. Afi- nal, é pela leitura que a literatura melhor se dá a conhecer; você pode ler inúmeros compêndios de crítica literária e ser um expert nas informações sobre os autores com que trabalhará na sala de aula, mas nada disso substitui seu contato pessoal com a obra dos autores. Este deve ser o tipo preferencial de leitura para você, a partir de agora, se quiser tornar-se um professor de literatura que faça alguma diferença na vida de seus educandos. Afinal, ler é mais que prazer: é um compromisso de cidadania. © Metodologia do Ensino: Literatura10 2. ORIENTAÇÕES PARA ESTUDO Abordagem Geral Neste tópico, apresenta-se uma visão geral do que será estu- dado neste Caderno de Referência de Conteúdo. Aqui, você entrará em contato com os assuntos principais deste conteúdo de forma breve e geral e terá a oportunidade de aprofundar essas questões no estudode cada unidade. Desse modo, essa Abordagem Geral visa fornecer-lhe o conhecimento básico necessário a partir do qual você possa construir um referencial teórico com base sólida – científica e cultural – para que, no futuro exercício de sua profis- são, você a exerça com competência cognitiva, ética e responsabi- lidade social. O ensino de literatura, tradicionalmente, tem sido pautado pela História da Literatura. Isso implica no estudo do cânone lite- rário, isto é, dos autores considerados fundamentais em cada pe- ríodo literário e de suas principais obras. Entretanto, nos últimos anos, o ensino da literatura tem recebido uma orientação diversa. Nos Parâmetros Curriculares Nacionais (conhecidos como PCNs), observamos que toda a educação básica tem como objetivo pri- mordial a formação da pessoa, especialmente do cidadão, na lei- tura e na escrita, assim como sua preparação para ingressar de for- ma competente e responsável no mundo do trabalho. O estudo da literatura, dentro desse contexto, tem permanecido como discipli- na nos currículos escolares como forma privilegiada de conhecer e entender melhor a cultura do nosso país, o Brasil; a literatura é, antes de outras coisas, uma expressão cultural da nação que a pro- duz. Sabemos que o conhecimento dos estilos desenvolvidos em cada período literário ainda permanece como uma das exigências dos exames de ingresso no ensino superior; contudo, ele vem sen- do substituído pelo trabalho com o texto propriamente dito, isto 11 Claretiano - Centro Universitário © Caderno de Referência de Conteúdo é, pela leitura, análise e interpretação dos textos literários, tendo como objetivo formar o leitor consciente. Segundo Houaiss (2002), metodologia é o "ramo da lógica que se ocupa dos métodos das diferentes ciências"; é também a "parte de uma ciência que estuda os métodos aos quais ela pró- pria recorre". Metodologia é, portanto, o estudo dos métodos. E método – o que vem a ser? Ainda conforme Antônio Houaiss (2002), método é, de for- ma geral, o "procedimento, técnica ou meio de fazer alguma coisa, esp. de acordo com um plano". Uma metodologia é, portanto, o estudo ou conhecimento do caminho pelo qual se chega a realizar algo. Estamos, portanto, nesta disciplina, atrás do caminho que conduz ao ensino da litera- tura. No nosso caso, trata-se do estudo do caminho a percorrer no ensino de literatura. Na primeira unidade, procuraremos entender como a lite- ratura contribui para a formação do homem integral, a partir das ideias de Antonio Candido. Para ele, [...] pensar em direitos humanos tem um pressuposto: reconhecer que aquilo que consideramos indispensável por anos é também in- dispensável para o próximo. Esta me parece a essência do proble- ma, inclusive no plano estritamente individual, pois é necessário um grande esforço de educação e auto-educação a fim de reco- nhecermos sinceramente este postulado. Na verdade, a tendência mais funda é achar que os nossos direitos são mais urgentes que os do próximo (CAnDiDO, 1995, p. 239). Candido considera que a literatura é um direito fundamen- tal da pessoa. Para justificar sua argumentação, ele recorre aos conceitos de "bens compressíveis" e "bens incompressíveis", do sociólogo francês padre Louis-Joseph Lebret, que classifica como incompressíveis aqueles bens essenciais, garantidos no texto constitucional, tais como saúde, trabalho, educação, alimentação, moradia etc. Bens compressíveis, por sua vez, são aqueles que po- dem ser diminuídos ou até mesmo suprimidos: cosméticos, perfu- mes, roupas e brinquedos extras etc. © Metodologia do Ensino: Literatura12 O fato é que os critérios de incompressibilidade são variá- veis, e mudam de uma cultura para outra e de uma época para outra. Experimente questionar pessoas que se distanciem de você por uma ou duas gerações sobre quais são, para elas, os bens in- dispensáveis para a vida, e você certamente obterá respostas di- ferentes das que você daria a essa mesma pergunta. Pessoas de classes economicamente distintas podem ter também respostas divergentes para essa pergunta. Candido defende a posição de que os bens incompressíveis incluem os bens que favorecem não apenas a existência corporal, mas também a integridade espiritual do homem. Segundo Antonio Candido, todos os povos sempre produzi- ram literatura – entendida dessa forma ampla. "Não há povo e não há homem que possa viver sem ela, isto é, sem a possibilidade de entrar em contato com alguma espécie de fabulação" (CANDIDO, 1995, p. 242), de criação literária. Mesmo quando dorme, o ho- mem cria, inventa: o próprio sonho é uma projeção inventiva, na qual a pessoa que dorme projeta, inconscientemente, elementos que depois traduz em histórias. Partindo desta constatação científica, Antonio Candido (1995, p. 243) faz uma comparação: "[...] assim como não há equilíbrio psí- quico sem o sonho durante o sono, talvez não haja equilíbrio social sem a literatura." Para o crítico, a literatura é o "sonho acordado das civilizações" (idem, p. 242), fator fundamental e indispensável de humanização, até mesmo porque sua atuação no ser humano acontece em grande parte de forma subconsciente ou inconsciente. Ora, a literatura é composta de conteúdo e de forma. O po- der humanizador da literatura, segundo o crítico e sociólogo, está, pois, na conjunção dessas três facetas: • Construção: todo texto literário é um objeto construído, um conjunto de palavras ordenadas pelo seu produtor. Essa ordem dada pelo autor favorece nossa própria orga- nização mental e de sentimentos; com isso, nossa visão de mundo fica mais organizada também. 13 Claretiano - Centro Universitário © Caderno de Referência de Conteúdo • Expressão: mais do que simples arranjo ordenado de pa- lavras, a literatura é uma forma de expressão – expressa os valores e a visão de mundo do seu autor e do seu con- texto de produção. • Conhecimento: a literatura apresenta níveis de conheci- mento intencionais, isto é, propostos pelo autor e assimi- lados pelo leitor, e níveis de conhecimento que o leitor incorpora "difusa e inconscientemente", para lembrar as palavras do autor. Estes se referem à organização mental e emocional que a ordem do texto literário permite e que não percebemos conscientemente durante a leitura. Na segunda unidade, veremos como o texto literário é traba- lhado na sala de aula. Em sua obra Leitura em crise na escola: as alternativas do professor (1991), Marisa Lajolo questiona o uso que se faz, na es- cola, do texto literário. Ela lembra que a literatura, por sua nature- za, é feita somente para a leitura: O texto não é pretexto para nada. Ou melhor, não deve ser. Um tex- to existe apenas na medida em que se constitui ponto de encontro entre dois sujeitos: o que escreve e o que lê; escritor e leitor, reu- nidos pelo ato radicalmente solitário da leitura, contrapartida do igualmente solitário ato de escritura (LAJOLO, 1991, p. 52). Para Lajolo, o texto literário, ao ser inserido no contexto es- colar, deixa de ser interessante. Isso ocorre porque na escola o texto costuma ser lido não em si mesmo, mas como pretexto para outras aprendizagens, que não a do texto propriamente dito. Mes- mo quando é "literariamente" estudado, o texto é desmontado, fragmentado, submetido a uma análise que, se o professor não for suficientemente hábil, pode não conduzir a uma interpretação que amplie a leitura do texto. Quando a presença do texto literário na escola se torna pre- texto para outras aprendizagens, é possível que o professor en- frente alguns problemas, tais como: © Metodologia do Ensino: Literatura14 1) O texto é exemplo de comportamento, atitudes e valores. 2) O texto é pretexto para aumento de vocabulário. 3) O texto é exemplo da norma culta. 4) O texto é pretexto de valorização da linguagemcontem- porânea. 5) O texto é pretexto para exercícios de interpretação da leitura. 6) O texto é pretexto para a produção de textos. 7) O texto é pretexto para o ensino da história da literatura. A autora quer chamar a atenção sobre o fato de que o texto, na escola, é frequentemente tomado como forma de aprender ou- tras coisas que não o texto em si; com isso, perde-se, muitas vezes, o que o texto tem de melhor, que é a sua capacidade humanizado- ra, como apontara Antonio Candido. Mas quais são os textos que chegam à escola? É o que vere- mos na terceira unidade. Grande parte dos textos que circulam na escola são prove- nientes dos livros didáticos; outros, do processo de didatização, em que o professor faz ele mesmo o recorte e leva o texto aos alunos. Há ainda os textos paradidáticos, que costumam acompanhar o en- sino da língua portuguesa especialmente no ensino fundamental. Com relação aos livros didáticos, pesquisadores da USP fa- zem notar os seguintes problemas: 1) uma dissociação entre o discurso de apresentação do autor da coleção didática e a prática, isto é, esses livros apresentam um programa teórico que se contradiz nas atividades propostas; 2) geralmente, o manual didático não apresenta uma coe- são interna à própria unidade, entre as unidades de um mesmo volume e entre uma série e outra de uma cole- ção, em termos de gradação de dificuldades e de seleção de tópicos a serem estudados; a marca é a fragmentação ou a repetição de conteúdos de uma série para outra; 15 Claretiano - Centro Universitário © Caderno de Referência de Conteúdo 3) uma estrutura comum permeia todas as unidades que se abrem sempre com um texto, que é seguido pelo es- tudo do vocabulário, questões de interpretação, estudos de gramática e, às vezes, produção de texto; 4) os livros didáticos são elaborados de forma a serem um material autossuficiente para o estudo de língua e lite- ratura, pois não incitam a consulta de outros materiais (como dicionários, gramáticas, antologias, obras inte- grais etc.); 5) nessa linha de autossuficiência, os textos são produzi- dos ou adaptados pelos autores do manual com intuito facilitador, principalmente para as séries iniciais; para as mais avançadas são apresentados fragmentos (nem sempre os trechos mais significativos da obra do autor) que, muitas vezes, retirados inadequadamente do con- texto original, prejudicam a interação aluno-leitor-texto; 6) a abordagem textual se marca pela "mesmice" dos ques- tionários, que apresentam padrão comum a qualquer texto, ignorando as especificidades de tipo e gênero (adaptado de MiCHELETTi, 1997). Diante dessas observações, você pode perguntar: então, qual a alternativa do professor, uma vez que a adoção de livros di- dáticos, muitas vezes feita por um período demasiadamente longo e indireto, ainda é uma prática generalizada nas escolas? É sempre bom lembrar o que já dizia Marisa Lajolo, na obra que mencionamos anteriormente (LAJOLO, 1991): é sempre pos- sível fazer um bom trabalho a partir de qualquer texto. Para isso, o professor precisa desobrigar-se de seguir as instruções dos ma- nuais didáticos que considerar inadequadas aos seus objetivos de ensino. Em seguida, o professor pode complementar o que é pro- posto no livro didático pela seleção de outros textos que comple- mentem e aprofundem esses mesmos objetivos. Quanto aos paradidáticos, sabemos que sua produção edi- torial responde pelo maior mercado de consumo de literatura do país. Dados de 1998 estimam que a venda desses títulos chega a 4 © Metodologia do Ensino: Literatura16 milhões de exemplares por ano, movimentando o que correspon- dia a um faturamento de 25 milhões de reais para as editoras. Embora haja muitos títulos desprezíveis publicados sob o selo de paradidáticos, o fato é que essa literatura está presente em todas as escolas e sua leitura é incentivada largamente pelos professores. O paradidático é especialmente presente nos projetos e currículos que trabalham com a interdisciplinaridade. Isso ocorre porque há uma vasta linha de paradidáticos voltados para outras áreas do conhecimento, como Ciências, Física, Matemática, His- tória, Geografia etc. Nesse sentido, o trabalho conjunto entre os docentes de Língua Portuguesa e de outras áreas específicas pode trazer resultados mais eficientes para o aproveitamento da leitura – desde que esse trabalho seja realmente orientado, e não legado apenas ao estudante, como se este, autonomamente, fosse capaz de apreender todos os níveis de significação de uma obra contan- do apenas com a sua própria leitura. Na última unidade, você acompanhará as transformações sofridas no ensino da literatura ao longo do tempo, por meio das mudanças nas orientações legais para a formação do currículo. Atualmente, são os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs – que orientam o trabalho com a literatura. Para o ensino fundamental, os PCNs indicam o trabalho com diferentes gêneros textuais, alguns literários, outros não. No ensino médio, o estudo da literatura inclui-se dentro da gran- de área denominada "Linguagens, códigos e suas tecnologias". Nela, os conhecimentos são direcionados para a construção de competências, que são um conjunto de conhecimentos, habilidades e atitudes. Os PCNs, nas orientações específicas para a Língua Portu- guesa, não dão ênfase ao ensino da literatura – o ensino da litera- tura está subordinado à formação de competências na área da lin- 17 Claretiano - Centro Universitário © Caderno de Referência de Conteúdo guagem e não é mais entendido como um componente curricular autônomo. Veja: Ao ler este texto, muitos educadores poderão perguntar onde está a literatura, a gramática, a produção do texto escrito, as normas. Os conteúdos tradicionais foram incorporados por uma perspectiva maior, que é a linguagem, entendida como um espaço dialógico, em que os locutores se comunicam. Nesse sentido, todo conteúdo tem seu espaço de estudo, desde que possa colaborar para a obje- tivação das competências em questão (BRASiL, 1998). A literatura é entendida como um conjunto de textos que se relacionam entre si, cujo estudo tem o objetivo de contribuir para o conhecimento cultural do povo brasileiro. Muito embora as orientações curriculares oficiais sejam es- sas, o fato é que os exames de ingresso ao ensino superior con- tinuam exigindo, na sua maioria, uma lista de obras literárias de leitura obrigatória (diferente para cada instituição) e conhecimen- tos que permitam contextualizar a produção literária na história da literatura brasileira. O professor do ensino médio precisa, então, dar conta tanto das orientações nacionais quanto da demanda do mercado: a efi- cácia do ensino médio de uma escola é frequentemente medida pela quantidade de alunos que consegue aprovar no vestibular – ou, mais contemporaneamente, pela nota que seus alunos obtêm no Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM. Estes, vale obser- var, tratam a literatura de forma próxima ao que indicam os PCNs, indicando, pelo menos nesse aspecto, uma consonância entre a política educacional e as formas de avaliação. É importante também lembrar que, atualmente, o ensino da literatura não se restringe mais aos bancos escolares. Há outros ambientes e instâncias da sociedade que têm tomado para si a tarefa de instigar à leitura e de proporcionar aos leitores, de forma geral, um conhecimento mais profundo da literatura. Veja, a se- guir, alguns deles. © Metodologia do Ensino: Literatura18 1) Feiras literárias. Têm crescido no país, nos últimos anos, a realização de feiras de literatura, sendo a mais famo- sa delas a Festa Literária Internacional de Parati (FLIP). A FLIP costuma reunir, anualmente, escritores de várias nacionalidades, especialistas em literatura, teóricos, críticos, leitoresde modo geral e curiosos. A cada edi- ção, os autores são convidados a proferirem palestras e a participarem de colóquios sobre temas importan- tes para a literatura no século 21. no blog específico da FLIP – que você pode acessar no seguinte endereço: <http://www.flip.org.br> - você encontrará entrevistas com os autores, vídeos, posts, ilustrações e outras ma- térias produzidas durante a intensa cobertura midiática que o evento recebe. A primeira edição do evento foi realizada em 2003, inserindo o nosso país no circuito dos principais festivais literários do mundo. Essa festa tem sido o que seu nome diz: uma festa, badalada pela mí- dia e concorrida pelos brasileiros que amam a literatura. É um espaço importante para a veiculação da literatura nos dias atuais, em que o livro vem passando por modi- ficações tão intensas. 2) Oficinas culturais. Associações culturais como o Serviço Social da Indústria (SESI) e o Serviço Social do Comércio (SESC) têm se mantido como espaços em que a literatu- ra tem sempre um lugar importante. Movidos respecti- vamente pelas verbas advindas dos setores industrial e comercial da sociedade brasileira, essas instâncias pro- movem oficinas, encontros, rodas de leitura e outras atividades abertas ao grande público, geralmente dire- cionadas por especialistas em literatura, com o objetivo de fomentar a leitura literária entre as pessoas que fre- quentam essas instituições. Embora se tratem de encon- tros promovidos fora do âmbito acadêmico, é possível encontrar nessas instâncias boas reflexões, que nos au- xiliam a ampliar nosso conhecimento da literatura. 3) Bienal do Livro. Realizadas nos grandes centros urbanos, tais como Rio e São Paulo, a cada dois anos, essas expo- sições reúnem um grande número de autores e editoras. Ali é possível entrarmos em contato com as novidades 19 Claretiano - Centro Universitário © Caderno de Referência de Conteúdo do mundo editorial, bem como ouvir palestras, frequen- tar cursos rápidos de formação e assistir a colóquios com escritores. Constituem-se também em bons ambientes para o fomento da leitura literária, seja pela quantida- de de livros em exposição num só lugar, seja pelos pre- ços, que geralmente costumam ser convidativos nesses eventos. 4) Internet. O advento da internet tem sido decisivo para a divulgação da literatura. Esse instrumento revolucioná- rio de transmissão de informações tem sido muito eficaz na difusão da literatura; a internet constitui-se, ao mes- mo tempo, em excelente ferramenta de criação e de re- flexão sobre a literatura. Ela nos oferece uma gama bas- tante variada de opções no que diz respeito à literatura, e que passamos agora a elencar para você. 5) Bibliotecas virtuais. As bibliotecas virtuais, tais como a Domínio Público, têm sido excelentes lugares de divulga- ção dos textos literários que já caíram em domínio públi- co. Você sabe que, após cem anos decorridos da morte do autor, o texto passa a ser de domínio público, isto é, os direitos autorais deixam de ser propriedade particular das famílias dos autores e passam a integrar o patrimô- nio nacional, sendo então sua divulgação e reprodução permitidas. 6) Livrarias e sebos. As livrarias virtuais prestam um ex- celente serviço aos leitores. Por meio delas, é possível receber em casa livros que muitas vezes não consegui- mos encontrar nas prateleiras das livrarias físicas. Com um volume de negócios cada vez maior, essas livrarias permitem ao leitor a aquisição de livros com maior con- forto, praticidade e, muitas vezes, rapidez; a pesquisa de preços também fica facilitada pela possibilidade de consulta virtual aos catálogos das livrarias. Nesse que- sito, vale sublinhar a presença dos sebos virtuais, isto é, de livrarias que comercializam livros usados. A Estante Virtual é uma ótima referência de prestação desse tipo de serviço. 7) Revistas literárias. As orientações mais recentes da Ca- pes – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de © Metodologia do Ensino: Literatura20 Nível Superior, órgão ligado ao Ministério da Educação (MEC) – para a avaliação dos periódicos acadêmicos edi- tados pelas universidades e seus respectivos cursos de pós-graduação strictu senso (Mestrados e Doutorados) incluem como um quesito muito importante a veicula- ção dos periódicos também na internet. Isso significa, na prática, que os leitores, pesquisadores e estudantes de literatura têm à sua disposição, nos sites dos principais programas de pós-graduação do país, uma vasta gama de artigos publicados pelos pesquisadores que integram as universidades. Estas, como você deve saber, têm se mantido como instâncias por excelência de produção de conhecimento científico; as publicações de seus pesqui- sadores e professores são, por esse motivo, o que temos de mais atual nos estudos literários; vale a pena conferi- -las; você pode começar lendo os conteúdos destas que indicamos na sequência: • Estudos Avançados (Universidade de São Paulo - USP) - http://www.iea.usp.br/iea/revista/index.html. • Via Atlântica (Universidade de São Paulo - USP) - http://www.fflch.usp.br/dlcv/posgraduacao/ecl/pu- blicado.html. • Itinerários (Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" - Unesp) - http://seer.fclar.unesp.br/ index.php/itinerarios. • Estação Literária (Universidade Estadual de Londrina - UEL) - http://www.uel.br/pos/letras/EL/. • Literatura e Sociedade / Magma (Universidade de São Paulo - USP) - http://www.fflch.usp.br/dtllc/re- vistas.htm. 8) Blogs de novíssimos escritores. O advento de escrito- res blogueiros tem sido cada vez maior nos círculos li- terários. Há um grande número de escritores contem- porâneos, novíssimos e de boa cepa, isto é, com textos instigantes, de boa qualidade literária, que você pode conferir nos blogs de seus escritores. Experimente con- ferir estes três que indicamos: 21 Claretiano - Centro Universitário © Caderno de Referência de Conteúdo • Daniel Galera - Amores Expressos - http://www.blog- dodanielgalera.blogspot.com/. • João Paulo Cuenca - http://oglobo.globo.com/blogs/ cuenca/. • Clarah Averbuck - brasileira!preta - http://www.brazi- leirapreta.blogspot.com/; Adios lounge – http://www. adioslounge.blogspot.com/ e O mundo, o universo e tudo mais - http://clarahaverbuck.virgula.uol.com.br/. 9) Blogs de escritores veteranos. O leitor que não gosta de muitas experimentações no campo da produção literá- ria, mais afeito aos escritores tradicionais, de mérito já reconhecido, podem encontrá-los também na internet. Tem crescido o número de escritores veteranos que vêm explorando a internet como ferramenta de criação. Veja, por exemplo, os sites que indicamos a seguir. Ali você encontrará mais um pouco daqueles autores que tanto gostamos de ver em nossas estantes e de folhear em nossas mãos: • A casa de Rubem Alves - http://www.rubemalves.com.br/. • Fabrício Carpinejar - http://www.carpinejar.com.br/. • Casa Lygia Bojunga - http://www.casalygiabojunga. com.br/portugues/. • Mário Prata - http://www.marioprataonline.com.br/. • Millôr Fernandes - http://www2.uol.com.br/millor/ index.htm. • Paulo Coelho - http://www.paulocoelho.com.br/. • Menalton Braff - http://menalton.blog.uol.com.br/. • José Saramago - Outros Cadernos de Saramago - http:// caderno.josesaramago.org/. Como você pode observar, o estudo da literatura não existe somente no ambiente escolar. A literatura é uma expressão cultu- ral, muito antes de ser uma disciplina dos currículos escolares. É somente porque ela tem uma grande função social como elemen- © Metodologia do Ensino: Literatura22 to da cultura de um povo que ela passa aos bancos escolares. Todo cidadão tem, pois, direito a estudá-la, como você verá ao longo deste Caderno de Referência de Conteúdo. Durante nossos estudos, é essaa forma de veiculação da li- teratura que vamos abordar mais detidamente: o ensino da litera- tura no contexto das escolas de Educação Básica. Aprenderemos mais sobre como a legislação educacional brasileira vem abordan- do o ensino da literatura e sobre as orientações que nos dão os es- pecialistas para o desenvolvimento desse material. Você verá que, apesar de nossos esforços, não há receitas a serem seguidas. Em educação, nunca temos receitas. O que dá certo com uma turma não dá com a outra; o que funciona para um leitor não funciona para o seu vizinho. Isso ocorre porque os grupos de alunos com os quais lidamos diferem na exata proporção em que diferem seus membros: ou seja, sempre. Cada turma é uma, cada leitor é um universo particular; a soma de indivíduos num grupo que denomi- namos classe ou turma implica na soma de repertórios de leituras (literárias e de mundo) muito diferentes entre si. Ainda assim, conscientes de que o desafio é grande, espera- mos que, ao final do estudo deste Caderno de Referência de Conteú- do, você tenha tido a oportunidade de conhecer melhor as ques- tões referentes ao ensino escolar da literatura e tenha refletido sobre os caminhos possíveis para trabalhar com o texto literário na sala de aula. É importante que você siga as orientações que são dadas no seu Caderno de Referência de Conteúdo. Elas têm o objetivo de dar a você parâmetros que o auxiliarão no processo de estudo, principalmente nesta modalidade a distância. A participação nas interatividades e a realização das leituras propostas também são fundamentais, pois com certeza ajudarão você a tornar-se um pro- fessor de literatura mais consciente de sua atividade e, portanto, mais competente no exercício da profissão. Bons estudos! 23 Claretiano - Centro Universitário © Caderno de Referência de Conteúdo 3. GLOSSÁRIO DE CONCEITOS O Glossário de Conceitos permite a você uma consulta rá- pida e precisa das definições conceituais, possibilitando-lhe um bom domínio dos termos técnico-científicos utilizados na área de conhecimento dos temas tratados em Metodologia do Ensino: Lite- ratura. Veja, a seguir, a definição dos principais conceitos: 1) Conhecimento literário: a literatura apresenta níveis de conhecimento intencionais, isto é, propostos pelo autor e assimilados pelo leitor, e níveis de conhecimento que o leitor incorpora inconscientemente. Estes se referem à organização mental e emocional que a ordem do texto li- terário permite e que não percebemos conscientemente durante a leitura. 2) Construção literária: todo texto literário é um objeto construído, um conjunto de palavras ordenadas pelo seu produtor. Essa ordem dada pelo autor favorece nossa própria organização mental e de sentimentos; com isso, nossa visão de mundo fica mais organizada também. 3) Conteúdo literário: aquilo que o autor efetivamente diz, somado aos significados que lhe podemos atribuir no processo de leitura. 4) Contexto: etimologicamente, indica aquilo que é tecido conjuntamente; em literatura aponta para as circunstân- cias (históricas, políticas, sociais etc.) em que uma obra foi criada. 5) Didático: destinado ao ensino; que facilita a aprendizagem. 6) Didatização: processo pelo qual um objeto é transferido de seu contexto original para a sala de aula, para fins de ensino. 7) Enredo, intriga ou trama: organização das ações narra- das de acordo com a lógica da obra. "Também distinta do conceito de fábula, que remete para a organização das ações de forma lógica, a intriga tem maior liberdade na ordenação das ações, conflitos, peripécias ou aventu- ras que vivem as personagens de uma história narrada." (CEiA [199-?]) © Metodologia do Ensino: Literatura24 8) Ensino: ato, processo ou efeito de ensinar; ensinamen- to, ensinança. 9) Fábula ou história: organização cronológica das ações narradas. 10) Forma literária: aspecto de constituição formal – o modo como ela se apresenta a nós; a forma é dada pelos elemen- tos que constituem o texto, sejam eles externos ou internos. 11) Humanização: processo pelo qual o homem desenvolve em si qualidades que o tornam mais capaz de conviver com seus semelhantes. 12) Intertextualidade: diálogo entre textos; pode ser cons- ciente ou não no momento da criação literária. Mani- festa-se como um conjunto de referências, diretas ou indiretas, a obras de outros autores. 13) Literatura, para Antonio Candido: compreende "[...] todas as criações de toque poético, ficcional ou dramático em todos os níveis de uma sociedade, em todos os tipos de cultura, desde o que chamamos folclore, lenda, chiste, até as formas mais complexas e difíceis da produção escrita das grandes civilizações" (CAnDiDO, 1995, p. 242). 14) Metodologia: estudo ou conhecimento do caminho pelo qual se chega a realizar algo. 15) Paradidáticos: etimologicamente, significa aquilo que está ao lado do didático; no contexto desta obra, indica os livros de leitura complementar, que acompanham o processo de aprendizagem de determinados conceitos ou valores. 16) Pretexto: historicamente, significa tecer algo na frente de outra coisa; palavra de conotação negativa, tem hoje o sentido de alegação falsa, mentirosa. 17) Repertório de leituras: conjunto de leituras anteriores, que o leitor mobiliza durante o processo de leitura. Com- preende tanto leituras de textos, como leituras de mun- do, vivenciais. 18) Texto, para Marisa Lajolo: é "[...] o resultado, o produ- to do ato de entrelaçar palavras, frases, parágrafos. [...] pode indicar tanto um conjunto de palavras quanto ain- da um livro inteiro" (LAJOLO, 2008, p. 102). 25 Claretiano - Centro Universitário © Caderno de Referência de Conteúdo Esquema dos Conceitos-chave Para que você tenha uma visão geral dos conceitos mais importantes deste estudo, apresentamos, a seguir (Figura 1), um Esquema dos Conceitos-chave. O mais aconselhável é que você mesmo faça o seu esquema de conceitos-chave ou até mesmo o seu mapa mental. Esse exercício é uma forma de você construir o seu conhecimento, ressignificando as informações a partir de suas próprias percepções. É importante ressaltar que o propósito desse Esquema dos Conceitos-chave é representar, de maneira gráfica, as relações entre os conceitos por meio de palavras-chave, partindo dos mais com- plexos para os mais simples. Esse recurso pode auxiliar você na or- denação e na sequenciação hierarquizada dos conteúdos de ensino. Com base na teoria de aprendizagem significativa, entende-se que, por meio da organização das ideias e dos princípios em esque- mas e mapas mentais, o indivíduo pode construir o seu conhecimen- to de maneira mais produtiva e obter, assim, ganhos pedagógicos significativos no seu processo de ensino e aprendizagem. Aplicado a diversas áreas do ensino e da aprendizagem es- colar (tais como planejamentos de currículo, sistemas e pesquisas em Educação), o Esquema dos Conceitos-chave baseia-se, ainda, na ideia fundamental da Psicologia Cognitiva de Ausubel, que es- tabelece que a aprendizagem ocorre pela assimilação de novos conceitos e de proposições na estrutura cognitiva do aluno. Assim, novas ideias e informações são aprendidas, uma vez que existem pontos de ancoragem. Tem-se de destacar que "aprendizagem" não significa, ape- nas, realizar acréscimos na estrutura cognitiva do aluno; é preci- so, sobretudo, estabelecer modificações para que ela se configure como uma aprendizagem significativa. Para isso, é importante con- siderar as entradas de conhecimento e organizar bem os materiais de aprendizagem. Além disso, as novas ideias e os novos concei- tos devem ser potencialmente significativos para o aluno, uma vez © Metodologia do Ensino: Literatura26 que, ao fixar esses conceitos nas suas já existentes estruturas cog- nitivas, outrosserão também relembrados. Nessa perspectiva, partindo-se do pressuposto de que é você o principal agente da construção do próprio conhecimento, por meio de sua predisposição afetiva e de suas motivações internas e externas, o Esquema dos Conceitos-chave tem por objetivo tor- nar significativa a sua aprendizagem, transformando o seu conhe- cimento sistematizado em conteúdo curricular, ou seja, estabele- cendo uma relação entre aquilo que você acabou de conhecer com o que já fazia parte do seu conhecimento de mundo (adaptado do site disponível em: <http://penta2.ufrgs.br/edutools/mapascon- ceituais/utilizamapasconceituais.html>. Acesso em: 11 mar. 2010). Veja, a seguir, o esquema de conceitos-chave de Metodolo- gia do Ensino: Literatura. 27 Claretiano - Centro Universitário © Caderno de Referência de Conteúdo promove por meio de HUMANIZAÇÃO EXPRESSÃO CONTEÚDO CONHECIMENTO DIREITO DO CIDADÃO TEXTO é FORMA + CONTEÚDO LITERATURA composta de ENSINO na escola, implica‐se LEGISLAÇÃO EDUCACIONAL regula CONTEXTO PRETEXTO definido pelo é/não é é estudada por meio de na escola, apresenta‐se como DIDÁTICO DIDATIZADO PARADIDÁTICO para Figura 1 Esquema dos Conceitos-chave do Caderno de Referência de Conteúdo de Metodologia do Ensino: Literatura. Como pode observar, esse Esquema oferece a você, como disse- mos anteriormente, uma visão geral dos conceitos mais importantes deste estudo. Ao segui-lo, será possível transitar entre os principais conceitos deste Caderno de Referência de Conteúdo e descobrir o ca- minho para construir o seu processo de ensino-aprendizagem. O Esquema dos Conceitos-chave é mais um dos recursos de aprendizagem que vem se somar àqueles disponíveis no ambiente virtual, por meio de suas ferramentas interativas, bem como àqueles relacionados às atividades didático-pedagógicas realizadas presen- © Metodologia do Ensino: Literatura28 cialmente no polo. Lembre-se de que você, aluno EaD, deve valer-se da sua autonomia na construção de seu próprio conhecimento. Questões Autoavaliativas No final de cada unidade, você encontrará algumas questões autoavaliativas sobre os conteúdos ali tratados, as quais podem ser de múltipla escolha, abertas objetivas ou abertas dissertativas. Responder, discutir e comentar essas questões, bem como relacioná-las com a prática do ensino de Literatura pode ser uma forma de você avaliar o seu conhecimento. Assim, mediante a re- solução de questões pertinentes ao assunto tratado, você estará se preparando para a avaliação final, que será dissertativa. Além disso, essa é uma maneira privilegiada de você testar seus conhecimentos e adquirir uma formação sólida para a sua prática profissional. Bibliografia Básica É fundamental que você use a Bibliografia Básica em seus estudos, mas não se prenda só a ela. Consulte, também, as biblio- grafias complementares. Figuras (ilustrações, quadros...) Neste material instrucional, as ilustrações fazem parte inte- grante dos conteúdos, ou seja, elas não são meramente ilustra- tivas, pois esquematizam e resumem conteúdos explicitados no texto. Não deixe de observar a relação dessas figuras com os con- teúdos apresentados, pois relacionar aquilo que está no campo visual com o conceitual faz parte de uma boa formação intelectual. Dicas (motivacionais) O estudo deste Caderno de Referência de Conteúdo convida você a olhar, de forma mais apurada, a Educação como processo de emancipação do ser humano. É importante que você se atente às explicações teóricas, práticas e científicas que estão presentes 29 Claretiano - Centro Universitário © Caderno de Referência de Conteúdo nos meios de comunicação, bem como partilhe suas descobertas com seus colegas, pois, ao compartilhar com outras pessoas aqui- lo que você observa, permite-se descobrir algo que ainda não se conhece, aprendendo a ver e a notar o que não havia sido perce- bido antes. Observar é, portanto, uma capacidade que nos impele à maturidade. Você, como aluno do curso de Graduação na modalidade EaD, necessita de uma formação conceitual sólida e consistente. Para isso, você contará com a ajuda do tutor a distância, do tutor presencial e, sobretudo, da interação com seus colegas. Sugeri- mos, pois, que organize bem o seu tempo e realize as atividades nas datas estipuladas. É importante, ainda, que você anote as suas reflexões em seu caderno ou no Bloco de Anotações, pois, no futuro, elas pode- rão ser utilizadas na elaboração de sua monografia ou de produ- ções científicas. Leia os livros da bibliografia indicada, para que você am- plie seus horizontes teóricos. Coteje-os com o material didático, discuta a unidade com seus colegas e com o tutor e assista às videoaulas. No final de cada unidade, você encontrará algumas questões autoavaliativas, que são importantes para a sua análise sobre os conteúdos desenvolvidos e para saber se estes foram significativos para sua formação. Indague, reflita, conteste e construa resenhas, pois esses procedimentos serão importantes para o seu amadure- cimento intelectual. Lembre-se de que o segredo do sucesso em um curso na modalidade a distância é participar, ou seja, interagir, procurando sempre cooperar e colaborar com seus colegas e tutores. © Metodologia do Ensino: Literatura30 4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRASIL. Secretaria da Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: Língua Portuguesa. Brasília: MEC/SEF, 1998. CANDIDO, Antonio. O direito à literatura. In: ______. Vários escritos. São Paulo: Duas Cidades, 1995. p. 235-263. HOUAISS, Antônio. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002. LAJOLO, Marisa. Leitura em crise na escola: as alternativas do professor. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1991. MICHELETTI, Guaraciaba; BRANDÃO, Helena Nagamine (Orgs.). Aprender e ensinar com textos didáticos e paradidáticos. 4 ed. São Paulo: Cortez, 2002. 1 EA D Literatura e Direitos Humanos 1. OBJETIVOS • Refletir sobre os conceitos de metodologia, ensino e literatura. • Perceber a literatura como um direito de todo o cidadão. • Reconhecer as contribuições da leitura literária na forma- ção do ser humano. 2. CONTEÚDOS • Conceito de método, ensino e literatura. • Literatura como um direito humano inalienável. • Contribuições da literatura para a formação e humaniza- ção do homem. 3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE 1) Tenha sempre à mão o significado dos conceitos explici- tados no Glossário e suas ligações pelo Mapa Conceitual para o estudo de todas as unidades deste Caderno de © Metodologia do Ensino: Literatura32 Referência de Conteúdo. Isso poderá facilitar sua apren- dizagem e seu desempenho. 2) Leia os livros da bibliografia indicada, para que você am- plie seus horizontes teóricos. Compare-os com o Mate- rial Didático e discuta a unidade com seus colegas e o tutor. 3) Antes de iniciar os estudos desta unidade, pode ser in- teressante conhecer um pouco da biografia de Antonio Candido, cujo pensamento norteia o estudo desta uni- dade. Antonio Candido Antonio Candido de Mello e Sousa nasceu aos 24 de julho de 1918, no Rio de Janeiro. Grande parte de sua infância, porém, foi vivida com a família em Poços de Caldas – MG. Formado em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo em 1941, Antonio Candido tornou-se o maior crítico literário brasileiro, cujas obras são conhecidas e debatidas em todo o território nacional e também no exterior. Antonio Candido atuou também como jornalista, colaborando com jornais como Folha da Manhã e O Estado de São Paulo. Nos anos 40, juntamente com outros intelectuais como Décio de Almeida Prado, Paulo Emílio Salles Gomes, Alfredo Mesquita, FlorestanFernandes e Gilda de Moraes Rocha – sobrinha de Mário de Andrade e futura esposa de Candido – criou a revista literária Clima, tornando-se seu redator-chefe. O grupo que se reuniu em torno dessa revista deixou contribuições fundamentais no pensamento sobre a cultura brasileira, nos âmbitos do teatro, cinema, moda, política etc. Em 1957, iniciou sua atividade docente como professor de Literatura Brasilei- ra na Unesp de Assis. Dois anos depois, publicou a obra que lhe daria maior notoriedade: Formação da literatura brasileira: momentos decisivos (CANDIDO, 1971). Inaugurou, em 1961, a cadeira de Teoria Literária e Literatura Comparada da USP, na qual se formaram os principais nomes da crítica literária brasileira, tais como Davi Arrigucci Junior, Alfredo Bosi, João Alexandre Barbosa, Walnice No- gueira Galvão e outros. Sempre alinhado com a esquerda marxista, Antonio Candido foi militante no Par- tido Socialista Brasileiro e, em 1980, juntamente com Luiz Inácio da Silva, Sérgio Buarque de Hollanda e Florestan Fernandes, participou da fundação do Partido dos Trabalhadores. Seus artigos têm presença marcante nos estudos literários em todo o Brasil, devido à lucidez e profundidade com que trata a literatura, tanto na sua especi- ficidade artística, quanto no diálogo que estabelece com a sociedade brasileira. Conheça melhor Antonio Candido lendo uma reportagem especial sobre seus 90 anos, em: <http://www4.usp.br/index.php/especiais/14925-os-90-anos-de-antonio-candido- -professor-da-fflch>. Acesso em: 16 out. 2011. 33 Claretiano - Centro Universitário © U1 – Literatura e Direitos Humanos 4. INTRODUÇÃO À UNIDADE Um dos poemas mais famosos de Carlos Drummond de An- drade chama-se "Procura da poesia", do qual selecionamos um fragmento que convidamos você, agora, a ler: [...] Penetra surdamente no reino das palavras. Lá estão os poemas que esperam ser escritos. Estão paralisados, mas não há desespero, há calma e frescura na superfície intata. Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário. Convive com teus poemas, antes de escrevê-los. Tem paciência, se obscuros. Calma, se te provocam. Espera que cada um se realize e consume com seu poder de palavra e seu poder de silêncio. [...] (AnDRADE, 1994, p. 13-14) Neste poema, inserido no volume intitulado A rosa do povo, Drummond convida o poeta iniciante a conviver com seus poemas antes de escrevê-los, isto é, a contemplar as palavras "em estado de dicionário". Esta expressão é muito cara para nós, não somente no âmbito da literatura, mas também para orientar nossos estudos em qualquer área do conhecimento. Dizemos isso porque o caminho inicial mais seguro para co- nhecermos algo é a observação atenta das palavras que utilizamos para defini-lo. Trata-se de um procedimento primário de pesquisa, para o qual nos habilitamos com uma boa consulta ao dicionário. Lá encontraremos as palavras com seus múltiplos significados, prontas para serem "colhidas" e utilizadas pelos falantes e escre- ventes da língua. © Metodologia do Ensino: Literatura34 Queremos, assim, iniciar nosso estudo de Metodologia do Ensino: Literatura aceitando o convite de Drummond e penetran- do no reino das palavras que usamos para nomear esta disciplina. Para você refletir: Você sabe o que é Metodologia? E ensino, o que significa? É possível ensinar Literatura? O termo Literatura, como você define? Iniciamos, pois, pela definição – "em estado de dicionário" – de metodologia. Segundo Houaiss (2009), metodologia é o "ramo da lógica que se ocupa dos métodos das diferentes ciências"; é também a "parte de uma ciência que estuda os métodos aos quais ela pró- pria recorre". Metodologia é, portanto, o estudo dos métodos. E método – o que vem a ser? Ainda conforme Antônio Houaiss (2009), método é, de for- ma geral, o "procedimento, técnica ou meio de fazer alguma coisa, esp. de acordo com um plano". A etimologia da palavra, segundo o lexicologista Houaiss, é a seguinte: Método: do grego metá, atrás, em seguida, através de, e ho- dós, caminho. Uma metodologia é, portanto, o estudo ou conhecimento do caminho pelo qual se chega a realizar algo. Estamos, portanto, nes- ta disciplina, atrás do caminho que conduz ao ensino da literatura. Mas o que vem a ser ensino? Vejamos a palavra em seu "es- tado de dicionário": • "Ensino: ato, processo ou efeito de ensinar; ensinamento, ensinança"; • "Ensinar: repassar ensinamentos sobre (algo) a; doutri- nar, lecionar; transmitir (experiência prática) a; instruir (alguém) sobre"; 35 Claretiano - Centro Universitário © U1 – Literatura e Direitos Humanos • "Ensinamento: conjunto de ideias a serem transmiti- das; conjunto de conhecimentos a serem repassados" (HOUAiSS, 2009). Um rápido exame dos elementos apresentados pelo dicio- nário nos leva às seguintes questões: é possível repassar ou trans- mitir ideias ou conhecimentos literários? A resposta mais óbvia é: NÃO! Vejamos o porquê. Em primeiro lugar, conhecimentos são construídos por cada pessoa e não tomados de empréstimo a outras. O conhecimento que eu tenho sobre a literatura (ou sobre culinária, medicamentos, cinema, política etc.) foi construído a partir das minhas experiên- cias de vida e do meu repertório de leituras; das interações entre a minha experiência e aquela que os autores apresentam em seus livros. O conhecimento não pode ser embalado num pacote e le- gado a outrem. Não funciona assim, não é mesmo? Conhecimento se adquire, se constrói. Mas qual seria, então, a tarefa do professor de literatura, se o conhecimento sobre ela nasce da sua experiência de leitor? Acreditamos que a tarefa do docente de literatura é funda- mentalmente fazer a mediação entre o estudante e o conjunto de conhecimentos que a humanidade construiu, ao longo de sua história, sobre os fatos literários. O bom professor de literatura é aquele que consegue despertar nos educandos a curiosidade li- terária, o interesse pelos livros, a paixão pela leitura, pela poesia, pela narrativa, pelo teatro. Você pode objetar que o conjunto desses conhecimentos é infinito e que não é possível abarcá-los na totalidade. Certo, cer- tíssimo. Mas, se você se propõe a ensinar literatura, deve ter uma experiência boa, profícua, de leitura – sua experiência, pessoal; esta deve ser tão importante para você que lhe suscita o desejo de partilhá-la com outras pessoas. Se você tem isso, pronto: já tem o essencial para trabalhar com a literatura na escola. © Metodologia do Ensino: Literatura36 Agora vamos avançar mais um passo nesta nossa reflexão inicial, perguntando-nos: o que é literatura? O que nos diz o dicio- nário – você sabe? Se não, confira a seguir todas as proposições que definem o termo "literatura": Definições de literatura –––––––––––––––––––––––––––––––– 1 Rubrica: literatura. uso estético da linguagem escrita; arte literária Exemplo: tendências da literatura. 2 Rubrica: literatura. conjunto de obras literárias de reconhecido valor estético, pertencentes a um país, época, gênero etc. Exemplo: literatura medieval 3 Derivação: por analogia. conjunto das obras científicas, filosóficas etc., sobre determinada matéria ou questão; bibliografia Exemplos: literatura marxista; literatura farmacêutica 4 ofício, trabalho do profissional de letras 5 conjunto de escritores, poetas etc. que atuam no mundo das letras 6 disciplina escolar composta de estudos literários 7 conjunto de instruções, boletim, folheto etc. destinados a propaganda ou escla- recimentos sobre certos produtos 8 Uso: pejorativo. fantasia, irrealidade, ficção Exemplo: Tudo o que havia dito era pura literatura. (HOUAISS, 2009). –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Observemos, pois, cada uma dessas definições. A primeira forma possível de uso da palavra "literatura"re- fere-se ao uso estético da linguagem, da palavra – é o que fazem os poetas com as palavras: constroem objetos artísticos, tais como contos, poemas, peças de teatro, romances, crônicas etc. Literatura é também, segundo a definição 2, o conjunto de obras literárias de um país – literatura brasileira, literatura fran- cesa, literatura caboverdiana etc. -, ou de uma época – literatura barroca, clássica, contemporânea etc. – ou, ainda, de um gênero – literatura afrobrasileira, infanto-juvenil, marginal etc. 37 Claretiano - Centro Universitário © U1 – Literatura e Direitos Humanos Literatura também designa o conjunto de obras sobre um dado assunto, conforme a definição 3, o que a faz sinônimo de bibliografia. Designa também o trabalho do profissional de Letras, segun- do a quarta proposição de Houaiss – definição complexa, pois o que seja o profissional de Letras é algo que carece de definição. Seria o escritor, o editor, o crítico, o professor ou todos eles? Pare- ce-nos que Houaiss considera apenas o escritor como profissional das letras, pois, a rigor, só ele (o escritor ou poeta) faz literatura. Contudo, todos os demais agentes que citamos são, também, pro- fissionais das letras – cada um com seu papel, todos colaboram para a produção e circulação da literatura. Mais estranha ainda é a quinta definição de Houaiss: acaso você já ouviu o termo literatura usado para designar o conjunto de escritores ou poetas? Eles são literatura ou produtores literários? Veja que as palavras "em estado de dicionário" devem ser interro- gadas, inquiridas; seu uso em tal ou qual sentido depende de outros conhecimentos que o usuário deve mobilizar antes de empregá-la. Talvez soe estranha a você, como também para nós, ainda, a definição número 7; como ela não traz exemplos, seu entendimen- to nesse sentido fica prejudicado. Contudo, o uso pejorativo da palavra "literatura", apontado na última proposição de Houaiss, é-nos familiar. Infelizmente, po- demos dizer. O uso do termo "literatura" como sinônimo de irrea- lidade e fantasia faz que todo o conjunto das produções literárias que a humanidade produziu e acumulou durante séculos seja me- nosprezado em relação a outros conhecimentos produzidos pelo homem. Não é difícil nem raro encontrar quem pense que litera- tura é perda de tempo, visto que se trata de realidades inventa- das, ficcionais, que não existem de fato. Se os fatos referidos pelo romancista, por exemplo, não existiram realmente, se tudo o que está em um romance é invenção do autor, então por que perder tempo com isso? © Metodologia do Ensino: Literatura38 Esse preconceito nasce do desconhecimento do que seja lite- ratura e das contribuições que esta traz ao desenvolvimento do ser humano. São tantas, e tão profundas, que sua fruição tornou-se um direito do ser humano. Sim: desfrutar dos benefícios da literatura é um direito essen- cial de todo cidadão. Quem defende essa proposição é o sociólogo e crítico literário Antonio Candido, como veremos na sequência. 5. O DIREITO À LITERATURA no ano de 1988, Antonio Candido foi convidado para profe- rir uma palestra em um curso organizado pela Comissão de Jus- tiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo, com o tema "Direitos humanos e literatura". Essa palestra deu origem ao ensaio deno- minado "O direito à literatura", incluído no volume Vários escri- tos (CAnDiDO, 1995). Embora escrito há mais de 20 anos, esse texto guarda algumas reflexões que consideramos essenciais na formação do professor de literatura. Nele, Candido desenvolve uma argumentação irrefutável sobre a contribuição da literatura na formação do homem. Vamos ler e comentar alguns fragmen- tos desse texto, perseguindo os passos do autor no desenvolvi- mento da tese de que a literatura constitui um direito humano inalienável. Candido começa sua reflexão considerando o seguinte: [...] em comparação a eras passadas chegamos a um máximo de racionalidade técnica e de domínio sobre a natureza. Isso permite imaginar a possibilidade de resolver grande número de problemas materiais do homem, quem sabe inclusive o da alimentação. No entanto, a irracionalidade do comportamento é também máxima, servida freqüentemente pelos mesmos meios que deveriam rea- lizar os desígnios da racionalidade. Assim, [...] em certos países, como o Brasil, quanto mais cresce a riqueza, mais aumenta a péssi- ma distribuição dos bens. Portanto, podemos dizer que os mesmos meios que permitem o progresso podem provocar a degradação da maioria (CAnDiDO, 1995, p. 235). 39 Claretiano - Centro Universitário © U1 – Literatura e Direitos Humanos Em sua lúcida colocação, Candido aponta um paradoxo do progresso científico: seria de se esperar que o movimento de cres- cimento científico e tecnológico trouxesse aos homens em geral melhores condições de vida; o que se verifica, contudo, é que as novas aquisições da humanidade em termos de conhecimento e da aplicação deste ficam restritas a uma minoria privilegiada, per- manecendo a grande massa nas mesmas condições degradadas em que se encontram desde há muito tempo. Para estas, o pro- gresso científico não acrescenta praticamente nada. Esta discussão liga-se a uma outra, na qual se contrapõem os conceitos de civilização e barbárie: o processo de civilização – con- siderada aqui como o amplo processo de educação cultural que promove o adiantamento dos povos – deveria exterminar a barbá- rie, ou seja, a condição de embrutecimento que antecede o estado civilizacional. Contudo, nossa época, tal qual há vinte anos, conforme apon- tava Candido, permanece profundamente marcada por desigualda- des, as quais motivam inúmeros movimentos pelos direitos huma- nos. Uma rápida olhada nos noticiários pode atestar essa condição. Qual a relação desta reflexão com o ensino da literatura? Se esta for a sua indagação, neste momento, aguarde mais um pouco e você a verá respondida. Apesar da constatação desalentadora, Candido aponta ou- tros fatores que permitem recuperar a esperança na humanização do homem: 1) atualmente, os meios materiais necessários para que al- cancemos um estágio de mais civilidade existem; muitas coisas que antes eram utópicas hoje são possibilidades concretas – o desenvolvimento dos meios de comunica- ção, por exemplo, são prova disso; 2) embora a barbárie continue crescendo, ela é cada vez mais repudiada, ou seja, causa vergonha e não é mais motivo de celebração, como em tempos remotos (em que os generais vitoriosos se vangloriavam de suas matanças); © Metodologia do Ensino: Literatura40 3) o discurso sobre a pobreza e a desigualdade tem se mo- dificado substancialmente: se antes a pobreza era "von- tade de Deus", hoje ela incomoda, provocando desde sentimento de culpa até medo. Haja vista as ações le- gais que procuram erradicar da nossa sociedade com- portamentos preconceituosos com relação aos negros, homossexuais, mulheres etc. (CAnDiDO, 1995) Embora falte o empenho concreto, real, no sentido de promo- ver a igualdade de direitos – outro paradoxo – não se pode ignorar as transformações nas consciências, o que é certamente um passo fundamental da transformação social em direção à equidade. Candido prossegue sua reflexão dando um segundo passo. Vejamos: [...] pensar em direitos humanos tem um pressuposto: reconhecer que aquilo que consideramos indispensável para nós é também in- dispensável para o próximo. Esta me parece a essência do proble- ma, inclusive no plano estritamente individual, pois é necessário um grande esforço de educação e auto-educação a fim de reco- nhecermos sinceramente este postulado. Na verdade, a tendência mais funda é achar que os nossos direitos são mais urgentes que os do próximo (CAnDiDO, 1995, p. 239). É fácil enumerar os direitos do homem: saúde, educação, moradia, trabalho, justiça,associação etc. Para nós e para nossos semelhantes, estes são bens dos quais não se pode abrir mão. En- tretanto, responda: a garantia dos direitos enumerados anterior- mente é suficiente para sua felicidade? –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– O Art. 6º. da Constituição brasileira, publicada em 1988, garantia como direitos sociais "[...] a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância [e] a assistência aos desampara- dos." (BRASIL, 1988). Em fevereiro de 2000, a moradia foi acrescentada a essa lista e, dez anos depois, outra emenda acrescentou também a alimentação como um direito social constitucionalmente garantido. Segundo notícia publicada na Folha de S. Paulo de 10 de julho de 2010 (GUER- REIRO, 2010), há um movimento para que se inclua, no texto legal, a busca da felicidade como anterior a todos os direitos sociais. O texto constitucional passaria a vigorar assim: "São direitos sociais, essenciais à busca da felicidade, a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a 41 Claretiano - Centro Universitário © U1 – Literatura e Direitos Humanos proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição." O psicanalista italiano Contardo Calligaris, radicado no Brasil, comenta: É claro que, se eu dispuser de casa, emprego, assistência médica, seguran- ça, terei mais tempo e energia para buscar minha felicidade. No entanto o respeito a esses direitos sociais básicos não garante a felicidade de ninguém; como se diz, ter comida e roupa lavada é bom e ajuda, mas não é condi- ção suficiente nem absolutamente necessária para a busca da felicidade. Em suma, implico um pouco com o adjetivo "essencial" no texto da emenda, mas, fora isso, gosto da iniciativa porque, como a Declaração de Independência dos EUA, ela situa a busca da felicidade como um direito do indivíduo, anterior a todos os direitos sociais. [...] Em matéria de felicidade, os governos podem oferecer as melhores con- dições possíveis para que cada indivíduo persiga seu projeto - por exem- plo, como sugere a emenda constitucional proposta, garantindo a to- dos os direitos sociais básicos. Mas o melhor governo é o que não pre- fere nenhuma das diferentes felicidades que seus sujeitos procuram. Não é coisa simples. Nosso governo oferece uma isenção fiscal às igrejas, as quais, certamente, são cruciais na procura da felicidade de muitos. Mas as esco- las de dança de salão ou os clubes sadomasoquistas também são significativos na busca da felicidade de vários cidadãos. Será que um governo deve favore- cer a ideia de felicidade compartilhada pela maioria? Ou, então, será que deve apoiar a felicidade que teria uma mais "nobre" inspiração moral? Antes de responder, considere: os governos totalitários (laicos ou religio- sos) sempre "sabem" qual é a felicidade "certa" para seus sujeitos. Juram que eles querem o bem dos cidadãos e garantem a felicidade como um di- reito social - claro, é a mesma felicidade para todos. É isso que você quer? Enfim, introduzir na Constituição Federal a busca da felicidade como direito do indivíduo, aquém e acima de todos os direitos sociais, é um gesto de liberdade, quase um ato de resistência (CALLIGARIS, 2010). –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Podemos concluir que a busca da felicidade abrange os direi- tos sociais garantidos, no Brasil, pela constituição; contudo, ser fe- liz implica na satisfação de outras necessidades que podem variar de pessoa a pessoa! À parte da discussão acerca da inserção ou não da busca da felicidade na constituição brasileira, retomemos a linha de pensa- mento de Antonio Candido, que questiona: Elas [as pessoas] afirmam que o próximo tem direito, sem dúvida, a certos bens fundamentais [...]. Mas será que pensam que o seu se- melhante pobre teria direito a ler Dostoievski ou ouvir os quartetos de Beethoven? (CAnDiDO, 1995, p. 239). © Metodologia do Ensino: Literatura42 Para justificar sua argumentação, Candido recorre aos con- ceitos de "bens compressíveis" e "bens incompressíveis", do soció- logo francês, padre Louis-Joseph Lebret. Novamente o dicionário nos auxilia nessa distinção: "com- pressível" é aquilo que pode ser comprimido, concentrado, reduzi- do (de volume) (HOUAiSS, 2009). incompressível, por extensão, é aquilo que não pode ser reduzido. Lebret classifica como incompressíveis aqueles bens essen- ciais, garantidos no texto constitucional – saúde, trabalho, educa- ção, alimentação, moradia etc. Bens compressíveis, por sua vez, são aqueles que podem ser diminuído ou até mesmo suprimido: cosméticos, perfumes, roupas e brinquedos extras etc. Candido, porém, lembra que a fronteira entre essas duas ca- tegorias nem sempre é fácil de delimitar, pois "[...] o valor de uma coisa depende em grande parte da necessidade relativa que temos dela." (CAnDiDO, 2009, p. 240). O fato é que os critérios de incompressibilidade são variá- veis, e mudam de uma cultura para outra e de uma época para outra. Experimente questionar pessoas que se distanciem de você por uma ou duas gerações sobre quais são, para elas, os bens in- dispensáveis para a vida e você certamente obterá respostas di- ferentes das que você daria a essa mesma pergunta. Pessoas de classes economicamente distintas podem ter também respostas divergentes para essa pergunta. Candido defende a posição de que os bens incompressíveis incluem os bens que favorecem não apenas a existência corporal, mas também a integridade espiritual do homem: [...] são bens incompressíveis não apenas os que asseguram sobre- vivência física em níveis decentes, mas os que garantem a integri- dade espiritual. São incompressível certamente a alimentação, a moradia, o vestuário, a instrução, a saúde, a liberdade individual, o amparo da justiça pública, a resistência à opressão etc.; e também o direito à crença, à opinião, ao lazer e, por que não, à arte e à literatura. 43 Claretiano - Centro Universitário © U1 – Literatura e Direitos Humanos Mas a fruição da arte e da literatura estaria mesmo nesta catego- ria? Como noutros casos, a resposta só pode ser dada se puder- mos responder a uma questão prévia, isto é, elas só poderão ser consideradas bens incompressíveis segundo uma organização justa da sociedade se corresponderem a necessidades profundas do ser humano, a necessidades que não podem deixar de ser satisfeitas sob pena de desorganização pessoal, ou pelo menos de frustração mutiladora. A nossa questão básica, portanto, é saber se a literatu- ra é uma necessidade deste tipo (CAnDiDO, 1995, p. 241). Você pode ter achado estranho incluir a literatura entre os direitos humanos. Continuaremos seguindo o pensamento do crí- tico, mas, antes, precisamos entender o que é que ele está cha- mando de literatura! 6. LITERATURA, "SONHO ACORDADO DAS CIVILIZA- ÇÕES" Antonio Candido dá uma definição bastante abrangente do que seja literatura. Para ele, literatura compreende: [...] todas as criações de toque poético, ficcional ou dramático em todos os níveis de uma sociedade, em todos os tipos de cultura, desde o que chamamos folclore, lenda, chiste, até as formas mais complexas e difíceis da produção escrita das grandes civilizações (CAnDiDO, 1995, p. 242). Observe que essa definição ampla de literatura considera como tal também as criações populares, da oralidade: desde que tenham um "toque poético, ficcional ou dramático". Candido alu- de, nessa definição, aos três gêneros literários clássicos: a poesia, a ficção e o drama, que estão presentes também nas formas mais populares de criação com palavras. Candido afirma que todos os povos sempre produziram lite- ratura – entendida dessa forma ampla. "Não há povo e não há ho- mem que possa viver sem
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