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EA D A Literatura na Legislação Educacional 4 1. OBJETIVOS • Conhecer a legislação educacional no que diz respeito ao ensino da literatura. • Perceber as mudanças de sentido que foram historica- mente sendo atribuídas aos estudos literários na educa- ção básica. • Utilizar os indicadores nacionais como parâmetros para o trabalho com o texto literário na sala de aula. 2. CONTEÚDOS • O desenvolvimento dos estudos literários na legislação educacional. • A literatura nos Parâmetros Curriculares Nacionais. © Metodologia do Ensino: Literatura104 3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE 1) Na bibliografia indicada e comentada ao final desta unidade, você encontrará indicações importantes para complementar seu estudo sobre os temas que nela tra- balharemos. Sua leitura pode servir de estímulo para discussões com seus colegas e com seu tutor. 2) Nesta unidade, o estudo das políticas educacionais para o ensino da literatura será acompanhado pelas reflexões de William Roberto Cereja, cuja biografia vale a pena conhecer. William Roberto Cereja William Roberto Cereja é um nome bastante conhecido dentre os autores de livros didáticos para o ensino de língua portuguesa. O autor possui graduação em Linguís- tica e Português pela Universidade de São Paulo (1979). É Mestre em Letras (Teoria Literária e Literatura Comparada) pela Universidade de São Paulo desde 1994; nes- sa ocasião, trabalhou com a prosa de ficção de Jorge de Lima. Em 2004, obteve seu Doutorado em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem pela Pontifícia Univer- sidade Católica de São Paulo, desenvolvendo pesquisa sobre a literatura no ensino médio. Com experiência docente de mais de 20 anos, Cereja tem mais de dez obras didáticas que circulam no mercado editorial, com reedições constantes. Destacamos a obra Gramática: texto, reflexão e uso (1998), em coautoria com Teresa Cochar Magalhães, que lhe rendeu o Prêmio Jabuti de 1999, na categoria "Didático de 1º. e 2º. grau". As reflexões feitas em sua tese de doutorado deram origem ao volume intitulado Ensino de literatura: uma proposta dialógica para o trabalho com literatura (2005), cujas reflexões abordaremos nesta unidade. 4. INTRODUÇÃO À UNIDADE Na unidade anterior, refletimos sobre os livros didáticos para o ensino de língua e literaturas de língua portuguesa; abordamos também o processo de didatização dos textos. Outro tópico do qual tratamos foi a presença dos paradidáticos na escola e a con- tribuição que estes podem dar ao ensino, principalmente no que diz respeito à interdisciplinaridade. Nesta unidade, abordaremos o ensino de literatura do ponto de vista das legislações educacionais do Brasil. Para isso, tomare- mos uma perspectiva histórica, apresentando os modos como a literatura vem sendo concebida pela legislação ao longo do tempo, e as mudanças inerentes às transformações ocorridas. 105 Claretiano - Centro Universitário © U4 – A Literatura na Legislação Educacional 5. PERÍODO COLONIAL (1500 – 1821) Desde o "descobrimento" do Brasil até o século 19, os es- tudos literários sempre tiveram um lugar de destaque no ensino escolar. Eles integravam o modelo humanista de educação, que foi trazido ao Brasil pelos jesuítas. Do ponto de vista pedagógico, compreende-se o modelo humanis- ta de educação como aquele que se volta para a formação integral do ser humano, isto é, para a aquisição de uma cultura geral ou universal, que é ou pode ser comum a todos. Com disciplinas como latim, grego, artes, letras, além de gramática, retórica e poética, a educação humanista se opõe ao modelo de educação que se volta para a preparação profissional ou para o exercício de tarefas espe- cializadas (CEREJA, 2005, p. 90). Esse modelo, de origem europeia, vigorou na educação bra- sileira até 1759, quando da expulsão dos jesuítas. A principal críti- ca a ele é o fato de que não contemplava as particularidades dos estudantes nascidos no Brasil e das culturas das quais provinham (indígena, portuguesa ou ambas) (CEREJA, 2005, p. 90). Segundo Bello (1998), Todas as escolas jesuítas eram regulamentadas por um documen- to, escrito por Inácio de Loiola, o Ratio atque Instituto Studiorum, chamado abreviadamente de Ratio Studiorum. Os jesuítas não se limitaram ao ensino das primeiras letras; além do curso elementar eles mantinham os cursos de Letras e Filosofia, considerados se- cundários, e o curso de Teologia e Ciências Sagradas, de nível supe- rior, para formação de sacerdotes. No curso de Letras estudava-se Gramática Latina, Humanidades e Retórica; e no curso de Filosofia estudava·se Lógica, Metafísica, Moral, Matemática e Ciências Físi- cas e Naturais. Como você pode notar, o ensino das Letras existia no Brasil desde o período colonial e foi mantido pelos jesuítas até meados do século 18. A expulsão dos jesuítas de Portugal e de suas colônias, por deci- são do Marquês de Pombal (primeiro-ministro de Portugal de 1750 a 1777), é seguida pelo fechamento de suas escolas. No Brasil, à época, contava-se com dezessete colégios e trinta e seis missões, além de © Metodologia do Ensino: Literatura106 escolas de ensino elementar em todas as cidades onde a Companhia de Jesus esteve presente. A desmobilização desse sistema deixou um vácuo que a política pombalina não conseguiu preencher. Em substituição ao ensino jesuítico, Pombal instituiu as aulas régias de Latim, Grego e Retórica. Os professores eram improvi- sados e mal remunerados, e nomeados por indicação dos bispos. Segundo Bello (1998), as mudanças pombalinas reduziram a educação no Brasil a quase nada, exceto pela criação, no Rio de Janeiro, de um curso de estudos literários, em julho de 1776. Trata- -se do primeiro do gênero na história do país. Com a vinda da família real para o Brasil, em 1808, a educa- ção brasileira ganha novo impulso, com a criação de uma escola de educação, no Rio de Janeiro, na qual se ensinavam as línguas por- tuguesa e francesa, Retórica, Aritmética, Desenho e Pintura. Além desta, foram criadas também as Academias da Marinha e Militar, a Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios; inaugura-se a Biblioteca Nacional e o Museu Nacional no Rio de Janeiro. 6. BRASIL IMPÉRIO (1822 – 1888) Após a independência do Brasil, foi promulgada nossa pri- meira Constituição, em 1924, que garantia instrução primária gra- tuita a todos os cidadãos; em 1827, outra lei imperial manda que sejam criadas escolas de primeiras letras em todas as cidades e vilas mais populosas: Os professores ensinarão a ler, escrever, as quatro operações de aritmética, prática de quebrados, decimais e proporções, as noções mais gerais de geometria prática, a gramática de língua nacional, e os princípios de moral cristã e da doutrina da religião católica e apostólica romana, proporcionados à compreensão dos meninos; preferindo para as leituras a Constituição do Império e a História do Brasil (LEI, 1827). O objetivo do ensino da leitura era, então, voltado para o conhecimento das leis e da história do país. 107 Claretiano - Centro Universitário © U4 – A Literatura na Legislação Educacional Segundo Cereja, porém, essa lei não era cumprida, e a edu- cação ficava "nas mãos do [...] 'econômico e eficiente' método Lancaster, que consistia em atribuir aos alunos 'mais inteligentes' a tarefa de ensinar seus conhecimentos aos colegas" (2005, p. 90). A primeira tentativa de organização do ensino geral no país ocorreu, segundo Cereja (2005), com a criação do Colégio Pedro II – uma espécie de escola modelo para as demais. Era uma esco- la voltada para o ensino humanista, para as elites brasileiras; sua orientação era baseada nos modelos educacionais da Europa, sem que implicasse em quaisquer contextualizações o fatode o Colégio ter suas raízes em solo brasileiro. Ao analisar os programas de ensino da época do Império, cujo programa escolar tinha a duração de sete anos, William Cere- ja indica os seguintes marcos: • 1858-1859 – inicia-se o estudo de Poética no 7º. ano do Colégio; • 1860-1861: a Poética passa a ser ensinada no 6º. ano; • 1862-1869: introduz-se o ensino de Literatura Nacional no 7º. ano; • 1870-1876: passa-se a estudar, no último ano, História da Literatu- ra – geral e também portuguesa e nacional (CEREJA, 2005, p. 92ss). A partir daí e até 1900, disciplinas como Literatura, Literatu- ra Nacional, Literatura Geral e História Literária passam a compor os currículos escolares, com algumas variações, a partir do 6º. ano. Os programas oficiais de ensino dos dois últimos anos de es- colarização demonstram uma presença maciça da literatura, que compreendia Literatura, História da Literatura Portuguesa e Histó- ria da Literatura Brasileira. Quanto à Literatura, Cereja explica que [...] os conteúdos dessa parte do programa eram a principais ma- nifestações da literatura ocidental. Começavam pelas literaturas bíblica, grega e latina, e, posteriormente, enfocavam as principais produções das literaturas francesa, espanhola, italiana, inglesa e alemã dos séculos XII a XIX (CEREJA, 2005, p. 95). © Metodologia do Ensino: Literatura108 Como você pode observar, o conteúdo de literatura geral nos currículos oficiais era bem amplo, englobando também as princi- pais produções literárias da Europa, às quais as literaturas portu- guesa e, por extensão, brasileira, são devedoras. O currículo de História da Literatura Portuguesa incluía o re- sumo da história da Língua Portuguesa e a divisão da história da literatura portuguesa em seis épocas distintas: séculos 12 a 14, sé- culo 15, século 16, século 17, século 18 e século 19 (CEREJA, 2005, p. 96). A História da Literatura Brasileira abrangia o caráter da lite- ratura brasileira e sua divisão em três épocas: do século 16 ao 17, século 18 e século 19 (Idem, ibidem). William Cereja lembra que o estudo da literatura por meio de sua divisão em períodos, como se fazia no século 19, assemelha- -se ao ensino de literatura praticado no Brasil a partir dos anos 70: Entre as semelhanças, nota-se primeiramente a ênfase na visão pa- norâmica da literatura, enfocando-se os cânones da tradição literá- ria. Além disso, a produção de cada país era organizada em épocas, assim como hoje é organizada em estilos de época ou movimentos literários. Por último, também há semelhança na divisão dos perío- dos literários. Comparemos a organização dada à literatura portu- guesa com a periodização mais comum encontrada nos manuais de literatura do final do século XX (CEREJA, 2005, p. 158). Para que você entenda melhor essa parte histórica, a compa- ração que Cereja faz é a seguinte: Quadro 1 Ensino de Literatura Portuguesa. Século 19 Final do Século 20 1ª. época séculos 12-14 Trovadorismo séculos 12-14 2ª. época século 15 Humanismo século 15 3ª. época século 16 Classicismo século 16 4ª. época século 17 Barroco século 17 5ª. época século 18 Arcadismo século 18 6ª. época século 19 Romantismo século 19 Fonte: adaptado de Cereja (2005, p. 158). 109 Claretiano - Centro Universitário © U4 – A Literatura na Legislação Educacional O ensino de literatura brasileira que se pratica hoje também se assemelha com aquele que se praticava no Brasil imperial: Quadro 2 Ensino de Literatura Brasileira. Século 19 Final do Século 20 1ª. época séculos 16-17 Quinhentismo século 16 Barroco século 17 2ª. época século 18 Arcadismo século 18 3ª. época século 19 Romantismo século 19 Fonte: adaptado de Cereja ( 2005, p. 158-163). A diferença na nomenclatura das épocas se deve ao fato de que, à altura do século 19, ainda não se tinha um distanciamento crítico suficiente que permitisse olhar a literatura enxergando cada época conforme os estilos que nela predominavam. Esse estudo foi desenvolvido somente mais tarde, no século 20. 7. PRIMEIRA E SEGUNDA REPÚBLICAS (1889-1936) Com a proclamação da República, em 1889, quem assume o Ministério da Instrução Pública, Correios e Telégrafos é o militar, engenheiro e professor Benjamin Constant, que propõe, em 1890, uma reforma educacional que recebe seu nome: A Reforma de Benjamin Constant tinha como princípios orien- tadores a liberdade e laicidade do ensino, como também a gra- tuidade da escola primária. Estes princípios seguiam a orien- tação do que estava estipulado na Constituição brasileira. Uma das intenções desta Reforma era transformar o ensino em formador de alunos para os cursos superiores e não apenas prepa- rador. Outra intenção era substituir a predominância literária pela científica. Esta Reforma foi bastante criticada: pelos positivistas, já que não respeitava os princípios pedagógicos de Comte; pelos que defen- diam a predominância literária, já que o que ocorreu foi o acrésci- mo de matérias científicas às tradicionais, tornando o ensino enci- clopédico (BELLO, 1998). Aos poucos, o ensino da literatura vai sendo restringido em função da ampliação dos estudos científicos. A orientação educa- © Metodologia do Ensino: Literatura110 cional brasileira caminha rumo ao pragmatismo que a domina na atualidade, distanciando-se progressivamente de seu caráter hu- manista. Outro gesto importante do início do século 20 para o ensino de literatura foi a promulgação do Decreto 8.660, de 5 de abril de 1991. Segundo Cereja (2005, p. 103), esse decreto substituiu as disciplinas de Lógica e Literatura para dar lugar às de Higiene e Instrução Cívica. A literatura só voltaria a ser estudada nos bancos escolares em 1925, mediante outra reforma, a do Ministro João Luís Alves, que trouxe de volta ao ensino secundário a Literatura Brasileira (CEREJA, 2005, p. 166). Durante o advento da chamada Segunda República (1930 a 1936), não houve alterações legais significativas que introduzis- sem mudanças no panorama do ensino da literatura no Brasil. No período entre 1937 e 1945, com o advento do Estado Novo, houve no Brasil eventos importantes na área da educação, tais como a criação do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP), a fundação da União Nacional dos Estudantes (UNE) e a reforma do ensino secundário – conhecida como Reforma Capane- ma - que estabeleceu, segundo Menezes e Santos (2002), uma cor- respondência entre os sistema educacional e a divisão econômico- -social do trabalho, isto é, a cada parcela da sociedade caberia um tipo diverso de educação, de acordo com suas necessidades. Essa mesma reforma instituiu o ensino de português para todas as sé- ries (CEREJA, 2005, p. 103). No campo do ensino da literatura, este foi um período sem grandes avanços (ou retrocessos). No ano de 1943, porém, uma Portaria ministerial expandiu o programa de Português nos cursos Clássico e Científico do ensino secundário (CEREJA, 2005, p. 166). O Professor William Cereja faz um balanço do desenvolvi- mento histórico do ensino da literatura no país nesse período: 111 Claretiano - Centro Universitário © U4 – A Literatura na Legislação Educacional Como se pode notar nesse rápido painel do ensino de literatura de meados do século XIX a meados do século XX, os conteúdos de história da literatura firmaram-se nos programas escolares desde 1858, tornando-se disciplina escolar a partir de 1870. Desde então, como as demais disciplinas, a história da literatura esteve sujeita a diferentes influências, como as das reformas de ensino empreendi- das pelo Estado e a dos materiais didáticos adotados. Com períodos de valorização e expansão, ou de retração ou exclusão do programa escolar,a historiografia literária consolidou-se e legitimou-se como conteúdo, como disciplina e como prática de ensino de literatura por excelência. Qualquer proposta de ensino que enseje quebrar esse paradigma encontrará, com certeza, muitas dificuldades e re- sistências por parte dos professores (CEREJA, 2005, p. 166). 8. LDB N. 4024 (1961) E LDB N. 5692 (1971) Ainda no final do período da Nova República, tivemos a pro- mulgação, aos 20 de dezembro de 1961, da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB): a Lei 4.024. Embora significasse um avanço no sentido da organização dos sistemas educacionais bra- sileiros da época, essa lei não mencionava nada especificamente liga- do ao ensino de literatura e língua portuguesa, exceto o fato de que é nessa língua que seria ministrado o ensino no Brasil (BRASIL, 1961). Essa LDB vigorou até 1971, quando foi substituída pela nova LDB, n. 5.692, que estabelecia atenção especial para o ensino de língua portuguesa tanto no 1º. como no 2º. grau (equivalentes, hoje, respectivamente, aos ensinos fundamental e médio). Veja- mos o que dizia seu Artigo 4º.: § 2º No ensino de 1º e 2º graus dar-se-á especial relevo ao estudo da língua nacional, como instrumento de comunicação e como ex- pressão da cultura brasileira (BRASIL, 1971). Embora a lei trate apenas do ensino da língua portuguesa, o ensino de literatura encontra-se subentendido dentro da expres- são "cultura brasileira", da qual a língua é expressão. A língua portuguesa e a literatura passam a integrar um nú- cleo de estudos definido como "Comunicação e Expressão", cujo © Metodologia do Ensino: Literatura112 ensino, segundo a Resolução n. 8, de 01 de dezembro de 1971, em seu Artigo 3º, visaria: a) Em Comunicação e expressão, ao cultivo de linguagens que ensejem ao aluno o contacto coerente com os seus semelhantes e a manifesta- ção harmônica de sua personalidade, nos aspectos físico, psíquico e espiritual, ressaltando-se a Língua Portuguesa como expressão da Cul- tura Brasileira (CONSELHO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, 1971). O desenvolvimento dessa disciplina, segundo a mesma re- solução, se daria como Comunicação e Expressão até no máximo a 5ª. série; no 2º. grau, seria desdobrado em Língua Portuguesa e Literatura Brasileira. William Cereja comenta: [...] a menção feita a "Língua Portuguesa e Literatura Brasileira", de modo desdobrado, evidencia uma dicotomia entre língua (gramáti- ca) e literatura e exclui indiretamente a literatura portuguesa. Essa dicotomia [...] legitimou e acentuou a tendência existente nas esco- las durante a década de 1970, marcada pelo espírito tecnicista, de dividir conteúdos e professores de uma mesma disciplina, a fim de "especializar" (e inevitavelmente fragmentar) ainda mais o ensino. Assim, em Língua Portuguesa, por exemplo, surgiram os professores de gramática, os de literatura e os de redação, muitos deles com ma- teriais didáticos e avaliações específicos. Em outras disciplinas não foi diferente. [...] As pressões do exame vestibular e as aulas dos cursi- nhos, que dividem cada uma das disciplinas em várias "frentes", [...] acentuam ainda mais a fragmentação dos conhecimentos e o enfo- que tecnicista do ensino (CEREJA, 2005, p. 170-171). Embora a legislação não sinalize especificamente o ensino de Literatura Portuguesa, ele esteve sempre presente nos currículos, geralmente antecedendo o ensino da Literatura Brasileira e depois acompanhando-a, embora de modo mais restrito, isto é, abrangendo um nú- mero de autores e obras significativamente menor. Isto vale para a perspectiva historicista do ensino da literatura, ou seja, para aquela em que a literatura fica subordinada à historiografia literária. Vale lembrar, ainda, com relação ao comentário do Prof. Cereja, que a divisão do ensino de Língua Portuguesa em Língua, Literatura e Produção de Textos se mantém não somente nos cur- sinhos pré-vestibulares, mas nos colégios de grande porte, da rede particular. No ensino público do estado de São Paulo, essa realida- 113 Claretiano - Centro Universitário © U4 – A Literatura na Legislação Educacional de é diferente: o aluno conta ainda com o professor "generalista" de Língua Portuguesa, que integra em sua atividade tanto o ensino da língua pátria, como da literatura e da produção de textos. Cereja aponta ainda outro documento relevante, ainda sob os auspícios da LDB 5.692/71, para o ensino da literatura. Trata-se do Pare- cer n. 853/71, de 11 de novembro de 1971. Segundo o autor, esse docu- mento deixa explícito que a formação profissionalizante deve predomi- nar sobre a formação geral. Nele, o papel da literatura é assim indicado: Ao lado de sua função instrumental, o ensino de Língua Portuguesa há de revestir [...] um indispensável sentido de "expressão da Cultu- ra Brasileira". As situações criadas e os textos escolhidos para leitu- ra, em articulação com as outras matérias, devem conduzir a uma compreensão e apreciação da nossa História, da nossa Literatura, da Civilização que vimos construindo e dos nossos valores mais típicos. Isto, evidentemente, não há de conduzir a exclusivismos estreitos. Assim como a nossa História é parte da História Universal, a Literatu- ra Brasileira não poderá ser estudada com abstração de suas raízes portuguesas e sem inserir-se no complexo cultural europeu de que se origina. Seja como for, é preciso não esquecer que "atrás de uma língua há um país, nesse país existem homens, e o que se pretende é conduzir a eles (M. Laloum) (MEC apud CEREJA, 2005, p. 109-110). A literatura portuguesa fica, assim, inserida como "raiz" da brasileira e esta deveria ser ensinada, segundo esse Parecer, como expressão da cultura brasileira, e de seus "valores mais típicos". O ensino da literatura volta-se então não para o texto em si, mas para o contexto social e histórico de sua produção – ele passa a ser entendido como um "documento" da cultura nacional em suas diferentes épocas de desenvolvimento. A apreciação estética da literatura – a poesia pela poesia – fica de fora. 9. LDB N. 9.394 (1996) A LDB n. 9.394, de 1996, traz algumas mudanças significati- vas para a educação nacional. Em primeiro lugar, inclui a educação infantil no sistema da educação básica, juntamente com o ensino fundamental e o ensino médio. © Metodologia do Ensino: Literatura114 A função da educação como instância que prepara para a cidadania e o mundo do trabalho é afirmada nas finalidades gerais da educação (Capítulo II, Artigo 22): A educação básica tem por finalidades desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em es- tudos posteriores (BRASIL, 1996). Quanto aos currículos, a LDB em vigor determina o seguinte: Art. 26. Os currículos do ensino fundamental e médio devem ter uma base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cul- tura, da economia e da clientela. § 1º Os currículos a que se refere o caput devem abranger, obri- gatoriamente, o estudo da língua portuguesa e da matemática, o conhecimento do mundo físico e natural e da realidade social e po- lítica, especialmente do Brasil. Uma abertura desta Lei é a possibilidade de os currículos con- templarem uma parte diversificada, que pode ser estabelecida con- forme as características e interesses da comunidade escolar. Isso sig- nifica que em uma escola situada, por exemplo, no Mato Grosso do Sul, podemos ensinar, além das obras literárias costumeiramente in- seridas nos programas de literatura, a literatura sul-mato-grossense. Na sequência, o Artigo 26 estabelece algumas indicações re- ferentes ao ensinode História, Arte, Educação Física e língua es- trangeira. Uma lei complementar, a n. 10.639, de 9 de janeiro de 2003, inclui na educação básica, nos níveis fundamental e médio, o estudo da História e Cultura Afro-Brasileira: Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira. § 1o O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil. 115 Claretiano - Centro Universitário © U4 – A Literatura na Legislação Educacional § 2o Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira se- rão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras (BRASIL, 2003). Dois anos depois, a Lei n. 11.645 alterou a Lei n. 10.639, tor- nando obrigatório também o ensino sobre História e Cultura indígena. Essas leis implicam-se diretamente no ensino de literatura, uma vez que a literatura é uma produção cultural, e que por meio dela podemos conhecer mais a cultura brasileira, então os itens de ensino obrigatório, referentes às culturas africanas, afro-brasi- leiras e indígenas, concernem também aos estudos literários, uma vez que há um corpus já estabelecido para as literaturas africanas de língua portuguesa, afro-brasileiras ou negro-brasileiras e, com menor visibilidade, indígenas. Para saber mais! Os estudos sobre as literaturas africanas de língua portuguesa têm se desenvolvido muito no território nacional. Se você precisa de uma boa referência a respeito dessas literaturas, consulte a Co- leção Literaturas de Língua Portuguesa, da editora Arte & Ciência. Trata-se de uma coleção selecionada por um concurso do Progra- ma de Ação Cultural (PAC), da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, a fim de divulgar parte do conhecimento que se tem construído sobre essas literaturas. A coleção traz três volumes que abordam literaturas africanas de língua portuguesa: um volume é dedicado a Angola (MACÊDO; CHAVES, 2008); outro, à produção literária de Moçambique (MACÊDO; MAQUEA, 2008); e outro, ain- da, aborda a literatura cabo-verdiana (SANTILLI, 2008). Quanto à produção literária brasileira feita por afrodescendentes, vale a pena conferir a obra Literatura negro-brasileira, de Cuti (2010), que trata de como a literatura brasileira tem contemplado as vivências dos afrodescendentes no Brasil. E, por fim, com relação à literatura indígena, vale a pena consultar o site Estante Virtual – Literatura Indígena, você encontrará obras dos principais autores indígenas do país, entre os quais se des- taca Daniel Munduruku, com uma obra vasta dedicada ao povo infanto-juvenil (mas não só). O autor, que mantém também um site próprio: <http://www.danielmunduruku.com.br/>, costuma visitar escolas divulgando sua obra e a cultura dos índios mundurukus. William Cereja (2005) lembra que a LDB n. 9.394/96 também foi detalhada por vários outros documentos legais: © Metodologia do Ensino: Literatura116 1) parecer n. 5, de 1997; 2) parecer n. 15, de 1998; 3) parecer n. 1, de 1999; 4) resolução n. 3, de 1998; 5) resolução n. 2, de 1999; 6) diretrizes Curriculares para o ensino médio, de 01 de ju- nho de 1998. É ele quem comenta: [...] de acordo com o ponto de vista expresso nesses documentos, o profissional dos novos tempos deve ser qualificado não apenas quanto aos requisitos técnicos, mas também quanto à capacidade de se adaptar a novos contextos sociais e profissionais, de interagir e se comunicar com outras pessoas, de lidar com as tecnologias de ponta e de expressar uma visão democrática, solidária e ética da vida em sociedade (CEREJA, 2005, p. 111). Para orientar a formação dos currículos escolares, foram di- vulgados, em 1997, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs). Vejamos o que eles dizem com relação ao ensino de literatura. 10. OS PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS Os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa (PCNs) dividem-se em duas partes fundamentais: os PCNs para o Ensino Fundamental e os PCNEM, para o Ensino Médio. PCNs – Ensino Fundamental Os PCNs para o Ensino Fundamental trazem, no bojo de orientações mais gerais, os seguintes objetivos para o ensino da língua portuguesa na primeira etapa do Ensino fundamental: As práticas educativas devem ser organizadas de modo a garantir, progressivamente, que os alunos sejam capazes de: • compreender o sentido nas mensagens orais e escritas de que é destinatário direto ou indireto: saber atribuir significado, come- çando a identificar elementos possivelmente relevantes segun- do os propósitos e intenções do autor; 117 Claretiano - Centro Universitário © U4 – A Literatura na Legislação Educacional • ler textos dos gêneros previstos para o ciclo, combinando estra- tégias de decifração com estratégias de seleção, antecipação, inferência e verificação; • utilizar a linguagem oral com eficácia, sabendo adequá-la a in- tenções e situações comunicativas que requeiram conversar num grupo, expressar sentimentos e opiniões, defender pontos de vista, relatar acontecimentos, expor sobre temas estudados; • participar de diferentes situações de comunicação oral, aco- lhendo e considerando as opiniões alheias e respeitando os di- ferentes modos de falar; • produzir textos escritos coesos e coerentes, considerando o lei- tor e o objeto da mensagem, começando a identificar o gênero e o suporte que melhor atendem à intenção comunicativa; • escrever textos dos gêneros previstos para o ciclo, utilizando a escrita alfabética e preocupando-se com a forma ortográfica; • considerar a necessidade das várias versões que a produção do texto escrito requer, empenhando-se em produzi-las com aju- da do professor (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DO DESPORTO, 1997). Como você pode observar, a ênfase está na aquisição da lei- tura, no uso da linguagem oral, na produção de textos escritos. Nessa fase, é proposta a leitura de vários gêneros discursivos, a saber: a) Gêneros adequados para o trabalho com a linguagem oral: • contos (de fadas, de assombração, etc.), mitos e lendas popu- lares; • poemas, canções, quadrinhas, parlendas, adivinhas, trava- -línguas, piadas; • saudações, instruções, relatos; • entrevistas, notícias, anúncios (via rádio e televisão); • seminários, palestras. b) Gêneros adequados para o trabalho com a linguagem escrita: • receitas, instruções de uso, listas; • textos impressos em embalagens, rótulos, calendários; • cartas, bilhetes, postais, cartões (de aniversário, de Natal, etc.), convites, diários (pessoais, da classe, de viagem, etc.); • quadrinhos, textos de jornais, revistas e suplementos infan- tis: títulos, lides, notícias, classificados, etc.; © Metodologia do Ensino: Literatura118 • anúncios, slogans, cartazes, folhetos; • parlendas, canções, poemas, quadrinhas, adivinhas, trava- -línguas, piadas; • contos (de fadas, de assombração, etc.), mitos e lendas po- pulares, folhetos de cordel, fábulas; • textos teatrais; • relatos históricos, textos de enciclopédia, verbetes de di- cionário, textos expositivos de diferentes fontes (fascículos, revistas, livros de consulta, didáticos, etc.) (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DO DESPORTO, 1997). Dentre os gêneros discursivos mencionados, há gêneros literá- rios, tais como contos populares e poemas, indicados para o trabalho com a linguagem oral, e, para o trabalho com a linguagem escrita,os PCNs sugerem também poemas, contos populares e textos teatrais. Para a segunda etapa do Ensino Fundamental, isto é, para as séries finais, os objetivos de ensino da língua portuguesa são os seguintes: As práticas educativas devem ser organizadas de maneira a garan- tir, progressivamente, que os alunos sejam capazes de: • compreender o sentido nas mensagens orais e escritas de que é destinatário direto ou indireto, desenvolvendo sensibilidade para reconhecer a intencionalidade implícita e conteúdos dis- criminatórios ou persuasivos, especialmente nas mensagens veiculadas pelos meios de comunicação; • ler autonomamente diferentes textos dos gêneros previstos para o ciclo, sabendo identificar aqueles que respondem às suas necessidades imediatas e selecionar estratégias adequa- das para abordá-los; • utilizar a linguagem para expressar sentimentos, experiências e idéias, acolhendo, interpretando e considerando os das outras pessoas e respeitando os diferentes modos de falar; • utilizar a linguagem oral com eficácia, começando a adequá-la a intenções e situações comunicativas que requeiram o domí- nio de registros formais, o planejamento prévio do discurso, a coerência na defesa de pontos de vista e na apresentação de ar- gumentos e o uso de procedimentos de negociação de acordos necessários ou possíveis; • produzir textos escritos, coesos e coerentes, dentro dos gêne- ros previstos para o ciclo, ajustados a objetivos e leitores deter- minados; 119 Claretiano - Centro Universitário © U4 – A Literatura na Legislação Educacional • escrever textos com domínio da separação em palavras, esta- bilidade de palavras de ortografia regular e de irregulares mais freqüentes na escrita e utilização de recursos do sistema de pontuação para dividir o texto em frases; • revisar seus próprios textos a partir de uma primeira versão e, com ajuda do professor, redigir as versões necessárias até con- siderá-lo suficientemente bem escrito para o momento (MINIS- TÉRIO DA EDUCAÇÃO E DO DESPORTO, 1997). A ênfase, agora, está na leitura autônoma, no uso da lingua- gem oral para expressar-se, na produção de textos escritos com coesão e coerência. Os gêneros discursivos indicados para o estudo, nesse se- gundo ciclo, são estes: a) Gêneros adequados para o trabalho com a linguagem oral: • contos (de fadas, de assombração, etc.), mitos e lendas po- pulares; • poemas, canções, quadrinhas, parlendas, adivinhas, trava- -línguas, piadas, provérbios; • saudações, instruções, relatos; • entrevistas, debates, notícias, anúncios (via rádio e televisão); • seminários, palestras. b) Gêneros adequados para o trabalho com a linguagem escrita: • cartas (formais e informais), bilhetes, postais, cartões (de aniversário, de Natal, etc.), convites, diários (pessoais, da classe, de viagem, etc.); quadrinhos, textos de jornais, re- vistas e suplementos infantis: títulos, lides, notícias, rese- nhas, classificados, etc.; • anúncios, slogans, cartazes, folhetos; • parlendas, canções, poemas, quadrinhas, adivinhas, trava- -línguas, piadas; • contos (de fadas, de assombração, etc.), mitos e lendas po- pulares, folhetos de cordel, fábulas; • textos teatrais; • relatos históricos, textos de enciclopédia, verbetes de dicio- nário, textos expositivos de diferentes fontes (fascículos, re- vistas, livros de consulta, didáticos, etc.), textos expositivos de outras áreas e textos normativos tais como estatutos, declarações de direitos, etc. (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DO DESPORTO, 1997) © Metodologia do Ensino: Literatura120 Comparativamente aos gêneros discursivos indicados para o trabalho com a linguagem – oral e escrita – para o primeiro ciclo, no que diz respeito à presença de textos literários, quase nada é acrescentado. Você deve estar se perguntando: se o ensino fundamental não trabalha necessariamente com a literatura – a ênfase do tra- balho de formação de leitores está no tratamento dos gêneros elencados anteriormente, com o apoio dos livros paradidáticos – então onde está a literatura? Vejamos o que nos indicam, a esse respeito, os PCNs do En- sino médio – PCNEM. PCNs – Ensino Médio Os PCNs para o Ensino Médio são divididos em três grandes áreas de conhecimento: • linguagens, códigos e suas tecnologias; • ciências da natureza, matemática e suas tecnologias; • ciências humanas e suas tecnologias. A organização das competências em cada área segue a orien- tação da Unesco: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver (relacionar-se) e aprender a ser. A Língua Portuguesa, inserida na primeira grande área men- cionada, é assim descrita: A linguagem é considerada aqui como capacidade humana de arti- cular significados coletivos em sistemas arbitrários de representa- ção, que são compartilhados e que variam de acordo com as neces- sidades e experiências da vida em sociedade. A principal razão de qualquer ato de linguagem é a produção de sentido. Podemos, assim, falar em linguagens que se inter-relacionam nas práticas sociais e na história, fazendo com que a circulação de sen- tidos produza formas sensoriais e cognitivas diferenciadas. Isso en- volve a apropriação demonstrada pelo uso e pela compreensão de sistemas simbólicos sustentados sobre diferentes suportes e de seus instrumentos como instrumentos de organização cognitiva da reali- 121 Claretiano - Centro Universitário © U4 – A Literatura na Legislação Educacional dade e de sua comunicação. Envolve ainda o reconhecimento de que as linguagens verbais, icônicas, corporais, sonoras e formais, dentre outras, se estruturam de forma semelhante sobre um conjunto de elementos (léxico) e de relações (regras) que são significativas: • a prioridade para a Língua Portuguesa, como língua materna geradora de significação e integradora da organização do mun- do e da própria interioridade; • o domínio de língua(s) estrangeira(s) como forma de ampliação de possibilidades de acesso a outras pessoas e a outras culturas e informações; • o uso da informática como meio de informação, comunicação e resolução de problemas, a ser utilizada no conjunto das ativida- des profissionais, lúdicas, de aprendizagem e de gestão pessoal; • as Artes, incluindo-se a literatura, como expressão criadora e geradora de significação de uma linguagem e do uso que se faz dos seus elementos e de suas regras em outras linguagens; • as atividades físicas e desportivas como domínio do corpo e como forma de expressão e comunicação. Importa ressaltar o entendimento de que as linguagens e os códigos são dinâmicos e situados no espaço e no tempo, com as implicações de caráter histórico, sociológico e antropológico que isso representa. É relevante também considerar as relações com as práticas sociais e produtivas e a inserção do aluno como cidadão em um mundo letrado e simbólico. A produção contemporânea é essencialmente simbólica e o convívio social requer o domínio das linguagens como instrumentos de comunicação e negociação de sentidos. No mundo contemporâneo, marcado por um apelo informativo imediato, a reflexão sobre a linguagem e seus sistemas, que se mostram articulados por múltiplos códigos e sobre os processos e procedimentos comunicativos, é, mais do que uma necessidade, uma garantia de participação ativa na vida social, a cidadania dese- jada (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DO DESPORTO, 2000). Observe que a Língua Portuguesa é concebida como instru- mento de comunicação, junto com as demais linguagens (arte, educação física, informática, língua estrangeira). É assim que ela será estudada no ensino médio, e não como um conjunto de re- gras de gramática que os alunos devem memorizar.O ensino médio está organizado sob a forma de competên- cias. Vejamos o que significam competências, essa palavra tão uti- © Metodologia do Ensino: Literatura122 lizada e frequentemente mal compreendida. Segundo Menezes e Santos (2002), competência é: É o conjunto de conhecimentos (saberes), habilidades (saber fazer) e atitudes (saber ser). O conceito de competência na educação passou a ser bastante utilizado a partir da Lei de Diretrizes e Bases (LDB), de 1996, que propõe um currículo escolar do ensino médio que oriente para o desenvolvimento de competências fundamentais ao exercício da cidadania, enfatizando a formação geral para que o aluno, ao terminar essa etapa, possa continuar estudando ou entrar para o mercado de trabalho. O objetivo é que, com o desenvolvimento de competências, os alunos possam assimilar informações e saber utilizá-las em contextos pertinentes. De acordo com o Ministério da Educação (MEC), o conceito de com- petências no qual se baseou a LDB tem como referências básicas a epistemologia genética de Jean Piaget e a linguística de Noam Chomsky. Eles desenvolveram a noção de que "a espécie humana tem a capacidade inata de construir o conhecimento na interação com o mundo; de referenciá-lo e significá-lo social e culturalmente; de mobilizar este conhecimento frente a novas situações de for- ma criativa, reconstruindo no desempenho as possibilidades que as competências, ou os esquemas mentais, ou ainda a gramática interna, permitem potencialmente." Dessa forma, segundo o MEC, as competências são ações e opera- ções que utilizamos para estabelecer relações com e entre objetos, situações, fenômenos e pessoas que desejamos conhecer. São ope- rações mentais estruturadas em rede que mobilizadas permitem a incorporação de novos conhecimentos e sua integração significada a esta rede. As habilidades decorrem das competências adquiridas e referem-se ao plano imediato do saber fazer. Com essas orientações, a prática pedagógica não será a transmis- são dos saberes, mas o processo mesmo de construção, apropria- ção e mobilização destes saberes. A construção de competências depende de conhecimentos significados. A competência implicaria, portanto, numa mudança do papel da escola e, conseqüentemen- te, num novo ofício de professor, cujo objetivo é fazer aprender (MENEZES; SANTOS, 2002). O conceito de competência, como você pode observar, está baseado nos chamados "pilares" da educação, descritos no Rela- tório Jacques Delors (que indicamos a você como leitura comple- mentar da primeira unidade). 123 Claretiano - Centro Universitário © U4 – A Literatura na Legislação Educacional A seguir, você encontra as competências gerais que devem, segundo os PCNs, ser desenvolvidas na área de Língua Portuguesa: Representação e comunicação • Confrontar opiniões e pontos de vista sobre as diferentes mani- festações da linguagem verbal. • Compreender e usar a Língua Portuguesa como língua materna, geradora de significação e integradora da organização do mun- do e da própria identidade. • Aplicar as tecnologias de comunicação e da informação na esco- la, no trabalho e em outros contextos relevantes da vida. Investigação e compreensão • Analisar os recursos expressivos da linguagem verbal, relacio- nando textos/contextos, mediante a natureza, função, orga- nização, estrutura, de acordo com as condições de produção, recepção (intenção, época, local, interlocutores participantes da criação e propagação das idéias e escolhas, tecnologias dis- poníveis). • Recuperar, pelo estudo do texto literário, as formas instituídas de construção do imaginário coletivo, o patrimônio representa- tivo da cultura e as classificações preservadas e divulgadas, no eixo temporal e espacial. • Articular as redes de diferenças e semelhanças entre a língua oral e escrita e seus códigos sociais, contextuais e lingüísticos. Contextualização sociocultural • Considerar a Língua Portuguesa como fonte de legitimação de acordos e condutas sociais e como representação simbólica de experiências humanas manifestas nas formas de sentir, pensar e agir na vida social. • Entender os impactos das tecnologias da comunicação, em es- pecial da língua escrita, na vida, nos processos de produção, no desenvolvimento do conhecimento e na vida social (MINISTÉ- RIO DA EDUCAÇÃO E DO DESPORTO, 2000). Compreender, analisar, confrontar, utilizar-se, conhecer, apli- car, entender: tratam-se de objetivos que abrangem tanto conhe- cimentos quanto habilidades e valores. © Metodologia do Ensino: Literatura124 Para sua surpresa, os PCNs, nas orientações específicas para a Língua Portuguesa, não dão ênfase ao ensino da literatura – o ensino da literatura está subordinado à formação de competên- cias na área da linguagem e não é mais entendido como um com- ponente curricular autônomo. Os próprios autores do documento explicitam isso: Ao ler este texto, muitos educadores poderão perguntar onde está a literatura, a gramática, a produção do texto escrito, as normas. Os conteúdos tradicionais foram incorporados por uma perspectiva maior, que é a linguagem, entendida como um espaço dialógico, em que os locutores se comunicam. Nesse sentido, todo conteúdo tem seu espaço de estudo, desde que possa colaborar para a obje- tivação das competências em questão. O ponto de vista, qualquer que seja, é um texto entre textos e será recriado em outro texto, objetivando a socialização das formas de pensar, agir e sentir, a necessidade de compreender a linguagem como parte do conhecimento de si próprio e da cultura e a respon- sabilidade ética e estética do uso social da língua materna (MINIS- TÉRIO DA EDUCAÇÃO E DO DESPORTO, 2000). A literatura, portanto, é entendida como um conjunto de textos que se relacionam entre si, cujo estudo tem o objetivo de contribuir para o conhecimento cultural do povo brasileiro. Pode ser que você, que provavelmente foi educado dentro de um sistema mais tradicional, tenha dificuldades de entender essa nova forma de estudar a literatura. É por isso que ela en- contra tanta resistência junto aos estudiosos da área; muitos en- tendem, mesmo, que a literatura desapareceu dos PCNs e ficou diluída no estudo das linguagens, perdendo sua característica própria. Muito embora as orientações curriculares oficiais sejam es- sas, o fato é que os exames de ingresso ao ensino superior conti- nuam exigindo, na sua maioria, uma lista de obras literárias de lei- tura obrigatória (diferente para casa instituição) e conhecimentos que deem conta de contextualizar a produção literária na história da literatura brasileira. 125 Claretiano - Centro Universitário © U4 – A Literatura na Legislação Educacional O professor do ensino médio precisa, então, dar conta tan- to das orientações nacionais, quanto da demanda do mercado: a eficácia do ensino médio de uma escola é frequentemente medida pela quantidade de alunos que consegue aprovar no vestibular – ou, mais contemporaneamente, pela nota que seus alunos obtêm no Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM. Estes, vale obser- var, tratam a literatura de forma próxima ao que indicam os PCNs, indicando, pelo menos nesse aspecto, uma consonância entre a política educacional e as formas de avaliação. 11. TEXTOS COMPLEMENTARES Para saber mais sobre como o ensino da literatura compare- ce na legislação educacional, leia os seguintes textos: • MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DO DESPORTO. Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio. Brasília: Ministério da Educação e do Desporto/Secretaria da Educação Mé- dia e Tecnológica, 2000. Disponível em: <http://portal. mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/blegais.pdf>. Acesso em: 16 ago. 2010. • MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DO DESPORTO.Parâmetros curriculares nacionais: Ensino Fundamental. Brasília: Mi- nistério da Educação e do Desporto/Secretaria do Ensino Fundamental, 1997. Disponível em: <http://www.zinder. com.br/legislacao/pcn-fund.htm#Portug>. Acesso em: 14 ago. 2010. Os PCNs do Ensino Fundamental e Médio trazem uma im- portante base de reflexões que ajudarão você a entender de forma mais completa o que o Brasil espera de seus professores de Língua Portuguesa. Vale a pena lê-los na íntegra, pois são os documentos mais importantes da área, que orientam a composição dos currí- culos em todas as escolas. © Metodologia do Ensino: Literatura126 12. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS As questões que se seguem são autoavaliativas, isto é, ser- vem para que você possa aferir sua compreensão daquilo que foi estudado nesta unidade. Lembre-se de que as dificuldades nor- malmente podem ser resolvidas com uma revisitação à própria unidade; se persistirem dúvidas, procure seu tutor. 1) No início da unidade, afirmáramos que "Desde o ‘descobrimento’ do Brasil até o século 19, os estudos literários sempre tiveram um lugar de destaque no ensino escolar. Eles integravam o modelo humanista de educação, que foi trazido ao Brasil pelos jesuítas." Agora, depois de ler a unidade na íntegra, e de acompanhar as transformações pelas quais passou o ensino da literatura na história da educação brasileira, diga o que mudou, no século 20, na con- cepção de como devem ser os estudos literários no currículo escolar. 2) No período imperial, os estudos literários aproximavam-se do estudo que hoje entendemos como mais tradicional na literatura, ou seja, do estudo dos períodos literários. Esse modelo difere das atuais concepções de ensino da literatura, conforme os PCNs em vigor. Qual é a diferença fundamental que se estabeleceu no ensino de então e no que está nos indicadores legais? Justifique, tendo em vista o conceito de competências, que norteia os cur- rículos atuais. 3) Em seu texto "A literatura no ensino médio: um modo de ver e usar", José Luís Jobim afirma: Nossa proposta para o ensino de literatura é, também, de um curso que possibilite ao aluno refletir sobre sua vida e o contexto em que se insere, a partir da discussão e da problematização de temas que lhe dizem respeito. [...] Sabemos que o aluno é, concomitantemente, elo transmissor e re- ceptor em uma cadeia significativa contínua. Quando um texto se apresenta ao aluno, não se apresenta diante de um receptor pas- sivo e isolado, nem esse texto é, ele próprio, um elemento isola- do: é contextualizado, inserido em múltiplos sistemas significativos (2009, p. 123). Procure identificar, a partir do que estudamos nesta unidade, qual a orienta- ção seguida pela proposta de Jobim para o trabalho com a literatura no ensino médio. 127 Claretiano - Centro Universitário © U4 – A Literatura na Legislação Educacional 4) Observe o seguinte comentário: Nos dias de hoje, os professores e autores didáticos, com frequên- cia impressionante, tendem a sublinhar o aspecto "ficcional" da literatura, sendo "ficção" aí entendida, lamentavelmente, apenas como "fingimento", "irrealidade" etc. [...] cabe dizer que, na estei- ra dessa tendência à desvalorização do ficcional, ocorre também a negação da socialidade da literatura, como se esta arte fosse ape- nas um mero jogo verbal, independente do contexto social (JOBIM, 2009, p. 125). Neste fragmento, o autor contrapõe duas formas de entender a literatura: pri- meiro, como jogo de palavras artisticamente ordenadas; depois, como objeto socialmente constituído. Segundo a legislação atualmente em vigor, qual das duas formas de conceber a literatura é mais adequada? 5) Você deve ter notado que os PCNs trouxeram grandes mudanças nas orien- tações para os estudos literários. Como você avalia essas transformações? 13. CONSIDERAÇÕES FINAIS Nesta disciplina, você teve a oportunidade de refletir sobre o ensino da literatura e algumas questões implicadas nessa ativi- dade. As propostas aqui feitas foram baseadas nas experiências de educadores que têm a preocupação de formar cidadãos livres e responsáveis, que possam colaborar de maneira ativa na constru- ção de um Brasil melhor. Nesse sentido, a leitura literária torna-se um excelente instrumento de formação. É preciso, porém, que o professor seja, antes de tudo, um leitor; só assim conseguiremos formar um país de leitores competentes – leitores de livros e de mundo. Conhecer a literatura é, assim, mais do que entrar em contato com nosso patrimônio cultural: é abrir a inteligência e a sensibilidade para pensar e recriar o mundo! 14. E-REFERÊNCIAS BELLO, José Luiz de Paiva. História da educação no Brasil. Rio de Janeiro, 1998. Disponível em: <http://www.pedagogiaemfoco.pro.br/heb01.htm>. Acesso em: 30 jul. 2010. BRASIL. Lei n. 4.024, de 20 de dezembro de 1961. Fixa as diretrizes e bases da educação nacional. Disponível em: <http://www.histedbr.fae.unicamp.br/navegando/fontes_ © Metodologia do Ensino: Literatura128 escritas/6_Nacional_Desenvolvimento/ldb%20lei%20no%204.024,%20de%2020%20 de%20dezembro%20de%201961.htm>. Acesso em: 5 ago. 2010. BRASIL. Lei n. 5.692, de 11 de agosto de 1971. Fixa diretrizes e bases para o ensino de 1º. e 2º. graus, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/Leis/L5692.htm>. Acesso em: 5 ago. 2010. BRASIL. Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9394. htm>. Acesso em: 5 ago. 2010. BRASIL. Lei n. 10.639, de 9 de janeiro de 2003. Altera a Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira", e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/Leis/2003/L10.639.htm#art1>. Acesso em: 5 ago. 2010. BRASIL. Lei n. 11.645, de 10 de março de 2008. Altera a Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996, modificada pela Lei n. 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena". Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Lei/ L11645.htm#art1>. Acesso em: 5 ago. 2010. CONSTITUIÇÃO política do Império do Brazil (de 25 de março de 1824). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao24.htm>. Acesso em: 30 jul. 2010. LEI de 15 de outubro de 1827. Manda criar escolas de primeiras letras em todas as cidades, vilas e lugares mais populosos do Império. Disponível em: <http://www.histedbr. fae.unicamp.br/navegando/fontes_escritas/3_Imperio/lei%2015-10-1827%20lei%20 do%20ensino%20de%20primeiras%20letras.htm>. Acesso em: 30 jul. 2010. MENEZES, Ebenezer Takuno de; SANTOS, Thais Helena dos. "Reforma Capanema" (verbete). Dicionário Interativo da Educação Brasileira - EducaBrasil. São Paulo: Midiamix Editora, 2002. Disponível em: <http://www.educabrasil.com.br/eb/dic/dicionario. asp?id=371>. Acesso em: 5 ago. 2010. MENEZES, Ebenezer Takuno de; SANTOS, Thais Helena dos. Competência. Dicionário Interativo da Educação Brasileira - EducaBrasil. São Paulo: Midiamix Editora, 2002. 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São Paulo: Atual, 2005. CUTI. Literatura negro-brasileira. São Paulo: Summus, 2010. MACEDO, Tania; CHAVES, Rita. Literatura de língua portuguesa: marcos e marcas – Angola. São Paulo: Arte & Ciência, 2008. SANTILLI, Maria Aparecida. Literatura de língua portuguesa: marcos e marcas – Cabo Verde. São Paulo: Arte & Ciência, 2008. MACEDO, Tania; MAQUEA, Vera. Literatura de língua portuguesa: marcos e marcas – Moçambique. São Paulo: Arte & Ciência, 2008. JOBIM, José Luís. A literatura no ensino médio: um modo de ver e usar. In: ZIELBERMAN; Regina; RÖSING, Tania M. K. (Orgs.). Escola e leitura: velha crise, novas alternativas. São Paulo: Global, 2009. p. 113-137. Claretiano - Centro Universitário
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