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1 INSTITUTO FEDERAL DE SÃO PAULO – CAMPUS AVARÉ PRINCÍPIOS DE PROCESSAMENTO, QUALIDADE E SEGURANÇA DE CHARQUE, CARNE-DE-SOL E JERKED BEEF. TAA – Profa. Juliana Z. B. Mendes RESUMO Produtos cárneos de umidade intermediária são processados em escala global, apresentando cada qual com características específicas. Charque, carne de sol e jerked beef são produtos cárneos genuinamente brasileiros, secos, salgados e de umidade intermediária com boa aceitação nacional, sendo caracterizados como alimentos de alto valor biológico e importante fonte protéica de baixo custo. Tendo em vista a importância desses alimentos no mercado brasileiro, o presente trabalho consiste numa revisão bibliográfica técnica dos produtos cárneos salgados, curados ou não: charque, carne-de-sol e jerked beef. Palavras-chave: Carne-de-sol. Charque. Jerked beef. INTRODUÇÃO No país, carnes salgadas típicas podem ser resumidas em carne-de-sol, charque e seus sucedâneos, a exemplo do jerked beef. A carne-de-sol é um produto tradicionalmente consumido pela população nordestina, sendo considerado um alimento de grande teor calórico-protéica. Recentemente, um novo produto salgado surgiu no mercado consumidor: o jerked beef, cujo processamento se assemelha ao do charque, porém adicionado de nitrito e sempre comercializado embalado a vácuo, e por essa razão, muitas vezes ambos são coletivamente denominados charques, representando um consumo aproximado de 2,0 a 2,5 kg per capita (PINTO et al., 2002) São produtos genuinamente brasileiros que apresentam fontes de divisas importantes ao país, com movimentação financeira estimada em 2 bilhões de dólares em 1999 e consumo per capita em torno de 3,0 kg. Esses produtos tem sua estabilidade microbiológica garantida pela Tecnologia de Obstáculos postulada por Leistner, segundo a qual a estabilidade de um produto é atribuída a dois ou mais obstáculos que, de forma isolada, não produziriam o mesmo efeito. (GOMEZ, 2006) A sua conservação está baseada na redução da umidade e atividade de água 2 com incorporação de sal e/ou nitrito (no caso do jerked beef) de modo a reduzir-se o valor da atividade de água a valores incompatíveis com o crescimento microbiano. (CARVALHO JR, 2002) Avanços importantes têm sido conduzidos para se obter um produto de melhor qualidade e produzido sob condições higienico-sanitários para atender as necessidades do mercado consumidor através do incremento das características sensoriais, nutricionais, microbiológicas e estabilidade físico-químicas no produto. (GOMEZ, 2006) CARNE-DE-SOL Carne-de-sol é um produto cárneo salgado, parcialmente desidratado e com tempo de prateleira curto (3 a 4 dias em temperatura ambiente), que é consumida em grande escala no nordeste brasileiro. É fabricada tipicamente de carne de boi ou de cabra e é caracterizada pela coloração superficial escura. (NORMAN & CORTE, 1985) Ela é utilizada como substituta de carne fresca em áreas com infra-estrutura precária e mantém a maioria das características nutritivas se preparada e processada em condições apropriadas. (O nome carne-de-sol não é o mais apropriado, já que no processo raramente a carne é exposta ao sol durante a desidratação. O nome mais apropriado é um também utilizado, carne-de-vento, já que a desidratação normalmente é feita em locais cobertos, bem ventilados, onde a desidratação da carne pode ser gradual e o ressecamento da superfície controlado (NORMAN & CORTE, 1985). A conservação de carne pelo sal, sol e vento é processo que data de épocas muito remotas, tendo sido empregada pelos Maias e Astecas, sendo também conhecido na Ásia, África e Américas. Os Europeus relatam a existência deste método no Brasil no Século XVI, porém neste tempo ela era preparada sem o uso do sal, pois era uma raro condimento na época (NOBREGA, 1982). No Brasil fala-se indistintamente em Carne-de-sol, “carne do sertão”, “carne de vento”, “carne seca”, “carne serenada”, “carne de viagem”, “carne de paçoca” das 3 carnes secas ao ar livre, sem salmoura. Esta diversidade de nominações deve-se ao fato da presença deste produto em diversas regiões do nordeste. O importante mesmo é que este tipo de carne, independente do nome regional que ostenta, constitui a base da alimentação protéica de grande contingente da população nordestina, sendo típica do sertão, e tendo surgido, provavelmente, em conseqüência das dificuldades de conservação da carne verde nestas regiões de clima quente e baixo nível econômico das populações (NOBREGA, 1982). Muitos foram os fatores que contribuíram para a elaboração da Carne-de-sol e um deles, talvez o mais importante, foi o de que muitas áreas dos estados do Nordeste, principalmente cidades do interior, muito embora possuíssem animais de açougue não podiam conservar a carne por não disporem de refrigeração comercial ou mesmo doméstica. Foi quando surgiu a idéia de se utilizar o sal, abundante naquela região, com o intuito de prolongar a vida comercial da carne, garantindo assim melhor o uso deste valioso alimento (NOBREGA, 1982). Apesar do consumo significativo de Carne-de-sol no nordeste, a produção ainda é concentrada nos pequenos estabelecimentos e as condições de obtenção das carnes e elaboração variam muito, com influência na sanidade, composição e características físico-químicas e sensoriais dos produtos obtidos. (CARVALHO JR., 2002) A Carne-de-sol é um produto de preparo rápido, geralmente em condições sanitárias precárias e sua conservação esta na dependência direta das condições gerais de sua obtenção artesanal e dos cuidados com sua embalagem, armazenamento e transporte, o que muitas vezes são precários também, portanto tem-se um produto de vida de prateleira muito curta (3 a 5 dias) (NOBREGA, 1982). Por se tratar de um produto artesanal e ter grande diversidade de processos de produção regionalmente, a carne-de-sol tem características sensoriais, cor, odor e sabor, e tempos de conservação muito distintos. Cada localidade tem sua peculiaridade nos tempos de salga, nos teores de sal empregados, no emprego de salga seca ou salga mista, nos tempos e condições de dessecação, no tipo e quantidade de microrganismos incorporados durante o processo, e estas diferenças de processamento conferem na gama de produtos comercializados genericamente como carne-de-sol. Os processos de produção podem variar muito, como citado anteriormente, porém o processamento básico de produção segue o fluxograma apresentado no Anexo 1. A carne é, de preferência, de animais gordos, que além de um melhor rendimento, resulta num produto de melhor aceitação comercial pela sua cor vermelha mais intensa sendo o coxão-mole é o corte mais apreciado. Quando os 4 animais são abatidos pelos próprios fabricantes, aguarda-se a instalação do rigor mortis para proceder-se à desossa, pois assim o sal adicionado tem melhor absorção. Os cortes individuais são manteados na espessura de 3 a 4 cm e em seguida recebem incisões parciais a cada três centímetros para facilitar a penetração do sal no interior do músculo e a perda de umidade para o ambiente (CARVALHO JR., 2002). A salga seca é o tipo empregado na preparação da carne-de-sol e pode ser considerada de duas fases; na primeira fase, a fase ativa, o preparo é feito generosa quantidade de sal nas peças, que pode ser grosso ou fino; na segunda fase, a fase passiva, as peças de carne, já recobertas com sal, é disposta com a face gordurosa para baixo em esteiras ou estrados colocados sobre um tanque de concreto coberto que recolhe o exsudado das mantas. As peças são empilhadasem mantas e separadas umas das outras por uma camada de 3 mm de sal. A altura e dimensão das pilhas são variáveis, porem normalmente não ultrapassam 0,5 m de altura. As mantas são refeitas e invertidas 4-6 horas depois do inicio, processo chamado de “tombamento”, onde desta vez a face cárnea fica voltada para baixo para permitir uma maior pressão sobre as peças de carne e para garantir uma penetração uniforme do sal (NORMAN & CORTE, 1985) Após o tempo de salga, que pode variar de 12 a 22 horas, dependendo da região do país, faz-se o processo de lavagem, que é o processo utilizado para remover o excesso de sal da superfície das peças de carne (AZEVEDO & MORAIS, 2005). A lavagem deve ser rápida e as peças devem ser rapidamente transferidas para a área de secagem. Pode-se utilizar acido lático ou acético em solução de 1% na água de lavagem das peças, para diminuir o pH a 5,5 e reduzir os riscos de contaminação microbiológica. A área de lavagem deve ser muito próxima a área de secagem, para diminuir a contaminação microbiológica e melhorar o fluxo do produto. A secagem da carne-de-sol é feita estendendo-se as peças sobre varais por um período de 8-14 horas com a camada de gordura voltada para cima, para dar uma característica peculiar ao produto. O local para realizar a secagem é normalmente coberto e com boa ventilação, pode conter véu em volta da área para diminuir a infestação de insetos. Após a secagem as peças são embaladas e rapidamente enviadas para venda, já que tem vida de prateleira muito curto. O processo de embatumar o produto com óleo vegetal após pronto é utilizado para melhorar a aparência do produto para a venda e para a remoção de possíveis cristais de sal que poderiam aparecer no período de venda. Normalmente são vendidas em quantidades de 30-40 kg envolvidas em sacos de juta amarrados firmemente com cordas. A embalagem 5 não é feita em plástico porque o produto, mesmo após o período de secagem, ainda contem grande quantidade de água internamente, portanto a embalagem deve permitir a saída desta água caso ocorra exsudação. Dos variados procedimentos utilizados na elaboração da carne-de-sol resultam, como era de se esperar, produtos com características diferentes quanto ao aspecto, sabor, cor e tempo de conservação. Além dos fatores históricos e das características regionais da produção da carne-de-sol, um dos que mais afetam essa larga diferença na qualidade tanto sensorial quanto higiênica dos produtos é a não existência de legislação brasileira que descreva padrões de segurança alimentar e de qualidade e identidade para a produção deste tipo de alimento. A qualidade final deste produto é assegurada pela utilização de matéria prima de boa qualidade e de boas práticas de fabricação, que normalmente são escassas na região do país onde a carne-de-sol é produzida. Nos procedimentos tradicionais de elaboração de carne-de-sol, o emprego da desossa e processamento a quente acabam por favorecer o desenvolvimento de uma flora microbiana devido às altas temperaturas ambientais durante o processamento e distribuição, que juntamente com as enzimas endógenas da própria carne, contribuem de modo ainda não esclarecido para o desenvolvimento das suas características sensoriais. Numerosas reações proteolíticas e lipolíticas envolvidas na geração de aroma e sabor ou de seus precursores em carne e produtos cárneos são catalisadas por enzimas musculares ou liberadas por microrganismos. A velocidade de formação desses compostos é controlada pela temperatura, tempo, atividade de água, potencial de óxido redução e teor de sal (CARVALO JR, 2002) Ainda hoje, não há legislação definindo padrão de identidade e qualidade da carne-de-sol, nem portarias específicas disciplinando as instalações e o seu processo de elaboração. Dferentemente do charque, discutido a seguir, que é um produto de salga forte e baixo teor de umidade e que, portanto, tem atividade de água muito desfavorável ao crescimento bacteriano (Aw 0,76), a carne-de-sol tem baixo teor de sal (5-6 %) e alto de umidade (65-70 %), de modo que a Aw, entre 0,94 e 0,96 (a Aw da carne fresca é de 0,99), não é baixa o bastante para impedir a deterioração ou a produção de toxinas microbianas que, à temperatura ambiente, ocorre em poucos dias (FELÍCIO, 2002). CHARQUE O processo de salga e secagem ao sol é utilizado para preservar carnes desde o início da civilização. Há indícios de que essa técnica de conservação tenha 6 surgido no antigo Egito, entre 4.000 e 5.000 anos atrás, quando começavam a ser desenvolvidos o transporte sobre rodas, as primeiras cidades e um escrita primitiva. Na América do Sul, antes da chegada dos espanhóis, os incas, nos altiplanos andinos a mais de 4.000 metros de altitude, elaboravam um produto dessecado com carne de lhamas cortada em tiras, denominado charque. É provável que a técnica dos incas tenha chegado às regiões Nordeste e Sul do Brasil por duas rotas distintas a partir de Cuzco: ao longo do rio Amazonas e pela cordilheira dos Andes. Mas foi no século 18 que a produção de charque destinado a alimentar os escravos concentrados em torno da cultura da cana-de-açúcar, no litoral, e da mineração, no interior do país, deslanchou: primeiro, no Rio Grande do Sul e, depois, no Ceará (FELÍCIO, 2001). As antigas charqueadas brasileiras - de triste memória devido à crueldade na matança do gado, à falta de higiene, à poluição ambiental e à brutal exploração da mão-de-obra sazonal multiplicaram-se até a metade do século 20, quando começaram a ser substituídas por matadouros-frigoríficos, que continuaram produzindo charque, então em condições higiênico-sanitárias adequadas. Surgia, assim, uma indústria nacional de carne bovina inspirada no modelo das multinacionais Anglo, Armour, Swift e Wilson, que aqui se estabeleceram na época da Primeira Guerra Mundial. No Brasil o charque tem origem nas charqueadas do Rio Grande do Sul, datadas de 1780, e se espalhou pelo país por conseguir levar proteína de qualidade a regiões com infra- estrutura precárias. O movimento de exportação da charque para as áreas norte do pais se intensificaram e aumentaram largamente a produção, que no século XX passou do sul para os estados centrais do Brasil, São Paulo, Goiás e triangulo mineiro (GOMEZ, 2006). Charque é o produto obtido pela salga e secagem de carnes desossadas produzido sob condições que permitam sua conservação por longos períodos a temperatura ambiente. Diferentemente da carne-de-sol, que é considerada de consumo local, o charque pode ser transportado por longas distâncias e consumido longe do local de produção (NORMAN & CORTE, 1985). A redução da atividade de água é a base da estabilidade microbiológica do charque, e provém da diminuição do teor de umidade original da carne pelo uso do sal. Este método de conservação foi um dos grandes eventos da historia da preservação de alimentos. Este conhecimento foi desenvolvido pelos quíchuas na America pré-colombiana, e o charqui é o produto mais conhecido por eles desenvolvido. Este produto era produzido com tiras de carne de lhama que eram dessecadas ao ar ambiente. Este processo se passou no platô da cordilheira dos Andes, situado entre 4000 e 4800 m de altitude, local com a vantagem de ter altas temperaturas e baixa umidade relativa do ar durante o dia e temperaturas extremamente baixas durante a noite, o que ajudava na conservação do produto que estava sendo desidratado. 7 O Regulamento Técnico de Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal define charque por carne bovina salgada e dessecada, que não deve conter mais de 45 % de umidade na porçãomuscular, nem mais de 15 % de resíduo mineral fixo total, tolerando-se ate 5% de variação (BRASIL, 1962). A eliminação de água no processo de produção do charque é muito mais pronunciada do que na produção de carne-de-sol e é alcançada sob período muito mais longo de secagem, resultando num produto mais estável microbiologicamente, com quantidades de umidade baixa (40-45 %), atividade de água relativamente baixa (0,87-0,91) e alta quantidade de sal (12-15 %). Ocorre também o acréscimo do pH em 0,6-0,8 unidades e reações enzimáticas, o que dão ao produto seu sabor típico. As alterações físico-químicas que ocorrem durante o processo, resultado da drástica redução da água livre, são conduzidas concomitantemente ao aumento proporcional dos outros componentes, principalmente sal e proteína. A capacidade de reidratação da carne depende da capacidade final de retenção de água do músculo submetido ao processo. A completa reidratação do charque não é possível, porém consegue-se retirar o excesso de sal e melhorar a textura da carne quando imersa em água fervente por alguns minutos. O processamento de charque pode variar em cada estabelecimento produtor, porém o fluxograma básico é apresentado no Anexo 2 e suas etapas são descritas abaixo. A matéria-prima cárnea para o processamento do Charque são cortes do dianteiro, cortadas na direção da fibra muscular em tiras de até 5 cm de espessura e podem conter pequenas incisões para facilitar a penetração do sal no músculo. As carnes utilizadas para fabricação do charque são: ponta de agulha, e dianteiros, podendo também ser fabricado com cortes como cupim, lagarto, dentre outros. A salga úmida é realizada por imersão das peças em salmoura contendo entre 25-26,5 % de cloreto de sódio por em média 45 minutos em tanques de concreto de 80 cm de profundidade e com interior impermeável. A concentração da salmoura durante o período de salga úmida deve permanecer ao redor de 100 º salômetros, mas nunca menor que 95 °C. Isto pode ser conseguido em plantas de grande porte fazendo-se o bombeamento contínuo da salmoura para outro tanque secundário, montado ao lado ou próximo do tanque principal. No segundo tanque faz-se o controle da concentração e da temperatura da salmoura, que deve ficar entre 15-20 ºC. As partes de carne imergidas na salmoura devem ser agitadas vigorosamente, com o uso de pás, pelo tempo necessário e depois são removidas 8 do tanque. A etapa seguinte consiste na salga seca, que é realizada assim que as peças saem dos tanques de salga úmida. A carne é disposta em sala com chão de concreto com 1 cm de sal. O piso deve ser inclinado com queda para canais que escoem o suco exsudado da carne. As peças de carne devem ser dispostas em pilhas, com separação de 1 mm de sal entre elas. O sal deve ser distribuído sobre a carne de diversas direções, para garantir a penetração do sal em todos os vãos entre as peças e nas incisões feitas nos músculos. A altura e espessura das pilhas formadas são de acordo com a necessidade de produção da planta, porem normalmente não ultrapassam 1,50 m, pois a pressão sobre as camadas mais inferiores da pilha seria muito alta e causaria muita perda de peso nas peças. Quando completas as carcaças devem ser cobertas com 2 cm de sal. Nesta etapa ocorre a difusão da água do interior do tecido muscular para a superfície, formando uma salmoura que escorre da pilha com uma concentração aproximada de 18 % de NaCl e uma Aw mínima estimada em 0,86, considerando apenas o cloreto de sódio (CARVALHO, JR. 2002). Apos 24 horas do início da salga seca inicia-se a etapa chamada de ressalga, que consiste na reforma das pilhas, trocando a posição das mantas e recobrindo as mantas com nova camada de sal, a fim de que a manta inferior da pilha inicial seja a superior da nova formada. Esta etapa é necessária para aumentar a penetração de sal e a perda de água. A próxima operação é a de tombagem em que as mantas são transferidas para pedras, em direção ao fundo do galpão de salga, a cada 24 ou 48 horas. Esta etapa tem por objetivo a equalização da pressão das peças durante o processamento. Os tombos ocorrem geralmente em número de quatro, e ocorre a inversão da posição das mantas nas diversas pilhas. Outra finalidade da etapa é a aeração das pilhas e inspeção das peças sendo movimentas com vistas à prevenção e combate a contaminação microbiológica, causada por halófilos. Durante esta etapa ocorre também a equalização da concentração de sal ao longo da espessura das mantas (CARVALHO, JR. 2002). A lavagem das mantas é a etapa que procede a tombagem, e consiste na retirada do excesso de sal da superfície das mantas. A água usada na lavagem pode ser tratada com acido lático, acético ou hiper clorada, para que o pH fique abaixo de 5,5 e não ocorra proliferação de microrganismos. (NORMAN & CORTE, 1985) Esta operação produz um aumento do teor de umidade e uma diminuição da concentração de sal na superfície das mantas, fato que tem um efeito positivo durante a exposição ao sol, evitando a formação de uma camada impermeável na superfície. 10 As peças após receberem a lavagem são prontamente enviadas a secagem, que, se o tempo for favorável, é feita sob o sol. Os varais são construídos no sentido norte-sul para que as mantas recebam sol dos dois lados ao longo do dia. Temperaturas acima de 40 °C na superfície da carne deve ser evitada. A face de carne é disposta para cima para que na ocorra alterações muito intensas na parte gordurosa da peças. Após receberem sol ao longo do dia as mantas são empilhadas e cobertas com lonas impermeáveis para evitar a penetração de umidade e perda de calor, necessário para que as reações de proteólise e lipólise, responsáveis pelo aroma característico do produto, ocorram. O ato de cobrir as peças é chamado de abafamento, e é importante também para que a umidade interna da carne migre até a superfície ressecada pela exposição ao sol durante o dia e tenha um equilíbrio na umidade da peça, para que no dia seguinte a retirada de umidade seja eficiente. Este processo dura de 4 a 5 dias, chamado de 4 a 5 sois, tempo necessário para que o charque atinja a umidade estabelecida na legislação. Na etapa de dessecação do charque, é interessante notar que algumas charqueadas no Rio Grande do Sul (Jaguarão, Swift, etc.) e de São Paulo (Armour, Wilson, Jandira) dispunham de estufas desde as primeiras décadas do século XX, as quais eram utilizadas com parcimônia, dependendo da demanda do mercado por charque e das condições atmosféricas externas. O fato de as estufas para dessecação de charque não terem se difundido deve-se aos alegados custos mais altos em relação à dessecação natural, à cor pálida da gordura, quando comparada com o dourado intenso do produto exposto ao sol e à cor mais escura conferida ao produto pela dessecação em estufa. Recentemente, foram introduzidas novas estufas para a dessecação de carnes bovinas salgadas, semelhantes às utilizadas em horticultura e floricultura, que parecem sanar as limitações das antigas estufas. As novas estufas são erigidas em áreas externas, utilizando o sol para o aquecimento do ar e dessecação das mantas penduradas em estruturas especiais ou nos varais tradicionais. Fechadas com plástico transparente, deixam passar a luz do sol, o que produz uma coloração amarelo dourada na superfície da gordura. Construídas com estrutura metálica zincada a fogo, são dotadas de grandes ventiladores axiais para a circulação forçada e homogeneização do ar de dessecação. No modelo mais simples, quando a umidade do ar interno aumenta muito, um operador aciona, manualmente, flaps de admissãode ar externo. Para os dias em que as condições climáticas não permitem a dessecação utilizando apenas a energia solar, essas estufas são dotadas de equipamento para aquecimento do ar, utilizando óleo diesel como fonte de energia. Após a finalização do processo as mantas podem ser consideradas prontas e são enviadas para a área de embalagem. As mantas são prensadas, cortadas de acordo com o peso desejado e embaladas em embalagens plásticas, muitas vezes com uso de vácuo, e finalmente colocadas em caixas de papelão. Atualmente o charque, por razões mercadológicas, pode ser encontrado embalado a vácuo em 11 porções de 500 g, 1 kg e 5 kg, destinadas ao consumidor final, ou em mantas embaladas a vácuo, acondicionadas em caixas de papelão, para venda a granel pelo comércio. O transporte é rodoviário. O produto final deve passar por uma avaliação para verificar se possui as características necessárias para venda, tanto microbiológicas quanto sensoriais. Algumas das anormalidades que podem estar presentes são odores e sabor anormais, desagradáveis; gordura rançosa; produto amolecido, úmido e pegajoso; com áreas de coloração anormal; com aspecto seboso; se apresenta larvas ou parasitas, ou outras anormalidades, que julgar a Inspeção Federal no momento da análise. JERKED BEEF Jerked Beef é um produto cárneo seco, salgado e de umidade intermediária com boa aceitação nacional, sendo caracterizado com alimento de alto valor biológico e importante fonte protéica de baixo custo. Além do seu alto valor biológico o Jerked Beef apresenta-se como uma alternativa vantajosa de meio de conservação tendo em vista o alto custo de sistemas de refrigeração (GARCIA et al, 2001). O histórico do Jerked Beef, uma variação do charque, data da década de 80, em virtude de necessidades crescentes de consumidores por um produto elaborado sob condições higiênico sanitárias satisfatórias e com melhor padrão qualitativo. Em decorrência dessa demanda crescente, principalmente nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, devido a fluxos migratórios do Nordeste, os fabricantes de charque começaram, no início dos anos 70, a reivindicar a aprovação de um produto, para comercialização regional, com teor de umidade maior do que o permitido (FELÍCIO, 2002). Visto que não precisaria atender às demandas de estabilidade necessárias para o transporte rodoviário de São Paulo ao Recife e distribuição por todo interior do nordeste, a aprovação do novo produto representaria redução significativa de custo para os charqueadores, uma vez que o maior teor de umidade incorporado ao produto final implicaria em menor tempo de processamento, alta estabilidade, menor tempo de imobilização de capital para cada lote produzido e da maior produtividade da instalação, que agora poderia processar maior número de lotes. Surge, então, sem permissão legal, um análogo do charque com teores variáveis de umidade, bem maiores do que os 45% (com 5% de tolerância) permitidos. Mas este produto, que chegou a ser conhecido como “charque frescal”, ao corte apresentava uma coloração interna marrom, nada atrativa, e deteriorava-se com facilidade. É nesse ponto que entram em cena o nitrato e o nitrito de sódio, usualmente empregados no processamento de carne suína. Com esses agentes de 12 cura, mesmo em concentrações muito inferiores àquelas dos presuntos e embutidos diversos, os fabricantes conseguiram imitar a cor vermelha do charque tradicional. Já o problema de má conservação seria resolvido mais tarde com a embalagem a vácuo. Entretanto, o Ministério da Agricultura recusava-se a aprovar o emprego de agentes de cura, seja porque queria preservar a identidade do charque tradicional, seja porque à época (1974/1975) havia, e ainda hoje há, uma grande preocupação com os níveis de nitrito residual e com a presença de nitrosaminas (compostos carcinogênicos, formados nas reações químicas entre nitrito e aminas secundárias da carne). Depois de diversas apreensões do produto adulterado, o DIPOA aprovou, em 1978, a cura com nitrato/nitrito, mas manteve o teor máximo de umidade em 45%, que obviamente não foi respeitado. Para diferenciar do original era preciso dar um nome comercial à imitação, ora classificada na categoria das carnes salgadas, curadas e dessecadas, e o escolhido foi jerked beef, derivado de jerky, que era como os marinheiros ingleses pronunciavam charque no século 18. Com a aprovação pelo DIPOA vieram as normas de fabricação, exigindo desossa e salga em ambientes climatizados, varais telados para a secagem e embalagem a vácuo. Contudo, parte das exigências foi relaxada e o teor de umidade ficou de ser revisado na primeira oportunidade, que só veio a ocorrer 12 anos depois, em agosto de 2000. A Instrução Normativa nº 22 SDA/DIPOA, de 31 de julho de 2000, publicada no D.O.U. em 03 de agosto de 2.000, aprova em seu anexo II, o “Regulamento Técnico de Identidade e Qualidade de Carne Bovina Salgada Curada Dessecada ou Jerked Beef” fixa o limite máximo de umidade do Jerked Beef em 55%, altera o teor da matéria mineral total para um máximo de 18% e estabelece a atividade de água para esse produto em um máximo de 0,78 (BRASIL, 2000). De acordo com o Regulamento Técnico de Identidade e Qualidade de Carne Bovina Salgada Curada Dessecada, o Jerked Beef apresenta como ingredientes obrigatórios: carne bovina, água, sal, nitrito e/ou nitrato de sódio e/ou potássio, e, como ingredientes opcionais: açúcares, aditivos intencionais e coadjuvantes de tecnologia. (Brasil, 2000) Atualmente, a maior parte desse produto é elaborado com carnes do dianteiro e cortes de menor valor econômico do traseiro bovino. O cloreto de sódio é um componente de grande importância nas misturas de cura empregadas em carnes. A uma concentração suficiente de sal inibe o crescimento microbiano ao aumentar a pressão osmótica do meio do alimento, com a conseqüente redução da atividade da água. O sal adicionado à carne também contribui para aumentar a capacidade de retenção de água e maciez (ROÇA, 2000). Com relação a granulometria, o sal tem maior ou menor eficiência de penetração e, consequentemente de conservação das carnes em função de uma séria de parâmetros físicos. Assim é que o sal fino constituído por pequenos cristais, 13 tem uma penetração rápida no início do processo diminuindo seu poder de penetração na medida em que sua concentração aumenta e ocasiona a coagulação das proteínas da superfície do músculo. (NÓBREGA, 1982) Como se sabe, o Jerked Beef é obtido a partir da cura da carne salgada. A cura pode ser descrita com um processo pelo qual as carnes são preservadas pela salga. Ao mesmo tempo, os agentes de cura são usados assim como outros aditivos químicos. O processo de cura é um processo físico, bioquímico e bacteriológico complexo onde a carne absorve sal, agentes de cura e outros componentes do meio de cura e perde suas substâncias: proteínas, extratos, sais, vitaminas, água etc. para o meio de cura (GLEES, 1978). Vale a pena ressaltar que nem todas as carnes são adequadas a cura. Carne PSE (pálida, flácida e exsudativa) e carne DFD (escura, dura e seca) não são adequadas a produção de produtos curados de boa qualidade. Se a carne PSE for utilizada para esse produtos, uma aparência pálida a em muitos casos uma cor irregular ocorrerá entre os produtos. Devido ao baixo pH dessa carne e sua estrutura aberta o sal pode penetrar mais facilmente na carne e, portanto, os produtos são, algumas vezes, demasiadamente salgados. A carne DFD possui algumas características que a tornam inadequada para produtos curados. Os produtos dessa carne são de aparência muito escura e temum valor de pH muito alto (cerca de 6,0). Portanto tem uma vida de prateleira curta. No processo de cura, o nitrito é adicionado na forma de sais de potássio ou sódio para preservar o aroma, fixar e conferir uma cor rósea avermelhada, característica de produtos curados e inibir o crescimento de microrganismos. O nitrito é obtido através da redução lenta do nitrato pela ação de bactérias redutoras, esse processo é, devido a sua lentidão, utilizado somente em produtos de cura longa (MEDEIROS, 1999). A tolerância do nitrito varia amplamente entre diferentes grupos de bactérias. Existem diversas explicações das propriedades bacteriostáticas do nitrito. As reações mais importantes são do óxido nítrico (NO), que é derivado do ácido nitroso, com os pigmentos hemo da carne. O sumário das reações químicas mais importantes desde a conversão de nitrato de sódio a nitrito de sódio até a formação de óxido nítrico pode ser esquematizado da seguinte maneira: (ROÇA, 2000) 2NaNO3 bactérias 2NaNO2 O2 NaNO2 pH5.46.0 HNO2 NaOH 3HNO2 sub stân cia s red uto r as 2NO HNO3 H2O 14 A presença de ácido nitroso garante o efeito bacteriostático do nitrito, visto que essa estrutura atua de maneira a inibir o crescimento de esporulados, principalmente o Clostridium botulinum, microorganismo alvo desse tipo de produto. O efeito bacteriostático e bactericida do nitrato de sódio depende não somente da concentração de pH, mas também da sensibilidade das bactérias e do período ou fase de crescimento em que se encontram. A formação de óxido nítrico pode ser acelerada adicionando substâncias redutoras (ascorbatos e isoascorbatos, opcionais na receita) na mistura de cura. O óxido nítrico é o principal produto de decomposição do nitrito adicionado, juntamente com a mioglobina na reação de cura. O óxido nítrico pode combinar-se com a metamioglobina originando a nitrosometamioglobina, que pode reduzir-se ao nitrosomioglobina (pigmento da carne curada sem ação do calor). Esta redução pode ser realizada na carne naturalmente (lento) ou por redutores adicionados na mistura de cura. O nitroso hemocromo é o pigmento final que devem ter todas carnes curadas submetidas ao aquecimento. Esta reação implica na desnaturação da parte protéica da mioglobina, mas fica intacta a estrutura hemo unida ao óxido nítrico. A cor do nitroso hemocromo é rosa, em contraste com o nitrosomioglobina que possui uma cor mais avermelhada. A cor do pigmento desnaturado (nitroso hemocromo) é mais estável do que o pigmento nitrosomioglobina. O nitroso hemocromo é estável ao calor, porém instável à luz e oxidações. O uso de açúcar, bem como de outros condimentos, atuam estimulando ou impressionando o paladar e mascarando o gosto amargo do nitrito. (BRESSAN et al., 2000) Além disso, o açúcar funciona como fonte de energia para as bactérias responsáveis pela redução de nitrato a nitrito, na primeira etapa do processo de formação de cor na cura de carnes e posterior desenvolvimento das bactérias acidoláticas responsáveis pelo abaixamento do pH no produto. Dentre os demais aditivos podemos destacar os condimentos, aromatizantes e especiarias, que atribuem sabor e aroma característicos aos produtos cárneos, tornando-os mais saborosos e desejáveis ao paladar humano (por exemplo: noz- moscada, cebola, alho) e fosfatos, coadjuvantes de tecnologia que tem sido utilizadas principalmente para diminuir as perdas durante o processamento e para melhorar a estabilidade das emulsões cárneas. No processamento de Jerked Beef, a carne bovina (matéria-prima) é desossada em sala própria para desossa (GOMEZ, 2006), a temperatura da sala não deverá ultrapassar 14ºC (BRASIL, 1988); em seguida é adelgaçada e cortada em camadas de 3 a 5 cm denominadas “mantas”. Estas são submetidas a salga úmida, em sala de salmouragem (a temperatura da sala não deverá ultrapassar 15ºC) (BRASIL, 1988), por meio de imersão em solução de salmoura com 25 % de 15 cloreto de sódio e com nitrito e nitrato presentes para a cura, durante 40 minutos ou por injeção automática da solução salina (GOMEZ, 2006). Vale a pena ressaltar as exigências do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento com relação as instalações e equipamento utilizados para o processamento desse produto salgado curado. De acordo com a Circular Nº 109, de 29 de Agosto de 1988, o estabelecimento deverá ser dotado de duas modalidades de câmaras frigoríficas: Câmara para o recebimento e guarda de carne (matéria-prima), que deve apresentar a produção de frio artificial obedecendo a modernas técnicas, permitindo um eficiente controle de temperatura, umidade e velocidade do ar e câmara para a armazenagem de produto acabado, que deverá ser localizada contínua à sala de embalagem e seu limite máximo de temperatura em funcionamento será de 5ºC (cinco graus centígrados) (BRASIL, 1988). Durante os processos de cura seca e úmida, o sal e os agentes de cura penetram no produto de fora para dentro. Nas peças grandes de carne a penetração dessas substâncias é mais demorada. Pelo uso da cura por injeção essas dificuldades podem ser superadas. Nesse processo, uma única ou sistema de agulhas penetra no interior da carne. A salmoura é alimentada pela agulha sob pressão, usando-se uma bomba que pode ser um tanque simples mais um compressor ou uma máquina de injeção automática (GLEES, 1978). A utilização das injetoras, ao permitir a introdução de água e sal na forma de salmoura saturada no interior de peças cárneas, viabilizou a elaboração de produtos salgados com espessuras e teores de umidade e sal impossíveis de serem obtidos com a salga seca. A redução instantânea da atividade de água no interior das peças injetadas responde pela garantia microbiológica das carnes sendo elaboradas. O maior teor de umidade dos produtos injetados é conseqüência da redução da força motriz responsável pela perda de umidade das peças injetadas, que é função da diferença de concentração da salmoura saturada na superfície das peças durante a salga seca e da salmoura no interior das peças injetadas. A injetora de salmoura tornou possível a elaboração de Jerked Beef com alto teor de umidade, mas com a mesma atividade de água que o charque tradicional, desde que as operações das etapas de salga seca e dessecação sejam adequadamente ajustadas (CARVALHO JR, 2002). Para o produtor de Jerked Beef, a compensação obtida com o investimento na aquisição da injetora é a elaboração de um produto com maiores teores de umidade e sal, reduzindo significativamente o seu custo final. A introdução da injetora também criou uma nova dinâmica no processo industrial ao eliminar a necessidade de se mantear as carnes, exigindo apenas o desdobramento das porções mais espessas, e ao transformar em contínua a operação de salga úmida até então feita em tanques ou em tumblers. Posteriormente a salga úmida, as mantas são intercaladas com sal grosso e empilhadas até altura máxima de 2 metros, etapa denominada de salga 16 seca. Após período aproximado de 24 horas a ordem da pilha é invertida e sal grosso é reposto. As pilhas de carne são invertidas diariamente, durante 3 a 5 dias, procedimento conhecido como “tombo”. A etapa de salga seca deve ser realizada em sala com temperatura controlada que não deve ultrapassar 15ºC (BRASIL, 1988). No final do último tombo, as mantas são lavadas para retirar o excesso de sal grosso superficial e levadas para exposição ao sol, em varais. Ocorre alternância da exposição das mantas ao sol com a cobertura das mesmas em lonas, fato caracterizado como “abafamento”. A cada 65a 8 horas de exposição das mantas ao sol há intercalação das mesmas em lonas, entre 40 e 42 horas. Geralmente são empregados 3 ciclos de sol-abafamento para que o produto esteja apto ao consumo. (GOMEZ, 2006) O processamento do jerked beef é muito semelhante ao do charque, exceto pela utilização de matéria-prima de melhor qualidade, injeção de salmoura com nitrito e nitrato de sódio e refrigeração nas etapas de salga seca e úmida, com posterior embalagem a vácuo. As características visuais do Jerked Beef, grande espessura e porções musculares com muita carne e pouca gordura, fazem do produto um sucesso mercadológico junto aos consumidores do sudeste do país. O Jerked Beef é encontrado em embalagens de 500 g, 1 kg e 5 kg, destinadas ao consumidor final. As mantas destinadas à venda a granel são embaladas a vácuo e acondicionadas em caixas de papelão. No varejo, estas mantas são cortadas e expostas nas prateleiras de ingredientes para feijoada dos supermercados. Vendido a granel, é comercializado como “charque” ou “carne seca”. O fluxograma do processamento pode ser encontrado no Anexo 3. De acordo com o Art. 377 da revisão do RIISPOA, ainda não publicado oficialmente no DOU, “Carne Bovina Salgada Curada Dessecada (Jerked Beef), é o produto cárneo obtido de carne bovina, adicionado de cloreto de sódio e sais de cura, submetido a um processo de maturação e dessecação. A Carne Bovina Salgada Curada Dessecada (Jerked Beef), não deve conter mais de 55% (cinqüenta e cinco por cento) de umidade na porção muscular, e não mais de 18,3% (dezoito e três décimos por cento) de resíduo mineral fixo total e maximo de 150 ppm (cento e cinqüenta partes por milhão) de nitrito e nitrato residual no produto final. Carne Bovina Curada Dessecada e Defumada (Beef Jerky) é o produto cárneo obtido de carne bovina, adicionado de sais de cura, temperado ou não, submetido a um processo de maturação, dessecação e defumação. Deve conter no máximo de 0,75 (setenta e cinco centésimos) de Aw (Atividade de água) e máximo de 150 ppm (cento e cinqüenta partes por milhão) de nitrito e nitrato residual no produto final. As operações pós- processamento térmico devem ser realizadas em área restrita, dotada de barreira sanitária, com vestiários específicos para acesso direto à seção e obrigatoriedade de uso de uniformes exclusivos para o setor”. 17 Essa revisão do RIISPOA está de acordo com o regulamento técnico específico para o Jerked Beef, que estabelece os seguintes parâmetros de padrão de qualidade: Atividade de Água (Aw) (máx.) 0,78; Umidade (máx.) 55% e Matéria Mineral (máx.) 18,3% (BRASIL, 2000) exceto pela pequena diferença no valor máximo de atividade de água: na revisão do RIISPOA esse valor de atividade está descrita para a Carne Bovina Curada Dessecada e Defumada (Beef Jerky) enquanto que para Carne Bovina Salgada Curada Dessecada (Jerked Beef) não há nenhum valor estabelecido de Aw, sendo esse dado apresentado somente no seu regulamento técnico específico. De qualquer maneira, a atividade de água de 0,78 já confere a estabilidade microbiológica do produto mesmo se este for estocado a temperatura ambiente por vários meses (PINTO et al., 2002). Os requisitos sensoriais são estabelecidos como devendo ser “característicos” tanto para textura, quanto para sabor, cor e odor (BRASIL, 2000). No mesmo regulamento, são descritos como fatores essenciais de qualidade o tempo de maturação/dessecação, que depende do processo tecnológico empregado e o acondicionamento, que visa que o produto deve ser embalado com materiais adequados para as condições de armazenamento e que lhe confiram uma proteção apropriada. Ressalta-se também que os contaminantes orgânicos e inorgânicos não devem estar presentes em quantidades superiores aos limites estabelecidos pelo regulamento vigente (BRASIL, 2000). O sistema de tecnologia de obstáculos, sistema descrito por Leistner, aborda o mecanismo de processamento de produtos para garantir sua estabilidade. De acordo com o autor, um produto obtido pela Tecnologia dos Obstáculos é estável á temperatura ambiente pela ação de dois ou mais fatores (“obstáculos”) que, de forma isolada, não produziria tal efeito (GOMEZ, 2006). Até o ano de 1995, cerca de 50 diferentes obstáculos tinham sido identificados para a preservação dos alimentos. Os obstáculos mais importantes e frequentemente usados são a alta e baixa temperatura, baixa atividade de água, acidez, baixo potencial redox, microorganismos competitivos (bactéria acidolática) e conservantes (nitrito, sorbato, sulfato) (GOMEZ, 2006). Jerked Beef se enquadra nessa teoria, sendo caracterizado como um produto cárneo de umidade intermediária. Poucos microrganismos são capazes de suplantar os obstáculos que se implantam no Jerked Beef durante seu processamento. Dentre esses, Staphylococcus aureus merece destaque, por ser uma bactéria halotolerante, anaeróbia facultativa e por produzir uma enterotoxina bastante termoestável que, uma vez presente no alimento, é capaz de resistir às técnicas convencionais de processamento térmico. Quanto à sua capacidade de produção de toxina nas condições do produto, o valor mínimo de atividade de água (Aw) é de 0,93. (PINTO, 1998) 18 Uma forma de inibir o desenvolvimento de S. aureus é controlar a microbiota do produto, por tratar-se de um microrganismo considerado fraco competidor. Isso pode ser conseguido pela adição de culturas bacterianas starter selecionadas no início do processamento. Essas culturas são disponíveis comercialmente na forma liofilizada, sendo amplamente utilizadas na elaboração de produtos cárneos, como salames e presuntos curados. A microbiota de Jerked Beef é constituída principalmente por estafilococos e micrococos (PINTO, 1998). A atividade de água e a concentração de sal (cloreto de sódio e sais de cura) são os principais parâmetros para garantir a estabilidade do jerked beef. Dentro das especificações legais de umidade e concentração salina, discutidas anteriormente, o produto encontra-se em faixa intermediária de atividade de água. Nessa faixa, os únicos microorganismos capazes de se desenvolver são os bolores xerofílicos, leveduras e bactérias halofílicas. Como já visto, apenas as bactérias halofílicas (do gênero Halobcterium e Halococcus) tem sido relacionadas com a deterioração do charque. No entanto, em virtude de serem estritamente anaeróbias apresentam desenvolvimento comprometido em função da presença da embalagem a vácuo. Durante o processamento de jerked beef ocorre drástica redução da umidade, variando de 75 % para cerca de 45 %, sendo os principais fatores para a retirada e água do produto a elevada concentração salina na superfície e no interior do produto, temperatura e pressão mecânica durante o empilhamento. Além da atividade de água reduzida e diminuição da umidade do produto, o nitrito de sódio é um dos obstáculos mais importantes e comumente usados. Dentre suas ações (cor, sabor) a atividade antimicrobiana é mais importante, especialmente em relação a inibição de Clostridium botulinum. De acordo com o R.I.I.S.P.O.A., o emprego de nitratos e nitritos está restrito aos seguintes limites: Art. 372. O emprego dos nitratos e nitritos, de sódio ou de potássio, ou qualquer combinação entre eles, só pode ser feito em quantidades tais que, no produto para o consumo, o teor em nitrito não ultrapasse a 200 partes por milhão (0,02%). Art. 373. Os nitritos de sódio ou de potássio só podem ser empregados, isoladamente ou em combinação, nas seguintes proporções máximas: 1 - 240 g para cada 100 litros de salmoura (0,24%) e, salmoura; 2 - 60g para cada 100 kg de carne, na cura a seco,de mistura com o sal (0,06% a seco); 3 - 15 g para cada 100 kg de carne picada ou triturada, de mistura com o sal (0,015% no método direto). (BRASIL, 1962) CONCLUSÃO O processamento de carnes salgadas teve importância significativa na história do Brasil por proporcionar fonte protéica de qualidade e a relativo baixo custo para grande parte da população, além disso tornou-se um produto típico brasileiro. Hoje, 19 em algumas partes mais carentes do país, ainda exerce esta função, porém perdeu grande parte do mercado para a carne fresca, que hoje chega a diversas regiões brasileiras antes desabastecidas, devido ao desenvolvimento da tecnologia de cadeia de frio no Brasil. Tanto o charque quanto a carne-de-sol são produtos típicos nacionais preparados com carne bovina submetida a dois processos: salga e secagem. O alimento passa a ter maior durabilidade com a aplicação da Lei dos Obstáculos, de Leistner devido a redução da atividade de água do produto e alta concentração de sal, impossibilitando o crescimento de bactérias patogênicas. Além de salga e secagem, outra forma de conservação de produtos cárneos inclue o uso de conservantes como os nitratos e nitritos, processo denominado cura, hoje aplicado para o Jerked Beef. Hoje, mais do que nunca, o consumidor busca, ao adquirir um alimento cárneo, a certeza de um produto seguro microbiologicamente e com características sensoriais adequadas ao seu paladar. O baixo preço deixou de ser o motivo de compra e, tendo em vista essa característica de mercado, é necessária a evolução da tecnologia da carne-se-sol, que hoje continua sem Padrão de Identidade e Qualidade. Um desafio será a fabricação pelos frigoríficos de uma carne-de-sol saborosa como aquela que é elaborada no semi-árido nordestino, onde é provável que exista uma combinação ideal de temperatura e umidade. Estudos em universidades e do investimento das empresas, feitos sempre com intenção de atender melhor as necessidades do consumidor. Além disso, as condições atuais de processamento de charque e jerked beef são higienicamente precárias, acarretando dificuldades na implementação da gestão de controle de qualidade. Nesse sentido também é notória a necessidade de desenvolvimento de tecnologia para modernizar a produção artesanal e, assim, expandir o mercado consumidor. REFERÊNCIAS AZEVEDO, P. R. A., MORAIS, M. V. T. A tecnologia da produção da carne-de-sol e suas implicações nos aspectos higiênico-sanitários. Artigo publicado em Fev/2005, na Revista Nacional da Carne. BRESSAN, M. C. Produtos cárneos curados e defumados: mais sabor e maior valor agregado. 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Universidade Estadual Paulista, Botucatu, 2000 21 ANEXO 1 Fluxograma do processamento de Carne-de-sol (NORMAN & CORTE, 1985) 22 ANEXO 2 Fluxograma do processamento de Charque (NORMAN & CORTE, 1985) 23 ANEXO 3 Fluxograma do processamento de Jerked Beef (GOMEZ, 2006) Lavagem Abafamento
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