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PEDAGOGIA LITERATURA INFANTO-JUVENIL Universidade Estadual de Santa Cruz Reitor Prof. Antonio Joaquim da Silva Bastos Vice-reitora Profª. Adélia Maria Carvalho de Melo Pinheiro Pró-reitora de Graduação Profª. Flávia Azevedo de Mattos Moura Costa Diretora do Departamento de Ciências da Educação Profª. Raimunda Alves Moreira Assis Ministério da Educação Ficha Catalográfica L776 Literatura infanto-juvenil: pedagogia – módulo 5, vo- lume 1, EAD / Elaboração de conteúdo: Sandra Maria Pereira do Sacramento, Inara de Oliveira Rodrigues. – [Ilhéus, BA]: EDITUS, [2011]. 141p. : il. ISBN 789-85-7455-260-6 1. Literatura infantojuvenil – Estudo e ensino. I. Sacramento, Sandra Maria Pereira do. II. Rodri- gues, Inara de Oliveira. III. Pedagogia. CDD 809.89282 Coordenação UAB – UESC Profª. Drª. Maridalva de Souza Penteado Coordenação do Curso de Pedagogia (EAD) Drª. Maria Elizabete Sauza Couto Elaboração de Conteúdo Profª. Drª. Sandra Maria Pereira do Sacramento Profª. Drª. Inara de Oliveira Rodrigues Instrucional Design Profª. Msc. Marileide dos Santos de Olivera Profª. Msc. Cibele Cristina Barbosa Costa Profª. Msc. Cláudia Celeste Lima Costa Menezes Revisão Profª. Msc. Sylvia Maria Campos Teixeira Coordenação de Design Profª. Msc. Julianna Nascimento Torezani Diagramação Jamile A. de Mattos Chagouri Ocké João Luiz Cardeal Craveiro Capa Sheylla Tomás Silva Pedagogia EAD . UAB|UESC PARA ORIENTAR SEUS ESTUDOS SAIBA MAIS Aqui você terá acesso a informações que complementam seus estudos a respeito do tema abordado. São apresentados trechos de textos ou indicações que contribuem para o aprofundamento de seus estudos. LEITURA RECOMENDADA Indicação de leituras vinculadas ao conteúdo abordado. PARA CONHECER Aqui você será apresentado a autores e fontes de pesquisa a fim de melhor conhe- cê-los. VOCÊ SABIA? Esses são boxes que trazem curiosidades a respeito da temática abordada. Sumário UNIDADE I A LITERATURA INFANTO-JUVENIL E A FORMAÇÃO DOS ESTADOS NACIONAIS EUROPEUS 1 INTRODUÇÃO ......................................................................... 13 2 A LITERATURA INFANTIL E OS ESTADOS-NAÇÃO ................... 14 3 CIÊNCIA E RAZÃO NO CONTEXTO DA LITERATURA INFANTIL . 15 ATIVIDADES ................................................................................. 22 RESUMINDO ................................................................................. 22 REFERÊNCIAS .............................................................................. 23 UNIDADE II A QUESTÃO DO CÂNONE E A LITERATURA INFANTO-JUVENIL 1 INTRODUÇÃO ......................................................................... 27 2 O LITERÁRIO: DO MUNDO GREGO ÀS COMUNIDADES IMAGINADAS ......................................................................... 28 3 A LITERATURA INFANTIL E SUA FUNÇÃO PROPEDÊUTICA ...... 31 ATIVIDADES ................................................................................. 39 RESUMINDO ................................................................................. 40 REFERÊNCIAS ............................................................................... 40 UNIDADE III LITERATURA INFANTO-JUVENIL E O LUDOS 1 INTRODUÇÃO ......................................................................... 43 2 DE ARISTÓTELES AO LUDOS .................................................. 44 3 A CRIANÇA COMO PERSONAGEM NA LITERATURA INFANTIL .. 49 ATIVIDADES ................................................................................ 52 RESUMINDO ................................................................................. 54 REFERÊNCIAS ............................................................................... 55 PARTE I Profª. Drª. Sandra Maria Pereira do Sacramento UNIDADE IV A LITERATURA INFANTO-JUVENIL E A REPRODUTIBILIDADE TÉCNICA 1 INTRODUÇÃO ......................................................................... 57 2 A LITERATURA INFANTO-JUVENIL E SEU ESTIGMA ............... 58 ATIVIDADES ................................................................................. 66 RESUMINDO ................................................................................. 69 REFERÊNCIAS ............................................................................... 69 UNIDADE V A LITERATURA INFANTO-JUVENIL E A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO 1 INTRODUÇÃO ......................................................................... 71 2 A FORMAÇÃO DO ESTADO-NAÇÃO BRASILEIRO ..................... 72 3 A LITERATURA INFANTIL E OS DADOS CONTEUDÍSTICOS ...... 75 ATIVIDADES ................................................................................. 77 RESUMINDO ................................................................................. 80 REFERÊNCIAS ............................................................................... 80 PARTE II Profª. Drª. Inara de Oliveira Rodrigues UNIDADE VI A LEITURA NA ESCOLA E NA SOCIEDADE: PAPEL E IMPORTÂNCIA DA LITERATURA INFANTO-JUVENIL 1 INTRODUÇÃO ......................................................................... 83 2 LOBATO, O SÍTIO E MUITAS HISTÓRIAS POR CONTAR ........... 84 3 LEITURA COMO PRÁTICA SOCIAL ........................................... 91 ATIVIDADES ................................................................................. 95 RESUMINDO ................................................................................. 97 REFERÊNCIAS .............................................................................. 98 UNIDADE VII A DIMENSÃO DO IMAGINÁRIO NA LITERATURA INFANTO-JUVENIL 1 INTRODUÇÃO ......................................................................... 101 2 MUDAM-SE OS TEMPOS, MUDAM-SE AS HISTÓRIAS E OS VERSOS ................................................................................. 102 3 IMAGINÁRIO, FANTASIAS E MARAVILHAS ............................. 107 ATIVIDADES ................................................................................. 115 RESUMINDO ................................................................................. 121 REFERÊNCIAS ............................................................................... 121 UNIDADE VIII AS ESTRATÉGIAS LITERÁRIAS E OS DIFERENTES SUPORTES DA LITERATURA INFANTO-JUVENIL 1 INTRODUÇÃO ......................................................................... 123 2 ESTRATÉGIAS LITERÁRIAS: A INTERTEXTUALIDADE NA LITERATURA INFANTO-JUVENIL ........................................... 124 2.1 Conhecendo alguns autores e pressupostos .............. 124 2.2 A literatura infanto-juvenil, a intertextualidade e outras estratégias literárias ...................................... 128 3 LIVROS, MÍDIAS, REDE: OS ITINERÁRIOS ABERTOS DA LITERATURA INFANTO-JUVENIL ........................................... 133 ATIVIDADES ................................................................................. 138 RESUMINDO ................................................................................. 139 REFERÊNCIAS .............................................................................. 140 AS AUTORAS Profª. Drª. Sandra Maria Pereira do Sacramento Doutora em Letras Vernáculas, pela Universidade Fede- ral do Rio de Janeiro (UFRJ), Coordenadenou até 2011.1 o Programa de Pós-Graduação em Letras: Linguagens e Representações da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), Professora Associada à CátedraUNESCO de Lei- tura, Professora Plena em Teoria da Literatura do DLA/ UESC. Possui vários textos publicados em periódicos na área de Letras, disponíveis on line. Profª. Drª. Inara de Oliveira Rodrigues Doutora em Letras (Teoria da Literatura) pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do SUL (PUCRS), professora do curso de Letras e Vice-Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Letras: Linguagens e Representações da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC). Possui artigos publicados em periódicos na área de Letras e desenvolve pesquisas no campo das literatu- ras de línguas portuguesas. DISCIPLINA LITERATURA INFANTO-JUVENIL Literatura infanto-juvenil: discussões sobre o panorama histórico e gênero literário e suas características. Produ- ção literária. A prática da leitura na escola e na socieda- de. Pesquisa sobre literatura infanto-juvenil na escola, na biblioteca (livros, gibis etc.), na televisão, CDROM e sites. A dimensão do imaginário na Literatura Infantil e a intertextualidade. CARGA HORÁRIA: 60h EMENTA Profª. Drª. Sandra Maria Pereira do SacramentoProfª. Drª. Inara de Oliveira Rodrigues 13PedagogiaUESC 1 U ni da de 1 INTRODUÇÃO Nesta unidade, vamos mostrar a você a relação estabelecida entre os estados nacionais europeus e o início da literatura infantil. A literatura infanto-juvenil, como se concebe hoje, tem sua origem vinculada ao nascimento dos estados-nação burgueses europeus, a partir do século XVIII, com a valorização dos ideais forjados de tradição dos capitalistas, então em ascensão. UNIDADE I A LITERATURA INFANTO-JUVENIL E A FORMAÇÃO DOS ESTADOS NACIONAIS EUROPEUS OBJETIVO Identificar as relações entre a origem dos estados-nação europeus e da literatura infantil, com destaque para os seus principais representantes. 14 Módulo 5 I Volume 1 EAD Literatura Infanto-Juvenil | A Literatura Infanto-juvenil e a formação dos estados nacionais europeus 2 A LITERATURA INFANTIL E OS ESTADOS-NAÇÃO Para o Estado-nação, a língua nacional e o limite territorial eram vistos como elementos indispensáveis, capazes de imporem uma identidade à nação (RENAN, 1997). Entretanto, de acordo com Nelly Novaes Coelho, em Panorama Histórico da Literatura Infantil /Juvenil: Quando hoje falamos nos livros consagrados como clássicos infantis, os contos-de-fada ou contos mara-os-de-fada ou contos mara- vilhosos de Perrault, Grimm ou Andersen, ou nas fá- bulas de La Fontaine, praticamente esquecemos (ou ignoramos) que esses nomes não correspondem aos verdadeiros autores de tais narrativas. São eles alguns dos escritores que, desde o século XVII, interessados na literatura folclórica criada pelo povo de seus res- pectivos países, reuniram as estórias anônimas, que há séculos vinham sendo transmitidas, oralmente, de geração para geração, e as transcreveram (COELHO, 1991, p.12). No texto abaixo, apresentamos mais informações sobre o conceito de Estado- Nação. Leia com atenção e converse com um colega sobre o mesmo. Estado-nação: quando se pensa em Estado-Nação, estamos longe de tratar de uma experiência político-institucional simples. Muitas vezes não paramos para indagar sobre o quanto o seu surgimento alterou as relações inter-humanas por todo nosso planeta. Em primeiro lugar, deve-se romper com qualquer linha de abordagem que insira a experiência histórica do Estado-Nação numa longa du- ração ligada aos Estados dos monarcas absolutos europeus. Contando de hoje, a experiência histórica do Estado-Nação ainda não completou dois séculos, tal como o Brasil mal tem 150 anos. Em segundo lugar, no rigor do conceito e da cronologia, a formação do Estado antecede ao surgimento daquilo que definimos como burocracia. Inicialmente, a experiência do Estado-Nação é circunscrita à Europa e às suas projeções coloniais no século XIX, sendo antecipada cultural- mente pelos debates intelectuais e políticos do contexto do Iluminismo, quando houve a gradativa transformação no sentido que se dava à noção de Razão na prática administrativa, que passou da condição de mero cálculo/ratio para aque- la de força constituidora das coisas. Nesse sentido, e somente nesse sentido, o Estado da Razão do final do século XVIII, diferentemente da Razão de Esta- do dos séculos XVI e XVII, não seria mais um simples mecanismo resultante da soma das partes através de um pacto, como pretendera Thomas Hobbes (1588-1679) em 1651 com seu “Leviathan”, mas a “coisa pública” em que os “objetivos públicos” deixavam de ter nos corpos estamentais de privilégios os suportes ou intermediários da ação político-administrativa estatal. Portanto, o Estado da Razão de finais do século XVIII pressupôs um tipo novo de poder/po- tência pública que aos poucos abandonou uma atitude jurisdicionalista (centrada na acomodação das partes de privilégio) e tornou-se apenas disciplina (ou seja, atitude constituidora da natureza de suas partes). Tal mudança de paradigma é historicamente indissociável do processo de burocratização – formação de um corpo de agentes da administração separados patrimonialmente dos meios ad- ministrativos – e da uniformização legislativa e fiscal do Estado. Fonte: http://www.espacoacademico.com.br/035/35evianna.htm SAIBA MAIS 15PedagogiaUESC 1 U ni da de 3 CIÊNCIA E RAZÃO NO CONTEXTO DA LITERATURA IN- FANTIL Além dessas informações, também podemos acrescentar os textos da tradição oriental e mesmo da grega, que foram trazidos pelos estados modernos, em forma de adaptação, como As Mil e Uma Noites, que chegou ao continente europeu no século XVIII; por Galland; da mesma forma que La Fontaine, ainda no século XVII, traduz as fábulas de Esopo, com a presença de animais falantes sempre com moralidade, como, por exemplo, A galinha dos ovos de ouro, A cigarra e a formiga, A Raposa e a Cegonha, entre outras. Leia mais sobre os escritores falados acima e sua importância para a Literatura Infantil do Ocidente. Galland: Antoine Galland, escritor francês nascido no século XVII, introduziu no Ocidente inúmeras histórias de tradição oral do Oriente. Galland nasceu em uma família de camponeses na província de Somme, em 1646, e morreu em 1715. Ele era especialista em História, manuscritos antigos, línguas orientais e moedas. Galland esteve no Oriente, a convite do rei francês Luís XIV, com vá- rias personalidades da política, das letras e da ciência. Era um colecionador de manuscritos e, em sua passagem pela Síria, descobriu os originais de “As Mil e Uma Noites”, feitos entre 1704 e 1717. O escritor levou-os para a França, tra- duziu e publicou os contos mais importantes dessa obra e, ainda, acrescentou alguns outros, que circulavam oralmente – como o de “Ali Babá e os Quarenta Ladrões”. Para não chocar seus contemporâneos, Galland retirou do texto as passagens picantes. O sucesso foi imediato. Essa tradução de Galland não é a única, mas é a mais famosa. Especialmente nesse livro, a história de Ali Babá foi adaptada por Luc Lefort. Homem excepcional, seu diário testemunha a pai- xão pelo saber e pela verdade. Durante toda sua vida, Galland foi um homem simples. Ele foi um pouco a imagem da obra que nos fez descobrir. Fonte: http://www.educarede.org.br/educa/index.cfm?pg=biblioteca.biografia&id_autor=83 La Fontaine: francês de origem burguesa, nascido na região de Champagne, foi autor de contos, poemas, máximas, mas com as fábulas ganhou notorieda- de mundial. Resgatando fábulas do grego Esopo (século VI a. C.) e do romano Fedro (século I d. C.), os textos de La Fontaine não apresentam grande origina- lidade temática, mas recebem um tempero de fina ironia. O autor francês não só tornou mais atuais as fábulas de Esopo, como também criou suas próprias, dentreelas “A cigarra e a formiga” e “A raposa e as uvas”. Contemporâneo de Charles Perrault, frequentava a corte do Rei Sol - Luís XIV, de onde extraiu informações para sua crítica social. Integrou o chamado “Quarteto da Rue du Vieux Colombier”, composto também por Racine, Boileau e Molière. Participou da Academia Francesa com ingresso em 1683, em que sucedeu o famoso po- lítico Colbert, a quem se opunha ideologicamente. Estreou no mundo literário em 1654 com uma comédia. A publicação da primeira coletânea de fábulas data de 1668, sucedida de mais onze, lançadas até 1694. No prefácio dessa primeira coletânea, deixa bem clara suas intenções na constituição dos textos: “Sirvo-me de animais para instruir os homens”. Morreu aos 73 anos sendo considerado o pai da fábula moderna. As narrativas de La Fontaine estão per- PARA CONHECER 16 Módulo 5 I Volume 1 EAD Literatura Infanto-Juvenil | A Literatura Infanto-juvenil e a formação dos estados nacionais europeus meadas de pensamentos filosóficos com forte moralidade didática e, apesar de tão antigas, mantêm-se vivas até hoje. Fonte: http://www.graudez.com.br/litinf/autores/lafontaine/lafontaine.htm Esopo: foi um célebre fabulista grego, provavelmente nascido no ano de 620 a. C. Segundo o historiador Heródoto, Esopo teria nascido na Trácia, região da Ásia Menor, tornando-se escravo na Grécia. Outro historiador, Heráclites do Ponto, afirma ser o roubo de um objeto sagrado a causa da morte do fabulis- ta. Como era costume no caso de sacrilégios, Esopo teria sido atirado do alto de um rochedo. Discute-se a sua existência real, assim como acontece com Homero. Assim, há ainda alguns detalhes atribuídos à biografia de Esopo, cuja veracidade não se pode comprovar: seria aleijado, com dificuldades de fala e seria um protegido do rei Creso. Levanta-se a possibilidade de a obra esopia- na ser uma compilação de fábulas ditadas pela sabedoria popular da antiga Grécia. Seja lá como for, o realmente importante é a imortalidade das fábulas a ele atribuídas. As primeiras versões escritas das fábulas de Esopo datam do séc. III d. C. Muitas traduções foram feitas para várias línguas, não existindo uma versão que se possa afirmar ser mais próxima da primordial. Destaca-se, entre os estudiosos da obra esopiana, Émile Chambry, profundo conhecedor da língua e da cultura gregas. Chambry publicou, em 1925, Aesoi -– Fabu- lae, em que trabalha com 358 fábulas. Características das fábulas esopianas: narrativas, geralmente, curtas, bem-humoradas e relacionadas ao cotidiano; encerram em si uma linguagem simples, pois se dirigem ao povo; contêm sim- ples conselhos sobre lealdade, generosidade e as virtudes do trabalho; a moral é representada por um pensamento, nem sempre relacionado diretamente à narrativa; personagens são, basicamente, animais que apresentam compor- tamento humano Fonte: http://www.graudez.com.br/litinf/autores/esopo/esopo.htm A célebre fábula A Raposa e as Uvas, atribuída a La Fontaine, é, na verdade, uma tradução do grego para o francês. Veja a sua reprodução abaixo: A Raposa e as Uvas Certa raposa matreira, que andava à toa e faminta, ao passar por uma quinta, viu no alto da parreira um cacho de uvas maduras, sumarentas e vermelhas. Ah, se as pudesse tragar! Mas lá naquelas alturas não podia alcançar: Então falou despeitada: - Estão verdes essas uvas. Verdes não servem pra nada! 17PedagogiaUESC 1 U ni da de Como não cabem quatro mãos em duas luvas, Há quem prefira desdenhar a lamentar. (La Fontaine) Nesses textos, sempre em uma linguagem metafórica, os animais têm um comportamento humano, como falar, ter ressentimentos e covardia; trazem em seu final uma mensagem moral, de cunho pedagógico; também em forma figurativa, conotativa, que, quando passada para a linguagem de denotação, presta-se a uma aplicação prática. Em outras palavras, “Como não cabem quatro mãos em duas luvas, Há quem prefira desdenhar a lamentar.”, quer dizer que, diante do inevitável, por conta, talvez, da incapacidade, é mais fácil desdenhar a assumir a incompetência. Essa volta ao passado desempenhou um papel preponderante na busca de sedimentação dos valores então em voga; pois, desde o século XVII, com a troca de eixo da ordem cosmológica teocêntrica pela antropocêntrica, que a Europa sofreu sérios abalos em seu pilar ideológico medieval. Ocorreu a laicização do saber, antes restrito à visão dogmática da Igreja, tendo levado Galileu, com o seu heliocentrismo, a permanecer em prisão domiciliar por ter ousado questionar a fé corrente de que a Terra era o centro do Universo, lugar escolhido por Deus para morada do homem. A Reforma Protestante de Lutero incide na Igreja outro duro golpe, quando esse questionou as ações papais, como a venda de indulgências. A ciência engatinha, porém, através de seu método investigativo, deixa de lado o saber contemplativo e volta-se para a realidade de forma experimental. Fé e razão passam a ter esferas distintas, a primeira condicionada à metafísica, à verdade revelada, e a segunda busca, através do método rigoroso de explicação dos fenômenos, a verdade científica. Segundo o professor Antônio Cândido, em Formação da Literatura Brasileira (1976): Por Ilustração, entende-se o conjunto das tendências ideológicas próprias do século XVIII, de fonte inglesa e francesa na maior parte: exaltação da natureza, divulgação apaixonada do saber, crença na melhoria da sociedade por seu intermédio, confiança na ação governamental para promover a civilização e bem- estar coletivo. Sob o aspecto filosófico, fundem-se nela racionalismo e empirismo; nas letras, pendor didático e ético, visando empenhá-las na propagação das Luzes (CÂNDIDO, 1976, p.43-44). Tomando-se Ilustração como sinônimo de Iluminismo, - que 18 Módulo 5 I Volume 1 EAD Literatura Infanto-Juvenil | A Literatura Infanto-juvenil e a formação dos estados nacionais europeus na Alemanha ganhou o nome de Aufklärung - percebe-se o quanto o movimento racionalista foi importante, no sentido da busca pela explicação das demandas, sejam elas no campo da representação governamental, científica ou religiosa. Tais indagações passaram a ser embasadas no princípio da racionalidade, encerradas na expressão de Descartes: Penso, logo existo. O filósofo francês Descartes, trazendo do século anterior alguma coisa do método de Galileu, eleva-o ao sentido primeiro do filosofar, com a dúvida metódica, isto é, a partir da dúvida, da não certeza, investiga-se e chega-se à descoberta e, mais do que tudo, com a possibilidade da demonstração. Descartes, seguindo rigorosamente o caminho, o método por ele estabelecido, começa duvidando de tudo, até reconhecer como indubitável o ser do pensamento. É na descoberta da subjetivi- dade que residem as variações do novo tema. O filósofo passa a se preocupar com o sujeito co- gnoscente (o sujeito que conhece) mais do que com o objeto conhecido. [...] Outros filósofos, além de Descartes, também se dedicam ao problema do método, tais com Ba- con, Locke, Hume, Spinoza (ARANHA,1993, p. 154). Tal cenário sustenta-se no triunfo da razão sobre a fé, com contribuições de filósofos franceses como D’Alembert, Diderot, Voltaire, Montesquieu e Rousseau chamados de enciclopedistas. No Discurso Preliminar da Enciclopédia, de 1751, afirma o primeiro: Descartes teve pelo menos a ousadia de ensinar os espíritos bons a sacudir o jugo da Enciclopé- dia, da opinião, da autoridade, em uma palavra, dos preconceitos e da barbárie; e por meio desta revolta,cujos frutos hoje recolhemos, prestou à filosofia um serviço talvez mais essencial do que todos os que deve aos seus ilustres sucessores[...] Embora acabasse por acreditar que podia explicar tudo, começou, pelo menos, duvidando de tudo; e as armas de que nos servimos para combatê-lo, embora contra ele,nem por isso lhe pertencem menos [...] (apud MOUSNIER et al., 1961, p.16). Logo, D’Alembert mostrou que aqueles que criticaram Descartes, se valiam da mesma estrutura mental, ou seja, da Aufklärung: Iluminismo, Es- clarecimento ou Ilustração (em alemão Aufklärung, em inglês Enlightenment, em ita- liano Iluminismo, em francês Siècle des Lumières, em espa- nhol Ilustración) designam uma época da história in- telectual ocidental. No es- paço cultural alemão, um dos traços distintivos do Iluminismo (Aufklärung) é a inexistência do sentimento anticlerical que, por exem- plo, deu a tônica ao Ilumi- nismo francês. Os ilumi- nistas alemães possuíam, quase todos, profundo in- teresse e sensibilidade re- ligiosas, e almejavam uma reformulação das formas de religiosidade. O nome mais conhecido da Aufklärung foi Immanuel Kant. Outros importantes expoentes do iluminismo alemão foram: Johann Gottfried von Her- der, Gotthold Ephraim Les- sing, Moses Mendelssohn, entre outros. Fonte: http://videociencia.word- press.com/historia/iluminismo/ SAIBA MAIS 19PedagogiaUESC 1 U ni da de dúvida, para chegarem a tal fim. Em Do contrato social, Rousseau atribui a obediência à Lei como a verdadeira liberdade, em nome da soberania: Aquele que recusar obedecer à vontade geral a tanto será constrangido por todo um corpo, o que não significa senão que o forçarão a ser livre, pois é essa a condição que, entregando cada cidadão à pátria, o garante contra qualquer dependência pessoal (1973, p. 42). Esses pensadores foram bastante tributários dos avanços ocorridos na Inglaterra, ainda no século XVII, amparados no também filósofo Locke, levando à Revolução Gloriosa de cunho liberal. Locke foi muito influenciado pelo pensamento de Descartes, logo depois, deixa o aparato da lógica, para se voltar para o dado psicológico, no entendimento do ser humano. Entretanto, a ascensão da burguesia, no território franco, só ocorre com a chamada Revolução Francesa de 1789. Finalmente, a sociedade francesa é agitada por uma série de convulsões que se repercutem, gra- ças à analogia das circunstâncias, por toda a Eu- ropa Ocidental. A resultante histórica das várias forças que participaram na Revolução Francesa é o primeiro triunfo decisivo da alta burguesia no ter- reno político, ao cabo de uma sucessão de fases, em que o dinamismo revolucionário pertenceu sucessivamente a uma fração de alta nobreza, à noblesse de robe, aos camponeses, à burguesia provinciana (Girondinos), aos pequenos burgue- ses (Terror de Robespierre) a outras camadas mais populares (Babeuf) (SARAIVA; LOPES, 1971, p.599). Por isso, torna-se importante destacar que o papel da família, como núcleo societário, contrário ao modelo estamental da monarquia, estabeleceu esferas de ação, de modo hierárquico, para o homem, para a mulher e para os filhos. E Pedro Paulo de Oliveira, em A Construção da Masculinidade, confirma a afirmação: A assimetria de poder na família era reforça- da pela disposição da nova ordem em promover uma separação total entre homens e mulheres: pensava-se na época que quanto mais feminina a mulher e mais masculino o homem, mais saudá- veis a sociedade e o Estado. Nessa separação, a autonomia do gênero masculino contrastava com Estamental: relativo a estamento. Constitui uma forma de estratifi- cação social com cama- das sociais mais fecha- das do que as classes sociais; e mais abertas do que as castas (tipo de sociedades ainda presentes na Índia, no qual o indivíduo desde o nascimento está obriga- do a seguir um estilo de vida pré-determinado), reconhecidas por lei e geralmente ligadas ao conceito de honra. His- toricamente, os esta- mentos caracterizaram a sociedade feudal du- rante a Idade Média. Fonte: <http://www.diciona- rioinformal.com.br/definicao. hp?palavra=estamento&id=7 342>. SAIBA MAIS 20 Módulo 5 I Volume 1 EAD Literatura Infanto-Juvenil | A Literatura Infanto-juvenil e a formação dos estados nacionais europeus a submissão feminina. A subjugação da mulher ia ao encontro da constituição de uma família nuclear para a qual o lar, com os afazeres domésticos e os cuidados com as crianças, se tornaria seu espaço legítimo, en- quanto aos homens ficaria destinada a esfera pública, a esfera do poder. Na sociedade burguesa as funções da mulher foram postas com clareza: mãe, educado- ra, controladora dos empregados (quando eles existi- rem), provedora de afeto e carinho (OLIVEIRA, 2004, p.49). Esse modelo comportamental vem a reboque de amplas mudanças na vida urbana europeia, de forma mais ampla, já que o campesinato, quase sempre, com o início da industrialização, migra para os grandes centros europeus, como Paris e Londres, para formar a massa do operariado. Para se ter uma ideia da projeção do crescimento populacional nessas capitais europeias, no século XVIII, a população das cidades representava 2%; enquanto que, em meados do século XIX, 42 % da população europeia vivia em zona urbana (RÉMOND, 1976). A Alemanha e a Itália optam pela unificação de seus territórios devido à crescente industrialização e esse processo: Atendeu basicamente aos interesses de uma burguesia desejosa de formar um amplo mercado nacional para seus produtos. Assim ocorreu na Itália, onde a unifi- cação partiu do Reino do Piemonte-Sardenha (Norte Industrial) para o Sul, destacando-se as figuras de Ví- tor Emanuel II e seu Ministro Cavour. Na Alemanha, a unificação econômica, através da União Aduaneira (Zollverein), antecedeu à unificação política. Essa foi realizada sob a direção da Prússia em três guerras sucessivas, que afastam a Dinamarca, a Áustria e a França de seu caminho (AQUINO, 1993, p. 107). Como se vê, a unificação de condados levou a estados europeus fortes, que necessitaram de parâmetros comportamentais, contrários aos do passado, coincidindo com o Romantismo literário. E a mulher ganha destaque nessa divisão de papeis já que deve assumir uma função pedagógica diante do filho, ainda que, socialmente, esteja condicionada ao marido e à prole, isto é, sua autonomia está em não ter autonomia nenhuma. É o que Rousseau, filósofo do Iluminismo francês, vai sublinhar: A razão que leva o homem ao conhecimento de seus deveres não é muito complexa; a razão que leva a mulher ao conhecimento dos seus é ainda mais sim- Figura 1.1 - Cena da Família de Adolfo Augusto Pinto, 1891. Fonte: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Almeida_J%C3%BAnior_-_Cena _de_Fam%C3%ADlia_de_Adolfo_Augusto_Pinto,_1891.JPG>. Campesinato s.m. Conjunto de agri- cultores de uma re- gião, de um Estado. Condição dos campo- neses. Fonte: http://www.dicio. com. br/campesinato/ 21PedagogiaUESC 1 U ni da de ples. A obediência que deve aos filhos são conseqüên- cias tão naturais e tão visíveis de sua condição, que ela não pode, sem má-fé, recusar sua aprovação ao sen- timento interior que a guia, nem desconsiderar o de- ver na inclinação que ainda não se alterou (ROUSSEAU, 2004, p.558). A construção do Estado-nação estruturou-se em bases etnocêntricas e falocêntricas e creditou ao homem, branco, burguês, europeu, a razão, o espaço público e a cultura; enquanto à mulher, coube a não-razão, o privado e a natureza. E a literatura daí advinda traz as marcas de origem da pretensão de uma unidade republicana; uma vez que o princípio hierarquizador da modernidade, calcado em pares dicotômicos do público/privado; homem/mulher; adulto/criança;centro/periferia, alto/baixo, branco/negro, não levou em conta, na pauta da racionalidade ocidental, a alteridade encerrada nos segundos desses mesmos pares. Dessa sorte, os enredos das histórias infantis tendem a dissolver os conflitos, quase sempre, pela via do fantástico, sem que haja, de fato, intervenção racional na ordem dos acontecimentos. Por exemplo, o conto Os sete corvos, dos irmãos Jakob e Wilhelm Grimm, encerra os objetivos pedagógicos esperados para um texto voltado para o público infantil. Nele, a bondade da irmãzinha fez com que os sete irmãos voltassem a ser gente novamente, depois do encantamento a que foram submetidos pelo pai, ao se tornarem corvos porque se atrasaram para trazer a água do poço para o batismo da menininha doente. A narrativa encerra os valores do catolicismo, isto é, os enfermos não batizados devem receber o sacramento antes da morte, caso contrário, se morrerem pagãos, é possível não irem para o céu. A figura do pai se faz presente com sua autoridade; bastou esse dizer: “- Tomara que eles todos virem corvos!” (2002, p. 58), e automaticamente, as crianças viraram sete animais. Por outro lado, os pais, ao revelarem à menina que os irmãos tinham virado corvos, e explicarem que: o que aconteceu tinha sido um desígnio do céu, e que o nascimento dela não tinha culpa de nada (2002, p.61). Tal atitude encerra a crença no ente sobrenatural que determina o que acontece na Terra. Assim, a fala do pai dá início ao encantamento e o encontro do anel da menina por um dos irmãos precipita o fim do encantamento: “Mas quando o sétimo corvo acabou de esvaziar seu copo, o anel caiu lá de dentro. Ele olhou bem e reconheceu que era um anel do pai e da mãe deles...” Então, “[...] a menina, que estava escondida atrás da porta, ouviu esse desejo, apareceu de repente e todos os corvos viraram gente outra vez” (2002, p.63). 22 Módulo 5 I Volume 1 EAD Literatura Infanto-Juvenil | A Literatura Infanto-juvenil e a formação dos estados nacionais europeus ATIVIDADES Leia a fábula A Galinha dos ovos de ouro de La Fontaine e responda às questões propostas: A Galinha dos ovos de ouro Havia um homem que tinha uma galinha que punha ovos de ouro. Por avidez e burrice, pensou: se a galinha abrisse, encontraria um tesouro. Ah, cobiça desastrada! Morta e aberta a galinha viu que lá não tinha nada! Por excesso de ambição, Podes perder teu quinhão. (La Fontaine) a) Por que o homem resolveu abrir a barriga da galinha? b) O narrador faz a seguinte exclamação: “Ah, cobiça desastrada!” Desastrada é o adjetivo atribuído à cobiça, isto é, uma cobiça capaz de causar um desastre. Você concorda com o narrador? c) Transforme o ensinamento expresso em linguagem metafórica, conotativa, em linguagem denotativa, isto é, aplicável no cotidiano: “Por excesso de ambição, Podes perder teu quinhão.” RESUMO Você viu nesta Unidade I, que a literatura infantil tem sua origem nos estados-nação europeus, ainda no século XVIII, quando destacam a importância de um território, uma língua, como elementos da tradição nacional. ATIVIDADES RESUMINDO 23PedagogiaUESC 1 U ni da de Referências: AQUINO, Rubim Santos Leão de; et al. Histórias das sociedades: das sociedades modernas às sociedades atuais. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1993. ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando: Introdução à Filosofia. São Paulo: Moderna, 1993. CÂNDIDO, Antonio. Formação da literatura brasileira: momentos decisivos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1976. COELHO, Nelly Novaes. Panorama Histórico da Literatura/ Juvenil: das origens Indo-Européias ao Brasil Contemporâneo. São Paulo: Ática, 1991. GRIMM, Jakob. Contos de Grimm: animais encantados. Apresentação, Tradução e Adaptação de Ana Maria Machado. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2002. LA FONTAINE, Jean de. Fábulas. Tradução de Ferreira Gullar. Rio de Janeiro: Revan,1999. MOUSNIER, Roland; LABROUSSE, Ernest. O século XVIII, o último século do antigo regime. ...(Org). História geral das civilizações. Tradução de Vitor Ramos. São Paulo: DIFEL, (tomo V) 1961. OLIVEIRA, Pedro Paulo de Oliveira. A construção social da masculinidade. Belo Horizonte; Rio de Janeiro: UFMG/IUPERJ, 2004. RÉMOND, René. O Século XIX: 1815-1914. Tradução de Frederico Pessoa de Barros. São Paulo: Cultrix, 1976. RENAN, Ernest. O que é uma nação. In: ROUANET, Maria Helena. Nacionalidade em questão. Universidade do Rio de Janeiro: IL, 1997. ROUSSEAU, Jean-Jacques. Emílio ou da educação. Tradução de Roberto Leal Ferreira. São Paulo: Martins Fontes, 2004. ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social; Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens e outros. Tradução de Lourdes Santos Machado. São Paulo: Abril Cultural, 1973. Col. Os pensadores. SARAIVA, António José; LOPES, Óscar. História da Literatura Portuguesa. Porto: Porto Editora, 1971. REFERÊNCIAS 24 Módulo 5 I Volume 1 EAD Literatura Infanto-Juvenil | A Literatura Infanto-juvenil e a formação dos estados nacionais europeus ANEXOS D’Alembert: Foi muito influenciado por Descartes, conservando, portanto, a visão mecanicista do mundo, sendo a matéria, constituída de átomos que se repelem continuamente. Fonte: www.algosobre.com.br/biografias/d-alambert.html) Diderot: Denis Diderot (1713-1784), filósofo francês. Elaborou juntamente com D’Alembert a “Enciclopédia ou Dicionário racional das ciências, das artes e dos ofícios”, composta de 33 volumes publicados, pretendia reunir todo o conhecimento humano disponível, que se tornou o principal vínculo de divulgação de suas ideias naquela época. Também se dedicou à teoria da literatura e à ética trabalhista. Fonte: http://videociencia.wordpress.com/historia/iluminismo/ Voltaire: Pode ser considerado como o filósofo que encerra o espírito do século XVIII. Por ser muito crítico da nobreza, foi exilado várias vezes. Em um desses exílios, teve contato, na Inglaterra, com as ideias de Locke, onde escreveu as famosas Cartas Inglesas, também chamadas de Cartas Filosóficas, criticando a política francesa. Foi um liberal convicto, ao defender os direitos civis, ainda que para aquele momento visse a necessidade do Despotismo Esclarecido, com a presença de filósofos junto ao rei. Fonte: www.pensador.info/autor/Voltaire/ Montesquieu: Ainda que tenha nascido em uma família de nobres, tornou-se crítico da monarquia absolutista e do clero. Sua obra mais significativa foi O espírito das leis, em que propõe uma teoria de governo, baseada no constitucionalismo e na separação dos poderes. A democracia como o filósofo concebeu via os poderes: executivo, legislativo e judiciário como instâncias autônomas e comandadas por pessoas diferentes, para que fosse evitado o arbítrio e a violência, levando-o a afirmar: “Para que não se possa abusar do poder é preciso que, pela disposição das coisas, o poder freie o poder.” Fonte: www.suapesquisa.com/biografias/montesquieu.htm Rousseau: Alguns não veem o genebrino, radicado em Paris, como um enciclopedista racional, na medida em que valoriza a natureza, ainda que critique o poder absolutista, vindo a influenciar, já no Romantismo, seus escritores. Escreveu, entre outras obras: Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens, na qual defende os homens vivendo na natureza, sem a propriedade privada, responsável pela miséria e a escravidão. Fonte: www.unicamp.br/.../cursos/rousseau2001/aso.htm Suas anotações ...................................................................................................................................................................................................................................................................................................................... ........................................................................................................................................................... ........................................................................................................................................................... ........................................................................................................................................................... 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........................................................................................................................................................... ........................................................................................................................................................... ........................................................................................................................................................... 27PedagogiaUESC 2 U ni da de UNIDADE II A QUESTÃO DO CÂNONE E A LITERATURA INFANTO-JUVENIL OBJETIVO Identificar como a literatura infantil, em seu início, vincula- se à tradição ocidental, na linha platônica, ao dar ênfase a um conteúdo a ser “ensinado”. 1 INTRODUÇÃO Nesta unidade, vamos mostrar a você como certa literatura infantil mantém-se, por sua postura, na tradição do cânone literário, quando se vincula à concepção de ver o artístico comprometido com o conteudismo platônico; da mesma forma seu “menos valor”, ao ser associada ao popular, por sua origem; à mãe ou à criança. 28 Módulo 5 I Volume 1 EAD Literatura Infanto-Juvenil | A questão do Cânone e a Literatura Infanto-juvenil 2 O LITERÁRIO: DO MUNDO GREGO ÀS COMUNIDADES IMAGINADAS Ainda que a literatura infanto-juvenil tenha surgido na modernidade ocidental, vinculada aos interesses dos estados-nação europeus, faz-se necessário retomar o conceito de literatura, para a tradição greco-latina, que se confundia com a gramática (gramma), pois significava, assim como litteratus, a arte de conhecer a gramática e a poesia. Chega ao século XVIII, vinculada à noção de valor, portanto, ao ideológico, na medida em que fazia parte da formação educacional do cidadão. Ernest Curtius, em Literatura Européia e Idade Média Latina, justifica a ligação da literatura aos valores gregos: Porque os gregos encontraram num poeta o refle- xo de seu passado, de seus deuses. Não possuíam livros nem castas sacerdotais. Sua tradição era Ho- mero. Já no séc. VI era um clássico. Desde então é a literatura disciplina escolar, e a continuidade da literatura européia está ligada à escola (1957, p.38). Nada podia abalar essa integração entre o poético e o político, pois a poesia, sendo simulacro, constitui imitação da aparência e não da realidade, só se justificando se estivesse a serviço da educação do povo grego. Com admissão da poesia em sua ágora, que se adequasse à Lei e à razão humana, através dos hinos aos deuses e em louvor aos homens famosos.Platão, em diálogo com Glauco, afirma: Quanto a seus protetores, que, sem fazer versos, amam a poesia, permitiremos que defendam em prosa e nos mostrem que não só é agradável, mas também útil, à república e aos particulares para o governo da vida. De bom grado os ouviremos, porque com isso só temos a lucrar, se nos puderem provar que aí se junta o útil ao agradável (PLA- TÃO,1994, p.403). Simulacro [Do lat. simulacru.] Substantivo masculino Ant. 1.Imagem de divin- dade ou personalidade pagã; ídolo, efígie. 2. Ação simulada para exer- cício ou experiência:um simulacro de vestibular. 3.Falsificação, imitação: Não passa de um simula- cro de herói. 4.Fingimen- to, disfarce, simulação. 5.Cópia ou reprodução imperfeita ou grosseira; arremedo: O cenário de O Guarani era apenas um simulacro de flores- ta brasileira; “Se, abas- tados e engrandecidos, viemos de humildes e po- bres, pretendemos mui- tas vezes fazer esquecer ao mundo o nosso berço; mas no abrigo familiar, deixada tão viciosa ver- gonha, abrimos o larário doméstico e tiramos dele os deuses da meninice, grosseiros simulacros das imagens paternas” (Alexandre Herculano, Opúsculos, V, p. 34-35). 6.V. fantasma (3). 29PedagogiaUESC 2 U ni da de A filosofia platônica teve grande importância para a tradição ocidental. Leia o que vai abaixo e depois se informe mais sobre esse grande filósofo e suas obras. PLATÃO: nasceu em Atenas, em 428 ou 427 a.C., de pais aristocráticos e abastados, de antiga e nobre casta. Ao seu temperamento artístico deu, na mocidade, livre curso, que o acompanhou durante a vida toda, manifestando- se na expressão estética de seus escritos. Suas obras, até hoje, são objeto de análise e apreciação, a mais conhecida, entretanto, é A República, em que defende, na forma de diálogo, um modelo aristocrático de poder, governado pelos intelectuais. Fonte: http://www.mundodosfilosofos.com.br/platao.htm PARA CONHECER SAIBA MAIS O conceito de comunidades imaginadas trazido por Bene- dict Anderson embasa toda a argumentação desse estudio- so, nascido na China, filho de pais ingleses, para explicar como um modelo imposto, coletivamente, é seguido por todos como algo tido como na- tural e espontâneo. Comunidades imaginadas: é o conceito que intitula uma obra de referência para os estudiosos das identidades nacionais e os processos de construção da nação. Ander- son tem repensado as bases para o estudo da identidade nacional com um estudo teó- rico e empírico sistemático e aprofundado. Aqui, Anderson coloca que as comunidades nacionais são produto de um processo de desenvolvimento político, social e cultural que resulta na geração de uma relação imaginária com seus concidadãos nas imediações do Estado-Nação. A recupera- ção do conceito de imaginação nega a conotação pejorativa do termo, em oposição à reali- dade (realidade versus imagi- nação). Anderson examina a base material da imaginação para entender como se confor- ma uma comunidade nacional. Fonte: http://www.netsaber.com. br/resumos/ver_resumo_c_54197. html Coloca, portanto, o literário a serviço do ideológico, na medida em que, para ter existência reconhecida, necessita ser útil à sociedade grega na formação de seus concidadãos. A razão deve conter a emoção, contrária a qualquer manifestação do desejo, fazendo, entretanto, concessão ao Belo, Bom e Justo, ao colocar o artístico em comum acordo com a ética. A literatura do período romântico, por outro lado, endossará as ideias correntes burguesas, e coloca-se disponível para compor as comunidades imaginadas (ANDERSON, 2008). O romantismo reflete a ambiência então operante. O romantismo alemão, - ainda que a princípio a Alemanha não estivesse unificada - procura nas raízes folclóricas, na tradição das narrativas orais, uma forma de sedimentar o seu cânone, com o culto ao Volksgeist, com forte valorização do dado local. Participantes do Círculo intelectual de Heidel- berg, Jacob e Wilhelm Grimm, - filólogos, gran- des folcloristas, estudiosos da mitologia germâ- nica e da história do Direito alemão – recolhem diretamente da memória popular as antigas narrativas, lendas ou sagas germânicas, con- servadas por tradição oral. [...]. Buscando encontrar as origens da realidade his- tórica ‘nacional’, os pesquisadores encontraram a fantasia, o fantástico, o mítico... e uma gran- de Literatura Infantil surge para encantar crian- ças do mundo todo (COELHO, 1991 p.140). É, nesse cenário, que Goethe propõe o conceito de Literatura Universal (Weltliteratur), em atenção aos valores e crenças da modernidade europeia, sustentados na nação e em suas tradições, no progresso e na ciência. 30 Módulo 5 I Volume 1 EAD Literatura Infanto-Juvenil | A questão do Cânone e a Literatura Infanto-juvenil Dentro desse processo renovador, a criança é desco- berta como um ser que precisava de cuidados espe- cíficos para sua formação humanística, cívica, espiri- tual, ética e intelectual. E os novos conceitos de Vida, Educação e Cultura abrem caminho para os novos e ainda tateantes procedimentos na área pedagógica e na literária. Pode-se dizer que é nesse momento que a criança entra como um valor a ser levado em con- sideração no processo social e no contexto humano (COELHO, 1991, p.139). Escritores como Charles Perrault, na França; os irmãos Grimm, na Alemanha; Andersen, na Dinamarca; e Callodi, na Itália; não hesitaram em voltar às raízes folclóricas medievais, na linha de ação presa ao ideal da construção dos estados-nação, com suas comunidades imaginadas. O idealismo romântico, então, acabou por criar o mito da infância, esta vista como a idade de ouro do ser humano, e, ao mesmo tempo, a adolescência (COELHO, 1991). E a volta ao passado significou a pedra de toque necessária para que a burguesia se impusesse; então, nada melhor do que a busca em tempos imemoriais de suas narrativas e de suas manifestações populares, como acontece com as produções dos primeiros escritores voltados ao público infantil: Charles Perrault, no século 17, [na França] e os ir- mãos Grimm, no início do século 19, [na Alemanha] se apropriam dos contos de fadas. Estes relatos fundam-se preferencialmente numa ação de proce- dência mágica, resultante da presença de um auxi- liar com propriedades extraordinárias que se põe a serviço do herói: uma fada, um duende, um animal encantado (ZILBERMAN; MAGALHÃES, 1984, p.15). É o que ocorre, por exemplo, em O Gato de Botas, de Charles Perrault, que traz em seu enredo o pragmatismo esperado para a nova sociedade. Como afirma Nelly Novaes Coelho, em Literatura Infantil: teoria, análise, didática (2000): Em épocas de consolidação, quando determinado sistema se impõe, a intencionalidade pedagógica do- mina praticamente sem controvérsias, pois o impor- tante para a criação no momento é transmitir valores para serem incorporados como verdades pelas novas gerações (2000, p.47). SAIBA MAIS Volksgeist: segundo a Escola Histórica, o povo é um ser vivo marcado por forças interiores e silenciosas que segrega uma espécie de cons- ciência popular, o espíri- to do povo (Volksgeist). O povo é anterior e su- perior ao Estado e é do espírito do povo que bro- ta tanto a língua quanto o direito, consideradas produções instintivas e quase inconscientes que nascem e morrem com o próprio povo. No caso es- pecífico do direito, o cos- tume teria de ser mais importante do que a lei, porque o que emana do Volksgeist tem de estar numa posição superior aos próprios ditames do Estado. Fonte: http://farolpolitico.blo- gspot.com/2007/09/ esprito- do-povo-volksgeist.html 31PedagogiaUESC2 U ni da de O conto O Gato de Botas reflete toda a necessidade de impor um modelo de homem empreendedor, que soubesse superar qualquer dificuldade. A narrativa gira em torno da divisão de uma herança: tendo o pai falecido, deixou para seus três filhos, os seguintes bens - um moinho, para o mais velho; um burro, para o do meio; e um gato, para o mais novo. O que fazer com um gato? Logo, o gato colocou-se disposto a ajudar o seu dono: De hoje em diante meu destino É ao meu dono servir. Hei de cobri-lo de ouro! Basta de me divertir! Com este saco de pano Vou para o bosque distante. Um cérebro que trabalha Faz fortuna num instante. (Fábulas Encantadas) Figura 2.1. Edição de wallpaper “Shrek”. Gato de Botas A partir daí, fez de tudo para promover o rapaz e, após mil peripécias, acaba por aproximá-lo do rei e de sua filha, com quem se casa e vivem felizes para sempre. O que está subjacente a esse conto é a valorização da iniciativa, típica dos valores burgueses então em ascensão. Não interessa sua origem, ou classe social, na qual você nasceu, basta o talento, “Um cérebro que trabalha” que “Faz fortuna num instante”. É o self-made men do sistema liberal, capitalista, pois, a princípio, “todos são iguais perante a Lei”. 3 A LITERATURA INFANTIL E SUA FUNÇÃO PROPEDÊUTICA A questão da literatura infanto-juvenil passa, necessariamente, por aquilo que se atribui como literário e como não-literário de acordo com a tradição ocidental, no qual estão incluídas as obras tidas como canônicas, ancoradas em pressupostos que vem desde a Grécia antiga. Nesse sentido, por um lado, essa literatura reedita a velha fórmula, que vem de Platão do Docere cum delectare (= ensinar deleitando). Entretanto, desde o seu início, padeceu de uma espécie de menos valia; talvez não tanto por seu vínculo aos valores correntes, mas por sua origem, isto é, os contos populares apresentavam domesticidade e função propedêutica, em que a figura da mãe era chamada como a primeira preceptora do filho 32 Módulo 5 I Volume 1 EAD Literatura Infanto-Juvenil | A questão do Cânone e a Literatura Infanto-juvenil da burguesia e depois a escola assumia esse papel. Tal paradoxo, entre o ideário do Liberalismo e a promoção dos direitos da mulher, colocou-se de pronto, mesmo que o símbolo da Revolução tenha sido a Marianne, eternizada em suas vestes desnudas por Delacroix. O conceito de cânone literário esteve presente desde os gregos, como algo a ser seguido pelos escritores. Canônicas: relativo ao cânone; termo derivado da palavra grega “kanon”, que designava uma espécie de vara com funções de instrumento de medida; mais tarde, o seu significado evoluiu para o de padrão ou modelo a ser aplicado como norma. É, no século IV, que encontramos a primeira utilização gene- ralizada de cânone: trata-se da lista de Livros Sagrados, que a Igreja cristã homologou como transmitindo a palavra de Deus, logo representando a ver- dade e a lei que devia alicerçar a fé e reger o comportamento da comunidade de crentes. Após a rejeição de certos livros, denominados apócrifos, o cânone bíblico tornou-se fechado, inalterável, distinguindo-se nesse aspecto do outro referente do cânone teológico, o conjunto de Santos Padres a que a Igreja Católica periodicamente acrescenta novos indivíduos, através de um processo chamado canonização. Importante para a história posterior do conceito é, pois, a ideia de que canônica é uma seleção (materializada numa lista) de textos e/ ou indivíduos adotados como lei por uma comunidade e que lhe permitem a produção e reprodução de valores (normalmente ditos universais) e a imposi- ção de critérios de medida que lhe possibilitem, num movimento de inclusão/ exclusão, distinguir o legítimo do marginal, do heterodoxo, do herético ou do proibido. Neste sentido, torna-se claro que um cânone veicula o discurso nor- mativo e dominante num determinado contexto, teológico ou outro, e é isso que subjaz a expressões como “o cânone aristotélico”, “cânones da crítica” etc. Acompanhando o processo de secularização da cultura em marcha desde o Renascimento, o conceito e o termo vieram progressivamente a ser aplicados ao domínio da literatura, muitas vezes, sob a forma de expressões como “os clássicos” ou “as obras-primas”. O cânone literário é, assim, o corpo de obras (e seus autores) social e institucionalmente consideradas “grandes”, “geniais”, perenes, comunicando valores humanos essenciais, por isso, dignas de serem estudadas e transmitidas de geração em geração. Tal definição é válida, quer se trate de um cânone nacional, presumindo-se que o povo se reconhece nas suas características específicas, quer se trate do cânone universal, o que signi- fica de fato, dada à própria origem histórica da categoria literatura, um cânone eurocêntrico ou, quanto muito, ocidental. Fonte: http://www.fcsh.unl.pt/invest/edtl/verbetes/C/canone.htm O quadro, constante da Figura 2.2, retrata os representantes da sociedade francesa da época e a Liberdade, encerrada em uma mulher, seria uma espécie de síntese de todas as classes sociais. O conto A Dama e o Leão, dos irmãos Grimm encerra as normas comportamentais a serem seguidas pelos gêneros, com destaque para valores como contenção, recato e incentivo à superação, e os dotes a serem preservados pela mulher: beleza, modéstia, pureza. SAIBA MAIS Propedêutica: adj. 1. Que serve de introdução; prelimi- nar. 33PedagogiaUESC 2 U ni da de A narrativa apela sobremodo para o fantástico como solução para os problemas existenciais enfrentados pelos personagens. Assim, a menina pobre casa com o Príncipe, que se transveste de vários bichos, como leão: Ora, o leão era um príncipe encantado, que durante o dia era leão. Todo o seu séquito também se cons- tituía de leões. À noite, porém, reassumia a forma humana (s/d, p.81). Entre outros animais, está a pomba: Mas o leão disse que seria perigoso demais, pois se um raio de luz tocasse nele o transformaria em pom- ba, e ele teria de voar durante sete anos. [...] - Durante sete anos devo voar pelo mundo – disse- lhe a pomba.- A cada sete passos deixarei cair uma gota de sangue e uma pena branca, para te mostrar o caminho. Tu me seguirás e me libertarás. Dizendo isso, a pomba voou e saiu pela porta. Ela seguiu-a e a cada sete passos a ave deixava cair uma gota de sangue e uma pequena pena branca, a fim de mostrar o caminho (s/d, p.82). Em certo momento, deixaram cair a pena branca e a gota de sangue, com a pomba desaparecida. Para resgatá-la, a princesa correu mundo. Foi ao sol, à lua, ao vento da noite, ao vento leste e ao oeste. Aí o vento sul disse: Figura 2.2. Delacroix La Libertè guidant le peuple.1830. Fonte: <http://fr.wikipedia.org/wiki/La_Libert%C3%A9_guidant_le_peuple>. 34 Módulo 5 I Volume 1 EAD Literatura Infanto-Juvenil | A questão do Cânone e a Literatura Infanto-juvenil - Vi uma pomba branca. Voou para o mar Verme- lho, onde se tornou de novo um leão, pois que os sete anos se passaram. E o leão está sempre lutando com um dragão que é uma princesa encantada (s/d, p.83). E o vento deu-lhe mais conselhos, mas, infelizmente, quando o dragão e a pomba tomaram a forma humana, ... a princesa que tinha sido dragão se viu livre do encanto, tomou o príncipe nos braços, sentou-se nas costas do grifo e levou-o embora. E a pobre viajan- te, mais uma vez abandonada, sentou-se e pôs-se a chorar (s/d, p.84). No entanto, logo tomou uma resolução: “Para onde o vento soprar eu irei, e enquanto o galo cantar eu procurarei e hei de achá- lo” (p.84). E o vento levou-a a muitos lugares até chegar ao castelo aonde opríncipe e a princesa iam se casar. Lá, solicitou um encontro com o noivo e, enquanto esse dormia, falou ao seu ouvido: - Durante sete anos te segui. Estive com o sol, com a lua, com os quatro ventos, à tua procura. Ajudei-te a vencer o dragão, e agora me esquecerás? (s/d, p.85). O príncipe, de início, nada entendeu e perguntou ao camareiro que sons tinham sido aqueles, que ouvira durante a noite, ao que esse respondeu que lhe fora administrada uma droga sonífera, devido à presença de uma pobre moça. Então, o príncipe ordenou que permitisse a entrada novamente da moça em seus aposentos e que gostaria de tomar mais uma vez os comprimidos para dormir. Nesse tempo, ao começar a relatar sua história, o príncipe reconheceu a voz de sua querida esposa e falou: - Agora estou realmente livre, pela primeira vez. Tudo foi como um sonho, pois a princesa estrangeira lançou-me um encanto pelo qual esqueci de ti. Mas o céu, numa hora feliz, afastou de mim aquela ceguei- ra (s/d, p.86). E foram felizes para sempre... Badinter assinala a condição a que foram relegadas as mulheres: Sem dúvida, as mulheres foram as ‘deixadas-por- conta’ da Revolução. No momento em que o ideal re- 35PedagogiaUESC 2 U ni da de volucionário colocava a igualdade formal abaixo das diferenças naturais, ao sexo resta o último critério de distinção. Os Judeus foram emancipados pelo de- creto de 27 de setembro de 1791, a escravidão dos negros abolida (nas colônias francesas) em 4 de fe- vereiro de 1794, mas, apesar dos esforços de alguns, a condição das mulheres não foi modificada. Os di- reitos do Homem, direitos naturais ligados à pessoa humana não as reconhece. O Código Civil de Napoleão (1804) manteve a desi- gualdade dos sexos [...]. Aos homens, os direitos; às mulheres, os deveres. O imperador interveio pes- soalmente para restabelecer em sua plenitude a au- toridade do marido, ligeiramente abalada no fim do século XVIII. Insistiu para que, no dia do casamento, a mulher reconhecesse claramente que devia obedi- ência ao marido (BADINTER, 1986, p. 212-14). Sinalizam-se, assim, previamente, a ocupação dos lugares, em que a polis, da sociedade administrada, continuava sendo a seara do masculino, enquanto às mulheres ficava reservado, em uma espécie de não-lugar, o foyer, o emparedamento do restrito. Como afirma Almeida: A ideologia burguesa intentou mantê-las confinadas no espaço doméstico, e essa domesticidade era desejada e mantida a todo custo. Positivistas e higienistas foram determinantes para conseguir alicerçar a concepção da mulher-mãe, guardiã dos lares, mãe extremosa, tudo o mais que se seguiu ideologicamente foi preservar o culto ao feminino e manter a mulher intocada dos efeitos nocivos da vida terrena, em um espaço próprio, no qual dominavam os sentimentos, a espiritualidade e a superioridade do coração sobre a razão, o que significava o cerne de sua existência (ALMEIDA, 2007). Enquanto a mulher ocupava o espaço da invisibilidade, “mulher-mãe, guardiã dos lares, mãe extremosa”, deixava o espaço público livre para que o homem transitasse. Então, a literatura infanto-juvenil surge nessa dimensão de dependência aos valores do estado burguês, mas, a partir de uma não-cidadã, mas importante no arranjo dos interesses postos, sobre uma criança. Ambos, mãe e filho, são considerados infantis, vistos como menores, por isso, sem voz, uma vez que infantil é aquele, que não é sujeito de sua própria enunciação. O incentivo ao hábito de leitura ocorre paralelamente para a mulher e para a criança, como símbolo de civilidade urbana: [A] leitura, enquanto prática difundida em diferen- tes camadas sociais e faixas etárias, isto é, enquanto um procedimento de obtenção de informações [do] cotidiano e acessível a todos, e não raro erudito, é 36 Módulo 5 I Volume 1 EAD Literatura Infanto-Juvenil | A questão do Cânone e a Literatura Infanto-juvenil uma conquista da sociedade burguesa do século 18. A expansão do mercado editorial, a ascensão do jor- nal como meio de comunicação, a ampliação da rede escolar, o crescimento das camadas alfabetizadas – todos estes são fenômenos que se passam entre o Iluminismo, sendo esta filosofia a sistematização e culminância do processo civilizatório. O ler transfor- mou-se em instrumento de ilustração e sinal de civi- lidade (ZILBERMAN; MAGALHÃES, 1984, p.21). A novela em verso Grisélidis, de Charles Perrault, trata-se de uma fábula, no sentido de algo fantasioso, do folclore francês, em que tece elogios aos atributos femininos como a fidelidade, a paciência e a submissão ao homem, bem nos moldes esperados para esse gênero. Grisélidis não tem voz e o príncipe, ao procurar a sua pretendente, valorizava a submissão feminina ao esposo. É o que ele afirma: Seus caminhos são tais, com tantas variantes, Que uma só coisa eu encontrarei Em que estão todas concordantes, É em querer ditar a lei. Ora, estou convencido, em nenhum casamento Se pode ter felicidade Quando os dois têm autoridade; Se pois quereis que a ele dê consentimento, Buscai-se jovem muito bela Livre de orgulho e de vaidade, De total obediência total, De uma paciência sem igual, E que não possua vontade; Quando a encontrardes, casarei com ela. (PERRAULT, 2007, p.22) Apesar de toda a maldade do príncipe, que, por ciúme, lhe rouba a filha e quase vem a se casar com ela, Grisélidis, a pobre pastorinha, comporta-se com resignação: Sois vós o meu Esposo, e meu Mestre, e Senhor, (Diz ela suspirando e quase a esvaecer), E, embora seja horrendo o que estejais a dizer, Quero fazer-vos sabedor Figura 2.3 - La Lecture (1869-1870), de Berthe Morisot. Fonte: <http://fr.wikipedia.org/wiki/Fichier:Berthe_Morisot_006.jpg>. 37PedagogiaUESC 2 U ni da de De que o que eu mais prezo é vos obedecer. (PERRAULT, 2007, p. 40) Assim o príncipe chega a conceder a glória a Grisélidis, reconhecendo-a como virtuosa, não por ela, mas por intermédio dele: Maior será minha solicitude Em prevenir os seus desejos De que já foi a minha inquietude Em oprimi-la de atos malfazejos; E se por todo o sempre há de estar a memória Dos desgostos que o seu coração tem sopeado, Quero que ainda mais celebrem essa glória Com que a virtude imensa eu lhe terei coroado. (PERRAULT, 2007, p. 46) Tais atitudes são endossadas porque dos homens eram esperados vigor, coragem, perseverança, para que se tornassem vencedores. Por isso, Com a ascensão da burguesia, mais do que nunca a mulher passa a ser vista como um complemento do homem, que deveria ser aperfeiçoado e enobrecido pela afeição e o puro amor de uma mulher. Dessa foram ela se transforma em algo especialmente des- tinado à satisfação masculina (OLIVEIRA, 2004, p. 73). O filósofo Michel Foucault, crítico da modernidade, questionou não a relação da verdade com as coisas, mas a forma como os discursos são instituídos como princípio de verdade na sociedade, chamando atenção para como os jogos de verdade e exclusão são engendrados, isto é, organizados socialmente: Decifrar a história das idéias não é tanto visar um es- tabelecimento do verdadeiro e sim perceber arranjos que articulam jogos de verdade e de exclusão, que estabelecem o tolerado e o intolerável (apud DES- CAMPS, 1991, p.40). Para Foucault, o poder não se encontra em instâncias fechadas, isto é, em instituições, mas de forma difusa na estrutura social. Roberto Machado, estudioso da teoria foucaultiana, adverte,em Ciência e Saber: a trajetória da Arqueologia de Foucault (1981): Foucault: Michel Fou- cault (1926-1984) foi pro- fessor de História dos Sis- temas de Pensamento no Collège de France de 1970 a 1984. Autor das seguin- tes obras, nas quais ana- lisa a construção da ver- dade – os biopoderes e as disciplinas - para o Oci- dente: História da loucu- ra (1961), As palavras e as coisas, uma arqueolo- gia das ciências humanas (1966), A Arqueologia do saber (1969), Vigiar e punir (1975) e História da sexualidade (1976). Fonte: HUISMAN, 2000, p.16, p. 270, p. 271, p.422, p. 568. PARA CONHECER 38 Módulo 5 I Volume 1 EAD Literatura Infanto-Juvenil | A questão do Cânone e a Literatura Infanto-juvenil O Estado não é o ponto de partida necessário, o foco absoluto que estaria na origem de todo tipo de po- der social e de que também se deveria partir para explicar a constituição dos saberes nas sociedades capitalistas (MACHADO, 1981, p.190). Alerta-nos, entretanto, que o poder do Estado instituído em uma sociedade também exerce sua coerção, sobre os cidadãos, entre outras microfísicas, isto é, aquilo que não é percebido, mas que coage para a manutenção de uma verdade. Então, as regras de sujeição disciplinar vão determinar as fronteiras do permitido e do não permitido, porque se embasam em pares que se opõem: alto/baixo, claro/escuro, natureza/cultura, homem/mulher, centro/periferia. Em Vigiar e punir, Foucault vai nos dizer que as disciplinas atravessam o corpo social e a realidade mais concreta do ser humano – o próprio corpo – como uma rede, sem que suas fronteiras sejam delimitadas, através de: “Métodos que permitem o controle minucioso das operações do corpo, que asseguram a sujeição con- stante de suas forças e lhes impõem uma relação de docilidade-utilidade” (FOUCAULT, 1977, p.139). Logo, os estados-nação impõem uma norma comportamental a ser vigiada e punida, em nome da ordem a ser mantida, tanto no espaço doméstico quanto no público. Os primeiros textos voltados para as crianças estiveram atrelados ao estado-nação e, portanto, à pedagogia, pois: “O aspecto meramente lúdico de um texto não justificava a publicação, apenas o critério de utilidade educativa legitimava a difusão de histórias infantis” (ZILBERMAN, 1984, p.41). A obra infantil, desse modo, assume o compromisso de transmitir as regras, através do sonho, de que a criança necessitava para transitar, de forma ajustada, na sociedade. Nesse sentido, a fatura estética voltada para a petizada acaba por se encerrar em duas chaves, uma voltada para a manutenção da ordem dominante, o docere platônico; outra que enseja a ousadia, o delectare, devido ao ”mundo do faz de conta”, entretanto, pleno de verossimilhança, isto é, à luz de Aristóteles em Arte Retórica e Arte Poética (1964), aquilo que tem a aparência da verdade, no literário. Como afirma Coelho: Os que são impelidos mais fortemente pelas forças da renovação exigem que a literatura seja apenas entretenimento, jogo descompromissado (pois é jus- tamente a atividade lúdica que tem por função de- sarticular estruturas estáticas, já cristalizadas com o tempo) (COELHO, 2000, p.47). 39PedagogiaUESC 2 U ni da de Assim, o lúdico, puro jogo, descola o texto infantil do pragmatismo ético-social, levando o leitor mirim à aventura espiritual, à fruição estética. ATIVIDADES 1. Comente a intenção de Charles Perrault, acerca de seus escritos, a partir da seguinte citação de Contes du temps passé, avec des moralités, publicado em 1697: “... Houve pessoas que perceberam que essas bagatelas não são simples bagatelas, mas que guardam uma moral útil e que a narração que as conduz não foi escolhida senão para fazer entrar (tal moral) de uma maneira mais agradável no espírito, e de uma maneira que instrui e diverte ao mesmo tempo. Isso me basta para não temer o ser acusado de me divertir com coisas frívolas. Mas como há pessoas que não se deixam tocar senão pela autoridade dos antigos...” 2. Leia o conto Os dois Irmãos, dos irmãos Grimm, e, a partir dos fragmentos destacados a seguir, identifique o princípio pedagógico que encerra o conteúdo da narrativa: a) “Era uma vez dois irmãos, um rico e outro pobre. O rico era ourives, e malvado até não poder mais. O pobre ganhava a vida fabricando vassouras, e era bom e honesto” (GRIMM, 2002, p.25). b) “Acontece que o ourives era esperto e sabia uma porção de coisas. Sabia que tipo de pássaro era aquele” (GRIMM, 2002, p.27). c) “Fique sabendo que esse pássaro não era como os outros. Tinha uma coisa maravilhosa: quem comesse o coração e o fígado dele passaria a achar, todas as manhãs, uma moeda de ouro debaixo do travesseiro” (GRIMM, 2002, p.27). d) “- Não há nada de mal nisso – disse o caçador - desde que vocês continuem sendo bons e honestos e não comecem a ficar preguiçosos” (GRIMM, 2002, p.29). e) “- Seria muito melhor se quem não tivesse língua fossem os mentirosos. As línguas de um dragão são a presa do matador do dragão” (GRIMM, 2002, p.50). ATIVIDADES 40 Módulo 5 I Volume 1 EAD Literatura Infanto-Juvenil | A questão do Cânone e a Literatura Infanto-juvenil f) “ – A misericórdia é mais importante que o direito. Pode ficar com sua estalagem. E também vou lhe dar mil moedas de ouro, de presente” (GRIMM, 2002, p.52). g) “ Mas o caçador era muito esperto. Arrancou três botões de prata do paletó e carregou a arma com eles, porque contra a prata não havia poder mágico” (GRIMM, 2002, p.56). h) “ Aí ele ficou sabendo como seu irmão lhe tinha sido fiel” (GRIMM, 2002, p.58). RESUMO Foram mostrados, nesta Unidade II, a origem do cânone literário e o modo como a Literatura infantil inseriu-se na tradição ocidental, vinculada, ainda que a sua manutenção encerre uma certa desvalorização em relação ao literário, sem adjetivação, talvez por seu vínculo à sua origem popular, à figura da mãe, sem peso político, fora do lar, e à criança, em sua dependência ao adulto. Referências ALMEIDA, J. S. de. Ler as letras: por que educar meninas e mulheres? São Bernardo do Campo: Universidade Metodista de São Paulo: Campinas: Autores Associados, 2007. ANDERSON, Benedict. Comunidades imaginadas: reflexões sobre a origem e a difusão do nacionalismo. Tradução de Denise Bottman. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. ARISTÓTELES. Arte Retórica e Arte Poética. Tradução de Antônio Pinto de Carvalho. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1964. BADINTER, Elisabeth. Um e o outro. Tradução de Carlota Gomes. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986. RESUMINDO REFERÊNCIAS 41PedagogiaUESC 2 U ni da de COELHO, Nelly Novaes. Panorama Histórico da Literatura/ Juvenil: das origens Indo-Européias ao Brasil Contemporâneo. São Paulo: Ática, 1991. COELHO, Nelly Novaes. Literatura Infantil: teoria, análise, didática. São Paulo: Moderna, 2000. CURTIUS, Ernest. Literatura Européia e Idade Média Latina. Tradução de Teodoro Cabral. Rio de Janeiro: INL,1957. DESCAMPS, Christian. As Idéias Filosóficas Contemporâneas na França. Tradução de Arnaldo Marques. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1991. FOUCAULT, Michel. Fábulas Encantadas. São Paulo: Abril Cultural, 1970. FOUCAULT, Michel. A Arqueologia do Saber. Tradução de Luis Felipe Baeta Neves. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1977. FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas. Tradução de Salma Tannus Muchail. São. Paulo: Martins Fontes, 1999. FOUCAULT, Michel. História da loucura. Tradução de José Teixeira Coelho. São Paulo: Perspectiva, 2003. FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. Tradução de Lygia M. Pondé Vassalo. Petrópolis:
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