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Curso Medicina Atual em Neuroimagem – aula 3 1 Acidente vascular cerebral isquêmico Flávio Túlio Braga1 1 – Médico Radiologista da Santa Casa de Misericórdia e do Centro de Medicina Diagnóstica Fleury, São Paulo, SP. 1 – Introdução Trata-se de uma importante causa de morbi-mortalidade em todo o mundo, devendo ser diagnosticado o mais precocemente possível para que o tratamento permita a preservação de tecido nervoso (“tempo é cérebro”). A tomografia computadorizada (TC) é o método mais utilizado em nosso meio na avaliação de pacientes com suspeita de isquemia/infarto. No entanto, é importante saber que o diagnóstico mais precoce e a melhor delimitação do comprometimento são obtidos por meio de seqüências específicas de ressonância magnética (RM). Como a disponibilidade de equipamentos de RM capazes de executar tais seqüências não faz parte da realidade da maior parte dos hospitais públicos do país, procurarei ilustrar alguns detalhes que podem otimizar a avaliação das imagens tomográficas. 2 – Acidente vascular cerebral isquêmico agudo A TC pode ser normal em boa parte dos casos com menos de 12 horas de evolução. Nos casos alterados, os principais achados observados nesta fase são: • Artéria densa: hiperatenuação do vaso comprometido pela presença de trombo intraluminal. • Apagamento dos sulcos corticais: relacionados ao edema citotóxico. • Má distinção entre as substâncias cinzenta e branca e obliteração da ínsula e do núcleo lentiforme. É importante ressaltar que tais achados são, em boa parte dos casos, bastante sutis, sendo fundamental uma análise criteriosa das imagens. Um método de análise das imagens que pode ser de grande utilidade consiste na avaliação detalhada das estruturas anatômicas, partindo-se da ínsula em direção à região centro-encefálica. Em indivíduos normais, é possível delimitar cinco estruturas anatômicas diferentes (córtex insular – cápsula externa – núcleo lentiforme – cápsula interna – tálamo ou cabeça do núcleo caudado), conforme detalhado na figura 1A. A falha na delimitação destas estruturas, no contexto clínico apropriado, pode estar relacionada ao insulto isquêmico em território da artéria cerebral média (má distinção da ínsula e do núcleo lentiforme). Curso Medicina Atual em Neuroimagem – aula 3 2 Figura 1. A – Ínsula; (*) – cápsula externa; L – núcleo lentiforme; (o) – cápsula interna; T – tálamo; C – cabeça do núcleo caudado. É importante tentar delimitar estas estruturas anatômicas. B – Artéria cerebral média direita densa devido à presença de trombo intra-luminal (seta). C – Obliteração do núcleo lentiforme e da ínsula (círculo). Comparativamente com o outro lado, a delimitação das estruturas anatômicas descritas em (A) é menos evidente. É importante detalhar que alguns pacientes idosos apresentam áreas de gliose/dilatação de espaços perivasculares de Virchow-Robin nas ínsulas, o que pode torná-las hipoatenuantes na tomografia. Desta forma, é importante a comparação com o lado contra-lateral de forma e evitar avaliações falsos-positivos. Uma outra maneira de aumentarmos a sensibilidade da TC consiste em ajustar a janela da tomografia de forma que a imagem fique com mais contraste e mais granulada, procedimento este que pode ser feito ao se analisar as imagens no equipamento tomográfico (figura 2). Figura 2. A – Paciente com hemiplegia direita e afasia há 2 horas. Estudo tomográfico normal. B – Ajuste da janela tornando a imagem mais granulada e com mais contraste. Observar uma menor distinção entre substância cinzenta e substância branca e a obliteração do núcleo lentiforme e da ínsula esquerdos (círculo) permitindo a caracterização tomográfica da isquemia em uma fase hiperaguda. C – Exame controle 48 horas após demonstrando a área de infarto. (Caso gentilmente cedido pelo Dr. Nelson Fortes – Medimagem/SP) Curso Medicina Atual em Neuroimagem – aula 3 3 Conforme descrito na aula “Métodos de Imagem em Neurorradiologia Diagnóstica”, as seqüências de difusão e perfusão por RM são de grande utilidade na avaliação de pacientes com AVC. A difusão teve seus aspectos técnicos abordados de forma sucinta na aula anterior. Como descrito, possibilita o diagnóstico precoce do insulto isquêmico e permite identificar, em pacientes com múltiplos focos de gliose na substância branca, qual dessas áreas de alteração de sinal representa a isquemia atual (ver imagens da aula 1). A perfusão por RM é uma técnica que avalia a primeira passagem do contraste paramagnético pelo leito microvascular cerebral. Permite, em associação com a difusão, a delimitação da área de “penumbra”, que é a área hipoperfundida que pode evoluir para infarto e que representa o alvo do tratamento clínico. Esta técnica nos fornece alguns parâmetros importantes que são: MTT (mean transit time), CBV (cerebral blood volume) e CBF (cerebral blood flow). Quando ocorre a isquemia, o organismo tenta manter o fluxo sangüíneo dentro de valores aceitáveis na região comprometida. Para isso ocorre uma vasodilatação adjacente à região comprometida e há uma lentificação do tempo de trânsito. Se tais mecanismos não forem suficientes para a manutenção do fluxo (CBF), a área de penumbra pode evoluir para infarto. A espectroscopia de uma área acometida por infarto evidenciará pico de lactato, marcador de metabolismo anaeróbico (figura 3). Figura 3. A – Seqüência ponderada em difusão mostrando área de infarto. B e C – Seqüência ponderada em perfusão. Em B temos o mapa de MTT (mean transit time) que demonstra a área de lentificação do fluxo na região comprometida. Em C temos o mapa de rCBV (cerebral blood volume) que demonstra a área com redução do volume sangüíneo. Observar que a área de alteração perfusional identificada na seqüência de perfusão é maior que a de infarto (em A). A diferença entre as duas representa a área de penumbra. D – Espectroscopia de prótons realizada na área de infarto que evidencia pico de lactato (seta), marcador de anaerobiose e redução do pico de N- acetilaspartato, marcador de população/viabilidade neuronal (seta dupla). 3 – Acidente vascular cerebral isquêmico subagudo (2 a 14 dias) É nessa fase que o edema predomina, podendo determinar desvios de estruturas da linha mediana, herniações etc. Pode haver, ainda, transformação hemorrágica quando o trombo intraluminal é dissolvido pelo organismo e o sangue circula por uma rede vascular “danificada” pela isquemia. Podemos observar realce da superfície dos giros comprometidos caso o exame seja feito com contraste. Curso Medicina Atual em Neuroimagem – aula 3 4 Figura 4. A – Isquemia subaguda promovendo apagamento dos sulcos corticais e deslocamento contra-lateral das estruturas da linha mediana. B – Área isquêmica com transformação hemorrágica (asterisco). C e D – Observar o realce giriforme (em D) após a injeção do contraste iodado. 4 – Acidente vascular cerebral isquêmico crônico Na fase crônica predomina o efeito atrófico. O material necrosado é reabsorvido e os sinais de redução volumétrica da região comprometida tornam-se evidentes (sulcos alargados, ventrículos ectasiados). As margens da área mostram-se circundadas por halo de gliose. Nesta fase é possível a caracterização da necrose cortical laminar. Não é observado realce pelo contraste iodado ou paramagnético. A morte neuronal acarreta uma degeneração dos axônios correspondentes (degeneração transaxonal). Figura 5. Observar múltiplas áreas de infarto crônico em criança com anemia falciforme. Nesta fase,o predomínio é de efeito atrófico, com alargamento de sulcos e fissuras e ectasia do sistema ventricular. Curso Medicina Atual em Neuroimagem – aula 3 5 5 – Outras classificações Os infartos podem ainda ser caracterizados em: 5.1 Infartos lacunares Representam 15-20% dos infartos, tendo forte associação com hipertensão arterial sistêmica. Podem, ainda, estar associados a causas genéticas (CADASIL). Trata-se de uma importante causa de demência vascular. Geralmente são menores que 2 mm e localizam-se, preferencialmente, nos núcleos da base e tálamos, por acometerem arteríolas terminais que irrigam as regiões centro-encefálicas. Mostram-se circundados por halo de gliose. A presença deste halo ajuda na distinção entre lacuna isquêmica e dilatação de espaço perivascular de Virchow-Robin. 5.2 Hemodinâmico (hipotensivo/fronteiriço) Resultado de fluxo sangüíneo insuficiente para suprir as demandas metabólicas das regiões de fronteira vascular (zonas marginais entre os territórios arteriais maiores). Apresenta configuração triangular com base cortical, apontando para o ventrículo e representa menos de 5% dos casos. As principais causas são: hipotensão, ressuscitação prolongada, inalação de gás carbônico, asfixia profunda. Estenoses de grandes vasos são fatores predisponentes para a ocorrência desse tipo de infarto durante situações de comprometimento hemodinâmico. 5.3 Embólico Focos múltiplos, geralmente supra-tentoriais, haja vista que a maior parte do fluxo sangüíneo cerebral chega através das artérias carótidas. Compromete a transição córtico-subcortical e os núcleos da base. Figura 6. A – Infarto lacunar no tálamo direito. B e C – Infartos em zonas de fronteira vascular. Curso Medicina Atual em Neuroimagem – aula 3 6 6 –Leitura recomendada Osborn A, Blaser S, Salzman K. Diagnostic imaging: brain. AMIRSYS; 2004. Dorothee S et al. Sensitivity and Interrater Agreement of CT and Diffusion-Weighted MR Imaging in Hyperacute Stroke. Am. J. Neuroradiol, 2003;24:878-885. Pexman JHW et al. Use of the Alberta Stroke Program Early CT Score (ASPECTS) for Assessing CT Scans in Patients with Acute Stroke. Am. J. Neuroradiol 2001;22:1534-1542. Grossman RI, Yousem DM. Neuroradiology: the requisites. Mosby; 2nd edition, 2003. Scott W Atlas. Magnetic resonance imaging of the brain and spine. Lippincott Williams & Wilkins; 3rd edition, 2002.
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