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ABORDAGEM DO PACIENTE COM POLIARTRITE AGUDA Divino França Liz Ribeiro Wallim Patricia Martin Revisando o que já discutimos até agora, devemos lembrar que, ao abordar um paciente com queixas musculo-esqueléticas devemos perguntar aonde dói, ou seja, se a dor é articular ou em partes moles (bursas ou tendões). Uma vez que a dor seja caracterizada como articular, devemos caracterizá-la como mecânica ou inflamatória, lembrando que a do inflamatória piora ao repouso e está associada a rigidez matinal prolongada, em geral maior do que uma hora. Já a dor mecânica alivia ao repouso e piora com a movimentação e quando articular, o diagnóstico mais provável é o de osteartrite. Porém, devemos lembrar que, a osteartrite está associada a um processo inflamatório, ainda que mínimo, por isso o paciente poderá apresentar rigidez após períodos de repouso, porém que melhora rapidamente com o inicio da movimentação, fenômeno conhecido por rigidez protocinética ou gelling e, pela manhã, o paciente apresenta rigidez de curta duração, ou seja, menor do que 30 minutos. Também devemos caracterizar a artralgia como mono, oligo (< 5 articulações) ou poliarticular (5 ou mais articulações) como aguda (< 6 semanas) ou crônica (6 semanas ou mais) e como simétricas ou assimétricas. Diante de um paciente com monoartrite, sempre devemos descartar infecção, nos casos agudos por meio da punção e análise da citologia total e diferencial, gram e cultura do líquido sinovial. Outros diagnósticos diferenciais incluem gota, pseudogota e trauma. Por outro lado, pacientes com monoartrite crônica, algumas vezes necessitam de biópsia sinovial para elucidação diagnóstica. Os pacientes com oligoartrite ou poliartrite assimétrica crônica devem sempre ser questionados e examinados a procura de história familiar ou pessoal de psoríase; doença inflamatória intestinal, uveíte, dor lombar inflamatória pensando das espondiloartropatias soronegativas. Já a a queixa de poliartrite simétrica crônica direciona para o diagnóstico de artrite reumatoide e das doenças difusas do tecido conjuntivo, como lúpus eritematoso sistêmico. Nesse caso, devemos procurar pelo envolvimento de múltiplos órgãos e sistemas sendo as lesões características na pele, citopenias e proteinúria com hematúria celular as mais comuns. Nesse caso devemos pedir pesquisa de anticorpos antinucleares, o que evidenciará auto-imunidade, permitindo o diagnóstico de lúpus eritematoso sistêmico. Ainda, o vírus da hepatite C pode causar um quadro de poliartrite simétrica crônica. Em relação às poliartrites agudas, devemos sempre pensar em etiologia viral, sendo atualmente um grande problema de saúde pública, devido a emergência das alfa-viroses, em especial o vírus Chikingunya (Chik). Artrite associada ao vírus da hepatite B: Caracteriza-se por um poliartrite simétrica, autolimitada, associada a erupção cutânea que precede a fase ictérica da hepatite B. Acredita-se que seja mediada pela deposição de imunocomplexos. Após a exposição ao vírus, há um período de incubação longo (6 a 20 semanas) e, em alguns casos, duas a três semanas antes da icterícia, o paciente pode desenvolver uma poliartrite aguda, súbita, acometendo interfalangeanas proximais, joelhos e tornozelos. Em 40% dos casos pode ser acompanhada de erupção urticariforme, maculo-papular ou de petéquias. Pode ainda ocorrer mialgia, febre e mal estar. O diagnóstico é confirmado pela positividade dos antígeno de ingri Realce ingri Realce ingri Realce ingri Realce ingri Realce ingri Realce ingri Realce ingri Realce ingri Realce ingri Realce ingri Realce ingri Realce ingri Realce ingri Realce ingri Realce ingri Realce ingri Realce ingri Realce ingri Realce ingri Realce ingri Realce ingri Realce ingri Realce ingri Realce ingri Realce ingri Realce ingri Realce ingri Realce ingri Realce ingri Realce ingri Realce ingri Realce ingri Realce ingri Realce ingri Realce ingri Realce ingri Realce ingri Realce ingri Realce ingri Realce ingri Realce ingri Realce ingri Realce ingri Realce ingri Realce ingri Realce ingri Realce ingri Realce ingri Realce ingri Realce ingri Realce ingri Realce ingri Realce ingri Realce ingri Realce ingri Realce ingri Realce ingri Realce superfície (HBsAg) ou pela presença de títulos altos de anti-HBc-IgM. Deve-se monitorizar as enzimas hepáticas. O tratamento antiviral está indicado para os casos de hepatite B crônica apenas e a artralgia deve ser tratada com analgésicos, devendo-se evitar o uso de anti inflamatórios que são hepatotoxicos. O prognóstico articular é excelente e menos de 5% dos pacientes com hepatite B aguda e ictérica apresentam transição para a fase crônica. Artrite por parvovirus B19 ou eritovírus: O eritema infeccioso é mais comum em crianças e sua manifestação clínica clássica é uma erupção facial com palidez perioral conhecida por “face esbofeteada” (figura 1A). Na segunda fase da doença, a erupção de estende como manchas vermelhas para o tronco e membros, evoluindo com um clareamente central, apresentando um aspecto rendilhado (figura 1B). Em apenas 8% das crianças acometidas, o eritema infecioso causa sintomas articulares. Por outro lado, nos adultos o parvovirus B19 causa uma poliartrite simétrica auto- limitada muito semelhante a artrite reumatoide e acontece cerca de duas semanas após a exposição vírus, sendo precedida por sintomas gripais por cerca de uma semana. Menos de 20% dos adultos apresentam o aspecto típico de face esbofeteada, mas 75% apresentam erupção cutânea. A maioria das queixas articulares regride em 2 a 3 semanas, embora possam se prolongar por mais tempo em alguns pacientes. O parovirus B19 pode causar citopenias, mas em geral o hemograma está normal, assim como as provas de atividade inflamatórias. Há relatos de FAN, anti DNA e fator reumatoide positivos durante a infecção aguda pelo vírus. O diagnóstico é comprovado pela presença de anticorpos IgM contra o parvovírus B19, que aparecem 1 semana depois da infecção aguda e persistem por até 6 meses. O tratamento visa o controle dos sintomas, utilizando-se analgésicos ou anti- inflamatórios. Figura 1: erupção do parvovirus B19 Artrite pelo vírus da rubéola: Com a introdução da vacina para rubéola, a infecção por este vírus se tornou bastante rara. A maioria dos casos acontece nos adultos jovens e causa mal estar, febre, linfadenopatia retroauricular, occiptal e cervical e erupção maculopapular que começa na face e espalha-se pelo tronco. Pode causar poliartrite simétrica das mãos, joelhos e tornozelos, simultaneamente ao surgimento da erupção cutânea, persistindo por várias semanas. É mais comum em mulheres. O diagnóstico é confirmado pela presença de anticorpos do tipo IgM contra a rubéola ou pelo aumento de 4 vezes nos títulos séricos de IgG dosado nas fases aguda e de convalencença. Pode ingri Realce ingri Realce ingri Realce ingri Realce ingri Realce ingri Realce ingri Realce ingri Realce ingri Realce ingri Realce ingri Realce ingri Realce ingri Realce ingri Realce ingri Realce ingri Realce ingri Realce ingri Realce ingri Realce ingri Realce ingri Realce ingri Realce ingri Realce ingri Realce ingri Realce ingri Realce ingri Realce ingri Realce ingri Realce ingri Realce ingri Realce ingri Realce ingri Realce acontecer artrite pós vacinal, que em geral é mais branda. O tratamento visa o controle dos sintomas, utilizandoanalgésicos e anti-inflamatórios. Artrite pelo vírus Chikungunya (Chyc) A Chikungunya é uma arbovirose causada pelo vírus Chikungunya (CHIKV), da família Togaviridae e do gênero Alphavirus. A transmissão se dá através da picada de fêmea do mosquito Aedes aegypti e Aedes albopictus. No de 2017 foram registrados 185.854 casos suspeitos de febre Chikungunya. Em 2018, até a segunda semana de fevereiro, já foram notificados 6527 casos prováveis, sendo que 55% foram confirmados. Assim, a incidência da doença no país é de 3,1 casos/100mil habitantes. A maior incidência ocorreu na região centro- oeste (48%), seguida da região sudeste (25%), porém foram notificados casos em todas as regiões do país. Em 2018, até a segunda semana de fevereiro foram confirmados laboratorialmente 6 óbitos e 5 ainda estão em investigação. Embora poucos estados tenham vivenciado uma epidemia causada pelo vírus Chik até o momento, a alta densidade do vetor, a intensa circulação de pessoas em áreas endêmicas contribuem para a possbilidade de epidemia em todas as regiões do Brasil. Assim faz-se necessário conhecer as manifestações clínicas a fim de diagnosticar a doença, reconhecer os indivíduos de alto risco e tratar a todos os indivíduos diagnosticados de maneira adequada. O nome Chikungunya deriva de um dialeto falado na Africa e significa “aqueles que se dobram” descrevendo a aparência encurvada das pessoas que sofrem com a artralgia causada pela doença. Ao contrário das demais arboviroses, a maioria dos indivíduos infectados desenvolve os sintomas da doença, que se caracteriza por 3 fases: aguda com duração de 7 a 14 dias, subaguda com duração de até 3 meses e crônica, com persistência dos sintomas por mais de 3 meses. O período de incubação é de três a sete dias, variando entre um e 12 dias. A fase aguda se caracteriza por febre de inicio súbito, associada a artralgia e/ou artrite simétrica poliarticular, sobretudo em mãos, punhos, tornozelos e pés. Pode ocorrer dor lombar e em alguns casos a artrite pode ser assimétrica. Outras manifestações incluem astenia, mialgia, cefaleia e dor retro-orbital, fotofobia, conjuntivite, náuseas/vômitos, diarreia, linfadenopatia e exantema maculo-papular. O exantema aparece em geral entre o 2º e o 5º dia após o início da febre e atinge tronco e extremidades, incluindo região plantar e palmar, podendo ainda afetar a face. Pode ainda ocorrer neurite e meningoencelfalite, especialmente em neonatos. Na fase sub-aguda, em geral a febre desaparece e prodominam os sintoma articulares, ocorrendo em até 50% dos pacientes infectados. Caracteriza-se pela persistência da artrite, bursite, tenossinovite associada a rigidez matinal e astenia. Após a fase sub-aguda, alguns pacientes poderão ter persistência do quadro articular e também dor neuropática, caracterizando a fase crônica, ocorrendo em cerca de 47% dos indivíduos acometidos segundo modelo estatístico com base em estudos observacionais na América Latina. O padrão pode ser persistente ou recidivante e inclui oligo ou poliartrite inflamatória, simétrica em mãos, punhos, tornozelos e joelhos, com rigidez matinal. O diagnóstico da febre Chikungunya é tipicamente clínico, uma vez que a associação de febre de inicio agudo com artrite ou artralgia intensa em indivíduos que residem ou que estiveram em área endêmica é muito sugestivo da doença. Atualmente no Brasil, o ministério da Saúde recomenda utilizar o critério clínico -epidemiológico para definição de caso suspeito, conforme a tabela 1. ingri Realce ingri Realce ingri Realce ingri Realce ingri Realce Fonte: Marques, et al. Rev Bras Reumatol, 57 (S2)S421-S437, 2017 Alguns casos podem evoluir de forma atípica com aparecimento de manifestações menos frequentes e muitas veze graves, como insuficiência cardíaca e meningoencefalite, conforme a tabela 2. Alguns pacientes podem evoluir com choque séptico. Os quadros graves ocorrem nos extremos de idade (menores de 2 anos e maiores de 65 anos) e nos pacientes com comorbidades. O uso de anti inflamatórios não esteoidais, hipertensão arterial e doença cardiovascular foram fatores de risco independentes para o aumento de mortalidade. Fonte: Marques, et al. Rev Bras Reumatol, 57 (S2)S421-S437, 2017 A confirmação do diagnóstico pode ser feita laboratorialmente pela pesquisa do RNA viral por técnicas de biologia molecular (PCR) que só será útil até o 8ª dia após o aparecimento dos sintomas, que é o período de duração da viremia. Após esse período, deve-se realizar a pesquisa de anticorpos específicos, sendo que anticorpos do tipo IgM já podem ser encontrados a partir do segundo dia após o aparecimento dos sintomas (sendo que o período mais indicado para essa investigação sorológica é a partir do 5º dia) e do tipo IgG, a partir do sexto dia. Outra estratégia para confirmação sorológica é a sorologia pareada. Neste caso, duas amostras devem ser coletadas, a primeira na fase aguda da doença e a segunda, aproximadamente, 15 dias após a primeira. O aumento de 4 vezes no título dos anticorpos demonstra a reatividade específica. Outras arboviroses podem fazer quadros clínicos semelhantes e as principais diferenças podem ser verificadas no quadro 1. Quadro 1: diagnóstico diferencial das arboviroses Para definir o manejo dos pacientes na fase aguda, devemos procurar os sinais de gravidade e critérios de internação, conforme a figura 2. Uma vez classificados, devem ser seguidas as recomendações especificas para cada caso, conforme as figuras 3 e 4. Figura 2: classificação do risco de pacientes com febre Chikungunya. Fonte: Ministério da Saúde. Febre Chuikungunya, manejo clínico, 2017. Disponível em: http://portalarquivos.saude.gov.br/images/pdf/2016/dezembro/25/chikungunya-novo-protocolo.pdf Figura 3: manejo da febre Chikungunya de acordo com a classificação do risco. Fonte: Ministério da Saúde. Febre Chuikungunya, manejo clínico, 2017. Disponível em: http://portalarquivos.saude.gov.br/images/pdf/2016/dezembro/25/chikungunya-novo- protocolo.pdf Figura 3: tratamento do paciente ambulatorial. . Fonte: Ministério da Saúde. Febre Chuikungunya, manejo clínico, 2017. Disponível em: http://portalarquivos.saude.gov.br/images/pdf/2016/dezembro/25/chikungunya-novo- protocolo.pdf De acordo com a intensidade da dor, poderá ser utilizado paracetamol, dipirona ou tramadol, quando necessário endovenoso. Os analgésicos devem ser feitos em doses fixas (e não “se necessário”) e na fase aguda não se usa anti inflamatório não esteroidal ou corticosteroides. Pacientes com dor neuropática se beneficiam de amitriptilina ou gabapentina. Na fase subaguda pode-se associar prednisona na dose de 0,5 mg/kg/dia por até 21 dias. Na fase crônica pode-se associar hidroxicloroquina e metotrexate nos casos refratários, devendo-se encaminhar o paciente para o reumatologista. Infecção Gonocócica disseminada (IGD): A infecção gonocócica disseminada é uma das causas mais comuns de artrite séptica, afetando pessoas sexualmente ativas, sendo que a disseminação da N gonorrhoeae ocorre em 0,5 a 3 % dos casos de doença genital não tratada. O intervalo entre o contato sexual e o inicio da IGD varia de 1 dias a 2 meses e apenas 25% dos pacientes com IGD apresentam sintomas genitourinários ou faríngeos resultantes da infecção primária. Em geral, a doença se caracteriza pela tríade de poliartrite, tenossinovite e dermatite, caracterizada por pústulas necróticas sobre base eritematosa (Figura 2). Essas pústulas podem ser assintomáticas, com padrão esparso e em geral poucas lesões,variando de 10 a 25 no total. Por isso o paciente deve ser cuidadosamente examinado. A poliartralgia em geral é migratória evoluindo para mono ou poliartrite de joelhos, punhos, tornozelos e cotovelos, em ordem decrecente. Pode haver tenossinovite caracterizada por dor a palpação de punhos, dedos das mãos e dos pés e dos tornozelos. O paciente também apresenta febre e queda do estado geral. A hemocultura será positiva em apenas 20 a 30% dos casos e a cultura do liquido sinovial em 20 a 50%. Na suspeita de IGD, deverão ser colhidas culturas da secreção uretrais, cervicais e orofaringe. Os pacientes deverão ser tratados com ceftriaxona. Devido a alta prevalência de co- infecção por clamidea, os pacientes e seus parceiros deverão receber azitromicina ou doxicilina. Figura 2: infecção gonocócica disseminada. Observe em A a tenossinovite e em B e C as pústulas. Referencias: Ghanen KG. Infecção gonocócica disseminada. In: Imboden JB, Hellman D, Stone J, editores. Current Reumatologia: Diagnóstico e Tratamento. Porto Alegre: 3.ed. Guanabara; 2014.p 245- 347 Vassilopoulos D. Manifestações reumáticas das artrites virais agudas e crônicas. In: Imboden JB, Hellman D, Stone J, editores. Current Reumatologia: Diagnóstico e Tratamento. Porto Alegre: 3.ed. Guanabara; 2014.p 373-376. Ministério da Saúde (BR):Chikungunya: manejo clínico. Brasília (DF), 2017. Disponível em: http://portalarquivos.saude.gov.br/images/pdf/2016/dezembro/25/chikungunya-novo- protocolo.pdf Marques, et al. Recomendacões da Sociedade Brasileira de Reumatologia para diagnóstico e tratamento da febre chikungunya. Parte 1 – Diagnóstico e situacões especiais Rev Bras Reumatol. 2017, 57 (S2)S421-S437.
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