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Construção do número 27 de fevereiro de 2010 by Solange Moll Retirado do site http://www.psicosol.com/construcao-do-numero/ em 26/08/2011 Compreender o significado dos conceitos matemáticos e como eles são construídos pode ajudar o professor a compreender as dificuldades encontradas por alguns alunos na aprendizagem matemática e a elaborar propostas pedagógicas adequadas à superação dessas dificuldades. Este texto apresenta uma síntese do livro A Criança e o Número de Constance Kamii. Kamii fundamentada na teoria de Piaget, em seu livro apresenta de uma maneira bem simples e abrangente como se processa a construção do número na criança. Piaget compreendeu dois tipos de conhecimento: o conhecimento físico e o lógico- matemático. A cor e o peso de uma bola é um exemplo de propriedade física, que estão na realidade externa do objeto e podem ser observados. A percepção de que esta bola cairá se soltarmos ao ar é um exemplo de conhecimento físico. Já se nós mostrarmos duas bolas com cores diferentes à uma criança, ao notar esta diferença (de cores) ela estará demonstrando um exemplo de conhecimento lógico- matemático. Esta diferença é uma relação criada mentalmente e só pode ser feita por cada indivíduo. A construção do conhecimento lógico-matemático é alcançado, por uma criança, com a coordenação das relações simples que a mesma tenha anteriormente criado entre os objetos, pois a fonte do conhecimento lógico-matemático é interna ao indivíduo. Ao contrário do conhecimento físico que é parcialmente externa ao indivíduo. Segundo Kamii (1990, p. 17) “ para a abstração das propriedades a partir dos objetos, Piaget usou o termo abstração empírica (ou simples). Para a abstração do número, ele usou o termo abstração reflexiva.” Quando uma criança focaliza uma certa propriedade de um objeto e ignora outras ela está fazendo uma abstração empírica. Já se a criança faz relações entre os objetos ela estará fazendo uma abstração reflexiva, que é uma construção feita pela mente, que vai além da simples representação de algo já existente no objeto. Apesar desta distinção entre a abstração empírica e a abstração reflexiva, Piaget afirma que no âmbito da realidade psicológica da criança uma abstração não existe sem a outra. Pois para que uma criança possa construir a relação diferente ela precisa observar propriedades de diferença entre os objetos. E também para construir o conhecimento físico ela necessita de um sistema de referência lógico- matemático que lhe permita relacionar novas observações com um conhecimento já existente. A criança elabora por abstração reflexiva dois tipos de relações entre os objetos para chegar ao número: uma é a ordem e a outra é a inclusão hierárquica. Piaget entendia por ordem a tendência comum entre as crianças de contar objetos saltando alguns ou contar o mesmo objeto mais de ma vez. Isto significa que a criança não sente a necessidade lógica de colocar objetos em uma determinada ordem para ter certeza de que não pulou nenhum objeto, ou contou duas vezes o mesmo objeto. Porém a criança não precisa colocar objetos em uma ordem espacial para arrumá-los em uma relação organizada. O importante é que ela possa ordená-los mentalmente. De acordo com Kamii (1990, p. 20) “se a ordenação fosse a única operação mental da criança sobre os objetos, estes não poderiam ser quantificados, uma vez que a criança os consideraria apenas um de cada vez, em vez de um grupo de muitos ao mesmo tempo.” Se depois de uma criança contar oito bolas organizadas numa relação ordenada nós pedirmos a ela que por exemplo nos mostre as oito bolas ela irá nos mostrar a última bola que ela contou. Para que esta criança consiga quantificar estas bolas como um grupo ela precisa colocá- los em uma relação de inclusão hierárquica, que significa que ela inclui mentalmente um em dois, dois em três e assim sucessivamente. A teoria do número de Piaget se opõe à hipótese comum de que os conceitos numéricos podem ser ensinados pela transmissão social, especialmente o ato de ensinar as crianças a contar. Segundo Kamii (1990, p. 25) As pessoas que acreditam que os conceitos numéricos devem ser ensinados através da transmissão social falham por não fazerem a distinção fundamental entre o conhecimento social e o lógico-matemático. No conhecimento lógico-matemático, a base fundamental do conhecimento é a própria criança, e absolutamente nada arbitrário neste domínio. Por exemplo 2 + 3 dá o mesmo resultado em todas as culturas. Na verdade, toda cultura que construir algum sistema de matemática terminará construindo exatamente a mesma matemática, porque este é um sistema de relações no qual absolutamente nada é arbitrário. O fato de que crianças pequenas não conservam os números antes dos cinco anos prova que o número é algo que é construído individualmente por muitos anos através da criação e coordenação de relações e que não é concebido inatamente. Por causa desta construção individual do número é que vemos a seqüência do desenvolvimento sintetizada da seguinte forma: - No nível I a criança não consegue fazer um conjunto que tenha o mesmo número que outro; - No nível II ela já consegue fazer um conjunto com o mesmo número, no entanto não consegue conservar a igualdade numérica de dois conjuntos; - No nível III ela já consegue conservar os números. Já construiu uma estrutura numérica que se tornou forte o suficiente para torná-la apta a ver objetos numericamente, em vez de espacialmente. Quanto aos educadores cabe o papel de favorecer o desenvolvimento desta estrutura ao invés de tentar fazer com que as crianças dêem respostas certas e superficiais na tarefa de conservação. Piaget declara que o objetivo da educação deve estar centrada na autonomia da criança. E isto implica em não exigir que elas digam coisas nas quais elas não acreditam. Que é o caso que acaba por acontecer quando as escolas tradicionalmente ensinam através da obediência, através de notas. Todos estes procedimentos acabam por atrapalhar o desenvolvimento da autonomia das crianças. Este desempenho da escola acaba por refletir a diante quando alunos universitários demonstram não estarem preparados para serem críticos. Segundo Kamii (1990, p. 38) “as pesquisas mostram que o meio ambiente pode agilizar ou retardar o desenvolvimento lógico-matemático.” A criança de sete ou oito anos após ter construído o conhecimento lógico-matemático consegue representar esta idéia através de símbolos ou com signos. Piaget em sua teoria difere os símbolos dos signos porque os símbolos são criados pela criança e mantêm uma semelhança figurativa dos objetos. Muitos professores acreditam que ensinando as crianças a contar e a escrever os numerais estará ensinando conceitos numéricos o que é um equívoco, pois na verdade está apenas fazendo com que ela decore os números ao invés de construir a estrutura mental do número. Não que não seja bom para a criança aprender a contar e escrever numerais se isto lhe for de seu interesse, mas só isto não basta. Existem muitas maneiras de fazer com que um ambiente torne-se facilitador do conhecimento lógico-matemático. Segundo Kamii “… o meio ambiente pode proporcionar muitas coisas, que, indiretamente, facilita o desenvolvimento do conhecimento lógico-matemático. O ensino indireto pode variar do ato de encorajar as crianças a colocar todos os tipos de coisas em todas as espécies de relações, até pedir- lhes que peguem tantos pratos quantas são as pessoas em suas mesas.” As relações são criadas pela própria criança. É algo que faz parte de seu processo de construção. Agora, o professor tem um papel muito importante neste desenvolvimentoe deve estar atento para propiciar a criação de um ambiente material e social que encoraje a autonomia e o pensamento das crianças. Quando um adulto consegue criar um ambiente que indiretamente encoraje o pensamento das crianças acaba por surpreender-se com a quantidade de relações que elas por si acabam por demonstrar. As situações de conflito são ótimos momentos para colocar as coisas em relações e desenvolver a mobilidade e a coerência do pensamento. Se ao contrário de ser reprimidas, as crianças forem encorajadas a discutir ou justificar uma decisão estará desenvolvendo de uma maneira indireta o seu pensamento lógico. Com isto crianças criadas em um ambiente repressor, mal sabem as famílias, o quanto tem a perder. O pensamento numérico pode ser desenvolvido naturalmente, sem ser necessário que a professora determine o horário de matemática. Já que o papel do professor é encorajar a autonomia da criança, então é muito mais interessante que seja observado o momento em que a criança demonstra interesse, e aí encorajá-las a pensar sobre quantidades. Existe uma diferença entre contagem mecânica e uma contagem que a própria criança tenha escolhido para resolver um determinado problema real. Normalmente antes dos sete anos de idade, a correspondência um-a-um, a cópia da configuração espacial, ou mesmo estimativas imperfeitas representam procedimentos mais confiáveis para a criança. Depois que a criança constrói a estrutura mental do número e assimila as palavras a esta estrutura, a contagem torna-se um instrumento confiável. O professor deve ser cuidadoso para não insistir que a criança dê respostas corretas a uma pergunta. Estas perguntas devem ser feitas de maneira casual para fazer com que as crianças pensem numericamente se isso lhes interessar. Deixar as crianças decidirem sobre quando usar a contagem é o melhor caminho na prevenção de imposições e numa fundamentação mais lógica para a aprendizagem futura. Segundo Kamii (1990, p. 58) “as crianças não aprendem conceitos numéricos com desenhos. Tampouco aprendem conceitos numéricos meramente pela manipulação de objetos.” Elas só conseguem adquirir conceitos numéricos após construir esses conceitos pela abstração reflexiva à medida que agem mentalmente sobre os objetos. Uma criança que pensa na quantidade de pratos que terá que colocar na mesa de acordo com o número de pessoas que terá para o almoço, certamente é bem diferente daquela que está fazendo uma contagem porque a mãe mandou, ou disse: são seis pratos. Um bom princípio no âmbito lógico-matemático é o de evitar ficar reforçando erros e acertos, em vez disso encorajar as crianças em trocar idéias com seus colegas. Quando uma criança percebe que um colega encontrou uma resposta diferente da sua, ela normalmente é motivada a pensar outra vez sobre o problema, ou encontrar argumentos para defender sua resposta. É por este motivo que a confrontação social entre colegas é um excelente método para o desenvolvimento do conhecimento lógico- matemático. É muito mais interessante para a criança ser corrigida por um de seus colegas durante um jogo do que aprender através de cadernos e exercícios. Já que o erro é um reflexo do que a criança está pensando, o professor tem um papel de descobrir como é que a criança chegou até um determinado resultado. Descobrindo isto é mais fácil fazer a correção do raciocínio da criança do que simplesmente corrigir suas respostas. Por exemplo é comum entre as crianças em nível pré-operacional encontrar dificuldade de considerar-se tanto como quem conta, quanto como quem é contado. E assim é quando contam os outros se esquecem de contar a si mesma. O que acaba acontecendo com este processo é que quando vai distribuir algum material sempre acaba faltando. Então neste momento é importante a professora estar alerta e fazer uma pergunta de uma maneira casual: – “Você contou a si mesmo?” Desta forma a professora estará atuando um papel significante no pensamento da criança não simplesmente reforçando seus erros. Referência KAMII, Constance. A criança e o número: implicações da teoria de Piaget para atuação junto a escolares de 4 a 6 anos. Campinas, São Paulo : Papirus, 1990. ______________________________________
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