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Capítulo 7 71 Regina Célia de Menezes Succi Silvia Regina Marques AIDS Pediátrico DEFINIÇÃO A Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (SIDA/ AIDS) é doença infecciosa documentada inicialmente em 1981, pelos Centers for Disease Control and Prevention (CDC) de Atlanta, Estados Unidos, que se manifesta por infecções de repetições ou oportunistas e neoplasias, sem evidências de imunodeficiência primária. No Brasil, as pri- meiras notificações em adultos ocorreram em 1982, e na criança, em 1984. ETIOPATOGENIA O agente etiológico da SIDA/AIDS é um retrovírus linfotrópico da família Lentiviridae chamado HIV (Human Immunodeficiency Virus), que se caracteriza por sintetizar DNA a partir de RNA através da ação de uma enzima de- nominada transcriptase reversa, específica dos retrovírus. São conhecidos dois subtipos do HIV: HIV-1 e HIV-2. O subtipo mais comum, relacionado com a maioria das in- fecções no mundo é o HIV-1, enquanto o HIV-2 apresen- ta transmissão menos eficaz e é encontrado principal- mente na África. O tropismo celular do HIV depende da interação entre a glicoproteína (gp) presente no envelope (gp 120) com os receptores de superfície de células susceptíveis (linfócitos T, monócitos, macrófagos, células dendríticas, da micró- glia e do epitélio intestinal). A principal célula-alvo para o HIV é o linfócito CD4 (auxiliador), porém outras popu- lações celulares portam em sua superfície externa determi- nantes moleculares CD4, em menores quantidades. Outra condição necessária à entrada do vírus para o interior da célula a ser infectada é a interação da gp 120 com os re- ceptores de quemoquina presentes na membrana celular. Nesse processo as cepas de HIV macrófago trópicas utili- zam-se do receptor CCR5 das betaquemoquinas, enquan- to as cepas de HIV com tropismo pelos linfócitos T utili- zam-se do receptor CXCR4 das alfaquemoquinas. Após a penetração do capsídeo viral para o interior do citoplasma da célula infectada, o vírus perde o seu envelope e produz cópias de DNA a partir do RNA, utilizando sua enzima transcriptase reversa. Essa cópia de DNA é transportada ao núcleo da célula hospedeira e é integrada ao seu DNA, sen- do denominada de provírus, e assim pode permanecer la- tente no interior da célula por longos períodos. Na fase replicativa, a célula é ativada e esse DNA gera RNA genô- mico, originando novas partículas viróticas. As alterações imunológicas da doença são resultantes da capacidade do HIV de induzir depleção lenta e progres- siva dos linfócitos T CD4+. A imunodeficiência celular resultante permite a instalação de infecções oportunistas e neoplasias. Os defeitos na resposta imune humoral es- tão presentes na maioria das crianças infectadas pelo HIV e, em geral, precedem a deficiência de células T, resultan- do em infecções bacterianas recorrentes. Essa disfunção ocorre provavelmente como conseqüência da imaturida- de do sistema imune do feto, recém-nascido e lactente, di- ferenciando a doença do adulto e da criança. A hiperga- maglobulinemia, decorrente da ativação policlonal das células B, principalmente à custa de IgG e IgA, resulta numa resposta específica ruim, determinando infecções bacterianas freqüentes. EPIDEMIOLOGIA Apesar de todo o trabalho social, econômico e cientí- fico desenvolvido nos últimos anos para o combate dessa epidemia, dados de programas conjuntos das Nações Uni- das (UNAIDS) e da Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre a situação mundial HIV/AIDS, publicados em dezem- bro de 2002, revelam um total de 42 milhões de pessoas com AIDS, sendo 3,2 milhões menores de 15 anos. Das 77 72 Capítulo 7 cinco milhões de novas infecções ocorridas em 2002, cal- cula-se que 800.000 ocorreram em crianças. No Brasil, desde a década de 1980, foram diagnostica- dos e notificados ao Ministério da Saúde, 237.588 casos (dados até 30/3/2002), sendo 8.398 casos em menores de 13 anos. Os dados sinalizam para uma desaceleração nas taxas de incidência da AIDS no país a partir de 1999, com uma disseminação mais lenta da epidemia, mais evidente na região sudeste. Segundo o Boletim, isso seria decorren- te da saturação dos grupos populacionais sob maior risco, mudança comportamental, implementação de medidas preventivas, impacto de programas de intervenção e con- trole da doença com a terapia anti-retroviral. Quanto à ca- tegoria de exposição, a transmissão heterossexual repre- senta atualmente uma porção crescente de novas infecções, principalmente em mulheres, refletindo o comportamen- to populacional, que em sua maioria é heterossexual. As- sim, em muitos países, incluindo o Brasil, tem-se observa- do uma certa “feminização” da epidemia. A proporção de casos entre homens e mulheres, variou de 6,5:1 entre 1980- 1990 para 1,7:1 em 2001-02, apresentando sinais de inver- são na faixa etária de 13 a 19 anos (0,6:1 em 2001), o que poderia implicar conseqüentemente um maior risco para a transmissão na criança. Uma importante conseqüência da epidemia, apesar dos avanços terapêuticos favorecendo uma maior sobrevivên- cia dos pacientes, é o número grande de órfãos deixados pela doença. A mortalidade em adultos em idade produti- va é alta, e uma estimativa do número acumulado de orfãos decorrentes da AIDS materna no período de 1978 a 1999 foi de 29.929 crianças. A transmissão do HIV na criança é secundária à trans- missão materno-infantil (ou vertical) em mais de 90% dos casos, mas outros tipos de exposição podem ocorrer: con- tato sexual e exposição a sangue contaminado ou seus de- rivados. Dos 8.398 casos notificados em crianças no Brasil (1980-2002), 86,1% corresponderam à transmissão vertical, 0,08% à transmissão sexual, 0,15% eram usuários de drogas injetáveis, 6,4% hemofílicos ou transfundidos e 7,3% eram de transmissão desconhecida. A transmissão perinatal pas- sou de 56,1% na primeira década da epidemia (1980-1990) para 93,2% em 1997, refletindo a redução da transmissão através do sangue e derivados nos últimos anos. TRANSMISSÃO VERTICAL A transmissão do vírus da mãe para o filho pode ocor- rer em três períodos distintos: pré-natal (durante a gesta- ção), intraparto e pós-parto (através do leite materno). Es- tudos demonstram que 50% a 70% das transmissões ocorrem pré-parto ou intraparto. A transmissão através da amamentação varia de 14%, entre as mães previamente soropositivas na gestação, para 29% para as mães que soroconverteram durante a lactação. As taxas de transmissão vertical variam nas diferentes regiões do mundo. Antes da adoção das medidas de inter- venção as taxas nos Estados Unidos eram de 15% a 30% e na Europa de 13% a 15%. As maiores taxas estão docu- mentadas na África, situando-se entre 25% a 40%. No Bra- sil, estudos realizados no Estado de São Paulo revelam taxa de transmissão entre 15% e 16%. Alguns fatores estão implicados na maior transmissibi- lidade do vírus HIV da mãe para a criança: carga viral ma- terna elevada, doença avançada da mãe, aleitamento mater- no, tipo de parto, idade gestacional, tempo de rutura das membranas, coriorretinite e tabagismo. REDUÇÃO DA TRANSMISSÃO VERTICAL DO HIV Um dos maiores avanços obtidos no controle da epide- mia surgiu com o protocolo 076 do AIDS Clinical Trial Group (1994), com a redução da transmissão vertical para 2/3, através do uso da zidovudina (AZT) na gestante e no recém-nascido. Outros ensaios clínicos com esquemas mais curtos com AZT ou intervenções, mesmo que tardia- mente, têm-se mostrado benéficos. Dados do estudo HIVNET 012 demonstram a eficácia de um regime de duas doses de nevirapina, com baixo custo, o que pode signifi- car um grande benefício para países pobres, que não dis- ponibilizam facilmente os retrovirais. No Brasil, a primeira publicação específica sobre a pre- venção da transmissão vertical do HIV data de 1995, sendo re- visada em 1997, com publicação no Diário Oficial da União. As principais recomendaçõesatualmente vigentes pelo Ministério da Saúde (MS) através do Programa Nacional de DST/AIDS são: • Triagem sorológica para o HIV após orientação ofere- cida a todas as gestantes no pré-natal, como é efetuada em muitos países. • Profilaxia anti-retroviral durante a gestação, no parto e no recém-nascido (RN) (Tabela 7.1). • Suspensão do aleitamento materno com substituição pelo leite artificial ou pelo leite humano pasteurizado, disponível nos bancos de leite. O programa de combate às carências nutricionais do MS financia a aquisição do leite artificial para filhos de mães infectadas pelo vírus HIV nos seis primeiros meses de vida. Após a introdução dessas recomendações, o número de crianças infectadas pelo HIV vem diminuindo significati- Tabela 7.1 Uso do AZT para a Redução da Transmissão Perinatal do HIV Período Via Dose Gravidez Oral 100 mg 5 vezes/dia Durante o parto Endovenoso 2 mg/kg na 1 hora e 1 mg/kg nas horas subseqüentes RN (iniciar nas primeiras horas de vida até 6 semanas) Oral 2 mg/kg a cada 6 h Capítulo 7 73 vamente nos países que adotaram essas medidas. Nos Es- tados Unidos, a taxa de transmissão vertical verificada va- ria de 3 a 6% e com uma cobertura da testagem anti-HIV durante o pré-natal de 94% e utilização do AZT de 91%. Essa conquista, infelizmente, não tem sido obtida pe- los países em desenvolvimento, incluindo o Brasil, por uma série de dificuldades na implantação de todas as recomen- dações. Elas são: baixa escolaridade da população femini- na acometida, desconhecendo o valor do pré-natal, junto com a qualidade da assistência prestada a essa população durante a gestação e ao parto, privando-a do acesso ao teste anti-HIV, ao uso do AZT na gravidez, no parto e para o RN. Uma das formas de que o MS tem se utilizado para avaliar o programa é o projeto “Vigilância do HIV por Rede Sen- tinela Nacional”, implantado em várias maternidades. Por esse estudo, estimou-se que 12.898 gestantes estivessem infectadas pelo vírus da imunodeficiência humana, em 1998. Esse número correspondeu a 0,4% do total das ges- tantes (3.000.000 partos/ano). Dessas, apenas 2.512 rece- beram zidovudina injetável no momento do parto, o que correspondeu a apenas 19,5% do número estimado de ges- tantes infectadas. Para avaliar a taxa de transmissão vertical em serviços brasileiros, foi iniciado, em janeiro de 2002, um estudo colaborativo multicêntrico, coordenado pela Sociedade Brasileira de Pediatria, sob o patrocínio do Ministério da Saúde. Embora ainda em fase de análise dos dados, esse es- tudo aponta para uma diminuição das taxas de transmis- são para níveis abaixo de 10%, com estreita relação entre o uso de medidas profiláticas na mãe e no recém-nascido e a diminuição da transmissão (informação pessoal). DIAGNÓSTICO DA INFECÇÃO PELO HIV D IAGNÓSTICO CLÍNICO A AIDS é a conseqüência final e mais grave da infecção pelo HIV. Na criança, a doença é distinta daquela do ado- lescente ou adulto e se manifesta por infecções de repeti- ção ou oportunistas e neoplasias resultantes da imunossu- pressão induzida pela infecção pelo HIV. O espectro clínico da infecção é muito variável: desde formas totalmente assintomáticas até a apresentação completa da síndrome. No início do quadro, os sinais e sintomas são inespecífi- cos e incluem, de forma isolada ou associada, dificuldade em ganhar peso, adenomegalia, hepatoesplenomegalia, fe- bre, anemia, plaquetopenia, diarréia prolongada, anorma- lidades neurológicas, candidíase oral de difícil controle e infecções bacterianas de repetição. As infecções bacterianas recorrentes, que podem ser a primeira manifestação da doença, incluem desde quadros pouco severos, como otite média crônica, sinusite, infec- ções cutâneas e do trato urinário, até infecções graves, como pneumonias, abscessos de órgãos profundos, osteo- mielite, artrite séptica, septicemia, bacteremia e meningi- te. Formas pulmonares ou extrapulmonares de tuberculo- se podem ser a manifestação inicial da AIDS e servir como uma “doença sentinela” para a suspeição e investigação de infecção pelo HIV. As infecções oportunistas, tais como pneumonia por Pneumocystis carinii, micobacteriose atípica, candidíase oral ou sistêmica, infecções crônicas ou recorrentes por CMV, toxoplasma, vírus varicela-zoster e herpes simplex, ocorrem principalmente entre as crianças com imunode- ficiência grave. As neoplasias são pouco freqüentes nas crianças. Como a doença secundária à infecção pelo HIV na criança pode ter apresentação muito variável e inespecífica, é ne- cessário confirmar o diagnóstico laboratorial da infecção para depois avaliar as manifestações clínicas e realizar o diagnóstico sindrômico da doença. DIAGNÓSTICO LABORATORIAL Na transmissão materno-infantil do vírus, os anticorpos anti-HIV maternos (transferidos passivamente para o bebê) podem persistir por até 18 ou mais meses, o que dificulta o diagnóstico sorológico da infecção na criança. Assim, quando a infecção ocorre por transmissão vertical, os tes- tes sorológicos não têm valor, considerando-se infectada a criança que apresentar resultado positivo em duas amos- tras de sangue testadas pelos seguintes métodos: cultivo de vírus, quantificação de RNA viral plasmático (ver fluxogra- ma da Fig. 7.1), detecção do DNA pró-viral ou antigenemia p24 após dissociação ácida de imunocomplexos. Esses tes- tes deverão ser realizados após duas semanas de vida. A antigenemia p24 com acidificação somente poderá ser uti- lizada como critério de diagnóstico quando associada a um dos demais métodos citados. Em crianças com idade ≥ 18 meses, o diagnóstico será confirmado por meio de dois testes sorológicos de triagem com princípios metodológicos e/ou antígenos diferentes, e um teste confirmatório positivo. Uma criança com idade inferior a 18 meses é conside- rada como provavelmente não infectada se apresentar dois testes negativos (amostras distintas de sangue) dos seguin- tes métodos: cultivo do vírus e detecção de RNA ou DNA viral, entre um e seis meses, sendo uma delas após o 4.º mês de vida. Crianças com idade ≥ 18 meses são conside- radas não infectadas se apresentarem amostras negativas em testes de detecção para anticorpos anti-HIV. O Ministério da Saúde propõe um fluxograma (Fig. 7.1) para utilização dos testes de quantificação do RNA viral, que deverá ser seguido para confirmação ou exclu- são do diagnóstico de infecção pelo HIV em crianças até 24 meses de vida. Importante considerar que os critérios in- dicados para exclusão da infecção aplicam-se às crianças que não estejam sendo amamentadas pela mãe HIV-posi- tiva. A amamentação, em qualquer período, é considerada como nova exposição ao HIV, e, se ela acontecer, a criança deve ser submetida a nova rotina de diagnóstico da infec- ção pelo vírus. 1. Manter o acompanhamento clínico nas crianças consi- deradas como provavelmente não infectadas, de acordo com as recomendações estabelecidas, e fazer sorologia anti-HIV entre 18 e 24 meses de idade, conforme Porta- ria n.o 488/98/SVS/MS. Caso a criança tenha sido ama- mentada, o presente algoritmo deve ser iniciado dois meses após a suspensão do aleitamento materno, visan- do minimizar a ocorrência de resultados falso-negativos. 2. Este fluxograma foi elaborado para o uso de testes de detecção quantitativa de RNA, e o resultado do exame 74 Capítulo 7 deve expressar o valor de carga viral encontrado na amostra. Valores até 10.000 cópias/mL sugerem resul- tados falso-positivos e devem ser cuidadosamente ana- lisados dentro do contexto clínico, demandando nova determinação em um intervalo de quatro semanas. 3. Iniciar o tratamento, considerando os parâmetros clí- nicos e laboratoriais, de acordo com as recomendações estabelecidas. 4. Para garantir a qualidade dos procedimentos e consi- derando a possibilidade de contaminação e/ou troca de amostra, bem como anecessidade de confirmação do resultado obtido, recomenda-se a coleta de nova amos- tra e a priorização da repetição do teste no menor es- paço de tempo possível. CLASSIFICAÇÃO DA INFECÇÃO PELO HIV EM CRIANÇAS As crianças infectadas devem ser classificadas segundo parâmetros clínicos e imunológicos utilizando-se um sis- tema alfa-numérico, proposto pelos Centers for Disease Control and Prevention (Tabela 7.2). As letras (N, A, B ou C) correspondem às categorias clínicas e os números (1, 2 e 3) correspondem às categorias imunológicas: Categorias Clínicas Categoria N – Assintomáticos: Ausência de sinais e/ou sintomas; ou com apenas uma das condições da categoria A; Categoria A – Sinais e/ou sintomas leves: Presença de duas ou mais das condições a seguir, po- rém sem nenhuma das condições das categorias B e C: • linfadenopatia (> 0,5 cm em mais de duas cadeias di- ferentes); • hepatomegalia; • esplenomegalia; • parotidite; • infecções persistentes ou recorrentes de vias aéreas su- periores (otite média ou sinusite). Categoria B – Sinais e/ou sintomas moderados: • anemias (Hb < 8 g/dL), neutropenia (< 1.000/mm3) ou trombocitopenia (< 100.000/mm3) por mais de 30 dias; • meningite bacteriana, pneumonia ou sepse; • candidíase oral persistindo por mais de dois meses; • miocardiopatia; • infecção por citomegalovírus (CMV) antes de um mês de vida; • diarréia recorrente ou crônica; • hepatite; • estomatite pelo vírus Herpes simplex (HSV), recorrente (mais que dois episódios/ano); • pneumonite ou esofagite por HSV, com início antes de um mês de vida; • herpes-zoster, com dois episódios ou mais de um dermátomo; • pneumonia intersticial linfocítica (LIP); • nefropatia; • nocardiose; Fig. 7.1 – Fluxograma para utilização de testes de quantificação de RNA visando à detecção da infecção pelo HIV em crianças com idade entre dois me- ses e dois anos, nascidas de mães infectadas pelo HIV MÃE Criança com idade de 2 a 24 meses (1o teste) Detectável Repetir o teste imediatamente (2o teste) Detectável Abaixo do limite de detecção Criança infectada Repetir após 2 meses (3o teste) Abaixo do limite de detecção Repetir o teste após 2 meses (2o teste) Detectável Abaixo do limite de detecção Repetir o teste imediatamente (3o teste) Criança provavelmente não infectada Detectável Abaixo do limite de detecção Criança infectada Criança provavelmente não infectada Criança infectada Criança provavelmente não infectada Detectável Abaixo do limite de detecção Capítulo 7 75 • febre persistente (> um mês); • toxoplasmose antes de um mês de vida; e • varicela disseminada ou complicada. Categoria C – Sinais e/ou sintomas graves: Crianças com quaisquer das condições listadas a se- guir, com exceção de LIP: • infecções bacterianas graves, múltiplas ou recorrentes (confirmadas por cultura, dois episódios em intervalo de um ano): septicemia, pneumonia, meningite, infec- ções osteoarticulares, abscessos de órgãos internos; • candidíase esofágica ou pulmonar; • coccidioidomicose disseminada; • criptococose extra-pulmonar; • criptosporidíase ou isosporíase com diarréia (> um mês); • CMV em locais além do fígado, baço ou linfonodos, a partir de um mês de vida; • encefalopatia pelo HIV (achados que persistem por mais de dois meses), em razão de: - déficit do desenvolvimento neuropsicomotor; - evidência de déficit do crescimento cerebral ou microcefalia adquirida identificada por medidas de perímetro específico ou atrofia cortical mantida em tomografia computadorizada ou ressonância magnética sucessiva de crânio, e - déficit motor simétrico com dois ou mais dos se- guintes achados: paresias, reflexos patológicos ataxia e outros; • infecção por HSV, úlceras mucocutâneas com duração maior que um mês ou pneumonite ou esofagite (crian- ças > um mês de vida); • histoplasmose disseminada; • Mycobacterium tuberculosis disseminada ou extrapul- monar; • Mycobacterium ou outras espécies disseminadas; • Mycobacterium avium ou M. kansasii disseminados; • pneumonia por Pneumocystis carinii; • salmonelose disseminada recorrente; • toxoplasmose cerebral com início após 1.º mês de vida; • síndrome da caquexia, manifestada em: - perda de peso > 10% do peso anterior, ou queda de dois ou mais percentis nas tabelas de peso para a idade, ou - peso abaixo do percentil cinco, em duas medidas sucessivas, e diarréia crônica (duração maior que 30 dias), ou - febre por 30 dias ou mais, documentada; • leucoencefalopatia multifocal progressiva; • sarcoma de Kaposi; e • linfoma primária do cérebro e outros linfomas. TRATAMENTO O tratamento anti-retroviral em crianças tem várias se- melhanças com o tratamento do adulto, mas as peculiari- dades da infecção pelo HIV na criança exigem do médico Tabela 7.2 Classificação da Infecção pelo HIV na Criança (Menores de 13 Anos) Categorias Clínicas/Sinais ou Sintomas N A B C Ausentes Leves Moderados Severos Categorias Imunológicas 1. Sem supressão N1 A1 B1 C1 2. Supressão moderada N2 A2 B2 C2 3. Supressão severa N3 A3 B3 C3 Tabela 7.3 Categorias Imunológicas Idade < 12 meses 1 a 5 anos 6 a 12 anos número/µl (%) número/µl (%) número/µl (%) Categorias imunológicas Categoria 1 sem supressão > 1500 (> 25) > 1000 (> 25) > 500 (> 25) Categoria 2 supressão moderada 750 a 1.499 (15 a 24) 500 a 999 (15 a 24) 200 a 499 (15 a 24) Categoria 3 supressão severa < 750 (< 15) < 500 (< 15) < 200 (< 15) 76 Capítulo 7 conhecimentos adicionais para tratar a criança: as manifes- tações clínicas e os marcadores virológicos e imunológicos (Tabela 7.3) são diferentes na criança, a farmacocinética das drogas é diferente e pouco conhecida, o crescimento da criança requer modificações freqüentes das doses e es- quemas terapêuticos, nem todas as drogas estão disponíveis em solução, o sabor (tolerabilidade) das drogas é ruim e a aderência ao esquema depende de todos esses fatores, além da disponibilidade de um adulto em oferecer as dro- gas de forma persistente e correta. Há evidências demonstrando que a introdução da tera- pia anti-retroviral potente na criança se associa a enorme melhora na qualidade de vida, redução importante da mor- talidade e menor incidência de doenças complicando a in- fecção pelo HIV. Entretanto, utilizar corretamente a tera- pia não é fácil, e as complicações de seu uso, tais como efeitos metabólicos adversos, dificultam a manutenção da terapia. Embora o propósito maior da terapia seja diminuir a replicação viral até níveis de indetecção, isso não é sem- pre possível, e, algumas vezes, preservar ou recuperar a res- posta imune em níveis que previnem ou retardam a pro- gressão da doença é o alvo da terapia. Os alvos da terapia anti-retroviral são duas enzimas do HIV, a transcriptase reversa e a protease. Há atualmente sete drogas da classe dos inibidores da transcriptase reversa (ITR) disponíveis para uso em pediatria, e três drogas da classe dos inibidores da protease (IP). Entre os ITR, temos os análogos de nucleosídeos: zidovudina (AZT), didano- sina (ddI), lamivudina (3TC), estavudina (D4T) e abacavir (ABC) e os não-análogos de nucleosídeos: nevirapina e efavirenz. Os inibidores da protease dispo- níveis são o ritonavir (RTV), o nelfinavir (NFV) e mais re- centemente a associação Lopinavir/Ritonavir (LPV/r), droga muito potente e com menor probabilidade de sele- ção de variantes resistentes. A indicação de início do tratamento anti-retroviral pro- posta pelo Ministério da Saúde em 2001 baseia-se na clas- sificação clínica e imunológica da infecção pelo HIV. Nas categorias N1 e A1, recomenda-se acompanhamento clí- nico e laboratorial regulares, sem uso de drogas anti- retrovirais. Nas categorias N2 e B1, pode-se considerartratamento dependendo da evolução clínica e labora- torial (Tabela 7.4). Nas demais categorias o início imedi- ato da terapia está indicado. Os esquemas terapêuticos recomendados para os pa- cientes virgens de tratamento podem ser vistos na Fig. 7.2. a. Nas crianças menores de um ano de idade, classifica- das como B2, deve-se considerar com cuidado a esco- lha do regime terapêutico, na medida em que, nessa faixa etária, essa categoria configura gravidade na evo- lução, justificando a opção pela terapia tríplice. Em crianças maiores, com quatro a cinco anos de idade, classificadas como A1, A2 ou B1 e que, evolutivamente, apresentam-se como B2, entende-se que é progressão lenta e a conduta é terapia dupla. b. Quanto aos esquemas alternativos para terapia dupla, deve-se considerar que precisam ser poupadas drogas que terão utilidade na composição da terapia tríplice quando esta for necessária, especialmente a lamivudina (3TC), em virtude de características de seu perfil, ou seja, indução rápida de resistência quando associado ao AZT. c. A inclusão do abacavir para compor o esquema duplo baseia-se em suas características de boa penetração em sistema nervoso central, potência anti-viral, menor in- dução de resistência, administração em duas tomadas diárias e disponibilidade de solução oral. Apesar da es- cassez de dados da literatura, comum a muitas das dro- gas citadas e indicadas neste consenso, os resultados do estudo PENTA V demonstram a eficácia desta dro- ga associada a outro inibidor de transcriptase reversa análogo de nucleosídeo (AZT ou 3TC). d. Além dos esquemas tríplices utilizando 2 ITRN + 1 IP ou 2 ITRN + 1 ITRNN, esse consenso introduz a opção de regime contendo 3 ITRN (AZT + 3TC + ABC). e. Dados sobre efavirenz em crianças são limitados e in- formações sobre biodisponibilidade e dose em meno- res de três anos de idade não estão disponíveis. f. O LPV/r está indicado como componente da terapia tríplice inicial em crianças menores de dois anos de idade com progressão rápida da doença. MUDANÇAS NA TERAPIA ANTI-RETROVIRAL O esquema terapêutico inicial deve ser modificado quando houver intolerância, toxicidade ou falha terapêu- tica. A adesão ao tratamento deve ser investigada e estimu- lada em cada visita, pois as falhas do tratamento se asso- ciam freqüentemente às dificuldades de adesão ao esquema terapêutico proposto. Tabela 7.4 Indicações para Início de Terapia Anti-retroviral em Crianças Infectadas pelo HIV Alteração imunológica N A B C Ausente (1) N1 A1 B1 C1 Moderada (2) N2 A2 B2 C2 Grave (3) N3 A3 B3 C3 Legenda Não tratar, observar Considerar tratamento Tratar Capítulo 7 77 Fig. 7.2 – Fluxograma para terapia anti-retroviral em crianças. Tabela 7.5 Esquemas de Tratamento Anti-retrovirais para Pacientes com Falha Terapêutica Tratamento Anterior Esquema de Tratamento Recomendado 2 ITRN 2 ITRN (sendo pelo menos 1 novo) + 1 ITRNN ou 2 ITRN (sendo pelo menos 1 novo)(1) + IP(2) 2 ITRN + ITRNN 2 ITRN (sendo pelo menos 1 novo)(1) + IP(2) 3 ITRN 2 ITRN (sendo pelo menos 1 novo)(1) + 1 ITRNN ou 2 ITRN (sendo pelo menos 1 novo)(1) + IP(2) 2 ITRN + Nelfinavir 2 ITRN (sendo pelo menos 1 novo)(1) + APV Ritonavir ou Indinavir 2 ITRN (sendo pelo menos 1 novo)(1) + LPV/r 2 ITRN + APV 2 ITRN (pelo menos 1 novo)(1) + 1 ITRNN + IP(2) 2 ITRN + LPV/r (2.a falha) 2 ITRN (pelo menos 1 novo)(1) + 1 ITRNN + IP(2) 2 ITRN + LPV/r (em primeiro esquema) 2 ITRN (pelo menos 1 novo) + APV ou 2 ITRN (pelo menos 1 novo) + ITRNN ITRN = inibidor da transcriptase reversa análogo de nucleosídeo AZT = zidovudina, ddI = didanosina, d4T = estavudina, 3TC = lamivudina e ABC = abacavir ITRNN = inibidor da transcriptase reversa não-análogo de nucleosídeo NVP = nevirapina e EFZ = efavirenz IP = inibidor da protease NFV = nelfinavir, RTV = ritonavir, IDV = indinavir, APV = amprenavir e LPV/r = lopinavir + ritonavir 1. Sempre que possível, os dois ITRN deverão ser novos. 2. IP, exceto APV e LPV/r. Utilizar, preferencialmente, um IP ao qual o paciente não tenha sido exposto. Pacientes virgens de tratamento Categorias N2, A2, B1 e B2 Categorias N3, A3, B2, B3 e C1-3 Terapia dupla Regime preferencial AZT + ddl Regimes alternativos AZT + 3TC, d4T + ddl, AZT + ABC, 3TC + ABC ou d4T + 3TC Terapia tríplice Regimes preferenciais 2 ITRN + 1 ITRNN (NVP ou EFZ), 2 ITRN + 1 IP (NFV, RTV ou IDV) ou 3ITRN (AZT + 3TC + ABC) Regimes alternativos 2ITRN + LPV/r Sucesso terapêutico Falha terapêutica Sucesso terapêutico Falha terapêutica Acompanhamento clínico e laboratorial regular Terapia tríplice Acompanhamento clínico e laboratorial regular Terapia tríplice Considerar regimes mais complexos Falha terapêutica Terapia de resgate 78 Capítulo 7 Antes de indicar mudança terapêutica baseada em si- nais de intolerância, deve-se considerar que os sintomas mais freqüentes, como náuseas, vômitos, dor abdominal e cefaléia, são leves e geralmente desaparecem após as pri- meiras semanas de uso. A eficácia da terapia anti-retroviral (para fins de mu- danças na terapia) deverá ser avaliada após oito a 12 sema- nas de uso, através da avaliação clínica e da quantificação da carga viral do HIV e do número de células CD 4 +. Consideram-se sinais clínicos de falha terapêutica: de- terioração neurológica, falha no crescimento e/ou desen- volvimento neuropsicomotor e mudança de categoria clí- nica. A mudança de categoria clínica com estabilidade imunológica e viral nem sempre implica necessidade de mudança de terapia. Considera-se falha imunológica: mudança de categoria imunológica ou redução de > 20% na contagem absoluta ou percentual de células T-CD4+, em, pelo menos, duas deter- minações seriadas. Para criança na categoria imunológica 3 (CD4 < 15%), decréscimo persistente igual ou maior que 5% (por exemplo: de 15 para 10%, ou de 10 para 5%). Considera-se boa resposta virológica a diminuição de carga viral superior a cinco vezes (0,7 log) em crianças me- nores de dois anos, e de pelo menos três vezes (0,5 log) nas maiores de dois anos de idade. Os testes devem ser confir- mados em 2.ª determinação e deve ser considerada como fa- lha virológica apenas a resposta virológica inferior a minima- mente aceitável depois de oito a 12 semanas de tratamento: a. crianças em uso de 2 ITRN + 1 IP, 2 ITRN + 1 ITRNN ou 3 ITRN: redução < 1,0 log em relação ao nível inicial. b. crianças em uso de 2 ITRN: redução < 0,7 log em rela- ção ao nível inicial. c. Aumento persistente da carga viral depois do início do tratamento: > 0,7 log em crianças < 2 anos, e > 0,5 log em crianças ≥ 2 anos. A carga viral indetectável nem sempre é alcançada em crianças, não sendo indicação absoluta de falha terapêu- tica; a diminuição persistente de 1,5 a 2 log, associada com boa evolução clínica e estabilidade da resposta imu- nológica, é considerada boa resposta, e não justifica a troca. As crianças que apresentaram supressão virológica e posteriormente voltaram a apresentar carga viral detec- tável em níveis inferiores aos de pré-tratamento devem ser avaliadas com cuidado, nem sempre implicando mu- dança de terapêutica (Tabela 7.5). TRATAMENTO DE INFECÇÕES ASSOCIADAS Considerando-se que os agentes etiológicos das infec- ções bacterianas são os mesmos usualmente encontrados em crianças não infectadas pelo HIV, a conduta antimicro- biana segue o já preconizado para cada situação. Algumas infecções virais, habitualmente não tratadas de rotina em pacientes imunocompetentes, como varice- la, herpes-zoster e citomegalovirose, recebem a terapia es- Tabela 7.6 Tratamento de Infecções Associadas ao HIV Infecção Indicação Regime 1.a Escolha Regime Alternativo Varicela-zoster e Exposição, sem história de varicela Aciclovir 30 mg/kg/dia, EV, 8/8 h, 7-10 dias ou Foscarnet 180 mg/kg/dia,por herpes-zoster 80 mg/kg/dia, 5×/dia, 7-10 dias 14-28 dias Herpes simples Idem à varicela Foscarnet EV, 180 mg/kg/dia, 21 dias Citomegalovirose Ganciclovir 10 mg/kg/dia, EV, 2×/dia, Foscarnet EV, 180 mg/kg/dia, 21 por 14-21 dias e profilaxia após dias e profilaxia após Pneumocistose Suspeitar: insuficiência respiratória SMX 100 mg/kg/dia ou TMP 20 mg/kg/dia Pentamidina 4 mg/kg/dia, EV, aguda, PaO2 < 70 mmHg e DHL, EV, 6/6 h, 21 dias. Associar prednisona ou 1×/d, por 21 dias usualmente > 500 U/L hidrocortisona Toxoplasmose Sulfadiazina 100 mg/kg/dia, VO, 6/6 h + Clindamicina 40 mg/kg/dia, VO/EV, Pirimetamina 1 mg/kg VO + ácido fólico 5-10 6/6 h + Pirimetamina + ácido fólico mg/dia, por 4-6 semanas por 4-6 semanas Criptosporidiose Paramomicina 30 mg/kg/d VO e/ou Azitromicina 10 mg/kg/d Isosporidiose SMX 40 mg/kg/dia ou TMP 8 mg/kg/dia VO, 6/6 h, 10 dias, seguido de 12/12 h, até o 28.º dia Tuberculose Isoniazida (INH) + Rifampicina (RMP) + INH + RMP + PZA + Etambutol, 2 Pirazinamida (PZA), 2 meses Isoniazida + meses INH + RMP + EMB, 4 meses Rifampicina, 4 meses Micobacteriose Claritromicina 15 mg/kg/dia, VO, 2×/dia + atípica (MAI) Azitromicina 20 mg/kg/dia, VO, 2×/dia + Etambutol 15-20 mg/kg/dia, VO, 1×/dia Capítulo 7 79 pecífica. O mesmo se aplica para as infecções oportunis- tas, conforme a Tabela 7.6. As manifestações não-infecciosas como a pneumonia intersticial linfocítica (LIP) e a púrpura trombocitopênica idiopática (PTI) devem ser tratadas. A LIP, em pacientes com pO 2 < 65 mmHg, deve receber prednisona 1 a 2 mg/ kg/dia, VO, por três a quatro semanas. Na PTI, indica-se imunoglobulina endovenosa humana (Ig), 400 mg/kg por cinco dias. Dependendo da evolução utilizar prednisona 1 a 2 mg/kg/dia, VO, duas semanas, com redução progressi- va, dependendo da evolução. A manutenção é feita com Ig endovenosa, 400 mg/kg mensal. PROFILAXIA PARA INFECÇÕES OPORTUNISTAS (PRIMÁRIA E SECUNDÁRIA) Considerando a imunossupressão decorrente à doença, como é indicado para outros pacientes imunossuprimidos, também adota-se condutas profiláticas primárias ou secun- dárias (recidivas) contra infecções oportunistas (Tabelas 7.7 e 7.8). A suspensão das profilaxias para as infecções oportu- nistas está baseada em estudos realizados em adultos, nos pacientes com evidência de reconstituição imunológica, considerada com níveis T CD 4 + ≥ 25%, mantidos no perío- do mínimo de seis meses. A suspensão da profilaxia secun- dária, segundo esses critérios, só pode estender-se para P. carinii e citomegalovírus. SEGUIMENTO O seguimento clínico de rotina das crianças infectadas ou com a doença já instalada é importante, no sentido da detecção precoce de sinais ou sintomas clínicos sugestivos de doença com pronta orientação profilática e terapêutica. No acompanhamento inicial da criança nascida de mãe soropositiva pelo HIV, deve-se proceder a investigação para outras doenças infecciosas passíveis de transmissão in- trauterina ou perinatal, como sífilis, hepatites B e C, her- pes simplex, toxoplasmose e citomegalovirose. Conside- rando a história familiar dos pais investigar outras doen- ças cuja transmissão poderiam ocorrer para a criança, como por exemplo a tuberculose. Sugerimos consultas mensal ou bimensal nos primei- ros seis meses e trimestral a partir do segundo semestre de vida para avaliações nutricionais, aderência terapêutica, efeitos colaterais da medicação utilizada, intercorrências infecciosas, eventuais internações, desenvolvimento neu- ropsicomotor e resultados de exames laboratoriais. Pode-se estabelecer controles laboratoriais para a ava- liação de carga viral e contagem de CD4/CD8, a cada três meses, ou mais precoce quando eventualmente ocorrer uma alteração desfavorável. Recomenda-se repetir o(s) exame(s) com uma semana de intervalo para a confirma- ção da alteração ou após um mês, se houver uma intercor- rência infecciosa ou vacinação no período do exame. Con- troles hematológicos e bioquímicos devem ser efetuados nesse período para monitorar toxicidade medicamentosa. Com relação às imunizações, sabe-se que a eficácia da resposta vacinal em crianças infectadas pelo vírus HIV va- ria de acordo com o grau de imunossupressão. Portanto deve-se indicar todas as vacinas necessárias antes que haja um comprometimento significativo do sistema imune. As crianças infectadas pelo HIV devem receber todas as vacinas do calendário oficial, com exceção da BCG, em Tabela 7.7 Profilaxia Primária para Infecções Oportunistas em Crianças Infectadas pelo HIV Patógeno Indicação Regime 1a escolha Regime Alternativo Pneumocystis carinii Crianças de 6 semanas a 12 meses SMX/TMP, 750mg (SMX) m2/dia, Pentamidina 4 mg/kg, EV, a cada 2-4 semanas 1-5 anos: CD4 < 500 (15%) 2 doses, 3×/semana Crianças > 5 anos: pentamidina aerossol 6-12 anos: CD4 < 200 300 mg, 1×/m ou dapsona 1 mg/kg/dia M. tuberculosis Contato com doença ativa Isoniazida 10 mg/kg/dia, 9 meses intradomiciliar Vírus varicela zoster Exposição, sem história de varicela VZIG 1,25 mL/10 kg IM, até Aciclovir 20 mg/kg/ dose, VO, 6/6 horas, do 96 horas da exposição 9.o ao 14.o dia da exposição Vírus do sarampo Exposição em paciente susceptível Ig humana IM, 0,5 mg/kg, até 6 dia do contato Toxoplasma gondii Sorologia positiva (Ig G) e CD4 < 100 SMX/TMP, 750 mg (SMX)m2/d, Sulfadiazina 75 mg/kg/dia, VO, 2×/dia + 12/12 horas Pirimetamina 1 mg/kg + ácido fólico 5-10 mg/dia 3×/semana Doença bacteriana Hipogamaglobulinemia ou déficit Imunoglobulina humana SMX/TMP, 750 mg (SMX) m2/d, 2 doses, invasiva funcional de produção de anticorpos endovenosa 400 mg/kg/mês 3×/semana Micobacteriose atípica < 12 m: CD4 < 750 Claritromicina 15 mg/kg/dia, 2×/dia (MAI) 1-2 a: CD4 < 500 ou azitromicina 20 mg/dia, 2-6 a: CD4 < 75 1×/semana ≥ 6 a: CD4 < 50 80 Capítulo 7 crianças sintomáticas. As vacinas contra o sarampo e a tríplice viral (contra sarampo, caxumba e rubéola) não devem ser aplicadas em crianças com grave comprometi- mento da imunidade (classificação imunológica 3). A imu- nização com BCG ao nascimento tem sido empregada nos países em desenvolvimento, incluindo o Brasil, onde a tu- berculose é endêmica, considerando que os benefícios da prevenção sobrepõem-se ao pequeno risco das complica- ções como: linfadenite, fístula, osteomielite e dissemina- ção. A revacinação aos sete anos não está indicada. Com relação à imunização contra a poliomielite, sem- pre que possível utilizar a vacina de vírus mortos (IPV), no entanto, se esta não for disponível utilizar a vacina antipólio oral (OPV). Os contatos domiciliares da criança com HIV também devem receber a IPV. As demais vacinas do calendário devem ser administradas dentro do período preconizado (DPT, hepatite B, Hib). Indica-se um reforço de Hib a cada cinco anos. Algumas vacinas não incluídas no calendário oficial são disponibizadas às crianças com HIV, considerando a maior susceptibilidade e gravidade das doenças. Elas são: a vacina pneumocócica conjugada 7-valente a partir de dois meses, seguindo o esquema habitual e vacina 23-va- lente a partir de dois anos de idade, com reforço a cada cin- co anos; a vacina contra o vírus influenza, aplicada anual- mente, a partir dos seis meses de idade; e a vacina antiva- ricela para crianças N1 e A1. Quanto a vacina da febre amarela, considerar a condição imunológica e situação epidemiológica local, uma vez que a eficácia e a seguran- ça para pacientes com HIV não foram ainda estabelecidas. A vacina antimeningocócica pode ser utilizada em surtos epidêmicos, e a vacina contra hepatite A não tem sua imunogenicidade conhecida em imunodeprimidos. PROGNÓSTICO Com o avanço nas estratégias de diagnóstico e trata- mento da doença, a qualidade e a sobrevida dos pacientes vêm melhorando. A redução na taxa de mortalidade por AIDS tem sidoacompanhada no Brasil, reduzindo de 12,2 casos/100.000 pessoas em 1995 para 6,3 casos/100.000 em 1999. A letalidade em indivíduos maiores de 13 anos foi de 57,8% em 1995 para 19,6% em 2001 e em crianças me- nores de 13 anos foi de 40% e 15,8%, respectivamente. A evolução da AIDS na criança é mais rápida do que no adulto, sendo portanto fundamental o diagnóstico preco- ce e instituição da terapia apropriada, garantindo uma melhor sobrevida para o pequeno paciente. Alguns trabalhos têm demonstrado essa evolução. Uma publicação sobre o registro nacional de crianças com HIV, na Itália, no período de 1980 a 1999, demonstrou uma le- talidade de 39,9% com uma mediana de 3,3 anos de ida- de. Outro estudo americano demonstrou uma redução em Tabela 7.8 Profilaxia Secundária para Infecções Oportunistas em Crianças Infectadas pelo HIV Patógeno Indicação Regime 1a Escolha Regime Alternativo I. Por tempo indeterminado P. carinii Pneumocistose prévia SMX/TMP, 750 mg (SMX)m2/d, Pentamidina 4 mg/kg, EV, a cada 2-4 semanas 2 doses, 3×/semana, dias consecutivos Crianças > 5 anos: pentamidina aerossol 300 mg, 1×/m ou alternados ou dapsona 1 mg/kg/dia Cryptococcus Doença prévia Fluconazol 5 mg/kg/dia Itraconazol 5 mg/kg/dia, 3× /semana neoformans Anfotericina B 1 mg/kg, EV, 3× /semana Histoplama Doença prévia Itraconazol 5 mg/kg/dia, a cada 24-48 horas Anfotericina B 1mg/kg, EV, 3x /semana capsulatum Citomegalovírus Doença prévia Ganciclovir 6 mg/kg/dia, EV, 5×/semana ou Foscarnet 80 a 120 mg/kg/dia 10 mg/kg/dia, EV, 3x/semana Toxoplasma Encefalite por Sulfadiazina 75 mg/kg/dia, VO, 2×/dia + Clindamicina 20 - 30 mg/kg/dia, 4 doses + pirimetamina + gondii Toxoplasmose prévia pirimetamina 1 mg/kg + ácido fólico ácido fólico 5-10 mg/dia 3×/semana Micobacteriose Doença prévia Claritromicina 15 mg/kg/dia, 2×/dia + atípica (MAI) etambutol 25 mg/kg/dia II. Em casos de episódios recorrentes freqüentes e graves Infecções Infecções graves, definidas Imunoglobulina humana endovenosa SMX/TMP, 750 mg (SMX) m2/dia, 2 doses, 3×/semana bacterianas nas categorias B e C 400 mg/kg/mês Herpes simplex Recorrente/grave Aciclovir 20 mg/kg/dia, 4 doses Candidíase Recorrente/grave Cetoconazol 5 mg/kg/dia ou fluconazol 5 mg/kg/dia Capítulo 7 81 67% no risco de morte com a utilização dos inibidores da protease na terapia combinada. No Brasil, Matilda et al. efetuaram uma análise de sobrevida de AIDS em menores de 13 anos, no período de 1993 a 1998, com seguimento até 2000. Após a data do diagnóstico, a mediana de sobre- vida foi de 52,8 meses de idade. Os autores concluíram, frente aos resultados encontrados, que as seguintes situa- ções são importantes como fatores para a sobrevivência: acesso ao diagnóstico e ao acompanhamento clínico-labo- ratorial; acesso à terapêutica (anti-retroviral, específica para diferentes situações, profilática) e acesso a cuidados multidisciplinares. O acompanhamento dessas crianças exige uma ação integrada da família ou dos que ficam responsáveis por elas, com a equipe que presta a assistência multidiscipli- nar, de forma que se obtenha a confiança das mesmas, tor- nando mais amenas as dificuldades que encontram no per- curso da doença. Assim, a maior sobrevida deverá ser benéfica e com qualidade e não significar apenas um maior tempo em vida. BIBLIOGRAFIA 1. Centers for Disease Control and Prevention. 1994. Revised classification system for human immunodeficiency virus infection in children less than 13 years of age. MMWR 1994; 43 (RR-12): 1-10. 2. Centers for Disease Control and Prevention. 2002. 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