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570 Capítulo 59 Luiz Alberto Costa Barra Fabio Boucault Tranchitella Fabio Leoncio Bornstein Martinelli Osteomielite 5959 INTRODUÇÃO Denominação universalmente aceita como relaciona- da à infecção do tecido ósseo por bactérias piogênicas, a osteomielite caracteriza-se pela inflamação dos espaços medulares, dos canais harversianos e do espaço sub- periósteo. Lesões ósseas têm sido documentadas há mais de quatro mil anos, sendo Nélaton, em 1844, o primeiro a usar o termo. Nas últimas décadas, o surgimento de inúmeras drogas para controle das infecções bacte- rianas contrapôs-se às elevadas taxas de insucesso terapêutico e recidivas das osteomielites. Em estudos com animais observou-se que, apesar da alta resistência do osso às infecções, elas podem ocorrer devido a gran- de inóculo, trauma ou presença de corpos estranhos, al- terações vasculares, estados de imunodeficiência e utili- zação de próteses. Uma vez que trauma ou imunossupressão podem de- sencadear recrudescimento de uma infecção óssea aparen- temente curada, o termo cura não parece adequado após o tratamento da osteomielite. A possibilidade de supressão sem erradicação do agente infeccioso poderia levar a recorrência. Existem algumas classificações didáticas para osteo- mielite, sendo a de Waldvogel et al. a mais comumente usa- da. Nessa classificação subdividem-se em hematogênicas sistêmicas ou contíguas a focos infecciosos, com ou sem in- suficiência vascular. Aqueles que tiverem acesso a serviços de saúde estruturados com o controle de infecção hospitalar, novos métodos diagnósticos e profilaxia antibiótica rotineira cer- tamente encontrarão menores taxas de infecção pós-ope- ratória e seqüelas. É também importante o entrosamento entre os especialistas: ortopedista, infectologista, cirurgião plástico e vascular, entre outros. PATOGENIA E PATOLOGIA Os microrganismos adentram o osso por via hemato- gênica, inoculação direta a partir de um foco infeccioso contíguo ou por uma ferida profunda. A suscetibilidade óssea à invasão aumenta no trauma, na isquemia ou na presença de corpos estranhos, pela exposição de sítios nos quais as bactérias podem aderir. Para fugirem das de- fesas do hospedeiro, ligam-se ao osso lesado por recep- tores (adesinas), penetram e persistem nos osteoblastos e cobrem-se com um biofilme protetor rico em polissa- carídeos. A sobrevivência intracelular do Staphylococcus aureus, agente preponderante, poderia explicar a persistên- cia das infecções ósseas. Uma vez aderida ao osso, a bac- téria expressa resistência fenotípica aos antibióticos, cor- roborando as altas taxas de insucesso terapêutico. Os principais achados histológicos da osteomielite aguda são infiltrados neutrofílicos, microrganismos e vasos conges- tos ou trombosados. A necrose óssea e a ausência de osteócitos caracterizam a osteomielite crônica, fase que cursa com poucos microrganismos, em que predominam as células mononucleares e os tecidos fibroso e de granulação, que substituem o osso que foi reabsorvido pe- los osteoclastos. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS OSTEOMIELITE HEMATOGÊNICA Incide em 20% dos casos, sendo preponderante nas crianças do sexo masculino, que têm na metáfise dos os- sos longos os locais mais acometidos. Nos idosos e usuá- rios de drogas endovenosas a coluna é o principal sítio de infecção. A osteomielite está entre as causas da febre de origem obscura quando cursa com localizações pouco fre- qüentes, como ossos sacros, púbis e costelas. Capítulo 59 571 Osteomielite Hematogênica Aguda Primariamente de crianças, em geral envolve apenas um osso: ou a tíbia proximal, ou o fêmur distal ou o úmero. As bactérias se estabelecem na metáfise, local bem perfun- dido, onde fagócitos ativos são escassos, composta por uma rede de sinusóides venosos (Fig. 59.1) que lentifica o fluxo sangüíneo devido a um turbilhonamento na microcirculação entre a arteríola e a vênula, facilitando a fixação do microrganismo (Fig. 59.2). Capilares fe- nestrados permitem aos microrganismos o alcance do espaço extravascular (Fig. 59.3). O sistema fagocitário é ativado, gerando enzimas que promovem lise óssea, que é concomitante ao preenchimento dos canais vasculares por material purulento, redução de fluxo sangüíneo e au- mento da pressão intra-óssea. Quando o fornecimento de sangue para a medula e periósteo estiver comprometido, a isquemia e a necrose óssea culminarão com a separa- ção de fragmentos desvascularizados denominados se- qüestro (Fig. 59.4). Dentro do tecido isquêmico e ne- crótico, a bactéria torna-se alvo difícil de erradicar, a despeito da resposta do hospedeiro, de cirurgias ou de antibióticos. As mudanças anatômicas vasculares ocorridas nos adultos tornam incomuns infecções nos ossos longos. Nes- ses, a diáfise é a mais acometida. Nas crianças, o foco inicial da bacteriemia é geralmen- te inaparente. Doença febril aguda, calafrios, dor localiza- da, edema e eritema cutâneo, leucocitose e elevação das provas de atividade inflamatória compõem as manifesta- ções. Na infância e após a puberdade, a infecção pode atra- vessar a epífise e atingir o espaço articular. Nessa situação, artrite séptica do cotovelo, ombro e quadril podem com- plicar a osteomielite do rádio, úmero e fêmur, respectiva- mente. O primeiro achado radiológico surge nos primei- ros dias como edema de partes moles e área densa em metáfise, que corresponde ao abscesso metafisário. A rea- ção periosteal, após dez dias do início da infecção, culmi- na com alterações líticas após duas a seis semanas, quan- do 50 a 75% da densidade óssea foi perdida. Com pronta e adequada intervenção, menos de 10% dos casos progri- dem para osteomielite crônica. Osteomielite Hematogênica Crônica São necessários dez dias para o início da necrose óssea, marca registrada da osteomielite crônica. É caracterizada por longos períodos de quiescência, marcados por exacer- bações recorrentes. Fístulas formadas entre o osso e a pele podem drenar material purulento e pedaços de osso necrosado. Radiologicamente a evolução de osso necrótico seqüestrado aparece densa, com contorno nítido devido ao espaço criado pelo tecido de granulação circundante. O aumento na radiopacidade do seqüestro decorre da dimi- nuição no suprimento sangüíneo, com retenção de conteú- do mineral. Aparecimento de drenagem cutânea, da dor ou aumento das provas de atividade inflamatória sinaliza a recorrência. A febre raramente está presente, exceto quan- do uma obstrução na fístula ocasiona infecção de partes moles. Dentre as complicações tardias, destacam-se as fra- turas patológicas, o carcinoma de células escamosas do tra- to de drenagem e a amiloidose. Osteomielite Vertebral Doença incomum, geralmente de origem hematogê- nica. A infecção ocorre por trajeto arterial, onde as seg- mentares que nutrem as vértebras se bifurcam para suprir dois segmentos ósseos vizinhos, facilitando o envolvi- mento de duas vértebras adjacentes e do disco interver- tebral. No imunocompetente prevalece o S. aureus, nos usuários de drogas endovenosas, a Pseudomonas aeruginosa. No jovem, é doença aguda que cursa com alta mortalida- de. No idoso é indolente, com baixa mortalidade, mas com recidivas e seqüelas. Nas crianças diabéticas, o início é agudo e o curso fulminante, impondo a realização de cintilografia óssea naquelas que apresentarem dor na co- luna, febre e leucocitose. A duração entre o início dos sin- tomas até o diagnóstico pode variar de semanas a meses. Em 90% dos pacientes, a dor é localizada e progride lenta- mente entre três semanas e três meses. Febre e leucocitose estão ausentes em metade dos casos. A velocidade de hemossedimentação apresenta-se elevada e pode ser usa- da para monitorar o tratamento. A infecção pode evoluir para abscessos localizados e culminar com meningites. Alterações neurológicas motoras ou sensitivas podem acometer até 15% dos pacientes.A região lombar é a mais acometida (45% dos casos), seguida pela coluna torácica (35%) e pela coluna cervical (20%). Como as hemocul- turas são geralmente negativas, o diagnóstico definitivo depende do isolamento do patógeno por biopsia óssea, idealmente realizada sob fluoroscopia ou guiada por tomografia. Devem ser realizadas culturas e colorações para bactérias aeróbias e anaeróbias, micobactérias e fungos. Se negativas, biopsia cirúrgica a céu aberto deve ser realizada antes do início do tratamento empírico. A cintilografia com Tc-99m detecta anormalidades nos está- gios recentes, antes das alterações radiográficas. O estudo tomográfico e por ressonância nuclear magnética (RNM) revela estreitamento, destruição e neoformação óssea no disco intervertebral precocemente. Na suspeita de osteomielite vertebral, a RNM com gadolínio é o procedi- mento radiológico de escolha. Aquisição da infecção no ambiente hospitalar, retardo no diagnóstico e comprome- timento neurológico são os maiores fatores de risco para o resultado adverso. A remoção do osso necrosado acelera a cicatrização e impede a progressão da destruição e da deformidade nos estágios iniciais. Mesmo assim recidivas são freqüentes, podendo ocorrer anos após a infecção inicial. Antibioti- coterapia endovenosa deve ser mantida por quatro a seis semanas, porém pode ser prolongada até que haja melho- ra da dor e da mobilidade, da febre e das provas de ativi- dade inflamatória. Em alguns casos, terapia oral suplemen- tar pode ser estendida por três a seis meses. OSTEOMIELITE SECUNDÁRIA A FOCO INFECCIOSO CONTÍGUO Essa categoria inclui infecções produzidas por traumas penetrantes, procedimentos cirúrgicos e por extensão di- reta da infecção proveniente de tecidos moles adjacentes ou dispositivos ortopédicos (Figs. 59.5 a 59.7). É respon- sável pela maioria dos casos de osteomielite e ocorre mais comumente nos adultos. Freqüentemente o diagnóstico só 572 Capítulo 59 é feito depois da cronificação, após semanas ou meses, quando uma fístula se torna aparente, uma ferida cirúrgi- ca se abre, ou uma fratura não se consolida. É impossível distinguir entre as anormalidades radiográficas da osteomielite e as da condição predisponente. Um tipo especial de osteomielite por contigüidade ocorre na presença de doença vascular periférica, e envol- ve quase sempre os pequenos ossos dos pés de pacientes adultos diabéticos. A neuropatia expõe os pés ao trauma e à pressão de forma silenciosa, enquanto a infecção progri- de até o osso. A má perfusão compromete a resposta infla- matória e a cicatrização da ferida, criando um ambiente propício às infecções anaeróbias. É no exame de uma úl- cera que não cicatriza, de um dedo inflamado ou de uma celulite aguda que a radiografia evidencia o primeiro sinal de osteomielite. Se o osso puder ser explorado ao exame na base de uma úlcera, a osteomielite é provável. DIAGNÓSTICO MICROBIOLÓGICO As bactérias piogênicas são os agentes mais comuns, porém micobactérias, fungos, vírus, protozoários, helmin- tos e ectoparasitas também podem causar infecção óssea. Cerca de 95% das osteomielites hematogênicas são rela- cionadas a um único microrganismo; o Staphylococcus aureus é o agente que acomete 50% dos pacientes. No período neonatal são comuns estreptococos do gru- po B e Escherichia coli. Estreptococos do grupo A e Haemo- philus influenzae predominam na infância. Vinte e cinco porcento dos casos de osteomielite vertebral decorrem de infecção por Escherichia coli e outros bacilos entéricos. Osteomielites por S. aureus, Pseudomonas aeruginosa, Serratia spp. e Candida spp. estão associadas a usuários de drogas endovenosas. Salmonella spp. e S. aureus em ossos longos são complicações freqüentes na anemia falciforme e em outras hemoglobinopatias. Tuberculose e brucelose acometem mais a coluna que outros ossos. Doenças fúngicas ósseas incomuns incluem histoplasmose, para- coccidioidomicose e coccidioidomicose, preponderantes em áreas endêmicas. Micobactérias atípicas, Barto-nella spp., Pneumocystis carinii, Candida spp., Cryptococcus neoformans e Aspergillus fumigatus predominam nos imunocomprometidos. Sífilis, varicela e vaccínia também podem acometer o osso. Nas osteomielites por contigüidade predomina o S. aureus, mas, ao contrário das hematogênicas, são geral- mente polimicrobianas e propensas a envolver bactérias Gram-negativas e anaeróbias. Assim, concomitância de estafilococos, estreptococos, bacilos entéricos e bactérias anaeróbias pode ocorrer num pé diabético ou numa osteomielite pélvica decorrente de uma úlcera de decúbito. Osteomielites por bactérias aeróbias e anaeróbias podem suceder cirurgias de orofaringe, seios paranasais, trato gastrointestinal e trato genital feminino. S. aureus é o prin- cipal agente das infecções pós-operatórias. Estafilococos coagulase-negativos são patógenos comuns após implante de dispositivos ortopédicos e, juntamente com bacilos Gram-negativos, micobactérias atípicas e Mycoplasma spp., podem causar osteomielite esternal após cirurgias cardía- cas. A P. aeruginosa relaciona-se à infecção secundária nas queimaduras e a Pasteurella multocida às mordeduras por cães e gatos. DIAGNÓSTICO RADIOLÓGICO ESTUDO RADIOGRÁFICO E ULTRA-SONOGRAFIA As radiografias compõem a avaliação inicial pela dis- ponibilidade, porém raramente detectam anormalidades nessa fase. Um adensamento metafisário surge no final da primeira semana (Fig. 59.8), por vezes visualizado so- mente com uma radiografia comparativa do membro contralateral. É o início da formação do abscesso me- tafisário. A partir de duas semanas, as alterações são evidencia- das com a elevação do periósteo (Fig. 59.9). No final da terceira semana observa-se o começo da lise óssea, segui- da de osteoporose reacional e formação de seqüestro (Fig. 59.10). O osso pode ter mais da metade da sua ma- triz destruída antes de se evidenciarem alterações ra- diográficas. A injeção de contraste no orifício cutâneo secretante permite verificar seu trajeto e extensão, exame denominado fistulografia (Fig. 59.11), facilitando a via de acesso para o tratamento cirúrgico. A ultra-sonografia tem utilidade na detecção de coleções subperiosteais, absces- sos de tecidos moles adjacentes aos ossos e no es- pessamento e elevação do periósteo, assim como guia nas aspirações percutâneas de coleções subperiosteais e de par- tes moles. USO DE RADIOFÁRMACOS A imagem cintilográfica é um excelente método não- invasivo de rastreamento de corpo inteiro que pode iden- tificar focos de infecção nas fases mais precoces, ainda sem mudanças morfológicas. Não fornecem, porém, deta- lhes anatômicos. Cintilografias com tecnécio, gálio ou índio podem determinar a atividade da infecção e dife- renciá-las de alterações ósseas não-inflamatórias. A cintilografia com tecnécio 99m (Tc-99m) demonstra hipercaptação em áreas com aumento de fluxo sangüíneo e neoformação óssea (Figs. 59.12 e 59.13). Em 95% dos casos, a cintilografia com Tc-99m demonstra alterações ósseas em menos de 24 horas do início dos sintomas. Fal- so-negativos ocorrem quando há obstrução do fluxo sangüíneo para o osso. A captação do tecnécio reflete a ati- vidade osteoblástica e a vascularização do esqueleto, e, dessa forma, a cintilografia não diferencia osteomielites de fraturas, tumores ou áreas isquêmicas. A cintilografia com gálio-citrato (Ga-67) mostra hipercaptação em áreas que concentram polimorfonucleares, macrófagos e células tumorais. O radiofármaco liga-se a transferrina e é levado para as áreas de inflamação. Exames inconclusivos podem acontecer nos casos em que houver ausência de fluxo sangüíneo na área infectada. Outros métodos de imagem, como os que utilizam leucócitos e imunoglobulinas marcadas com o índio (In-111) têm grande especificidade para inflamação, porém não distinguem infecção de pro- cessos inflamatórios não infecciosos. Têm inconvenientesque incluem um preparo trabalhoso e cerca de 24 horas necessárias para se obter boas imagens, que não mostram detalhes anatômicos, como a exata localização e a exten- são do sítio de infecção. Podem indicar alterações inflama- tórias intra-ósseas que normalmente passariam desperce- bidas por outras técnicas. Capítulo 59 573 TOMOGRAFIA COMPUTADORIZADA E RESSONÂNCIA NUCLEAR MAGNÉTICA A tomografia computadorizada tem papel no diagnósti- co da osteomielite crônica, quando é capaz de determinar a presença de infecção ativa e delinear a extensão do desbridamento cirúrgico necessário. É sensível na detecção do seqüestro ósseo, de seios de drenagem e de abscessos de partes moles. Pode ser usada como guia em aspirações percutâneas de coleções subperiosteais e de partes moles. A RNM é tão sensível quanto a cintilografia para o diag- nóstico da osteomielite aguda, pois é capaz de detectar al- terações no conteúdo aquoso medular. Sua resolução per- mite a diferenciação entre infecção óssea e de tecidos moles. Ao contrário dos métodos com radiofármacos, não é adequada para exames de rastreamento de corpo intei- ro. Na osteomielite crônica, fornece informações a respei- to da atividade e da extensão da doença, além de dar óti- ma resolução para abscessos epidurais e de tecidos moles, sendo a técnica radiológica de escolha para a osteomielite vertebral. Implantes metálicos podem produzir artefatos, limitando a técnica. Tem grande utilidade na distinção en- tre celulite e osteomielite no pé diabético, mas nem sem- pre distingue a osteomielite de tumores e fraturas em con- solidação. Nenhum método de imagem diferencia com consistência infecção da osteopatia neuropática. TOMOGRAFIA POR EMISSÃO DE PÓSITRONS (PET) A tomografia por emissão de pósitrons (PET) baseia-se no princípio de que as células inflamatórias, da mesma ma- neira que as tumorais, metabolizam preferencialmente a glicose como fonte de energia, e a captação dessa glicose es- tará aumentada quando essas células estiverem ativadas. Nesse estado, neutrófilos e macrófagos expressam altas con- centrações de carreadores de glicose que se movimentam pela membrana celular. O marcador usado no exame é a 18- fluordeoxiglicose (18-FDG), que é injetada após um jejum de quatro horas, obtendo-se as imagens até uma hora depois. De Winter et al. analisaram o papel da FDG-PET na detecção de infecções musculoesqueléticas em 60 pacientes com infecção suspeita: dentre 29 que apresentaram áreas de hiper-captação, 25 tiveram a mesma confirmada com aná- lise histopatológica e cultura, 35 não apresentaram sinais de captação e em nenhum desses a infecção foi confirmada. A FDG-PET é especialmente útil para detecção de infecções esqueléticas, principalmente osteomielites crônicas e infec- ções em implantes de próteses ortopédicas. Estudos repor- tam sensibilidade perto de 100% e especificidade em torno de 90%. Um desafio para ortopedistas é diferenciar infec- ções das perdas mecânicas na prótese, dado que reações in- flamatórias não infecciosas são comuns em meses e até anos após a cirurgia. A especificidade das cintilografias com glóbulos brancos marcados é baixa, mas a FDG-PET é um ótimo método para identificar focos infecciosos da junção osso-prótese e diferenciá-los de reações inflamatórias não infecciosas, comuns em outros locais. AIDS E OSTEOMIELITE A síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS) está associada à redução na contagem de linfócitos CD4+, na res- posta antigênica, na atividade de linfócitos T citotóxicos e na responsividade humoral, o que predispõe a bacteremias e infecções supurativas. No imunocomprometido, um pe- queno foco de osteomielite aguda pode cronificar, bem como um sítio previamente infectado pode reativar e pro- gredir para osteomielite crônica. Mesmo assim, infecção musculoesquelética na AIDS é incomum, com prevalência de 0 a 4%. Os tipos de infecção mais freqüentes incluem artrite e bursite sépticas, osteomielite e piomiosites. Os lo- cais mais acometidos são os ossos das mãos e dos pés, tíbia, fêmur e úmero, porém sítios múltiplos têm sido descritos, bem como lesões cutâneas associadas (Figs. 59.14 e 59.15). Pacientes com contagem de células CD 4 + inferior a 100/ mm3 estão susceptíveis a infecções ósseas pelos mais varia- dos agentes, incluindo bactérias, micobactérias e fungos (Tabela 59.1). Tabela 59.1 Causas de Osteomielite em Pacientes com AIDS Agente Etiológico Fator de Risco Staphylococcus aureus Uso de drogas injetáveis Staphylococcus epidermidis Uso de drogas injetáveis Bacilos Gram-negativos Uso de drogas injetáveis Candida albicans Uso de drogas injetáveis Serratia spp. Uso de drogas injetáveis Histoplasma capsulatum Imunodepressão Pneumocystis carinii Imunodepressão Blastomyces spp. Viagem ou residência em área endêmica Coccidioides immitis Viagem ou residência em área endêmica Cryptococcus neoformans Imunodepressão Bartonella spp. Imunodepressão Mycobacterium tuberculosis Imunodepressão Micobactérias atípicas (M.avium-complex, M. marinum, Imunodepressão M. gordonae, M. fortuitum, M. chelonei) Neisseria gonorrhoeae Imunodepressão 574 Capítulo 59 Um estudo multicêntrico realizado pelo CDC-Atlanta, onde foram revisados prontuários em 11 cidades norte-ame- ricanas, revelou que dentre 51.531 portadores do HIV, obser- vados entre 1990 e 2000, 330 cursaram com osteomielite, sendo que 88 (27%) tiveram o agente identificado: 48% por S. aureus, 14% por Pseudomonas spp., 8% por Streptococcus spp., 7% por outras espécies de estafilococos e 23% por ou- tros agentes. O uso de drogas injetáveis foi documentado entre 60% dos acometidos, cuja média de contagem de cé- lulas CD 4 + foi 169 células/mm3. O tratamento da osteomielite no paciente com AIDS in- clui biopsia óssea com culturas e colorações para bacté- rias, micobactérias e fungos, lembrando que as infecções podem ser polimicrobianas. Nos pacientes com osteomielite crônica, o osso necrótico mal perfundido deve ser des- bridado até que todo tecido não viável e corpos estranhos tenham sido removidos. O pus deve ser drenado, bem como retirados os dispositivos estabilizadores, além da prevenção de formação do espaço morto. À proteção da ferida somam- se os antibióticos, sendo que, se possível, a terapia me- dicamentosa deve ser postergada até que a cultura revele o perfil de sensibilidade dos agentes isolados. Para garantir a penetração adequada do antimicrobiano e prevenir a con- tinuação do seqüestro ósseo, as porções cortical e esponjo- sa devem sangrar uniformemente após o desbridamento. Os antibióticos devem ser administrados por pelo menos seis semanas para impedir reativação dos microfocos de infec- ção, sendo necessárias de três a quatro semanas para o osso se revascularizar após o desbridamento. Uma vez esteriliza- do, pode-se optar pela colocação de dispositivos externos ou internos para facilitar a estabilização óssea. OUTRAS ASSOCIAÇÕES TUBERCULOSE ÓSSEA Trata-se da infecção causada pelo Mycobacterium tuberculosis, através da disseminação hematogênica de um foco primário e, mais raramente, por contigüidade a par- tir de um linfonodo. A maioria dos pacientes com tuber- culose óssea tem evidência de envolvimento de outro sí- tio. Os locais mais acometidos incluem a coluna, ossos das mãos e pés, as metáfises dos ossos longos, as coste- las e o esterno. Uma reação inicial inflamatória é segui- da do desenvolvimento de tecido de granulação. Como nesta infecção não são produzidas enzimas proteolíticas, as cartilagens são lentamente destruídas pelo tecido de granulação, preservando as articulações e os espaços discais por longos períodos. A dor é a queixa mais fre- qüente. Nas crianças e adolescentes, as metáfises dos ossos lon- gos são os locais mais acometidos, enquanto nos adultos es- tão envolvidos o esqueleto axial seguido pela parte proximaldo fêmur, joelho e ossos das mãos e pés. No es- queleto axial, os corpos vertebrais torácicos são os mais acometidos, seguindo-se dos lombares e cervicais. O com- prometimento vertebral usualmente se inicia na porção an- terior da vértebra adjacente ao disco intervertebral, levan- do à destruição óssea. Várias vértebras adjacentes podem ser envolvidas, possibilitando a formação do abscesso paraver- tebral (Fig. 59.16). A espondilite tuberculosa progride len- tamente ao longo de anos de evolução (mal de Pott). As culturas dos tecidos são positivas em até 60% dos casos, e o crescimento do organismo, muitas vezes, leva al- gumas semanas. Nesse caso o exame histopatológico evi- denciando processo granulomatoso, um teste de hipersen- sibilidade cutânea (PPD) ou mesmo uma pesquisa de BAAR em material aspirado (teste de Ziehl Nielsen) pode susci- tar o início imediato da terapia. O tratamento medica- mentoso é o recomendado pelo Programa de Controle da Tuberculose do Ministério da Saúde, com o esquema 1 (rifampicina, isoniazida e pirazinamida) por seis meses, ha- vendo situações, como as recidivas, em que há necessida- de de ajuste das drogas ou prolongamento do tratamento. OSTEOMIELITES POR M ICOBACTÉRIAS NÃO-TUBERCULOSAS Em pacientes imunocomprometidos, infecções osteoar- ticulares, principalmente tenossinovites, sinovites e osteomielites têm sido descritas por M. avium-intracellulare, M. fortuitum, M. marinum, M. chelonae, M. ulcerans, M. kan- sasii, M. xenopi e M. haemophilum. Apesar da possível aqui- sição da infecção pós-inalação, disseminação do agente após contato com feridas é a forma de transmissão mais prová- vel, sendo descritos casos de osteomielite por M. ulcerans após picada de cobra. No imunocompetente, essas infecções podem responder bem apenas com tratamento cirúrgico. No paciente imunodeprimido faz-se necessária a quimioterapia concomitante. OSTEOMIELITES FÚNGICAS Paracoccidioidomicose e coccidioidomicose são as micoses ósseas mais freqüentes, porém esporotricose, candidíase e criptococose podem causá-las. O achado co- mum é um abscesso sobrepondo-se à lesão osteolítica. O tratamento exige desbridamento cirúrgico e quimioterapia antifúngica, que é feita nos adultos com anfotericina B na dose 0,5 a 1,0 mg/kg/dia até atingir dose total de 2 a 3 g. Outras drogas utilizadas incluem o cetoconazole 200 a 400 mg/dia, itraconazole 200 a 400 mg/dia ou fluconazole 400 a 800 mg/dia. OSTEOMIELITE S IFILÍTICA, BRUCELOSA E DAS HEMOGLOBINOPATIAS O osso, a medula óssea e o periósteo são locais favorá- veis de envolvimento sifilítico. Apesar da ampla disponi- bilização da penicilina, a doença permanece presente, den- tre outros fatores, pelo advento da AIDS e das gestações sem o adequado acompanhamento pré-natal. Os tecidos ósseos são destruídos localmente produzindo um detrito gomoso cinza-amarelado, a goma sifilítica. A infecção pro- longada resulta radiologicamente em opacificações osteoblásticas, espessamento de córtex e um novo osso subperióstico rendilhado ou laminado. A destruição goma- tosa manifesta-se sob um aspecto corroído por traças. O tratamento é prolongado, com penicilina cristalina e des- bridamento cirúrgico se necessário. A osteomielite produzida pelas bruceloses parece pre- ferir a coluna, peculiarmente as vértebras lombares. Fazen- deiros, empacotadores de carne ou consumidores que be- bem leite não pasteurizado são alvos preferenciais. As Capítulo 59 575 manifestações são inespecíficas, como febre, emagrecimen- to e leucocitose. Os achados radiológicos demonstram al- terações destrutivas e regenerativas simultâneas. O trata- mento é feito com doxiciclina por seis semanas mais gentamicina ou estreptomicina por duas a três semanas. Uma vez flagrada uma bacteremia por Salmonella spp. em pacientes com anemia falciforme, complicação rela- tivamente comum, ela é quase invariavelmente associada a localização óssea. Encontram-se em geral apenas três sorotipos associados: Salmonella choleraesuis, Salmonella paratyphi B e Salmonella typhimurium. Há relatos de que até 30% dos pacientes com anemia falciforme necessi- tarão, em dez anos, de uma internação por osteomielite, sendo os agentes Gram-negativos (principalmente a Sal- monella spp. e o Proteus mirabilis) e o S. aureus os mais envolvidos. OSTEOMIELITES SECUNDÁRIAS A HEMODIÁLISE De origem hematogênica, tem nas costelas e na coluna torácica os principais ossos acometidos. S. aureus e S. epidermidis são os agentes mais freqüentes, sendo comu- mente isolados no sangue dos pacientes, cujos cateteres in- seridos servem como porta da entrada bacteriana. Como os sinais clínicos e radiológicos podem mimetizar os da osteodistrofia renal, a infecção pode demorar meses para ser reconhecida. OSTEOMIELITES EM USUÁRIOS DE DROGAS INJETÁVEIS O uso de drogas injetáveis está associado a osteomielite de vértebras, púbis e clavícula principalmente. Os agentes mais freqüentemente isolados são o S. aureus, S. epidermidis, cocos Gram-negativos e Candida spp. D ISCITES Os discos intervertebrais podem ser acometidos por via hematogênica, após cirurgia ou trauma do espaço interver- tebral. O termo discite, entretanto, é mais utilizado para descrever uma desordem benigna da infância, sobretudo nas crianças entre seis meses e um ano de idade que apre- sentam envolvimento de espaço intervertebral único, com recuperação sem tratamento em até 72 horas. O agente mais freqüente nesses casos é o S. aureus e a necessidade de tratamento é motivo de controvérsia. ABSCESSO DE BRODIE Dá-se o nome de abscesso de Brodie à lesão óssea crô- nica, localizada, não-invasiva e que, provavelmente, não teve resolução completa na sua fase aguda. Casos subagu- dos podem cursar com febre, dor e elevação periosteal, porém, nos crônicos, a febre pode estar ausente havendo apenas uma discreta dor persistente. O osso mais acome- tido é a tíbia em sua parte distal, principalmente em adul- tos jovens. Radiologicamente é bem definido. Apresenta uma lesão central, circunscrita por uma zona de esclerose que enfraquece a região. A drenagem cirúrgica é a manei- ra de erradicar a doença, pela dificuldade de penetração antibiótica. OSTEOMIELITE ESCLEROSANTE DE GARRÉ É uma forma de osteomielite na qual o osso é espessa- do e distendido, mas não existem abscessos ou seqüestros. Pode afetar crianças e adultos jovens que se queixam de dor e edema intermitente nos membros. As radiografias mos- tram espessamento e esclerose cortical generalizada, prin- cipalmente em ossos longos. O tratamento é cirúrgico, com trepanação óssea de alívio. A antibioticoterapia é controversa. PROFILAXIA ANTIBIÓTICA NA CIRURGIA COM MANIPULAÇÃO ÓSSEA A profilaxia antibiótica em pacientes submetidos a cirur- gias com manipulação óssea é preconizada na forma intravenosa 30 minutos antes da incisão cutânea até 24 ho- ras após a operação. Nos procedimentos em fraturas fecha- das, as penicilinas antiestafilocócicas e as cefalosporinas de primeira a terceira geração reduzem a incidência de infec- ções pós-operatórias. Nas fraturas expostas, a administração de cefalosporinas de primeira (cefalotina ou cefazolina) ou segunda geração (cefuroxima) por não mais que um dia é apropriada nos pacientes que podem recebê-las dentro de seis horas após o trauma e que são prontamente submetidos à cirurgia. Nas fraturas complexas com lesão extensa de par- tes moles, faz-se necessária antibioticoterapia de largo espec- tro por período mais prolongado. Nos procedimentos que envolvam inserção de dispositivos protéticos, preconiza-se o adequado preparo pré-operatório, o uso de salas cirúrgi- cas com fluxo de ar laminar e antibioticoprofilaxia, por ser alta a susceptibilidade a infecções por agentes de baixa patogenicidade como Staphylococcus epidermidis e Propio- nibacterium spp. TRATAMENTO MEDICAMENTOSO O uso prolongado de antibióticos na infecção osteoar-ticular implica a escolha de drogas não tóxicas, de fácil administração e que apresentem boa relação custo-bene- fício. A concentração antibiótica no osso pode interferir no seu poder de erradicação, porém não existem métodos laboratoriais padronizados para aferição de concentrações ósseas. Testes em coelhos com osteomielite por S. aureus mostraram que a clindamicina apresenta melhor concen- tração em osso infectado, seguida pela vancomicina, nafcilina, tobramicina, cefazolina e cefalotina. A clinda- micina apresentou os melhores resultados no tratamento da osteomielite experimental por S. aureus. Qualquer que seja a osteomielite, o diagnóstico micro- biológico é essencial, cabendo o início da terapia empírica (Tabela 59.2) somente após coleta de sangue e fragmentos do osso infectado, repetidas vezes se necessário, para reali- zação de culturas e colorações. A terapia empírica deve in- cluir drogas ativas contra S. aureus (oxacilina, cefalosporina ou vancomicina) ou contra organismos Gram-negativos, caso sejam os mais prováveis (cefalosporina de 3a geração, aminoglicosídeo ou fluoroquinolona). O início do tratamento deve ser precoce de forma a evi- tar a necrose óssea. A identificação do agente etiológico permite a adequação ao antibiótico (Tabela 59.3). Os me- lhores resultados são observados quando os antibióticos 576 Capítulo 59 Tabela 59.2 Terapia Antimicrobiana Empírica para Osteomielite Etiologia 1a Escolha 2a Escolha Alternativa Hematogênica RN até 4 meses S. aureus Oxacilina + Vancomicina + Bacilos Gram-negativos Cefalosporina de 3a geração Cefalosporina de 3a geração Streptococcus grupo B Crianças > 4 anos S. aureus Oxacilina ou Vancomicina ou Streptococcus grupo A Cefalosporina de 1a geração Clindamicina Coliformes (raro) Adultos S. aureus + Oxacilina ou Vancomicina ou Cocos e bacilos Cefazolina Teicoplanina Aeróbios e anaeróbios Outras Condições Anemia falciforme Salmonella spp. Ciprofloxacina Cefalosporina de 3a geração Uso de drogas endovenosas S. aureus Oxacilina + Ciprofloxacina Vancomicina + Ciprofloxacina Hemodiálise S. aureus + P. aeruginosa Oxacilina + Ciprofloxacina Vancomicina + Ciprofloxacina Osteomielite contígua SIV* S. aureus + Oxacilina + Vancomicina + P. aeruginosa Ciprofloxacina Cefalosporina de 3a geração Osteomielite contígua CIV** Polimicrobiana Doença leve: Aztreonam + Vancomicina + Amoxacilina/Clavulanato Metronidazol Doença grave: Imipenem/Cilastina ou Meronen ou Piperacilina/ Tazobactam Osteomielite crônica S. aureus Aguardar resultados de Enterobactérias cultura e antibiograma P. aeruginosa *Sem insuficiência vascular. **Com insuficiência vascular. são administrados de forma intravenosa, durante quatro a seis semanas, seguidas por complementação oral por três a seis meses. Na osteomielite hematogênica aguda, o uso de antimicrobiano inadequado pode estender a doença, ha- vendo necrose óssea e formação de abscessos. A interven- ção cirúrgica na criança estará indicada em abscessos intra-ósseos e subperiosteais, artrite séptica concomitante e quando não houver resposta à terapia específica em 24 a 48 horas. Os adultos freqüentemente requerem desbrida- mento cirúrgico. Nas osteomielites crônicas, e por contigüidade, o trata- mento medicamentoso deve ser postergado até a obtenção dos resultados das culturas ósseas, porém em casos de gran- de destruição óssea e risco ao paciente, o desbridamento cirúrgico imediato deve ser considerado, seguido de antibioticoterapia empírica de largo espectro. Caso o agen- te etiológico já seja conhecido no período pré-operatório, tratamento específico deve ser iniciado mesmo antes da ci- rurgia. No contrário, deve ser aguardado o desbridamen-to. O uso oral prolongado de quinolonas suprime sinais e sin- tomas da osteomielite crônica refratária, mas não devem ser usadas em crianças. As novas quinolonas (trovafloxa-cina, grepafloxacina, moxifloxacina) têm excelente cobertura contra Streptococcus spp. e germes anaeróbicos, e boa ativi- dade contra S. epidermidis e S. aureus meticilino-sensíveis. Para estes últimos, a resistência a ofloxacina e ciprofloxaci- na vem aumentando, sendo a clindamicina uma alternativa. A utilização de pérolas acrílicas impregnadas com an- tibióticos podem ser usadas temporariamente (duas a qua- tro semanas) para preservar o espaço morto intra-ósseo (Fig. 59.17), e depois substituídas por um enxerto de osso. A aplicação direta de antibióticos no espaço morto pode ser feita por um sistema de bombeamento implantado no próprio paciente. Alguns pacientes preferem conviver com suas infec- ções a passar por múltiplos procedimentos cirúrgicos, re- ceber longos ciclos de antibióticos e correr o risco de per- der uma extremidade. Essas pessoas podem se beneficiar de antibioticoterapia oral em cursos intermitentes para suprimir os períodos de exacerbação. Nos casos complicados por insuficiência vascular, a oxigenoterapia hiperbárica e a cirurgia ablativa devem ser consideradas. A osteomielite de pequenos ossos dos pés em pessoas com doenças vasculares requer tratamento cirúr- gico, cuja efetividade é limitada pelo aporte de sangue ao local. A revascularização da extremidade estará indicada se houver comprometimento de grandes artérias. A dura- ção do tratamento depende da cirurgia: quando o osso infectado é completamente removido, mas persiste infec- Capítulo 59 577 ção residual de tecidos moles e os antibióticos são dados por duas semanas; se a amputação elimina tanto osso quanto partes moles infectadas, basta a profilaxia cirúrgica, caso contrário, tratamento por quatro a seis semanas. Infecções nosocomiais por S. aureus meticilino-resistentes requerem tratamento intravenoso prolongado com glicopeptídeos, vancomicina e teicoplanina. O uso das oxazolidinonas tem sido considerado nas osteomielites causadas por Entero- coccus spp. resistentes a vancomicina, associadas ou não a próteses ortopédicas. Till et al. relatam sucesso no uso da linezolida, oxazolidinona recentemente aprovada para osteomielite por Enterococcus faecium resistente a vancomi- cina, na dose de 600 mg a cada 12/12 horas por oito semanas. TRATAMENTO CIRÚRGICO Sob a suspeita de osteomielite aguda, é recomendada a internação do paciente para acompanhamento clínico e laboratorial, na tentativa de diagnóstico e tratamento efi- cazes e com menor risco de seqüelas. O bom senso deve prevalecer diante de casos duvidosos, sendo que a aspira- ção óssea da área com maior sensibilidade é decisiva para obtenção de material subperiosteal ou da metáfise, deven- do-se prosseguir com drenagem cirúrgica ampla e análise laboratorial, para melhor adequação do antibiótico no pós- operatório. A drenagem consiste na abertura de uma janela na cortical óssea, por perfurações ao redor da área infectada, a fim de remover o máximo de material puru- lento e necrosado, seguida da lavagem exaustiva com soro fisiológico (Figs. 59.18 a 59.21). Podem ser instalados irrigação contínua e dreno de suc- ção distal evitando acúmulo de líquido residual na cavida- de. Este sistema é mantido por três ou quatro dias até a saí- da de material mais limpo (Fig. 59.22). O tratamento cirúrgico consiste em drenagem, seqües- trectomia, ressecção óssea e de partes moles infectadas, se- guida pela reconstrução adequada, exigindo um microci- rurgião habilidoso em técnicas de cobertura com enxertos cutâneos, retalhos musculares e miocutâneos e, às vezes, re- talhos livres. Durante a internação e por período prolongado, deve-se utilizar imobilizações gessadas para evitar dores e fraturas patológicas. A evolução clínica pós-operatória deve cursar com melhora da síndrome infecciosa, cicatrização do ferimento cirúrgico, diminuição dos sinais inflamatórios e normalização dos exames laboratoriais e radiológicos. Sendo a lesão pela osteomielite crônica freqüentementeassociada a áreas com insuficiência vascular, a distribuição do antibiótico pelo local terá ação limitada. Nessa situação, é benéfica a associação do oxigênio hiperbárico. É indicada a utilização de fixadores externos para esta- bilização dos membros após a retirada de segmentos ósseos necrosados, acompanhando, ou não, o alongamento ósseo. TRATAMENTO SUPORTE PÓS-CIRÚRGICO Atividades físicas e carregamento de peso devem ser evi- tados de forma a impedir fraturas patológicas. O local aco- metido é imobilizado e elevado, sendo prescritos analgési- cos e antiinflamatórios. As articulações acima e abaixo do local infectado devem ser submetidas a fisioterapia motora passiva suave. Compressas aquecidas devem ser aplicadas para aumentar o fluxo sangüíneo e assim promover maior aporte antibiótico a área acometida. As roupas devem ser manipuladas com cuidado de forma a evitar contato com a ferida cirúrgica ou com seios de drenagem. Tabela 59.3 Terapia Antimicrobiana com o Agente Definido Agente Etiológico 1a Escolha Alternativas Anaeróbios Clindamicina Amoxicilina/Clavulanato ou Metronidazol Bartonella spp. Eritromicina Co-trimoxazol Candida albicans Anfotericina B Fluconazol Cryptococcus neoformans Anfotericina B Fluconazol Enterobactérias Ciprofloxacina Ceftriaxone Flora mista aeróbia/anaeróbia Amoxacilina/Clavulanato Imipenem/Cilastatina Histoplasma capsulatum Anfotericina B Fluconazol Mycobacterium tuberculosis Esquema I (R + H +Z) Neisseria gonorrhoeae Penicilina Cristalina Cefalosporina de 3a geração Pneumocystis carinii Co-Trimoxazol P. aeruginosa ou Serratia spp Ceftazidime Imipenem/Cilastina ou Pip./Tazobactan ou Cefepime S. aureus meticilino-resistente Vancomicina Teicoplanina S. aureus penicilino-resistente Oxacilina Cef. de 1a geração ou Clindamicina ou Vancomicina S. aureus penicilino-sensível Penicilina Cristalina Cef. de 1a geração ou Clindamicina ou Vancomicina Streptococcus spp. Penicilina Cristalina Clindamicina ou Vancomicina ou Ceftriaxone 578 Capítulo 59 TRATAMENTO: OXIGENOTERAPIA HIPERBÁRICA (O 2 HB) A O 2 HB é indicada como tratamento principal ou adjuvante em diversas doenças agudas ou crônicas, de natureza isquêmica, infecciosa, traumática ou inflama- tória, graves e refratárias aos tratamentos convencionais. As osteomielites refratárias, inclusive de esterno, são indicações cientificamente reconhecidas para O 2 HB, constantes na resolução CFM (Conselho Federal de Me- dicina) n.o 1457/95. Não se deve esperar que o pacien- te melhore para encaminhá-lo à O 2 HB, pois é na fase aguda que o tratamento pode determinar o melhor prognóstico. Há interferência direta na fisiologia celu- lar dos leucócitos, fibroblastos, células endoteliais e osteoblastos, além de que o oxigênio hiperbárico atua de forma sinérgica com os antibióticos, modificando o ambiente químico e tornando-o desfavorável à proli- feração bacteriana, limitando a produção e atividade de suas toxinas. Além disso, promove produção de colágeno, angiogênese e é diretamente bactericida para os germes anaeróbios. Diversos estudos clínicos já de- monstraram a utilidade da O 2 HB nas osteomielites crô- nicas. BIBLIOGRAFIA 1. Aberg JA, Chin-Hong, PV, McCutchan A, Koletar SL, Currier JS. 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