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Capítulo 61 585 Jaques Sztajnbok Alexandre Leite de Souza Sepse 6161 DEFINIÇÃO E CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS Em 1991, a American Thoracic Society (ATS) e Society of Critical Care Medicine (SCCM) promoveram um en- contro, a fim de estabelecer um consenso que definisse sepse e suas variáveis clínicas. Este consenso definiu sep- se como uma resposta inflamatória sistêmica originada por um agente infeccioso; sepse severa, como disfunção de pelo menos um órgão secundária à sepse, podendo ser avaliada através dos níveis de lactato (> 1 mmol/L), oligúria (débito urinário < 0,5 mL/kg/h) ou alteração do nível de consciên- cia; choque séptico, como instabilidade hemodinâmica exi- gindo emprego de drogas vasopressoras. Em termos meta- bólicos, no choque séptico há um desequilíbrio entre a demanda e a oferta de oxigênio. Em 2001, um novo consen- so realizado em Washington concordou em manter tais de- finições. Este último consenso foi redigido pelas seguin- tes sociedades médicas: Society of Critical Care Medici- ne (SCCM), European Society of Intensive Care Medicine (ESICM), American College of Chest Physicians (ACCP), American Thoracic Society (ATS) e Surgical Infection Society (SIS). Além disso, nessa ocasião ampliou-se os critérios diag- nósticos (Tabela 61.1) e introduziu-se um novo estadiamen- to para sepse, denominado PIRO. (P = predisposição do in- divíduo; I = insulto pelo agente; R = resposta do hospedeiro; O = disfunção de órgãos). HISTÓRICO E EPIDEMIOLOGIA Desde a Antigüidade, existem não só descrições de qua- dros sépticos como também de incipientes medidas tera- pêuticas. Há mais de dois mil anos antes de Cristo, o im- perador chinês Sheng Nung relatou a utilização de uma substância denominada ch’ ang shain como medida tera- pêutica para febre. As doenças infecciosas quando convergem para quadros sépticos podem suscitar elevada mortalidade, a exemplo do que ocorreu no século XIV, quando a peste negra começou a avançar da Ásia em direção à Europa, Inglaterra e Islândia. Estima-se que um terço da população européia e asiática tenha perecido desta moléstia nesse período. Em 1752, John Pringle foi o primeiro a utilizar o ter- mo “anti-séptico”. Em Genebra, no ano de 1805, durante a epidemia de doença meningocócica, Vieusseux já empre- gava os termos “pulso filiforme e rápido”. Na França, em 1879, Louis Pasteur associou o Streptococcus a sepse puerperal. Posteriormente, em 1892, Richard Pfeiffer iden- tificou a endotoxina do Vibrio cholerae como sendo res- ponsável pelo choque séptico. As endotoxinas, as quais são lipopolissacárides (LPS), proporcionaram à biologia mo- lecular a possibilidade de vislumbrar as citocinas; estas, por sua vez, permitiram ampliar o entendimento da sepse ao relacionarem suas origens aos receptores toll-like. Desde a década de 1930, a incidência de sepse apresen- ta um crescimento constante, sendo a principal causa de óbitos em centros de terapia intensiva. Esta não é uma doença de notificação compulsória; contudo, estima-se que nos Estados Unidos ocorram 750 mil casos por ano, dos quais mais de 210 mil evoluem para óbito. Dentre os principais elementos responsáveis por esta acentuada in- cidência, destacam-se: o excessivo uso de procedimentos invasivos, terapêutica com quimioterápicos, imunossu- pressores em pacientes transplantados ou com doenças in- flamatórias, recrudescimento da população de idosos, me- lhora da sobrevida de doentes com patologias debilitantes, indivíduos vítimas de politrauma e queimaduras. Desta- cando-se que pacientes idosos e com uremia podem fazer quadro séptico, na ausência de febre, contribuindo para retardar o início precoce da terapêutica. Já a incidência de sepse neonatal varia de um a quatro por 1.000 nascidos vi- vos, dependendo de fatores, como: prematuridade, assis- 586 Capítulo 61 tência pré-natal, parto gemelar, condução do trabalho de parto e condições nos berçários. No Brasil, um estudo prospectivo, de coorte, denomina- do BASES (Brazilian Sepsis Epidemiological Study), princi- piou-se em 2002, a fim de avaliar as taxas de mortalidade por sepse em unidades de terapia intensiva, além de reunir diversos aspectos clínicos e laboratoriais desses pacientes. ETIOLOGIA E FISIOPATOGENIA Inúmeros agentes infecciosos podem promover sepse, como bactérias Gram-positivas e Gram-negativas, vírus, fungos, riquétsias, protozoários e micobactérias. Desde o início da década de 1990, os agentes Gram-positivos vêm contribuindo para aumento no número de casos, sendo atualmente responsáveis por mais de 50% destes, destacan- do-se o Staphylococcus aureus e o S. epidermidis, como os mais freqüentes. Na gênese do processo tais microrganismos prolife- ram-se em determinados sítios do organismo do hospedei- ro, alcançando posteriormente a circulação sangüínea, onde podem liberar diversas substâncias com poder anti- gênico. Tais substâncias podem ser o ácido lipoteicóico ou ácido teicóico derivado dos estafilococos, as endotoxinas (LPS) oriundas das bactérias Gram-negativas, as exotoxinas liberadas por alguns Gram-positivos responsáveis pela sín- drome do choque tóxico e o lipoarabinomanan, que faz parte da constituição das micobactérias. A resposta imunológica do hospedeiro quando infecta- do por Gram-negativos consiste numa seqüência de even- tos análogos à cascata de coagulação. O LPS, cuja princi- pal fração é o lipídio A, conjuga-se a uma proteína ligadora de LPS (LBP). Tal complexo formado irá conectar-se a um receptor de membrana celular denominado CD14, o qual é expresso em vários tipos celulares, a exemplo dos macró- fagos, polimorfonucleares (PMN), linfócitos B, hepatóci- tos, fibroblastos e células da micróglia (SNC). O CD14 também pode ser encontrado na forma solúvel (síntese hepática), permitindo que o complexo LPS + LBP exerça sua ação em células que não expressam este receptor, como as endoteliais e epiteliais. Todavia, o CD14 não pos- sui uma porção transmembrana ou intracelular, a qual po- deria produzir um sinal no interior da célula. Assim, quan- do está conjugado ao complexo LPS + LBP, sua função limita-se a promover a ativação de outro receptor, o toll- like 4. Este possui uma fração intracelular cuja ação é Tabela 61.1 Critérios Propostos para Diagnóstico de Sepse em Adulto Suspeita ou comprovação de infecção, somada a alguns dos seguintes itens. Parâmetros gerais: Febre (temperatura > 38,3°C) Hipotermia (temperatura < 36°C) Freqüência cardíaca > 90 bpm ou > 2 SD (desvio-padrão) acima dos valores normais Taquipnéia: > 30 irpm Comprometimento do nível de consciência Edema significativo ou balanço hídrico positivo (> 20 mL/kg em 24 h) Hiperglicemia (> 110 mg/dL ou 7,7 mmol/L) na ausência de diabetes Variáveis inflamatórias: Leucocitose (> 12.000/µL) Leucopenia (< 4.000/µL) Contagem de leucócitos com mais de 10% de células jovens Proteína C reativa plasmática > 2 SD (desvio-padrão) acima dos valores normais Procalcitonina plasmática > 2 SD (desvio-padrão) acima dos valores normais Variáveis hemodinâmicas: Hipotensão arterial (pressão sistólica < 90 mmHg, pressão média < 70 ou uma queda da pressão sistólica > 40 mmHg em adultos ou > 2 SD [desvio-padrão] sobre os valores normais para a idade) Saturação venosa mista > 70% Índice cardíaco > 3,5 L/min/m² Variáveis de disfunção de órgãos: Hipoxemia arterial (PaO 2 /FiO 2 < 300) Oligúria aguda (débito urinário < 0,5 mL/kg/h) Aumento da creatinina de 0,5 mg/dL Alterações da coagulação (INR > 1,5 ou TTPa > 60 s) Íleo paralítico (ausência de ruídos hidroaéreos) Trombocitopenia (< 100.000/µL) Hiperbilirrubinemia (bilirrubina total > 4 mg/dL ou 70 mmol/L) Variáveis de perfusão tecidual: Hiperlactatemia (> 1 mmol/L) Lentificação do enchimento capilar ou perfusão cutânea Adaptado de Levy et al., 2001. Capítulo 61 587 deflagrar os eventos intracelulares, os quais irão sinalizarpara a transcrição do DNA, a fim de que ocorra a síntese de citocinas (Fig. 61.1). As citocinas são responsáveis pelos principais fenôme- nos inflamatórios ocorridos no paciente séptico. Atual- mente, sabe-se, através de inúmeros trabalhos, que existe uma correlação entre os elevados níveis de citocinas e uma evolução clínica desfavorável. As ações fundamentais das citocinas na sepse são: • ativação do sistema complemento; • ativação dos fatores Va e VIIIa da cascata de coagula- ção, facilitando a formação de trombina e fibrina, po- dendo culminar em CIVD (coagulação intravascular disseminada); • propiciar a síntese de outros mediadores, como leuco- trienos e prostaglandinas; • efeito inibitório sobre a proteína C reativa, a qual dei- xa de desempenhar sua ação antiinflamatória e anticoa- gulante; • contração do citoesqueleto da célula endotelial, crian- do orifícios na parede dos vasos sangüíneos, além de fragilizar a homeostase endotelial para síntese de óxi- do nítrico, gerando fenômenos de vasodilatação; • efeito depressor nas células miocárdicas. Vários estudos vêm expandindo a compreensão dos complexos elos da cascata inflamatória da sepse, objeti- vando desenvolver terapias que possam atuar em diferen- tes níveis dessa cadeia, a fim de reduzir a mortalidade des- ses doentes. A resultante dessas interações determinará a evolução clínica dos doentes. TERAPÊUTICA MEDIDAS FUNDAMENTAIS Objetivos Precoces a Serem Atingidos (Fig. 61.2) Em 2001, Rivers et al. observaram que a monitoração hemodinâmica fundamentada no exame físico, sinais vi- tais, pressão venosa central (PVC) e diurese é incapaz de revelar a existência de hipóxia tecidual persistente. Assim, estes autores propõem determinadas metas a serem alcan- çadas precocemente: otimização da pré-carga (PVC entre 8 e 12 mmHg), pós-carga (PAM – pressão arterial média = 65 mmHg e = 90 mmHg) e da contratilidade cardíaca (sa- turação de oxigênio do sangue venoso misto [SvO 2 ] = 70%). Tais medidas visam a restabelecer um equilíbrio en- tre a demanda e a oferta de oxigênio. Desta forma, dentro de seis a oito horas (golden hours) após o diagnóstico de sepse esta abordagem já deve estar em curso, incluindo re- posição volumétrica vigorosa a cada 30 minutos, a fim de se atingir uma PVC entre 8 e 12 mmHg. O emprego de va- sopressores deve ser instituído quando a PAM for = 65 mmHg, e os vasodilatadores, quando a PAM for = 90. Se de- pois de obtida estabilização hemodinâmica houver persis- tência de uma SvO 2 menor ou igual a 70%, preconiza-se a transfusão de concentrado de hemácias, almejando-se um hematócrito (Ht) mínimo de 30%. Se, após otimização da PVC, PAM e Ht houver persis- tência de uma SvO 2 = 70%, recorrer ao uso de dobutami- na em doses crescentes para obter-se uma SvO 2 = 70% ou até que se atinja uma dosagem limite de 20 µg/kg/min. A adequada oferta de oxigênio aos tecidos terá êxito quan- do os níveis de lactato arterial, déficit de base e pH conver- girem para valores de normalidade. O sucesso em se alcan- çar tais metas de maneira precoce evidenciou redução da disfunção de órgãos e da mortalidade. Fatores como acidose metabólica, hipotermia, insu- ficiência de adrenal, hipotireoidismo e existência de cardiopatia podem justificar o comportamento refratá- rio do choque. As diretrizes do American College of Critical Care Medicine, baseadas na melhor evidência para reposição volumétrica e utilização de drogas vasoativas nos pacien- tes sépticos, estão detalhadas a seguir. Recomendações para a Reposição Volêmica O emprego da reposição volêmica e de drogas vasoa- tivas objetiva reconstituir a perfusão tecidual e sistêmica, restaurando a homeostase do metabolismo celular. Os pa- râmetros utilizados para a ressuscitação do paciente na sepse são: • Hemodinâmicos: freqüência cardíaca, pressão arterial, PVC, pressão da artéria pulmonar ocluída (PAPO), pressão de pulso no ciclo respiratório (∆pp), débito cardíaco e volume diastólico do ventrículo direito; • Oxigenação tecidual: lactato, saturação central de oxigê- nio, saturação venosa mista de oxigênio e tonometria gástrica. A reposição volêmica deve ser o passo inicial no supor- te hemodinâmico dos pacientes sépticos (recomendação 1- nível C). Tanto os colóides quanto os cristalóides podem ser uti- lizados para o ressuscitamento precoce. Estes alcançam a mesma efetividade quando manipulados adequadamente para obtenção dos índices hemodinâmicos e de oxigena- ção necessários (recomendação 2-nível C). O emprego de monitoramento hemodinâmico invasi- vo deve ser avaliado quando o paciente séptico não respon- der às medidas iniciais de ressuscitamento. Edema pul- monar pode ocorrer como complicação da reposição volêmica, necessitando de monitoramento da oxigenação arterial. Para a maioria dos pacientes, a pressão da artéria pulmonar ocluída deverá situar-se entre 12 e 15 mmHg (re- comendação 3-nível D). As taxas de hemoglobina deverão ser mantidas entre 8 e 10 mg/dL no choque séptico, principalmente em pacien- tes com baixo débito cardíaco, baixas taxas de saturação venosa mista de oxigênio, acidose lática e portadores de doença arterial coronariana (recomendação 4-nível D). Recomendações para o Uso de Drogas Vasoativas A dopamina é o agente de escolha para terapia vasopressora inicial em pacientes com choque séptico que não responderam à vigorosa reposição com fluidos. A ca- 588 Capítulo 61 Fig. 61.2 – Fluxograma com as principais metas a serem efetivadas nas primeiras seis horas após o diagnóstico de sepse severa ou choque séptico. VM = ventilação mecânica; PVC = pressão venosa central; PAM = pressão arterial média; SvO 2 = saturação de oxigênio no sangue venoso misto; Ht = hematócrito. Adaptado de Rivers et al., 2001 Suporte Ventilatório Acesso Venoso Central e Cateterização Arterial Sedação e/ou bloqueio neuromuscular se em V.M. PVC < 8 mmHg Cristalóide Colóide 8–12 mmHg < 65 mmHg > 90 mmHg PAM Considerar uso de Vasopressores Considerar uso de Vasodilatadores = 65 e = 90 mmHg < 70% = 70% < 70% Transfusão de células sanguíneas objetivando um Ht = 30% Agentes inotrópicos = 70% SvO 2 Objetivos alcançadosNão Capítulo 61 589 teterização da artéria pulmonar pode ser útil para moni- torização da terapia (recomendação 1-nível E). Noradrenalina e dopamina são igualmente eficazes para restaurar a PAM na sepse, sendo imperativo assegurar- se, previamente, que a reposição volêmica foi adequada (recomendação 2-nível C). Adrenalina deve ser utilizada, quando outros vasopres- sores falharem em restaurar a PAM (recomendação 3-nível D). Na rotina, não se deve usar doses baixas de dopamina com o intuito de preservar a função renal; contudo quan- do os pacientes estiverem sendo tratados com noroadrena- lina, a dopamina pode otimizar o fluxo renal (recomenda- ção 4-nível E). A dobutamina é o fármaco de escolha em doentes cujo índice cardíaco for inferior a 2,5 L/min/m², após insuces- so com adequada ressuscitação volumétrica (recomendação 1-nível E). Abordagem do Foco Infeccioso Deve-se principiar o tratamento com a remoção de fo- cos (escaras infectadas, empiemas, osteoartrite séptica ou peritonite, por exemplo) ou pela retirada de cateter e cor- pos estranhos, quando necessário. A antibioticoterapia empírica deve ser introduzida pre- cocemente, incluindo antibióticos de amplo espectro que podem ser direcionados em função dos dados epidemio- lógicos e sítio topográfico. Posteriormente, a terapêutica pode ser modificada de acordo com a evolução clínica do doente e isolamento do agente em cultura. Utilização Ativa de Insulina na Hiperglicemia Vários estudos clínicos demonstraram que a manuten- ção dos níveis de glicemia entre 80 e 110 mg/dL resultou em menor mortalidade e morbidade nos indivíduosinter- nados em unidades de terapia intensiva, além de reduzir em 46% os quadros sépticos. Desta maneira, a hiperglice- mia, ao contrário de se tratar de um mecanismo adaptativo durante o evento séptico, predispõe a maior número de complicações, elevando a morbidade e mortalidade dos doentes. Uma das explicações é que a função fagocítica dos neutrófilos em ambientes com hiperglicemia torna-se afetada; além disso, o controle da glicemia pode prevenir o fenômeno de apoptose celular. MODULADORES INFLAMATÓRIOS E DA CASCATA DE COAGULAÇÃO Recentemente, o estudo PROWESS (Human Activated PROtein C Worldwide Evaluation in Severe Sepsis) obteve sucesso no tratamento da sepse. Esse estudo duplo-cego empregou a proteína C reativa (PCR) em pacientes sépti- cos (Tabela 61.2). Após ter sido utilizada em 1.520 doen- tes, o estudo foi interrompido, devido aos resultados ob- tidos (24,7% de mortalidade nos doentes que receberam a PCR versus 30,8% no grupo placebo [P = 0,005]). A PCR age em duas vias distintas que interagem: a cascata de co- agulação e a via das citocinas. Assim, produz uma inativa- ção do fator Va e VIIIa (Fig. 61.3), responsáveis pela for- mação de trombina (decréscimo nos níveis de D-dímero), além de propiciar a fibrinólise. Simultaneamente, desem- penha uma atividade antiinflamatória, bloqueando a pro- dução de citocinas pelos monócitos, inibindo a expressão de moléculas de adesão, ativação plaquetária, recrutamen- to de neutrófilos, desgranulação de mastócitos e apoptose celular. As principais complicações advindas do uso da PCR são sangramentos, portanto não deve ser indicada em pacientes com menos de 30.000 plaquetas. Interessante observar que os resultados obtidos com dois outros anticoagulantes – antitrombina III e fator teci- dual – não foram promissores para o tratamento da sepse. Outras medidas empreendidas, com finalidade de mo- dular a resposta imunológica e inflamatória, consistem na utilização dos anticorpos anticitocinas e antiendotoxinas. A Tabela 61.2 ilustra os principais estudos cegos randomi- zados de imunoterapia na sepse e no choque séptico com seus respectivos resultados. Até o presente momento, tais estudos já envolveram mais de doze mil pacientes, todavia a utilização desses anticorpos (AC) monoclonais ou blo- queadores inflamatórios (AC antibradicinina, antagonista de receptor de IL-1, AC antiprostaglandina, AC anti-PAF, receptor solúvel de TNF, AC anti-TNF) não evidenciou modificação significativa no curso clínico ou na mortali- dade dos doentes sépticos. De forma análoga, o uso de AC com a finalidade de antagonizar o poder inflamatório de- flagrado pelos derivados da parede bacteriana (AC anti- LPS, AC anti-LBP, AC anti-CD14, proteína bactericida indutora de permeabilidade – BPI) também não demons- trou eficácia clínica significativa. De maneira equivalente, outros fármacos com ativida- de moduladora da inflamação, como a amrinona, quando utilizada para este fim, e a pentoxifilina não demonstraram resultados satisfatórios, à exceção de um estudo europeu multicêntrico com pentoxifilina que apresentou decrésci- mo da mortalidade em neonatos prematuros sépticos. Esteróides Diversos estudos prévios evidenciaram que a utilização de altas doses de esteróides não melhorou a sobrevida, além de ter propiciado infecções secundárias, piorando a evolução dos doentes (Tabela 61.2). Um dos mecanismos de ação dos esteróides é seu efeito inibitório na transcri- ção de TNF-α, no DNA celular. Assim, a utilização dos corticóides visa inibir, ao menos parcialmente, esta sín- tese de TNF, cujos elevados níveis vinculam-se a prog- nóstico desfavorável. Outra justificativa para o emprego dos corticoesteróides fundamenta-se no fenômeno de downregulation, isto é, há inibição da expressão dos recep- tores celulares para catecolaminas na sepse. Este fenôme- no poderia ser parcialmente minimizado através do uso dos corticóides, otimizando a resposta às catecolaminas. Em 2001 e 2002, dois estudos desenvolvidos por Annane et al. revelaram efeitos benéficos de doses “fisiológicas” de corticóides. Annane observou em seu trabalho que os pa- cientes sépticos, que mantinham a necessidade de drogas inotrópicas e ventilação mecânica, podiam se beneficiar de doses “fisiológicas” de esteróides. Posteriormente, em 2002, concluiu que o emprego de hidrocortisona (50 mg, quatro vezes ao dia) somada à fludrocortisona (50 µg por dia) em doentes com choque séptico aumentou significa- tivamente a sobrevida destes em relação ao grupo contro- 590 Capítulo 61 le. Contudo, outros estudos clínicos não evidenciaram os mesmos resultados. BIBLIOGRAFIA 1. Abraham E. for the Norsept II Study Group. Double-blind, randomized, controlled trial of monoclonal antibody to human tumor necrosis factor in treatment of septic shock. Lancet 1998; 351:929–933. 2. American College of Chest Physicians/Society of Critical Care Medicine Consensus Conference Committee: ACCP/SCCM Consensus Conference: Definitions for sepse and organ failure and guidelines for the use of innovative therapies in sepse. Crit Care Med 1992; 20:864-874. 3. Annane D, Sebille V, Charpentier C, et al. Effect of treatment with low doses of hydrocortisone and fludrocortisone on mortality in patients with septic shock. 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