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1 
 
HEGEL: A NATUREZA DIALÉTICA DA HISTÓRIA E A 
CONSCIENTIZAÇÃO DA LIBERDADE 
 
Prof. Pablo Antonio Lago 
 
 Hegel é um dos filósofos mais difíceis de estudar, sendo conhecido pela 
complexidade de seu pensamento e de suas obras
1
. De qualquer modo, a parte menos 
difícil de sua obra é também a mais influente (KENNY, 1999, p. 379), e Hegel acaba 
sendo reconhecido mais pela influência que exerceu em autores posteriores do que pela 
sua filosofia em si. 
 Em contraposição ao pensamento kantiano, Hegel busca explicar o homem não 
como mero fruto da razão abstrata, mas sim como resultado de um processo histórico. 
Só conseguimos conhecer o homem enquanto uma realidade histórica, o que nos faz 
refletir sobre fatos concretos. Se não bastasse, a inserção do homem na história implica 
em concebê-lo como alguém que está sob influência direta da coletividade, e que a 
partir dela se constitui, o que coloca Hegel em posição diversa daquela que 
majoritariamente era defendida em seu tempo – notadamente a perspectiva 
contratualista de bases jusnaturalistas, na qual se pensava a sociedade como fruto das 
vontades individuais, de caráter atomístico (i.e., a criação do social a partir de um 
“contrato”, tendo o indivíduo como princípio e centro do pensamento político e social, 
que se une com os demais para satisfação de seus próprios interesses e defesa de seus 
direitos naturais). 
 Somos capazes de conhecer o mundo, portanto, a partir da história – da análise 
da realidade que nos circunda e que se encontra em constante transformação. Neste 
contexto, a tarefa da filosofia é a de tornar inteligível este processo histórico de 
unificação da razão com a realidade – deste modo, para Hegel, tem-se que o racional é 
real e o real é racional. 
 De acordo com Hegel, ao analisarmos a história percebemos que ela consiste, 
universalmente, no desenvolvimento do espírito (geist) e na sua manifestação na 
realidade. Mas no que consiste este “espírito” e como ele se manifesta? 
 
1
 Como afirma Anthony Kenny (1999, p. 379): “As obras de Hegel são extremamente difíceis de ler. 
Causam imediatamente, além disso, uma impressão de profundidade. Depois de um estudo mais cuidado, 
alguns autores pensam que essa impressão se reforça, ao passo que outros são de opinião que se 
evapora”. 
2 
 
 O espírito pode ser visto como o oposto da matéria. Ao passo que a essência da 
matéria é a gravidade, a essência do espírito é a liberdade. A matéria depende da 
atração que suas partes exercem umas sobre as outras; já o espírito é uma realidade em 
si mesma, independente e consciente de suas próprias potencialidades, o que o leva a 
agir para concretizar estas potencialidades. Desta forma, a história é a revelação do 
espírito no processo de descoberta daquilo que é em potência (KENNY, 1999, p. 379-
380). Dito de outra forma, se a essência do espírito é a liberdade, a história corresponde 
à busca pela concretização última desta liberdade, enquanto potencialidade a ser 
descoberta pelo espírito. 
 Na medida em que podemos nos ver como “partes de um todo” (i.e., somos 
“humanos dentro de uma humanidade”), o espírito que estamos a falar, por enquanto, 
não é o “espírito” individual (i.e., a ideia de “alma”), mas sim este “espírito coletivo”, o 
“espírito do mundo” (weltgeist). A busca pela liberdade é uma constante na razão 
humana, e esta razão (como vimos em Kant) é universal. A humanidade é uma 
totalidade, e podemos afirmar que seu “espírito” progrediu, aprendeu e fez novas 
descobertas no curso da história (KENNY, 1999, p. 380). Em outras palavras, a 
humanidade de hoje é mais evoluída que a de antes em razão dos progressos que seu 
espírito fez, quando adquire maior consciência de sua liberdade, o que se observa 
através da história. 
 Para fins metodológicos e didáticos, este espírito do mundo pode ser 
subdividido: ele é composto pelos espíritos de diferentes povos, nações e culturas (o 
“espírito do povo” – volksgeist). A história demonstra que cada coletividade humana 
possui costumes e tradições que lhes são próprios – religiões, filosofias, instituições 
políticas e sociais distintas. Assim, cada povo se encontra em uma “fase distinta” no 
processo de conscientização da liberdade. Mas neste processo de tomada geral e 
coletiva de consciência da liberdade, onde se inserem as figuras do Estado, da sociedade 
civil e do indivíduo? 
 O Estado corresponde, com as devidas cautelas, à “materialização” do espírito 
do mundo. Ele é a concretização da liberdade, ou seja, o objetivo final absoluto 
(KENNY, 1999, p. 381). Só somos capazes de alcançar a liberdade plena e de 
descobrir a totalidade do nosso ser através do Estado. Através dele, o espírito do 
mundo (a humanidade) utiliza os espíritos dos povos e dos indivíduos como meios para 
se alcançar esta liberdade total e universalizante. Neste contexto, os indivíduos só 
podem alcançar a liberdade através do Estado, pois é a partir dele que seus espíritos se 
3 
 
conectam com os espíritos dos povos e, posteriormente, ao espírito do mundo – o 
Estado faz com que a individualidade pessoal e os interesses particulares se integrem e 
venham a desejar, em um primeiro momento, a vontade geral (do espírito do povo) e, 
posteriormente, que reconheçam o universal (o espírito do mundo) como seu fim e 
objetivo. O Estado não se resume, portanto, a um mero conjunto de pessoas organizadas 
para determinados fins, muito menos a um território físico sujeito a um regime de leis e 
administração civil; antes disso, o Estado é um fim em si mesmo, incorporando bens e 
valores morais intrínsecos – o verdadeiro Estado é, na visão de Hegel, uma comunidade 
ética que reflete os valores de justiça e dignidade fornecidos pelo contexto histórico 
(MORRISON, 2012, p. 197). Em outras palavras, o Estado é “ético” quando 
materializa a consciência de liberdade de um dado período da história. 
 O Estado, portanto, está acima de grupos de indivíduos e de formas de 
associação humana como a família, o lar e outras instituições sociais. Estas formas de 
associação compreendem o que Hegel denomina sociedade civil. A sociedade civil 
antecede ao indivíduo, absorvendo-o e conformando sua própria personalidade. Deste 
modo, o indivíduo nunca é plenamente livre apenas na sociedade civil, pois seus desejos 
e interesses são reflexos desta sociedade que lhe antecede. Assim, por exemplo, o 
homem tem seus desejos conformados pelos costumes, tradições e, sobretudo, pelo 
regime de mercado típico do período moderno. Em outras palavras, o homem é 
submetido, pela sociedade civil, a um sistema econômico que não lhe permite atingir 
sua liberdade de forma plena. 
 Neste contexto, percebe-se que a figura do indivíduo aparece como o homem 
submetido e conformado aos interesses da sociedade civil. Ele só pode ser livre quando 
se apoia na figura do Estado: é ao participar da vida social e política que o indivíduo 
adquire consciência da sua própria racionalidade e pode alcançar a liberdade – somente 
assim ele se livra dos esforços incertos do “homem econômico” e dirige seus esforços 
para a ideia de bem comum (MORRISON, 2012, p. 197). Em outras palavras, é a partir 
do Estado que o indivíduo consegue se enxergar como elemento do espírito do povo e, 
em última medida, manifestação do próprio espírito do mundo. 
 Percebe-se, portanto, uma tensão entre o indivíduo e a sociedade civil que deve 
ser solucionado pelo Estado. Isso ocorre porque, em que pese o indivíduo ser 
conformado pela sociedade civil (e.g., a influência da família na formação individual), 
ele não perde por completo a sua individualidade enquanto ser que tende à realização da 
liberdadeplena. É por tal razão que o Estado, enquanto unidade ética visando a 
4 
 
liberdade, deve preservar e proteger a individualidade do sujeito das divisões existentes 
na sociedade civil, o que faz através de uma teoria dos direitos individuais – o que 
envolve direitos de propriedade, direitos contratuais e, sobretudo, o reconhecimento 
destes direitos por parte da sociedade civil e dos demais indivíduos (MORRISON, 
2012, p. 199). O Estado se vale do direito, portanto, como forma de se “concretizar” a 
racionalidade humana – através de normas e leis, o que se busca é mediar diferentes 
interesses individuais e coletivos, tendo em vista o fim último que é a liberdade plena, a 
“totalidade do ser”. É por tal razão que o direito é concebido por Hegel como uma 
totalidade, indo além dos aspectos meramente normativos, e envolvendo a ética, a 
moral, a política e mesmo a economia. 
 Percebe-se, portanto, que o fluxo histórico é marcado por constantes conflitos 
entre os interesses dos indivíduos e da coletividade. A história deve ser pensada, 
portanto, em termos dialéticos. A dialética, no pensamento hegeliano, corresponde ao 
choque de tendências antagônicas – em linhas gerais, pode ser visto como o embate 
entre uma tese e uma antítese, sendo ambas superadas por uma síntese (KENNY, 1999, 
p. 383). O processo histórico é dialético e contínuo: mesmo a síntese pode ser posta em 
questão, o que a transforma em uma tese atacada por uma antítese que, ao final, formará 
uma nova síntese. O fato é que qualquer posição estática na história humana é marcada 
por tendências divergentes que, em determinado momento, se tornam aparentes e 
entram em conflito, chegando a uma nova posição que poderá ser abalada por novos 
conflitos e contradições (MORRISON, 2012, p. 195). O exemplo hegeliano para se 
explicar este processo é o da dinâmica na relação entre senhor e escravo. 
 Para Hegel, a história tem como fundamento a dominação do homem pelo 
homem. Nas sociedades clássicas, particularmente a grega, esta relação era vista como 
algo “natural” – para Aristóteles, por exemplo, alguns indivíduos nasciam para mandar 
e outros para obedecer. Hegel, ao contrário, atribuía à relação senhor-escravo um 
conflito inerente que não pode ser explicado em termos naturais, mas sim em termos 
históricos. Discordando da perspectiva grega, Hegel afirmava que a lógica da 
escravidão poderia ser contraposta a partir da ideia de igualdade natural – e aí se 
percebe a natureza dialética entre tese e antítese. Em outras palavras, o domínio convida 
à resistência, seja em termos físicos ou intelectuais, o que conduz ao desenvolvimento 
de novas normas de conduta e maneiras de se perceber a relação (em outras palavras, a 
partir do conflito chegamos a uma nova posição, uma síntese). A escravidão é, portanto, 
objeto de construções histórias, e não uma questão “natural”: ao negar o domínio do 
5 
 
senhor, o escravo exprime uma busca pela liberdade que transforma o que antes era 
visto como natural em uma criação cultural (MORRISON, 2012, p. 204). A dialética é, 
portanto, elemento constitutivo da nossa busca pela liberdade, da união entre os 
espíritos individuais e os espíritos dos povos com o espírito do mundo. 
 O que se tem é que o Estado e o direito devem estar conscientes deste processo 
histórico dialético. Eles devem ter consciência histórica do progresso em direção à 
liberdade plena, pois é a partir dos conflitos sociais que descobrimos novas e mais 
avançadas formas de se perceber a liberdade enquanto algo universal. Através do direito 
e da análise de suas consequências na sociedade, o Estado se “educa” e cria novas 
instituições que se aproximam do projeto de racionalização plena. Daí a sua relevância 
enquanto único meio para se materializar o espírito do mundo, estando acima dos 
conflitos entre indivíduos e sociedade e trabalhando em prol da universalização da 
liberdade
2
. 
 Esta linha de raciocínio nos conduz diretamente ao idealismo hegeliano. Se o 
Estado é a materialização da liberdade, a objetificação do espírito do mundo, o cidadão 
deveria estar certo de que o Estado é, de fato, racional. Mas será que isso é possível? 
Como sustenta Wayne Morrison (2012, p. 210), como poderíamos ter certeza de que o 
Estado não corresponda a outros interesses particulares mascarados de interesses 
universais? O que impede que a população se submeta ao cumprimento das leis não 
enquanto exigência da razão, visando a liberdade última, mas sim com uma 
(in)consciência meramente habitual? 
 Em última análise, não podemos saber com certeza que o Estado é racional; 
podemos somente confiar em sua racionalidade. De qualquer modo, o que se percebe é 
que a posição de Hegel nos conduz a uma ideia de liberdade individual “qualificada”, 
distinta da posição liberal. Nesta última, preconiza-se a liberdade dos indivíduos 
enquanto ação dirigida para a satisfação suas preferências individuais. Os seguidores do 
pensamento hegeliano, entretanto, questionam esta forma de se conceber a liberdade: é 
necessário saber o porquê de preferirmos algo em detrimento de outro (e.g., nas relações 
de consumo, não sou apenas “livre” em minhas preferências, mas é fundamental 
compreender porque desejo comprar alguns produtos ao invés de outros). Mas os 
liberais se defendem argumentando que é impossível superar o abismo entre desejo e 
 
2
 A dialética também explica a posição contrária de Hegel a um “Estado mundial” ou cosmopolita, nos 
moldes kantianos. A possibilidade de um Estado mundial implica na inexistência de guerras e, 
consequentemente, de conflitos que possam nos conduzir a este contínuo processo de conscientização da 
liberdade (KENNY, 1999, p. 382). 
6 
 
razão, e que toda forma de se conceber uma razão superior às preferências individuais é 
mera utopia. 
 Por fim, também pode ser visto como utópico e idealista o modelo hegeliano que 
coloca a liberdade plena como um fim último e absoluto da razão humana, como a 
essência de um espírito do mundo que a história, progressivamente, tem nos permitido 
alcançar em um processo dialético. Isso significa dizer que um dia a filosofia e a história 
chegarão ao fim, uma vez alcançado este objetivo. Hegel acreditava, portanto, que seu 
sistema concluía as buscas de ordem filosófica, pois permitia ao homem conhecer o 
trajeto através do qual poderia alcançar a consciência da liberdade plena e da totalidade 
do ser (KENNY, 1999, p. 383). 
 
BIBLIOGRAFIA 
 
KENNY, Anthony. História concisa da filosofia ocidental. Trad. de Desidério Murcho 
et alii. Lisboa: Temas e Debates, 1999, pp. 377-383. 
 
MORRISON, Wayne. Filosofia do direito: dos gregos ao pós-modernismo. Trad. de 
Jefferson Luiz Camargo. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2012, pp. 193-212.

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