Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS ESCOLA DE VETERINÁRIA Departamento de Clínica e Cirurgia Veterinárias FUNDAMENTOS DE OFTALMOLOGIA CLÍNICA Prof. Fernando Antônio Bretas Viana BELO HORIZONTE 2002 ii FERNANDO ANTÔNIO BRETAS VIANA Médico Veterinário (EV/UFMG - 1981) Mestre em Medicina e Cirurgia Veterinárias (EV/UFMG – 1984) Doutorando em Medicina – Oftalmologia (FM/UFMG) Professor – Escola de Veterinária da UFMG RUBENS ANTONIO CARNEIRO Médico Veterinário (EV/UFMG - 1979) Mestre em Medicina e Cirurgia Veterinárias (EV/UFMG – 1995) Doutorando em Ciência Animal (EV/UFMG) Professor – Escola de Veterinária da UFMG Neuro-oftalmologia FABIENE FERREIRA Médica Veterinária (EV/UFMG - 1998) Mestre em Medicina e Cirurgia Veterinárias (EV/UFMG – 2001) Doutorando em Ciência Animal (EV/UFMG) Manifestações oculares de doenças sistêmicas JULIANA DE OLIVEIRA Médica Veterinária (EV/UFSM – 2000) Mestranda em Medicina e Cirurgia Veterinárias (EV/UFMG) Ilustração da capa iii SUMÁRIO Estrutura e função do olho 01 Semiologia oftalmológica 16 Terapêutica oftalmológica 30 Pálpebras 51 Órbita e músculos perioculares 60 Conjuntiva e membrana nictitante 64 Sistema lacrimal 68 Córnea e esclera 72 Úvea 83 Glaucoma 91 Lente 97 Vítreo e retina 101 Neuro-oftalmologia 107 Manifestações oculares de doenças sistêmicas 118 1 ESTRUTURA E FUNÇÃO DO OLHO ANATOMIA 1. ÓRBITA: A órbita é uma cavidade óssea que separa o globo ocular da cavidade craniana, com a principal função de protegê-lo. Seu formato e posicionamento no crânio estão intimamente relacionados à atividade visual e ao comportamento alimentar do animal. Dependendo da espécie, a órbita é formada por cinco a sete ossos, possuidores de vários foramens e fissuras que permitem a passagem de nervos e vasos sanguíneos. Internamente, é revestida por uma fina camada de tecido conjuntivo denominado fascia orbital, subdividida em três porções: • Periórbita: É uma fina membrana fibrosa aderida à órbita, sob a forma de periósteo, que reveste o olho e seus músculos, vasos sanguíneos e nervos; • Fascia bulbar (ou cápsula de Tenon): É uma condensação do tecido conjuntivo externo da esclera, estando aderido a esta desde o limbo até a porção posterior do globo ocular; • Bainhas dos músculos oculares. 2. PÁLPEBRAS: As pálpebras são pregas tegumentares modificadas, com estrutura central formada por tecido fibroso (septo orbital) e possuidoras de bordas livres mais espessas e pigmentadas (tarso). No tarso se implantam os cílios e se abrem os ductos das glândulas de meibômio (ou tarsais) e Zeis, ambas sebáceas, cujas secreções participam da formação do filme pré-corneano e impedem seu escoamento pelas margens palpebrais. A abertura formada pelas margens palpebrais livres recebe o nome de fissura palpebral e tem uma forma elíptica graças à presença dos ligamentos palpebrais medial e lateral, que ancoram os cantos palpebrais à órbita. Os músculos palpebrais, suas ações e inervação estão listados na TAB. I. A presença de cílios é variável entre as espécies, normalmente estando presentes apenas na pálpebra superior; os ruminantes possuem cílios em ambas as pálpebras e os suínos não os têm. Destaca-se também, nos eqüinos, a presença de uma protuberância de tamanho variável no canto medial, denominada carúncula lacrimal. No canto medial das pálpebras estão situados os pontos lacrimais superior e inferior, orifícios através dos quais a lágrima é drenada. As principais funções das pálpebras são (a) proteção do globo ocular como um todo, (b) proteção da córnea, evitando seu ressecamento, (c) produção da fração lipídica do filme pré- corneano, (d) regulagem da entrada de luz no olho, (e) remoção de corpos estranhos e (f) encaminhamento da lágrima para a drenagem. 2 3. SISTEMA LACRIMAL: A principal glândula responsável pela produção do filme pré-corneano (lágrima) é a lacrimal, situada na fossa lacrimal do teto da cavidade orbitária e com ductos abrindo-se no canto lateral do olho, nos fórnices conjuntivais. O filme pré-corneano é formado por três componentes que são, de dentro para fora, os seguintes: • Fração mucosa (mucina), produzida pelas células caliciformes da conjuntiva e que garante a aderência do filme pré-corneano à córnea e uma maior regularidade anatômica à sua superfície; • Fração serosa, a mais abundante das três, formada pelas glândulas lacrimal e nictitante, com as seguintes funções: ? Encaminhar corpos estranhos e bactérias ao sistema de drenagem; ? Evitar o atrito das pálpebras e da nictitante sobre a córnea; ? Atuar como meio de transferência entre a córnea e o oxigênio atmosférico, células inflamatórias e anticorpos, bem como na remoção de seus metabólitos; ? Garantir, junto com a camada mucosa, uma superfície lisa à córnea, visando uma melhor eficiência óptica; ? Atuar como fonte de substâncias antimicrobianas, como anticorpos, lactoferrina e lisozima; • Fração lipídica, produzida pelas glândulas de meibômio, Moll e Zeis, cuja função é evitar a evaporação e o transbordamento da lágrima. A lágrima, após irrigar o olho, segue o seguinte trajeto até alcançar a cavidade nasal: Ângulo medial → lago lacrimal → pontos lacrimais superior e inferior → ducto lácrimo-nasal → cavidade nasal. 4. MÚSCULOS OCULARES: O globo ocular é suprido por sete músculos, sendo quatro retos (superior, inferior, lateral e medial), dois oblíquos (superior e inferior) e o retrator do bulbo. São os responsáveis por manter suspenso o globo ocular na órbita e permitir seus movimentos. A TAB. I lista os músculos do globo ocular e das pálpebras com sua função e inervação. 5. CONJUNTIVA: A conjuntiva é uma membrana transparente, formada por tecido conjuntivo frouxo que reveste a face interna das pálpebras (conjuntiva palpebral) e o globo ocular até a região do limbo (conjuntiva bulbar); a junção dos dois folhetos recebe o nome de fórnice conjuntival e o espaço entre os mesmos de saco conjuntival. No fórnice inferior, a conjuntiva apresenta uma prega denominada terceira pálpebra ou membrana nictitante. Observação: Limbo é o ponto de união entre esclera, cápsula de Tenon e conjuntiva. A substância própria da conjuntiva é formada por duas camadas, uma superficial glandular, rica em folículos linfóides e células produtoras de muco, e uma profunda fibrosa. A presença deste tecido linfóide é de grande importância nos mecanismos de defesa do olho e, por isto, alguns autores consideram a conjuntiva como um “linfonodo invertido”. 3 TAB. I: Músculos do globo ocular e pálpebras: Músculo Função Inervação Pálpebras Elevador palpebral superior Elevação da pálpebra superior Oculomotor Orbicular ocular Fechamento da comissura palpebral Facial Retrator do ângulo ocular Alongamento lateral da fissura palpebral Facial Corrugador superciliar Auxílio na elevação da pálpebra superior Facial Globo ocular Reto superior Rotação superior do globo Oculomotor Reto ventral Rotação inferior do globo Oculomotor Reto medial Rotação medial do globo Oculomotor Reto lateral Rotação lateral do globo Abducente Oblíquo dorsal Rotação médio-dorsal do globo Troclear Oblíquo ventral Rotação médio-ventral do globo Oculomotor Retrator do bulbo Retração do globo Abducente TERCEIRA PÁLPEBRA: A terceira pálpebra ou membrana nictitante é uma prega da conjuntiva, possuidora, no seu interior, de uma cartilagem hialina em formade “T” e, em sua face posterior, um tecido linfóide envolvido nos mecanismos de proteção do globo ocular. Possui ainda a glândula nictitante, responsável pela produção de parte da fração serosa da lágrima. Em algumas espécies (p. ex. suínos), há uma segunda glândula contígua à nictitante, situada na região periorbital, denominada glândula de Harder, cuja função ainda é obscura, mas parece estar relacionada à defesa imunológica do olho. A musculatura da nictitante é vestigial nos animais domésticos, que perderam a capacidade de seu controle voluntário. Alguns animais silvestres ainda fecham a terceira pálpebra voluntária e isoladamente das pálpebras, permitindo uma proteção ao globo ocular e uma certa captação de luz; é o que ocorre, por exemplo, em espécies que vivem em desertos, sujeitas a tempestades de areia. 6. GLOBO OCULAR: O globo ocular é formado por três camadas ou túnicas: • Túnica externa ou fibrosa, constituída por córnea e esclera, primariamente atuando na manutenção da forma do globo ocular; • Túnica intermediária ou vascular (= úvea), formada por íris, corpo ciliar e coróide, com a principal função de fornecer nutrientes e carrear para fora do globo os catabólitos por ele produzidos; 4 • Túnica interna ou nervosa, constituída pela retina, que capta e transmite os estímulos luminosos. 6.1. CÓRNEA: É uma estrutura transparente que ocupa, nos animais, uma grande porção na região anterior do globo, proporcionalmente muito maior que no homem. A transparência corneana é obtida pela disposição das lamelas, avascularização, presença de nervos desmielinizados e um sistema de bomba aspirante-premente do endotélio, que regula seus teores de água. A inervação é feita pelo ramo oftálmico do trigêmeo e a nutrição é obtida através da lágrima, humor aquoso e vasos perilimbais, vindo o oxigênio diretamente do meio ambiente. A espessura da córnea varia de acordo com a espécie, mas na maioria dos animais domésticos é menor que um milímetro (0,45-0,65 mm no cão, dependendo da região), embora possa chegar a 1,5 mm nos eqüinos e 2 mm nos bovinos. Esta espessura é maior no centro que na região perilimbal e pode reduzir-se em função da idade e do sexo, pois as fêmeas normalmente possuem córneas mais finas. A córnea dos animais domésticos possui quatro camadas que são, de fora para dentro: ? Epitélio: O epitélio que recobre a superfície anterior da córnea é do tipo estratificado pavimentoso não queratinizado, formado por duas ou três camadas de células poliédricas e igual número de camadas de células escamosas. No homem, está separado do estroma pela lâmina limitante anterior ou membrana de Bowman; ? Estroma: O estroma corneano ou substância própria representa 90% da espessura total da córnea. É constituído basicamente por lamelas de tecido fibroso, com algumas poucas células que as produzem, fibrócitos denominados queratócitos. A correta disposição destas lamelas é um dos mais importantes fatores que garantem a transparência corneana; ? Membrana de Descemet: Também denominada lâmina limitante posterior, a Descemet é uma membrana basal acelular do endotélio, constituída principalmente por fibras colágenas; ? Endotélio, formado por uma camada simples de células endoteliais. São células de baixo poder de regeneração e uma eventual perda de grandes quantidades das mesmas (p. ex. em uveítes severas) pode causar edema e opacidade corneana permanentes, sobretudo em animais idosos. A córnea constitui, juntamente com a lente e os humores aquoso e vítreo, um dos elementos refrativos do olho. 6.2. ESCLERA: A esclera é uma estrutura morfologicamente semelhante à córnea, mas destituída de transparência, devido às suas fibras irregularmente organizadas, abundante vascularização e baixo conteúdo de mucopolissacarídeos. Estende-se por todo o globo ocular, a partir do limbo, e apresenta, na sua porção posterior, a chamada lâmina cribrosa, local por onde penetram as fibras do nervo óptico. Morfologicamente, a esclera se divide em três porções: • Episclera ou lâmina episcleral, camada densa e altamente vascularizada, intimamente ligada à cápsula de Tenon; • Esclera ou substância própria, composta por fibroblastos e colágeno; 5 • Lâmina fusca, de fibras colágenas, que divide a esclera da úvea. É uma área rica em melanócitos e macrófagos. A coloração da esclera pode variar de acordo com a espessura de seu estroma (parece azulada quando este é muito fino) ou com alto teor de gordura (torna-se amarelada). A lâmina fusca tem uma coloração amarronzada. Peixes, lagartos, quelônios e alguns anfíbios e pássaros possuem a esclera formada por peças cartilaginosas e ósseas, que mantêm a forma do globo e supostamente são responsáveis por parte do fenômeno da acomodação visual, por possibilitarem um alongamento do mesmo. 6.3. ÚVEA: A úvea é uma estrutura formada por coróide, corpo ciliar e íris. Íris e corpo ciliar são denominados úvea anterior e a coróide úvea posterior. a. ÍRIS: A íris é um diafragma formado por um tecido conjuntivo frouxo pigmentado e muito vascularizado, que divide o compartimento ocular anterior nas câmaras anterior e posterior, que se comunicam através da pupila. Grosseiramente a íris pode ser dividida em duas porções, a zona pupilar e a zona periférica, divididas entre si pelo colarete. A zona pupilar normalmente é mais pigmentada que o restante da íris. Histologicamente, a íris é dividida em: • Lâmina marginal anterior, formada por fibroblastos e melanócitos; • Estroma, constituído por tecido conjuntivo frouxo, fibroblastos e melanócitos. No estroma está presente um músculo disposto em forma de anel, o esfíncter da íris (= constrictor pupilar), de inervação parassimpática e responsável pela constricção pupilar; • Epitélio: Representa um prolongamento da retina, que também atapeta os processos ciliares. O epitélio anterior contém fibras musculares que dão origem ao músculo dilatador pupilar, de inervação simpática. O epitélio posterior é rico em grânulos de melanina e apresenta uma membrana basal em sua superfície livre. A cor da íris varia em função da espécie e raça, dependendo primariamente da quantidade e tipo de pigmentação presente e do grau de vascularização. A presença de carotenóides na alimentação pode modificar a coloração da íris. A pupila tem uma forma que varia de acordo com a espécie, sendo redonda nos primatas, canídeos e suínos, fusiforme vertical (quando em miose) nos felinos e oval em um plano horizontal nos ungulados. Na borda superior da pupila dos ungulados são observadas massas arredondadas de tamanho variável, extensões do epitélio pigmentado posterior da íris, denominados grânulos iridianos ou corpora nigra, que têm a função de aumentar a efetividade da constricção pupilar. A principal função da pupila é controlar a entrada da luz que incide sobre a retina, através dos reflexos pupilares. b. CORPO CILIAR: O corpo ciliar é uma prolongamento da coróide e está contíguo à face posterior da íris. Topograficamente, é dividido em duas porções, uma anterior (pars plicata) e uma posterior 6 (pars plana). Possui como principais funções o fornecimento de nutrientes à córnea e lente e a remoção de seus catabólitos. Estas funções são desempenhadas pelo humor aquoso, líquido continuamente produzido pelo próprio corpo ciliar e drenado através do ângulo iridocorneano. O humor aquoso desempenha ainda importante função na manutenção da pressão intra- ocular, sendo o principal responsável pela rigidez ocular. Além destas funções, o corpo ciliar tem ancorada a si a lente, através dos ligamentos suspensórios (= fibras zonulares) e, em última análise, sua contração é a responsável pela alteração na forma da mesma e conseqüente acomodação visual. A pars plicata é um anel formado por 70 a 100 processosciliares nos mamíferos. Estes processos têm a função de aumentar a área de produção do humor aquoso. Em algumas espécies (anuros, aves e alguns répteis), estão diretamente conectados à lente e são os principais responsáveis pela acomodação visual. A pars plana situa-se entre a porção terminal dos processos ciliares e o início da retina, formando, nesta área de união, a ora ciliar retiniana. A porção mais anterior do corpo ciliar forma, juntamente com a túnica córneo-escleral e a base da íris, o ângulo iridocorneano. A maior parte do humor aquoso é drenada através desta região, atravessando os ligamentos pectinados e caindo no plexo venoso intra-escleral. A contração do músculo ciliar, de fibras lisas e inervação simpática, é o responsável pelo fenômeno da acomodação visual e por um aumento na drenagem do humor aquoso. O espasmo deste músculo, quando a região se inflama, é causa de dor ocular, justificando o uso de colírios que causam sua paralisia (cicloplégicos). c. CORÓIDE: A coróide é uma estrutura fina, pigmentada e muito vascularizada, que se estende do corpo ciliar ao nervo óptico. É formada pelas lâminas vascular (vasos mais calibrosos) e coriocapilar (capilares) e tem como principal função a nutrição da retina. Entre as duas lâminas da coróide encontra-se uma área em forma de rim rica em melanócitos e localizada na porção superior, denominada área tapetal (= tapetum lucidum). A área tapetal é fibrosa nos herbívoros (tapetum fibrosum) e celular nos carnívoros (tapetum cellulosum) e seu tamanho está diretamente relacionado à atividade noturna do animal; pois tem a função de refletir a luz, fazendo com que a mesma incida pela segunda vez sobre a retina e, portanto, seja mais absorvida pela mesma. Os suínos são os únicos animais domésticos que não possuem tapete. A porção remanescente da coróide recebe o nome de área não tapetal ou tapetum nigrum. 6.4. LENTE (= CRISTALINO): É uma estrutura de origem ectodérmica, forma biconvexa, avascular, transparente e com a superfície anterior menos convexa que a posterior. Os centros das superfícies são denominados pólos anterior e posterior e a circunferência lateral de equador. Está suspensa no centro do olho através dos ligamentos suspensórios, cujo estiramento garante a acomodação visual, sua principal função. Morfologicamente, a lente é formada pelas seguintes estruturas: 7 • Cápsula: A cápsula é um envelope transparente e flexível, formado por fibras colágenas e carboidratos complexos. Divide-se em cápsula anterior e cápsula posterior, respectivamente situadas em cada um dos pólos da lente. É impermeável a moléculas grandes, mas permite a passagem de água e eletrólitos. Pela sua elasticidade, a cápsula regula a forma da lente; • Epitélio da lente: Células epiteliais cúbicas situam-se sob a cápsula anterior e o equador, sendo importantes no transporte de cátions através da cápsula. Devido à grande atividade mitótica destas células, as opacidades produzidas por fatores tóxicos são comuns na área; • Substância própria: É composta por células (ou fibras) que se achatam em camadas denominadas lamelas. As células epiteliais perdem seus núcleos e se transformam em fibras que, pelo seu crescimento antero-posterior, formam as duas suturas em forma de “Y” em ambos os pólos, sendo o posterior invertido. Estas depressões normalmente só são visíveis a olho nu quando há alguma opacificação lenticular. As fibras mais velhas (e mais centrais) formam o núcleo da lente, ao passo que as mais novas constituem o seu córtex. Quimicamente, a lente é quase exclusivamente formada por proteínas (35%) e água (65%). O oxigênio e os metabólitos necessários à sua manutenção chegam primariamente através do humor aquoso que, quando tem sua composição alterada, determina distúrbios no metabolismo e transparência da lente. O metabolismo da glicose fornece a maioria da energia requerida pela lente. 6.5. HUMOR VÍTREO: O humor vítreo é um hidrogel transparente localizado na câmara vítrea, que ocupa entre 60 e 80% do volume total do globo ocular dos animais domésticos. Forma um suporte gelatinoso à retina e tem sua porção anterior côncava, formando a fossa patelar que está em íntimo contato com a lente. As principais funções do vítreo são a transmissão da luz e a manutenção da forma do globo e da posição normal da retina. É formado durante o desenvolvimento do organismo e, embriologicamente, possui três componentes: • Vítreo primário, formado através do sistema vascular hialóide, através de células mesodérmicas, fibras e secreções da lente e da superfície neural da retina. No adulto, persiste entre o pólo posterior da lente e o disco óptico, onde se observa um canal central denominado canal de Cloquet, remanescente da passagem da artéria hialóide; • Vítreo secundário, formado ao redor do primário, secretado pelo ectoderma retiniano; • Vítreo terciário, secretado pelo epitélio do corpo ciliar, persiste no adulto como os ligamentos suspensórios da lente, já discutidos anteriormente. Quimicamente, o vítreo é constituído por 98% de água e 2% de proteínas, ácido hialurônico e colágeno. A consistência do vítreo é uniforme na maioria das espécies, mas algumas, como os carnívoros, possuem a parte central mais densa. Animais mais velhos podem apresentar buracos ou liquefações (sinéreses) vítreas. 6.6. RETINA: A retina é a estrutura ocular responsável pela captação dos estímulos luminosos, para a qual utiliza seus dois fotorreceptores; cones e bastonetes. Estas células, altamente especializadas e complexas, contêm fotopigmentos que produzem energia química quando expostas à luz; posteriormente, esta energia é transformada em impulsos elétricos que chegam ao córtex visual. Os bastonetes, células muito sensíveis, são responsáveis pela captação de estímulos 8 luminosos de baixa intensidade na visão noturna (= visão escotópica). Os cones, ao contrário dos anteriores, só conseguem captar estímulos de alta intensidade, sob condições de iluminação abundante, sendo os responsáveis pela visão diurna colorida (= visão fotópica). Anatomicamente, a retina é dividida em três unidades neuronais sensoriais, formadas por 10 camadas que são, da órbita para o vítreo: Epitélio pigmentado Camada de fotorreceptores (cones e bastonetes) Membrana limitante externa Camada nuclear externa Neurônio I Camada plexiforme externa Camada nuclear interna Neurônio II Camada plexiforme interna Camada ganglionar Camada de fibras nervosa Neurônio III Membrana limitante interna • Epitélio pigmentado, formado por células pavimentosas poligonais, desempenha papel fundamental no metabolismo da retina e produz grânulos de melanina que absorvem a luz e excitam os fotorreceptores; • Camada de fotorreceptores, formada pelos segmentos externos de cones e bastonetes; • Membrana limitante externa, estrutura crivada através da qual passam as partes externas dos fotorreceptores, que nela estão fixadas. Observa-se ainda nesta camada as células de Müller, um tipo de célula glial que se estende entre as duas membranas limitantes, formando um “esqueleto” estrutural da retina; • Camada nuclear externa, formada pelos núcleos dos fotorreceptores; • Camada plexiforme externa, onde os axônios dos bastonetes e cones entram em sinapse com os dendritos das células (neurônios) bipolares; • Camada nuclear interna, que contém os núcleos dos neurônios bipolares, células de Müller, células horizontais (neurônios de associação) e células amácrinas; • Camada plexiforme interna, que é a segunda e última região sináptica da retina, formada principalmente por axônios das células bipolares e dendritos das células ganglionares; • Camada ganglionar, que contém as células ganglionares, que representam o terceiro neurônio das vias ópticas; •Camada de fibras nervosas, formada pelos axônios das células ganglionares. Formam fibras amielínicas distribuídas em feixes que se estendem paralelamente à superfície da retina e convergem ao nível do disco óptico, formando o nervo óptico; • Membrana limitante interna, membrana basal que recobre a porção final das células de Müller. 9 7. NOÇÕES DE NEUROANATOMIA ÓPTICA: 7.1. VIA ÓPTICA CENTRAL: O olho representa uma pequena parte do sistema visual. As fibras originárias da camada de fibras nervosas da retina convergem ao disco óptico, ganhando uma bainha de mielina e atravessando a esclera através da lâmina cribrosa. Através do nervo óptico estas fibras chegam ao quiasma óptico, onde sofrem uma decussação parcial, permitindo que um objeto focado em um dos olhos possa gerar estímulos em ambos os lados do cérebro. A proporção desta decussação está diretamente relacionada à posição dos olhos em relação à cabeça, sendo alta em animais com olhos laterais (83% em bovinos e eqüinos) e mais baixa naqueles que possuem olhos frontais (70% em carnívoros e 50% no homem); os vertebrados primitivos apresentam decussação total. Do quiasma óptico as fibras entram nos tratos ópticos direito e esquerdo, passam através do corpo geniculado lateral e, através da radiação óptica, chegam ao córtex visual. Nos carnívoros, o córtex visual parece não ser o único centro de estímulos visuais, pois mesmo após sua remoção ainda há percepção e discriminação de intensidade luminosa, sugerindo uma integração subcortical. 7.2. SUPRIMENTO NERVOSO DO OLHO E ANEXOS: • Nervo óptico (II): Faz parte da via óptica; • Nervo oculomotor (III): Inerva os músculos reto ventral, reto dorsal, reto medial, oblíquo inferior e elevador palpebral superior. Também carreia fibras parassimpáticas que inervam o esfíncter pupilar e o músculo ciliar; • Nervo troclear (IV): Inerva o músculo oblíquo dorsal; • Nervo trigêmeo (V): Nervo sensorial, é dividido em três ramos, dos quais apenas o nervo oftálmico está diretamente relacionado ao olho, subdividindo-se em nervos supraorbital, lacrimal e nasociliar. O nervo supraorbital inerva uma parte da pálpebra superior e áreas adjacentes e o nervo lacrimal a glândula lacrimal. O nervo nasociliar se subdivide em nervos etmoidal e infratroclear, sendo o último responsável pela inervação do canto medial, membrana nictitante e sistema lacrimal adjacente. O nasociliar inerva ainda o globo como um todo; • Nervo abducente (VI): Inerva os músculos retrator do bulbo e reto lateral; • Nervo facial (VII): Contém fibras somáticas motoras e parassimpáticas, inervando os músculos orbicular e retrator do ângulo (através do ramo denominado nervo palpebral) e parte da glândula lacrimal. 8. SUPRIMENTO SANGUÍNEO DO OLHO E ANEXOS: 8.1. SUPRIMENTO ARTERIAL: O principal suprimento sanguíneo do globo ocular é feito através da artéria oftálmica externa, ramo da maxilar externa, que por sua vez se origina da carótida externa. A artéria oftálmica externa penetra no globo ocular e emite numerosas artérias ciliares posteriores curtas, que fornecem sangue à coróide e retina. As artérias ciliares posteriores longas e artérias ciliares mediais, as primeiras em anastomose com as artérias ciliares anteriores, respondem pelo suprimento sanguíneo do corpo ciliar. Ramos do plexo arterial ciliar 10 formam o círculo arterial maior da íris. As pálpebras são supridas pela artéria temporal superficial, ramo da carótida externa, e pela artéria malar, ramo da infra-orbital. 8.2. DRENAGEM VENOSA: A drenagem venosa da retina é feita através de veias e vênulas que circundam a periferia do nervo óptico. O círculo venoso retiniano (incompleto em algumas espécies) conduz o sangue venoso à esclera, através das veias ciliares posteriores, até uma dilatação da veia orbital, a veia oftálmica superior. A coróide é drenada através das veias vórtex, que se unem próximo ao equador do globo para formar as veias oftálmicas superior e inferior. O corpo ciliar é drenado pelas veias ciliares anteriores até estas mesmas veias oftálmicas superior e inferior, que conduzem o sangue venoso até o plexo venoso orbital. Finalmente, após uma série de anastomoses venosas, o sangue drenado do globo ocular chega até várias veias mais calibrosas, das quais se destaca a veia jugular externa. NOÇÕES DE FISIOLOGIA OCULAR 1. NOÇÕES DE ÓPTICA: a. Natureza da luz: A luz é uma radiação eletromagnética que se propaga através de ondas. O olho humano é sensível a comprimentos de onda que variam entre 400 (violeta) e 700 nm (vermelho); cores fora destes limites (ultravioleta e infravermelho) não são percebidas pelo homem, mas podem penetrar no olho e causar determinados problemas. A velocidade de propagação desta luz varia de acordo com o meio, sendo maior no ar que em outras substâncias transparentes. Quando a luz incide sobre um objeto, pode sofrer reflexão, refração, dispersão ou uma associação destes fenômenos. Na reflexão, os raios luminosos retornam ao meio original após serem refletidos em determinada superfície. Ocorre refração quando a luz passa através de dois ou mais meios com índices refrativos diferentes (p. ex. ar e córnea), sofrendo então um desvio de sua trajetória. Finalmente, há dispersão quando os raios luminosos atravessam a retina e por ela são absorvidos. b. Prismas e lentes: Quando a luz atravessa um prisma, sofre um desvio; a extensão deste desvio, variável de acordo com o poder óptico do prisma, é medida em dioptrias (D). Assim, um prisma de 1 D desvia um raio de luz um centímetro a uma distância de um metro. Uma lente pode ser considerada como um conjunto de prismas. Cada lente possui um ponto focal, local onde os raios luminosos paralelos se concentram em um único ponto. Nas lentes côncavas, que causam divergência da luz, este ponto focal é apenas virtual, estando situado entre a fonte de luz e a lente. O poder óptico de uma lente também é expresso em dioptrias, calculadas através da seguinte fórmula: 11 D = 1 ou F = 1 onde a distância focal é expressa em metros. distância focal D Através destas fórmulas, é fácil deduzir por exemplo que uma lente de 5-D possui uma distância focal de 0,2 m (20 cm). Costuma-se chamar as lentes convexas de positivas e as côncavas de negativas. Um teste simples para se determinar o formato de uma lente pode ser feito aproximando-a de um objeto qualquer; se este objeto parece afastar-se da lente, esta é negativa, ocorrendo a sensação de aproximação nas positivas. 2. A FUNÇÃO VISUAL NOS ANIMAIS: O olho é o órgão responsável pela captação da luz e sua concentração nos fotorreceptores, que convertem estímulos luminosos em elétricos e, após sua interpretação pelas áreas cerebrais específicas, determina a sensação da visão. A visão é uma função orgânica complexa, determinada por um conjunto de atividades que incluem habilidade de detectar luz e movimentos, perspectiva visual, percepção de profundidade, acuidade visual e percepção de cores e formas. SENSIBILIDADE À LUZ: O sistema visual dos animais está adaptado ao nicho ecológico de cada espécie. Animais noturnos podem, por exemplo, detectar pequenas quantidades de luz, até sete vezes menores que as mínimas perceptíveis pelo homem. Um conjunto de estruturas torna esta percepção possível: • Presença de área tapetal (tapetum lucidum), que reflete 130 vezes mais luz que o fundo humano, permitindo uma segunda passagem da mesma na retina; • Pupila vertical em algumas espécies (p. ex. felinos), possibilitando uma dilatação até 6 mm maior que no homem; • Córnea ocupando praticamente toda a porção anterior do globo ocular; • Lente fixada mais posteriormente, focando uma imagem menor mas mais brilhante sobre a retina; •Retina mais rica em fotorreceptores. Observação: Quanto à área tapetal, os animais podem ser divididos em dois grandes grupos, os de tapete celular (carnívoros) e os colagenosos (herbívoros). SENSIBILIDADE AO MOVIMENTO: Apesar de existirem poucos estudos relativos à percepção de movimentos nos animais, sabe- se que os mesmos são mais sensíveis a objetos móveis que aos estacionários. Algumas raças de cães podem reconhecer objetos móveis familiares a distâncias de até 900 metros, mas a percepção destes mesmos objetos parados não passa de 600 metros. CAMPO VISUAL: A anatomia do globo ocular, seu posicionamento e a acuidade visual são variáveis de animal a animal, normalmente em função de seus hábitos alimentares. Na maioria dos predadores, os 12 olhos são posicionados frontalmente, determinando um grande campo visual binocular (área em que a luz emitida por determinado objeto incide simultaneamente sobre ambas as retinas), que proporciona uma maior percepção de profundidade e, conseqüentemente, maior coordenação dos movimentos corporais. Os animais situados em uma posição inferior da cadeia alimentar, especialmente os herbívoros, têm os olhos situados mais lateralmente, possuindo um campo visual binocular pequeno, mas uma grande área de visão monocular, importante nas ações de fuga aos predadores. PERCEPÇÃO DE PROFUNDIDADE: A percepção de profundidade está relacionada à visão binocular. A estereopsia (percepção binocular profunda) é alcançada quando a imagem individual obtida por cada olho é fundida em uma única. A percepção de profundidade é muito menos desenvolvida nos animais domésticos quando comparada à do homem. ACUIDADE VISUAL: A acuidade visual refere-se à habilidade de distinguir detalhes de um objeto separadamente e em foco. Depende das propriedades ópticas do olho, ou seja, da capacidade do olho em gerar imagens focadas com precisão, e da habilidade da retina em detectar e processar estas imagens. a. Fatores ópticos da acuidade visual: A correta incidência dos raios luminosos sobre a retina é dependente de refração da luz, primariamente realizada no olho pela córnea e pela lente e, em menor grau, pelos humores aquoso e vítreo. Chama-se emetropia quando a luz incide corretamente na retina, não havendo qualquer erro refrativo. Se há erros refrativos (ametropias), esta incidência ocorre antes da retina (miopia) ou depois dela (hipermetropia), determinando a necessidade de se aproximar ou afastar o objeto, respectivamente, para que o mesmo seja focado. Outra ametropia, menos comum em medicina veterinária, é o astigmatismo, alteração na qual, por diferenças nos poderes de refração dos quadrantes da córnea ou lente, a imagem é erroneamente focada na retina. A emetropia depende primariamente da integridade e transparência dos meios refrativos (córnea, humor aquoso, lente e humor vítreo) e do mecanismo de acomodação visual. Na acomodação visual, a curvatura da lente é alterada para permitir um foco correto da luz sobre a retina. Esta alteração se dá principalmente pela contração do corpo ciliar, determinando estiramento dos ligamentos suspensórios, com conseqüente aumento da curvatura lenticular. Os carnívoros provavelmente têm um segundo mecanismo acomodativo, a movimentação anterior da lente. A maioria dos animais domésticos possui pouco poder de acomodação visual, normalmente de 2-3 dioptrias no cão, 4 no gato, menos de 2 nos eqüinos e provavelmente nenhum poder acomodativo nos ungulados. Estes valores baixos permitem, por exemplo, que um cão apenas possa focar corretamente apenas objetos situados entre 33 e 50 centímetros aproximadamente. No homem, uma criança tem 14 dioptrias de capacidade acomodativa, capaz de focar objetos a até 7 centímetros de seus olhos. b. Fatores retinianos na acuidade visual: A arquitetura retiniana dos animais domésticos permite concluir que os mesmos possuem uma baixa acuidade visual. 13 Retinas com excelente poder de resolução possuem alta densidade de fotorreceptores (predominantemente cones), um grande número de células ganglionares e fibras ópticas e uma alta relação entre os mesmos (até uma célula ganglionar por cone em alguns primatas). Além disto, estes animais não normalmente possuem área tapetal e têm uma região retiniana de alta concentração de fotorreceptores, células ganglionares e rodopsina, a chamada fóvea central. Nos animais domésticos, o incremento da visão noturna exige a presença de um grande número de fotorreceptores (primariamente bastonetes) sinapticamente convergentes a uma única célula ganglionar (1:20 nos gatos, por exemplo). Isto resulta em uma baixa acuidade visual, com as imagens diurnas sendo percebidas como num filme fotográfico de alta velocidade, bastante granuloso. Além disto, a reflexão da luz na área tapetal facilita sua dispersão e não há fóvea central, embora exista uma região superior e temporal ao nervo óptico com uma maior concentração de fotorreceptores. Esta concentração pode ser maior em animais silvestres quando comparados aos domésticos; os lobos, por exemplo, possuem 12.000-14.000 células por mm2, número relativamente alto quando comparado aos dos cães, que possuem entre 6.400 e 14.400, variando em função da raça e provavelmente de sua aptidão (cães de caça poderiam ter uma maior concentração de receptores). c. Estimativa da acuidade visual: O mais comum indicador da acuidade visual no homem é a fração de Snellen, que avalia a habilidade de uma pessoa em distinguir letras ou objetos a uma distância fixa (geralmente 20 pés ou 6 metros) com uma resposta padrão. O indivíduo de visão normal seria classificado como 20/20. Frações de Snellen de 20/40 ou 20/100, por exemplo, indicam que a pessoa testada necessita de uma distância de 20 pés para discernir detalhes que uma pessoa normal o faria a 40 ou 100 pés, respectivamente. Nos animais domésticos, embora os testes de avaliação da acuidade visual sejam bastante subjetivos, estimam-se os seguintes valores: • Cão: 20/50 a 20/140, com média de 20/75; • Gato: 20/100 a 20/200; • Cavalo: 20/30; • Bovinos: 20/240 a 20/440. PERCEPÇÃO DE CORES: A exata natureza da luz ainda é motivo de controvérsias, mas admite-se que a mesma seja um conjunto de partículas (fótons), transmitidas através de ondas. A amplitude destas ondas determina, em um conceito simples, as diversas cores existentes. Os humanos possuem três tipos distintos de cones, cada um deles responsável pela percepção de uma das cores básicas (vermelho, azul e verde) e suas variantes. Apesar de possuírem uma baixa concentração de cones (10% na área de maior concentração de fotorreceptores na retina, contra 100% nos humanos), sabe-se hoje que os animais percebem, em graus variáveis, algumas das cores. Os cães possuem apenas dois tipos de cones, um sensível à luz de comprimento entre 429-435 nm (violeta para os humanos) e outro para 555 nm (verde-amarelado no homem). Não possuem ou não usam os cones “verdes” e aparentemente não distinguem entre as cores vermelho e verde (deuteranopia). Isto parece indicar que estes animais sejam inaptos a 14 diferenciar ondas luminosas médias a longas, percebidas pelo homem como verde, verde- amarelado, amarelo, laranja e vermelho. Os gatos possuem os três tipos de cones, indicando uma eventual capacidade física de tricromacia. Estudos não indicam, entretanto, que os mesmos possuam a mesma capacidade humana na distinção de cores. Os eqüinos são capazes de diferenciar o azul e o vermelho do cinza, mas não são aptos a distinguir entre esta última cor e o verde, sugerindo a presença de apenas dois tipos de cones como nos cães, suínos e ruminantes.A presença de um pigmento amarelo na lente eqüina provavelmente filtra as ondas azuis, reduzindo aberrações ópticas e aumentando o contraste. As restrições à percepçãode cores nos animais domésticos provavelmente têm limitadas conseqüências e normalmente eles reagem apenas àquelas consideradas biologicamente mais importantes. O maior desenvolvimento de outros órgãos de sentido e a capacidade muito maior que a humana em distinguir as variações da escala de cinza tornam estes animais completamente adaptados a seus nichos ecológicos. 3. FOTOQUÍMICA DA RETINA E PROCESSAMENTO DA INFORMAÇÃO VISUAL: A imagem formada sobre a retina pela refração dos raios luminosos que atravessam a córnea e a lente é constituída por um feixe de fótons. Estes fótons penetram na retina até alcançar a camada de fotorreceptores (cones e bastonetes). A primeira reação produzida é fotoquímica, quando uma quantidade de energia luminosa é absorvida e cria uma desestabilização de uma molécula, fazendo-a passar de um estado de repouso a um de “excitação”; a molécula volta a entrar em estado de repouso por mecanismos diversos. Nos bastonetes, há a rodopsina, molécula constituída por uma proteína (opsina) e um derivado da vitamina A (retinal). A absorção de um fóton leva a uma modificação do retinal, determinando uma seqüência de reações químicas que culminam no aparecimento de uma variação de potencial elétrico. Há, portanto, uma conversão de energia luminosa em elétrica. A seqüência bioquímica que determina esta conversão pode ser assim sumarizada: Luz → Mudança estrutural do retineno 1 da rodopsina → Ativação da proteína G (transducina) → Ativação da fosfodiesterase-6 → Diminuição intracelular do monofosfato cíclico de guanosina (cGMP) → Fechamento dos canais de Na+ → Hiperpolarização. Os pigmentos fotoquímicos dos cones ainda não foram muito bem isolados, mas parece haver três tipos com diferentes sensibilidades, cianolábil (azul), clorolábil (verde) e eritrolábil (vermelho). 4. FISIOLOGIA DO HUMOR AQUOSO: O humor aquoso é produzido no corpo ciliar através de processos passivos (difusão e ultrafiltração) e ativo (transporte seletivo através de gradiente de concentração). O mecanismo principal é o da ultrafiltração, no qual há passagem de fluido sob influência da pressão hidrostática determinada pelo sistema arterial ciliar. Depois de formado, o humor aquoso passa pela pupila, atravessa o trabeculado situado no ângulo iridocorneano e chega ao plexo venoso escleral. Cerca de 25% do humor aquoso 15 produzido é drenado através de uma via alternativa, na qual o mesmo atravessa o corpo ciliar e a coróide através dos espaços supraciliar e supracoroidal, chegando ao sistema venoso escleral. A barreira hemato-aquosa, uma das barreiras hemato-oculares (a outra é a barreira hemato-retiniana), é um complexo de proteção funcional existente entre o sangue nos capilares do estroma ciliar e o humor aquoso na câmara posterior. Moléculas grandes (p. ex. proteínas e algumas drogas) não atravessam pelas duas camadas de células do epitélio ciliar. Esta barreira freqüentemente é rompida por inflamações e outras doenças. A concentração protéica do humor aquoso representa aproximadamente 0,5% quando comparada à do plasma. Em eventuais rompimentos da barreira hemato-aquosa, grandes quantidades de proteínas, incluindo imunoglobulinas e fibrinogênio, aparecem no humor aquoso. Denomina-se humor aquoso plasmóide quando a composição deste está próxima à do plasma. O equilíbrio entre a formação e a drenagem do humor aquoso resulta numa pressão intra- ocular relativamente constante, que distende o globo e mantém sua forma. A pressão intra- ocular sofre variações diurnas e pode ser alterada por outros fatores como pressão arterial média, pressão venosa central e osmolalidade do sangue. LEITURA SUPLEMENTAR RECOMENDADA: GUM, G.G.; GELATT, K.N. Physiology of the eye. In: GELATT, K.N. (ed.) Veterinary Ophthalmology 3ª ed. Philadelphia, Lippincott Williams & Wilkins, 1999, p. 151-181. OFRI, R. Optics and physiology of vision. In: GELATT, K.N. (ed.) Veterinary Ophthalmology 3ª ed. Philadelphia, Lippincott Williams & Wilkins, 1999, p. 183-216. SAMUELSON, D.A. Ophthalmic anatomy. In: GELATT, K.N. (ed.) Veterinary Ophthalmology 3ª ed. Philadelphia, Lippincott Williams & Wilkins, 1999, p. 31-150. SLATTER, D. Fundamentals of Veterinary Ophthalmology 3ª ed. Philadelphia, Saunders, 2001, 640 p. 16 SEMIOLOGIA OFTALMOLÓGICA 1. INTRODUÇÃO: O exame clínico do olho difere-se dos demais pelas próprias particularidades do órgão. Além da delicadeza requerida para a realização deste exame, a sistemática do mesmo assume uma importância ainda maior quando comparada a outros sistemas, pois qualquer inversão na ordem dos procedimentos impossibilita a realização posterior de alguns deles. 2. MATERIAL MÍNIMO NECESSÁRIO: O material necessário para um bom exame oftalmológico é simples e relativamente barato. Evidentemente, profissionais que desejem se aprofundar em oftalmologia necessitarão de mais alguns recursos. A princípio, o mínimo requerido consiste em: • Lanterna-caneta ou transiluminador de Finnof • Lupa oftalmológica • Oftalmoscópio direto • Tiras para teste de Schirmer • Tiras de fluoresceína • Cânula lacrimal • Algodão • Solução para irrigação • Tonopen (preferível) ou tonômetro de Schiötz • Swabs estéreis • Espátula de Kimura • Midriático e anestésico tópico • Pinça ocular de Bishop Harmon 3. HISTÓRICO: Como em todo exame clínico, a obtenção do histórico é o passo inicial para se realizar um bom diagnóstico. Em oftalmologia, o histórico é um recurso fundamental em algumas situações, sobretudo quando há suspeita de doença de caráter hereditário ou quando se deseja fazer um prognóstico baseado na evolução do quadro. Alguns questionamentos importantes incluem: a. O animal apresenta alguma deficiência visual? Esta deficiência é maior à noite, de dia ou em ambientes estranhos? b. Há quanto tempo o problema está presente? c. A alteração teve um progresso lento ou apareceu subitamente? d. A deficiência visual é maior em um olho que no outro? e. Onde o animal vive e qual é a sua alimentação habitual? f. O paciente teve alguma doença anterior? g. O paciente apresenta alguma secreção ocular? Se presente, qual é o aspecto desta secreção? 17 h. O olho afetado é dolorido? Se afirmativo, qual é a manifestação clínica desta dor? i. O olho afetado apresenta-se mais vermelho que o normal? j. O olho afetado tem um aspecto diferente do normal? k. O animal sofreu algum traumatismo na cabeça ou no olho recentemente? l. O animal apresenta distúrbios de comportamento ou de locomoção? m. Existe algum ascendente ou descendente do animal com problemas similares? 4. CONTENÇÃO: Sempre que possível, o exame ocular deve ser realizado sem qualquer contenção física ou química, que podem alterar determinados testes. Como a maioria dos pacientes não é suficientemente cooperativa, podemos lançar mão de: a. Contenção física: Podem ser usadas cordas ou, para animal pequeno, coletes de lona com aberturas para as patas, que mantêm o mesmo suspenso no ar. Deve-se lembrar que o estresse causado pela contenção pode causar alterações em certos procedimentos (p. ex. o teste de Schirmer, que tem valores mais altos em animais estressados pela maior frequência de piscadas). b. Contenção química: Pode ser feita através de: • Acepromazina + clorpromazina: Exige atropinização inicial, pois pode causar miose. A associação determina, em alguns casos, enoftalmia e protrusão da nictitante, dificultando certos exames; • Quetamina + xilazina: A associação pode elevar a pressão intra-ocular, não devendo ser utilizada quando este parâmetro for importante para o diagnóstico. Em gatos pode-se utilizar apenas a quetamina em doses baixas (10 mg/kg/IM); • Xilazina: É a drogade escolha para a contenção visando um exame oftalmológico, pois é a que menos alterações produz no globo ocular; • Lidocaína: Ruminantes e eqüinos podem necessitar de um bloqueio do nervo aurículo- palpebral para se evitar o espasmo do músculo auricular durante o exame. 5. SISTEMÁTICA DO EXAME CLÍNICO: A sistemática correta do exame oftalmológico é descrita na TAB. II. 6. AVALIAÇÃO DA VISÃO: A avaliação da visão é um procedimento qualitativo muito subjetivo em medicina veterinária, principalmente pela extrema adaptação de alguns animais a deficiências visuais. Os principais métodos utilizados são: • Teste do obstáculo: Consiste em movimentar-se cuidadosamente o animal em direção a obstáculos desconhecidos para ele; • Teste do reflexo de ameaça: Movimenta-se a mão em direção aos olhos do animal, sempre atrás de uma placa de vidro, para evitar-se correntes de ar; 18 • Teste do algodão: É o mais confiável de todos e consiste em lançar-se à frente do animal pequenas bolas de algodão, observando se o mesmo acompanha sua trajetória. Alguns autores afirmam que gatos cegos há muito tempo podem ouvir a queda do algodão!! Animais com deficiências visuais apresentam diversos sinais clínicos, mas hesitação em se locomover, batidas em objetos desconhecidos e, no caso de ruminantes, isolamento do rebanho são os mais comuns. TABELA II: Sistemática do exame oftalmológico (Slatter, 2001). Obter o histórico e formular relação provisória de alterações ↓ Avaliar a visão ↓ Examinar cabeça e olhos em ambiente iluminado e testar os reflexos tônicos do olho ↓ Realizar os procedimentos preliminares: Teste dos reflexos pupilares à luz Teste de Schirmer Coleta de amostras para cultura microbiológica ↓ Instilar anestésico tópico e midriático ↓ Coletar amostras para citologia Medir a pressão intra-ocular ↓ Examinar sistematicamente o olho com ampliação e iluminação focal ↓ Examinar o fundo do olho (oftalmoscopia) ↓ Realizar outros exames e coletas, se necessário ↓ Formular um diagnóstico provisório e instituir terapia adequada ↓ Reavaliar o quadro e determinar diagnóstico e terapia definitivas 7. EXAMES UTILIZANDO APARELHOS ÓPTICOS: a. AMPLIAÇÃO: O exame das estruturas extra-oculares e segmento anterior do olho pode ser realizado sob ampliação, com a utilização de lupas manuais ou, se possível, acopláveis à cabeça (lupa de pala). Na aquisição de uma lupa, deve-se preferir aquelas com o maior aumento (2-4 vezes) e distância focal (15-25 cm) possíveis. 19 b. OFTALMOSCOPIA: ? Oftalmoscopia direta: Permite a observação direta das estruturas oculares através de um oftalmoscópio colocado entre o observador e o olho do animal. É o tipo de oftalmoscopia mais utilizado em medicina veterinária, pela facilidade de realização, imagem real produzida e, sobretudo, pelo custo relativamente baixo do aparelho. Entretanto, permite o exame apenas de pequenas áreas de cada vez e exige uma proximidade muito grande com o animal, podendo colocar em risco o examinador. Na escolha de um oftalmoscópio direto, deve-se preferir aquele que possua eliminador de pilhas, reostato (controla a intensidade da luz), foco em fenda (permite melhor visualização de alterações da lente e elevações da retina) e filtros cobalto (facilita a observação de áreas impregnadas por fluoresceína) e verde (melhora o exame do fundo do olho de animais despigmentados, por “anular” a coloração avermelhada dos vasos sanguíneos da coróide). ? Oftalmoscopia indireta: Consiste numa lente convergente colocada entre o animal e o observador, exigindo uma fonte de luz à parte. As lentes variam de 10 a 30 dioptrias, mas em medicina veterinária normalmente é usada a de 20 D. O oftalmoscópio indireto pode ser mono ou binocular e permite a avaliação de uma área mais ampla e com maior segurança, não necessitando de midríase para a realização da maioria dos exames. Entretanto, os equipamentos são caros e a imagem obtida é pequena e invertida, prejudicando de certa maneira a interpretação do exame. ? Técnica da oftalmoscopia direta: Após contido o animal, o oftalmoscópio é focado a aproximadamente 40 cm do mesmo, posicionado em zero. Na medida em que se aproxima o aparelho do olho, as dioptrias vão sendo positivamente aumentadas, até se chegar a uma distância mínima do mesmo. Após o exame das estruturas superficiais, as dioptrias vão sendo diminuídas, até chegarem aos valores negativos necessários ao exame da retina. Os valores das dioptrias mais empregadas são +20 (estruturas externas), +15 (câmara anterior), +12 (pólo anterior da lente), +8 (pólo posterior da lente), +5 (humor vítreo) e –3 (retina), que podem variar em função da acuidade visual do observador. c. RETINOSCOPIA: A retinoscopia é uma técnica especializada que avalia o estado refrativo do olho, permitindo o diagnóstico de erros refrativos, como miopia e hipermetropia. Tem pouca aplicação na medicina veterinária, principalmente pela impossibilidade de correção das alterações diagnosticadas. d. BIOMICROSCOPIA (LÂMPADA DE FENDA): O biomicroscópio ou lâmpada de fenda permite o exame do olho sob grande ampliação (20 a 40 vezes), na qual podem ser vistos detalhes de várias das estruturas oculares, como por exemplo as camadas da córnea. O aparelho é principalmente utilizado para o exame do segmento anterior, embora possa haja a possibilidade da visualização do vítreo e retina. Existem dois tipos de lâmpada de fenda, as de mesa e as manuais. Os aparelhos de mesa são pouco práticos em medicina veterinária, pela dificuldade de posicionamento do paciente. Já os aparelhos manuais, a despeito de sua praticidade, possuem um custo muito elevado. 20 8. AVALIAÇÃO DO SISTEMA LACRIMAL: a. TESTE DE SCHIRMER: O teste de Schirmer objetiva uma avaliação semi-quantitativa da produção de lágrimas, sendo indicado quando há suspeita de ceratoconjuntivite seca. É realizado com tiras apropriadas, que podem ser confeccionadas com papel de filtro Whatman nº 40, recortadas em medidas de 5 x 40 mm para carnívoros ou 8 X 60 mm para eqüinos; a 5 mm de uma das extremidades, faz-se um pequeno corte que, após dobrado, é inserido entre a córnea e a pálpebra e deixado por um minuto. Após isto, mede-se a embebição do papel pela lágrima, do corte até o final. Existem três variações do teste de Schirmer: ? Schirmer I: É realizado sem anestesia tópica, sendo preservada a sensibilidade corneana, inclusive à irritação produzida pela tira. Avalia a soma da produção basal e reflexa do olho. É a única variação do teste de Schirmer empregada em medicina veterinária; ? Schirmer II: Mede apenas a produção basal de lágrimas, uma vez que se anestesia a córnea antes da aplicação da tira; ? Schirmer III: Em desuso até mesmo na medicina humana, consiste em medir a secreção lacrimal reflexa estimulada pela ação do cloreto de sódio. Observação importante: Animais idosos ou portadores de ectrópio podem apresentar valores baixos do teste de Schirmer, que evidentemente não devem ser confundidos com alterações na produção de lágrimas. TABELA III: Valores normais do teste de Schirmer I para algumas espécies (Slatter, 2001). Espécie Normal Suspeito Diminuído Cão 19,8 + 5,3 5 – 11 < 5 Gato 16,9 + 5,7 5 - 11 < 5 Cavalo > 15 10 – 15 < 10 Boi > 15 10 – 15 < 10 Coelho 5,3 + 2,93 - - b. TESTE DE ESTABILIDADE DO FILME LACRIMAL: O tempo de rompimento do filme lacrimal (BUT, do inglês break up time) avalia a integridade da fração lipídica da lágrima. É realizado instilando-se uma gota de fluoresceína na superfície corneana e, mantendo-se as pálpebras abertas, observa-se, através de lâmpada de fenda com filtro cobalto, o tempo de aparecimento de pontos secos. O BUT de cães normais deveser maior que 20 segundos. c. AVALIAÇÃO DA INTEGRIDADE DO DUCTO LÁCRIMO-NASAL: A obstrução do ducto lácrimo-nasal é a principal causa de epífora nos ajimais domésticos. Os testes para avaliação da integridade do ducto são: 21 a. Teste de Jones: Consiste em instilar fluoresceína no saco conjuntival e observar sua eventual chegada ao ponto nasal. Só tem valor diagnóstico quando positivo, pois comunicações entre o ducto lácrimo-nasal e a cavidade nasal podem determinar falsos- negativos. b. Irrigação: Feita com solução fisiológica, através de uma cânula lacrimal em carnívoros (20 ou 22 para cães adultos) ou sonda flexível em grandes animais. c. Cateterização, através de nylon monofilamento para animais pequenos ou sonda flexível para grandes. d. Dacriocistorrinografia: É uma técnica radiográfica de contraste que permite a localização de obstruções ou saculações do ducto lácrimo-nasal. Utiliza-se como contraste 2-3 ml de diatrizoato de meglumina (Hypaque, H), injetados através de canulação do ducto. 9. AVALIAÇÃO DA PRESSÃO INTRA-OCULAR: a. TONOMETRIA: A tonometria é a medida da pressão intra-ocular (PIO), realizada principalmente quando há suspeita de glaucoma. A tonometria pode ser: ? Digital: É feita pela aplicação alternada dos indicadores sobre o globo ocular. Evidentemente, é um método arcaico, subjetivo e pouco preciso, mas pode indicar, dependendo da experiência do examinador, uma eventual variação da PIO. ? De depressão (ou indentação): Utiliza o tonômetro de Schiötz, que avalia a pressão intra-ocular a partir de uma força-padrão (5.5, 7.5, 10.0 ou 15.0 gramas) aplicada sobre a córnea anestesiada. Não é um aparelho de grande precisão, podendo determinar erros de + 4-5 mm Hg. ATENÇÃO: Devido à curvatura do instrumento, adequada ao olho humano e adaptável para carnívoros, o tonômetro de Schiötz não serve para a avaliação da pressão intra-ocular em outras espécies. Também deve-se atentar que a tabela de conversão humana, que normalmente acompanha o tonômetro, não é adequada para o uso em animais, que possuem tabelas próprias. ? De aplanação: Avalia a força necessária para aplanar uma pequena área da córnea. Embora muito menos lesivo às estruturas oculares e podendo ser utilizado em qualquer espécie, tem um custo elevado, que desestimula seu uso em medicina veterinária. Dos vários tipos de tonômetro de aplanação (p. ex. Maklakoff, Draeger, Perkins, Goldmann e MacKay-Marg), o único verdadeiramente adaptável à medicina veterinária é o Tonopen, aparelho de fabricação japonesa que permite uma leitura direta da pressão intra-ocular. 22 TAB. IV: Valores normais da pressão intra-ocular em algumas espécies domésticas. Espécie Valores (mm Hg) Referência Caninos 14 – 24 Severin (1995) 21 + 2,1 Gum (1991) Felinos 12 – 26 Severin (1995) 17,4 – 19,2 Bill (1966) Bovinos 14 – 22 Severin (1995) 20 + 5,5 Gum (1991) Eqüinos 16,5 – 32,5 Cohen & Reinke (1970) 28,6 + 4,8 McClure et al (1976) Uso do tonômetro de Schiötz: • Manter o animal com o olho em posição paralela à mesa de exames e com a pálpebra retraída; • Não comprimir o pescoço ou região periocular, pois pode haver um aumento de pressão, levando a falsas interpretações; • Tocar a córnea brevemente com o tonômetro, pois quando o mesmo repousa sobre a mesma por períodos prolongados, pode desencadear o reflexo de escoamento, levando a leituras falsamente diminuídas; • Realizar três leituras e obter a média que, após convertida pela tabela de calibração (TAB. V), fornece a pressão intra-ocular em milímetros de mercúrio. b. TONOGRAFIA: Tonografia é o exame utilizado para se avaliar a facilidade de escoamento do humor aquoso através da malha trabecular. Pode ser realizado, sem muita precisão, através do tonômetro de Schiötz, mas é mais acertado o uso de um tonógrafo. Atualmente é um exame pouco utilizado, inclusive em medicina humana. 8. COLETA DE MATERIAL: Dependendo da suspeita clínica, podem ser feitos: • Raspado conjuntival: Realizado através da espátula de Kimura, permite a coleta de material para exame citológico ou bacterioscopia, através de esfregaços; • Swab estéril: Usado para a coleta de material para isolamento de bactérias e antibiograma. Neste caso, vale ressaltar que a instilação de anestésico tópico é contra-indicada, pois o mesmo pode inibir o crescimento bacteriano. 23 TAB. V: Tabela de calibração para tonometria de Schiötz em carnívoros: Leitura na escala de Schiötz PIO (mm Hg) Peso de 5,5 g PIO (mm Hg) Peso de 7,5 g PIO (mm Hg) Peso de 10,0 g 0,5 52.6 71.2 93.6 1,0 49.3 67.0 88.3 1,5 46.3 63.1 83.3 2,0 43.4 59.4 78.6 2,5 40.8 55.9 74.1 3,0 38.3 52.6 69.9 3,5 36.0 49.6 66.0 4,0 33.9 46.7 62.2 4,5 31.9 44.0 58.7 5,0 30.1 41.6 55.4 5,5 28.4 39.2 52.3 6,0 26.9 37.1 49.4 6,5 25.5 35.1 46.7 7,0 24.2 33.2 44.2 7,5 23.0 31.5 41.8 8,0 21.9 29.9 39.6 8,5 21.0 28.5 37.5 9,0 20.1 27.1 35.6 9,5 19.3 25.9 33.8 10,0 18.6 24.8 32.1 10,5 18.0 23.8 30.6 11,0 17.4 22.8 29.1 11,5 17.0 22.0 27.8 12,0 16.6 21.3 26.6 12,5 16.3 20.6 25.5 13,0 16.0 20.0 24.5 13,5 15.8 19.5 23.6 14,0 15.7 19.1 22.8 14,5 15.7 18.8 22.0 15,0 15.7 18.5 21.4 15,5 15.8 18.3 20.8 16,0 15.9 18.1 20.3 16,5 16.1 18.0 19.9 17,0 16.4 18.0 19.5 17,5 16.8 18.1 19.2 18,0 17.2 18.2 19.0 18,5 17.7 18.4 18.8 19,0 18.3 18.7 18.7 19,5 19.0 19.0 18.6 20,0 19.7 19.4 18.7 12. OUTROS EXAMES: Vários outros exames podem ser realizados, mas quase sempre estão inacessíveis ao clínico comum. Podem ser citados: • Gonioscopia: Permite a visualização, através de uma lente especial (goniolente), do ângulo iridocorneano. • Eletrorretinografia: Avalia a transmissão dos impulsos nervosos pela retina. 24 • Retinoangiografia fluorescente: Avalia a integridade ou a extensão de eventuais lesões nos vasos retinianos. • Ultra-sonografia: Avalia a imagem ultra-sonográfica (modo B) ou seu traçado (modo A). • Biomicroscopia ultra-sônica: Utiliza um transdutor de alta potência (20-100 mHz), fornecendo uma imagem de alta definição e grande aumento. 13. ALGUNS TERMOS UTILIZADOS EM OFTALMOLOGIA: • Acomodação: Ajuste do olho para a visão em distâncias diferentes, usualmente acompanhado por alterações na forma da lente determinadas por contração ou relaxamento do corpo ciliar. • Acuidade visual: Habilidade visual em distinguir formas. • Afacia: Ausência de lente. • Amaurose: Termo obsoleto que indica perda da visão. • Ambliopia: Visão reduzida em um olho aparentemente normal ao exame clínico. • Ancoria: Ausência de pupila. • Aniridria: Ausência parcial (mais freqüente) ou total da íris. • Anisocoria: Pupilas de tamanhos diferentes, quando comparados os dois olhos. • Anoftalmia: Ausência do globo ocular. • Anquilobléfaro: Fusão das margens palpebrais entre si. • Astigmatismo: Condição óptica na qual o poder refrativo não é uniforme em todos os meridianos oculares. Pode ser regular, quando há apenas 2 meridianos de poder refrativo diferente, ou irregular quando existem 3 ou mais. • Blefarite: Inflamação das pálpebras. • Blefarofimose: Incapacidade de abrir o olho em sua extensão normal. • Blefaroplastia: Cirurgia plástica para reconstituição das pálpebras. • Blefaroptose: Queda da pálpebra superior por denervação. • Blefarospasmo: Espasmo tônico do músculo orbicular. • Bloqueio pupilar: Bloqueio da passagem do humor aquoso por aderência entre a borda pupilar da íris e a cápsula anterior da lente. • Buftalmia: Aumento de volume do globo ocular. • Calázio: Lipogranuloma crônico das glândulas de Meibômio. • Catarata: Opacidade da lente, de sua cápsula ou de ambos. • Ceratite: Inflamação da córnea. • Ceratocone:Protrusão crônica da córnea. • Ciclite: Inflamação do corpo ciliar. • Cicloplegia: Paralisia do corpo ciliar. • Coloboma: Buraco ou fissura em alguma parte do olho, devido a má formação congênita. • Corectopia: Deslocamento da pupila de sua posição normal. • Coroidite: Inflamação da coróide. • Crescente afácico: Subluxação ventral da lente que, quando vista através da pupila dilatada, dá a impressão de uma lua crescente. • Dacrioadenite: Inflamação da glândula lacrimal ou da terceira pálpebra. • Dacriocistite: Inflamação do saco lacrimal. • Dacrioestenose: Atresia do ducto lacrimal. 25 • Descemetocele: Hérnia da membrana basal do epitélio corneano (membrana de Descemet). • Dioptria: Unidade do poder refrativo de uma lente. • Diplopia: Percepção de um objeto como duas imagens (“visão dupla”). • Discória: Pupila de formato anormal. • Distiquíase: Camada supranumerária de cílios, que emergem dos ductos das glândulas de Meibômio. • Distrofia: Anomalidade não inflamatória de origem nutricional, metabólica ou congênita, que atinge a várias estruturas oculares (p. ex. distrofia corneana). • Ectasia: Dilatação ou distensão de determinada estrutura do olho. • Ectrópio: Eversão da pálpebra. • Emetropia: Visão normal, ou seja, estado refrativo de um olho que, quando em repouso, foca os raios luminosos paralelos exatamente sobre a retina. • Endoftalmia: Sinônimo de endoftalmite, é a inflamação de todas as estruturas oculares internas. • Enoftalmia: Recessão anormal do olho no interior da órbita, produzida por diminuição da pressão intra-ocular. • Entrópio: Inversão da pálpebra. • Epífora: Transbordamento de lágrimas para fora do olho, normalmente determinada por drenagem deficiente. • Episclerite: Inflamação dos tecidos superficiais da escleral. • Esclerite: Inflamação da esclera. • Esotropia: Estrabismo medial (= convergente). • Estafiloma: Saliência na córnea ou esclera “forrada” por tecido uveal. • Estrabismo: Condição onde os olhos não estão simultaneamente direcionados para um mesmo ponto. • Euribléfaro: Aumento da fissura palpebral. • Exoftalmia: Protrusão do globo ocular. • Exotropia: Estrabismo lateral (= divergente). • Flare aquoso: Efeito de Tyndall, observado através de biomicroscopia, em humor aquoso com conteúdo protéico muito alto. • Fotofobia: Desconforto ocular produzido pela incidência de luz de alta intensidade. • Glaucoma: Aumento da pressão intra-ocular. • Hemeralopia: Perda da visão diurna. • Heterocromia: Diferença de coloração entre as duas íris ou entre porções de uma delas. • Heterotropia = Estrabismo. • Hialose asteróide: Opacidades vítreas fixas, formadas por um complexo de lípides e cálcio. • Hifema: Presença de sangue no humor aquoso. • Hipermetropia: Estado refrativo no qual a luz é focada atrás da retina. • Hipópio: Presença de pus no humor aquoso. • Hipotonia: Diminuição da pressão intra-ocular. • Hordéolo (= terçol): Infecção purulenta de uma ou mais glândulas da pálpebra. • Iridociclite: Inflamação da íris e do corpo ciliar. • Íris bombé: Aderência total da pupila à lente, determinando, por acúmulo do humor aquoso, um aspecto de balão. 26 • Irite: Inflamação da íris. • Lagoftalmia: Fechamento incompleto das pálpebras. • Leucoma: Opacidade corneana extensa que, quando em associação com aderência de íris, recebe a denominação de leucoma aderente. • Mácula: Opacidade corneana moderada. • Microftalmia: Olho anormalmente pequeno de origem congênita. • Miopia: Erro refrativo que determina o ponto focal de objetos distantes aquém da retina. • Nébula: Opacidade corneana pequena. • Nictalopia: Perda de visão noturna. • Nistagmo: Movimentos oscilatórios e involuntários do globo ocular. • Oclusão pupilar: Obstrução da pupila por membrana congênita (membrana pupilar) ou adquirida; • Panoftalmite: Inflamação de todos os tecidos do globo ocular. • Phthisis bulbi: Diminuição degenerativa do volume do globo ocular. • Presbiopia: Condição refrativa na qual ocorre uma diminuição do poder de acomodação visual devido à idade. • Proptose: Deslocamento do globo ocular para fora da órbita. • Ptose: Queda da pálpebra superior, também chamada de blefaroptose. • Quemose: Edema da conjuntiva. • Retinite: Inflamação da retina. • Rubeose iridiana: Vascularização da íris. • Seclusão pupilar: Sinéquia posterior completa, com separação funcional das câmaras anterior e posterior. • Simbléfaro: Aderência da(s) pálpebra(s) ao globo ocular. • Sinéquia anterior: Aderência da íris à córnea. • Sinéquia posterior: Aderência da íris à lente. • Sinérese: Redução da viscosidade do vítreo com liberação de líquido. • Sinquise: Liquefação do vítreo. • Triquíase: Presença de cílios extranumerários. • Uveíte: Inflamação da íris, corpo ciliar e coróide. • Visão binocular: Habilidade de usar os dois olhos simultaneamente focados em um mesmo objeto. • Visão escotópica: Capacidade de captação de estímulos luminosos de baixa intensidade (visão preto e branco). • Visão fotópica: Capacidade de visão de estímulos luminosos de alta intensidade (visão colorida). • Xeroftalmia: Queratinização da córnea e conjuntiva. • Xerose: Ressecamento anormal do olho. 14. INTERPRETAÇÃO DE SINAIS CLÍNICOS OCULARES: ALTERAÇÕES NA FISSURA PALPEBRAL: Excesso de pele na cabeça (congênito ou por alterações endócrinas), edema palpebral, síndrome de Horner, lesão do nervo oculomotor, lesões corticovasculares, entrópio ou ectrópio. 27 EDEMAS PALPEBRAIS: Conjuntivite neonatal, blefarodermatites (bactérias, fungos ou protozoários), traumatismos, edema palpebral degenerativo, infestações parasitárias, corpos estranhos, alergia, picada de insetos, conjuntivites severas, abscessos palpebrais, cistos das glândulas palpebrais ou neoplasias. BLEFAROESPASMO: Dermóide, distiquíase, cílio ectópico, triquíase, entrópio, irritação palpebral (p. ex. blefarite marginal), ceratite, irite, úlceras de córnea, neoplasias, corpos estranhos, ceratoconjuntivite seca, litíase de margens palpebrais ou glaucoma. PROTRUSÃO DA TERCEIRA PÁLPEBRA: Microftalmia, ceratoconjuntivite, impactação da glândula da nictitante, inflamação crônica da terceira pálpebra, fascite nodular ocular, lesões invasivas retrobulbares, neoplasias, traumatismos, “fratura” da cartilagem da nictitante, dor ocular, síndrome de Horner, ação de drogas, tétano, hidrofobia ou desidratação extrema. EPÍFORA: Entrópio, lesões corneanas dolorosas, dacriocistite, alterações no sistema de drenagem lacrimal, distiquíase, cílio ectópico, atopia, uveíte, algumas conjuntivites infecciosas (p. ex. ceratoconjuntivite infecciosa de ruminantes e herpesvirose felina) ou síndrome da drenagem lacrimal deficiente. LÁGRIMAS AVERMELHADAS: Dacriocistite, dacriocanaliculite, neoplasias, traumatismos oculares ou conjuntivite severa. SECREÇÃO OCULAR MUCOPURULENTA: Conjuntivite, corpo estranho no saco conjuntival, abscesso orbitário, infecções oculares ou perioculares, doenças sistêmicas infecciosas, neoplasias oculares ou empiema dos seios paranasais (eqüinos). ESTRABISMOS: Alterações neuromusculares (congênitas, traumáticas ou degenerativas), lesões cerebrais, hidrocefalia, traumatismos (principalmente os decorrentes de proptose traumática), infecções orbitais ou retro-orbitais, neoplasias, disfunções vestibulares ou sinusite crônica. OLHO PROEMINENTE: Órbita rasa, alterações vasculares retrobulbares, processos inflamatórios (abscessos, alterações da parótida, edemas, hemorragias ou infecções dos seios paranasais), mucocele ou inflamação da glândula salivar zigomática, miosite de músculos periorbitais, pseudotumores, lesões traumáticas posteriores à órbita, neoplasias, traumatismos cranianos, parasitos (Dirofilaria immitis), cisto retrobulbar, corpos estranhos oubuftalmia (glaucoma ou tumores intra-oculares). 28 OLHO DE TAMANHO DIMINUÍDO: Enoftalmia congênita (cães dolicocefálicos ou microftalmicos), phthisis bulbi, tétano, síndrome de Horner, traumatismo periocular, perfuração do globo ocular, perda de gordura retrobulbar, atrofia de músculos periorbitais ou senilidade. OLHO VERMELHO: Úlcera de córnea, corpo estranho, traumatismo, uveíte, glaucoma, conjuntivite. Quando bilateral, deve-se suspeitar de doença sistêmica. PROTUBERÂNCIAS CORNEANAS: Dermóide, infiltração inflamatória, tecido de granulação, abscesso corneano, ceratopatia bolhosa, neoplasias, olho seco, seqüestro corneano, laceração corneana, descemetocele ou prolapso de íris. CÂMARA ANTERIOR RASA: Lesão vitreal extensa, glaucoma de ângulo fechado, luxação anterior de lente, lente intumescida ou sinéquia anterior. LEUCORIA: Catarata, coloboma, corpo estranho intra-ocular, gliose retiniana avançada, hemorragia vítrea organizada, hiperplasia persistente do vítreo primário, descolamento de retina, displasia retiniana, fibroplasia retrolental ou massas vítreas. ANISOCORIA: Traumatismo craniano ou proptose traumática. MIDRÍASE: • Unilateral: Coma, traumatismo craniano, hematoma extradural e glaucoma; • Bilateral: Cegueira bilateral, traumatismo craniano, botulismo ou neurite retrobulbar. MIOSE: Traumatismo craniano, vasodilatação dos vasos iridianos, intoxicações (p. ex. organofosforados), dor ocular por irritação acentuada de pálpebras, conjuntiva ou córnea, coma, encefalite, meningite, uveíte, irite, espasmo do esfíncter pupilar, lesões subtalâmicas ou síndrome de Horner. PUPILAS FIXAS: Glaucoma agudo, lesões neurológicas bilaterais, lesões no seio cavernoso, efeito de drogas, síndrome de Horner, atrofia de íris, sinéquias e seclusão pupilar, hifema ou lesões retro- orbitárias. 29 CEGUEIRA SÚBITA: • Unilateral (na maioria dos casos): Corioretinite aguda, glaucoma agudo, neuropatia óptica, envenenamentos, descolamento de retina, hemorragia retiniana, hifema total, traumatismo, lesão cortical unilateral, uveíte, hemorragia vítrea; • Bilateral: Neurite óptica, cegueira cortical, descolamento de retina bilateral, opacidade total do humor aquoso, catarata bilateral. 14. LEITURA SUPLEMENTAR RECOMENDADA: SLATTER, D. Fundamentals of Veterinary Ophthalmology 3ª ed. Philadelphia, Saunders, 2001, 640 p. STRUBBE, D.T & GELATT, K.N. Ophthalmic examination and diagnostic procedures. In: GELATT, K.N. (ed.) Veterinary Ophthalmology 3ª ed. Philadelphia, Lippincott Williams & Wilkins, 1999, p. 427-466. YAMANE, R. Semiologia Ocular. Rio de Janeiro, Cultura Médica, 1990, 292 p. 30 TERAPÊUTICA OFTALMOLÓGICA As drogas, para atingirem seu local de ação e produzirem o efeito desejado, necessitam atravessar determinadas barreiras que, na maioria das vezes, apresentam seletividade à passagem de algumas delas. O olho, um dos tecidos mais nobres do organismo, não foge a esta regra, apresentando vários obstáculos à passagem de xenobióticos, incluindo drogas. Estes obstáculos são representados pelo fluxo contínuo da lágrima na superfície corneana e pelas barreiras epiteliais (epitélios conjuntival, corneano, ciliar e pigmentar da retina) e endoteliais (vasos da retina e da íris). Se por um lado estas barreiras impedem a entrada de substâncias tóxicas no olho, por outro dificultam a ação terapêutica de determinados fármacos. Por tudo isto, a potência farmacodinâmica e as propriedades farmacocinéticas de uma droga devem ser muito bem conhecidas antes de sua administração, para se evitar que a mesma, por não alcançar seu sítio de ação, não desempenhe seu papel terapêutico. I. VIAS DE ADMINISTRAÇÃO E PROPRIEDADES REQUERIDAS DAS FORMULAÇÕES: Na escolha da via de administração, deve-se levar em conta a estrutura-alvo, existência de barreiras intactas ou não, disponibilidade de apresentações comerciais, comportamento do animal e cooperação do proprietário. Com relação à estrutura a ser atingida, normalmente usa-se a via tópica para conjuntiva e superfície corneana, via tópica e/ou sistêmica para camadas profundas da córnea, íris e corpo ciliar e via sistêmica para o segmento posterior e órbita. 1. VIA TÓPICA: 1.1. PROPRIEDADES REQUERIDAS PARA DROGAS DE USO TÓPICO: a. Características físico-químicas da droga: A córnea é um “sanduíche” trilaminar formado por (a) externamente, um epitélio pavimentoso estratificado de caráter lipofílico, com células unidas por firmes junções; (b) o estroma, formado por fibras colágenas mergulhadas numa substância intersticial rica em água e, portanto, hidrofílica e (c) um endotélio lipofílico. Como se vê, a droga ideal para atravessar a córnea deve ter uma solubilidade bifásica, ou seja, ser ao mesmo tempo lipo e hidrossolúvel; para que isto seja possível, a molécula deve apresentar uma porção polar e uma apolar, ter baixo peso molecular e estar num pH ideal. Após a aplicação sobre o olho, a porção não drenada de determinada droga pode penetrar na córnea ou ser absorvida pelos vasos conjuntivais, sobretudo se a conjuntiva estiver inflamada. Esta penetração pode ser aumentada através de alguns recursos: • Alteração da superfície corneana: O espaço intercelular pode ser transitoriamente expandido por agentes quelantes (p.ex. o EDTA sódico) e a permeabilidade epitelial 31 modificada por agentes tensoativos (p. ex. cloreto de benzalcônio), aumentando consideravelmente a absorção de certas drogas. No caso dos agentes tensoativos, deve-se lembrar que seu uso crônico pode determinar perda da camada epitelial superficial, retardamento da cicatrização de processos ulcerativos e “quebra” do filme pré-corneano, com conseqüente ressecamento do globo ocular; • Veículo adequado: O uso de veículos mais viscosos aumenta o tempo de permanência da droga nos tecidos, favorecendo sua absorção. Também a utilização do cloreto de cetilpiridínio como veículo favorece a ação das drogas, pois o mesmo inibe a albumina pré-lacrimal que se liga a determinados fármacos, reduzindo sua biodisponibilidade. b. Tonicidade: A tonicidade das soluções utilizadas deve, sempre que possível, ser similar à da lágrima que, no homem, corresponde a 1,4% de NaCl, embora variações entre 0,7 e 2,0% sejam bem toleradas sem grande desconforto. Como a absorção das drogas pela córnea é dependente de um gradiente de concentração, onde seria de se esperar um melhor efeito de soluções mais concentradas; tal fato não ocorre, entretanto, devido ao maior lacrimejamento produzido por estas soluções, fazendo com que as mesmas sejam rapidamente diluídas e drenadas. c. pH: Embora o olho suporte grandes variações de pH (entre 3,5 e 10,0), o ideal é que este seja o mais próximo possível da lágrima (7,4). É importante também que seja mantido um pH no qual haja equilíbrio entre as formas ionizada e não-ionizada da droga, visando obter-se a melhor absorção possível. d. Estabilidade: Temperatura e pH são os fatores que mais interferem na estabilidade das preparações para uso oftalmológico. A maioria destes produtos é mais estável num pH entre 5,0 e 7,0 e a temperaturas mais baixas. Quando as condições ideais de armazenamento não são obedecidas, vários fármacos perdem rapidamente sua atividade. e. Esterilidade: As preparações para uso oftalmológico devem ser sempre estéreis, sobretudo aquelas que penetram no globo ocular. De maneira geral, recomenda-se que os colírios e pomadas sejam usados apenas para um único tratamento, desprezando-se eventuais sobras; esta prática é, na maioria das vezes, forçada pelo reduzido tamanho das apresentações comerciais, que impedem uma segunda utilização. 1.2. SOLUÇÕES:
Compartilhar