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Universidade de Brasília INTRODUÇÃO À CIÊNCIA DA DECISÃO Fundamentos das Decisões Interativas Carlos Alberto Torres Departamento de Administração Março de 2011 27/3/2011 09:43 2 / 64 SUMÁRIO Breve auto-apresentação, e dedicatória: ........................................................................................... 3 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................... 5 MODELO CONCEITUAL DO PROCESSO DECISÓRIO ......................................................... 13 O CONCEITO DE INDIVÍDUO ..................................................................................................... 19 Evolução e Sociedade ........................................................................................................................ 19 O Ambiente Indivisível e os Potenciais dos Indivíduos .................................................................. 22 Individualidade, Subjetividade, Motivação e Capacitação ........................................................... 25 Premissas Comportamentais ............................................................................................................ 26 Situação de Decisão ........................................................................................................................... 28 Teoria Comportamental da Decisão ................................................................................................ 29 Um Tomador de Decisões com Objetivos e Preferências ............................................................... 30 Indivíduo como Entidade Unitária de Decisão ............................................................................... 31 Precauções e Terminologia ............................................................................................................... 32 A PRÁXIS DO INDIVÍDUO COMO TOMADOR DE DECISÕES ............................................ 34 As Decisões Interativas ..................................................................................................................... 34 As Várias Perspectivas do Processo Decisório ................................................................................ 37 O Ciclo de Aprendizado e o Ciclo de Decisão ................................................................................. 39 A Racionalidade e o Processo Decisório .......................................................................................... 41 Utilidade Esperada Subjetiva ........................................................................................................... 43 Os Elementos Estruturais do Processo Decisório ........................................................................... 44 Os Objetivos e a Modelagem dos Valores ...................................................................................... 45 As Alternativas de Ação e a Modelagem das Interações .............................................................. 48 As Consequências Previstas e a Modelagem das Incertezas ........................................................ 51 A Decisão e a Modelagem das Preferências ................................................................................. 54 A Ação e as Organizações como Indivíduos Coletivos ................................................................. 57 As Consequências Realizadas e a Sorte ........................................................................................ 59 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................................ 61 “Introdução à Ciência da Decisão”. Texto de autoria do professor Carlos Alberto M. L. Torres. V.13. Parte integrante de pesquisa em andamento, versando sobre os Fundamentos das Decisões Interativas, estando sen- do disponibilizado exclusivamente para uso como texto introdutório das disciplinas Processo Decisório (PD-I) e Métodos e Modelos Quantitativos de Decisão (MMQD) do Curso de Administração da UnB. Mar 2011. 27/3/2011 09:43 3 / 64 Breve auto-apresentação, e dedicatória: Devo confessar, sou prisioneiro de um modelo mental que no século XX firmou-se com sólidas raízes: o de que é possível, além de ser desejável e necessário, um mundo melhor para todos; portanto, de que podemos e devemos tentar construí-lo com nossas decisões e ações. Friso o para todos, pois, julgo, é nisto que esse modelo perma- nece revolucionário em pleno século XXI. Existem vários futuros desejáveis e possíveis em cada contexto de decisão. Assim, embora ninguém tenha o poder de realizar tudo o que queira ou de eliminar de sua vida conflitos e incertezas, existe um espaço de liberdade para se escolher o futuro que se julga melhor, e como alcançá-lo. Por isso, todo indivíduo busca combinar pro- cessos decisórios informados e racionais com o pensa- mento intuitivo, mesmo sabendo-se que os tomadores de decisão nem sempre se comportam racionalmente... Dedico este trabalho a todo(a)s que acreditam poderem ser construtores do futuro e que desejam colocar as suas decisões a serviço de sentimentos, valores e sonhos generosos. Apaixonei-me jovem por esse paradigma. Ele dá um sabor especial à vida e esperança à humanidade ao libertá-la da crença em um destino já determinado. Se ele está correto, o futuro depende largamente de cada um e de todos nós. Essa é a premissa fundamental da ciência da decisão, e a deste trabalho. Carlos Alberto Torres “Queria, pois, dizer: a sociedade perfeita não existe (é utopia), mas precisamos do seu conceito para podermos sempre criticar as sociedades concretas. Quem não cultiva a utopia contenta-se com as misérias que tem, porque não atina com a possibilidade de superação permanente. ... (Pedro Demo, p. 47, 2000)”. 27/3/2011 09:43 4 / 64 “Decision Analysis is more about clear thinking than about any of its detailed procedures. Since even when thinking about a de- cision by ourselves we are going to use a language to help us, it is extremely important that the language contain the proper concepts.” Ronald Howard Foundations of Decision Analysis Revisited (in Edwards, Ward, org., Chapter 3, 2007) 27/3/2011 09:43 5 / 64 INTRODUÇÃO Viver tem riscos em um mundo de conflitos e incertezas, mas isso jamais condenou os in- divíduos a uma existência sem significados. Ao contrário, mesmo diante das maiores pro- vações, sonham com uma vida mais feliz, renovam suas esperanças e pensam em como mudar sua sorte. Por isso, os indivíduos, se desejam construir um futuro melhor, sabem que têm a possibilidade de transformar, com suas ações, sonhos e esperanças em realidade. Para um indivíduo, frente a um problema ou a uma oportunidade, decidir é a arte de escolher a alternativa de ação que julgue lhe abrir a melhor perspectiva de futuro. Porém, esse futuro jamais decorrerá apenas de sua vontade; outras forças, com as quais interage e em relação às quais se move, influirão com maior ou menor importância sobre o que acontecerá. Por isso, neste trabalho, diz-se que um indivíduo toma uma decisão interativa quando as consequências dessa decisão resultam de suas interações com outras forças no ambiente em que é executada. O indivíduo integra um ambiente indivisível, que será observado sob dois aspectos, o ambi- ente social e o ambiente natural. Ele é uma das forças ambientais e, para os fins dessa aná- lise, ambiente é onde o indivíduo age e interage continuamentecom outras forças sociais e naturais, modificando-o para alcançar os seus objetivos e suprir suas necessidades. Central, neste trabalho, é o conceito de interação. Define-se interação como um tipo de ação que ocorre quando dois ou mais objetos têm efeito um sobre o outro. A idéia de um efeito em duplo sentido é essencial no conceito de interação, e se diferencia de um efeito causal com um único sentido. Combinações de muitas interações simples podem conduzir a surpreendentes fenômenos emergentes. Em sociologia, interação social é uma seqüência dinâmica e mutável de ações sociais entre indivíduos (ou grupos) que modificam suas ações e reações devido à intera- ção entre as partes. Em física, uma interação refere-se especificamente à ação de um objeto 27/3/2011 09:43 6 / 64 físico sobre o outro, e resulta nas forças de interação que descrevem os fenômenos da natureza. Um indivíduo, aqui, é definido como uma entidade unitária de decisão com objetivos e prefe- rências. Esta definição vale para uma pessoa, mas também para um grupo social organizado que desenvolva ações unitárias após as suas decisões. O processo decisório será observado na perspectiva de um indivíduo com o papel de tomador de decisões focal, seja ele uma pessoa ou uma organização, diferenciando-o dos outros indivíduos com os quais possa estar interagindo. A cada ação do tomador de decisões focal correspondem reações de outras forças presentes no ambiente onde é executada. No ambiente social, cada ação intencional do tomador de decisões focal provoca reações de outras forças sociais. Essas interações sociais podem ser estratégicas ou impessoais. Em uma interação estratégica, o tomador de decisões precisa pensar sobre qual poderia ser a resposta de outro indivíduo, que também está pensando so- bre o que ele estaria pensando e poderia fazer; neste caso, o tomador de decisões focal e o outro indivíduo estão jogando ou negociando se ambos participam mútua e conscientemente dessa interação (Dixit, 2004). Em uma interação impessoal, o tomador de decisões focal precisa pensar antes de agir sobre qual poderia ser a resposta de outra força social, para a qual, entretanto, a sua análise e a sua subseqüente ação pouco importa. Exemplos de intera- ções impessoais: ações de um indivíduo tendo como resposta sentenças impessoais de um juiz ou de uma autoridade estatal; ações de uma pequena empresa cujas consequências possam ser afetadas por decisões e ações impessoais em relação a ela do governo ou de uma grande empresa; esforços de vendas da empresa focal que são afetadas por respostas impessoais de indivíduos agregados, como a demanda de mercado por um produto. No ambiente natural, cada ação intencional do tomador de decisões focal provoca reações de outras forças naturais. Essas interações são impessoais porque as reações da natureza, 27/3/2011 09:43 7 / 64 regidas por suas leis, não são controladas por ninguém, algum ser sensitivo que pudesse estar pensando sobre o que ele estaria pensando e poderia fazer; mas o tomador de decisões precisa pensar sobre essas reações, que embora não-intencionais não são nada passivas. Neste texto, será apresentado um modelo conceitual do processo decisório dos indivíduos. Esse modelo servirá como um mapa-guia pelos conceitos fundamentais do processo decisó- rio, revelando a lógica de suas relações, e mostrando como um indivíduo real, com necessi- dades, interesses e preocupações éticas, e com anseios por felicidade, qualidade de vida e sucesso, pode tomar boas decisões, ou decisões informadas. São adotadas as seguintes premissas descritivas sobre a práxis de um indivíduo no processo decisório: (i) ele possui conscientemente múltiplos objetivos, que são a expressão dos valo- res próprios de sua subjetividade; (ii) ele participa de múltiplas e inevitáveis interações com outras forças ambientais quando age para alcançar os seus objetivos; (iii) ele busca aprender a conviver e lidar com as incertezas decorrentes da impossibilidade de prever exatamente as consequências futuras de suas alternativas de ação; (iv) ele busca combinar processos informados e racionais com o pensamento intuitivo para escolher a alternativa de ação que julga lhe abrir a melhor perspectiva de futuro. Ademais, o seu valor mais alto é a vida com significados, e a forma consciente como busca atender os seus próprios interes- ses e equilibrá-los com os do bem comum revela os seus compromissos éticos. Portanto, diante de problemas complexos, como um indivíduo deveria e poderia decidir quando interage, como na vida real, com outros indivíduos e com forças naturais no ambiente em que atua? Dado um contexto de decisão, um indivíduo, para tomar decisões informadas, usa a sua imaginação e conhecimento para definir os objetivos que deseja alcançar, criar alternativas de ação para alcançá-los e prever as consequências de cada uma em termos desses objetivos; final- 27/3/2011 09:43 8 / 64 mente, decide pela alternativa que julga ser a melhor. O valor que o indivíduo atribui a uma dada alternativa de ação é função da expectativa que tem quanto às suas consequências, que são as medidas que ele atribui ao grau em que essa alternativa alcançará cada um dos seus objetivos. Mas, uma alternativa de ação em estudo, se escolhida, será uma futura ação e, no ambiente onde será executada, poderão existir reações relevantes de várias outras forças, que serão, em tese, não controláveis. Portanto, as consequências de cada decisão serão resultantes dessas interações, e não apenas das ações que compele. Isto torna as decisões mais complexas. Decisões são tomadas no presente, e as ações que ela compele, bem como suas consequências, serão no futuro. Logo, ao escolher uma alternativa de ação, decisões são como os indivíduos manifestam sua preferência por um determinado futuro julgado desejável e possível. Se cada alternativa de ação tiver consequências certas, cada uma abre uma perspectiva de futuro certo. Naturalmente, o tomador de decisões escolherá o futuro que julga melhor, sendo este o futuro de sua preferência, e atribuirá à alternativa de ação que lhe corresponde o máximo valor. Porém, e se as alternativas de ação tiverem consequências incertas? Isto significa que o tomador de decisões pode saber o que possivelmente ocorrerá, mas não pode saber com certeza o que ocorrerá. Por que surgem as incertezas? Como vimos, se uma alternativa for escolhida, poderão existir reações relevantes de outras forças à ação que ela deflagrará. Se o conhecimento que se possui sobre essas forças for imperfeito, não se pode prever exatamente como cada uma reagirá. Tudo o que se pode prever são as possibilidades (ou combinações) de reações conjuntas que po- derão ocorrer. A probabilidade subjetiva conjunta ( ) que o tomador de decisões atribui a cada uma dessas possibilidades mede o seu conhecimento (ou a sua ignorância) sobre essas reações. Logo, as consequências resultantes dessas interações também são incertas. Portanto, cada alterna- tiva de ação com consequências incertas abre uma perspectiva de futuro incerto, que é descrito 27/3/2011 09:43 9 / 64 por suas possibilidades, probabilidades e medidas de consequências (Howard, 2004). Como o tomador de decisões poderia expressar suas preferências por alternativas com conse- quencias incertas? Agora, é necessário considerar a sua atitude perante o risco. Neste traba- lho, seguindo o paradigma da análise de decisões (Keeney, 1976), escolhe-se a alternativa de ação com a maior Utilidade Esperada Subjetiva 1 . Este valor esperado é dado pela fórmula ∑ , e corresponde à soma dos produtos da multiplicação do valor em utilidades das consequências de cada possibilidade de futuro( ) pelas probabilidades subjetivas de ocorrência de cada possibilidade ( ). Note que o valor em utilidades das consequências de cada possibilidade de futuro expressa as expectativas do tomador de decisões, medindo o grau em que julga cada possibilidade de futuro alcançará a cada um dos seus objetivos. Para dar perspectiva à análise que será desenvolvida neste texto, o indivíduo será contemplado em sua dinâmica mais ampla: ele usa a sua intuição, respeitando-a; mas, busca decidir racio- nalmente, estabelecendo suas preferências; e aprende, incorporando nova informação à sua análise e aumentando o seu conhecimento. Queira ou não, ao longo de sua vida, participará da roda decidir-agir-aprender-decidir novamente. Esta capacidade de aprender lhe permite au- mentar a qualidade de suas decisões e chances de sucesso. Ela lhe permite revisar as probabili- dades subjetivas a priori que atribui às suas incertezas, bem como o quanto se esforçar e gastar em tempo, estudo, etc. para adquirir informação nova, estimando o valor da informação. Para esse indivíduo, se lhe fosse dado decidir sempre em contextos cujas interações fossem caracterizadas por reações impessoais, decidir racionalmente, significaria escolher a alter- nativa de ação com a máxima utilidade esperada subjetiva. E aprender, em cada ciclo, sig- nificaria, antes da decisão principal, coletar informações na forma de pesquisas, testes, etc. 1 UES. Em inglês, denomina-se Subjective Expected Utility (SEU). 27/3/2011 09:43 10 / 64 (também denominadas de decisões informativas); depois da decisão principal, avaliar as consequências finais tirando lições com o seu desempenho. Como visto, ações do tomador de decisões e reações ambientais é parte indissociável da existência. Logo, para alcançar objetivos e suprir necessidades, construindo o futuro dese- jado, decisões são como os indivíduos buscam influir nas consequências futuras, certas ou incertas, das interações que inescapavelmente terão que participar, permitindo-lhes tentar assumir o controle sobre os acontecimentos, experiências e riscos de sua própria vida. Este trabalho, abordado de forma essencialmente normativa, prescritiva e construtiva, funda- menta-se na análise de decisões, na teoria dos jogos, na análise de negociações e na teoria comportamental das decisões 2 . Essas são as técnicas fundadoras do campo que Roward Raiffa (in Edwards, cap. 4, 2007) propõe seja denominado, simplesmente, de ciência da decisão. Essas técnicas proporcionam a base conceitual e analítica para o tratamento das decisões interativas. A análise de decisões é aplicável a um vasto número de problemas cujas decisões são marcadas por interações impessoais. A teoria dos jogos e a análise de negociações são aplicáveis em con- textos de decisão marcados por interações estratégicas; a primeira, quando as decisões dos agen- tes são separadas e conflitantes, e a segunda, quando suas decisões são conjuntas e buscando ajus- tar suas preferências. A teoria comportamental da decisão considera as heurísticas inconscientes, como a intuição, que influem no comportamento dos indivíduos no processo decisório. Gostaria, neste ponto, de destacar alguns aspectos distintivos da abordagem apresentada: 1. O modelo conceitual do processo decisório propicia uma visão em perspectiva do pro- cesso decisório. O tomador de decisões é um indivíduo real que faz parte de um ambi- ente indivisivelmente natural e social: dele surge, o integra, nele interage e o modifica. 2 Ronald Howard prefere denominá-la de “cognitive psicology”, embora Roward Raiffa a denomine de “be- havioral decision making or theory” (in Edwards, Ward, org; Howard, Chapter 3; Raiffa, Chapter 4; 2007). 27/3/2011 09:43 11 / 64 2. A visão de ação no ambiente indivisível estrutura a práxis consciente do indivíduo no processo decisório: a definição de objetivos, a criação de alternativas, a previsão das consequências e a tomada de decisões. Este enfoque permite visualizar a modelagem conceitual e analítica de situações de decisão envolvendo múltiplos objetivos, intera- ções ambientais, incertezas, e aplica-se tanto às decisões individuais como em grupo. 3. Em sentido amplo, considera que o indivíduo sempre toma decisões interativas. Quando o problema importa apenas ao tomador de decisões focal, suas interações são impessoais, suas decisões são tratadas pela análise de decisões, e são denomina- das de decisões individuais. Quando vários indivíduos se sentem afetados pelo pro- blema, suas interações são estratégicas, suas decisões são tratadas pela teoria dos jogos e pela análise de negociações, e são denominadas de decisões em grupo. 4. Em sentido estrito, incertezas decorrem do conhecimento imperfeito que o tomador de decisões focal possui sobre quais serão as reações de certas forças ambientais em respos- ta à ação que desenvolverá se uma dada alternativa de ação for escolhida. A extensão do seu conhecimento (ou de sua ignorância) sobre cada uma dessas reações é medida pelas probabilidades subjetivas que atribui a cada uma das suas possibilidades de ocorrência. 5. Adota-se o conceito de perspectiva de futuro, seja ele certo ou incerto, para enfati- zar que decidir significa expressar preferência dentre diferentes futuros desejáveis e possíveis. Este conceito é bastante intuitivo, pois, geralmente, para os indivíduos, de- cidir significa escolher a alternativa de ação que traga a expectativa das melhores consequências; ou seja, que julguem lhes abrir a melhor perspectiva de futuro. A ciência da decisão é um campo novo e em rápido desenvolvimento, com “escolas” de pen- samento, vários métodos e inúmeras siglas (Gomes, 2007). Exatamente por isso, após anos lecionando processo decisório no Curso de Administração da UnB, convenci-me da necessi- dade de uma abordagem focalizada em seus conceitos fundamentais e, sobretudo, que con- templasse o indivíduo em suas inescapáveis interações em rede com outras forças ambientais. Com fundamentos sólidos todos os que se motivarem com a ciência da decisão poderão pros- seguir para os seus níveis mais avançados e profissionais, modelar por sua conta situações 27/3/2011 09:43 12 / 64 complexas de decisão e adquirir uma visão crítica das vantagens e desvantagens dos vários “pacotes” e softwares (normalmente caros) encontráveis como auxílio ao processo decisório. Considerando que o indivíduo quando decide está projetando interações no ambiente em que agirá, o objetivo deste trabalho é examinar o processo decisório na perspectiva das decisões interativas. As suas proposições seguem a lógica do que Ronald Howard (Edwards, 2007, p.41) considera como “regras do pensamento voltado para a ação”, ou “do pensamento sobre a ação”, denominadas, também, de “normas” ou “axiomas” da teoria da decisão. Apresento, aqui, os capítulos introdutórios desse projeto sobre os fundamentos das decisões interativas. Nos capítulos que se seguirão serão apresentadas a modelagem dos valores, a modelagem das interações, a modelagem das incertezas e a modelagem das preferências. Tenho me apoiado durante o desenvolvimento deste projeto no extraordinário legado científico, conceitual, teórico e empírico à disposição de todos os que se deixam fascinar pela ciência da decisão. São numerosos os seus autores consagrados, situados basicamente nos campos das escolhas racionais e das ciências cognitivas. Atualmente, minhas principais referências são: − Howard Raiffa, Ronald Howard, Ralph L. Keeney, Robert T. Clemen, Dennis V. Lindley, António Damásio, Gerd Gigerenzer, Daniel Kahneman, Amos Tversky, Daniel Gilbert,Steven Rose, Michael S. Gazzaniga, James D. Watson, Herbert Simon, Jon Elster, Shaun P. H. Heap, Anthony Giddens, James G. March, Michael R. Middleton, Sam L. Savage, Max H. Bazerman, Graig W. Kirkwood, Avinash Dixit, Thomas L. Saaty e Rex Brown; − Destaco, dentre os autores em língua portuguesa, Carlos A. Bana e Costa, Luiz Flavio Autran M. Gomes, Tamio Shimizu, Pierre J. Ehrlich, Ronaldo Fiani, Luiz E. Brandão e Pedro Demo. Carlos Alberto Torres Brasília, Março de 2011 27/3/2011 09:43 13 / 64 MODELO CONCEITUAL DO PROCESSO DECISÓRIO Imagine-se chegando pela primeira vez em uma grande e complexa cidade na qual fosse viver. Para localizar-se, você precisaria de um bom mapa, se possível do melhor. Sabe-se que um bom mapa, para iniciar, não é necessariamente o mais detalhado; ele precisaria apenas lhe informar vividamente as posições relativas dos principais pontos de referência, como avenidas, cursos fluviais, centro, bairros, praças, parques, etc.; e as direções cardeais. Certamente, você precisaria também se sentir seguro sobre as localizações de onde iria mo- rar, estudar e trabalhar, e sobre como chegaria lá. O processo de compreensão do novo ha- bitat seria ainda mais rápido se lhe fosse possível uma visão panorâmica da cidade subindo ao seu ponto mais alto, e se, de lá, “brincasse” de relacionar o que estaria registrado no seu mapa com o que sua vista pudesse identificar na paisagem. Assim, mais confiante ainda em suas indicações, você o utilizaria freqüentemente como um guia nos seus deslocamentos. Logo, entretanto, esse mapa inicial teria cumprido o seu papel e você precisaria de novos que lhe trouxessem informações mais específicas; mas, em algum ponto de suas necessida- des particulares você já não os encontraria, e precisaria desenvolvê-los pessoalmente. No processo decisório usam-se modelos dos problemas de decisão, analogamente aos mapas: 1. Modelos são construídos relacionando o que é mais relevante em cada problema de decisão, como os critérios de decisão, as interações ambientais, as incertezas e as prefe- rências, podendo ser conceituais, matemáticos (simbólicos), gráficos, mentais, etc.; 2. Inicialmente, os modelos mais úteis são os mais gerais, identificando com clareza os prin- cipais pontos de referência, representados por conceitos e suas relações, sem “enquadra- mentos” que restrinjam e dificultem uma perspectiva mais ampla da realidade em estudo; 3. Modelos mais específicos são necessários para resolver problemas particulares; 4. Em sua grande maioria os modelos dos problemas de decisão não estão prontos e terão que ser desenvolvidos por cada tomador de decisões de acordo com a sua necessidade. 27/3/2011 09:43 14 / 64 O Modelo Conceitual do Processo Decisório dos Indivíduos apresentado na Figura 1 servirá como um mapa-guia pelos fundamentos conceituais das decisões interativas. Ele propicia uma visão em perspectiva de uma realidade específica, a do indivíduo como tomador de decisões. O modelo é constituído de dois campos conceituais: o indivíduo, um ator unitário com objetivos e preferências; e a práxis do indivíduo como um tomador de decisões, que se realiza em um ambiente concreto regido por leis, princípios, normas e regras, onde vive e interage com outras forças ambientais sociais e naturais para alcançar objetivos e suprir necessidades. Em situações de decisão reais, a nenhum indivíduo são dados quaisquer dos quatro “direitos”: I. Não possuir múltiplos objetivos. Em cada problema de decisão, os valores de um indivíduo, que são as crenças, princípios, sonhos e coisas que têm importância para ele, se expressam por um conjunto de objetivos; portanto, os objetivos que pretende alcançar são múltiplos e confli- tantes, têm pesos relativos, e são, também, os critérios a serem maximizados ou minimizados simultaneamente. A identificação desses objetivos consiste na modelagem dos valores; II. Não interagir com outras forças ambientais. Para alcançar seus objetivos, o indivíduo cria alternativas de ação; uma dada alternativa, se escolhida, será uma futura ação, e a ela cor- responderão várias e distintas reações nada passivas de outras forças sociais e naturais; es- sas interações precisam ser identificadas. A modelagem das interações consiste na criação de alternativas de ação identificando a lógica das interações que elas provocam; III. Não possuir incertezas. A reação de uma dada força ambiental é incerta se o indivíduo possui conhecimento imperfeito sobre ela; logo, as consequências resultantes dessa inte- ração são incertas e abrem uma perspectiva de futuro incerto. A modelagem das incerte- zas é o esforço para traçar o perfil de risco de cada alternativa, com suas possibilidades, probabilidades e respectivas medidas de consequências previstas para cada objetivo; IV. Não buscar ser racional. Dada a sua atitude perante o risco, todo indivíduo quer - e deve querer - escolher a alternativa de ação que julga lhe abrir a melhor perspectiva de futuro. A modelagem das preferências, sejam as decisões individuais ou em grupo, consiste em atribuir valor às alternativas e escolher aquela com o máximo valor. 27/3/2011 09:43 15 / 64 Se nenhum indivíduo possui esses “direitos”, essas realidades descritivas são premissas da abordagem normativo-prescritivo-construtiva adotada neste trabalho, e são questões funda- mentais a serem consideradas na modelagem de situações complexas de decisão da vida real, como é ilustrado abaixo no modelo conceitual do processo decisório dos indivíduos: Figura 1: Modelo Conceitual do Processo Decisório dos Indivíduos No campo à esquerda, é representado um indivíduo dotado de potenciais sociais e naturais que lhe dão motivação e capacitação inatas e adquiridas para agir. No campo à direita, estão os elementos que descrevem o indivíduo em sua práxis como tomador de decisões. Neste campo, registre-se o conjunto de elementos circunscritos pela linha tracejada, constituindo o processo decisório propriamente dito, que culmina com uma decisão; em seguida, a ação deflagrada pela decisão tomada; e, finalmente, as consequências dessa ação. Os elos de realimentação, um retorno intangível de informação e um retorno tangível material, representam a dupla natureza da percepção do indivíduo com relação às consequências da ação decidida, que lhe permitem, simultaneamente, além de suprir as necessidades imediatas de sua existência, realizar a acumulação de conhecimentos e de bens com os quais aumenta o seu futuro poder de agir. Retorno de Informação Retorno Material VALORES GENÉRICOS PRÁXISINDIVÍDUO INTERAÇÕES IMPESSOAIS INTERAÇÕES ESTRATÉGICAS VALORESVALORES ESTRATÉGICOS AÇÃO Criado por Carlos Alberto Torres em 31/07/08 OBJETIVOS ALTERNATIVAS DE AÇÃO INCERTEZAS ESTRUTURAIS INCERTEZAS ESTRATÉGICAS CONSEQÜÊNCIAS PREVISTAS Processo Decisório Modelagem das Interações Modelagem dos Valores Modelagem das Incertezas C O N S E Q Ü Ê N C I A S PREFERÊNCIAS EM GRUPO PREFERÊNCIAS INDIVIDUAIS DECISÃO Modelagem das PreferênciasACUMULAÇÃO DE CONHECIMENTOS ACUMULAÇÃO DE BENS Adquirida Inata Adquirida Inata POTENCIAIS NATURAIS POTENCIAIS SOCIAIS C A P A C I T A Ç Ã O M O T I V A Ç Ã O 27/3/2011 09:43 16 / 64 Como pode ser observada na Figura 1, a análise cuidadosa do problema de decisão implica na definição de objetivos, na criação de alternativas de ação, na mensuração das consequências previstas dessas alternativas, e, finalmente, na tomada de decisão. Cadauma dessas atividades, como será visto adiante em detalhes, corresponde, respectivamente, à modelagem dos valores, à modelagem das interações, à modelagem das incertezas e à modelagem das preferências. Decisões só são tomadas depois do momento em que o indivíduo se conscientiza da existência de uma situação de decisão. Os indivíduos, com sua imaginação, podem e devem tomar decisões criando oportunidades de decisão, mas, freqüentemente, são fatos externos ou outros indivíduos que lhe trazem problemas, obrigando-o a decidir conduzido pelas circunstâncias (Keeney,1992). Para isso, constroem modelos de decisão que são sempre simplificações da realidade mais complexa. Modelos de situações de decisão reais, para serem eficazes, devem servir como auxiliares em tempo útil à intuição dos indivíduos na tomada de decisões. Por vezes, exce- lentes soluções para situações complexas têm sido encontradas adotando-se um simples e único critério ou objetivo; ou desconsiderando-se as interações e conflitos entre os agentes; ou desconsiderando-se as incertezas e tratando o problema de forma determinística; ou des- prezando-se a atitude perante o risco dos atores no momento de atribuir valor às suas alter- nativas de ação com consequências incertas. Nada muda, entretanto, o quadro mais amplo da realidade representado na Figura 1. Cada modelagem deve considerar o que é relevante em cada situação real, e a simplificação específica que ela inevitavelmente promove é sem- pre feita por conta e risco do tomador de decisões, que assume os seus benefícios e custos. Hoje, a ciência da decisão já possui uma larga bagagem de métodos e de experiências para tratar as situações de decisão em nível maior de complexidade. Com o surgimento das pla- nilhas eletrônicas, praticamente está superada a chamada cortina algébrica (Savage, 2003) 27/3/2011 09:43 17 / 64 que antes separava os profissionais com forte formação matemática que desenvolviam os modelos analíticos e algoritmos da ciência da decisão e os responsáveis por tomar decisões nas organizações (pessoas como você). Portanto, a capacidade de modelagem passou a ser acessível aos que estão determinados a dominar os conceitos do processo decisório e os seus softwares, rodem eles ou não juntamente com planilhas eletrônicas. O modelo conceitual do processo decisório dos indivíduos é o modelo mais geral - o mapa de todo o território - apresentando apenas os principais pontos de referência. Agora, antes de utili- zá-lo começando a desbravar o terreno, você precisa ganhar confiança em suas indicações e intuições. Os dois próximos capítulos, “O Conceito de Indivíduo” e a “Práxis do Indivíduo co- mo Tomador de Decisões”, correspondem a subir no mirante para ter uma visão panorâmica e relacionar o que está registrado no mapa com o que existe no campo da ciência da decisão. Neste ponto, já será dada uma pequena pista sobre o perfil do tomador de decisões de que estamos falando: 1. O indivíduo pensado neste trabalho pode ser uma pessoa ou uma organização, forte ou fraca, grande ou pequena. Ele possui valores traduzidos nos múltiplos objetivos que pre- tende alcançar. Busca um futuro melhor e olha para o mesmo com esperança. Ele busca construir a sua missão e uma visão desse futuro, dando à sua vida significados: busca a felicidade, qualidade de vida e sucesso, e sabe que pode conquistar vitórias grandes ou pequenas. Porém, ele sabe, também, que o seu valor social enquanto indivíduo é medido pela relevância do serviço que possa prestar. Para isso, ele possui sonhos e imaginação; criatividade e capacidade de inovação; motivação e capacitação. Ele possui qualidades, mas, também, consciência de suas deficiências, e não foi criado com o direito de não so- frer ou de não errar, e se esforçará para minorar os riscos de acidentes, fracassos, doen- ças, perdas, insucessos ou derrotas, que ainda assim amargará. Por isso, todo indivíduo é, também, simultaneamente, forte e fraco, grande e pequeno, e faz parte de sua natureza viver e conviver com múltiplas ambigüidades e ambivalências. 27/3/2011 09:43 18 / 64 2. Esse indivíduo em sua existência nada pode fazer sozinho, pois precisa interagir com ou- tros indivíduos nos quais se apóia, aos quais serve e com os quais, por vezes, conflita. In- terage, também, com as forças da natureza. Vive, pois, em um ambiente indivisível (social e natural) regido por leis, princípios, normas e regras, onde as forças com as quais interage podem lhe ser favoráveis, neutras, ou até contrárias. Tentará compreendê-las, por meio da ciência e por outros meios. Ele pouco pode controlá-las sozinho e, em geral, as respeita e acata. Mas, esse indivíduo quer sobreviver, como lhe ordena a própria vida, e luta por isso de forma singular à maneira dos homo sapiens. Para alcançar os seus objetivos e suprir su- as necessidades, passa a sua vida modificando o ambiente em que vive; no ambiente soci- al, juntando suas forças com outras (econômicas, políticas, etc.), modifica as próprias nor- mas sociais quando julga necessário e tem forças para isso. Aprenderá a cultivar o altruís- mo, a cooperar, a negociar, a criar organizações, a buscar alianças, e a arte de conviver harmoniosamente. Mas, embora prefira dedicar a sua vida à construção de um mundo de amor, de paz e menos egoísta, esse mesmo indivíduo também aprende a arte de lutar e de competir, de participar de jogos e de batalhas, de defender-se, ou até de atacar, quando jul- ga necessário, em um mundo onde encontra desrespeito, injustiça, conflitos e violência. 3. Esse indivíduo precisará aprender a conviver com as incertezas. Este trabalho, seguindo os paradigmas da moderna ciência da decisão, entende que as incertezas decorrem do co- nhecimento imperfeito sobre a ocorrência de um determinado evento sobre o qual o indiví- duo não possui controle. A extensão do seu conhecimento (ou de sua ignorância) é medida pelas probabilidades que ele atribui a cada uma das formas possíveis de ocorrência do evento (Jaynes, 2003). Essas probabilidades são denominadas de subjetivas, porque são atribuídas por quem as está avaliando ao estudar a situação incerta e, portanto, são as me- didas do seu “grau de crença” quanto às suas formas de ocorrência. Ronald Howard (in Edwards, Ward, org., Chapter 3, 2007) argumenta, mesmo, que sequer o adjetivo “subjeti- vo” seja necessário, dado não existir algo como uma probabilidade “objetiva”. 4. Esse indivíduo tem o poder de fazer escolhas e, inelutavelmente, é responsável eticamen- te por elas e por suas consequências. Ele está convencido de que se for informado e ra- cional, levar em conta a sua intuição, e aprender com os seus sucessos ou fracassos, po- derá com suas ações tentar construir um futuro melhor e mais feliz, não só para si, e au- mentar o controle sobre a sua sorte. E isso passa inescapavelmente por tomar decisões. 27/3/2011 09:43 19 / 64 O CONCEITO DE INDIVÍDUO Este trabalho tem como personagem o indivíduo quando no papel de um tomador de decisões. Nele, o indivíduo, seja uma pessoa ou uma organização, é pensado como um organismo vivo cujo valor mais alto em sua hierarquia de valores é a vida com significados. Evolução e Sociedade A evolução dos organismos vivos conhecidos enquanto espécie, sejam os mais simples ou os mais complexos, é um acontecimento vinculado à sobrevivência genética dos mais adaptados ao ambiente por meio da seleção natural. Pode-se dizer: a vida quer viver; e essa determinação biológica, não intencional, precede o surgimento do homo sapiens. Desde o surgimento dos primeiros organismos vivos - seres unicelulares - até os dias de hoje decorreram mais de 3,5 bilhões de anos. Esse é o tempo de evolução, desde um ancestralcomum, de todos os organismos vivos hoje conhecidos. Mas, desde os primeiros hominídeos, decorreram aproximadamente seis milhões de anos até o surgimento do homo sapiens. Admite-se que o ser humano surgiu por volta de 200.000 anos atrás (Rose, 2005). O homo sapiens surgiu em coletivos de indivíduos interagindo em ambientes específicos (Damásio, 2006), onde esse ser com novas capacidades mentais evoluiu em sua última etapa, e passou a propagar a herança genética da espécie. Os seus grupos sociais 3 , além de se constituírem em um novo tipo de ambiente, foram tornando-se pouco a pouco sociedades complexas, que passaram a serem portadoras da cultura, dos saberes e dos bens acumulados às próximas gerações. Por isso, indo além da sobrevivência genética dos indivíduos melhor adaptados ao ambiente, a vida passou a ser um valor estratégico profundamente arraigado na consciência dos indivíduos e na cultura das sociedades humanas. 3 São grupos de indivíduos que compartilham certas características e uma identidade comum, interagem entre si, aceitam expectativas e obrigações como membros do grupo, e possuem certa coesão. 27/3/2011 09:43 20 / 64 A Figura 2 ilustra, na concepção deste trabalho, o surgimento dos potenciais inatos sociais humanos na etapa final da evolução do homo sapiens. Esse ser, tendo surgido na natureza, foi dotado inicialmente dos potenciais inatos físico, emocional e mental, denominados de natu- rais, que já lhe deram uma extraordinária capacidade de resposta para sobreviver na natureza; esse processo culminou com a configuração dos seus potenciais inatos produtivo, associativo e valorativo, denominados de sociais. As setas apontam para a etapa final desse processo. Mental Emocional Físico Naturais Valorativo Associativo Produtivo Sociais Potenciais Inatos Evolução © Carlos Alberto Torres, 2006 Figura 2: Os Potenciais Inatos Os potenciais inatos, em conjunto, são recebidos como herança e são as bases sobre as quais um indivíduo poderá se desenvolver plenamente em sua vida. Os potenciais inatos naturais, de evo- lução mais antiga, dão aos indivíduos as condições para viver na natureza e são os pilares de seu ser social; os potenciais inatos sociais lhe dão as condições para viver em sociedades complexas. Os potenciais inatos sociais podem ser considerados, usando-se uma metáfora, como pertencen- tes ao “córtex” dos potenciais inatos, de cuja totalidade eles fazem parte, e com os quais evoluí- ram em sua última etapa. Em uma perspectiva biossocial, os potenciais inatos sociais são rece- bidos geneticamente, e não devem ser confundidos com cultura ou com valores individuais e sociais, nem com os conhecimentos e bens adquiridos e acumulados pelos indivíduos. Os animais superiores, como são conhecidos nos nossos dias, e guardadas as diferenças entre as espécies, também possuem potenciais inatos naturais muito desenvolvidos. O projeto genoma (Pereira, 2001) aponta para um ancestral comum e demonstra que quase 90% (88%) 27/3/2011 09:43 21 / 64 do genoma humano é homólogo ao dos ratos, por exemplo, para não falar dos chimpanzés (98,7%) (Rose, 2006), os parentes mais próximos. Porque, em sua trajetória evolutiva, eles também não construíram sociedades mais complexas, como o fizeram os seres humanos? Por isso, neste trabalho, são denominados de potenciais sociais inatos, recebidos genetica- mente, aos potenciais que deram ao homo sapiens essa diferenciação fundamental. Os fenômenos da consciência, da autoconsciência e da linguagem, em estreita relação, surgiram ao longo da evolução do ser humano no novo ambiente social e lhe brindaram com funções men- tais de cognição, afeto e volição mais avançadas. Isso permitiu ao homo sapiens participar de interações mais complexas em seus grupos sociais (Giddens, 2005). Apoiando-se em sua nova capacidade cognitiva de aprender e acumular cultura, transformou-se em um ser produtivo ca- paz de com esforço sistemático ou trabalho satisfazer mais e melhor às necessidades materiais e espirituais individuais e coletivas; com a sua nova capacidade afetiva de sentir-se ligado a outros também por causas comuns, transformou-se em um ser associativo capaz de criar organizações para lutar por essas causas e de estabelecer os limites entre cooperação e competição; já, antes, dotado de um poderoso aparato para decidir intuitivamente, com a sua nova capacidade volitiva de decidir consciente e livremente, transformou-se em um ser valorativo capaz de refletir sobre os significados de sua existência, de pensar sobre o futuro (Gilbert, 2006), de imaginar objetivos, alternativas de ação e suas consequências, e de escolher o futuro que julga melhor. Em síntese, a evolução ao longo de bilhões de anos levou à passagem do reino da simples resposta automática, nos organismos vivos mais simples, para atender às necessidades de sobrevivência física, ao reino da liberdade de escolha e da intencionalidade, para conquistar qualidade de vida individual e social. Isto demarcou o surgimento da sociedade humana, a de indivíduos com motivação e capacitação inatas para a busca da vida com significados. 27/3/2011 09:43 22 / 64 O Ambiente Indivisível e os Potenciais dos Indivíduos Os indivíduos são parte do ambiente. Dele surgem, o integram, nele interagem e o modificam. O ambiente, ecologicamente, será observado sob dois aspectos: o ambiente natural, um subsis- tema de caráter estrutural, físico, químico e biológico (Watson, 2005); e o ambiente social, um subsistema complexo de caráter superestrutural, econômico, político, cultural, etc. É possível conceber um ambiente sem sociedade, mas não sem natureza; pois, enquanto a natureza pré- existe à sociedade, esta surgiu das interações entre os indivíduos por aquela criados. Mas, sem este novo ambiente social não teria surgido o próprio homo sapiens no ápice de sua gênese. O indivíduo é uma das forças ambientais e, para os fins desse trabalho, ambiente é onde o indivíduo age e interage continuamente com outras forças sociais ou naturais, modificando-o para alcançar os seus objetivos e suprir suas necessidades. Embora os ambientes social e natural possuam uma relativa autonomia, e sejam regidos por leis ou normas próprias, a sua existência sistêmica interdependente torna impossível traçar uma linha física divisória entre ambos, pois, sociedade sem natureza é como uma casa sem estrutura. Neste sentido, em sua práxis, cada indivíduo integra um ambiente indivisível, singular, sistêmico e complexo. Todo indivíduo, dotado de potenciais sociais e naturais para viver no ambiente em que atua, possui uma história tanto evolutiva quanto existencial; logo, ele é um sistema dinâmico, e os seus potenciais são variáveis de estado que variam com o tempo. Por isso, os potenciais de cada indivíduo, além de inatos, são também adquiridos. Os potenciais inatos expressam a sua evolução ou gênese e são recebidos geneticamente no momento de sua criação; os po- tenciais adquiridos são construídos socialmente ao longo de sua existência. Em cada momento, os potenciais adquiridos pelos indivíduos possuem valores de estado, medidos por dois tipos de acumulações: de conhecimentos, constituídos pelos saberes sobre a 27/3/2011 09:43 23 / 64 sociedade e sobre a natureza, adquiridos por aprendizado, e armazenados em suas memórias 4 ou “bibliotecas5”; e de bens, constituídos de bens sociais e naturais, adquiridos pelo mérito, pelo trabalho, pela posse, pela rapina, ou pela força, e sobre os quais têm o poder de uso. Bens Sociais Saberes Naturais Bens Naturais Saberes Sociais Poder de Decidir Poder deAgir Relações Sociais Força de Trabalho Organizações Sociais Direitos de Propriedade Bens de Capital, Ativos Prédios, Obras de Arte Artefatos, Máquinas Equipamentos Seres Vivos Fauna e Flora Recursos Minerais Forças da Natureza Energia Solar, Energia dos Ventos Terra, Água, Ar Recursos Renováveis e Não-Renováveis Cultura, História Filosofia, Teologia Política, Direito Lingüística, Sociologia Administração Economia, Agricultura Arquitetura, Engenharia Arqueologia Psicologia Social Ciência da Decisão Ciência Cognitiva Psicologia, Biologia Medicina, Nutrição Antropologia Biológica Paleontologia Ecologia, Geologia Física, Química Cosmologia, Astronomia Meteorologia Matemática, Lógica Acumulação de Conhecimentos Acumulação de Bens Potenciais Adquiridos Valorativo Associativo Produtivo Mental Emocional Físico Herança Potenciais Inatos Potenciais Sociais Potenciais Naturais Ambiente Social Ambiente Natural INDIVÍDUO A M B I E N T E © Carlos Alberto Torres, 2008 Figura 3: A Matriz de Potenciais dos Indivíduos A Figura 3 ilustra em forma de matriz, à direita, como os condicionantes ambiental, nas linhas, e histórico, nas colunas, se combinam para constituir os potenciais dos indivíduos. Note-se que os potenciais adquiridos são socialmente construídos, mas resultam das interações dos indivíduos no ambiente indivisível ao longo de sua existência. Logo, somando-se aos ina- tos, eles aumentam tanto os seus potenciais sociais quanto os seus potenciais naturais. Em síntese, eles aumentam a motivação e capacitação dos indivíduos para a vida com significados. O conjunto dos potenciais sociais e naturais, sejam eles inatos ou adquiridos, moldou ao longo do desenvolvimento da humanidade o surgimento de sociedades complexas, ou seja, a de indi- víduos com consciência de si mesmos, cultura, história, conhecimentos e bens acumulados, que marcam a sua diferenciação singular com relação aos demais organismos vivos. 4 Representações dispositivas adquiridas por aprendizado ou experiência (Damásio, 2006, p.104; 2000, p.419), que se somam às inatas herdadas da evolução e disponíveis quando os indivíduos nascem. 5 Informação simbólica armazenada fora da mente de uma pessoa, por qualquer meio, como a linguagem, livros, media magnética, construções, obras de arte, jóias, artefatos, máquinas, ferramentas, etc., que correspon- dam à expressão de conhecimentos organizados e que possam ser acessados como referência para consulta ou utilização posterior, segundo o seu poder ou direito de utilizá-la. Ela é a base para a replicação cultural. 27/3/2011 09:43 24 / 64 O poder descritivo da matriz de potenciais revela-se ainda mais nitidamente ao tratarmos mais detalhadamente das dimensões relacionadas aos potenciais adquiridos, como a seguir: Acumulação de conhecimentos. Todo conhecimento da humanidade é obra histórica, coletiva e socialmente construída. Embora cada indivíduo possua seus saberes influenciados pelo processo educacional do seu tempo e pela cultura de sua sociedade, os conhecimentos que adquire por aprendizado correspondem à sua liberdade e forma “reconstrutiva” (Demo, p. 79, 2000) singular de cognição da realidade. Esses saberes, a cada instante, estão em sua mente e nas “bibliotecas” que aprendeu a acessar, e embasam as suas crenças, mesmo as não consideradas científicas, pois, são com elas que os indivíduos tomam decisões para orientar a sua ação prática. Para dar expres- são ao seu papel social, o indivíduo constrói o seu conhecimento especializado em algum campo, mesmo sabendo ser impossível estudar tudo o que nele reconheça como respeitável. Denomina- se de conhecimento científico a parte do conhecimento organizado passível de teste e crítica, não esotérico, e sistematizado segundo certos rigores metodológicos. Note-se que Bunge (2002) e Lakatos (2007) dividem as “ciências factuais” em ciências sociais e em ciências naturais. Acumulação de bens. Os indivíduos, sejam pessoas ou organizações, acumulam recursos como meios de aumentar o seu poder de agir para satisfazer necessidades futuras. Estes recursos excedentes, aos quais os indivíduos atribuem utilidade e lutam para ter o direito de uso, podem ser tangíveis e materiais, como os artefatos e matérias-primas, ou intangíveis, como o poder político. Nas sociedades complexas, os recursos naturais foram ganhando a condição de bens à medida que o desenvolvimento das relações de produção, da ciência e da tecnologia foi permitindo o reconhecimento de sua utilidade. Portanto, socialmente construídos, os bens ou são bens naturais, quando ainda intocados na natureza, ou são bens sociais. Os bens sociais ou os bens naturais, quando escassos, adquirem valor econômico, e são, então, 27/3/2011 09:43 25 / 64 privatizados. A propriedade dos bens sociais e dos bens naturais tanto pode ser patrimônio particular de um indivíduo como patrimônio comum de um conjunto de indivíduos ou de toda a sociedade. Note-se que a riqueza de um indivíduo é medida pelos seus ativos físicos ou finan- ceiros transformados em direitos de propriedade (e não pelos seus conhecimentos), e esses é que são registrados no patrimônio das pessoas físicas ou jurídicas quando elaboram a sua declaração anual de imposto de renda. E quanto maior a acumulação de bens de um indivíduo - pessoa, empresa, organização, governo, ou país - maior o seu poder relativo de decidir e agir. Mas, ter riqueza econômica ou bens para agir, somente, não implica garantia de boas deci- sões. Boas decisões são essencialmente decisões informadas, que exigem conhecimento e ca- pacidade de previsão das consequências de cada alternativa de ação individual em um mundo em interação. Exatamente por isso, é freqüente o uso de expressões como “era da informação e do conhecimento” para caracterizar o atual momento, ou como “capital humano”, para caracte- rizar a importância do conhecimento, da educação e do “know-how” nessa etapa. Assim, os indivíduos tornaram-se eles mesmos construtores de novos ambientes, pois, aparentemente tão frágeis perante forças incomensuráveis, são capazes de provocar profundas mudanças e transformações no ambiente no qual vivem; inclusive, no próprio ambiente natu- ral que lhes deu origem. Naturalmente, proclamam, em nome de sua própria sobrevivência e para satisfazer suas necessidades. Saberão eles conciliar interesse individual e bem comum? Individualidade, Subjetividade, Motivação e Capacitação Cada indivíduo possui uma combinação única de potenciais naturais e sociais, sejam eles inatos ou adquiridos, que lhe dão poder de agir. Estes potenciais únicos conformam a sua individualidade e subjetividade, bem como lhe dão motivação e capacitação inatas e adqui- ridas singulares para agir e suprir às necessidades de sua própria existência. 27/3/2011 09:43 26 / 64 A expressão subjetividade refere-se à realidade mental consciente ou inconsciente particu- lar de um indivíduo; ou, o que é próprio de cada sujeito enquanto agente ou entidade com- prometido com a apropriação cognitiva dos objetos externos. Ela refere-se ao que é singular ou subjetivo na atividade mental de cada indivíduo em sua relação com o ambiente externo objetivo. A subjetividade de cada indivíduo está presente a todo instante, mas somente re- vela-se a outros sujeitos em sua práxis, por meio de suas crenças declaradas, gestos, esco- lhas, ações e realizações; no processo decisório, ela está presente em todas as etapas quando modela seus valores, suas interações, suas incertezas e suas preferências.A motivação e a capacitação de um indivíduo são convertidas, indivisivelmente, do conjunto dos seus potenciais inatos e adquiridos e expressam a sua individualidade e subjetividade. Neste trabalho, considera-se que motivação e capacitação são as energias propulsoras que movem e sustentam o comportamento de cada indivíduo e as condições necessárias para que vivam, amem, aprendam, produzam, lutem, sirvam, ou, simplesmente, ajam. Premissas Comportamentais Alguns talvez prefiram estabelecer que a felicidade seja a busca fundamental dos seres hu- manos para enfatizar - com razão - a importância de viver com qualidade a cada momento. Ainda assim, qualquer que seja o conceito subjetivo de felicidade que se tenha, ele está vinculado à noção de perspectiva de vida, pois felicidade é um sentimento de gostar da vida no momento presente na perspectiva de quem vive olhando com esperança para o futuro. Por isso, no limite, se diz que um indivíduo totalmente “sem perspectiva” se sente profundamente infeliz, e por vezes não deseja mais viver. Felicidade refere-se, sem dúvida, aos sentimentos vinculados ao prazer de viver. Mas, o momento presente no qual se vive pode estar sendo prazeroso ou não, e ele é apenas um 27/3/2011 09:43 27 / 64 instante. Exatamente por isso, felicidade refere-se, também, aos sentimentos que expressam os significados maiores - ou valores estratégicos - que cada um atribui à própria vida. Es- ses significados dão a cada indivíduo uma visão em perspectiva da própria existência revi- gorada pela esperança em um futuro melhor, e orientam suas decisões e ações; logo, eles influenciam fortemente os seus sentimentos presentes ou futuros de felicidade ou de infeli- cidade, de sucesso ou de insucesso. Valores são crenças, princípios, sonhos e coisas aos quais, conscientemente, os indivíduos atribuem importância. Como indivíduos reais deveriam e poderiam articular valores e comportamentos em novas situações de decisão? Serão adotadas as seguintes premissas descritivas sobre a práxis de um indivíduo no processo decisório: (i) ele possui consciente- mente múltiplos objetivos, que são a expressão dos valores próprios de sua subjetividade; (ii) ele participa de múltiplas e inevitáveis interações com outras forças ambientais quando age para alcançar os seus objetivos; (iii) ele busca aprender a conviver e lidar com as incertezas decorrentes do conhecimento imperfeito sobre quais serão as consequências de suas possíveis ações; (iv) ele busca combinar processos informados e racionais com o pensamento intuitivo para escolher a alternativa de ação que julga lhe abrir a melhor perspectiva de futuro. Ademais, o seu valor mais alto é a vida com significados, e a forma consciente como em sua práxis busca atender aos seus próprios interesses e equilibrá-los com os do bem comum reve- la os seus compromissos éticos. O indivíduo, ao buscar o seu bem e felicidade poderia ser descrito como o típico homo economicus (Heap, 1992), um ser competitivo preocupado ex- clusivamente com a sua própria sobrevivência e satisfação. Dawkins, alegoricamente, refere- se à existência de um “gene egoísta” (Dawkins, 2001) na origem desse comportamento. Mas, também, observa-se evolutivamente (Rose, 2006) um homo sociologicus (Heap, 1992), um 27/3/2011 09:43 28 / 64 ser cooperativo - portador de um “gene altruísta” - que sabe serem indissociáveis a sua própria sobrevivência e a da comunidade em que vive. Este comportamento permitiu a esse indivíduo singular construir sistemas e organizações sociais cada vez mais complexos, replicando, re- construindo e desenvolvendo, cooperativamente, a cultura e o conhecimento de seus antepas- sados. Portanto, neste trabalho, admite-se que todo indivíduo carrega de forma inata essa am- bivalência e que são os seus valores conscientes os seus critérios para resolver subjetivamente os seus conflitos internos, de caráter ético, entre o seu ser egoísta e o seu ser altruísta. Situação de Decisão O processo decisório começa quando em um momento específico o tomador de decisões toma consciência de uma situação de decisão. Keeney (Edwards, Ward, org., capítulo 8, 2007) classifi- ca as situações de decisão em dois tipos, dependendo de como elas foram elevadas à consciência: a. Causadas por eventos externos, denominados de gatilhos, que tornam claro que uma deci- são terá que ser tomada. Gatilhos são causados por fatos ou pessoas outras que o tomador de decisões, a pessoa que tomará a decisão em algum momento no futuro. Essas situações de decisão determinadas por circunstâncias são referidas como problemas de decisão. b. Surgidas simplesmente na mente do tomador de decisões. Quando ele compreende que algum controle adicional sobre o futuro pode ser alcançado tomando decisões. Essas si- tuações de decisão geradas internamente são descritas como oportunidades de decisão. O primeiro reconhecimento de que há uma decisão a ser tomada configura o contexto inici- al da decisão. Um exemplo deste contexto inicial seria: Em que ponto do rio Madeira se deve construir a barragem da nova usina hidroelétrica? Esse contexto inicial vai sendo revisado à medida que a situação de decisão fica mais bem definida. Ele basicamente deli- mita a decisão a ser encarada, e põe um limite preliminar nos tipos apropriados de objetivos (e atributos) a considerar na decisão. 27/3/2011 09:43 29 / 64 Teoria Comportamental da Decisão Comportamento é práxis, é ação concreta. Toda ação, seja ela espontânea ou reativa, é cau- sada por ordens vindas do cérebro, embora a maioria delas não seja objeto de deliberação (Damásio, 2006). E toda ação tem consequências. Entretanto, quando tomam consciência de situações novas e complexas, os indivíduos sabem que precisam combinar decisões informadas e racionais com a intuição para aumentar as chances de alcançar as consequências desejadas. Portanto, decisão, ação e consequências formam uma unidade indissolúvel (veja a Figura 4). Figura 4: A Práxis dos Indivíduos Estudos demonstram, entretanto, que todos estão sujeitos a alguns tipos de vieses psicológi- cos inconscientes (Tversky e Kahneman, 1974) que podem sabotar o julgamento e a racio- nalidade dos indivíduos quando tomam decisões (Bazerman, 1998). Primeiro, esses estudos mostraram que tomando decisões confiando apenas em sua intuição as pessoas ficam sujeitas a vários erros, o que podem reconhecer refletindo a posteriori sobre o que fizeram. Segundo, para os que estão trabalhando na avaliação de probabilidades e de prefe- rências, mostraram a necessidade de estarem conscientes sobre as várias armadilhas caracterís- ticas do pensamento humano. Tversky e Kahneman (1974) demonstraram que esses mecanis- mos inconscientes, que denominaram de heurísticas, são em geral úteis, mas por vezes podem Retorno Material Retorno de Informação D E C I S Ã O POTENCIAIS NATURAIS POTENCIAIS SOCIAIS ACUMULAÇÃO DE CONHECIMENTOS PRÁXISINDIVÍDUO ACUMULAÇÃO DE BENS Adquirida Inata Adquirida Inata AÇÃO C O N S E Q Ü Ê N C I A S Criado por Carlos Alberto Torres em 28/08/05 C A P A C I T A Ç Ã O M O T I V A Ç Ã O 27/3/2011 09:43 30 / 64 enganar-nos em circunstâncias particulares. Os indivíduos, portanto, devem ficar atentos a es- ses vieses e aprender a lidar com eles (Hammond, capítulo 10, 2004). Ronald Howard (in Edwards, Ward, org., Capítulo 3, 2007) observa, também, que o reconhecimento desses vieses enfatizou a necessidade de procedimentos formais de decisão, tal como a análise de decisões. Um Tomador de Decisões com Objetivos e PreferênciasEm teoria da decisão, por definição, um agente é uma entidade com objetivos e preferências 6 . Nessa definição, agente é o indivíduo que age ou que pratica a ação e entidade refere-se a uma pessoa ou a uma organização. Naturalmente, se o agente for uma pessoa ele é um indivíduo e também uma entidade com objetivos e preferências. Se o agente for um grupo social organiza- do de pessoas - ou organização - ele é também sociologicamente um indivíduo, e uma entidade, que busca tomar decisões conjuntas assumindo objetivos e preferências comuns negociados. Outro aspecto da definição, é que, quando decide, os objetivos e preferências de um agente são a forma mais “explícita” de revelar a sua individualidade e subjetividade: I. Todo indivíduo, antes de decidir, deve estabelecer objetivos compatíveis com as necessi- dades a serem supridas. Assim suas decisões deflagrarão ações com finalidade, direção e foco. Em conjunto, os seus objetivos expressam como pretendem satisfazer aos seus va- lores subjetivos, e são também denominados de critérios para avaliar cada alternativa de ação. Aqui, valores são crenças ou coisas que tem importância para um indivíduo; II. Todo indivíduo tem preferências que lhe permitem valorizar e escolher a alternativa de ação que lhe pareça melhor. A cada instante os indivíduos fazem escolhas com base em suas preferências, mesmo as crianças, atribuindo valor a cada uma de suas alterna- tivas. Isto implica, mesmo que intuitivamente, para cada alternativa de ação, medir as suas possíveis consequências para cada objetivo, avaliá-las e ordená-las com base nes- tas medidas e, finalmente, decidir. Diz-se que um indivíduo é racional quando escolhe a alternativa de maior valor para si, de acordo com suas preferências. 6 Stanford Encyclopedia of Philosophy, Game Theory. Edição de 2004. 27/3/2011 09:43 31 / 64 Indivíduo como Entidade Unitária de Decisão Raiffa (2002) refere-se ao indivíduo como uma entidade unitária de decisão, um ser neces- sário e ao mesmo tempo ideal, que aprende, decide e age de acordo com o decidido, sem o que seria inócuo aprender ou decidir. Esse conceito pretende destacar que toda decisão exi- ge um tomador de decisões e que cada decisão compele a uma ação unitária com ela com- patível. Assim, como quem decide pode ser uma pessoa ou uma comunidade de pessoas, o conceito de entidade unitária de decisão aplica-se a uma pessoa, a uma família, a uma em- presa, ou mesmo a uma nação, desde que estas atuem como um único indivíduo. Surge um indivíduo coletivo que, diante de problemas concretos, toma decisões por meio de proces- sos e métodos coletivos de coleta de informações, de consulta e de negociações, que, por sua vez, se forem considerados legítimos e adequados pelos membros da comunidade, re- sultam na construção de objetivos e preferências comuns e em motivação e confiança para, como um único indivíduo, executar a ação decidida. Em síntese, na perspectiva do processo decisório, um indivíduo é uma entidade unitária de decisão com objetivos e preferências, valendo essa definição tanto para pessoas quanto para organizações, entendidas estas como comunidades de pessoas que adotem informações co- muns e que desenvolvem ações unitárias após as suas decisões. Esse indivíduo, se for uma organização, apresenta-se aos observadores externos como uma entidade monolítica e sem conflitos, embora saibam que internamente seus membros sejam também indivíduos com seus próprios objetivos e preferências. Em ciência da decisão surge um tomador de decisões abstrato, ideal e necessário, um indi- víduo considerado como uma entidade unitária de decisão. Isso implica a premissa do indi- vidualismo metodológico (Heap, 2004), para a qual todos os fenômenos sociais - sua estru- 27/3/2011 09:43 32 / 64 tura, suas organizações e sua mudança - resultam das interações entre indivíduos. Note que essa doutrina não é uma perspectiva “individualista” voltada para a maximização do valor em uma ótica apenas competitiva e egoísta; como se verá, ela é compatível com as realida- des de que os indivíduos freqüentemente têm objetivos que envolvem o bem estar de outros indivíduos, e de que freqüentemente possuem crenças sobre entidades supra-individuais que não são redutíveis às crenças sobre indivíduos (Elster, 1989). Portanto, os problemas de decisão devem ser adequadamente estruturados e desagregados para que sejam claramente identificados os tomadores de decisão, ou seja, os indivíduos que desenvolvam ações unitárias. Por exemplo, é comum nas práticas gerenciais que os problemas de decisão sejam divididos em níveis hierárquicos de responsabilidade, identifi- cando os indivíduos cujas ações são executadas de forma unitária: estratégicos, contem- plando os objetivos e preferências vitais da organização e sua ação no ambiente externo; operacionais, os objetivos e preferências de pessoas ou subunidades com funções claramen- te identificadas na divisão de trabalho e suas ações no ambiente organizacional interno. Precauções e Terminologia Nesse conceito de indivíduo estão sendo atribuídas dimensões emocionais e cognitivas tanto a pessoas como a sistemas sociais, tais como comunidades, organizações e países. Certamen- te a analogia só é valida dentro de certos limites, mas, no que interessa ao processo decisório, um indivíduo que toma decisões tem objetivos e preferências, e esta é uma característica tan- to das pessoas quanto das comunidades organizadas. Ao longo do texto ficará mais nítida a eficácia instrumental dessa definição, pois, ainda que haja riscos em atribuir características de organismos vivos, pessoais ou estruturas motivacionais a sistemas sociais, indubitavelmente conflitos ou interações entre grupos apresentam claramente dimensões afetivas e cognitivas, 27/3/2011 09:43 33 / 64 assim como comportamentais (Mayer, 2000). Note-se a existência de respeitáveis e numero- sas analogias na literatura tratando das características cognitivas das organizações, ou “orga- nizações que aprendem” (Senge, 1998), do comportamento ou da psicologia dos grupos soci- ais, como tratada na “psicologia social” ou na chamada “ciência da ação” (Argyris), e, até mesmo, das organizações como seres vivos que aprendem (de Geus, 1998). As ciências, além das naturais e sociais, ou ciências factuais, poderiam incluir, ainda, outra classificação, denominada de ciências formais (Bunge, 2002). Estas seriam “... as que lidam unicamente com abstrações, idéias e estruturas conceituais não necessariamente ligadas aos fatos, como a matemática e a lógica” (Appolinário, 2006). Enquanto teoria do comporta- mento dos indivíduos no processo decisório, a ciência da decisão possui a sua estrutura axiomática normativa baseada na matemática e na lógica; poderia, neste aspecto, ser incluí- da entre as ciências formais, sendo, também, instrumental a todas as outras ciências. Mas, o que este texto tenta enfatizar, é a existência de um indivíduo integrado a um ambiente indivisível observado sob os aspectos natural e social. Em qualquer circunstância, o seu conhe- cimento é construído socialmente em sua práxis como homo sapiens nesse ambiente. Assim, optou-se neste texto em considerar a matemática e a lógica como mais bem enquadradas dentre as ciências naturais, enfatizando serem estruturas cognitivas abstratas somente encontráveis nos seres humanos enquanto objeto de estudo; e a ciência da decisão, ou ciência da ação, como mais bem classificada dentre as ciências sociais, para enfatizar a sua íntima vinculação à subje- tividade e ao comportamento de indivíduos socialmente condicionados nem sempre racionais. Dependendo do contexto, alternativamente,serão usadas neste trabalho como sinônimas de indivíduo as expressões tomador de decisão, agente, jogador, pessoa, ser, entidade, ator, ou, simplesmente, “parte” num processo de decisões interativas. 27/3/2011 09:43 34 / 64 A PRÁXIS DO INDIVÍDUO COMO TOMADOR DE DECISÕES Foi visto que motivação e capacitação são as energias propulsoras inatas e adquiridas e as condições necessárias para que os indivíduos ajam. Diante de contextos de decisão mais complexos, particularmente quando é indispensável levar em consideração as interações no ambiente e as incertezas, os indivíduos, auxiliados por sua intuição, sabem quando serão necessárias decisões mais informadas para que suas ações sejam eficazes, ou seja, capazes de alcançar os objetivos definidos e de satisfazer as suas necessidades. As Decisões Interativas Este trabalho trata em particular de como um indivíduo toma decisões interagindo com ou- tras forças ambientais. Nele, as interações são observadas em sentido amplo, pois, na vida real, o tomador de decisões focal, quando decide, está simultaneamente em interação com forças sociais e naturais no ambiente indivisível em que atua. Define-se interação como um tipo de ação que ocorre quando dois ou mais objetos têm efeito um sobre o outro. A idéia de um efeito em duplo sentido é essencial no conceito de interação, e se diferencia de um efeito causal com um único sentido. Combinações de mui- tas interações simples podem conduzir a surpreendentes fenômenos emergentes. Em socio- logia, interação social é uma seqüência dinâmica e mutável de ações sociais entre indiví- duos (ou grupos) que modificam suas ações e reações devido à interação entre as partes. Em física, uma interação refere-se especificamente à ação de um objeto físico sobre o outro e resulta nas forças nucleares fortes e fracas, na força gravitacional e na força eletromagné- tica, que descrevem os fenômenos da natureza. Vimos que o indivíduo faz parte de um ambiente indivisível, onde vive. O ambiente não é 27/3/2011 09:43 35 / 64 algo apartado do indivíduo: ele o integra e, como uma das forças ambientais, busca nele alcançar objetivos e suprir necessidades. Para os fins dessa análise, ambiente é onde ele age e interage continuamente com outras forças ambientais, modificando-o. O ambiente será observado sob dois aspectos: o ambiente social e o ambiente natural. Toda ação provoca reações e impactos ambientais porque altera e transforma o ambiente no qual se realiza, afetando os interesses de outros indivíduos e o próprio equilíbrio da natureza, que também reage de acordo com suas leis. Portanto, embora toda ação de um indivíduo tenha consequências, ou melhor, as provoque, as consequências são função - ou resultantes - do conjunto das interações, cada uma constituindo um par ação-reação. Em síntese, são as interações que determinam o valor final das consequências, e não as ações simplesmente. Neste trabalho, assume-se, como Elster (1989), que a unidade elementar da vida social é a ação humana individual, e que explicar as instituições sociais e a mudança social é mos- trar como elas aparecem como o resultado da ação e da interação de indivíduos 7 . No am- biente social, ou das interações sociais, o tomador de decisões focal interage com outras forças sociais. Define-se interação estratégica como aquela em que a reação de um indiví- duo à ação do tomador de decisões focal é uma resposta estratégica que pode variar numa gama entre oposição ou apoio. Neste caso, as partes têm mútua consciência dessa intera- ção, caracterizando um jogo ou uma negociação. Define-se interação impessoal, como aquela em que a reação da outra força social é uma resposta impessoal, e ela não está jo- gando ou negociando com o tomador de decisões focal, podendo ser intencional ou não- intencional. Um exemplo de reações impessoais e intencionais, são as decisões de um juiz ou de um agente do Estado na aplicação de normas legais ou de políticas públicas; outro 7 A expressão “indivíduo” é usada aqui em sentido amplo incluindo tomadores de decisão corporativos, tais como empresas e governos. 27/3/2011 09:43 36 / 64 exemplo, de reações impessoais e não-intencionais, são as resultantes de indivíduos agre- gados, como as forças de mercado. No ambiente natural, ou das interações naturais, a interação será com a natureza ou com suas forças. Suas reações são naturalmente impessoais, estruturais e não intencionais, onde as forças da natureza são onipresentes e agem e reagem indistintamente sobre todos os de- mais agentes. Portanto, ações serão tão mais eficazes quanto mais detidamente se considere e analise, antes de executadas, o conjunto das reações que poderão enfrentar, porque essas reações em conjunto, de indivíduos, de indivíduos agregados, ou da natureza, poderão ser impessoais, ou variar entre apoio ou oposição; neste último caso, caracterizando uma interação confli- tuosa. Naturalmente, essa análise só é possível no processo decisório, quando as ações são ainda apenas alternativas de ação. Como os indivíduos só controlam as suas próprias ações, é exatamente por meio delas que tentam alcançar intencionalmente seus objetivos e produ- zir valor, pois são as suas ações que lhes permitem influenciar a direção do processo intera- tivo segundo o seu interesse e determinar o caráter das consequências. Em sentido amplo, portanto, um indivíduo toma uma decisão interativa quando as conse- quências dessa decisão resultam das suas interações com outras forças ambientais no am- biente em que é executada. O conceito amplo de interação não está restrito à existência das mutuamente conscientes ações e reações estratégicas que os indivíduos executam quando jogam ou negociam uns com os outros; ele inclui, além das interações estratégicas entre indivíduos no ambiente social, também, as interações impessoais dos indivíduos entre si e com as forças da natureza no ambiente indivisível. Trabalha-se, aqui, com a noção de campo de forças, freqüentemente referenciado nas ciên- 27/3/2011 09:43 37 / 64 cias sociais (Kurt Lewin, 1951), e consagrado na física para tratar as interações entre as forças naturais. Portanto, existe uma decisão interativa quando a ação intencional por ela deflagrada move o tomador de decisões focal no campo de influência de outras forças so- ciais ou naturais concretas, provocando reações, e as consequências de sua decisão e ação resultam dessa interação. O tratamento das decisões interativas em sentido amplo trará dois benefícios à análise do processo decisório, como será visto adiante. A primeira, ao tratar a incerteza como expres- são do grau de informação ou de conhecimento sobre as reações não controláveis dos ou- tros indivíduos ou da natureza. A segunda, quanto à metodologia, ao permitir uma visão integrada da análise de decisões, da teoria dos jogos e da teoria das negociações. As Várias Perspectivas do Processo Decisório Raiffa (2002) menciona duas perspectivas para abordar o processo decisório: a individual, quando o mundo é visto na perspectiva de uma única entidade unitária de decisão; e a de grupo, quando o mundo é visto enfatizando as interações e a dinâmica entre múltiplas entidades unitárias de decisão. Embora Raiffa reserve a expressão interação para as intera- ções sociais que ocorrem nas decisões em grupo caracterizadas como jogos, essa termino- logia é compatível com a visão ampla de interação adotada neste trabalho, que considera o tomador de decisões focal sempre em interação com outras forças ambientais quando decide, tanto quando o processo decisório é observado na perspectiva individual quanto de grupo. O indivíduo
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