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José de Oliveira Ascensão - O Direito - Introdução e Teoria Geral - Uma perspectiva Luso Brasileira - Título II - Capítulo I ao V

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JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÃO
O DIREITO
INTRODUÇÃO E TEORIA GERAL
Uma P ersp ectiva L uso-B rasileira
F U N D A Ç Ã O C A L O U S T E G U L B E N K I A N L I S B O A
T Í T U L O
A R e g r a J u r í d i c a
C A P Í T U L O ! 1
Caracterização
108. A regra como critério
I — Estudando anteriormente a ordem jurídica, dissemos que esta, 
em todo o caso, se exprime por regras. Ocorre agora estudar especifica­
mente a regra jurídica. E aqui, algumas reflexões de base vão-nos levar a 
afastar das ideias correntes.
Toda a regra é necessariamente um critério: com esse critério podemos 
ordenar e apreciar os fenômenos. Como toda a regra, a regra jurídica 
pode ser considerada um critério de apreciação.
Mas esse critério pode ser ainda:
— de conduta
— de decisão
A regra jurídica será regra de conduta se der o critério por que se pau­
tarão condutas humanas; será regra de decisão se der o critério pelo qual
o intérprete resolve os casos a que se aplica.
A regra jurídica è sempre um critério de decisão. Mediante ela o intér­
prete chegará sempre a soluções jurídicas dos casos.
A regra jurídica é normalmente um critério de conduta, mas não o é sempre. 
Se bem que a maior parte das regras tenha função orientadora das condutas
182
humanas, regras há em que esse escopo está completamente ausente. Estão 
nesse caso:
— as regras que produzem efeitos jurídicos automáticos
— as regras retroactivas
— as regras sobre regras, como a lei que revoga, suspende ou reactiva 
outra lei.
Sendo assim, é errado falar das regras jurídicas como «normas de conduta» 
pois assim se omitiriam sectores muito importantes dentro destas regras (1).
II — A regra jurídica é portanto um critério para a decisão de casos 
concretos: de facto, essa decisão só é possível se o intérprete possui um cri- 
$
tério de decisão. Mas nem todo o critério de decisão de um caso é uma 
regra jurídica.
Os critérios de decisão podem ser:
— materiais
— formais
Critérios materiais de solução são os critérios normativos. Mas há 
também critérios formais, como a equidade. Nesta hipótese, como veremos, 
em vez de se trazer um paradigma dos casos e sua solução, dá-se uma orien­
tação que permita, através de meras valorações, alcançar em concreto uma 
solução.
A regra jurídica pode pois ser caracterizada como um critério material 
de decisão de casos concretos.
109. Estrutura
I — Para apreendermos o significado da regra jurídica devemos pro­
ceder a uma análise estrutural. Toda a regra jurídica se pode decompor 
em dois elementos (2). Estes designam-se por vezes antecedente e conse­
qüente, mas as designações são inexpressivas, pois, se indicam uma con­
jugação dos dois elementos, nada adiantam quanto ao seu significado intrín­
seco. Mais substancial é distinguir uma previsão e uma estatuição.
Em toda a regra jurídica se prevê um acontecimento ou estado de coisas, 
e se estatuem conseqüências jurídicas para o caso de a previsão se verificar
(1) Sobre a concepção de Binding, que distinguia norma e regra, e sobre numerosas 
outras concepções da norma jurídica, cfr. Kaufmann, Teoria da Norma Jurídica, 25 e 59 e segs.
(2) Sobre a análise lógica da regra jurídica, cfr. Lourival Vilanova, Lógica Jurídica, 
86 e segs.
183
historicamente. À previsão de cada regra se chama a facti species, no seu 
sentido de figura ou modelo dum «facto»; a estatuição é o efeito jurídico
(por ex. a obrigação de indemnizar) que a norma associa à verificação da
facti species (por ex. a danificação de coisa alheia) (1).
II — Vamos deixar de lado os efeitos jurídicos, que terão de ser consi­
derados em lugares futuros da nossa exposição. Diremos agora algumas 
palavras sobre a facti species.
A designação que usamos não é em geral utilizada entre nós.
1) Falam alguns em «tipo legal» mas a expressão é equívoca, pois
traz confusão com a teoria do tipo, como processo de concretização, de que 
falámos atrás; há também tipos de efeitos jurídicos, por exemplo, o que bas­
taria para se banir a designação.
2) A expressão «hipótese normativa» não seria incorrecta, mas é de
difícil aceitação.
3) Recorrem outros a expressões estrangeiras consagradas: seja o 
alemão Tatbestand, seja o italiano fattispecie.
Chegados a este ponto, parece-nos inteiramente preferível o latim medieval 
facti species.
III — À facti species estará sempre associado um carácter dinâmico? 
Ou ela consistirá antes numa situação, portanto em algo de estático?
Como os elementos propriamente dinâmicos são os factos, distinguem 
alguns dentro da facti species a situação inicial e o facto, cujo sobrevir pro­
vocaria a aplicação da norma. Mas assim complica-se inutilmente a análise, 
pois em certos casos não é fácil a distinção destes dois elementos. A Cons­
tituição de Caracala atribuiu a cidadania romana (efeito jurídico) aos provin­
ciais, sem que nenhuma mutação fosse necessária para a sua aplicação. 
A previsão normativa ficou aqui inteiramente preenchida pela situação 
preexistente. Doutras vezes o elemento dinâmico é muito visível e é pelo 
contrário a situação preexistente que é dificilmente detectável (2).
Parece-nos por isso não devermos admitir distinções demasiado rigo­
rosas. Basta que digamos que a fac ti species pode incluir situações ou factos,
(1) Mas os textos jurídicos podem adoptar a ordem inversa. Assim, o art. 88 do 
Cód. Proc. Civil brasileiro dispõe qUe «é competente a autoridade judiciária brasiSeira 
quando...» . A descrição dos casos constitui a previsão, e a estatuição é a competência da 
autoridade judiciária brasileira.
(2) Por exem plo, o art. 130 do Código Civil brasileiro dispõe que não vale o acto, 
que deixar de revestir a forma determinada em lei. Só o acto , elemento dinâmico, é previsto.
i3
184
cumulativa ou disjuntivamente: quer uns quer outros podem pertencer à 
previsão normativa.
IV — Enfim, quando se fala em fac ti species, e se esclarece que esta 
consiste em factos e/ou situações, isso significa que a facti species consiste 
em realidades de facto, por oposição a realidades normativas? A previsão 
será de acontecimentos ou situações naturais, ainda não juridicamente valo­
rados?
Temos de estar desde o início prevenidos contra a ambigüidade da 
palavra facto. Normalmente, quando em direito se fala em facto , isso não 
quer dizer que se trate de uma realidade fáctica, naturalística. Tal não 
se verifica aqui também.
A facti species que preenche a previsão normativa pode reportar-se já 
a situações valoradas por outras regras, que daquela são pressuposto; mas 
pode também ter por pressuposto realidades meramente fácticas, como o 
nascimento ou a morte. A regra que estabelece as conseqüências do não 
pagamento de uma dívida tem como situação preexistente uma situação 
jurídica, a obrigação de alguém pagar uma dívida. É o que se passa na nor­
malidade dos casos: a facti species pressupõe já uma situação juridicamente 
valorada, a que se ligam ulteriores efeitos jurídicos, para o caso de sobrevir 
determinado facto jurídico.
110. Hipoteticidade
I — De todo o modo é sempre incorrecto dizer-se que há efeitos jurídicos 
«legais» ou que derivam directamente duma norma. Tudo o que assenta 
numa regra, deriva directamente da verificação histórica duma situação ou 
acontecimento que corresponda à- previsão normativa. Nenhuma regra 
jurídica se aplica por si (1): a regra que estabelecer que todos os que atra­
vessam a fronteira têm de fazer declarações para efeitos fiscais só se aplica 
se houver passagem de fronteira, e se ninguém a passasse não se aplicaria 
de todo. Quando se diz que um efeito «deriva directamente da lei» ou da 
regra, o que se quer significar é que esse efeito não é condicionado por um 
facto voluntário, mas então é condicionado por factos ou situações de ordem 
diversa. Veremos depois quais as modalidades com que devemos contar.
II Queristo dizer que as várias regras que exprimem a ordem jurí­
dica podem também, em determinado sentido, considerar-se hipotéticas
(1) Salvas justamente as normas sc'jre normas, com o a que suspende ou revoga 
norm a interior.
185
— mas num sentido totalmente diferente do que nos ocupou quando excluí­
mos que das ordens normativas derivassem imperativos hipotéticos (1).
São hipotéticas porque, pairando sobre a vida social, só se aplicam 
quando se produz um facto que corresponda à sua própria previsão. Publi­
cada uma lei que pune o lenocínio (provocação ou favorecimento da corrupção 
de outrem), ela não se aplica automaticamente — só se aplica quando um 
lenocínio for efectivamente praticado. E como o pressuposto da aplicação 
das regras é com frequência um acto humano (por exemplo, eu só sou atin­
gido pelas obrigações que atingem o vendedor se efectivamente vender algo) 
isso significa que a aplicação de uma regra, que está sempre dependente da 
verificação de certos pressupostos, pode conter entre esses pressupostos 
um acto de vontade. Mas uma vez realizados esses pressupostos, aplicada 
a regra, a imperatividade revela-se plenamente, para nada interessando já 
a vontade do sujeito de estar ou não vinculado. As regras são pois de apli­
cação condicionada, mas imperativas quando efectivamente se verifiquem 
os seus pressupostos.
111. Comando e imperativo impessoal
I — Para a visão corrente do direito, as regras jurídicas são imperativos. 
A visão imperativística do direito, muito antiga já, recebeu formulação 
coerente na obra do jurista alemão Thon.
Neste sentido a regra jurídica participa, para a maioria dos autores, 
da natureza do comando. Há até quem apresente o comando como a noção 
mais geral, vindo as regras a integrar-se em determinado passo da classifi­
cação dos comandos (2).
Tocámos já ligeiramente este ponto (supra, n.° 16), ao falar da impera­
tividade, como característica da ordem jurídica, tendo mantido o tema inde­
pendente da análise da essência da regra jurídica. Mas avançámos já que 
nem toda a regra pode ser reduzida a um imperativo.
II — Como é natural, não nos movem as mesmas preocupações que 
movem aqueles que reduzem as regras jurídicas a normas condicionais, ou 
imperativos hipotéticos. Mas supomos que há antes de mais na teoria 
imperativística, como ela é normalmente acolhida, um antropomorfismo 
que é extremamente prejudicial, nomeadamente quando se diz que a norma 
é um comando do legislador. Na realidade, o direito é uma ordem objectiva
(1) Supra, n.° 16.
(2) Cfr. por exem plo Dias Marques, Introdução. n.os 20 e segs.
186
da sociedade, em grande parte independente de actuação voluntária. Mesmo 
a regra legal é um dado objectivo, em que a entidade legislador é uma espécie 
de abstracção, e que de todo o modo se apaga após o processo da feitura 
da lei.
Com este ponto se relaciona o problema dos destinatários da regra 
jurídica. Se a regra fosse um comando ou ordem os destinatários teriam 
sempre de existir; mas muitas vezes não se encontra ninguém nesta 
situação.
Por isso Jhering sustentou que os destinatários seriam os entes públicos 
encarregados de aplicar o direito. Isto representa um desconhecimento da 
vida real da comunidade, pois o direito é a própria ordem da sociedade, 
e assfrn seria concebida como mero reflexo das ligações entre os entes públicos. 
A regra jurídica é um juízo, que entra por força dum facto criador para
o universo das significações objectivas da sociedade, e não uma ordem a 
um subordinado. Com Santi Romano (1) diremos que é alheia à noção de 
destinatário.
III — Por isso, de várias partes tem sido tentada uma revisão, e há 
quem diga que as regras jurídicas não são imperativos mas juízos de valor; 
outros sustentam que as regras jurídicas são determinações (2).
Recentemente, o tema recebeu contributos importantes. Mediante 
uma revisão, chega-se a posições em que, mantendo-se embora a qualificação 
como imperativo, a assimilação ao comando é já abandonada. Assim, 
Olivecrona caracteriza a regra jurídica como um imperativo impessoal ou 
independente (3) e Bobbio qualifica-a como uma proposição preceptiva, 
fundando-se numa larga análise lógica (4).
Como é evidente, o problema não é de palavras. Uma vez revista 
neste sentido a noção de imperativo não teríamos nenhum obstáculo em 
acolhê-la. Acentuaríamos uma vez mais que o imperativo não se reduz 
a um comando ou a uma ordem, e traduz unicamente a exigência de efectivação 
que dá o sentido objectivo da regra.
(1) Norme giuridiche (dcstinatari delle), em Frammenti d i un dizionario giuridico, 
135 e segs.
(2) A fórmula de Reinach — ainda que não a totalidade da sua posição — tem 
m uito de útil. D izendo que as normas são determinações, traduz simultaneamente este 
sentido objectivo da norma e a forma com o se refracta nos membros do agregado social. 
Cfr. Los fundamentos aprioristicos dei derecho civil, 166 e segs.
(3) Law as fa c t, em Interpretations o f m odem legal philosophies, Essays in honor o f 
Roscoe Pound, 546 e segs.
(4) Teoria delia norma giuridica, 123-176.
187
112. A regra jurídica não é um imperativo
I — Mesmo com esta correção, somos porém levados a rejeitar a quali­
ficação da regra jurídica como um imperativo.
A qualificação como imperativo só se adequaria às regras de conduta. 
Não teria sentido para todas as outras categorias de regras que referimos 
{supra, n.° 108) em que a regra jurídica é apenas um critério de decisão — 
a não ser que nos contentássemos com a observação de que este critério de 
valoração ou de decisão é imperativo. Isto seria verdadeiro, mas far-nos-ia 
cair definitivamente fora do ponto em discussão.
II — Exemplos:
1) Regras meramente qualificativas.
Possivelmente, haverá que contar com uma categoria de regras que 
podemos designar meramente qualificativas.
A ordem jurídica necessita de delimitar os elementos com que trabalha, 
e sobre os quais estabelece as suas valorações. Assim, são elementos prévios 
a essa valoração as pessoas, as coisas, as acções...
As regras respeitantes à personalidade jurídica ou à capacidade, as 
regras que definem e classificam as coisas, as regras que caracterizam as acções 
humanas, são verdadeiras normas jurídicas, e todavia destinam-se unica­
mente a qualificar, a dar precisão aos elementos de base, tornando-os capazes 
de suportar as valorações ulteriores (ulteriores, num ponto de vista lógico).
O exame desta matéria é todavia dificultado pela objecção de que essas 
regras não são autônomas (1), e antes fariam parte de regras preceptivas, 
únicas que se deveriam tomar em conta. Não entraremos no exame deste 
problema.
2) Regras que produzem automaticamente efeitos jurídicos.
Numerosas regras produzem efeitos no mundo do direito independen­
temente de qualquer tarefa humana de aplicação.
Assim as regras que estabelecem efeitos jurídicos automáticos, como 
a perda de um lugar, de uma condecoração, da qualidade de sócio, etc., 
aplicam-se logo que se verifica o seu pressuposto fáctico e não parecem ser 
adequadamente descritas como imperativos (2).
(1) Cfr. em Enneccerus, § 27/1, a enumeração de várias «proposições jurídicas incom ­
pletas».
(2) Englobam -se aqui portanto todas as regras que provocam uma alteração na 
ordem jurídica por efeito da superveniência de um facto não voluntário.
188
3) Regras sobre regras
Mais radicalmente ainda, as regras sobre regras (1), como a norma revo- 
gatória, que se limita a eliminar outra regra, nada têm que permita quali­
ficá-las como um imperativo (2). Não encontramos aqui sequer a exigência 
de efectivação, embora objectivãmente entendida, que nos dá o pressuposto 
mínimo de legitimidade desta qualificação.
III — Mesmo no respeitante às regras de conduta, não suportam a 
qualificação como imperativos as regras permissivas. Examinaremos esta 
categoriano capítulo seguinte (n.° 118).
0 que dissemos basta para que não admitamos que toda a regra ju rí­
dica se cifre num imperativo, mesmo tendo em conta a revisão a que a teoria 
imperativística foi modernamente sujeita.
113. Generalidade
1 — Procurando agora algumas características da regra jurídica tomada 
por si, logo nos surgem em primeiro plano a generalidade e a abstracção. 
Frequentemente elas são referidas como sinônimos; noutros casos são utili­
zadas para exprimir realidades diversas. Vejamos se, e em que termos, 
elas são de admitir.
O primeiro problema que temos de defrontar é o da alegada existência 
de regras vinculando pessoas determinadas. Assim, se duas empresas esti­
pulam os termos em que se devam efectuar futuramente os fornecimentos, 
os pagamentos, ou quaisquer outros aspectos juridicamente relevantes, 
teríamos uma regra contratual. O contrato, designado justamente norma­
tivo, seria fonte de regras entre aqueles sujeitos determinados que nele inter­
vém. Fazendo-se eco desta orientação, o art. 1100/V do Cód. Proc. Civil 
brasileiro fala em «normas legais ou contratuais».
Parece-nos que esta equiparação é de rejeitar. Para designar as esti- 
pulações firmadas pelas partes, mesmo que destinadas a pautar condutas 
futuras, basta que falemos em preceito contratual. A regra ou norma jurí­
dica, tal como nos interessa, é necessariamente típica — pressupõe um tipo 
ou facti species, nos termos anteriormente referidos. Ora a facti species 
é heterónoma, não é fruto da autonomia das vontades, o que afasta desde 
logo as pretensas regras contratuais. Por outro lado, não se refere a pessoas 
determinadas, e nisto consiste a generalidade.
(1) O Recht uber Recht de Zitelmann.
(2) Engisch, Introdução, 29-30, realiza uma tentativa de conciliação que nos não 
parece convincente.
189
II — A generalidade contrapõe-se à individualidade. É geral o preceito 
respeitante aos cidadãos, individual o respeitante ao cidadão X ; geral o 
preceito sobre chefes de repartição, individual o preceito respeitante ao chefe 
da l .a repartição de certa Direcção-Geral.
Mas só com este enunciado de hipóteses já começamos a defrontar difi­
culdades. São então individuais todos os preceitos respeitantes ao Presi­
dente da República constantes da Constituição Política? Teremos de concluir 
que sempre que haja uma só entidade em dada situação o preceito a ela 
respeitante é necessariamente individual?
Supomos que não, e que o que interessa para a generalidade é que a 
lei fixe uma categoria, e não uma entidade individualizada. Se o preceito 
refere a categoria Presidente da República a lei é geral; se refere a pessoa 
determinada que em certo momento é o seu suporte, é individual.
III — Impõe-se pois uma distinção entre generalidade e pluralidade. 
Se se dispõe que três governadores são chamados à capital, há uma plura­
lidade de implicados, mas não temos um preceito geral. Por outro lado, 
ficamos prevenidos contra a generalidade e pluralidade aparentes: se se deter­
mina que são dissolvidas, por irregularidades graves, as empresas conces­
sionárias de instalações nucleares, e há uma só nessas condições, o preceito 
é individual, não obstante a roupagem genérica de que se reveste.
Mas não desaparecem com isto todas as dificuldades. Se se determinar 
que todos os governadores são chamados à capital, temos um preceito geral 
ou individual? Supomos que, nestes casos de fronteira, a distinção depende 
só de se saber se se têm em vista as pessoas individualmente determinadas 
que num momento dado preenchem aquela categoria, ou a categoria tomada 
por si, sejam quem forem as pessoas que a preencham.
Como estas dificuldades não parecem insuperáveis, assentamos que a 
generalidade é característica essencial da regra jurídica, de acordo com a 
orientação dominante (1).
Note-se porém que a qualificação pela generalidade não tem sentido 
nas regras sobre regras, a não ser por mediatamente estas se referirem a regras 
genéricas.
(1) E é esta também a posição que a lei portuguesa reflecte em vários lugares. L ogo 
o art. 1.» do Código Civil considera leis todas as disposições genéricas... Também o 
art. 721/3 do C ódigo de Processo Civil caracteriza com o substantivas as disposições 
genéricas... Enfim, é ainda pela generalidade que a lei caracteriza portarias e outros 
diplom as que manda publicar n o jornal oficial.
190
114. Abstracção
I — Mais difícil é apurar se a abstração é característica da regra jurídica.
Como dissemos, vários autores não distinguem generalidade e abstracção;
noutros casos fala-se de generalidade para englobar também a abstracção (1).
O abstracto contrapõe-se ao concreto. Mas o concreto é por sua vez 
um conceito ambíguo, podendo distinguir-se nele uma pluralidade de sen­
tidos— o real, o específico, o individual (2). Quando se fala da abstracção 
como característica da regra jurídica quer-se normalmente dizer que os 
factos e as situações previstas pela regra não hão-de estar já concretizados; 
são factos ou situações que de futuro podem surgir ou não surgir. Assim, 
se se ordena que todos entreguem as armas, que possuirem, nos postos de 
polícia, temos generalidade mas não abstracção, pois a situação a que o 
preceito se aplica está já concretizada; se se mandar que as armas que forem 
adquiridas sejam apresentadas nos mesmos postos então já há abstracção, 
pois a disposição está aparelhada para execução futura.
II — Poderia pensar-se que a abstracção seria imposta pela própria 
natureza da facti species (3). Mas pensamos pelo contrário que atendendo 
a esta, temos dois elementos definitivos para negar que a abstracção seja 
característica da regra jurídica — o que nos dispensa de analisar os difíceis 
problemas de fronteiras que, tal como para a generalidade, se levantam 
para a abstracção.
1) A facti species abrange factos e/ou situações. Estas últimas não 
são acontecimentos, são estados, que podem estar já plenamente realizados. 
Neste caso é evidente que a regra jurídica não é caracterizada pela abstracção. 
Assim, o preceito que retire a nacionalidade, imediatamente, a certa cate­
goria de pessoas, ou que ordene a mobilização de mancebos de certa idade, 
só naquela ocasião, é normativo. Mais vastamente, todas as disposições 
que produzam um efeito imediato ou um efeito de uma só vez são normativas, 
desde que tenham generalidade (4).
(1) Cfr. Marcello Caetano, Direito Constitucional, n.° 111; D ireito Administrativo, ], 
n.os 35, 37 e 180.
(2) Cfr. Engisch, Konkreúsierung.
(3) Neste sentido D ias Marques, Introdução, n.os 20 e 21, para quem a própria abs­
tracção da fa c ti species normativa levaria a que a aplicação da norma fosse virtualmente 
plural, e até indefinida.
(4) Só poderíamos continuar a falar de abstracção com o característica da regra 
jurídica se tivéssemos daquela um entendimento diverso do corrente — se considerássem os 
abstracta toda a regra que se nã° referisse a uma situação histórica dada, a uma situação
191
2) Há regras jurídicas retroactivas, como veremos a propósito da suces­
são de leis. A regra exclusivamente retroactiva, portanto a que se destine 
somente a atingir uma situação passada não tem abstracção, por definição, 
pois não está aparelhada para resolver casos futuros que se venham a pro­
duzir.
Podemos ficar por aqui, pois tudo o que dissemos está perfeitamente 
assente nas nossas premissas. A regra, como critério de decisão de casos 
concretos, funciona da mesma forma quer respeite a casos actualmcnte veri­
ficados, quer a casos a produzir de futuro.
115. Bilateralidade
I — Também se aponta como característica da norma jurídica a bila­
teralidade. Seria próprio da regra jurídica relacionar entre si dois ou mais 
sujeitos, criar relações entre eles, de maneira que as posições duns seriam 
a contrapartida das posições dos outros. Por isso nos surge o conceitode 
relação jurídica, que para esta orientação seria a configuração universal de 
tudo aquilo que é juridicamente valorado (1).
Não pensamos que isto seja verdade. Nem toda a regra jurídica importa 
a relacionação de sujeitos dados. Basta recordar os exemplos que há pouco 
apresentámos sobre as regras que não conteriam imperativos para concluir­
mos que o direito nem sempre actua através do estabelecimento de relações.
Mas se passarmos às regras preceptivas a nossa posição só sai fortalecida.
Consideremos os deveres penais. A regra penal impõe deveres aos 
sujeitos, não porque pressuponha uma relação com sujeitos dados, mas 
porque pretende pautar em geral a conduta de cada pessoa. Em certos 
crimes não encontramos até uma vítima determinada, como nos que punem 
actos contra os animais ou o desrespeito pelos mortos. Não há aí que falar 
em relação jurídica.
Se em vez das posições passivas, os deveres, considerarmos agora as 
posições activas, da mesma forma não encontramos sempre uma relação 
entre pessoas determinadas. A propriedade, que é um caso flagrante, define-se 
tendo apenas em vista uma pessoa e uma coisa. Falar de bilateralidade
individual. Nessa altura, a abstracção estaria afinal contida na generalidade, pois desde 
que não houvesse a consideração das características do caso concreto haveria abstracção 
e generalidade.
Esta é a parte de verdade dos autores que falam em generalidade e abstracção sem 
distinguir uma e outra.
(1) Sobre toda esta matéria, veja-se o que expusem os em As Relações Jurídicas 
Reais, n .os 5 e segs.
192
não tem aqui sentido, pois não há sujeitos passivos da propriedade, há apenas 
estranhos.
Isto não impede, nomeadamente neste último caso, que toda a pessoa 
tenha o dever genérico de não violar a propriedade alheia. Todavia, este 
dever, como o nome indica, é genérico, de modo que não se estabelece uma 
relação jurídica entre o proprietário e cada uma das outras pessoas. Há 
quando muito uma ligação teleológica entre as propriedades que a ordem 
jurídica reconhece e os deveres genéricos que por outro lado impõe, mas 
esse nexo teleológico não se traduz em concretas relações jurídicas entre o 
proprietário e cada uma das outras pessoas.
ií — No fundo, o que os autores pretendem quando falam de bilate- 
ralidade ou correlatividade pode exprimir-se utilmente falando em socia­
bilidade ou alteridade da regra jurídica. A vai oração normativa da situação 
de uma pessoa tem de ser uma valoração socialmente relevante, e impõe-se 
ao respeito de todas as outras pessoas, como tudo o que é jurídico.
É neste sentido que nos parece importante falar, como faz Miguel 
Reale (1), em bilateralidade ou proporcionalidade atributiva. De facto, 
a regra jurídica não se ocupa de posições individuais senão para demarcar 
uma posição socialmente relevante de um sujeito. Por isso, as regras jurí­
dicas, ao menos mediatamente, garantem superordenações e impõem subor­
dinações. Este elemento de atribuição de posições socialmente relevantes 
fá-las distanciar das regras morais, e comporta um elemento útil para a deter­
minação do próprio conceito de direito. /
( l ) Cfr. por último Lições, págs. 50-52.
C A P Í T U L O 2
Classificação das Regras Jurídicas
116. Interesse deste capítulo
As regras jurídicas são multidão. O seu estudo deverá fazer-se pelo 
respectivo conteúdo, a propósito dos vários ramos do direito.
Mas justamente o grande número das regras jurídicas aconselha a que 
antes disso façamos grandes divisões, segundo variados critérios, de maneira 
a apreendermos quais os tipos ou categorias que depois iremos encontrar 
no âinbito de cada ramo do direito.
Esse trabalho de classificação tem duas vantagens fundamentais:
1) Permite arrumar melhor o objecto de análise, pois o grande número 
de regras torna imprescindível operar divisões;
2) Permite progredir no conhecimento das regras através da carac­
terização das várias modalidades que se forem delineando.
Esta última é a maior vantagem, e é graças a ela que a tarefa de classi­
ficação não se reduz a uma operação formal. Será aliás a preocupação 
de retirar alguma coisa de cada termo em análise que imporá a limitação 
das classificações que iremos utilizar. Em abstracto, o número de classi­
ficações é infindável; em concreto, devemos limitar-nos àquelas que nos 
revelem termos que ofereçam a susceptibilidade de um aprofundamento 
adicional.
194
117. Regras principais e derivadas
Quando de uma regra preexistente se retira uma norma ulterior, pode 
denominar-se a primeira principal e a segunda derivada.
Assim se passa quando há interpretação enunciativa, que estudaremos 
mais tarde (1). Podemos por isso dispensarmo-nos de longas considerações 
sobre esta classificação.
Por exemplo, podem obter-se, a partir de uma regra dada, regras deri­
vadas, tendo em conta o princípio de que a lei que reconhece um direito 
legitima os meios indispensáveis para o seu exercício. A regra principal é 
aquela que outorga o direito: o que o legislador queria dizer era apenas, e 
só, qhe outorgava esse direito. Mas por dedução lógica, não contrariada 
pela finalidade do preceito, podemos chegar até outras regras, diversas da 
regra principal mas dela derivadas.
118. Regras preceptivas, proibitivas e permissivas
I — As regras jurídicas, vimo-lo já, podem ser divididas em regras de 
conduta e regras de mera valoração. A classificação que passamos a analisar 
respeita exclusivamente às regras de conduta.
II — As regras de conduta podem distinguir-se em preceptivas, proibi­
tivas e permissivas.
Regras preceptivas são as que impõem uma conduta. Por exemplo, 
as normas que impõem o cumprimento do serviço militar, ou a entrega de 
certos produtos em armazéns gerais, são preceptivas.
Regras proibitivas são as que vedam determinadas condutas. Grande 
parte das normas penais são proibitivas.
Regras permissivas são as que permitem certa conduta. Assim, a norma 
que atribui ao proprietário faculdades de uso, fruição e disposição das coisas 
que lhe pertencem, é uma regra permissiva; como permissiva é a regra que 
autoriza a feitura de testamento (2).
Esta última categoria é a mais contestada. Para alguns só aparente­
mente há regras permissivas, pois estas mais não seriam que uma outra face, 
ou um subproduto, das categorias anteriormente referidas, ou pelo menos 
uma restrição a uma proibição preexistente. Supomos porém que não é
(1) Cfr. D ias Marques, Introdução, n.° 69, 7.
(2) Enneccerus fala a este propósito de «proposições jurídicas de concessão» (§ 27/11).
195
assim: as permissões não são necessariamente recíprocas de proibições, e 
mesmo quando o sejam a regra permissiva é independente da outra. O que 
dissemos a propósito da bilateralidade (1) ilustra suficientemente esta afir­
mação (2).
119. Regras interpretativas e inovadoras
I — Regra interpretativa é a que se limita a fixar o sentido juridicamente 
relevante de um preceito, existente ou futuro.
A regra interpretativa pode ainda destinar-se a fixar o sentido de:
— fontes do direito
— negócios jurídicos
A primeira categoria há-de ser devidamente analisada quando estudarmos 
a interpretação autêntica: porque interpretação autêntica é a que é realizada 
por lei interpretativa. Dada a importância desta noção, exporemos no 
número seguinte a matéria da lei interpretativa.
Mas para além das regras jurídicas que interpretam fontes do direito 
há regras interpretativas de negócios jurídicos. Destas teremos ocasião de 
falar em breve, a propósito das regras dispositivas.
II — Regra inovadora é a que altera de certo modo a ordem jurídica 
preexistente; inova, como resulta da própria expressão. Como se depreende 
facilmente, as normas inovadoras constituem a esmagadora maioria das 
normas jurídicas. É pois dispensável dar exemplos destas.
120. A lei interpretativa
I — Leiinterpretativa é a que realiza a interpretação autêntica, de que 
falaremos infra, n.° 259.
Acentue-se apenas que a interpretação autêntica é uma interpretação nor­
mativa. Toda a interpretação autêntica é veiculada por uma fonte do direito.
A emissão de uma lei interpretativa é o processo usual de realização 
da interpretação autêntica.
(1) Cfr. supra, n.° 115. >
(2) Com o m odalidade das regras permissivas tem os as regras permissivas/subor- 
dinantes, que são aquelas em que a permissão dada a uma pessoa tem com o contrapartida 
necessária a sujeição imposta a outra das conseqüências daquele agir. É o que se passa nas 
regras que atribuem os chamados direitos potestativos, com o o de o condôm ino haver para 
si, dando o tanto pelo tanto, a fracção da coisa comum que foi alienada a terceiros.
196
II — Para uma lei ser interpretativa terá de satisfazer vários requisitos.
Desde logo, a fonte interpretativa deve ser posterior à fonte interpretada:
doutra maneira já estava integrada nela, fazia um com essa fonte.
E uma intenção de esclarecer dúvidas que está na base da grande gene­
ralidade dos casos, e justifica historicamente este procedimento.
Suponhamos que um decreto-lei sobre actividade bancária estabelece 
importantes restrições quanto ao tráfico de divisas estrangeiras. Suscita-se
o problema da aplicação daquele regime às casas de câmbios, pretendendo 
uns que elas estão excluídas porque o decreto-lei respeita aos bancos, outros 
que as abrange também porque substancialmente a actividade cambiária que 
bancos e casas de câmbio realizam é idêntica. Há opiniões nos dois sentidos: 
há mesmo decisões judiciais contraditórias. Para evitar uma instabilidade 
que a todos prejudica, e diversidade de consideração de casos iguais, surge 
um novo decreto-lei que esclarece o anterior, declarando qual das inter­
pretações é a verdadeira. Temos então uma lei interpretativa, realizando 
interpretação autêntica, vinculativa para todos.
III — Não basta ainda. Para termos interpretação autêntica é também 
necessário que a nova lei tenha por fim interpretar a lei antiga. Não basta 
pois que em relação a um ponto duvidoso surja uma lei posterior que consagre 
uma das interpretações possíveis para que se possa dizer que há interpretação 
autêntica: tal lei pode ser inovadora.
Como se sabe então que a lei é interpretativa?
1) Antes de mais pela declaração expressa do legislador no texto do 
diploma.
2) Tem igualmente significado a afirmação expressa do carácter inter- 
pretativo constante do preâmbulo do diploma. Puseram-no alguns em 
dúvida, mas a dúvida não tem razão de ser perante a posição que adoptamos 
quanto ao valor interpretativo do preâmbulo (1). Se o texto, assim esclare­
cido, pode ser tomado como interpretativo não há razão para afastar esta 
qualificação; se se não ajusta temos de concluir que a intenção do legislador 
de produzir uma lei interpretativa foi uma intenção que se não traduziu nos 
factos.
3) Se a fonte expressamente nada determinar, o carácter interpretativo 
pode resultar ainda do texto, quando for flagrante a tácita referência da 
nova fonte a uma situação normativa duvidosa preexistente. Não vemos 
razão para exigir que o carácter interpretativo seja expressamente afirmado, 
quando a retroactividade não tem de o ser.
(1) Infra, n.° 212/U1.
197
Isto não impede que a fonte não se presuma interpretativa: veremos a 
seguir que a lei interpretativa é retroactiva, e o carácter retroactivo da lei não 
se presume. Significa apenas que a presunção no sentido do carácter não 
interpretativo pode ser afastada quando militarem razões em contrário (1).
IV — Temos enfim o último requisito da interpretação autêntica: a nova 
fonte não deve ser hierarquicamente inferior à fonte interpretada. Esclare­
ceremos este aspecto quando tratarmos da interpretação autêntica.
121. Regras autônomas e não autônomas
I — É costume distinguir as regras jurídicas em autônomas e não autô­
nomas (2). A regra autônoma é a que tem por si um sentido completo, 
a não autônoma é a que só o obtém em combinação com outras regras.
Comecemos por observar que esta classificação só tem interesse se refe­
rida verdadeiramente a regras e não a textos ou artigos legais. Muitas 
vezes é necessário conjugar vários textos legais para encontrar a norma,
o dever ser deles resultante, portanto, com a respectiva previsão e estatuição. 
Estabelece por exemplo o corpo do art. 66 do Código Penal português: 
«A suspensão do exercício do emprego terá a duração de três meses a três 
anos». Não há aqui uma regra, mas apenas um trecho de regulamentação 
que terá de ser conjugado com outros trechos para se atingir a regra. 
Veja-se também o art. 460 do Código Civil brasileiro.
Mas não é para estas figuras que aponta a classificação em análise. 
Pressupõe-se a existência de verdadeiras regras, que todavia não são autô­
nomas, por só ganharem total sentido regulador se confrontadas com outras 
regras.
II — Parece assim que não serão verdadeiras regras não autônomas, 
porque não chegam a ser regras:
1) As classificações legais, como a classificação das coisas (3). Estas 
poderão dar-nos esclarecimentos que se integram com as restantes referências 
legais para compor as autênticas normas mas, por si, só arrumam a matéria 
legal, não estabelecem um dever ser;
2) As definições legais, como a noção de doação (4). Em si, uma
(1) Fazemos uma aplicação destes vários princípios no nosso artigo O Código Civil 
de 1966 é Interpretativo do Direito Anterior?
(2) Cfr. Galvão Teles, Introdução, 11, n.° 98; Engisch, Introdução, 28. Cfr. também 
Enneccerus, Parte general, § 27/T.
(3) Arts. 43 e segs. do Cód. Civil brasileiro e art. 202 do Cód. Civil Português.
(4) Art. 1165 do Cód. Civil brasileiro e art. 940 do Cód. Civil português.
198
definição é sem dúvida um elemento de orientação mas não é decisiva: se se 
verificar que há contradição entre um certo instituto jurídico, tal como resulta 
do regime que para ele foi estabelecido, e a definição legal, aquele prevalece 
sobre esta, pois o regime vincula, e a definição orienta apenas. Tal con­
tradição verifica-se com frequência, pois definir é uma operação extrema­
mente delicada, e o legislador não se engana menos que as outras pessoas. 
Por isso se recomenda de há muito que se evitem as definições. Diz-se: 
omnis definitio in jure periculosa est.
Não queremos dizer que se não possa concluir que certa definição é 
vinculativa. Isso acontecerá quando dos próprios termos da definição 
resultar um dado regime jurídico, portanto uma regulamentação directa 
duma situação. Então já o intérprete não poderá afastar a definição por 
incorrecta, pois ela virá revestida de directa imperatividade.
Nos casos correntes, porém, a definição serve só para orientar sobre 
a posição legal, em confronto com o restante material normativo. E como 
uma definição não representa uma regra, tão-pouco poderá ser considerada 
uma regra jurídica não autônoma.
3) Também as regras meramente qualificativas seriam afinal, para a 
generalidade dos autores, «proposições jurídicas incompletas»: cfr. supra, 
n.° 112.
4) Nas mesmas condições parecem estar as disposições restritivas 
ou ampliativas de preceitos anteriores, ou outras disposições análogas. 
Também elas não representam verdadeiras regras.
Assim, estabelece o art. 364 do Código Penal português, integrado 
na regulamentação das ofensas corporais: «As disposições dos artigos ante­
cedentes desta secção são aplicáveis àqueles que, voluntariamente e com 
intenção de fazer mal, ministrarem a outrem de qualquer modo substâncias 
que, não sendo em geral por sua natureza mortíferas, são contudo nocivas 
à saúde». Esta disposição não regulamenta nada por si. O seu sentido 
é apenas fixar o âmbito dos preceitos anteriores, em conjunto, para evitar 
escusadas repetições. Não representa pois umaregra.
III — Pelo contrário, já nos parecem representar verdadeiras normas 
não autônomas o que podemos designar em geral por regras remissivas.
Há uma regra remissiva sempre que numa regra o antecedente, ou o 
conseqüente, não estão directamente determinados: o seu sentido completo 
só se obtém através do exame de outra norma, para que a regra remissiva 
aponta.
Veremos no número seguinte quais são as categorias mais importantes 
de regras remissivas.
199
122. As regras remissivas
I — Regras de devolução
A principal categoria de regras remissivas é constituída por aquilo a 
que podemos chamar as regras de devolução. E regra de devolução a que 
não regula directamente determinada matéria, antes remete para outra regra 
que contém a regulamentação aplicável.
O Direito Internacional Privado traz-nos a grande massa das regras de 
devolução.
Tomemos por exemplo o art. 43 do Código Civil português: «À gestão 
de negócios é aplicável a lei do lugar em que decorre a principal actividade 
do gestor». Prevêem-se pois situações em que alguém, sem autorização, 
se intromete na gestão de negócios alheios, mas não se diz quais as conse­
qüências de tal facto: antes se indica um elemento — o lugar onde decorre 
a principal actividade do gestor — capaz de individuar determinada lei, e 
essa lei nos indicará qual o regime jurídico definitivamente aplicável. 
O art. 43 contém uma regra — diz qual a lei que deve ser aplicável — mas 
o seu sentido completo só se obterá através da remissão para a lei nela 
indicada.
Também o direito transitório form al {infra, n.° 247/IIÍ) nos faculta 
numerosos exemplos de regras de devolução. Como veremos, as dificul­
dades resultantes de haver situações que podem em abstracto ser regula­
das pela lei antiga ou pela lei nova são resolvidas pela opção por uma das 
leis. No direito transitório formal não se regula pois directamente a situação, 
ao contrário do que se passa no direito transitório material, antes se remete 
a regulamentação para uma das leis em presença.
Fora destes casos, em que deparamos com as chamadas normas de 
conflitos, ainda podemos encontrar numerosas hipóteses de normas de devo­
lução. Assim, é muito freqüente estabelecer-se em legislação avulsa que 
às infracções previstas é aplicável a pena do crime de desobediência quali­
ficada. Omite-se então a fixação material da conseqüência jurídica, mas 
indica-se o critério formal que permitirá determinar qual é essa conseqüência.
O legislador procede assim muitas vezes por economia de preceitos, mas 
este expediente deve quanto possível ser evitado, porque na prática torna-se 
frequentemente muito difícil apurar quais as disposições que são efectiva- 
mente reclamadas por semelhantes regras (1).
(1) Sobre numerosos outros problemas suscitados pelas regras de remissão, e nom ea­
damente sobre a distinção da remissão em estática e dinâmica, cfr. Dias Marques, Intro­
dução, n.° 39.
*4
200
II — Ficções
A regra de devolução funciona mediante a identificação dos conseqüentes: 
a A deve aplicar-se o mesmo conseqüente que está estabelecido para B. Mas 
pode obter-se o mesmo resultado através da identificação dos antecedentes: 
dir-se-á então que A = B, e se A é igual a B necessariamente se lhe aplica
o conseqüente que para B está estabelecido.
Quando assim se procede está-se no caminho das ficções. Foi um 
caminho muito trilhado no século passado, na legislação e sobretudo na 
doutrina. Resolviam-se as dificuldades dizendo-se que, por ficção, se supunha 
que duas realidades diversas eram idênticas. É um mau processo, porque 
se as realidades são diversas, diversas continuam.
Se o legislador recorre a ficções o intérprete tem de aceitar o conteúdo 
preceptivo da norma, que é o de regular a situação A da mesma forma que 
a situação B. Deve-se todavia observar que, com mais naturalidade e melhor 
técnica, os mesmos resultados se obteriam com uma regra de devolução.
De todo o modo, a ficção dá-nos um exemplo de uma regra não autô­
noma: ela não regula por si directamente, antes tem de ser combinada com 
a primeira regra para se obter o regime aplicável.
Contém uma ficção o art. 2752 do Código Civil português: «Se a veri­
ficação da condição for impedida, contra as regras da boa fé, por aquele a 
quem prejudica, tem-se por verificada; se for provocada, nos mesmos ter­
mos, por aquele a quem aproveita, considera-se como não verificada». 
É claro que verificação e não verificação da condição são factos diametral­
mente opostos, mas a lei, para fazer aplicar os efeitos da produção ou da 
não produção da condição aos casos da não produção ou da produção resul­
tantes de uma conduta contrária à boa fé entrou pelo caminho da ficção e 
identificou realidades inversas. Contém também uma ficção o art. 242 do 
mesmo Código.
III — Presunções absolutas
Presunções absolutas, ou presunções juris et de jure, são as que se esta­
tuem sem possibilidade de prova em contrário. Opõem-se às chamadas 
presunções relativas, ou juris tantum, que para este efeito não interessam.
Por exemplo, o art. 243 do Código Civil português prevê a situação do 
terceiro de boa fé, que adquire um bem na ignorância de um negócio simulado 
sobre ele; mas o n.° 3 determina: «Considera-se sempre de má fé o terceiro 
que adquiriu o direito posteriormente ao registo da acção de simulação, 
quando a este haja lugar». Há aqui, parece, uma presunção juris et de jure:
o terceiro, mesmo que esteja de boa fé, está inibido de o provar, pois a lei 
presume a má fé sem possibilidade de prova em contrário. Ao proceder 
assim a lei funda-se na própria presunção de conhecimento que deriva da 
inscrição dum facto no registo.
201
A presunção absoluta é muito semelhante à ficção, apenas variando o 
modo técnico da sua apresentação. Também aqui se realiza praticamente 
a identificação de antecedentes, característica da ficção, uma vez que se 
exclui a possibilidade de se demonstrar que a realidade é diversa. E o resul­
tado é o mesmo: da situação derivarão fatalmente as mesmas conseqüências 
que derivam daquela cuja verificação se presume. Há por isso, ainda neste 
caso, uma regra remissiva.
123. Regras injuntivas e dispositivas
I — Regras injuntivas são as que se aplicam haja ou não declaração 
de vontade dos sujeitos nesse sentido; dispositivas são as que têm entre os 
seus pressupostos uma determinada posição da vontade das partes quanto 
a essa aplicação.
Exemplos de regras injuntivas encontram-se facilmente nas que regulam
o trânsito, a previdência social, o estado de sítio... Se bem que haja excepções, 
estes domínios são em geral muito pouco sensíveis às manifestações de von­
tade das partes quanto à sua aplicação. Quem circula de automóvel tem 
mesmo de ostentar as luzes regulamentares, e ninguém lhe pergunta se deu
o seu consentimento à aplicação daquela regra.
II — Regras dispositivas são as que só se aplicam se as partes suscitam 
ou não afastam a sua aplicação.
Assim, estabelece o art. 196 do Código Comercial brasileiro: «Não 
havendo estipulação em contrário, as despesas do instrumento da venda, 
e as que se fazem para se receber e transportar a coisa vendida, são por conta 
do comprador». Expressamente se diz que o preceito só se aplica tal qual 
na falta de estipulação em contrário. As partes têm pois a possibilidade de 
fixar regime diverso.
As regras dispositivas podem ser permissivas, interpretativas e suple­
tivas. Destas espécies falaremos infra, n.° 125.
Às regras dispositivas se chama também por vezes facultativas.
III — Não se deve confundir a classificação das normas em injuntivas 
e dispositivas com a distinção que se costuma fazer de todo o direito em 
público e privado.
Apreciaremos mais tarde essa distinção, quando tratarmos dos ramos 
do direito. Facilmente verificaremos que nos ramos considerados de direito 
público predominam as regras injuntivas, e nosramos considerados de 
direito privado predominam as regras supletivas. Mas predomínio não 
quer dizer coincidência. Também no direito público há regras dispositivas
202
(por exemplo, são admitidos negócios jurídicos em que as partes afastam a 
aplicação normal duma regra de direito público).
Ainda mais evidente, e freqüente, é a existência de regras injuntivas no 
âmbito do direito privado. Por exemplo, as regras que estabelecem os tipos 
de sociedades comerciais (anônima, por quotas, em nome colectivo, etc.) 
são atribuídas ao direito privado, e todavia são regras injuntivas: os interes­
sados podem escolher o tipo de sociedade comercial que desejam, mas não 
podem alterar no fundamental esse tipo. Dados os interesses gerais que 
estão em causa, não é livre a modelação do tipo de sociedade que em certas 
circunstâncias particulares se pudesse afigurar o preferível.
IV — Como se sabe se uma regra é injuntiva ou dispositiva?
Antes de mais, é necessário verificar o que o legislador declara. Assim, 
diz-nos o art. 1449 do Código Civil brasileiro, respeitante ao contrato de seguro: 
«Salvo convenção em contrário, no acto de receber a apólice pagará o segu­
rado o prêmio, que estipulou». Expressamente se esclarece que esta dis­
posição é supletiva. Veja-se também o art. 784 do Código Civil português, 
expressamente subordinado à epígrafe: «Regras supletivas»: e as regras 
supletivas constituem, como veremos, a mais importante categoria de regras 
dispositivas.
Mas semelhante critério não é suficiente, nem necessário.
Não é suficiente porque, apesar de serem muito numerosos os preceitos
em que se consagra o carácter injuntivo ou dispositivo duma regra, são ainda 
mais numerosos aqueles em que o legislador nada diz; e nada nos autoriza 
a inferir do silêncio, imediatamente, a qualificação da disposição. Antes, 
é necessário verificar caso por caso se a regra é ou não essencial à
fisionomia daquele instituto, se pode ou não ser posta de parte sem que 
se rompa o equilíbrio dos interesses que foram tidos em conta pelo
legislador.
Tão-pouco semelhante critério pode ser considerado necessário. E claro 
que quando o legislador afirma que certa regra é ou não dispositiva, há uma 
tomada legal de posição nesse sentido. Mas também aqui o legislador pode 
ter dito mais do que queria, e o intérprete ser obrigado a restringir a decla­
ração demasiado ampla. Por exemplo, a tomar à letra o art. 1445 do Código 
Civil português, quase todas as disposições reguladoras do usufruto seriam 
supletivas, pois só se aplicariam na falta ou insuficiência do título consti­
tutivo. Na realidade, é de supor que entre elas encontremos mais de uma 
disposição injuntiva, através da qual o legislador tenha querido evitar os 
resultados desfavoráveis que se poderiam produzir se houvesse um abandono 
completo do instituto à vontade das partes.
A análise e a valoração de cada preceito revela-se afinal 0 elemento 
decisivo. Escusado acentuar todavia a delicadeza deste método, e as difi­
203
culdades que caso por caso se podem suscitar (1). Desejável seria que o 
legislador ampliasse consideravelmente o esclarecimento da índole das dis­
posições que estabelece.
124. Regras injuntivas
I — Frequentemente se chama às regras injuntivas normas imperativas (2).
Preferimos não acompanhar esta terminologia, pois falar em regras
imperativas, por oposição a dispositivas, podia dar lugar a confusões graves.
É que, vimos já, toda a regra jurídica é imperativa por definição. Não
o são menos as regras dispositivas. Isso torna-se claro se olharmos para
o momento da aplicação da regra. Se não tiver havido a convenção pre­
vista no art. 182 do Cód. Civil português, por exemplo, o preceito aplica-se 
com a normal imperatividade de tudo o que é jurídico.
O problema está todo no antecedente da regra. Como pressuposto 
da aplicação desta pode encontrar-se uma manifestação da vontade das 
partes, suscitando a aplicação da regra ou repelindo-a. O facto nada tem 
de anómado — depáramos com ele já ao falar da hipoteticidade da norma 
jurídica (supra, n.° 110). Dissemos que uma vez verificados estes pressu­
postos e aplicada portanto a regra a imperatividade desta é plena, para 
nada interessando então a vontade do sujeito de estar ou não vinculado.
Por isso afastamos a terminologia legal, e falamos de regras injuntivas, 
como é corrente na doutrina, e não de regras imperativas.
II — Se se praticar um acto jurídico que atinja disposição injuntiva 
verifica-se normalmente a «sanção» própria do acto ilícito, ou seja, a inva­
lidade. Mas podemos ir mais longe, e esclarecer que os negócios jurídicos 
celebrados contra disposição legal de carácter injuntivo são nulos, salvo 
nos casos em que outra solução resulte da lei (3). A sanção da violação 
de disposição injuntiva é a nulidade e não a anulabilidade, e só assim não 
acontecerá quando a lei consagrar outra solução (4). É realmente próprio
(J) Por exem plo, o art. 1678/2 do Cód. Civil português especifica os casos em que 
a adm inistração dos bens do casal pertence à mulher, mas não esclarece se a regra é injuntiva 
ou supletiva. Só o exame das várias alíneas nos poderá permitir chegar a uma conclusão, 
que aliás pode variar de caso para caso. Assim , a alínea f ) deve considerar-se injuntiva, 
pois se funda em aspectos pessoais; a regra da alínea dj é dispositiva, pois os cônjuges podem 
prever de maneira diversa ao regular em convenção antenupcial o regime de separação.
(2) É a posição do Código Civil português, nos arts. l.° /3 , 294 e 2084.
(3) É a solução expressa do art. 294 do Código Civil português, que se refere a dis­
posição «imperativa».
(4) Sobre estas noções, recorde-sc o que dissem os, supra, n.° 26.
204
do carácter particularmente grave da violação de disposição injuntiva o 
recurso a esta reacção.
III — Dissemos há pouco que se não deviam confundir as regras injun- 
tivas com as regras de direito público.
Também se não devem confundir as regras injuntivas com as regras de 
interesse e ordem pública. Esta qualificação foi usada pelo art. 10 do Código 
Civil de Seabra e em conseqüência oposta pela doutrina à de regras de inte­
resse privado ou de mero interesse particular (aliás com pouca uniformidade). 
De todo o modo, as expressões são infelizes. Para não cairmos em confusão 
terminológica, preferimos omitir esta classificação, pois nos parece que todo
o seu,sentido útil está contido nas restantes distinções.
IV — Regra injuntiva e ordem pública internacional: diversidade do 
âmbito de aplicação.
A ordem pública internacional é um conceito essencial em Direito Inter­
nacional Privado, pelo que remetemos o seu exame para a altura em que 
referirmos este (infra, n.° 266/1V).
Basta dizer por agora que a ordem pública internacional representa um 
último e insuperável limite à aplicação da lei estrangeira. Por força do 
direito internacional privado, o direito estrangeiro pode ser declarado com­
petente para reger determinada situação. Mas há uma excepção: pode 
dar-se a hipótese de aquela lei estrangeira se revelar incompatível com os 
princípios fundamentais que comandam a comunidade. Assim aconteceria 
se a aplicação da lei estrangeira levasse no caso concreto a declarar alguém 
escravo, ou a instituir a poligamia. Nestes casos, a aplicação da lei normal­
mente competente não é admitida.
Daqui já resulta porém que a ordem pública internacional não tem a 
mesma incidência que as regras injuntivas. A aplicação da lei estrangeira 
faz-se plenamente, mesmo com prejuízo de regras injuntivas existentes na 
nossa lei. Se se declara uma lei estrangeira competente para reger deter­
minada sociedade comercial, essa competência não se detém pelo facto de 
a lei estrangeira prever tipos de sociedades comerciais diversos dos admitidos 
pela ordem jurídica nacional. E só num círculo muito mais restrito de 
casos, quando sãopostos em causa princípios básicos da comunidade, que a 
ordem pública internacional intervém, como última defesa, e exclui a apli­
cação da lei normalmente competente.
205
125. Regras dispositivas: permissivas, interpretativas e supletivas
I — Regras permissivas
Sustentámos (supra, n.° 118) a existência duma categoria de regras 
permissivas. As regras permissivas são por natureza regras dispositivas.
Assim, a regra que permite o casamento, que é uma regra tipicamente 
permissiva, não se aplica independentemente de uma manifestação de von­
tade das partes nesse sentido. Há uma série de efeitos jurídicos predispostos, 
oferecidos à vontade das pessoas, mas que se não concretizam independen­
temente dessa vontade. O mesmo diremos da emancipação. Só após a 
manifestação de vontade é que esses efeitos se aplicam e então, como disse­
mos, com inteira imperatividade (1).
II — Regras interpretativas
Distinguimos (2) as regras jurídicas em interpretativas e inovadoras. 
As regras interpretativas (como aliás também as inovadoras) podem ser 
injuntivas ou dispositivas. Por outro lado, as regras interpretativas podem 
sê-lo de fontes do direito ou de negócios jurídicos. Combinando estas clas­
sificações, apuramos qual a modalidade de regras interpretativas que nos 
interessa neste momento.
São regras interpretativas injuntivas as que interpretam fontes do direito; 
dispositivas, as que interpretam negócios particulares. No primeiro caso, 
porque fixam o entendimento das fontes, fixam-no objectivamente, sem 
atender à vontade das partes. No segundo caso, porque visam esclarecer 
os termos que os particulares usaram porque quiseram, fazem-no dispositi- 
vamente: assim como podiam não ter feito a declaração, também os parti­
culares podem fazê-la usando os termos em sentido diverso do que se prevê 
na norma interpretativa. Vejamos um exemplo:
Alguém morre com testamento em que beneficia uma generalidade de 
pessoas: os pobres, os hospitais, as congregações religiosas, qualquer outra 
categoria. Surgirão dificuldades para delimitar a extensão daquela cate­
goria. A lei intervém então, esclarecendo que a disposição beneficia as 
pessoas existentes no lugar em que o testador tinha domicílio à data da 
morte (3).
(1) As regras permissivas também podem prever meras faculdades, com o a actuação 
de facto do proprietário sobre a coisa. Também estas regras devem ser qualificadas com o 
dispositivas.
(2) Supra, n.° 119.
(3) Arts. 1669 do Código Civil brasileiro e 2225 do Código Civil português.
206
Temos aqui uma regra interpretativa dispositiva. Ela permite esclarecer 
a disposição do autor da sucessão, mas não é injuntiva. Assim como o 
autor da sucessão tem liberdade para beneficiar ou não aquelas entidades, 
também a tem para demarcar de outro modo o respectivo círculo. Pode o 
autor da sucessão preferir beneficiar todas as congregações religiosas do 
país, ou só os hospitais particulares, ou preferir qualquer outra determinação. 
Se o fizer, expressa ou implicitamente, a sua vontade afasta a aplicação da 
regra interpretativa legal.
III — Regras supletivas
Esta é a mais importante categoria de regras dispositivas, pelo que lhe 
dedicaremos um número especial.
126. Regras supletivas
I — As partes não estão em condições de estabelecer uma regulamen­
tação completa dos seus negócios, e mesmo que o pudessem fazer não seria 
prático repetir em todas as ocasiões os mesmos preceitos. A lei acode 
então a esta deficiência, estabelecendo em todas as categorias de negócios 
mais importantes um regime normal, que se aplicará sempre que as partes 
nada disponham em contrário.
Celebra-se por exemplo uma compra e venda. Em geral, as partes 
limitam-se a indicar o que é específico daquela compra e venda — o preço, 
a coisa vendida, o vencim ento...— deixando tudo o resto para as regras 
normais da compra e venda, que são automaticamente aplicáveis no seu 
silêncio.
II — Alguns distinguem ainda, dentro das normas supletivas, consoante 
estas integram uma manifestação de vontade deficiente das partes ou, mais 
radicalmente, intervém quando as partes não produziram qualquer mani­
festação de vontade; outros estabelecem mesmo com estas regras uma cate­
goria autônoma (1). Estariam neste caso as regras sobre sucessão legítima, 
há pouco referidas, que só intervém na ausência de disposições testamen- 
tárias, e as regras respeitantes ao regime de bens do casamento, que se apli­
cam quando os nubentes não celebram a convenção antenupcial (2).
(1) Cfr. Barbero, Sistema, n.° 6.
(2) Mas note-se que mesmo então a lei portuguesa fala em regime supletivo (art. 1717). 
Noutros casos supletivo tem também o sentido de subsidiário. O art. 156 do Código Civil 
português, por exem plo, fala em regime supletivo para significar o regime subsidiariamente 
aplicável.
207
III — Há uma controvérsia teórica em torno do fundamento das normas 
supletivas.
Para a doutrina clássica, que perfilha o subjectivismo próprio do 
séc. xix, esse fundamento está na vontade presumível ou tendencial das 
partes. É de presumir que as partes, se tivessem previsto aquela situação, 
a tivessem regulado daquela maneira. A aplicação das regras supletivas 
baseia-se portanto ainda, embora indirectamente, na mesma vontade das 
partes, que fundamenta o restante conteúdo do negócio.
A doutrina moderna evoluiu, também neste sector, para uma posição 
objectivista, e supomos que com razão. O legislador não estabeleceu a 
regra supletiva para homenagear a vontade das partes; estabeleceu-a, sim, 
porque considerou que aquele era o processo mais adequado de resolver 
aquela situação, seja ou não de presumir que as partes teriam regulado da 
mesma forma se tivessem considerado expressamente aquele ponto. Isto 
não basta para que a valoração da lei se superiorize à valoração contrária 
das partes, mas leva a que, nada tendo as partes declarado, a valoração 
legal retome a primazia.
127. Regras gerais, especiais e excepcionais. Remissão desta última categoria
1 — É freqüente esta classificação tripartida das regras. Ao carácter 
normal, próprio da regra chamada geral, se contraporiam as outras duas 
categorias. As regras excepcionais, porém, dados os problemas complexos 
que trazem, serão examinadas (infra, n.° 225) a propósito da interpretação 
enunciativa. Vamos por isso limitar-nos à contraposição com as regras 
especiais.
Uma regra é especial em relação a outra quando, sem contrariar subs­
tancialmente o princípio nela contido, a adaptar a circunstâncias particula­
res (1).
Comecemos por observar que a especialidade é uma característica rela­
tiva. A regra A pode ser especial em relação à regra B, mas ser geral em 
relação à regra C, se esta realizar uma especificação ulterior, tendo em conta 
novas circunstâncias (2).
(1) N ote-se que por vezes se fala em lei espfecial para designar sim plesm ente a lei 
específica ou extravagante.
(2) Por isso tem razão Dias Marques quando trata esta matéria com referência, 
não às classificações das normas mas às relações entre as normas jurídicas (Introdução, 
n.° 42). Mas já representam verdadeiras classificações as distinções das regras em com uns
208
II — A especialidade pode ser característica de todo um ramo do direito, 
ou de institutos jurídicos ou disposições particulares.
1) — No que respeita à especialidade entre ramos do direito, é típica 
a relação existente entre o Direito Civil e Direito Comercial.
O Direito Comercial não é um direito excepcional em relação ao Direito 
Civil: não representa uma excepção em relação aos princípios fundamentais 
deste. O Direito Comercial justifica-se pela consideração das condições 
particulares do comércio, como a celeridade, as exigências do crédito e o 
fim lucrativo. Como o direito civil dificilmente servia estas condições, o 
Direito Comercial adapta o Direito Civil à vida comercial,especializando-o 
de harmonia com aquelas necessidades. O Direito Comercial é, em con­
junto,,um direito especial, em relação ao Direito Civil.
Com isso fica também demonstrado que o Direito Comercial não é 
um direito excepcional, uma vez que esta adaptação se faz por concretização 
e não por negação dos princípios do Direito Civil. Mas por outro lado, 
nada impede que no Direito Comercial se encontrem verdadeiras disposições 
excepcionais, nos casos em que a adaptação só foi possível através da inver­
são de princípios do Direito Civil.
III — 2) Por outro lado, há também a especialidade entre institutos 
jurídicos, e entre disposições particulares.
No Processo Civil aparece-nos um exemplo muito nítido.
Em princípio, quando se recorre a tribunal, abre-se às partes o chamado 
processo comum: os trâmites estão regulados de maneira uniforme seja qual 
for o objecto da acção.
Mas para certas finalidades houve que realizar uma adaptação nos 
termos do processo, de modo a permitir atingir, ou permitir atingir mais 
adequadamente, o objectivo visado. Prevê por isso a lei uma longa série 
de processos ou procedimentos especiais, diversos entre si e diversos do 
processo comum. Por exemplo, a prestação de contas: aquele que pre­
tende exigir que outrem preste contas tem à sua disposição um processo 
mais adequado que o processo comum.
Este processo permite-nos até ilustrar o que dissemos há pouco sobre 
a relatividade desta qualificação de uma situação como especial. Porque 
a lei prevê um processo normal de prestação de contas, e um processo espe- 
cialíssimo (é qualificação que foi adoptada por cultores desta matéria) para 
as contas de entidades como o tutor e o curador. As regras sobre o pro-
e particulares, e em universais e locais, de que falaremos a seguir; e veremos que há razão 
para adoptar conceitos amplos de regra geral e especial que abranjam também aquelas m oda­
lidades. Isto nos impele a manter a colocação tradicional da matéria.
209
cesso normal de prestação de contas são pois especiais em relação às regras 
do processo comum, mas são normas gerais em relação às regras que realizam 
a ulterior concretização do processo relativo às contas do tutor, curador e 
semelhantes.
128. Regras comuns e particulares
Por outro critério podem distinguir-se das regras comuns as regras 
particulares (1). A terminologia é convencional. Chamaremos particulares 
às regras que se aplicam apenas a certas categorias de pessoas; às regras 
que pelo contrário se aplicam à generalidade das pessoas chamaremos regras 
comuns, aproveitando o facto de a terminologia não estar ainda hipotecada 
a uma determinada acepção.
Em certas épocas históricas as regras de direito particular predominaram: 
as leis variavam consoante as categorias de pessoas a que se destinavam. 
Tínhamos os chamados privilégios. Hoje, as leis são comuns, visam na 
grande maioria dos casos todo e qualquer um — pensemos nas leis fiscais, 
penais, etc. Em certos países há regras particulares, ainda, sobretudo, 
para a regência de certas comunidades religiosas — aplicáveis só aos muçul­
manos, por exemplo.
No Brasil há ainda todavia uma vasta zona em que regem normas de 
direito particular. Referimo-nos ao estatuto dos silvícolas, que se mantém 
(Constituição, art. 8.°/XVlI/al. o).
Por efeito das regras particulares cria-se o que se chama um estatuto 
pessoal. E próprio das pessoas naquela situação um regime jurídico, que 
as acompanha. É claro que então é necessário estabelecer outras regras 
em que se determine como se hão-de processar as relações com pessoas de 
estatuto diverso (2).
129. Regras universais, gerais e locais
I — Em todas as ordens jurídicas haverá que distinguir, das regras que 
se aplicam a todo o território nacional as regras que se aplicam só a zonas 
delimitadas. Estas últimas chamam-se locais; às primeiras chamaremos
(1) Cfr. Enneccerus-Nipperdey, Parte general, § 44, II.
(2) N ote-se que não são particulares, mas sim especiais, as regras que regulam certa 
profissão ou m odo de vida, pois atendem à circunstância objectiva da actividade, profissional 
ou outra, e não às características subjectivas dum grupo social.
2 1 0
universais ou nacionais, para não recorrer a qualificativos que ficaram já 
comprometidos nas anteriores classificações.
E fácil apresentar exemplos de regras locais — todas as constantes de 
posturas de câmaras municipais, por exemplo. Na verdade, as normas 
resultantes da actividade de órgãos locais são necessariamente normas locais. 
A competência destes está restrita aos limites da sua circunscrição, pelo 
que nunca poderiam produzir normas universais.
Mas também da actividade dos órgãos da administração central podem 
resultar regras locais. Assim acontece na legislação referente a uma zona 
só do país — a legislação para uma zona de catástrofe, por exemplo. São 
freqüentes as regras locais com esta origem.
II — Na ordem jurídica portuguesa devemos entrar em conta com um 
terceiro termo, as regras gerais. Estas são conseqüência directa do regio­
nalismo incompleto, consagrado na Constituição (arts. 6.°/2 e 227 e seguintes).
No espaço português estão constituídas as regiões dos Açores e da 
Madeira (1), e a legislação própria dessas regiões não pode deixar de ser 
considerada local. Mas o espaço continental não está organizado regional­
mente. A legislação que vigorar aí somente não é universal; mas tão-pouco 
é local. Ocupa uma posição privilegiada dentro do espaço português e é 
por isso designada legislação geral (2).
Na ordem jurídica brasileira só temos de distinguir regras universais 
e locais. A estrutura federal não impede que sob este ponto de vista as 
leis se inscrevam ou numa ou noutra modalidade. Leis estaduais e leis 
municipais produzem em todo o caso regras locais, como as produzem as 
leis referentes aos territórios ou ao distrito federal.
III — A este propósito faz-se também a contraposição das regras cen­
trais às regras locais. Queremos todavia observar que o qualificativo central 
é dotado de grande ambigüidade.
Ele pode designar o poder central. É assim central, no Brasil, tudo
o que respeita ao Estado federal e aos seus órgãos, incluindo os órgãos locais 
e autárquicos federais. O critério é então muito diverso do' que nos permi­
tiu distinguir regras universais e locais.
Noutros casos, fala-se de central para qualificar os órgãos centrais do 
poder, excluídos os órgãos locais e possivelmente os órgãos autárquicos. 
Nesta acepção já estamos mais próximos da que permitiu a classificação
(1) Além de Macau, que tem estatuto próprio.
(2) Como é natural, esta qualificação nada tem que ver com a distinção das regras 
em gerais e especiais.
211
das regras em universais e locais, mas não há confusão possível. Para a 
classificação que nos ocupa só nos interessa o âmbito de aplicação da regra. 
Se esse âmbito é local, a regra é local, quer emane de um órgão local quer 
de um órgão central. Se esse âmbito é nacional a regra é universal, seja 
autárquico ou não o órgão do poder central de que emana.
130. Relações entre estas categorias de regras
I — À caracterização das regras como universais, gerais ou locais estão 
ligados efeitos práticos importantes.
O direito local deve ser provado, e o restante direito não. Compreen- 
sivelmente, pois o juiz não pode estar ao par de todos os sistemas locais nem 
tem de estar familiarizado com eles. É pois adequado que se imponha às 
partes este contributo para a sua determinação. Isso não dispensa, como 
já sabemos, a iniciativa do juiz para procurar obter oficiosamente o conhe­
cimento da fonte.
Este princípio da necessidade da prova é estabelecido pelos arts. 337 
do Código de Processo Civil brasileiro e 348 do Código Civil português: 
mas enquanto este manda provar o direito local o primeiro submete a esse 
ónus o direito estadual e municipal.De facto, não é todo o direito local, em sentido técnico que deve ser 
provado, e o art. 348 deve ser objecto de uma interpretação restritiva, ou 
pelo menos declarativa restrita; veremos a propósito da interpretação o 
sentido exacto destes termos. Com efeito, seria estranho que se devesse 
fazer também a prova de diplomas emanados de órgãos centrais — um 
decreto-lei respeitante à região do vinho do Porto, uma lei sobre o nordeste... 
Estes são mblicados em jornal oficial, nestes casos até com as formas mais 
solenes, e nada justificaria uma posição diminuída no corpo das leis. Só 
os diplomas emanados de órgãos locais escapam ao conhecimento normal 
e devem ser provados.
Pensamos porém que essa prova deve recair sobre todos os diplomas 
emanados de órgãos locais — quer pertençam à administração local quer 
à administração estatal. As razões que justificam as condições especiais 
de prova são as mesmas.
II — Mais difícil é determinar a relação entre as regras gerais e locais, 
ou entre regras aplicáveis a locais diversos.,
Assim, pode perguntar-se se, estando determinada matéria regulada 
no Continente português mas não numa região, a regra geral pode ser aí 
aplicada por analogia. É um problema específico da ordem jurídica por­
tuguesa.
212
Supomos que nestes termos o problema estaria mal colocado. Recorre-se 
à analogia quando se não encontra uma fonte que regule aquele caso, mas sim 
um caso análogo. Aqui, seria o próprio caso que seria regulado por lei geral.
Na realidade, o que se pergunta é se as regras gerais são direito subsi­
diário em relação aos vários espaços regionais: se podem pretender apli­
car-se em segunda linha, quando a matéria não estiver expressamente pre­
vista naqueles. Tendemos a uma resposta afirmativa, sempre que a norma 
geral não se funde em considerações específicas do espaço continental, ou 
não contrarie as orientações gerais do direito daquela região (1).
III — Pelo contrário, o direito local não é utilizável fora do círculo 
especial que o justifica; não é subsidiário em relação a outras circunscrições. 
Como é sempre justificado por circunstâncias locais, não pode pretender 
aplicação quando estas se alteram. As várias circunscrições locais são 
espaços juridicamente fechados, não servindo por isso como direito subsi­
diário em relação a outros espaços juridicamente fechados (2).
Mas impõem-se duas precisões importantes.
Quando falamos em direito local referimo-nos aqui ao direito emanado 
de órgãos locais, qualquer que seja a natureza destes. O direito emanado 
de órgãos centrais, mesmo que local no seu âmbito de aplicação, pode ser 
usado para integrar lacunas de outras leis centrais. Assim, as lacunas exis­
tentes numa lei sobre turismo na Amazônia poderão ser integradas através 
duma lei sobre turismo no Centro-Oeste.
Por outro lado, se a aplicação de uma regra local, autonomamente 
tomada, não é possível noutra ordem local, não se deve todavia esquecer 
que todas as regras, centrais ou locais, compõem a ordem jurídica. Quando 
pretendemos caracterizar os princípios gerais desta a todas elas teremos por­
tanto de recorrer (3).
Quando pois algum caso deva ser resolvido pelo recurso aos princípios 
gerais, e nada imponha um princípio específico do espaço em causa, é para 
os princípios gerais da ordem jurídica que haverá que recorrer, e esses resul­
tam da contribuição de todas as formas jurídicas que esta inclui. Desta 
forma indirecta, o direito de cada espaço, mesmo local, pode ser relevante 
nos espaços restantes.
(1) O regionalismo incompleto não elimina pois a tendência de aplicação das regras
não locais sempre que não se verificar obstáculo a essa aplicação.
Sz o caso não estiver previsto directamente mas houver regra geral análoga, com as
mesmas reservas e cautelas deve ser admitida a aplicação analógica na região em causa.
(2) Nem ao espaço correspondente às leis gerais em Portugal.
(3) É da mesma forma, quando se dever caracterizar o espírito do sistema, nos 
termos do art. 10/3 do Código Civil português.
213
131. Lei geral não revoga lei especial: remissão
I — Voltemos agora um pouco atrás. Há um outro aspecto da relação 
entre lei geral e lei especial que se reveste de considerável importância: é o 
que respeita à revogação. Devemos saber se, em princípio, a lei geral revoga 
a lei especial, ou a lei especial a geral.
Vamos deixar a matéria para momento posterior, em que consideremos 
especificamente a revogação. Veremos {infra, n.° 156) que é verdadeiro o 
princípio de que a lei geral não revoga lei especial, aliás expressamente con­
tido no art. 7.°/3 do Código Civil português.
E veremos mais: veremos que esse princípio é também aplicável à relação 
da lei comum com a lei particular, e da lei universal com a lei local.
Que repercussão terá esse facto quanto à classificação das regras em 
gerais e especiais?
II — A conseqüência parece ser a de impor a admissão de um conceito 
mais vasto de regra geral e regra especial, de modo que o art. 7.°/3 do Código 
Civil português se aplicará, directamente e não por analogia quer às regras 
especiais em sentido estrito, quer às regras particulares, quer às regras locais.
A identidade total da ratio justifica este entendimento amplo.
Portanto, sempre poderemos distinguir, de especialidade em sentido 
amplo, a especialidade:
— material
— pessoal
— territorial (1).
(1) Num sentido já diverso, e que vai além do que exam inám os até agora, dispõe 
o art. 52/2 do Decreto-Lei português n.° 49368, de 10 de Novem bro de 1969, que as dis­
posições desse estatuto que constituam direito excepcional só podem ser revogadas por 
disposição expressa, com m enção precisa das disposições afectadas.
C A P Í T U L O 1
Generalidades
199. Noções prévias
I — Graças à análise anterior, apurámos quais as fontes do direito que 
actuam na nossa ordem jurídica. Mas conhecer as fontes não é ainda 
conhecer as regras. Sabemos que a fonte não é a regra: é antes, no seu 
sentido precípuo, o modo de revelação da regra. Isto significa que, uma 
vez individualizadas as fontes, se abre um novo capítulo, que é o da deter­
minação das regras.
Efectivamente, a norma é, na generalidade dos casos, o intermediário 
indispensável para se chegar à solução dos casos concretos: estes devem 
ser resolvidos segundo regras. Temos pois de estudar os processos mediante 
os quais se poderão obter regras, a partir do material existente.
II — Distinguiremos três processos fundam entais:
1) A interpretação
2) A «interpretação enunciativa»
3) A integração das lacunas
Indicaremos nos números seguintes em que consiste cada um destes
processos, salvo no que respeita à interpretação enunciativa. Diremos
apenas que esta representa um processo lógico de obtenção de uma nova 
regra a partir de uma regra dada: e remetemos para o capítulo dedicado
a esta matéria a análise específica.
338
200. Interpretação
I — A actividade que nos permite, a partir da fonte, chegar à regra 
que ela alberga, é a interpretação. É regulada no art. 9.° do Código Civil 
português. A Lei de Introdução ao Código Civil brasileiro omite proposi­
tadamente toda a disposição sobre o tema.
Mas a interpretação não é uma tarefa especificamente jurídica. Em 
todos os ramos da cultura se põe o problema de extrair um sentido de certas 
exteriorizações, embora variem depois, consoante as ciências, os cânones que 
comandam essa tarefa. A interpretação representa assim uma parte funda­
mental da metodologia de qualquer ciência do espírito.
\ jm grande jurista, Betti, ultrapassou mesmo os limites da sua disci­
plina e escreveu uma monumental «Teoria Geral da Interpretação» (1) em 
que se abordam os problemas comuns a toda a interpretação e se estudam 
modalidades particulares de interpretação, como a interpretação histórica, 
a interpretação filológica, a interpretação dramática, a interpretação

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