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Introduc¸a˜o a` geometria Vol. I Geometria anal´ıtica Fabio Ferrari Ruffino Suma´rio Introduc¸a˜o 5 Notac¸o˜es 15 Cap´ıtulo 1. Sistemas lineares 17 1.1. Sistemas lineares e independeˆncia linear 17 1.2. Me´todo de escalonamento de Gauss 30 1.3. Sistemas com paraˆmetro 37 1.4. Sistemas homogeˆneos 41 Cap´ıtulo 2. O espac¸o vetorial Rn 43 2.1. O conjunto Rn 43 2.2. Vetores 47 2.3. A estrutura de espac¸o vetorial 50 2.4. Vetores e geometria euclidiana 58 2.5. Combinac¸o˜es lineares 65 2.6. Subespac¸os vetoriais de Rn 72 2.7. Geradores 83 2.8. Independeˆncia linear 88 2.9. Bases 94 2.10. Subespac¸os afins de Rn 100 2.11. Sistemas lineares e subespac¸os afins 107 2.12. Intersec¸a˜o de subespac¸os vetoriais e afins 109 2.13. Paralelismo 114 Cap´ıtulo 3. A´lgebra das matrizes e aplicac¸o˜es 119 3.1. O espac¸o vetorial real M(n,m) 119 3.2. Produto de matrizes 122 3.3. Algumas definic¸o˜es significativas 126 3.4. Determinante de ordem 1 e 2 129 3.5. Determinante de ordem gene´rica 132 3.6. Ca´lculo da matriz inversa 138 3.7. Matriz de mudanc¸a de base 143 3.8. Submatrizes 148 3.9. Posto – Parte I 152 3.10. Posto – Parte II 157 3.11. Teorema de Rouche´-Capelli 166 3.12. Sistemas lineares e subespac¸os afins 171 3 4 SUMA´RIO 3.13. Representac¸o˜es cartesiana e parame´trica 178 3.14. Intersec¸a˜o de subespac¸os vetoriais e afins II 186 3.15. Paralelismo II 190 Cap´ıtulo 4. Geometria em Rn 195 4.1. Norma e distaˆncia 196 4.2. Produto escalar ou interno 200 4.3. Ortogonalidade e bases ortonormais 206 4.4. Complemento ortogonal 215 4.5. Orientac¸a˜o 221 4.6. Produto vetorial em R3 229 4.7. Mudanc¸a de referencial 236 Cap´ıtulo 5. Geometria dos subespac¸os afins de Rn 237 5.1. Representac¸o˜es cartesiana e parame´trica II 237 5.2. Posic¸a˜o rec´ıproca 255 5.3. Distaˆncia 268 5.4. Aˆngulos e ortogonalidade 272 5.5. Feixes de subespac¸os afins 274 Cap´ıtulo 6. Coˆnicas e qua´dricas 275 Conclusa˜o 277 Introduc¸a˜o Vamos narrar treˆs “histo´rias matema´ticas”, duas das quais sa˜o mais conhecidas tambe´m pelos na˜o especialistas, enquanto a terceira pode parecer mais te´cnica a quem na˜o se ocupe profissionalmente do seu conteu´do espec´ıfico. A primeira histo´ria comec¸a e se desenvolve na Gre´cia antiga, deixa aberto um problema fundamental por mais de dois mil anos e se fecha no se´culo XIX, mesmo se este fecho coincide com a abertura de um mundo novo na matema´tica. Trata-se da histo´ria da geometria euclidiana, em particular do quinto postulado de Euclides. A segunda narrac¸a˜o comec¸a no se´culo XVII, com Descartes, e consiste na introduc¸a˜o dos sistemas de coordenadas para enunciar e resolver problemas de geometria, na˜o somente euclidiana. Esta histo´ria nunca teve um fim, pois esta´ ainda continuando a interagir com todas as a´reas da matema´tica moderna, grac¸as a` fusa˜o muito flex´ıvel e eficaz de te´cnicas alge´bricas e geome´tricas. Enfim, a terceira narrac¸a˜o comec¸a no se´culo XIX e, como a precedente, na˜o tem um fim, nem provavelmente o tera´ em futuro. Trata-se da descoberta e da construc¸a˜o da a´lgebra linear, ou seja, da teoria dos espac¸os vetoriais e das suas inu´meras aplicac¸o˜es teo´ricas e pra´ticas. As primeiras duas histo´rias sa˜o narradas principalmente no ensino me´dio e no comec¸o do ensino superior. Tambe´m as ligac¸o˜es entre elas sa˜o apresentadas de modo suficientemente preciso, pois qualquer estudante aprende que um problema de geometria euclidiana pode tambe´m ser enfrentado atrave´s da introduc¸a˜o das co- ordenadas cartesianas, cabendo a ele decidir, caso por caso, qual ponto de vista e´ mais adequado ao problema em questa˜o. Por exemplo, e´ bem conhecido o fato que uma reta no plano pode ser pensada do ponto de vista euclidiano ou, equivalente- mente, pode ser representada do ponto de vista cartesiano atrave´s de uma equac¸a˜o da forma ax+by+c = 0. Mais em geral, va´rios problemas relativos a circunfereˆncias, triaˆngulos e outras figuras geome´tricas sa˜o discutidos atrave´s da linguagem cla´ssica euclidiana e atrave´s da introduc¸a˜o de um referencial, comparando os dois pontos de vista. Quem estuda a geometria euclidiana no espac¸o aprende as noc¸o˜es ana´logas em treˆs dimenso˜es. A terceira histo´ria e´ narrada usualmente nos primeiros dois anos do ensino su- perior. Infelizmente, neste caso na˜o e´ ta˜o comum mostrar em detalhe as relac¸o˜es profundas que ligam esta histo´ria a`s primeiras duas. E´ verdade que, no curso de ge- ometria anal´ıtica, o estudante aprende a relacionar o ponto de vista cartesiano com o ponto de vista da a´lgebra linear, introduzindo as noc¸o˜es de base, referencial orto- normal e assim em diante, mas tudo isso se limita a algumas noc¸o˜es “pra´ticas”, sem enfrentar a` raiz os problemas relativos a` definic¸a˜o dos entes primitivos euclidianos, ao quinto postulado de Euclides e a` sua independeˆncia dos demais. 5 6 INTRODUC¸A˜O O objetivo fundamental destes treˆs volumes consiste em mostrar a profunda uni- dade que liga estas treˆs histo´rias. Em particular, mostraremos que a linguagem da a´lgebra linear proporciona uma maneira adequada de construir um modelo da geo- metria euclidiana, em que os entes primitivos podem ser definidos rigorosamente e a validade dos axiomas pode ser demostrada com precisa˜o. Ademais, mostraremos que este modelo nos permite generalizar a geometria euclidiana a um nu´mero de di- menso˜es qualquer, mesmo se, em mais de treˆs dimenso˜es, a nossa imaginac¸a˜o pode nos ajudar muito menos. Comec¸aremos lembrando brevemente, nesta introduc¸a˜o, os problemas relativos ao quinto postulado de Euclides e resumindo a relac¸a˜o entre o ponto de vista euclidiano e o ponto de vista cartesiano; os detalhes ao respeito sa˜o considerados pre´-requisitos. Em seguida, neste primeiro volume, introduzire- mos a linguagem dos espac¸os vetoriais e mostraremos em detalhe como liga´-la a`s linguagens euclidiana e cartesiana. No segundo volume apresentaremos de modo te´cnico e completo a linguem da a´lgebra linear, formalizando e ampliando a mate´ria do primeiro volume. Enfim, no terceiro volume, aproveitando o fato que ja´ teremos um conhecimento aprofundado da a´lgebra linear, descreveremos as geometrias afim e euclidiana do nosso ponto de vista moderno, que permitira´ fundir de modo claro e satisfato´rio as treˆs histo´rias que estamos narrando. Ademais, acrescentaremos uma quarta histo´ria, muito importante em matema´tica e pelas aplicac¸o˜es em outros contextos, ou seja, a histo´ria da geometria projetiva. Esta maneira orgaˆnica de apresentar o assunto faz com que os treˆs volumes tentem apresentar-se como uma narrac¸a˜o, com um comec¸o, um desenvolvimento e um fim (proviso´rio, naturalmente), mesmo se cada cap´ıtulo conte´m va´rios detalhes espec´ıficos do to´pico em questa˜o. Por isso, a tendeˆncia subjacente a este manual consiste em apresentar os assuntos de modo unita´rio, tornando complicado pular algumas partes e aprofundar outras. Isso pode constituir um problema para quem prefere legitimamente selecionar alguns to´picos por falta de tempo, mas acreditamos que o resultado final e´ mais interessante dessa maneira, conforme a convicc¸a˜o que, como afirma o filo´sofo Emanuele Severino (exagerando um pouco), “se [um] manual esta´ vivo, cada amputac¸a˜o lhe e´ fatal, enquanto, se na˜o fica prejudicado por isso, significa que ja´ estava morto”.1 A geometria euclidiana A histo´ria da geometria comec¸a muito antes de Euclides e tambe´m antes da ci- vilidade grega antiga, provavelmente por questo˜es pra´ticas (“geo-metria” significa “medida da terra”) e tambe´m religiosas e rituais. Na˜o podemos estabelecer se foram dominantes os problemas pra´ticos ou os religiosos, pois na˜o temos bastante vest´ıgios arquelo´gicos para confirmar uma tese e excluir a outra, portanto so´ podemos deixar abertas as duas possibilidades. Indo ale´mdas origens, que ficam bastante desco- nhecidas, os primeiros documentos matema´ticos ocidentais que temos concernem a geometria e a a´lgebra eg´ıpcias e mesopotaˆmicas, as quais alcanc¸aram resultados 1E. Severino, “La filosofia dai greci al nostro tempo”, vol. I “La filosofia antica e medievale”, Bur, 2004, p. 14. A GEOMETRIA EUCLIDIANA 7 interessantes, mesmo se com certos limites. O fato importante para no´s e´ que, an- tes da civilidade grega, a matema´tica era baseada principalmente em problemas espec´ıficos, sem uma estrutura teo´rica suficientemente desenvolvida. Na˜o podemos afirmar com seguranc¸a quando esta estrutura comec¸ou a ser elaborada. E´ poss´ıvel que ja´ Tales e Pita´goras, no se´culo VI a. C., tenham iniciado a dar uma impostac¸a˜o lo´gica coerente a` a´lgebra e a` geometria, mas, por falta de documentos, na˜o esta´ claro se isso realmente ocorreu. Na˜o ha´ du´vida em relac¸a˜o ao fato que na e´poca de Plata˜o e Aristo´teles, entre os se´culos V e IV a. C., a matema´tica ja´ tinha alcanc¸ado um bom n´ıvel de rigor e de profundidade, mas a primeira tentativa de apresentac¸a˜o completa e orgaˆnica da geometria no plano e no espac¸o (e das noc¸oes fundamentais de aritme´tica), que chegou ate´ hoje, foi escrita mais tarde e se tornou a obra mais famosa de toda a matema´tica antiga: trata-se da obra de Euclides “Os Elementos”, escrita em torno de 300 a. C., a qual na˜o e´ um resumo do conhecimento matema´tico da e´poca, e sim um manual ba´sico para os estudantes. Lendo “Os Elementos”, na˜o encontramos uma lista de exerc´ıcios ou de problemas espec´ıficos, e sim resultados gerais, que Euclides enuncia e tenta demonstrar de modo rigoroso, inserindo-os em uma moldura teo´rica bastante so´lida para a e´poca. Contudo, na obra de Euclides esta´ parcialmente claro tambe´m o seguinte fato: a exigeˆncia de procurar alicerces so´lidos para a matema´tica, em particular para a geometria, encontra necessaria- mente um limite fundamental, ou seja, a impossibilidade de definir e demonstrar tudo sem um regresso ao infinito. Isso torna necessa´rio estabelecer alguns pontos de partida, os quais na˜o podem ser ulteriormente fundados.2 Todos os resultados da geometria devem ser apresentados como consequeˆncias lo´gicas destes pontos de partida, ou seja, devem seguir deles atrave´s de uma demonstrac¸a˜o. Quais sa˜o estes pontos de partida? Sa˜o os entes primitivos e os axiomas. Os entes primitivos sa˜o os objetos com que comec¸amos a trabalhar, sem podeˆ-los definir atrave´s de outros entes (pontos, retas etc.). Os axiomas sa˜o enunciados em relac¸a˜o aos entes primiti- vos, cuja validade e´ assumida desde o comec¸o e na˜o demonstrada. Pelo contrario, os enunciados que seguem dos axiomas sa˜o chamados de teoremas. Ja´ podemos afirmar que este rigor teo´rico, na obra de Euclides, e´ mais uma exigeˆncia que um fato, isto e´, Euclides na˜o conseguiu realmente alcanc¸ar o n´ıvel de precisa˜o formal do qual advertia a necessidade. De fato, em relac¸a˜o aos entes primitivos, ele tenta defini-los de alguma maneira, contradizendo o fato de serem primitivos. O prec¸o a ser pago e´ que as definic¸o˜es sa˜o muito vagas e utilizam noc¸o˜es mais complicadas que as a serem definidas. Por exemplo, “o ponto e´ o que na˜o tem partes” e “a linha e´ comprimento sem largura”. Dizer o que significam as palavras “comprimento” e “largura” parece pelo menos ta˜o complicado como dizer o que e´ uma linha; analogamente, “na˜o ter partes” e´ uma noc¸a˜o bem mais abstrata e geral que a noc¸a˜o de ponto. Tambe´m os axiomas sa˜o formulados usando muitas noc¸o˜es a mais que os entes primitivos explicitamente citados no texto. Por exemplo, o segundo axioma afirma que “uma reta finita pode ser prolongada com continuidade a uma linha reta”, ou seja, quer dizer que um segmento pode ser prolongado a uma 2Na verdade tambe´m Plata˜o e Aristo´teles se deram conta disso (acrescentar refereˆncias), mas de modo geral, sem enfrentar em detalhe a formalizac¸a˜o espec´ıfica da geometria. 8 INTRODUC¸A˜O reta. Todavia, o que significa “prolongar” na˜o esta´ escrito, nem o que significa “finito”. Mesmo assim, o n´ıvel de precisa˜o alcanc¸ado e´ decididamente avanc¸ado para a e´poca e constitui a primeira tentativa se´ria de formalizac¸a˜o axioma´tica. Ademais, os teoremas que Euclides deduz dos axiomas continuam sendo va´lidos conforme nossa mentalidade moderna (a qual tampouco tem validade absoluta e em futuro se tornara´ antiga), mesmo se no´s modernos precisamos “limpar” as demonstrac¸o˜es e formular de modo bem mais satisfato´rio e completo os axiomas. Isso so´ foi feito no fim do se´culo XIX por Hilbert. Com a linguagem incompleta de Euclides, os axiomas fundamentais da geometria em duas dimenso˜es sa˜o cinco, que podemos formular da seguinte maneira: (1) por dois pontos distintos passa uma u´nica reta; (2) um segmento pode ser prolongado com continuidade de ambos os lados a uma reta; (3) dados um centro e um raio fica determinada uma u´nica circunfereˆncia; (4) todos os aˆngulos retos sa˜o congruentes entre si; (5) dados uma reta r e um ponto P no plano, existe uma u´nica reta s passante por P e paralela a r. Esta formulac¸a˜o e´ mais moderna que a original, mas o conteu´do e´ essencialmente o mesmo. A necessidade do quarto axioma e´ devida ao fato que Euclides define um aˆngulo reto da seguinte maneira: dadas uma reta r e um ponto P ∈ r, seja s uma semirreta que sai de P ; se os dois aˆngulos formados entre r e s sa˜o congruentes, enta˜o sa˜o chamados de retos. Com essa definic¸a˜o e´ necessa´rio postular que, inde- pendentemente da escolha de r e s, todos os aˆngulos retos sa˜o congruentes. De novo, o que significa serem “congruentes” na˜o esta´ escrito; tambe´m a noc¸a˜o de “aˆngulo” e´ introduzida de modo muito vago. Desleixando por enquanto as questo˜es estritamente formais, consideremos o quinto postulado. Para Euclides e para muitos matema´ticos depois dele parecia claro que o quinto postulado tivesse uma natureza diferente da dos demais. Antes de tudo, o axioma na˜o esta´ formulado desta maneira na obra de Euclides; a for- mulac¸a˜o que mostramos foi introduzida sucessivamente, pois e´ mais pra´tica e clara, mas e´ equivalente a` original. Tambe´m devemos dizer o que significa que duas retas sa˜o “paralelas”: tratando-se de retas no plano, podemos defini-las paralelas quando coincidem ou teˆm intersec¸a˜o vazia. O problema do quinto postulado esta´ no fato que o seu enunciado possui a apareˆncia de um teorema, ou seja, parece mais natu- ral pensar que seja um resultado a ser provado. De fato, enquanto construir uma circunfereˆncia dados centro e raio ou, analogamente, construir uma reta dados dois pontos, parecem operac¸o˜es primitivas, que de alguma maneira caracterizam as cir- cunfereˆncias e as retas, pelo contra´rio a construc¸a˜o de uma paralela e a sua unicidade parecem consequeˆncias, a serem deduzidas ja´ sabendo o que sa˜o os pontos e as re- tas. De fato, Euclides evita de usar o quinto postulado ate´ que consiga, formulando va´rios teoremas somente a partir dos primeiros quatro. Todavia, a um certo ponto se veˆ forc¸ado a usa´-lo e o faz. A GEOMETRIA EUCLIDIANA 9 Por muitos se´culos ficou aberto o problema de deduzir o quinto postulado a partir dos primeiros quatro. Foram numeros´ıssimas as tentativas de achar uma de- monstrac¸a˜o, tambe´m por matema´ticos ilustres, mas todas fracassaram. A resposta so´ chegou no se´culo XIX, grac¸as aos trabalhos de Gauss, Riemann, Lobachevsky e va´rios outros matema´ticos. Foi uma resposta negativa: o quinto postulado na˜o e´ consequeˆncia dos demais. Como foi poss´ıvel demonstrar que um enunciado na˜o se pode demonstrar? Parece um desafio, mas a lo´gica subjacente na˜o e´ ta˜o complicada como se poderia pensar. O fato e´ o seguinte: ja´ sabemos que os entes primitivos, pelo fato de serem primitivos, na˜o podem ser definidos, portanto ficam determina-dos pelas propriedades que os axiomas lhes atribuem. Contudo, podemos procurar modelos dos axiomas e dos entes primitivos, ou seja, podemos interpretar cada ente primitivo como um elemento de um certo modelo, verificando que, com essa inter- pretac¸a˜o, os axiomas sa˜o satisfeitos. O modelo que todos temos na cabec¸a, mesmo na˜o podendo formaliza´-lo (por enquanto), consiste em pensar em uma superf´ıcie plana, interpretando os pontos primitivos como os pontos desta superf´ıcie, as retas primitivas como as linhas retas desta superf´ıcie e assim em diante. Com a nossa imaginac¸a˜o conseguimos verificar que valem todos os axiomas, portanto trata-se de um bom modelo (que, repetimos, por enquanto e´ so´ intuitivo, mas na˜o tem que ser esquecido por isso). A intuic¸a˜o fundamental, em relac¸a˜o ao problema que estamos enfrentando, foi a seguinte: se o quinto postulado fosse deduz´ıvel a partir dos de- mais, enta˜o qualquer modelo, que satisfaz os primeiros quatro, teria que satisfazer o quinto. Se, pelo contra´rio, conseguirmos achar um modelo que satisfaz os primeiros quatro, mas na˜o o quinto, enta˜o na˜o pode haver uma demonstrac¸a˜o geral do quinto postulado a partir dos demais, se na˜o aquele modelo levaria a uma contradic¸a˜o. Vamos agora considerar o seguinte modelo. O plano, que constitui o ambiente da geometria em duas dimenso˜es, vai ser interpretado como a superf´ıcie de uma esfera mergulhada no espac¸o tridimensional, na qual dois pontos antipodais ficam identi- ficados, ou seja, sa˜o pensados como se fossem o mesmo ponto (se o leitor achar esta identificac¸a˜o antipodal uma noc¸a˜o bastante abstrata, na˜o e´ importante que se con- centre agora nos detalhes, e sim e´ suficiente que acompanhe o racioc´ınio fundamen- tal). Os pontos do plano sa˜o interpretados como os pontos dessa superf´ıcie esfe´rica, cada um identificado com o antipodal. As retas do plano sa˜o interpretadas como as circunfereˆncias ma´ximas da superf´ıcie esfe´rica, ou seja, como as circunfereˆncias cujo centro coincide com o da esfera. Equivalentemente, uma circunfereˆncia ma´xima e´ a intersec¸a˜o entre a superf´ıcie esfe´rica e um plano que passa pelo centro. Trata- se de um modelo, portanto na˜o ha´ nenhum problema pelo fato que as retas sa˜o “curvas”: as retas sa˜o entes primitivos e podemos interpreta´-las como queremos, desde que valham os axiomas que pretendemos impor. Vamos verificar que, com esta interpretac¸a˜o, valem os primeiros quatro postulados. • Por dois pontos na˜o antipodais (portanto distintos no nosso modelo) A e B da superf´ıcie esfe´rica passa uma u´nica circunfereˆncia ma´xima. De fato, seja C o centro da esfera. Como A e B na˜o sa˜o antipodais, os treˆs pontos A, B e C na˜o sa˜o alinhados, portanto existe um u´nico plano pi no espac¸o 10 INTRODUC¸A˜O tridimensional que conte´m os treˆs. Por isso, a u´nica circunfereˆncia ma´xima que conte´m A e B e´ a intersec¸a˜o entre pi e a superf´ıcie esfe´rica. • Dado um segmento de uma circunfereˆncia ma´xima, pode ser prolongado a` circunfereˆncia toda. Esta se torna uma tautologia, interpretando os seg- mentos como os arcos de circunfereˆncia ma´xima (menores que a semicircun- fereˆncia e identificados com a pro´pria imagem antipodal) entre dois pontos fixados. • Dados um centro C na superf´ıcie esfe´rica e um raio r (menor que o com- primento de uma semicircunfereˆncia ma´xima) podemos trac¸ar uma u´nica circunfereˆncia sobre a superf´ıcie (na˜o ma´xima em geral) com o centro e o raio dados. Para demostrar este enunciado, dever´ıamos definir a noc¸a˜o de distaˆncia entre dois pontos da superf´ıcie esfe´rica (que corresponde ao com- primento do segmento menor que une os dois pontos), mas o leitor pode dar-se conta intuitivamente do que estamos afirmando. De fato, fixando um ponto C na superf´ıcie esfe´rica e um pequeno nu´mero positivo r, o leitor pode visualizar a construc¸a˜o da u´nica circunfereˆncia contida na superf´ıcie esfe´rica de centro C e raio r. • Tambe´m o quarto postulado pode ser verificado, dando uma adequada noc¸a˜o de aˆngulo, que corresponde a` ideia intuitiva do aˆngulo formado por duas circunfereˆncias ma´ximas que se interceptam em um ponto. Na˜o apro- fundamos os detalhes, pois na˜o sa˜o significativos a respeito do que estamos discutindo neste contexto. Ha´ va´rias questo˜es significativas que estamos desleixando,3 mas na˜o sa˜o minima- mente relevantes em relac¸a˜o a esta introduc¸a˜o. Agora chega a pergunta fundamental: vale o quinto postulado? A resposta e´ na˜o: se fixarmos uma circunfereˆncia ma´xima C e um ponto P externo a esta circunfereˆncia, qualquer circunfereˆncia ma´xima, passante por P , intercepta C em dois pontos antipodais, portanto na˜o e´ paralela a C, sendo duas retas no plano paralelas quando coincidem ou teˆm intersec¸a˜o vazia. Isso resolve o problema do quinto postulado: conseguimos exibir um modelo que satisfaz os primeiros quatro mas na˜o o quinto, logo o quinto na˜o e´ consequeˆncia lo´gica dos demais. E´ realmente um postulado, como Euclides tinha intu´ıdo, mesmo se acreditava pouco na sua pro´pria intuic¸a˜o. No modelo que acabamos de mostrar, por um ponto externo a uma reta na˜o passa nenhuma paralela, portanto contradis- semos a existeˆncia da paralela; ha´ outros modelos em que existem infinitas paralelas, portanto fica contradita a unicidade. No primeiro caso se fala de geometria el´ıptica, no segundo caso de geometria hiperbo´lica. Quando vale o quinto postulado, se fala obviamente de geometria euclidiana. Como dissemos no comec¸o, esta soluc¸a˜o fecha o problema do quinto postulado mas abre um mundo novo na geometria, que o leitor interessado podera´ aprofundar em manuais mais avanc¸ados sobre este assunto. 3Em particular, o comprimento de uma reta euclidiana e´ infinito, enquanto neste modelo e´ finito; prolongando um segmento a uma reta euclidiana, o complementar do segmento e´ formado por duas componentes, enquanto neste modelo so´ por uma; enfim, o comprimento do raio de uma circunfereˆncia euclidiana pode ser qualquer nu´mero positivo, enquanto neste modelo tem um limite superior. Poder´ıamos considerar modelos hiperbo´licos em que isso na˜o ocorre, mas seria mais complicado visualizar as circunfereˆncias e os aˆngulos. COORDENADAS CARTESIANAS 11 Mesmo tendo resolvido o problema fundamental do quinto postulado, va´rias questo˜es ficam abertas, sobretudo em relac¸a˜o ao fato que a formulac¸a˜o de Euclides e´ muito imprecisa. Veremos no vol. III que Hilbert formulou de modo completo e satisfato´rio os axiomas da geometria euclidiana, partindo de entes realmente primi- tivos. Ademais, o modelo que achamos para a geometria euclidiana, que consiste em um plano intuitivo com as suas retas e os seus pontos, e´ uma imagem que consegui- mos visualizar mas na˜o formalizar. Em um modelo concreto um ente primitivo deve ser interpretado como um objeto preciso, que sabemos definir; em caso contra´rio, e´ melhor ficar com a formulac¸a˜o axioma´tica e renunciar a uma interpretac¸a˜o. Na verdade, estas afirmac¸o˜es merecem ser aprofundadas, porque tambe´m em um mo- delo na˜o podemos definir e provar tudo ate´ o infinito, portanto precisamos entender em que sentido a interpretac¸a˜o e´ formulada rigorosamente. Adiando esta discussa˜o, por enquanto afirmamos que na˜o temos um modelo suficientemente rigoroso da ge- ometria euclidiana, pois nossa imaginac¸a˜o de um plano ou de uma reta na˜o tem uma boa traduc¸a˜o matema´tica. Veremos que a a´lgebra linear nos proporciona essa traduc¸a˜o de modo bem satisfato´rio. Enfim, observamos que a discussa˜o precedente concerne a geometria euclidiana em duas dimenso˜es, mas os mesmos problemas se po˜em tambe´m em relac¸a˜o a` geometria em treˆs dimenso˜es. Mostraremos que, atrave´s da a´lgebra linear, pode-se construir um modelo rigoroso tambe´m neste caso. Na ver- dade, obteremos um resultado bem mais significativo: como ja´ antecipamos no in´ıciodesta exposic¸a˜o, poderemos construir um modelo da geometria euclidiana em um nu´mero gene´rico de dimenso˜es. Esta generalizac¸a˜o na˜o e´ somente uma curiosidade intelectual, e sim possui inu´meras aplicac¸o˜es teo´ricas e pra´ticas. Coordenadas cartesianas A maneira euclidiana de enfrentar os problemas a`s vezes e´ chamada de “sinte´tica”. Descartes, no se´culo XVII, introduziu a maneira que sera´ chamada de “anal´ıtica”, baseada em um sistema de coordenadas. Em particular, ele se deu conta que, em um plano euclidiano, e´ poss´ıvel introduzir um referencial, formado por uma origem e dois eixos coordenados, como mostraremos em detalhe no comec¸o deste volume. Dessa maneira cada ponto do plano corresponde a um par de nu´meros reais e, analo- gamente, um ponto no espac¸o tridimensional corresponde a uma tripla de nu´meros reais. Grac¸as a isso uma relac¸a˜o geome´trica entre pontos e subconjuntos do plano ou do espac¸o se traduz em uma relac¸a˜o alge´brica entre conjuntos de nu´meros reais, portanto a geometria se traduz na a´lgebra. Isso pode ser u´til nas duas direc¸o˜es, dependendo do problema. Muitos problemas de geometria se traduzem em equac¸o˜es alge´bricas simples, que tornam bem mais fa´cil a resoluc¸a˜o. Analogamente, muitos problemas alge´bricos se traduzem em relac¸o˜es geome´tricas bem visualiza´veis, que se podem resolver mais diretamente que com as contas abstratas. Essa interac¸a˜o se revelou bem prof´ıcua e tambe´m foi fundamental para o nascimento, pouco depois, do ca´lculo infinitesimal. Ja´ lembramos que va´rios problemas de geometria euclidiana podem ser enfrentados equivalentemente introduzindo um referencial, cabendo a no´s decidir cada vez qual ponto de vista e´ mais adequado. Ademais, o me´todo anal´ıtico tornou bem mais fa´cil estudar objetos geome´tricos que a geometria euclidiana na˜o 12 INTRODUC¸A˜O tinha conseguido abranger, em particular as curvas e as superf´ıcies. Na geometria grega foram estudadas bastante bem as coˆnicas, pelo fato de serem descritas como a intersec¸a˜o entre um cone e um plano. Como o cone e´ formado por uma famı´lia de retas passantes pelo ve´rtice, se trata de objetos tipicamente euclidianos. A`s vezes, tentando resolver alguns problemas cla´ssicos, como a trissec¸a˜o do aˆngulo, os gregos chegaram a construir outras curvas, mas se tratava de casos isolados, que na˜o foram ulteriormente aprofundados. Contudo, este to´pico na˜o pertence ao conteu´do destes volumes, pois seria adequado para um curso introduto´rio de geometria diferencial. O que e´ importante para no´s neste momento e´ a discussa˜o em relac¸a˜o aos funda- mentos, a qual concerne tambe´m a noc¸a˜o cartesiana de referencial e os seus desenvol- vimentos. Neste caso encontramos dois problemas: antes de tudo, sem saber definir rigorosamente o que e´ um plano e o que sa˜o os pontos e as retas, fica bem dif´ıcil definir rigorosamente as noc¸o˜es de origem e de eixo coordenado, portanto a discussa˜o sobre os alicerces do ponto de vista cartesiano e´ estritamente ligada a` discussa˜o ana´loga em relac¸a˜o a` geometria euclidiana. De fato, a partir deste volume, desenvolveremos as duas discusso˜es ao mesmo tempo, em um contexto unita´rio. Ademais, para formular rigorosamente a correspondeˆncia entre objetos geome´tricos de um lado e equac¸o˜es ou relac¸o˜es entre nu´meros reais do outro lado, e´ necessa´rio saber o que e´ um nu´mero real. Infelizmente, na e´poca de Descartes faltava a formulac¸a˜o rigorosa desta noc¸a˜o, que so´ chegou no se´culo XIX grac¸as a Dedekind. Os gregos, bem antes de Euclides, tinham descoberto a existeˆncia dos nu´meros irracionais e isso provocou uma crise muito intensa na maneira de pensar as relac¸o˜es entre a matema´tica e a realidade emp´ırica, dado que, a partir de Pita´goras, se pensava que a realidade toda pudesse ser descrita atrave´s de razo˜es entre nu´meros inteiros. Por causa desta descoberta, na˜o tendo uma maneira clara de tratar estes “novos” nu´meros, os matema´ticos gre- gos comec¸aram a atribuir uma importaˆncia sempre maior a` geometria, ao inve´s da a´lgebra, pois podiam tranquilamente trabalhar com a diagonal de um quadrado de lado 1, mas na˜o ta˜o facilmente com o nu´mero irracional √ 2. Infelizmente foram necessa´rios mais de dois mil anos para que, a partir desta descoberta, fosse poss´ıvel tratar a noc¸a˜o de nu´mero real com fundamentos suficientemente so´lidos. Por isso, voltando a` noc¸a˜o de referencial introduzida por Descartes, a correspondeˆncia en- tre objetos geome´tricos e alge´bricos tinha problemas fundacionais tambe´m do lado alge´brico, os quais foram completamente resolvidos dois se´culos depois. Contudo, esta interac¸a˜o entre a´lgebra e geometria, independentemente do rigor formal, foi um dos momentos decisivos para o nascimento da matema´tica moderna e contem- poraˆnea. A a´lgebra linear No se´culo XIX nasceu a a´lgebra linear, que sera´ o to´pico espec´ıfico do vol. II, mas que de fato e´ a base dos treˆs volumes. Por isso, na˜o lhe dedicamos muito espac¸o nesta introduc¸a˜o. Veremos que se trata da teoria dos espac¸os vetoriais, a qual, ale´m de ser interessante em si mesma, continua sendo uma ferramenta essencial em quase todas as a´reas da matema´tica e em quase todas as aplicac¸o˜es na cieˆncia e na tecnologia. O fato que queremos destacar agora e´ o seguinte. Como ja´ afirmamos, grac¸as a A A´LGEBRA LINEAR 13 esta teoria conseguiremos construir um modelo rigorosamente fundado da geometria euclidiana. O que significa rigorosamente fundado? Este e´ o momento de fazer um pouco de auto-cr´ıtica da mentalidade moderna. O fato de na˜o poder regredir ao infinito vale para no´s agora ta˜o como valia para os gregos antigos e em todas as e´pocas sucessivas. Portanto, nosso objetivo na˜o pode ser o de fundar tudo, e sim o de minimizar os entes primitivos e os axiomas necessa´rios. Conforme a impostac¸a˜o atual da matema´tica (que, repetimos, na˜o e´ universal nem eterna), o ponto de partida e´ a teoria dos conjuntos. Por tra´s desta teoria ha´ um mundo que nem podemos roc¸ar neste contexto, portanto nos contentamos com as ideias intuitivas de conjunto, unia˜o, intersec¸a˜o, produto cartesiano e assim em diante. Tambe´m consideramos como entes primitivos os nu´meros naturais, mesmo se a relac¸a˜o entre estes nu´meros e a teoria dos conjuntos e´ um to´pico delicado. Isso significa que, nos treˆs volumes, consideraremos “conhecidas” as noc¸o˜es de conjunto e de nu´mero natural e as operac¸o˜es fundamentais entre estes objetos. A`s vezes usaremos tambe´m o conceito de relac¸a˜o de equivaleˆncia, mas no primeiro volume isso acontecera´ poucas vezes e de modo na˜o essencial para a compreensa˜o do texto. A partir destes pre´-requisitos e´ poss´ıvel definir precisamente a noc¸a˜o de nu´mero real. Normalmente se mostra a construc¸a˜o completa em um curso de ana´lise, por- tanto na˜o vamos discutir os detalhes. Do ponto de vista formal, assumiremos que o leitor saiba o que e´ um nu´mero real e como aplicar as operac¸o˜es fundamentais entre estes nu´meros; do ponto de vista pra´tico, na˜o sera´ importante conhecer a definic¸a˜o rigorosa, e sim saber trabalhar concretamente com os nu´meros reais a um n´ıvel ele- mentar. Analogamente, desde o comec¸o introduziremos a noc¸a˜o de “polinoˆmio real nas varia´veis x1, . . . , xn”, a qual sera´ usada para definir os sistemas lineares. Dare- mos uma definic¸a˜o ra´pida desse conceito, mas pode-se dar uma definic¸a˜o alge´brica formal introduzindo os ane´is de polinoˆmios. Evitamos de mostrar os detalhes pois, em um manual de geometria anal´ıtica e a´lgebra linear, um rigor excessivo em relac¸a˜o a`s ferramentas iniciais levaria muito tempo para obter benef´ıcios mı´nimos. O lei- tor interessado pode aprofundar o assunto autonomamente ou em outros cursos. Contudo, queremos deixar claro mais uma vez que na˜o consideramos as noc¸o˜es de nu´mero real e de polinoˆmioreal como entes primitivos, e sim como conceitos rigo- rosamente fundados a partir da teoria dos conjuntos e da dos nu´meros naturais; so´ na˜o mostramos aqui as construc¸o˜es correspondentes. Com estes pre´-requisitos, toda a teoria da a´lgebra linear sera´ desenvolvida sem nenhum ente primitivo a mais e sem nenhum outro conceito intuitivo na˜o definido. Dessa maneira, conseguiremos construir um modelo rigoroso da geometria euclidiana em qualquer dimensa˜o, no qual ficara˜o definidos com precisa˜o os entes primitivos (ponto, reta, plano, etc.) e ficara´ demonstrada a validade dos axiomas de Euclides. Ao mesmo tempo, esta construc¸a˜o levara´ a uma definic¸a˜o rigorosa da noc¸a˜o de referencial, portanto tambe´m o ponto de vista cartesiano ficara´ fundado de modo preciso. Com isso as treˆs histo´rias que estamos contando mostrara˜o a profunda unidade que as liga e que ja´ foi destacada no comec¸o desta introduc¸a˜o: a a´lgebra linear sera´ o alicerce sobre o qual ficara´ constru´ıdo um u´nico pre´dio, o qual contera´ a 14 INTRODUC¸A˜O geometria euclidiana, a noc¸a˜o cartesiana de referencial e as interac¸o˜es ricas e eficazes entre estes dois pontos de vista. Notac¸o˜es Usaremos no texto os seguintes s´ımbolos: • ‘∀’, ‘∃’ e ‘@’, com o significado respetivamente de “para cada”, “existe” e “na˜o existe”; • os s´ımbolos usuais ‘=’, ‘ 6=’, ‘<’, ‘>’, ‘≤’ e ‘≥’ com o significado respe- tivamente de “igual”, “diferente”, “menor”, “maior”, “menor ou igual” e “maior ou igual”; • ‘:’ com o significado de “tal que” ou “tais que”; • ‘∈’ para denotar a relac¸a˜o de pertenc¸a a um conjunto; por exemplo, x ∈ X significa que x e´ um elemento do conjunto X; • ‘⊂’ para denotar a relac¸a˜o de inclusa˜o entre conjuntos; por exemplo, Y ⊂ X significa que todo elemento de Y pertence tambe´m a X; quando queremos destacar que a inclusa˜o e´ pro´pria usamos o s´ımbolo ‘(’; por exemplo, Y ( X significa que Y ⊂ X e Y 6= X; • ‘∩’ e ‘∪’ para denotar respetivamente a intersec¸a˜o e a unia˜o de dois con- juntos; • ‘×’ para denotar o produto cartesiano de dois conjuntos; denotamos por (x, y) um elemento do conjunto X × Y ; • ‘\’ para denotar a diferenc¸a entre dois conjuntos; por exemplo, X \ Y e´ o conjunto dos elementos que pertencem a X mas na˜o a Y ; • ‘∅’ para denotar o conjunto vazio; • N, Z, Q e R para denotar respetivamente os conjuntos dos nu´meros naturais, inteiros, racionais e reais; • ‘+’ e ‘ · ’ para indicar a soma e o produto nos conjuntos N, Z, Q e R; normalmente subentenderemos o s´ımbolo ‘ · ’ e indicaremos o produto so´ justapondo os termos correspondentes; por exemplo, xy indica o produto entre x e y; • os pareˆntesis ‘(’ e ‘)’ quando for necessa´rio indicar a ordem em que se aplicam as operac¸o˜es; • a v´ırgula ‘,’ para separar os itens de uma lista. Em geral denotaremos um conjunto atrave´s de uma propriedade que caracteriza os seus elementos, com a seguinte notac¸a˜o: X = {x : ϕ(x)} sendo ϕ(x) a propriedade. A`s vezes, para destacar que estamos definindo um con- junto e na˜o enunciando uma igualdade entre objetos ja´ definidos, usamos o s´ımbolo 15 16 NOTAC¸O˜ES ‘:=’. Por exemplo, o conjunto dos nu´meros inteiros pares pode ser definido da se- guinte maneira: P := {n ∈ Z : ∃m ∈ Z : n = 2m}. Quando o conjunto for finito, podemos defini-lo tambe´m mostrando a lista dos seus elementos, por exemplo: X := {1, 8,−2}. Quando definiremos a noc¸a˜o de vetor, usaremos as seguintes notac¸o˜es: • indicaremos os vetores por uma letra sublinhada, por exemplo ‘v’; • o vetor nulo em qualquer dimensa˜o sera´ indicado por ‘0’ e o oposto do vetor ‘v’ sera´ denotado por ‘−v’; • usaremos o s´ımbolo ‘+’ para indicar a soma entre vetores, por exemplo v+w, e o s´ımbolo ‘ · ’ para denotar o produto externo; todavia, normalmente indicaremos o produto externo sem escrever explicitamente ‘·’, por exemplo λv; • usaremos o s´ımbolo ‘〈 · , · 〉’ ou ‘•’ para indicar o produto escalar ou interno, por exemplo 〈v, w〉 ou v • w; • usaremos o s´ımbolo ‘∧’ para indicar o produto vetorial em R3, por exemplo v ∧ w; • dado um conjunto de vetores A = {v1, . . . , vk}, denotaremos por 〈A〉 ou por 〈v1, . . . , vk〉 o subespac¸o gerado por A; em princ´ıpio, quando k = 2, a notac¸a˜o 〈v1, v2〉 pode indicar quer o subespac¸o gerado pelos dois veto- res, quer o produto interno, mas o contexto esclarecera´ sem du´vida o que estamos denotando. CAP´ıTULO 1 Sistemas lineares Vamos comec¸ar discutindo os sistemas lineares, que constituem a ferramenta alge´brica fundamental para os cursos de geometria anal´ıtica e a´lgebra linear. Quase todos os problemas que enfrentaremos na primeira parte do curso se reconduzira˜o, do ponto de vista pra´tico, a` discussa˜o de um sistema linear e, reciprocamente, discu- tindo os sistemas lineares ja´ encontraremos as noc¸o˜es fundamentais de combinac¸a˜o linear e independeˆncia linear, a serem desenvolvidas mais adiante. Por isso, em nossa opinia˜o, uma discussa˜o adequada acerca dos sistemas lineares e´ o ponto de partida natural para a teoria que vamos apresentar. 1.1. Sistemas lineares e independeˆncia linear Iniciamos considerando uma equac¸a˜o linear. Em seguida, analisaremos os siste- mas com um nu´mero qualquer de equac¸o˜es. 1.1.1. Equac¸o˜es lineares. Definic¸a˜o intuitiva 1.1.1. Um polinoˆmio real de primeiro grau nas varia´veis x1, . . . , xn e´ a soma de uma quantidade finita de termos, cada um de uma das duas seguintes formas: (1) o produto entre um nu´mero real e uma varia´vel xi; (2) um nu´mero real. ♦ Se a, b ∈ R e xi for uma varia´vel, pomos axi+ bxi = (a+ b)xi e 0xi = 0, portanto podemos assumir que nenhuma varia´vel aparec¸a mais de uma vez na soma e, se uma varia´vel aparecer com coeficiente nulo, podemos tira´-la. Ademais, assumimos que a soma seja comutativa, portanto a ordem dos termos na˜o e´ significativa. Enfim, quando temos poucas varia´veis, podemos chama´-las tambe´m de x, y, z, . . . ao inve´s de x1, . . . , xn. Alguns exemplos de polinoˆmio de primeiro grau sa˜o os seguintes:√ 2x+ 5y + z − 3 x+ y + z x− 3. Pelo contra´rio, as seguintes expresso˜es na˜o sa˜o polinoˆmios de primeiro grau: x2 − 2y 3− xyz 2x + y x+ seny. De fato, as primeiras duas conteˆm produtos de varia´veis (neste caso se trata de po- linoˆmios, mas na˜o de primeiro grau). Na terceira e na quarta, uma varia´vel aparece ao exponente ou como argumento do seno, portanto na˜o se trata de polinoˆmios. Observamos que a seguinte expressa˜o e´ um polinoˆmio de primeiro grau: 2pix− e5y + z. 17 18 1. SISTEMAS LINEARES De fato, mesmo se 2pi e e5 sa˜o definidos atrave´s de func¸o˜es na˜o polinomiais ou na˜o de primeiro grau, afinal sa˜o dois nu´meros reais, portanto teˆm um valor constante, inde- pendente das ferramentes necessa´rias para determina´-lo. Por isso, a expressa˜o toda so´ conteˆm termos de primeiro grau. Analogamente, entre as seguintes expresso˜es: x+ 2seny − 1 x+ ysen2− 1 a primeira na˜o e´ um polinoˆmio de primeiro grau, pois conte´m seny, enquanto a segunda o e´, pois sen2 e´ uma constante. Observac¸a˜o 1.1.2. A definic¸a˜o 1.1.1 na˜o exclui o caso em que todo termo e´ um nu´mero real, portanto inclui tambe´m polinoˆmios formados somente por uma constante. Neste caso, se a constante for diferente de 0, enta˜o o grau do polinoˆmio e´ 0, enquanto o polinoˆmio nulo na˜o tem um grau definido. Por isso, na definic¸a˜o 1.1.1, seria mais correto afirmar que se trata de um polinoˆmio real de grau menor ou igual a 1 ou nulo. Contudo, por simplicidade, continuaremos a usar a expressa˜o polinoˆmio real de primeiro grau. ♦ Definic¸a˜o 1.1.3. Uma equac¸a˜o linear real nas varia´veis x1, . . . , xn e´ uma igual- dade entre dois polinoˆmios reais de primeiro grau em x1, . . . , xn. ♦ Por exemplo, as seguintes equac¸o˜es sa˜o lineares reais: x− 1 + 3y = y − 4 x = √ 3 2 x− 3 = x+ y + 3ez. Lembramosque, se a, b ∈ R e xi for uma varia´vel, pomos axi + bxi = (a + b)xi e 0ix = 0. Portanto, cada equac¸a˜o linear nas varia´veis x1, . . . , xn pode ser reconduzida a` seguinte forma canoˆnica: (1) a1x1 + · · ·+ anxn = b, a1, . . . , an, b ∈ R. Daqui em diante assumiremos que toda equac¸a˜o linear esteja escrita na forma (1). Exemplo. Consideremos a equac¸a˜o 3x−√5y + 9z − piw = 20. Equivalentemente, se trata da equac¸a˜o 3x1− √ 5x2 +9x3−pix4 = 20. Conforme a notac¸a˜o (1), temos que n = 4, a1 = 3, a2 = − √ 5, a3 = 9, a4 = −pi e b = 20. ♦ Observac¸a˜o 1.1.4. Consideremos a equac¸a˜o x−y = 2. Trata-se de uma equac¸a˜o em duas varia´veis, mas pode tambe´m ser pensada como equac¸a˜o em treˆs varia´veis, ou seja, x− y + 0z = 2. Isso implica que as varia´veis da equac¸a˜o teˆm que ser dadas como parte da informac¸a˜o de partida, sendo obviamente necessa´rio incluir as que aparecem explicitamente. No exemplo precedente, podemos considerar a equac¸a˜o x − y = 2 como equac¸a˜o nas varia´veis x e y, como equac¸a˜o nas varia´veis x, y e z, como equac¸a˜o nas varia´veis x, y, z e w e assim em diante. Quando uma varia´vel dada na˜o aparece na equac¸a˜o, o coeficiente dela e´ 0. ♦ Definic¸a˜o 1.1.5. Uma soluc¸a˜o da equac¸a˜o (1) e´ uma n-upla ordenada de nu´meros reais (t1, . . . , tn), tal que a1t1 + · · ·+ antn = b. ♦ Por exemplo, o par (1, 2) e´ uma soluc¸a˜o da equac¸a˜o linear 2x + y = 4, pois 2 · 1 + 2 = 4. Na definic¸a˜o 1.1.5 e´ importante distinguir entre a varia´vel xi e a cons- tante ti: de fato, ti e´ um nu´mero, o qual e´ indicado por uma letra, pois se trata de um 1.1. SISTEMAS LINEARES E INDEPENDEˆNCIA LINEAR 19 nu´mero gene´rico, cujo valor espec´ıfico depende do caso concreto que se considera. Pelo contra´rio, xi e´ uma varia´vel, que pode ser substitu´ıda por um nu´mero, mas que, como varia´vel, fica indeterminada. Contudo, isso na˜o exclui que a`s vezes se use um leve abuso de notac¸a˜o. Por exemplo, ao inve´s de afirmar que (1, 2) e´ uma soluc¸a˜o de 2x+y = 4, frequentemente escreveremos que uma soluc¸a˜o desta equac¸a˜o e´ dada por x = 1 e y = 2. Em geral, se (t1, . . . , tn) for uma soluc¸a˜o da equac¸a˜o (1), conforme a definic¸a˜o 1.1.5, escreveremos frequentemente x1 = t1, . . . , xn = tn. Se trata de uma maneria ra´pida para afirmar que a constante ti tem que ser substitu´ıda a` varia´vel xi. Tentemos agora estabelecer quantas soluc¸o˜es tem uma equac¸a˜o linear em n varia´veis. Comecemos pelo caso mais simples, ou seja, uma varia´vel. Classificac¸a˜o 1.1.6. A gene´rica equac¸a˜o linear em uma varia´vel e´ a seguinte: (2) ax = b, a, b ∈ R. Temos as seguintes possibilidades: I. a 6= 0: a u´nica soluc¸a˜o e´ x = b a ; II. a = 0: temos que distinguir dois sub-casos: IIA. b 6= 0: a equac¸a˜o na˜o tem soluc¸a˜o; IIB. b = 0: qualquer nu´mero t ∈ R e´ soluc¸a˜o. Por isso, temos uma soluc¸a˜o no caso I, zero soluc¸o˜es no caso IIA e infinitas soluc¸o˜es no caso IIB. ♦ Se, no caso I, temos que b = 0, enta˜o a soluc¸a˜o e´ x = 0, mas isso na˜o muda o fato que haja uma soluc¸a˜o (0 e´ um nu´mero real como os demais), portanto a distinc¸a˜o entre os sub-casos b = 0 e b 6= 0 so´ e´ significativa quando a = 0. Exemplo. Consideremos a equac¸a˜o 3x = 12. Trata-se do caso I, sendo a = 3 6= 0. Neste caso a u´nica soluc¸a˜o e´ x = 123 = 4. ♦ Exemplo. Consideremos a equac¸a˜o −11x = 0. Trata-se do caso I, sendo a = −11 6= 0. Neste caso a u´nica soluc¸a˜o e´ x = − 011 = 0. ♦ Exemplo. Consideremos a equac¸a˜o 0x = −4. Trata-se do caso IIA, sendo a = 0 e b = −4 6= 0, portanto esta equac¸a˜o e´ imposs´ıvel. ♦ Exemplo. Consideremos a equac¸a˜o 0x = 0. Trata-se do caso IIB, sendo a = b = 0, portanto todo numero real e´ soluc¸a˜o. ♦ Vamos ver o que acontece com duas varia´veis. Classificac¸a˜o 1.1.7. A gene´rica equac¸a˜o linear em duas varia´veis e´ a seguinte: (3) a1x+ a2y = b, a1, a2, b ∈ R. Temos as seguintes possibilidades: I. a1 6= 0 ou a2 6= 0. Equivalentemente, (a1, a2) 6= (0, 0). Se a1 6= 0, podemos poˆr y = t, para qualquer nu´mero t ∈ R, e obtemos: x = b− a2t a1 . 20 1. SISTEMAS LINEARES Portanto, as soluc¸o˜es de (3) sa˜o todos os pares da forma ( b−a2t a1 , t ) , com t ∈ R. Analogamente, se a2 6= 0 podemos poˆr x = t, para qualquer nu´mero t ∈ R, e obtemos: y = b− a1t a2 . Neste caso as soluc¸o˜es de (3) sa˜o todos os pares da forma ( t, b−a1t a2 ) . Se a1 e a2 forem ambos na˜o nulos, podemos escolher livremente se poˆr x = t ou y = t, determinando o valor da outra varia´vel em func¸a˜o de t. Obtemos duas maneiras diferentes de escrever o mesmo conjunto de pares de nu´meros reais. Por isso, o fato que so´ um coeficiente seja na˜o nulo ou que ambos o sejam na˜o e´ significativo. O que realmente conta e´ o fato que pelo menos um seja na˜o nulo. Como temos um paraˆmetro t livre, as soluc¸o˜es formam uma reta no plano (x, y), como mostrado na seguinte figura. x y b−a1t a2 t x y t b−a2t a1 Suponhamos que a1 6= 0 e escolhamos a forma ( b−a2t a1 , t ) : se acontece que a2 = 0, obtemos a famı´lia ( b a1 , t ) , em que a primeira entrada e´ constante. Isso na˜o muda o fato que haja uma famı´lia infinita de soluc¸o˜es dependentes de um paraˆmetro: o fato que a primeira entrada seja constante so´ significa que, no plano (x, y), a reta das soluc¸o˜es e´ vertical (uma reta vertical e´ uma reta como as demais, na˜o ha´ uma diferenc¸a intr´ınseca). Analogamente, se a1 = 0 e a2 6= 0, a reta das soluc¸o˜es e´ horizontal, como mostrado na seguinte figura. x y b a1 t a2 = 0: x y b a2 t a1 = 0: Quando a reta na˜o for nem horizontal nem vertical, podemos escolher li- vremente se explicitar y em func¸a˜o de x ou x em func¸a˜o de y. II. a1 = a2 = 0: temos que distinguir dois sub-casos: IIA. b 6= 0: a equac¸a˜o na˜o tem soluc¸a˜o; IIB. b = 0: qualquer par (t, u), onde t, u ∈ R, e´ soluc¸a˜o. 1.1. SISTEMAS LINEARES E INDEPENDEˆNCIA LINEAR 21 Portanto, temos infinitas soluc¸o˜es nos casos I e IIB e zero soluc¸o˜es no caso IIA. Ademais, no caso I podemos descrever as infinitas soluc¸o˜es com um paraˆmetro t, enquanto, no caso IIB, precisamos de dois paraˆmetros t e u. Por isso, no caso I dizemos que a equac¸a˜o tem∞1 soluc¸o˜es, enquanto no caso IIB dizemos que tem∞2 soluc¸o˜es. Geometricamente, no caso I as soluc¸o˜es formam uma reta no plano (x, y), no caso IIA formam o conjunto vazio e no caso IIB o plano todo. ♦ Exemplo. Consideremos a equac¸a˜o 2x+4y = −6. Trata-se do caso I, pois a1 = 2 6= 0 ou, equivalentemente, a2 = 4 6= 0, portanto temos ∞1 soluc¸o˜es. Neste caso podemos escolher se explicitar x ou y, pois ambos os coeficientes sa˜o na˜o nulos. Explicitando x temos que x = −2y − 3, portanto as soluc¸o˜es sa˜o os pares da forma (−2t− 3, t). Explicitando y temos que y = −12x− 32 , portanto as soluc¸o˜es sa˜o os pares da forma ( t,−12 t− 32 ) . ♦ Exemplo. Consideremos a equac¸a˜o 0x − y = 1. Trata-se do caso I, pois a2 = −1 6= 0, portanto temos ∞1 soluc¸o˜es. Neste caso so´ podemos explicitar y, obtendo y = −1, portanto as soluc¸o˜es sa˜o os pares da forma (t,−1). ♦ Exemplo. Consideremos a equac¸a˜o x+ 0y = 3 √ 7. Trata-se do caso I, pois a1 = 1 6= 0, portanto temos ∞1 soluc¸o˜es. Neste caso so´ podemos explicitar x, obtendo x = 3√7, portanto as soluc¸o˜es sa˜o os pares da forma ( 3 √ 7, t). ♦ Exemplo. Consideremos a equac¸a˜o 0x + 0y = −9. Trata-se do caso IIA, pois a1 = a2 = 0 e b = −9 6= 0, portanto a equac¸a˜o e´ imposs´ıvel. ♦ Exemplo. Consideremos a equac¸a˜o 0x+0y = 0. Trata-se do caso IIB, pois a1 = a2 = b = 0, portanto todo par (t, u) e´ uma soluc¸a˜o. ♦ Agora podemos analisar uma equac¸a˜o gene´rica de n varia´veis. Classificac¸a˜o 1.1.8. A gene´rica equac¸a˜o linear e´ da seguinte forma: (4) a1x1 + · · ·+ anxn = b, a1, . . . , an, b ∈ R. Temos as seguintes possibilidades: I.existe i, entre 1 e n, tal que ai 6= 0. Equivalentemente, (a1, . . . , an) 6= (0, . . . , 0). Podemos poˆr a1 = t1, . . . , ai−1 = ti−1, ai+1 = ti+1, . . . , an = tn e obtemos: xi = b− a1t1 − · · · − ai−1ti−1 − ai+1ti+1 − · · · − antn ai . Se mais de um coeficiente for na˜o nulo, podemos escolher livremente uma varia´vel xi tal que ai 6= 0 e resolver a equac¸a˜o como acabamos de mostrar. II. a1 = · · · = an = 0: temos que distinguir dois sub-casos: IIA. b 6= 0: a equac¸a˜o na˜o tem soluc¸a˜o; IIB. b = 0: qualquer n-upla (t1, . . . , tn), onde t1, . . . , tn ∈ R, e´ soluc¸a˜o. Portanto, conforme a notac¸a˜o introduzida na classificac¸a˜o 1.1.7, no caso I temos ∞n−1 soluc¸o˜es, no caso IIA na˜o ha´ nenhuma soluc¸a˜o, no caso IIB temos∞n soluc¸o˜es. Por coereˆncia com o caso n = 1, estabelecemos por convenc¸a˜o que ∞0 = 1. ♦ E´ claro que, para n = 1, a classificac¸a˜o 1.1.8 coincide com a 1.1.6 e, para n = 2, coincide com a 1.1.7. 22 1. SISTEMAS LINEARES Exemplo. Consideremos a equac¸a˜o 2x + 0y − z + 0w = 2. Trata-se do caso I, pois a1 = 2 6= 0 ou, equivalentemente, a3 = −1 6= 0, portanto, sendo n = 4, temos∞3 soluc¸o˜es. Podemos escolher se explicitar x ou z. Explicitando x temos que x = 12z + 1, portanto as soluc¸o˜es sa˜o as qua´druplas da forma ( 1 2 t3 + 1, t2, t3, t4 ) . Explicitando z temos que z = 2x− 2, portanto as soluc¸o˜es sa˜o as qua´druplas da forma (t1, t2, 2t1 − 2, t4). ♦ Exemplo. Consideremos a equac¸a˜o 0x+ 0y + 0z + 0w = −12. Trata-se do caso IIA, pois a1 = a2 = a3 = a4 = 0 e b = −12 6= 0, portanto a equac¸a˜o e´ imposs´ıvel. ♦ Exemplo. Consideremos a equac¸a˜o 0x + 0y + 0z + 0w = 0. Trata-se do caso IIB, pois a1 = a2 = a3 = a4 = b = 0, portanto qualquer qua´drupla (t1, t2, t3, t4) e´ soluc¸a˜o, logo temos ∞4 soluc¸o˜es. ♦ Com esta ana´lise conseguimos determinar completamente o nu´mero (eventual- mente infinito) de soluc¸o˜es de uma equac¸a˜o linear. Agora vamos analisar os sistemas lineares. 1.1.2. Sistemas lineares. Definic¸a˜o 1.1.9. Um sistema linear real nas varia´veis x1, . . . , xn e´ um conjunto finito e na˜o vazio de equac¸o˜es lineares reais em x1, . . . , xn. Uma soluc¸a˜o de um sistema linear e´ uma n-upla ordenada (t1, . . . , tn), onde t1, . . . , tn ∈ R, que e´ soluc¸a˜o de todas as equac¸o˜es do conjunto. ♦ Por exemplo, o seguinte sistema e´ linear nas varia´veis x, y, z e w: x− 2y + z = w + 3− x 2 = x− y − w w = z −√3w. Nesse caso temos 3 equac¸o˜es e pelo menos 4 varia´veis (conforme a observac¸a˜o 1.1.4, poder´ıamos tambe´m pensar que haja mais de 4 varia´veis). Como cada equac¸a˜o linear pode ser escrita na forma canoˆnica (1), cada sistema linear pode ser escrito da seguinte forma: (5) a11x1 + · · ·+ a1nxn = b1 ... am1x1 + · · ·+ amnxn = bm. Nesse caso temos m equac¸o˜es e n varia´veis. Temos que estabelecer quantas soluc¸o˜es tem o sistema linear gene´rico (5). Como estamos procurando os valores a serem substitu´ıdos a`s varia´veis, para que as equac¸o˜es fiquem verificadas, a situac¸a˜o e´ a seguinte: cada varia´vel representa um grau de liber- dade, ou seja, um poss´ıvel valor a ser escolhido, enquanto cada equac¸a˜o representa um v´ınculo, ou seja, restringe a liberdade na escolha dos valores. Portanto, se na˜o temos v´ınculos, temos ∞n possibilidades, ou seja, podemos dar qualquer valor a cada varia´vel. Se temos um v´ınculo, imaginamos de poder escrever uma varia´vel em func¸a˜o das demais, portanto uma varia´vel fica vinculada e as demais livres; por isso, esperamos que haja ∞n−1 soluc¸o˜es. Continuando dessa maneira, se o nu´mero de v´ınculos coincidir com o nu´mero de varia´veis, ou seja, se n = m, enta˜o imaginamos 1.1. SISTEMAS LINEARES E INDEPENDEˆNCIA LINEAR 23 que haja uma soluc¸a˜o, ou seja, que toda varia´vel fique vinculada. Se houver mais graus de liberdade que v´ınculos, ou seja, se n > m, enta˜o imaginamos que n − m varia´veis fiquem livres, portanto esperamos ∞n−m soluc¸o˜es. Enfim, se houver mais v´ınculos que graus de liberdade, ou seja, se n < m, imaginamos que na˜o haja bas- tante liberdade para satisfazer todos os v´ınculos, portanto esperamos que o sistema seja imposs´ıvel. Resumindo, a priori esperamos que se verifique a seguinte situac¸a˜o. Conjetura 1.1.10. Dado um sistema linear de m equac¸o˜es e n varia´veis: • se n = m, esperamos que haja uma soluc¸a˜o; • se n > m, esperamos que haja ∞n−m soluc¸o˜es; • se n < m, esperamos que o sistema seja imposs´ıvel. ♦ Observamos que, conforme a convenc¸a˜o ∞0 = 1, os primeiros dois casos podem ser tratados ao mesmo tempo, considerando n ≥ m. Esta descric¸a˜o parece razoa´vel, mas e´ fa´cil mostrar que nem vale sempre. Antes de tudo, quando m = 1, conforme a conjetura 1.1.10 esperamos ∞n−1 soluc¸o˜es: trata-se do caso de uma equac¸a˜o e ja´ vimos na classificac¸a˜o 1.1.8 que, a`s vezes, pode haver ∞n soluc¸o˜es ou nenhuma soluc¸a˜o. Em particular, vale a conjetura 1.1.10 se, e somente se, existe pelos menos um coeficiente ai da equac¸a˜o na˜o nulo. Tambe´m quando m > 1 e cada equac¸a˜o tem pelo menos um coeficiente na˜o nulo, esta conjetura nem sempre corresponde a` verdade, como mostram os seguintes exemplos. Exemplo 1.1.11. Consideremos os seguintes sistemas: x = 12x = 2 3x = 3 { x− y + z = 1 x− y + z = 2. No primeiro caso temos treˆs equac¸o˜es e uma varia´vel, todavia e´ evidente que o sistema tem uma u´nica soluc¸a˜o, ou seja, x = 1. Isso e´ devido ao fato que so´ uma equac¸a˜o e´ significativa, sendo as demais seus mu´ltiplos. No segundo caso temos treˆs varia´veis e duas equac¸o˜es, pore´m e´ claro que o sistema e´ imposs´ıvel. ♦ Exemplo 1.1.12. Consideremos o sistema:{ x− y = 0 x+ y = 2. Nesse caso temos 2 equac¸o˜es e 2 varia´veis, portanto esperamos uma soluc¸a˜o. De fato, pela primeira equac¸a˜o x = y, logo, pela segunda, 2x = 2. Afinal, x = 1 e y = 1, portanto o par (1, 1) e´ a u´nica soluc¸a˜o. ♦ Exemplo 1.1.13. Consideremos o sistema:{ x+ 2y = 1 2x+ 4y = 5. Tambe´m nesse caso temos 2 equac¸o˜es e 2 varia´veis, mas e´ fa´cil dar-se conta que o sistema e´ imposs´ıvel. De fato, 2x + 4y = 2(x + 2y), enquanto 5 6= 2 · 1, portanto nenhum par de nu´meros reais pode satisfazer este sistema. ♦ Exemplo 1.1.14. Consideremos o sistema:{ x+ 2y = 1 2x+ 4y = 2. 24 1. SISTEMAS LINEARES Tambe´m nesse caso temos 2 equac¸o˜es e 2 varia´veis, todavia a segunda equac¸a˜o e´ equivalente a` primeira. De fato, 2x+ 4y = 2(x+ 2y) e 2 = 2 · 1, portanto um par de nu´meros satisfaz a segunda equac¸a˜o se, e somente se, satisfaz a primeira. Portanto, o sistema e´ equivalente a` equac¸a˜o x+ 2y = 1, que tem ∞1 soluc¸o˜es. ♦ Podemos agora entender qual e´ o problema para um sistema gene´rico de 2 equac¸o˜es. Classificac¸a˜o 1.1.15. Escrevamos o gene´rico sistema linear de duas equac¸o˜es na seguinte forma: (6) { p1(x1, . . . , xn) = b1 p2(x1, . . . , xn) = b2, sendo pi(x1, . . . , xn) = ai1x1 + · · · + ainxn para i = 1, 2. Distinguimos os seguintes casos: I. Suponhamos que na˜o exista λ ∈ R tal que p2 = λp1 ou p1 = λp2. Isso, em particular, implica que p1 6= 0 e p2 6= 0. Nesse caso mostraremos rigorosamente no cap´ıtulo 3 que o sistema tem∞n−2 soluc¸o˜es, pois podemos usar a primeira equac¸a˜o para escrever uma varia´vel em func¸a˜o das demais e a segunda equac¸a˜o para escrever outra varia´vel em func¸a˜o das demais. Afinal, sobram n− 2 paraˆmetros livres. II. A menos de trocar as duas equac¸o˜es, suponhamos que exista λ ∈ R tal que p2 = λp1. Isso inclui o caso p2 = 0. IIA. b2 6= λb1. Nesse caso o sistema e´ imposs´ıvel. Isso inclui a possibilidade p2 = 0 e b2 6= 0. IIB. b2 = λb1. Nesse caso, se λ 6= 0, enta˜o a segunda equac¸a˜o e´ equivalente a` primeira, enquanto, se λ = 0, enta˜o p2 = 0 e b2 = 0. Em ambos os casos podemos tirar a segunda equac¸a˜o, portanto reca´ımos na classificac¸a˜o 1.1.8. Logo, se p1 6= 0 temos ∞n−1 soluc¸o˜es; se p1 = 0 e b1 6= 0,a equac¸a˜o e´ imposs´ıvel; se p1 = 0 e b1 = 0 temos ∞n soluc¸o˜es. Isso mostra que a conjetura 1.1.10 vale somente no caso I, ou seja, quando nenhum dos dois polinoˆmios e´ mu´ltiplo do outro (em particular, nenhum dos dois e´ nulo, coerentemente com a ana´lise que fizemos para uma equac¸a˜o). ♦ Exemplo. No exemplo 1.1.12 estamos no caso I, de fato, sendo n = 2, temos uma soluc¸a˜o. No exemplo 1.1.13 estamos no caso IIA, pois p2 = 2p1, mas b2 6= 2b1, de fato o sistema e´ imposs´ıvel. No exemplo 1.1.14 estamos no caso IIB, pois p2 = 2p1 e b2 = 2b1, portanto podemos cortar a segunda equac¸a˜o e reca´ımos na classificac¸a˜o 1.1.8 a respeito da u´nica equac¸a˜o x + 2y = 1. E´ fa´cil verificar que estamos no caso I da classificac¸a˜o 1.1.8, portanto, sendo n = 2, temos ∞1 soluc¸o˜es. Por exemplo, explicitando x temos que x = 1− 2y, portanto as soluc¸o˜es sa˜o os pares da forma (1− 2t, t). ♦ Exemplo. Consideremos o sistema{ x− y + z + w + u = 1 x+ 2y − u = 3. Trata-se do caso I da classificac¸a˜o 1.1.15, portanto temos∞5−2 =∞3 soluc¸o˜es. Por exem- plo, explicitando x na primeira equac¸a˜o obtemos que x = y− z−w− u+ 1. Substituindo 1.1. SISTEMAS LINEARES E INDEPENDEˆNCIA LINEAR 25 esta expressa˜o na segunda equac¸a˜o obtemos 3y− z−w− 2u = 2. Explicitando z obtemos que z = 3y − w − 2u − 2, logo x = −2y + u + 3. Afinal as soluc¸o˜es do sistema sa˜o as qu´ıntuplas da forma (−2t2 + t5 + 3, t2, 3t2 − t4 − 2t5 − 2, t4, t5). ♦ Exemplo. Consideremos o sistema{ x− y + z + 3w = 1 −x+ y − z − 3w = 0. Trata-se do caso IIA da classificac¸a˜o 1.1.15, dado que p2 = −p1 mas b2 6= −b1, logo o sistema e´ imposs´ıvel. ♦ Exemplo. Consideremos o sistema{ x+ 2y − z − w = 2 3x+ 6y − 3z − 3w = 6. Trata-se do caso IIB da classificac¸a˜o 1.1.15, dado que p2 = 3p1 e b2 = 3b1, portanto podemos cortar a segunda equac¸a˜o. Analisando a primeira ca´ımos no caso I da classificac¸a˜o 1.1.8, logo temos∞3 soluc¸o˜es. Por exemplo, explicitando w obtemos que w = x+2y−z−2, logo as soluc¸o˜es sa˜o as qua´druplas da forma (t1, t2, t3, t1 + 2t2 − t3 − 2). ♦ Exemplo. Consideremos o sistema{ x− y + z = 1 0x+ 0y + 0z = 2. Trata-se do caso IIA da classificac¸a˜o 1.1.15, pois p2 = 0p1 mas b2 = 2 6= 0b1, por isso o sistema e´ imposs´ıvel. Neste caso pode-se observar que e´ imposs´ıvel somente por causa da segunda equac¸a˜o. ♦ Exemplo. Consideremos o sistema{ x− y + z = 1 0x+ 0y + 0z = 0. Trata-se do caso IIB da classificac¸a˜o 1.1.15, pois p2 = 0p1 e b2 = 0b1, por isso podemos cortar a segunda equac¸a˜o, como e´ o´bvio. Analisando a primeira equac¸a˜o ca´ımos no caso I da classificac¸a˜o 1.1.8, portanto temos ∞2 soluc¸o˜es. Por exemplo, explicitando x temos que x = y − z + 1, portanto as soluc¸o˜es sa˜o as triplas da forma (t2 − t3 + 1, t2, t3). ♦ Exemplo. Consideremos o sistema{ 0x+ 0y + 0z = 2 0x+ 0y + 0z = 0. Podemos analisar este sistema de duas maneira equivalentes. Podemos pensar que se trate do caso IIA da classificac¸a˜o 1.1.15, pois p1 = 0p2 mas b1 6= 0b2, portanto o sistema e´ imposs´ıvel. Equivalentemente, podemos pensar que se trate do caso IIB da classificac¸a˜o 1.1.15, pois p2 = 0p1 e b2 = 0b1, por isso podemos cortar a segunda equac¸a˜o. Analisando a primeira equac¸a˜o ca´ımos no caso IIA da classificac¸a˜o 1.1.8, portanto a equac¸a˜o (logo o sistema todo) e´ imposs´ıvel. ♦ Exemplo. Consideremos o sistema{ 0x+ 0y + 0z = 0 0x+ 0y + 0z = 0. Trata-se do caso IIB da classificac¸a˜o 1.1.15, pois p2 = 0p1 e b2 = 0b1, por isso podemos cor- tar a segunda equac¸a˜o. Analisando a primeira equac¸a˜o ca´ımos no caso IIB da classificac¸a˜o 1.1.8, portanto temos ∞3 soluc¸o˜es, ou seja, toda tripla (t1, t2, t3) e´ soluc¸a˜o. ♦ 26 1. SISTEMAS LINEARES Vamos agora considerar alguns exemplos com treˆs equac¸o˜es, depois considerare- mos o caso geral. Escrevamos de novo o sistema na forma: (7) p1(x1, . . . , xn) = b1p2(x1, . . . , xn) = b2p3(x1, . . . , xn) = b3. Analogamente ao caso precedente de duas equac¸o˜es, podemos verificar que, se existe λ ∈ R tal que pi = λpj, com i 6= j, temos duas possibilidades: se bi 6= λbj o sistema e´ imposs´ıvel, se bi = λbj podemos tirar a equac¸a˜o i-e´sima e ficamos com duas equac¸o˜es. Isso pode fazer com que o nu´mero de soluc¸o˜es do sistema seja diferente de ∞n−3, como espera´vamos inicialmente. Todavia, este na˜o e´ o u´nico problema, como mostram os seguintes exemplos. Exemplo 1.1.16. Consideremos o seguinte sistema: x− y + z = 1x+ y − z = 2 x− 3y + 3z = 1. Nesse caso nenhum polinoˆmio pi(x, y, z) e´ mu´ltiplo de um dos outros, portanto esperamos uma soluc¸a˜o. Resolvamos o sistema. Pela primeira equac¸a˜o, x = y− z + 1. Pela segunda, (y − z + 1) + y − z = 2, logo 2y − 2z = 1. Isso implica que y = z + 12 , portanto x = 32 . A u´ltima equac¸a˜o se torna portanto 32 − (3z+ 32) + 3z = 1, ou seja, 0 = 1. Por isso o sistema e´ imposs´ıvel. Para entendermos qual e´ o problema, escrevamos o sistema na forma (7). E´ fa´cil verificar que vale a seguinte relac¸a˜o: p3 = 2p1 − p2. Nesse caso dizemos que p3 e´ combinac¸a˜o linear de p1 e p2: isso significa que p3 e´ a soma de um mu´ltiplo de p1 e um mu´ltiplo de p2. Por isso, se o sistema tiver soluc¸a˜o, necessariamente tem que valer b3 = 2b1 − b2, todavia 1 6= 2 · 1− 2. Por isso o sistema e´ imposs´ıvel. ♦ Exemplo 1.1.17. Consideremos agora o seguinte sistema: x− y + z = 1x+ y − z = 2 x− 3y + 3z = 0. Nesse caso p3 = 2p1−p2 e b3 = 2b1−b2. Isso implica que a terceira equac¸a˜o e´ consequeˆncia das primeiras duas, portanto na˜o acrescenta nenhuma informac¸a˜o. Por isso, o sistema e´ equivalente ao formado pelas duas primeiras equac¸o˜es, o qual tem ∞1 soluc¸o˜es, como e´ fa´cil verificar. ♦ O problema que acabamos de encontrar e´ o problema mais geral que pode verificar-se com um sistema linear, portanto damos as seguintes definic¸o˜es. Definic¸a˜o 1.1.18. Dada uma famı´lia de polinoˆmios {p1, . . . , pm}, sendo m ≥ 2, dizemos que pi e´ combinac¸a˜o linear da famı´lia {p1, . . . , pi−1, pi+1, . . . , pm} se existem λ1, . . . , λi−1, λi+1, . . . , λm ∈ R tais que: pi = λ1p1 + · · ·+ λi−1pi−1 + λi+1pi+1 + · · ·+ λmpm. ♦(8) 1.1. SISTEMAS LINEARES E INDEPENDEˆNCIA LINEAR 27 Definic¸a˜o 1.1.19. Consideremos um gene´rico sistema de m equac¸o˜es em n varia´veis, que escrevemos na forma: (9) p1(x1, . . . , xn) = b1 ... pm(x1, . . . , xn) = bm, sendo pi(x1, . . . , xn) = ai1x1 + · · · + ainxn. Seja m ≥ 2. Dizemos que a famı´lia {p1, . . . , pm} e´ linearmente dependente se um polinoˆmio entre p1, . . . , pm e´ com- binac¸a˜o linear da famı´lia formada pelos demais. Isso significa que existem i ∈ {1, . . . ,m} e nu´meros reais λ1, . . . , λi−1, λi+1, . . . , λm ∈ R tais que vale (8). Dize- mos que a famı´lia {p1, . . . , pm} e´ linearmente independente se na˜o for linearmente dependente. ♦ Esta definic¸a˜o na˜o e´ va´lida para m = 1, pois, como so´ existe p1, na˜o faz sentido perguntar-se se p1 e´ combinac¸a˜o linear dos demais polinoˆmios. Por isso, quando m = 1, damos a seguinte definic¸a˜o. Definic¸a˜o 1.1.20. Um polinoˆmio p1 e´ linearmente independente se, e somente se, p1 6= 0. ♦ Observamos que: • Se pi = λpj para i 6= j, enta˜o {p1, . . . , pm} e´ linearmente dependente. De fato, supondo a menos da ordem que i < j, temos que pi = 0p1 + · · · + 0pi−1 + 0pi+1 + · · ·+ 0pj−1 +λpj + 0pj+1 + · · ·+ 0pm. Isso vale em particular se pi = pj, sendo nesse caso λ = 1. • Se pi = 0, enta˜o {p1, . . . , pm} e´ linearmente dependente. De fato, pi = 0p1 + · · ·+ 0pi−1 + 0pi+1 + · · ·+ 0pm. • Se m = 2, a famı´lia {p1, p2} e´ linearmente dependente se, e somente se, p1 e´ mu´ltiplo de p2 ou vice-versa, coerentemente com a classificac¸a˜o 1.1.15. • Se m = 1, grac¸as a` definic¸a˜o 1.1.20, o fato que {p1} seja dependente equivale ao fato que p1 = 0, coerentemente com a classificac¸a˜o 1.1.8. Resumindo, o problema mais geral que encontramos em um sistema linear,pelo qual pode na˜o verificar-se a conjetura 1.1.10, e´ o fato que a famı´lia {p1, . . . , pm} seja linearmente dependente. Por isso, damos a seguinte definic¸a˜o. Definic¸a˜o 1.1.21. Um sistema linear de m equac¸o˜es e n varia´veis, escrito na forma canoˆnica (9), e´ dito reduzido se {p1, . . . , pm} for linearmente independente. ♦ O seguinte resultado mostra que, se um sistema for reduzido, enta˜o vale a con- jetura 1.1.10. Todavia, com esta hipo´tese, na˜o pode ocorrer o caso m > n. Teorema 1.1.22. Se um sistema linear de m equac¸o˜es e n varia´veis for reduzido, temos que: • necessariamente n ≥ m; • o sistema tem ∞n−m soluc¸o˜es (em particular, para n = m, tem uma soluc¸a˜o). 28 1. SISTEMAS LINEARES O leitor pode verificar que, para m = 1 ou m = 2, o teorema 1.1.22 corresponde ao caso I das classificac¸o˜es respetivamente 1.1.8 e 1.1.15. Em geral, o teorema mostra que a dependeˆncia linear da famı´lia {p1, . . . , pm} e´ a obstruc¸a˜o a` validade da conjetura 1.1.10. Por isso, obtemos a seguinte classificac¸a˜o. Classificac¸a˜o 1.1.23. Consideremos o sistema linear gene´rico (9), sendo m ≥ 2. Temos as seguintes possibilidades: I. O sistema linear e´ reduzido, ou seja, a famı´lia {p1, . . . , pm} e´ independente. Neste caso, pelo teorema 1.1.22, temos ∞n−m soluc¸o˜es. II. A famı´lia {p1, . . . , pm} e´ dependente, ou seja, existem i ∈ {1, . . . ,m} e nu´meros reais λ1, . . . , λi−1, λi+1, . . . , λm ∈ R tais que pi = λ1p1 + · · · + λi−1pi−1 + λi+1pi+1 + · · ·+ λmpm. IIA. bi 6= λ1p1 + · · ·+λi−1pi−1 +λi+1pi+1 + · · ·+λmpm. Neste caso o sistema e´ imposs´ıvel. IIB. bi = λ1p1 + · · ·+λi−1pi−1 +λi+1pi+1 + · · ·+λmpm. Neste caso podemos cortar a equac¸a˜o i-e´sima e recomec¸ar esta ana´lise com o sistema de m− 1 equac¸o˜es que fica. Se m = 1, enta˜o vale a classificac¸a˜o 1.1.8, na qual o caso I corresponde ao fato que a famı´lia {p1} seja independente, ta˜o como para m ≥ 2. ♦ Observamos que, para m = 2, a classificac¸a˜o 1.1.23 coincide com a 1.1.15. Exemplo. No exemplo 1.1.16 vimos que p3 = 2p1− p2 mas b3 6= 2b1− b2, portanto se trata do caso IIA, logo o sistema e´ imposs´ıvel. No exemplo 1.1.17 vimos que p3 = 2p1−p2 e b3 = 2b1 − b2, portanto se trata do caso IIB. Em particular, podemos cortar a terceira equac¸a˜o. O sistema que fica, formado pelas primeiras duas equac¸o˜es, cai no caso I, logo tem ∞3−2 =∞1 soluc¸o˜es. ♦ Exemplo. Consideremos o sistema x− y − z + w = 1 x+ 2y + 2z + w = 1 2x+ y + z + 2w = 2 2x+ y + z + 2w = 2. Trata-se do caso IIB, pois p4 = 0p1 + 0p2 + p3 e b4 = 0b1 + 0b2 + b3, portanto podemos cortar a quarta equac¸a˜o. Obtemos o sistema x− y − z + w = 1x+ 2y + 2z + w = 1 2x+ y + z + 2w = 2. De novo se trata do caso IIB, pois p3 = p1 + p2 e b3 = b1 + b2, portanto podemos cortar a terceira equac¸a˜o. Obtemos o sistema{ x− y − z + w = 1 x+ 2y + 2z + w = 1. Agora se trata do caso I, portanto temos ∞4−2 =∞2 soluc¸o˜es. De fato, explicitando x na primeira equac¸a˜o temos que x = y + z − w + 1. Substituindo esta expressa˜o na segunda, obtemos que 3y + 3z = 0, ou seja, y + z = 0. Explicitando z obtemos que z = −y, logo x = −w + 1, portanto as soluc¸o˜es sa˜o as qua´druplas da forma (−t4 + 1,−t3, t3, t4). ♦ 1.1. SISTEMAS LINEARES E INDEPENDEˆNCIA LINEAR 29 Exemplo. Consideremos o sistema 2x+ 3y + 4z = 03x+ 4y + 5z = 3 0x+ 0y + 0z = −1. Trata-se do caso IIA, dado que p3 = 0p1 + 0p2 e b3 6= 0b1 + 0b2, portanto o sistema e´ imposs´ıvel. Isso e´ o´bvio observando somente a terceira equac¸a˜o. ♦ Exemplo. Consideremos o sistema 0x+ 0y + 0z = 00x+ 0y + 0z = 0 0x+ 0y + 0z = 0. Trata-se do caso IIB, dado que p3 = 0p1 + 0p2 e b3 = 0b1 + 0b2, portanto podemos cortar a terceira equac¸a˜o. No sistema que fica temos que p2 = p1 e b2 = b1, logo podemos cortar a segunda equac¸a˜o. Agora so´ fica a equac¸a˜o 0x + 0y + 0z = 0. Estamos no caso IIB da classificac¸a˜o 1.1.8, portanto temos ∞3 soluc¸o˜es. De fato, toda tripla (t1, t2, t3) e´ uma soluc¸a˜o. ♦ Conforme o caso II, quando {p1, . . . , pm} for linearmente dependente e m ≥ 2, existe i tal que pi e´ combinac¸a˜o linear dos demais. Se a mesma combinac¸a˜o linear, com os mesmos coeficientes, for verificada pela famı´lia {b1, . . . , bm}, enta˜o podemos tirar a i-e´sima equac¸a˜o e repartir com um sistema de m− 1 equac¸o˜es e n varia´veis; em caso contra´rio o sistema e´ imposs´ıvel. Portanto, se o sistema na˜o for imposs´ıvel e nem todas as equac¸o˜es forem da forma 0 = 0, iterando este procedimento cortamos h equac¸o˜es e chegamos a um sistema reduzido de m− h equac¸o˜es, logo n ≥ m− h e o sistema tem ∞n−m+h soluc¸o˜es (no exemplo 1.1.17 temos que h = 1). Observac¸a˜o 1.1.24. Mostraremos no cap´ıtulo 3 (sec¸a˜o 3.11.3) que o valor de h e´ uma propriedade intr´ınseca do sistema, ou seja, na˜o depende de quais equac¸o˜es tiramos para chegar a um sistema reduzido. ♦ Observac¸a˜o 1.1.25. Pode acontecer que um sistema caia ao mesmo tempo no caso IIA e no caso IIB, dependendo de qual equac¸a˜o consideramos e de como a escrevemos como combinac¸a˜o das demais. Por exemplo: x+ y + z = 12x+ 2y + 2z = 23x+ 3y + 3z = 5. Neste caso podemos pensar que se trate do caso IIA, sendo p3 = 3p1 + 0p2 e b3 6= 3b1+0b2, ou do caso IIB, sendo p2 = 2p1+0p3 e b2 = 2b1+0b3. Tambe´m considerando a segunda equac¸a˜o em ambos os casos, podemos pensar que se trate do caso IIA, sendo p2 = 0p1 + 2 3 p3 e b3 6= 0b1 + 23b3, ou do caso IIB, sendo p2 = 2p1 + 0p3 e b2 = 2b1 + 0b3. Pensando que se trate do caso IIA, observamos imediatamente que o sistema e´ imposs´ıvel. Pensando que se trate do caso IIB, cortamos a segunda equac¸a˜o e ficamos com um sistema de duas equac¸o˜es que cai necessariamente no caso IIA. Em geral, se um sistema for imposs´ıvel, cortando eventualmente algumas equac¸o˜es chegamos a um sistema que cai necessariamente no caso IIA. Pelo contra´rio, se um sistema admitir soluc¸a˜o, enta˜o ca´ımos h vezes no caso IIB e, cortando h equac¸o˜es, 30 1. SISTEMAS LINEARES chegamos a um sistema que cai no caso I. Tudo isso na˜o depende da ordem com que aplicamos estas operac¸o˜es. ♦ Para demonstrar o teorema 1.1.22 e as observac¸o˜es 1.1.24 e 1.1.25 (v. sec¸a˜o 3.11.3), precisaremos de algumas das ferramentas fundamentais da a´lgebra linear, que sera˜o introduzidas nos cap´ıtulos 2 e 3. Ademais, grac¸as a estas ferramentas conseguiremos descrever do ponto de vista geome´trico a estrutura do espac¸o das soluc¸o˜es de um sistema linear. Observac¸a˜o 1.1.26. As classificac¸o˜es 1.1.23 e 1.1.8 mostram em particular que um sistema linear na˜o pode ter um nu´mero finito de soluc¸o˜es diferente de 0 e 1. Um sistema linear pode ser imposs´ıvel, ter uma soluc¸a˜o ou ter infinitas soluc¸o˜es. ♦ Enfim, observamos que parece inatural distinguir entre a classificac¸a˜o 1.1.23, para sistemas de pelo menos duas equac¸o˜es, e a 1.1.8, para uma equac¸a˜o. Isso e´ devido ao fato que as definic¸o˜es 1.1.19 e 1.1.20 de famı´lia independente sa˜o dis- tintas. Esta subdivisa˜o inatural pode ser completamente recomposta dando uma definic¸a˜o adequada de independeˆncia linear, va´lida para qualquer famı´lia na˜o vazia de polinoˆmios, como faremos no pro´ximo cap´ıtulo. 1.2. Me´todo de escalonamento de Gauss Vamos ver como resolver concretamente um sistema linear. E´ sempre poss´ıvel resolveˆ-lo usando cada equac¸a˜o para achar uma varia´vel em func¸a˜o das demais, mas este me´todo poder requerer muitas contas. 1.2.1. Escalonamento. O me´todo de Gauss, mais eficiente, e´ baseado no fato que, aplicando uma das treˆs seguintes operac¸o˜es a um sistema linear, se obte´m um sistema equivalente (ou seja, com as mesmas soluc¸o˜es): (1) trocar duas ou mais equac¸o˜es; (2) multiplicar uma equac¸a˜o por uma constante na˜o nula; (3) acrescentar a uma equac¸a˜o uma combinac¸a˜o linear das demais. Normalmente a operac¸a˜o (3) se aplica acrescentando a uma equac¸a˜o um mu´ltiplo de umaoutra. Nosso objetivo e´ aplicar as operac¸o˜es precedentes para chegar a um sistema que se possa resolver de modo particularmente simples, como agora vamos mostrar em um exemplo concreto. Exemplo 1.2.1. Vamos resolver o seguinte sistema: (10) x− y + z = 42x+ 2y − z = −2−x− y − 3z = −6. Tentamos fazer com que a varia´vel x so´ aparec¸a na primeira equac¸a˜o. Por isso, aplicamos a operac¸a˜o (3) da seguinte maneira. Sejam I, II e III as treˆs equac¸o˜es do sistema. Aplicamos as seguintes substituic¸o˜es: II → II − 2I e III → III + I. Dessa maneira os coeficientes de x na segunda e na terceira equac¸a˜o se cortam e obtemos o seguinte sistema: x− y + z = 44y − 3z = −10−2y − 2z = −2. 1.2. ME´TODO DE ESCALONAMENTO DE GAUSS 31 Agora aplicamos a operac¸a˜o (2), multiplicando a terceira equac¸a˜o por −12 , e a operac¸a˜o (1), trocando a segunda e a terceira equac¸a˜o. Obtemos o seguinte sistema: x− y + z = 4y + z = 1 4y − 3z = −10. Como fizemos para x, queremos que y so´ aparec¸a nas primeiras duas equac¸o˜es, sumindo da terceira. Por isso, aplicamos a operac¸a˜o (3) da seguinte maneira: III → III − 4II. Obtemos o seguinte sistema: x− y + z = 4y + z = 1−7z = −14. Enfim, aplicamos a operac¸a˜o (2), multiplicando a terceira equac¸a˜o por −17 . Obtemos o seguinte sistema: x− y + z = 4y + z = 1 z = 2. Agora podemos facilmente resolver o sistema. De fato, obtemos: z = 2 y = 1− z = −1 x = 4− z + y = 1. Portanto, a u´nica soluc¸a˜o e´ (1,−1, 2). ♦ Para tornar esta te´cnica mais eficiente, vamos usar a seguinte convenc¸a˜o. Re- presentamos o sistema linear gene´rico (5) da seguinte maneria: (11) a11 · · · a1n b1... ... ... am1 · · · amn bm . Trata-se de uma matriz de ordem (m,n+ 1), ou seja de uma “tabela” de m linhas e n+ 1 colunas, sendo cada entrada um nu´mero real. Definiremos mais rigorosamente a noc¸a˜o de matriz no cap´ıtulo 3. Definic¸a˜o 1.2.2. A matriz (11) e´ dita matriz representativa do sistema linear (5). ♦ Grac¸as a` matriz representativa, podemos escrever mais rapidamente a soluc¸a˜o de um sistema com o algoritmo de Gauss. Exemplo 1.2.3. A soluc¸a˜o que ja´ vimos do sistema (10) pode ser escrita da seguinte maneira: 1 −1 1 42 2 −1 −2 −1 −1 −3 −6 II → II − 2I III → III + I 1 −1 1 40 4 −3 −10 0 −2 −2 −2 III → −12III II ↔ III1 −1 1 40 1 1 1 0 4 −3 −10 III → III − 4II 1 −1 1 40 1 1 1 0 0 −7 −14 III → −17III1 −1 1 40 1 1 1 0 0 1 2 . 32 1. SISTEMAS LINEARES A partir da u´ltima linha, voltamos ao sistema correspondente e obtemos a soluc¸a˜o z = 2, y = 1− z = −1 e x = 4− z + y = 1. ♦ Vamos agora ver um exemplo de um sistema imposs´ıvel e um exemplo de um sistema com infinitas soluc¸o˜es. Exemplo 1.2.4. Resolvamos o seguinte sistema: x+ y − z = 02x− y − z = 1 x+ 4y − 2z = 2. A resoluc¸a˜o e´ a seguinte:1 1 −1 02 −1 −1 1 1 4 −2 2 II → II − 2I III → III − I 1 1 −1 00 −3 1 1 0 3 −1 2 III → III + II 1 1 −1 00 −3 1 1 0 0 0 3 . A terceira linha da u´ltima matriz mostra que na˜o ha´ soluc¸a˜o, pois a equac¸a˜o correspondente e´ 0 = 3. Por isso, o sistema e´ imposs´ıvel. ♦ Exemplo 1.2.5. Resolvamos o seguinte sistema: x− y + z = 2x+ y + 2z = 1 3x+ y + 5z = 4. A resoluc¸a˜o e´ a seguinte:1 −1 1 21 1 2 1 3 1 5 4 II → II − I III → III − 3I 1 −1 1 20 2 1 −1 0 4 2 −2 III → III − 2II II → 12II 1 −1 1 20 1 12 −12 0 0 0 0 . A u´ltima linha equivale a` equac¸a˜o 0 = 0, portanto na˜o acrescenta nenhuma informac¸a˜o a`s primeiras duas. Afinal obtemos as seguintes soluc¸o˜es: z = t y = −12 − 12 t x = 32 − 32 t, portanto temos ∞1 soluc¸o˜es. ♦ Analisemos a forma final do sistema, depois de termos aplicado o algoritmo de Gauss. Quando o sistema na˜o for imposs´ıvel, chegamos a uma famı´lia de equac¸o˜es tal que, partindo da u´ltima para cima, em cada equac¸a˜o aparece uma varia´vel nova, a` esquerda da precedente, com um coeficiente igual a 1. Na verdade, o fato importante e´ que esse coeficiente seja na˜o nulo, pois, neste caso, podemos aplicar a operac¸a˜o (2) para torna´-lo igual a 1. No exemplo 1.2.3, na u´ltima linha a primeira varia´vel com coeficiente na˜o nulo e´ z; na segunda linha e´ y, a qual na˜o aparece na u´ltima equac¸a˜o; enfim, na primeira linha e´ x, a qual na˜o desempenha nenhum papel nas duas demais equac¸o˜es. No exemplo 1.2.5, na u´ltima (ou seja, na segunda) linha a 1.2. ME´TODO DE ESCALONAMENTO DE GAUSS 33 primeira varia´vel com coeficiente na˜o nulo e´ y, na primeira linha e´ x. Por estas observac¸o˜es, as matrizes com que se conclui o algoritmo de Gauss teˆm uma forma particular, que agora vamos descrever precisamente. Definic¸a˜o 1.2.6. A matriz representativa de um sistema linear, da forma (11), e´ dita escalonada quando vale a seguinte condic¸a˜o. Seja aij a primeira entrada na˜o nula da linha i-e´sima, ou seja, suponhamos que aij 6= 0, enquanto aij′ = 0 para todo j′ < j. Enta˜o, se i′ > i e j′ ≤ j, temos que ai′j′ = 0. ♦ Quando resolvemos um sistema atrave´s do algoritmo de Gauss, aplicamos as treˆs operac¸o˜es fundamentais para chegar a uma matriz escalonada que represente um sistema equivalente ao de partida (ou seja, com as mesmas soluc¸o˜es). Definic¸a˜o 1.2.7. Em uma matriz escalonada, seja aij a primeira entrada na˜o nula da linha i-e´sima, ou seja, suponhamos que aij 6= 0, enquanto aij′ = 0 para todo j′ < j. A entrada aij e´ chamada de pivot da linha i. ♦ Por exemplo, a seguinte matriz esta´ escalonada e as entradas em vermelho sa˜o os pivot: (12) 3 2 0 0 1 −20 0 −1 1 1 −1 0 0 0 4 1 0 . No exemplo 1.2.5 acabamos com dois pivot, correspondentes a`s varia´veis x e y, enquanto no exemplo 1.2.3 acabamos com treˆs pivot, um para cada varia´vel. Re- solvendo um sistema a partir de uma matriz escalonada, observamos que vale o seguinte resultado: o valor das varia´veis correspondentes aos pivot fica vinculado ao das demais varia´veis, enquanto o valor de uma varia´vel que na˜o corresponde a nenhum pivot e´ um paraˆmetro livre. Por isso, o nu´mero de soluc¸o˜es do sistema e´ ∞n−k, sendo n o nu´mero de varia´veis e k o nu´mero de pivot. Exemplo. Consideremos a matriz (12). Temos 5 var´ıaveis (que chamamos de x, y, z, w e u) e 3 pivot, logo∞2 soluc¸o˜es. Os pivot ocupam a posic¸a˜o das varia´veis x, z e w, logo as varia´veis y e u ficam livres. De fato, resolvendo o sistema, obtemos: • u = t1 (paraˆmetro livre); • 4w + t1 = 0 (terceira equac¸a˜o), logo w = −14 t1; • −z + (−14 t1) + t1 = −1 (segunda equac¸a˜o), logo z = 34 t1 + 1;• y = t2 (paraˆmetro livre); • 3x+ 2t2 + t1 = −2 (primeira equac¸a˜o), logo x = −13 t1 − 23 t2 − 23 . Afinal as soluc¸o˜es sa˜o as qu´ıntuplas da forma (−13 t1 − 23 t2 − 23 , t2, 34 t1 + 1,−14 t1, t1). ♦ 1.2.2. Escalonamento e classificac¸a˜o 1.1.23. A resoluc¸a˜o de um sistema por escalonamento e´ obviamente coerente com a classificac¸a˜o 1.1.23. Se, partindo de um sistema de n varia´veis e m equac¸o˜es, acabamos o escalonamento achando k pivot, significa que cortamos h linhas nulas, sendo h = m − k. Trata-se precisamente do nu´mero h considerado na observac¸a˜o 1.1.24. Em particular, conforme a classificac¸a˜o 1.1.23, se escalonarmos um sistema reduzido (caso I), enta˜o o nu´mero de pivot coincidira´ com o nu´mero de linhas m. Se o sistema for imposs´ıvel (caso IIA), enta˜o, 34 1. SISTEMAS LINEARES ao longo do escalonamento, encontraremos necessariamente uma linha da forma 0 = b, sendo b 6= 0. Enfim, se o sistema cair no caso IIB a respeito de uma equac¸a˜o fixada (v. observac¸a˜o 1.1.25), enta˜o acharemos pelo menos uma linha da forma 0 = 0 e a cortaremos, continuando a escalonar o sistema que fica. Se o sistema na˜o for imposs´ıvel, depois de termos cortado h linhas da forma 0 = 0, chegaremos a um sistema reduzido com m− h pivot, portanto com ∞n−m+h soluc¸o˜es. 1.2.3. Observac¸o˜es complementares. Vamos
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