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Fundamentos Metodológicos do Ensino de História e Geografia Um olhar sobre a Geografia Material Teórico Responsável pelo Conteúdo: Profa. Dra. Adriana Aparecida Furlan Revisão Textual: Profa. Vera Lídia de Sá Cicaroni 5 • Um olhar sobre a Geografia • As origens da Geografia • Escola alemã Como na unidade anterior, a leitura do texto teórico e o desenvolvimento das atividades são fundamentais para o acompanhamento do conteúdo a ser desenvolvido. Para que os exemplos e discussões teóricas fiquem mais claros, ler os textos complementares e assistir aos vídeos sugeridos auxilia na compreensão dos conceitos básicos que serão desenvolvidos. Pensar geograficamente é pensar espacialmente. A escala da análise e do pensamento será dada em função do fenômeno que se quer analisar e compreender. Dessa forma, devemos partir do princípio de que, para compreender geografia, é necessário, em primeiro lugar, observar o espaço e tudo o que nele está inserido e fazermos duas perguntas fundamentais: ONDE? e POR QUÊ? Assim como a História, existe uma história da Geografia, e esta nos conta sobre as diversas concepções que essa ciência assumiu ao longo do tempo e de que forma acompanhou a transformação das sociedades. · Nesta Unidade III, daremos continuidade a nossos estudos da disciplina Fundamentos Metodológicos do Ensino de História e Geografia, aprofundando, agora, as discussões sobre a Geografia. Veremos de que forma surgiu essa ciência, sua importância ao longo do tempo e de que forma as lógicas formal e dialética estão presentes no ensino dessa disciplina. Um olhar sobre a Geografia • Escola francesa • Escola anglo-saxônica (americana) • A Geografia Crítica • A geografia do professor 6 Unidade: Um olhar sobre a Geografia Contextualização Os estudos de geografia e dos fundamentos metodológicos desta área do conhecimento são importantes não somente porque nos situam na realidade em que vivemos, mas porque ampliam nossa capacidade crítica e de desenvolver novos tipos de raciocínio. A forma como a geografia é vista pelo senso comum e ensinada tanto na escola quanto nas universidades é resultado de inúmeras transformações pelas quais ela passou ao longo do tempo e, dessa forma, reflete a forma de pensar o espaço em tempos presentes e passados (épocas e sociedades com ideias diferentes). O fato de desenvolvermos, em nossas salas de aula, uma forma ou outra de interpretação geográfica, levar-nos-á, assim como em História, a desenvolver em nossos alunos um raciocínio formal ou dialético. Decorar nomes de capitais, relevos, rios, tabelas e dados, gráficos, índices, fatos, entre outros, cumpre um papel no ensino de geografia e na educação mais geral, mas, se, em vez de valorizarmos esse tipo de informação, mostrarmos que os fenômenos apresentam-se em determinados locais (chamaremos de aparência) e não em outros e buscarmos o porquê dessa distribuição (a essência), nos direcionaremos para outro caminho que apontará para resultados distintos. Dessa forma, devemos nos questionar, em primeiro lugar, qual tipo de raciocínio queremos desenvolver no aluno e depois estruturar o conteúdo em função desse objetivo. Ao escolhermos a repetição de fatos e dados, pouco contribuiremos para que o aluno adquira um olhar crítico sobre a realidade e perceba qual lugar ocupa neste mundo. Por outro lado, se buscarmos a essência dos fenômenos (e suas transformações e contradições), desenvolveremos no aluno a criticidade, a busca constante de compreensão da realidade, partindo da sua própria realidade, para que consiga, com o passar do tempo, agir sobre ela e transformá-la. 7 Um olhar sobre a Geografia Todos, em algum momento da vida (cotidiana ou escolar), entramos em contato com a geografia. Esta está presente em nossas vidas muito mais do que imaginamos. Para muitos, a geografia associa-se à descrição de relevos, climas, rios ou mapas (que, para alguns, pode ser sinônimo de aulas cansativas e desgastantes, nas quais se tinha que ficar copiando e colorindo mapas em papel vegetal, trabalho que, muitas vezes, não apresentava significado algum). Mas outros podem ter boas recordações de suas aulas de geografia, quando algum tema suscitava debates entre a turma ou quando algum assunto tratado em aula apresentava relações com a vida cotidiana. Mas, como dissemos, a geografia está presente em nosso dia a dia. Orientamo-nos pelos caminhos que fazemos de casa para a universidade, para o trabalho, para o lazer. Reconhecemos a localização de pontos familiares e interpretamos paisagens localizando-as. A geografia com que temos contato hoje é resultado de um processo de desenvolvimento de uma visão específica sobre a realidade e de questionamentos sobre o espaço que requerem, igualmente, respostas específicas. A geografia sempre existiu? De que forma alguns conhecimentos específicos se transformaram em um discurso singular sobre a realidade? Vamos compreender como esta ciência surgiu e se estruturou em uma área de conhecimento com conceitos e teorias específicos para explicar a realidade. As origens da Geografia O surgimento da geografia dá-se com a descrição das paisagens, sendo estas feitas pelos chamados naturalistas. Estes, viajantes e muitos até aventureiros, descreviam as paisagens dos lugares visitados ou desenhavam-nas e pintavam-nas. Esses primeiros relatos e até mesmo os mapas feitos desses lugares não serviam a uma finalidade lúdica simplesmente. O reconhecimento dos territórios era uma forma importante de se obter informações e isso era especialmente relevante para os governantes (europeus, principalmente), pois esse conhecimento auxiliava na conquista de novas terras, em função do que estas poderiam ter a oferecer. Alexander von Humboldt, 1806. Considerado um dos primeiros geógrafos (naturalistas). pt.wikipedia.org 8 Unidade: Um olhar sobre a Geografia Essa geografia que nasceu ligada ao Estado tinha como função básica a descrição dos territórios (melhor conhecer para governar), a realização de mapeamentos (para demonstrar a localização dos elementos presentes nas paisagens) e a produção de teorias que dessem suporte à ação do Estado. Alguns pressupostos foram importantes para a formação da Geografia como ciência. Tais pressupostos foram processos que se desenvolveram ao longo do tempo em sociedades com características distintas. São eles: • O conhecimento efetivo da extensão da terra, que começou a acontecer, sobretudo, com as grandes navegações; • A coleta de informações sobre lugares variados. Esta condição refletia uma base empírica da geografia, ou seja, a experiência adquirida ao se estar em outros lugares; • O avanço do mercantilismo e a formação dos impérios coloniais (com o aprimoramento das navegações, do comércio e da conquista de terras, pelos europeus, nos demais continentes, tornou-se cada vez mais importante conhecer os lugares e ter registros desse conhecimento adquirido); • O aprimoramento das técnicas cartográficas (cada novo conhecimento do lugar era registrado em mapas e a forma de confeccionar mapas foi se aperfeiçoando com o passar do tempo – o que seguiu os avanços da matemática e das formas de medição dos terrenos); • Os avanços do capitalismo e os interesses da burguesia; • A postura progressista do ponto de vista filosófico, que deslegitimava o discurso e a ordem feudal e buscava um discurso racional, a razão como fundamento na percepção da realidade (mesmo processo que resultou em transformações na visão de passado da história da época); • As ideias evolucionistas de lamarck e darwin (que proporcionaram novos questionamentos sobre a origem da vida e das coisas). Essas transformações pelas quais as sociedades europeias estavam passando, a partir do século XV mais especificamente, refletiram naforma como os homens passaram a olhar para o mundo e foi o motor da busca de um aprofundamento do conhecimento dos lugares. Devido a essas necessidades, cada vez mais crescentes, a geografia oficializou-se e surgiram “escolas de pensamento geográfico”, as quais tiveram por objetivo definir o que é essa ciência e qual seu objeto de estudo. 9 Escola alemã Trocando Ideias Foi na Alemanha do século XIX que a Geografia se tornou oficial e acadêmica (uma ciência dentro da Universidade). Por que será que foi justamente nesse lugar e não em outro que isso ocorreu? A Alemanha, que só se formou como Estado a partir de 1871, tinha na questão do território e formação desse Estado questões importantes, o que pode ter sido a razão de que, nesse lugar, a Geografia tenha encontrado espaço para se formar como ciência. A Geografia que surgiu nesse país tinha apoio do governo e era legitimada, sobretudo, a partir das ideias de geógrafos como Ratzel, que veremos a seguir. No século XIX, a Alemanha atravessava um período de atraso econômico (o capitalismo já estava bem estruturado em outras partes da Europa, mas a Alemanha estava atrasava em relação ao seu desenvolvimento tanto em termos sociais quanto econômicos – esse era um território composto por reinos). Para que esse território prosperasse e se desenvolvesse economicamente havia a necessidade de unificação dos reinos e dos povos em torno de objetivos comuns. Alguns pensadores formularam teorias de suporte à ação do Estado no intuito de alcançar seus objetivos, territorialistas especialmente. Um desses pensadores (primeiros geógrafos com caráter acadêmico) foi Ratzel. A Geografia formulada por Ratzel representava os interesses expansionistas da Alemanha bem como sua formação em Estado. Um Estado que se formou na Europa tardiamente, quando a partilha dos continentes já havia acontecido, ou seja, muitos países europeus tinham conquistado outras terras formando suas colônias, mas a Alemanha estava atrasada nesse processo de colonização em função de não figurar como um Estado forte. A formação do Estado alemão ocorreu em torno da Prússia, que tinha uma história de disputas territoriais com a Áustria e a França. O discurso de Ratzel veio legitimar as ações e interesses da nascente Alemanha. Sua Geografia privilegiou o homem, estudando questões sobre a formação de territórios, migrações, colonizações, a distribuição dos povos e das raças na superfície terrestre etc. O estudo das relações entre espaço e o Estado é um dos pontos importantes da chamada Antropogeografia de Ratzel (geografia centrada no homem). Ratzel criou a Teoria do “espaço vital”. Nessa teoria ele afirmava que uma determinada sociedade, quando organizada, transforma-se em Estado. A população dessa dada sociedade deve estar em equilíbrio com os recursos necessários para sua sobrevivência. Friedrich Ratzel commons.wikipedia.org 10 Unidade: Um olhar sobre a Geografia Ratzel comparou o Estado a um organismo vivo, partindo das formulações de outro pensador (Spencer): “A perda de território seria a maior prova de decadência de uma sociedade. Por outro lado, o progresso implicaria a necessidade de aumentar o território, logo, de conquistar novas áreas” (MORAES, 1992, p.56). Essa visão de Ratzel sobre a relação da sociedade com a natureza (e necessidade cada vez maior de recursos para que essa sociedade e o Estado se fortalecessem) levou aqueles que dessas ideias se apropriaram a acreditar que toda forma de luta (e guerras) seria justificada em nome dessa busca cada vez mais feroz por territórios de onde pudessem ser retirados os recursos de que a sociedade necessitava. Fonte: www.docstoc.com Reflita Aqui fazemos uma pequena pausa para refletirmos sobre um acontecimento recente (também na Alemanha). Hitler provocou a Segunda Guerra Mundial motivado por ideias expansionistas. Ele desejava se apossar da Polônia, pois, nesse território, havia muitos recursos (naturais) que, para ele, eram vitais para o fortalecimento e crescimento da Alemanha. De certa forma, as ideias de Ratzel (do século XIX) ainda se fizeram (e talvez ainda estejam) presentes no século XX. 11 Além das ideias de Ratzel (que davam suporte ao expansionismo), foi na Alemanha que começaram a surgir as primeiras explicações para as diferenças de desenvolvimento e cultura verificadas no mundo. Dessa necessidade surgiu uma corrente formulação teórica denominada “Determinismo geográfico”. Nessa forma de pensar a realidade de cada grupo social, a sociedade era considerada como um organismo e as condições do meio determinavam as características e condições desse organismo. Era no ambiente que estava a justificativa para o avanço ou o atraso das sociedades. Assim sendo, justificava-se o atraso dos países africanos (ou da África como um todo, como se esta fosse uma coisa só) em função do clima quente existente na maior parte do continente, o qual deixava os homens “preguiçosos” e sem disposição para o trabalho. Por outro lado, os povos dos países localizados em climas temperados e frios (como na Europa) tinham mais disposição e motivação para o trabalho, o que justificaria o desenvolvimento socioeconômico da Europa. Para Pensar Será que isso funciona assim? Você já ouviu alguma fala desse tipo em relação ao Brasil? Já ouviu que algumas partes do país são mais atrasadas (como o sertão nordestino) por causa do clima? Será que isso é verdadeiro? Se concordarmos com essas afirmações, não estamos sendo superficiais em nossa análise e criando estereótipos (falsas ideias e imagens) sobre a realidade? O Determinismo Geográfico “caiu como uma luva” na época e suas consequências fazem- se sentir até hoje em muitos cantos do mundo. Mas precisamos ser muito cuidadosos com a aplicação desse raciocínio na explicação da realidade, pois há uma série (enorme!) de fatores que levam alguns lugares a se desenvolverem mais do que outros e essas variáveis não estão ligadas às condições ambientais, mas sim a fatores políticos, sociais, econômicos, que são historicamente constituídos. O desenvolvimento menor de determinadas áreas do Brasil não ocorre porque ali é mais frio, quente, chuvoso ou seco do que em outra parte. Ocorre em função da configuração geográfica e histórica (com suas variáveis: social, política e econômica) de cada parte de nosso país, o que favoreceu ou retardou o desenvolvimento econômico de cada lugar. Dessa forma, pode-se concluir que o problema do sertão nordestino não é a seca, mas sim a falta de políticas públicas que busquem desenvolver a região considerando suas condições ambientais. Mas para que isso pudesse ocorrer, toda uma estrutura política e social presente na região, constituída ao longo do tempo, precisaria sofrer transformações. Alguns autores, ao longo da história, fizeram discursos deterministas, contudo alguns discípulos de Ratzel radicalizaram seus discursos e trataram o determinismo geográfico como uma concepção teórica. Assim, aliavam relevo à religião ou o clima à indolência e à pobreza. Ou seja, as condições ambientais/ naturais determinariam as condições dos povos. Isso era uma forma também de legitimar o imperialismo e justificar a conquista de um povo pelo outro (ou outros). Alguns autores buscaram a corrente ambientalista, segundo a qual a natureza não é vista como determinação, mas como suporte da vida, ou seja, era um determinismo atenuado. Esta corrente é apoiada na Ecologia, no estudo das relações dos seres vivos com o meio ambiente. Julio Rojas, Giridhar Appaji Nag Y commons.wikipedia.org 12 Unidade: Um olhar sobre a Geografia Escola francesa Questionando, em parte, o pensamento alemão e o Determinismo Geográfico, surgiu a escola francesa. Essa escola opôs-se às formulações de Ratzel e teve em Paul Vidal de La Blache seu principal formulador. A escolafrancesa nasceu e desenvolveu-se em um “clima” de disputa territorial e imperialista entre França e Prússia (Alemanha) – a França saiu derrotada pela Alemanha na Guerra de 1870. Nessa época a França tinha inúmeras colônias ao redor do globo. A geografia dessa escola surgiu para servir à burguesia francesa, que vislumbrava a possibilidade de recuperar as terras que tinha perdido na guerra (com a Alemanha). No início, essa geografia era descritiva e informativa e espelhava-se na geografia alemã no que diz respeito ao seu caráter empírico. Ideias Chave Da crítica à geografia alemã e aos seus pensadores, Ratzel especialmente, surgiu a Teoria do Possibilismo Geográfico (em oposição do Determinismo geográfico) de Paul Vidal de La Blache. Este pensador afirmava, em sua teoria, que “a sociedade é um todo unido, formado de partes, e cada parte tem uma função.” Dessa forma, acreditava-se que deveria haver harmonia entre as partes para que o todo funcionasse. A Teoria do Possibilismo Geográfico afirmava que há uma reciprocidade de influências entre o homem e o meio e, segundo ela, a vontade humana dota o homem de ampla possibilidade de dominar seu meio. Assim sendo, há meios iguais, mas culturas diferentes. Na formulação desta teoria, Vidal de La Blache veiculou os interesses da classe dominante francesa. Para La Blache, a Geografia deveria ser apolítica, cujo objeto deveria ser a relação homem- natureza numa perspectiva da paisagem. Na relação do homem com a natureza, o homem cria obras, modificando-a segundo suas necessidades. Nessa concepção, o homem sofre influência do meio, mas atua sobre ele, modificando-o. Essa ação humana difere segundo o conhecimento adquirido ao longo da história, ou seja, o homem (grupos humanos) cria (novas) técnicas e vai modificando o meio. Por isso, caberia às civilizações difundir tais conhecimentos por meio do processo de colonização. Para que cada vez mais o conhecimento fosse difundido entre os novos povos (colonizados), caberia à Geografia estudar os gêneros de vida de cada região e instrumentalizar o colonizador com todas as informações de que necessitasse para agir. Nessa Geografia, os métodos de concepção positivista não eram diferentes dos propostos por Ratzel, a não ser pelo relativismo em relação ao papel do meio. Para melhor conhecimento de cada parte de um território (país), a escola francesa propunha e baseava-se em uma perspectiva regional. O território era dividido e estudado em partes, cada parte sendo chamada de região. Os estudos eram dirigidos, em princípio, para o conhecimento das bases físicas, das características do povoamento, da estrutura agrária, do quadro urbano e da estrutura industrial. 13 Para que o conhecimento das regiões estudadas pudesse ser disseminado, a escola francesa privilegiou e fortaleceu a geografia escolar. Através dos livros didáticos, atlas e tratados de geografia, o conhecimento, adquirido pelas pesquisas acadêmicas, bem como o olhar sobre a realidade que os pensadores queriam embutir na população, popularizou-se (e a escola foi um caminho muito frutífero). As transformações locais e globais continuaram a ocorrer e novas formas de olhar e explicar a realidade fizeram-se necessárias. O capitalismo ganhou força e alcançou todos os cantos do globo no século XX. Em função dessas transformações, surgiu outra perspectiva geográfica de análise da realidade. Escola anglo-saxônica (americana) Richard Hartshorne, norte americano, publicou, em 1939, o livro “A natureza da Geografia”. Segundo sua concepção, as ciências não teriam a sua existência relacionada aos objetos de estudo, e sim à sua metodologia, e esse era o elemento essencial que diferenciaria a Geografia das outras ciências. Ideias Chave Nessa perspectiva, Hartshorne propôs um estudo geográfico que não isolaria os fenômenos, mas sim trataria de suas inter-relações. Desta forma, a Geografia seria o estudo da diferenciação das áreas. Assim, a análise deveria buscar a integração de fenômenos inter-relacionados. Exemplificando: o pesquisador selecionaria dois ou mais fenômenos (por exemplo: clima, produção agrícola, tecnologia disponível), observá-los-ia na área escolhida e os relacionaria. Como resultado dessa forma de olhar o espaço, surgiram os estudos tópicos (temáticos): Geografia do Petróleo, do Cacau, da Pesca, do Transporte, entre vários outros. Os estudos que se seguiriam seriam uma compilação de dados (matemáticos e estatísticos) sobre o fenômeno pesquisado. Esses dados seriam importantes para auxiliar na tomada de decisões de planejamento ou ações sobre os territórios. A realidade transformava-se em dados, taxas, índices e números e mais números. O IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) é um exemplo de instituição criada nessa perspectiva geográfica com a finalidade de coleta de dados sobre o território e sua sistematização: Censo populacional, Censo agrícola, Censo da produção industrial etc. Essa nova forma de olhar e explicar a organização espacial surgiu da Revolução Quantitativa e Teorética (baseada em modelos e sistemas). Essa nova geografia, que surgiu na década de 1950, está ligada à mundialização do capital norte-americano (hegemônico) em sua expressão mais significativa: as empresas multinacionais, que se espalham rapidamente por todas as partes do globo. 14 Unidade: Um olhar sobre a Geografia A Geografia teórico-quantitativa baseia-se em modelos matemáticos. Ocorre, amplamente, o uso da matemática e da estatística como método de análise dos fenômenos. Por exemplo: ao estudar uma região, a análise vai começar pela contagem (da população, dos estabelecimentos agrícolas etc.); depois deve ser dado dar um tratamento estatístico aos dados coletados, cujos resultados finais dão uma visão concreta sobre a área. Os dados por si só “não falam”. É necessário avançar na análise, pois uma realidade não é composta por números, mas sim por elementos sociais, culturais, econômicos, entre outros. Os dados podem servir como ponto de partida, mas, se permanecermos somente nas informações que eles nos transmitem, ficaremos na aparência dos fenômenos, e, para compreendê-los, devemos atingir sua essência, que é explicada por meio de outras informações e análises, como as sociais, históricas, culturais, entre outras. Nas décadas de 1960 e 1970, muitas lutas e conflitos estavam correndo o mundo (como as Revoluções Socialistas, por exemplo). Para se compreender essa nova realidade, as análises matemáticas e estatísticas não eram suficientes. Assim, surgiu outra proposta de Geografia. A Geografia Crítica Esta nova forma de se pensar a Geografia critica a postura da Geografia Tradicional e Pragmática (Quantitativa e Teorética). A vanguarda desse processo crítico renovador vai ainda mais além, apontando o conteúdo de classe da Geografia Tradicional. Seus autores mostram as vinculações entre as teorias geográficas e o imperialismo. (...) Atingem assim seu caráter ideológico, que via a organização do espaço como harmônica; via a relação homem-natureza, numa ótica que acobertava as relações entre os homens; via a população de um dado território, como um todo homogêneo, sem atentar para sua divisão de classes. Enfim, os geógrafos críticos apontaram a relação entre a Geografia e a superestrutura da dominação de classe na sociedade capitalista. Pierre George (um francês) fez a proposta de que a Geografia deveria se pautar na divisão dos continentes em função dos Sistemas Socioeconômicos: capitalismo e socialismo. Para ele, a geografia de cada país organiza-se segundo seu sistema econômico e a história determina o modo de relação do homem com seu meio natural. Em função das transformações sociais, culturais e econômicas pelas quais o mundo estava passando naquela época (décadas de 50 a 70, na Europa, em princípio,e nos demais continentes por consequência da disseminação das ideias), surgiu a necessidade de se passar da descrição das paisagens para a sua explicação, ou seja, de ir além das aparências, buscando-se a essência dos fenômenos. O ponto de partida seria a paisagem (o que vemos – a aparência), 15 mas, nesta concepção, devemos buscar os elementos ocultos nessa paisagem (o que não vemos – a essência), pois esses elementos em interação são os responsáveis pela construção das paisagens (ou do que vemos). Em suma, o que faz as coisas aparentarem ser o que vemos são elementos que não vemos (que são as variáveis sociais, culturais, políticas, econômicas de cada canto do planeta), e compreender esses elementos é a forma de entendermos e explicarmos a realidade. Nessa perspectiva ocorreu uma evolução discursiva: passou-se ao estudo da relação homem- meio e estudo da organização do espaço pelo homem. A forma de organização espacial é a própria sociedade (e suas relações de trabalho). As sociedades (com suas classes sociais) e suas relações com a natureza resultarão em determinada produção do espaço (no passado e no presente), e à geografia cabe analisar e interpretar essa organização. A geografia do professor Para que o olhar sobre a realidade revele a constituição dos fenômenos, a escola desempenha um papel fundamental. O que percebemos é que as diversas disciplinas escolares trabalham, genericamente falando, para manter e direcionar os indivíduos para que se mantenham somente na aparência das coisas (fenômenos) sem chegar à essência. A relação ensino-aprendizagem pautada na lógica formal (das verdades absolutas, do falso ou verdadeiro, do certo ou errado, sem questionamentos) faz com que os alunos fiquem somente na superficialidade (aparência) da realidade sem compreender, relacionar e questionar essa realidade (a essência). Uma olhar geográfico que busque ampliar em vez de oprimir o olhar sobre a realidade não pode estar baseado em dados, números, nomes de rios, capitais, relevos somente. É preciso ir além. Questionar a ordem espacial de cada canto do mundo para que, a partir disso, o aluno consiga enxergar seu papel neste mundo e compreender onde está e porque está ali. 16 Unidade: Um olhar sobre a Geografia Material Complementar Leituras MOREIRA, R. O que é Geografia. São Paulo: Brasiliense, 2005. _________. O círculo e a espiral – para a crítica da geografia que se ensina – 1. Niterói: Edições AGB, 2004. SANTOS, M. Por uma geografia nova. São Paulo: EDUSP, 2003. Filmes e vídeos Nas montanhas da lua (DVD) De volta para o futuro (vários DVDs - filmes da série) – mostra a transformação das paisagens de alguns lugares ao longo do tempo. O que é Geografia? (14min44seg) http://www.youtube.com/watch?v=YktYwin3sk0 História_geografia (2min32seg) http://www.youtube.com/watch?v=lN-zxQ75GkM Aula Ratzel em slides (4min13seg) http://www.youtube.com/watch?v=H4WA7dw4QIc Possibilismo (2min39seg) http://www.youtube.com/watch?v=MaZ7ArXqpPo 17 Referências MORAES, A. C. R. Geografia – pequena história crítica. 10 ed. São Paulo: Hucitec, 1991. MOREIRA, R. O que é Geografia. 11 ed. São Paulo: Brasiliense, 1991. ___________. O pensamento geográfico brasileiro – as matrizes clássicas originárias. São Paulo: Contexto, 2008. SODRE, N. W. Introdução à Geografia. 7 ed. Petrópolis: Vozes, 1989. 18 Unidade: Um olhar sobre a Geografia Anotações www.cruzeirodosulvirtual.com.br Campus Liberdade Rua Galvão Bueno, 868 CEP 01506-000 São Paulo SP Brasil Tel: (55 11) 3385-3000