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iii MINISTÉRIO DA SAÚDE FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ INSTITUTO OSWALDO CRUZ Curso de Verão 2014 NOVAS ABORDAGENS NO ESTUDO DAS INFECÇÕES VIRAIS Coordenadores: Elba Regina Sampaio de Lemos (elemos@ioc.fiocruz.br) Tulio Machado Fumian (tuliomf@ioc.fiocruz.br) Professores: Alexandre dos Santos da Silva (alexsantos@ioc.fiocruz.br) Alexandro Guterres (guterres@ioc.fiocruz.br) Jorlan Fernandes de Jesus (jorlan@ioc.fiocruz.br) Lais Durço Coimbra (lais.coimba@ioc.fiocruz.br ) Lyana Rodrigues Pinto Lima (lyana@ioc.fiocruz.br) Maria da Penha Trindade Pinheiro Xavier (tpx@ioc.fiocruz.br) Natália Maria Lanzarini (natalial@ioc.fiocruz.br) Rio de Janeiro 2014 iv ÍNDICE 1 INTRODUÇÃO À VIROLOGIA 1 1.1 A relação dos vírus com a história humana .......................................... 1 1.2 Desenvolvimento do conceito de vírus .................................................. 2 1.3 Conhecimento da estrutura viral ............................................................. 5 1.4 Bacteriófagos............................................................................................ 5 1.5 Vírus encontrados em animais ................................................................ 7 1.6 Taxonomia viral ........................................................................................ 8 1.7 Definição e características gerais dos vírus ........................................ 10 1.8 Constituição e morfologia viral ............................................................. 11 1.9 Visualização dos vírus ........................................................................... 13 1.10 Fases da replicação Viral ....................................................................... 13 2 BIOSSEGURANÇA, COLETA E TRANSPORTE DE MATERIAIS BIOLÓGICOS 18 2.1 Conceitos básicos de biossegurança .................................................. 18 2.2 Biossegurança em laboratórios de pesquisa ...................................... 18 2.2.1 Tipos de riscos em laboratórios de virologia ................................ 18 2.2.2 Contenção contra riscos biológicos e individual .......................... 20 2.2.3 Equipamento de proteção individual (EPI) ................................... 23 2.2.4 Equipamento de proteção coletiva ............................................... 23 2.2.5 Simbologia utilizada em laboratórios de virologia ........................ 25 2.3 Coleta e transporte de material biológico ............................................ 25 2.3.1 Requisições ou ficha epidemiológica ........................................... 25 2.3.2 Envio das amostras biológicas ao laboratório para pesquisa viral ............................................................................... 26 3 NOÇÕES BÁSICAS DE IMUNOLOGIA E DESENVOLVIMENTO DE ANTICORPOS 29 3.1 O Sistema Imunológico e suas funções ............................................... 29 3.1.1 A formação das células sanguíneas ............................................ 29 3.1.2 Os órgãos linfoides ...................................................................... 31 3.1.3 Resposta imunológica inata ......................................................... 31 3.1.4 Processamento e apresentação de antígenos ............................. 35 3.1.5 Resposta imunológica adaptativa ................................................ 36 v 3.2 A biotecnologia e o desenvolvimento de anticorpos .......................... 41 3.2.1 Anticorpos policlonais .................................................................. 41 3.2.2 Anticorpos monoclonais ............................................................... 42 3.2.3 Tecnologia de phage display ....................................................... 43 4 TESTES RÁPIDOS 44 4.1 Teste de imunocromatografia: .............................................................. 44 4.2 Testes de aglutinação: ........................................................................... 46 5 METODOLOGIAS HIGH THROUGHPUT 49 5.1 Metodologias High-throughput para estudos de material genético ................................................................................................... 49 5.2 Etapas de construção do microarray ................................................... 50 5.3 Aplicação do microarray na virologia ................................................... 52 5.4 A citometria de fluxo e a imunologia .................................................... 53 5.5 Aplicações da citometria de fluxo na virologia .................................... 54 6 TÉCNICAS EM BIOLOGIA MOLECULAR 57 6.1 Reação em cadeia da polimerase - Polymerase Chain Reaction (PCR) ....................................................................................................... 57 6.2 Outros tipos de PCR .............................................................................. 59 6.2.1 RT-PCR ....................................................................................... 60 6.2.2 Nested PCR ................................................................................. 60 6.2.3 Multiplex PCR .............................................................................. 60 6.3 Southern Blotting ................................................................................... 60 6.4 Northern Blotting .................................................................................... 61 6.5 Clonagem molecular .............................................................................. 62 7 PCR EM TEMPO REAL 66 8 TÉCNICAS DE SEQUENCIAMENTO DE NUCLEOTÍDEOS 69 8.1 Método de Sanger .................................................................................. 70 8.2 Pirosequenciamento e a tecnologia 454 (Roche) ................................ 71 8.3 Plataforma Solexa (Ilumina) .................................................................. 73 8.4 Plataforma SOLiD (Sequencing by Oligonuclotide Ligation and Detection) ................................................................................................ 76 8.5 Outras plataformas de sequenciamento de nova geração ................. 78 vi 8.6 Aplicação do sequenciamento do genoma viral .................................. 79 9 BIOINFORMÁTICA 82 9.1 Banco de Dados Biológicos .................................................................. 83 9.2 Alinhamento de sequências .................................................................. 85 9.2.1 Tipos de alinhamento................................................................... 85 9.3 Métodos em filogenética molecular ...................................................... 86 9.3.1 Máxima Parcimônia (MP) ............................................................. 87 9.3.2 Máxima Verossimilhança (MV) .................................................... 87 10 NOVAS ABORDAGENS DE PREVENÇÃO E TRATAMENTO DAS INFECÇÕES VIRAIS 89 10.1 Conceitos de prevenção e tratamento das infecções virais ............... 90 10.2 Tipos de tratamentos utilizados atualmente ........................................ 90 10.3 O tratamento ideal .................................................................................. 94 10.4 Vacinas de DNA ...................................................................................... 95 10.5 Vacinologia reversa ................................................................................ 97 10.6 Vacinas individuo-especificas e população-especificas .................... 97 10.7 Vacinas utilizando plantas ..................................................................... 9810.8 Antivirais baseados em RNA ............................................................... 100 10.9 Tratamento baseado em fatores do hospedeiro ................................ 103 vii LISTA DE FIGURAS Figura 1.1: Escala comparativa de visualização em microscopia óptica e eletrônica. ................................................................................................................ 11 Figura 1.2: Esquema de estrutura viral: ................................................................ 12 Figura 2.1: Equipamentos de proteção individual. ............................................... 23 Figura 2.2: Cabine de segurança biológica classe II A. ....................................... 24 Figura 2.3: Símbolos utilizados em laboratório. ................................................... 25 Figura 3.1: Formação das células sanguíneas a partir das células-tronco hematopoiéticas. ..................................................................................................... 30 Figura 3.2: Apresentação de antígeno aos linfócitos T via molécula de MHC. .. 36 Figura 3.3: Estrutura básica de uma Imunoglobulina. ......................................... 39 Figura 4.1: (A) Exemplificação da estrutura física de um teste rápido para detecção de anticorpos específicos para antígenos do vírus da Hepatite C (HCV). (B) Regiões onde estão situados antígenos e anticorpos fixados (reagentes secos) que serão ativados e reagirão após aplicação de amostra e reagentes. ................................................................................................................ 45 Figura 4.2: Após a adição de amostra e do reagente, estes migram lateralmente por capilaridade através da membrana junto com o anticorpo conjugado, dando início ao processo de ligação entre antígeno e anticorpo, e reação do teste. ......................................................................................................................... 45 Figura 4.3: Exemplificação da reação de hemaglutinação direta. ...................... 47 Figura 4.4: Exemplificação da reação de aglutinação do látex para detecção de rotavírus em suspensões fecais. ........................................................................... 48 Figura 5.1: Esquema de um microarray, ilustrando a disposição de sondas de oligonucleotídeos de DNA de fita simples fixadas sobre lâmina de vidro. ........ 51 Figura 6.1: Termociclador – equipamento usado para a realização da técnica de PCR. O termociclador pode ser programado para promover alterações de temperatura em cada etapa de PCR. (Fonte: http://www.biogen.net.br). ........... 58 Figura 6.2: Etapas da técnica de PCR. (Fonte: Laboratório de Desenvolvimento Tecnológico em Virologia). ..................................................................................... 59 Figura 6.3: Ilustração das duas principais etapas da clonagem molecular: a ligação da sequência que será clonada ao vetor e a transformação bacteriana. .................................................................................................................................. 64 viii Figura 7.1: Ilustração da sonda intacta antes da extensão pela DNA polimerase e a sonda clivada após extensão da DNA polimerase. ........................................ 67 Figura 8.1: Esquema simplificado do pirosequenciamento. ............................... 72 Figura 8.2: Representação ilustrativa simplificada da plataforma Solexa (Illumina). ................................................................................................................. 75 Figura 9.1: Dogma central da biologia molecular, na sua versão clássica. ...... 83 Figura 9.2: Exemplos de alinhamento global e local. .......................................... 86 Figura 10.1: Diferentes antivirais utilizados no tratamento das infecções virais .................................................................................................................................. 91 Figura 10.2: Esquema apresentando a imunização de vacinas de DNA utilizando diferentes tipos de veículos.................................................................. 96 Figura 10.3: Figura esquemática do silenciamento pela via de RNA de interferência utilizando miRNA/siRNA ................................................................ 101 LISTA DE QUADROS Quadro I: Normas internacionais estabelecidas pelo ICTV para classificação viral: ............................................................................................................................ 9 Quadro II: Tipos de estruturas virais e suas características .............................. 12 Quadro III: Classificação dos vírus segundo Baltimore ...................................... 16 Quadro IV: Endonucleases de restrição. As setas indicam os sítios de clivagem. .................................................................................................................. 63 Quadro V: Links úteis para compreender as diferentes plataformas de sequenciamento. ..................................................................................................... 70 Quadro VI: Banco de dados mais utilizados em bioinformática. ........................ 84 1 1 INTRODUÇÃO À VIROLOGIA ALEXANDRE DOS SANTOS DA SILVA Desde o começo das civilizações existem relatos de indivíduos acometidos por doenças infecciosas que, atualmente, sabemos que muitas delas foram causadas por infecções virais. Com o conhecimento atual sobre virologia, não é difícil perceber que os vírus já estão em contato com a humanidade há muito tempo, inclusive antes desses primeiros relatos, sendo encontrados desde o aparecimento do Homo sapiens. O conhecimento atual da virologia demonstra que os vírus são seres essencialmente parasitas, que necessitam de células vivas para se replicarem e que podem ser encontrados infectando qualquer ser vivo de qualquer parte do mundo. Atualmente já são conhecidos vírus que infectam desde arqueobactérias da ordem Sulfolobales encontradas em vulcões e que crescem a temperaturas de 90-95º C, até animais abissais encontrados no fundo do mar e resistentes a pressões bastante altas. A atuação dos vírus nas espécies que eles infectam e as consequências dessa infecção moldaram toda a evolução, desde os seres mais primitivos até a espécie humana. 1.1 A relação dos vírus com a história humana A história dos vírus com a humanidade vem de muito tempo e as infecções virais por si só foram fatores importantes que moldaram a história e evolução da espécie humana. Ao pensar na relação dos vírus com o homem é importante saber que para o estabelecimento de populações virais em uma comunidade é necessária a ocorrência de alta densidade populacional da espécie que o vírus infecta. Por ser parasita obrigatório, o vírus necessita obrigatoriamente de um hospedeiro e de células especificas desse hospedeiro para que possa se multiplicar (replicar). Para um vírus ter o seu ciclo biológico completo ele necessita entrar em contato com o hospedeiro, invadir o seu organismo e posteriormente invadir suas células. Após a invasão celular, o vírus se replica e continua infectando novas células do hospedeiro até o momento em que é excretado do organismo do hospedeiro para infectar outro indivíduo. O novo hospedeiro pode ser da mesma espécie (infecção intra-espécie) 2 ou de espécie diferente (infecção interespécie). Então, para completar o ciclo biológico do vírus, este precisa de outro hospedeiro que possa ser infectado por esse vírus e ser capaz de promover a replicação, perpetuação e circulação deste agente no ambiente. Observandoa história da humanidade, podemos supor que o estabelecimento de infecções virais nos humanos só pode ocorrer com a mudança de comportamento do homem caçador-coletor para a formação de comunidades assentadas com domesticação de animais e produção agrícola. A partir da formação de comunidades assentadas, houve o aumento da densidade da população humana e estabelecimento da infecção viral nessas comunidades, pois as infecções virais puderam ser facilmente perpetuadas de pessoa a pessoa. Aqueles vírus que tinham capacidade de se propagar sem causar grandes danos (relação mais benigna) foram os pioneiros na adaptação às populações humanas e aos animais. Relatos da Mesopotâmia e de outras civilizações de época já demonstravam a utilização de medidas sanitárias aplicadas à prevenção de viroses, de tal forma que os proprietários de animais raivosos tinham responsabilidade sobre estes, e que poderiam ser penalizados, inclusive com sua morte. Em hieróglifos egípcios também foram encontrados registros de sequelas de infecções virais em poesias, na arte e em descrições históricas. 1.2 Desenvolvimento do conceito de vírus Em 1840, o anatomista alemão Jacob Henle hipotetizou a existência de agentes infeciosos que eram muito pequenos e capazes de causar doenças. Mas, nessa época, não existiam instrumentos para demonstrar a presença desses agentes, então suas ideias não foram aceitas. Foram necessários três avanços na microbiologia para suas ideias serem aceitas: (1) A demonstração da não existência da geração espontânea dos organismos por Louis Pasteur em 1864, que tornou possível o conhecimento de que os organismos produzem novos organismos e que era importante um campo estéril para o isolamento de novos organismos; (2) A utilização de culturas puras e coloração para isolamento de colônias de bactérias e (3) O postulado de Koch que definia quando um organismo poderia ser considerado o agente causador da doença (esse postulado se dividia em quatro pontos: (a) o organismo deve ser encontrado em lesões da doença, (b) o organismo deve ser isolado em cultura pura, (c) a inoculação dessa cultura pura de organismos em um 3 hospedeiro deve iniciar a doença e (d) o organismo deve ser recuperado novamente das lesões do hospedeiro infectado à partir do organismo de uma cultura pura). O postulado de Koch falhou em encontrar o agente causador de algumas doenças, e, a partir daí, a ideia de agentes infecciosos muito pequenos capazes de causar doenças começou a reaparecer e o conceito de vírus começou a nascer. Em 1879 o cientista Alemão Adolf Mayer começou a pesquisar a planta do tabaco e nomeou uma doença que afetava essa planta de doença do mosaico do tabaco por causa de pontos pretos e pontos brancos encontrados nas folhas infectadas dessas plantas. Em um dos experimentos descritos por Mayer, ele inoculou em plantas saudáveis, seiva extraída de plantas doentes. Esse viria a ser o primeiro modelo de transmissão experimental de doenças virais de plantas. De acordo com esse experimento, Mayer estabeleceu que a doença do mosaico do tabaco deveria ser transmitida por um agente infeccioso, mas o curioso foi que ele não encontrou o crescimento do agente causal da doença em nenhuma cultura de microrganismos, o que não satisfez os postulados de Koch. Mayer então, em 1882, postulou que a causa da doença poderia estar relacionada com o mecanismo enzimático da atuação de uma enzima. Passados quatro anos, Mayer mudou de ideia e concluiu que a doença deveria ser de origem bacteriana, mas as formas de infecção não poderiam ser isoladas naquele momento e nem seriam conhecidas a forma e o modelo de vida. Ainda dentro do estudo da doença do mosaico do tabaco, em 1982 um cientista Russo chamado Dimitri Ivanofsky foi designado para investigar a causa da doença em plantações na Ucrânia e Criméia. Com as suas pesquisas, Ivanofsky rapidamente chegou ao resultado encontrado por Mayer, mas em sua pesquisa ele adicionou uma nova etapa à pesquisa anterior ao passar a seiva das plantas infectadas por um filtro. O filtro, chamado de filtro de Chamberland, com poros pequenos que possibilitaram a retenção da maioria das bactérias. Com essa etapa extra, ele bloqueou a passagem das bactérias, mas observou que a seiva das folhas infectadas com a doença do mosaico do tabaco reteve suas propriedades infecciosas mesmo após a filtração pelo filtro de Chamberland. A utilização do filtro de Chamberland tem uma importância muito grande para a virologia, pois no começo do estudo dos vírus, um agente infeccioso só poderia ser classificado como vírus após conseguir passar por esse filtro. Na época, Ivanofsky não conseguiu entender o porquê de o agente continuar infectando mesmo após a filtragem, pois ele estava preso aos postulados de Koch. Ele imaginou que o filtro poderia estar 4 defeituoso, sua metodologia poderia não estar correta ou a doença poderia ser provocada por uma toxina pequena o suficiente para passar pelos poros. Vários cientistas tentaram obter sucesso na descoberta do agente que causava essa doença, mas todos esbarravam nos postulados de Koch, o que os deixavam longe da verdade. Sem conhecer o trabalho de Ivanofsky, o microbiologista Beijerinck também demonstrou que a seiva de plantas do tabaco infectadas poderia continua infecciosa após a passagem por filtros de Chamberland. Ele resolveu também adicionar mais uma etapa, e demonstrou que a seiva filtrada poderia ser diluída e então ganhar força para se replicar em tecidos vivos da planta. De acordo com isso, ele chegou à conclusão de que o agente poderia se reproduzir (não era uma toxina), mas somente em tecidos vivos e não na seiva livre de células da planta. Esses dados foram importantes ao explicar a falha na cultura dos patógenos fora de seus hospedeiros. Beijerinck chamou esse agente de ―contagium vivum fluidum‖, ou líquido vivo contagioso. Esse conceito começou um debate de 25 anos sobre a natureza dos vírus e se eles são partículas ou líquidos e desapareceu quando, em 1917, Félix d‘Herelle desenvolveu o ensaio de placa e em 1939 quando a primeira micrografia eletrônica foi tirada do vírus do mosaico do tabaco. Com a contribuição desses cientistas desenvolveu-se o conceito básico do que seria o vírus: ―um agente infeccioso filtrável pequeno demais para ser observado no microscópio de luz, mas capaz de causar doenças ao se multiplicar em células vivas‖. Rapidamente após o conceito de vírus, Loeffler e Frosch descreveram e isolaram o primeiro agente filtrável de animais, o vírus da doença foot-and-mouth e Walter Reed e colaboradores em Cuba encontraram o primeiro vírus filtrável de humanos, o vírus da febre amarela. O termo vírus vem do latim e significa liquido viscoso ou veneno, e era nessa época utilizado para qualquer agente infeccioso e, por isso, também utilizado para o vírus do mosaico do tabaco. Após um tempo, o termo vírus passou a ser restrito àqueles agentes que cumprem os critérios desenvolvidos por Mayer, Ivanofsky e Beijerinck e esses são os primeiros agentes a causar doença que não podem ser provados pelos postulados de Koch. 5 1.3 Conhecimento da estrutura viral A estrutura viral começou a ser elucidada por Vinson e Petre em 1927. Eles precipitaram o agente infeccioso do vírus do mosaico do tabaco da seiva de plantas infectadas usando sais selecionados, acetona ou álcool e demonstraram que o vírus infecioso pode se mover em um campo elétrico, assim como as proteínas. Ao mesmo tempo, Purdy-Beale produziu anticorpos específicos em coelhos direcionados contra esse vírus que neutralizaram a infectividade do agente. Esses dois dados foramconsiderados provas suficientes da natureza proteica dos vírus. Com o advento de protocolos de purificação para os vírus, foram possíveis medições químicas e físicas destes. De acordo com isso, foram demonstradas a presença de partículas assimétricas ou em forma de bastão do vírus do mosaico do tabaco e a composição de proteínas com fósforo e ácido desoxirribonucleico em bacteriófagos, o que levou à ideia de que os vírus eram formados de nucleoproteínas. Em 1926, H.H. McKinney relatou a ocorrência de variantes do vírus do mosaico do tabaco com diferentes morfologias e que poderiam ser isolados de várias localizações geográficas. Já em 1935, o vírus do mosaico do tabaco foi visto pela primeira vez em cristalografia por raio-X. Essa cristalografia demonstrou a presença de bastões de diâmetro constante contendo RNA e proteínas de subunidades proteicas repetidas o que levou ao conhecimento de que os vírus, como todos os seres vivos, têm informações genéticas e podem sofrer mutações. Mas somente 30 anos após esta primeira observação que os cientistas relataram que a informação genética era encontrada no RNA (diferente dos seres vivos conhecidos até o momento). 1.4 Bacteriófagos Em 1915, o inglês Frederick W. Twort estava procurando por variantes do vírus vaccinia usado na vacina de varíola que poderia se replicar em meios de cultura simples fora de células vivas. Em um de seus experimentos, ele inoculou uma alíquota da vacina de varíola em uma cultura de ágar nutriente onde o vírus não se replicou, e foi observado curiosamente um crescimento rápido de contaminantes bacterianos. Ao fazer outros experimentos de incubação com vírus, Twort percebeu que as colônias bacterianas tiveram uma mudança visível e se tornaram transparentes. Essas colônias não conseguiam mais se replicar quando ocorria outra 6 passagem (o que quer dizer que a bactéria tinha sido morta). Twort chamou esse fenômeno de ―glassy transformation‖ e percebeu que, ao se infectar uma colônia bacteriana normal com esse princípio de ―glassy transformation‖, as bactérias morriam. Após os experimentos, Twort publicou uma nota descrevendo o trabalho e sugeriu que uma explanação possível poderia ser um vírus de bactéria. No mesmo ano, um esquadrão da cavalaria Francesa que estava lotado perto de Paris sofreu com uma epidemia de disenteria. Felix d'Herelle, um bacteriologista canadense que estava trabalhando no Instituto Pasteur de Paris, o mesmo pesquisador que desenvolveu o primeiro ensaio de placa que identificou um vírus, rapidamente isolou o agente causador da disenteria, o bacilo Shigella, de emulsões filtradas das fezes de homens doentes e as deixou em cultura. Com o crescimento bacteriano na superfície da placa de Petri, d‘Herelle observou pontos circulares aonde não houve crescimento bacteriano, que ele chamou de placas. D‘Herelle foi capaz de seguir o curso da infecção em um paciente, notando os pontos em que a bactéria estava em maior quantidade e quando as placas apareceram. Ele foi capaz de demonstrar que as placas apareceram no quarto dia após a infecção e neste mesmo momento as bactérias morreram nestas placas de cultura. O mais interessante foi que os pacientes começaram a ficar mais saudáveis no quarto dia pós-infecção. D‘Herelle nomeou esses agentes de vírus bacteriófagos, também conhecidos como fagos. Com o passar do tempo foi descoberto que existem diversos bacteriófagos e que alguns são líticos (quando a infecção provoca a lise da bactéria), enquanto outros são lisogênicos (quando a infecção não leva à morte da bactéria) e que, em relação ao tipo de ácido nucléico, podem ser divididos em ssDNA, dsDNA, ssRNA e dsRNA. A partir de 1940 o número de pesquisas sobre bacteriófagos aumentou exponencialmente. Centenas de virologistas produziram milhares de publicações que cobriram três grandes áreas: (a) infecção lítica de E.coli com fagos T; (b) natureza da lisogenia utilizando o fago lambda; e (c) a replicação e propriedades de vários fagos únicos. Em 1947-1948 foram realizados estudos para determinar os efeitos da infecção por bacteriófagos no RNA e DNA em células infectadas, utilizando analise colorimétrica. Esses estudos demonstraram uma alteração dramática na síntese macromolecular em células infectadas por fagos e dividiram o período do ciclo viral em inicial (antes da síntese de DNA) e tardio, além de demonstrarem que o vírus pode redirecionar o processo de síntese macromolecular celular em células infectadas. 7 Em 1953, Wyat e Cohen identificaram uma nova base, chamada de hidroximetilcitosina, no DNA do bacteriófago T2, essa base está presente no DNA bacteriano no lugar da citosina. Com esse conhecimento foi possível descobrir como os desoxirribonucleotideos são sintetizados nas células infectadas por bacteriófagos e como os vírus introduzem a informação genética para a produção de uma nova enzima nas células infecciosas. Além disso, em 1964 foi provado que a hidroximetilase não existia em células não infectadas e precisava ser codificada por um vírus. Em conjunto, esses experimentos provaram que as novas informações codificadas por vírus só eram expressas em células infectadas. 1.5 Vírus encontrados em animais A partir do momento em que o conceito de vírus filtráveis apareceu, esse procedimento experimental de filtragem foi aplicado para muitos tecidos de pacientes doentes. Agentes filtráveis, que não eram observados em microscópio de luz e que se replicavam somente em tecido vivo animal foram encontrados. Então, com o passar do tempo e com novas pesquisas, apareceram algumas surpresas como: presença do vírus da febre amarela que era transmitido por um vetor artrópode, corpos de inclusão específicos visivelmente patológicos (vírus) em tecidos infectados e até um agente viral cancerígeno. No período de 1900-1930 foram descobertos muitos vírus que foram caracterizados pelo tamanho, resistência a agentes químicos ou físicos e efeitos patogênicos. Com esse conhecimento, tornou-se óbvio que os vírus são um grupo extremamente diverso e complexo de agentes infecciosos. Alguns podiam até ser observados no microscópio de luz (como o vírus vaccinia em microscópio de campo escuro). Os pesquisadores puderam perceber também que os vírus são específicos para diferentes tipos de tecidos, podem provocar doenças crônicas ou agudas, são agentes resistentes ou recorrentes em uma infecção e podem causar morte celular ou induzir proliferação celular. No começo do século XX o estudo com vírus que infectavam animais era complicado e, para simplificar o modelo experimental vigente na época foi necessário um passo de cada vez. Inicialmente estudaram-se os animais selvagens, passando para animais de laboratório como camundongos ou ovos de galinha embrionados e, com o passar do tempo, começou-se a trabalhar com cultura de 8 tecidos e posteriormente com cultura celular. Entre 1948 e 1955, houve uma transição crítica que converteu a virologia animal em ciência laboratorial com quatro trabalhos importantes: (a) Sanford e colaboradores conseguiram ultrapassar a dificuldade de se fazer cultura de células, (b) George Gey e colaboradores conseguiram cultivar e fazer a passagem de células humanas pela primeira vez e desenvolveram uma linhagem celular (HeLa) de um carcinoma cervical, (c) Harry Eagle desenvolveu um meio para cultura de células simples, e (d) em uma demonstração da utilização das pesquisas anteriores, Enders e colaboradores demonstraram que o poliovírus poderia se replicar em tecidos embrionários não neuronais humanos. Esses estudos, desenvolvimentos técnicos e modelos experimentais tiveram dois efeitos imediatosna virologia. O primeiro foi o desenvolvimento da vacina contra a pólio, que foi a primeira vacina produzida em cultura de células. O segundo foi que o estudo de vírus por cultura celular iniciou a era da virologia molecular. A partir de 1960, a motivação para o estudo da virologia começou a mudar, pois os virologistas começaram a usar os vírus para entender questões centrais no entendimento de todo processo dos seres vivos. Essa ideia de utilizar os vírus para estudar todo o processo dos seres vivos surgiu com o acúmulo de conhecimento proporcionado pelo estudo dos vírus. Nessa época já se sabia que os vírus se replicavam apenas dentro das células do hospedeiro utilizando as regras, sinais e mecanismos regulatórios de seus hospedeiros. Com isso em mente, os pesquisadores começaram a contribuir para todas as facetas da biologia. Inicialmente com o grupo de bacteriófagos e posteriormente com vírus que infectam animais. Além disso, a partir de 1970, a revolução do DNA recombinante começou, e tanto os bacteriófagos quanto os vírus que infectam animais tiveram um papel crítico e central nessa revolução. 1.6 Taxonomia viral Com todas as discussões encontradas sobre a nomenclatura viral desde o começo do conhecimento dos vírus, tornou-se necessário uniformizar a classificação e nomenclatura destes seres. Para isso, em 1973, foi criado o Comitê Internacional de Taxonomia Viral (ICTV) que organizou e ainda organiza os vírus em níveis hierárquicos baseado em propriedades estruturais (Quadro I). 9 Quadro I: Normas internacionais estabelecidas pelo ICTV para classificação viral: Critérios Aspectos considerados Morfologia Simetria do capsídeo Propriedades Físico-químicas Massa molecular, estabilidade, ácido nucléico. Proteínas Componentes do capsídeo Lipídios e carboidratos Quantidade de açúcares e lipídios Replicação viral e Organização Gênica Estratégias e características do genoma Propriedades Antigênicas Sorologia Propriedades Biológicas História natural do vírus (hospedeiro, transmissão, tropismo...) Ordem Viral Grupos de famílias com características comuns – sufixo virales Família e Subfamília Viral Grupos de gêneros com características comuns – sufixos Viridae e Virinae Gênero viral Grupos de espécies com características comuns – sufixo vírus Espécie Viral Estirpe de nicho particular – diferenças genômicas ou estruturais, físico-químicas ou sorológicas. O ICTV também organizou e uniformizou a nomenclatura dos vírus, que passou a ser chamada de nomenclatura oficial ou vernacular. Na nomenclatura oficial de família, subfamília e gênero, a primeira letra deve ser maiúscula, e o nome impressa em itálico ou sublinhado. Ex: Família Picornaviridae ou Picornaviridae. Já na nomenclatura vernacular ocorre uso informal na fonte Times New Roman. Ex: ―A família picornaviridae...‖. Além disso, os vírus também podem ser agrupados informalmente (artificialmente) de acordo com características especificas ou epidemiológicas de cada grupo que os possa diferenciar. Como exemplo, podemos citar: Arbovírus, Hepatites Virais, Gastroenterites virais, dentre outros. 10 1.7 Definição e características gerais dos vírus Por definição, os vírus são organismos que parasitam células e infectam com consequente replicação intracelular. Os vírus não tem capacidade de replicação e metabolismo fora da célula hospedeira. À partícula viral completa é dado o nome de virion. O virion é composto de moléculas de ácido nucléico, podendo ser de DNA ou RNA (apenas um dos dois), e é composto também de proteínas estruturais do capsídeo e/ou envelope. Estas proteínas garantem a estabilidade do vírus dentro e fora da célula hospedeira, sendo bastante importante na proteção do genoma para replicação. O tamanho do genoma está relacionado à complexidade do virion. Os agentes infectantes conhecidos como vírus são bastante diferentes entre si, tanto em morfologia quanto em características bioquímicas, ou ciclo de vida, mas todos os vírus apresentam algumas características que possibilitam diferenciar esses indivíduos de outros agentes: São parasitas intracelulares, sendo cultivados apenas em sistemas vivos de cultivo, pois necessitam de metabolismo celular ativo. Sendo parasitas intracelulares, os vírus não são capazes de se replicar fora da célula. Encontrados em qualquer lugar do planeta, infectando todos os filos de seres vivos. Além disso, alguns vírus podem ser encontrados dentro de outros vírus. São altamente específicos, tanto para a espécie quanto para o tecido e células que infectam. Ao considerar o tamanho, em sua maioria, são menores que as bactérias, medindo de 17 nm a 1,5 µm de diâmetro. A maior parte deles sendo somente visualizáveis em microscópio eletrônico e não filtráveis por filtros esterilizantes. A exceção ocorre com os chamados vírus gigantes (Phitovírus, Pandoravírus, Megavírus e outros vírus descobertos atualmente) que contém um genoma grande e complexo. Os maiores vírus encontrados até a presente data são os vírus da família Mimiviridae, cujo tamanho é semelhante ao das pequenas bactérias, somente visualizáveis em microscópio eletrônico e não são filtráveis por filtros esterilizantes (Figura 1.1). O genoma é composto por apenas um tipo de ácido nucléico (DNA ou RNA), tendo em sua composição, majoritariamente, proteínas, glicoproteínas e glicolipideos. 11 Em cultura celular, o crescimento viral ocorre na forma logarítmica na base 10, diferentemente das bactérias. Figura 1.1: Escala comparativa de visualização em microscopia óptica e eletrônica. 1.8 Constituição e morfologia viral Os vírus são basicamente constituídos de proteínas e ácidos nucléicos. Os genomas dos vírus são compostos por ácido desoxirribonucleico (DNA) ou ácido ribonucleico (RNA), mas em uma espécie viral nunca são encontrados os dois tipos de código genético. O rearranjo de subunidades proteicas define a composição do capsídeo viral. Esta organização tem por objetivo proteger o material genético e oferecer rigidez ―energeticamente econômica‖. O conjunto de proteínas que protegem o código genético é chamado de capsídeo, já o conjunto composto pelo genoma e capsídeo é chamado de nucleocapsídeo. Além dessas moléculas, os vírus ainda podem ter em sua constituição enzimas, lipídeos e carboidratos (glicoproteínas). De acordo com a presença de glicoproteínas na superfície, os vírus podem ainda ser divididos em vírus não envelopados (compostos de genoma + capsídeo) ou vírus envelopados (compostos de genoma + capsídeo + envelope com glicoproteínas). Os vírus envelopados têm uma bicamada lipídica, ou envelope, que envolve seu nucleocapsídeo. Durante a biossíntese viral alguns vírus sintetizam proteínas próprias que são integradas à membrana da célula hospedeira, originando assim o envelope viral. 12 Na Figura 1.2 podemos observar a constituição viral dos vírus envelopados e não envelopados. Figura 1.2: Esquema de estrutura viral: 1) capsômeros; 2) ácido nucléico; 3) capsídeo (composto pelos capsômeros); 4) nucleocapsídeo (genoma + ácido nucléico); 5) envelope; 6) espículas (glicoproteínas ou lipídeos); em azul = matriz proteica. Em relação à morfologia, os vírus apresentam diferentes simetrias relacionadas às diferentes montagens dos capsídeos virais. A formação das simetrias é derivada, geralmente, de muitas cópias da mesma proteína, mas alguns vírus são constituídos de diferentes proteínas que compõem o capsídeo. As morfologias observadas para os diferentes capsídeos virais podem ser helicoidal,icosaédrica ou complexa. A simetria helicoidal tem um formato semelhante a um cilindro ou um tubo, diferente da simetria icosaédrica, que é determinada por um sólido geométrico formado de vinte triângulos equiláteros e doze vértices. Já a simetria complexa é observada em vírus que apresentam nucleocapsídeo tanto na forma icosaédrica quanto helicoidal, como o bacteriófago lambda. No Quadro II segue um resumo com o tipo de estruturas virais e suas características. Quadro II: Tipos de estruturas virais e suas características Estrutura Características Capsídeo Simetria helicoidal, icosaédrica ou complexa Envelope Derivado da membrana celular da célula hospedeira Ácido nucleico viral Haploides ou diploides DNA ou RNA Fita dupla ou simples Segmentados ou não Polaridade positiva ou negativa 13 1.9 Visualização dos vírus Os vírus podem ser visualizados através da técnica de microscopia eletrônica. A vantagem do microscópio eletrônico em relação ao microscópio ótico é que o eletrônico utiliza feixes de elétrons ao contrário do ótico, que utiliza a luz. O microscópio eletrônico utiliza bobinas (lentes eletromagnéticas), que possibilitam que a amostra seja varrida por um feixe de elétrons muito fino. Esses elétrons emitidos são coletados e fornecem um sinal elétrico que produz uma imagem, possibilitando, assim, observar a presença de indivíduos, como os vírus, com um tamanho variando de 1 nm à 1 μm. Nesta técnica as amostras são submetidas a um processamento de desidratação, fixação e inclusão em resina, não sendo possível a observação direta de amostras de tecido ―vivo‖. 1.10 Fases da replicação Viral Como os vírus são parasitas intracelulares e necessitam das células dos hospedeiros para se replicar, antes de tudo eles necessitam invadir a célula hospedeira e utilizar a sua maquinaria metabólica, pois o genoma viral possui somente uma pequena parte dos genes necessários para síntese de novos vírus. Como visto até aqui, os vírus são bastante diferentes entre si, inclusive nas estratégias de replicação. Apesar de a ampla maioria apresentar um genoma viral de tamanho muito limitado, com cerca de 1.800 a 800.000 pares de base, os vírus apresentam diferentes estratégias de replicação que garantem o máximo de eficiência da síntese proteica. Dentre as diferentes estratégias de replicação, pode-se citar: (1) mudanças de fase de tradução, (2) a formação de poliproteína que serão clivadas em proteínas por mecanismos de sobreposição gênica, (3) a formação de RNA subgenômico durante a replicação, (4) e a supressão de códons de parada. Essas variações das estratégias de replicação permitem que uma única partícula viral infecte uma célula hospedeira e origine até milhares de novas partículas virais infecciosas. O mecanismo de replicação dos vírus segue alguns passos específicos bastante parecidos, mas a maneira pela qual ocorrem esses passos varia muito de vírus para vírus. De acordo com o ciclo e replicação viral, os mesmos foram divididos em seis estágios diferentes: adsorção, internalização, descapsidação, biossíntese, maturação e liberação. Na adsorção, o vírus precisa entrar em contrato com a célula 14 hospedeira a partir da ligação de receptores celulares específicos de superfície à proteínas virais. Quando o vírus consegue se ligar aos receptores celulares, ele penetra na membrana celular e sofre o processo de descapsidação, que envolve a desmontagem dos componentes virais e liberação do seu código genético no citoplasma ou núcleo celular. Com a liberação do genoma na célula, ocorre a sua replicação e, posteriormente, a montagem das partículas virais, seguida pela liberação das novas partículas virais para o meio extracelular. Abaixo, é apresentada, didaticamente, a replicação viral dividida pelos seis diferentes estágios. Adsorção → Consiste na ligação específica de proteínas virais a receptores celulares e, em alguns casos, também a co-receptores. Os receptores virais são definidos como proteínas de superfície celular que se ligam diretamente ao virion. A especificidade de cada vírus para determinado tipo celular encontrado em um hospedeiro específico é determinada pelos receptores e/ou co-receptores celulares, ou seja, os receptores e co-receptores presentes nas superfícies celulares que determinam a capacidade de infecção e multiplicação de um vírus em uma célula específica. Em alguns casos, os vírus podem entrar na célula quando complexados com anticorpos neutralizantes específicos contra o vírus. Esse evento é observado com algumas células que possuem receptores de imunoglobulinas expressas em sua superfície, considerando que após a entrada do complexo antígeno- anticorpo neutralizante fagocitado na célula, o vírus pode se soltar dos anticorpos e iniciar a infecção celular. Internalização → Após a ligação dos vírus aos receptores celulares, os vírus são internalizados ou penetram na célula. Essa etapa de internalização consiste em uma transferência do genoma viral ou do nucleocapsídeo para dentro da célula. Em resumo, a internalização pode ocorrer de duas maneiras: fusão direta ou endocitose. Fusão direta → Os vírus envelopados, por possuírem envelope, necessitam de uma fusão direta de seu envelope (bicamada lipídica) com a membrana celular por um processo que é conduzido por glicoproteínas virais localizadas na superfície do vírus e que possibilita a liberação do genoma viral para dentro da célula. No caso de alguns vírus não envelopados como os picornavírus (ex: rinovírus) o genoma viral é translocado para dentro da célula 15 enquanto o restante da partícula viral permanece no meio extracelular. Endocitose → Nos vírus envelopados ocorre fusão da membrana da vesícula endocítica com o envelope viral, que é dependente de pH ácido e, com isso, o genoma viral é transferido para dentro da célula. Em vírus não envelopados, o genoma viral é translocado para dentro da célula após a lise da vesícula endocítica, em um processo que pode depender ou não do pH, de acordo com o tipo de vírus. Desnudamento ou Descapsidação → O desnudamento consiste na separação do genoma viral de seu capsídeo. Em alguns vírus não envelopados como os picornavírus e poliovírus, essa etapa ocorre concomitantemente à penetração viral na célula. No entanto, alguns vírus envelopados introduzem na célula seus complexos nucleoproteicos e, portanto, necessitam que ocorra uma série de etapas de lise proteica para a desmontagem do núcleocapsídeo. Biossíntese ou replicação → Na biossíntese ocorre a formação de novas cópias do genoma viral e a síntese de proteínas virais como: enzimas associadas ao genoma, proteínas do capsídeo e glicoproteínas do envelope. Montagem e Liberação → Após a replicação e síntese das partículas virais, ocorre a montagem das partículas virais. A liberação dos vírus não envelopados ocorre pela lise da membrana celular e consequente destruição celular. Os vírus envelopados adquirem seu envelope e proteínas do envelope por um processo denominado de brotamento. Nesse processo, após a produção de proteínas do envelope, estas são lançadas na membrana celular e o capsídeo viral recém-montado é levado até a membrana celular aonde é liberado por exocitose. No momento da liberação, o capsídeo viral carrega uma parte da membrana celular e das proteínas do envelope, que constituirá o envelope viral. Geralmente o processo de brotamento não causa danos à célula. Após o processo de replicação viral, as novas partículas estão prontas para infectar novas células. Segundo Baltimore (1971) os vírus podem ser classificados de acordo como tipo de ácido nucléico e estratégias de replicação (Quadro III). 16 Quadro III: Classificação dos vírus segundo Baltimore Classificação Exemplo Vírus DNA de fita dupla Vírus Herpes Simplex tipo 1 Vírus DNA de fita simples Parvovírus Vírus RNA fita simples polaridade positiva Vírus da hepatite A Vírus RNA fita simples polaridade negativa Vírus Influenza Vírus RNA de fita dupla Rotavírus Vírus RNA fita dupla com intermediário DNA Retrovírus (HIV) Vírus DNA fita dupla com intermediário RNA Vírus da hepatite B 1.11 Bibliografia consultada Cohen SS 1948. Synthesis of bacterial viruses; synthesis of nucleic acid and proteins in Escherichia coli infected with T2r+ bacteriophage. J Biol Chem 174: 281–295. d'Herelle FH 1917. Sur un microbe invisible antagoniste des bacillus dysentériques. C R Hebd Seances Acad Sci Paris 165: 373–390. d'Herelle F 1921. Le microbe bactériophage, agent d'immunité dans la peste et le barbone. C R Hebd Seances Acad Sci Paris 172: 99. Eagle H 1955. The specific amino acid requirements of a human carcinoma cell strain HeLa in tissue culture. J Exp Med. 102: 37–48. Enders JF, Weller TH, Robbins FC 1949. Cultivation of the Lansing strain of poliomyelitis virus in cultures of various human embryonic tissues. Science. 109: 85– 87. Fields, B. N., Knipe, D. M, Howley P. M 2002. Virology, 4th ed., Lippincott-Raven Pub., Philadelphia, USA. 17 Flaks JG, Cohen SS 1959. Virus-induced acquisition of metabolic function. I. Enzymatic formation of 5'-hydroxymethyldeoxycytidylate. J Biol Chem. 234: 1501– 1506. Fraenkel-Conrat H, Singer B 1972. The chemical basis for the mutagenicity of hydroxylamine and methoxyamine. Biochim Biophys Acta. 262: 264. Furth J, Strumia M 1931. Studies on transmissible lymphoid leukemia of mice. J Exp Med. 53: 715–726. Gey GO, Coffman WD, Kubicek MT 1952. Tissue culture studies of the proliferative capacity of cervical carcinoma and normal epithelium. Cancer Res. 12: 264–265. Ivanofsky D 1903. On the mosaic disease of tobacco. Z Pfanzenkr. 13: 1–41. Jensen JH 1933. Isolation of yellow-mosaic virus from plants infected with tobacco mosaic. Phytopathology. 23: 964–974. Luria SE, Anderson TF 1942. Identification and characterization of bacteriophages with the electron microscope. Proc Natl Acad Sci. USA 28: 127–130. Mayer A 1886. On the mosaic disease of tobacco. Landwn VerSStnen. 32: 451 467. McKinney HH 1926. Factors affecting the properties of a virus. Phytopathology. 16:753–758. McKinney HH 1929. Mosaic diseases in the Canary Islands, West Africa, and Gibraltar. J Agric Res. 39:557–578. Reed W, Carroll J, Agramonte A, Lazear J 1901. Senate Documents. 66(822):156. Rous P 1911. A sarcoma of the fowl transmissible by an agent separable from the tumor cells. J Exp Med. 13:397–399. Sanford KK, Earle WR, Likely GD 1948. The growth in vitro of single isolated tissue cells. J Natl Cancer Inst. 23:1035–1069. Takahashi WN, Rawlins RE 1932. 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Biochem J. 55:774–782. 18 2 BIOSSEGURANÇA, COLETA E TRANSPORTE DE MATERIAIS BIOLÓGICOS MARIA DA PENHA TRINDADE PINHEIRO XAVIER 2.1 Conceitos básicos de biossegurança Biossegurança: É um conjunto de ações capazes de eliminar ou minimizar riscos inerentes as atividades que envolvam pesquisas em laboratório ou campo, produção, ensino, desenvolvimento tecnológico e prestação de serviços, que podem comprometer a saúde do homem, dos animais, do meio ambiente ou a qualidade dos trabalhos desenvolvidos. Bioproteção: É um conjunto de medidas de segurança institucional e pessoal e de procedimentos desenvolvidos para evitar a perda, roubo, uso indevido, desvio ou liberação intencional de patógenos ou partes deles, toxinas e seus organismos. 2.2 Biossegurança em laboratórios de pesquisa 2.2.1 Tipos de riscos em laboratórios de virologia Riscos de acidentes: É todo e qualquer fator que exponha o trabalhador a situações que possam afetar seu bem estar físico e moral, como por exemplo, o uso de equipamentos sem proteção adequada, risco de explosão e incêndio e armazenamento inadequado de um determinado produto. Riscos ergonômicos: Qualquer fator que possa interferir nas características psicofisiológicas do trabalhador causando desconforto ou afetando sua saúde como: o levantamento e 19 transporte manual de peso, o ritmo excessivo de trabalho, a monotonia, a repetitividade, a responsabilidade excessiva, a postura inadequada de trabalho etc. Riscos físicos: Consideram-se agentes de risco físico as diversas formas de energia que os trabalhadores possam estar expostos, tais como ruído, vibrações, temperaturas extremas, materiais cortantes e pontiagudos, etc. Riscos químicos: Consideram-se agentes de risco químico as substâncias, compostas ou produtos que possam penetrar no organismo pela via respiratória, nas formas de poeiras, fumos, névoas, neblinas, gases ou vapores, ou que, pela natureza da atividade de exposição, possam ter contato ou ser absorvido pelo organismo através da pele ou por ingestão. Riscos biológicos: Nos laboratórios destinados a pesquisa em virologia, a biossegurança se torna uma exigência fundamental na prevenção e minimização de acidentes biológicos. O nível do risco biológico é classificado de acordo com o patógeno, no caso o vírus, que esta sendo manipulado e varia de classe de risco ou nível de biossegurança (NB) de 1-4, segundo a portaria do Ministério da Saúde (Nº1914- 09/08/2011): Classe de risco biológico 1 - indica baixo risco biológico individual e para a comunidade. Em virologia, a não classificação de agentes nas classes de risco 2, 3 e 4 não implica na sua inclusão automática na classe de risco 1, para isso deverá ser conduzida uma avaliação de risco baseada nas propriedades conhecidas e/ou potenciais desses agentes. Classe de risco biológico 2 - indica moderado risco biológico e representa os vírus que provocam infecções no homem ou nos animais, cujo potencial de propagação na comunidade e de disseminação no meio ambiente é limitado, e para os quais existem medidas terapêuticas e profiláticas eficazes. Ex: Rotavírus, vírus do sarampo, rubéola entre outros. 20 Classe de risco biológico 3 - representa alto risco individual e moderado risco para a comunidade. Inclui os agentes biológicos que possuem capacidade de transmissão por via respiratória, que infectam humanos ou animais e que possuem potencial letal. Estes agentes representam risco de disseminados na comunidade e no meio ambiente, podendo se propagar de pessoa a pessoa, porém existem medidas de tratamento e/ou de prevenção. Ex: Influenza, hantavírus e HIV. Classe de risco biológico 4 - representa alto risco individual e para a comunidade. Inclui os vírus com grande poder de transmissibilidade por via respiratória ou de transmissão desconhecida, causando doenças em humanos e animais de alta gravidade,com alta capacidade de disseminação na comunidade e no meio ambiente e que não possua medida profilática ou terapêutica. Ex: Vírus Ebola e Vírus Lassa. 2.2.2 Contenção contra riscos biológicos e individual As medidas de contenções adotadas nos laboratórios de pesquisa são determinadas de acordo com o nível do agente viral de maior classe de risco envolvido no ensaio. Quando não se conhece o potencial patogênico do agente viral, deverá ser realizada uma análise de risco prévia para estimar o nível de contenção a ser utilizado. Medidas de contenção em Laboratório de Classe de Risco 1 ( NB-1): Equipamentos especiais de contenção, tais como as cabines de proteção biológica (CB), não são exigidos para manipulações de agentes biológicos da classe de risco 1, sendo permitido o uso de bancadas para a realização das atividades. O NB-1 exige o uso de equipamentos de proteção individual (EPIs) como luvas descartáveis, sapatos fechados, jalecos de mangas compridas e óculos de proteção individual ou protetores faciais, quando necessário. O laboratório NB-1 deve possuir dispositivo de emergência para lavagem dos olhos, além de chuveiros de emergência localizados no laboratório ou em local de fácil acesso. 21 Medidas de contenção em Laboratório de Classe de Risco 2 ( NB-2): Nos laboratórios NB-2, os procedimentos adotados são mais rígidos do que do nível 1. Exige-se o uso EPIs e EPC (equipamentos de proteção coletiva) especiais que atendam a classe de risco biológico nível 2, na qual existem critérios a serem adotados para que minimizar o risco de exposição do pesquisador e do meio ambiente. Os profissionais devem receber treinamento contínuo sobre os riscos potenciais associados aos trabalhos desenvolvidos, mudanças ocorridas e normas estabelecidas pelo laboratório. O NB2 exige uso de EPCs especiais de contenção NB-2, como as cabines de segurança NB2, as quais oferecem proteção tanto ao operador, através de mecanismos de fluxo continuo de ar, como ao material manipulado, oferecendo um ambiente estéril no interior da cabine, através da filtração do fluxo continuo de ar utilizando filtros especiais HEPA (high efficiency particulated air). Devem existir ainda, chuveiro, lava-olhos de emergência e lavatório, com dispositivos de acionamento por controles automáticos em área em contenção, adjacentes à área do laboratório. O laboratório deve oferecer controle de pessoal, controle de pressão e temperatura e a área destinada a escritório devem ser separados fisicamente da área operacional. O uso de EPIs, como luvas descartáveis, jalecos de mangas compridas e sapatos fechados, deve ser obrigatório em todas as etapas do trabalho. O uso de óculos e máscaras de proteção facial deve ser utilizado quando necessário. O laboratório NB-2, atende a maioria dos trabalhos realizados em virologia. Medidas de contenção em Laboratório de classe de risco 3 ( NB-3): Este nível de contenção exige a intensificação dos programas de utilização das práticas microbiológicas e de segurança estabelecidas para o NB-2, além da existência obrigatória de dispositivos de segurança e do uso, igualmente obrigatório, de cabines de nível de segurança classe II ou III, conectadas a exaustão. Além das práticas estabelecidas para o NB-2, é proibido o trabalho individual dentro do laboratório NB-3, devendo o operador ser acompanhado por uma segunda pessoa. É totalmente proibida a permanência de pessoas que não tenham recebido informações sobre o potencial de risco e que não demonstrem estar aptas para as práticas e as técnicas padrão utilizadas no laboratório. Além disso, o pesquisador deve demonstrar habilidade também nas práticas e nas 22 operações específicas do laboratório, obedecendo a todas as regras para a entrada e a saída do laboratório. É obrigatório o uso de roupas de proteção apropriadas, bem como o uso de máscaras, gorros, luvas e sapatilhas descartáveis. Para os pesquisadores que usam lentes de contato, o uso de óculos de proteção ou protetores faciais é extremamente necessário. O laboratório NB-3 deve conter autoclave, preferivelmente a de dupla porta, no laboratório ou dentro da área de apoio da instalação de biocontenção. Medidas de contenção em Laboratório de classe de risco 4 ( NB-4): Devem ser obedecidas as práticas especiais estabelecidas para o NB-3, porém o NB-4 deve ser dotado de normas de segurança biológica de contenção máxima e utilizado somente por técnicos especializados e treinados em procedimentos de biossegurança. Recomenda-se que os laboratórios de nível de Biossegurança 4, ou de contenção máxima, só funcionem sob o controle direto das autoridades sanitárias. O trabalho deve ser executado exclusivamente dentro de cabines de segurança biológica NB-3 ou NB-2 associadas ao uso de roupas de proteção com pressão positiva, ventiladas por sistema de suporte de vida. O laboratório do nível de biossegurança 4 deve possuir características específicas quanto ao projeto e a engenharia para prevenção da disseminação no meio ambiente. O laboratório NB-4 é destinado a manipulação de vírus exóticos que exponham o indivíduo a um alto risco de contaminação que possam ser fatais, além de apresentarem um potencial relevado de transmissão por aerossóis, classificados como microrganismos classe de risco 4. No Brasil não existe laboratório com nível de segurança classe 4. 23 2.2.3 Equipamento de proteção individual (EPI) Figura 2.1: Equipamentos de proteção individual. a) luvas para vidrarias, b) jaleco de mangas compridas e sapatos fechados, c) máscara de proteção facial, d) Óculos de proteção; e) luvas descartáveis 2.2.4 Equipamento de proteção coletiva Cabine de Segurança Biológica (CSB): O princípio fundamental da cabine de segurança biológica é oferecer contenção primária no processo de manipulação de agentes biológicos, minimizando a exposição do operador, do produto e do ambiente. De acordo com o experimento a ser desenvolvido no interior das cabines biológicas, são exigidas modificações na estrutura da CSB ou no sistema de exaustão da cabine, que pode incluir filtro absoluto, filtro HEPA (High Eficiency Particulate Air) e ou filtros de carvão. As CSBs estão divididas em: Classe I, classe II e classe III. AS CSBs de classe 1 são pouco utilizados nos laboratórios de virologia, pois apresentam um sistema parcial de proteção coletiva. É um dos primeiros equipamentos de segurança biológica projetados. Muito parecido com uma Capela de Exaustão de Gases, com a diferença que apresenta um filtro HEPA na exaustão. Proporciona proteção somente ao operador e ambiente, ficando o produto exposto à contaminação proveniente do ar do laboratório. C B A D E A B C D E 24 A CSB de classe II é conhecida com o nome de Cabine de Segurança Biológica de Fluxo Laminar de Ar. Possui sistema de filtração HEPA tanto na exaustão como no insuflamento de ar no interior da cabine, oferecendo proteção ao operador, ao ambiente e ao produto manipulado. As CBS de classe II são as mais utilizadas em laboratórios de virologia por oferecer melhor custo benefício e atender a maioria dos procedimentos utilizados em laboratório NB-2 e NB-3. As CSB de classe II podem ser adaptadas a diferentes sistemas de circulação de ar, exaustão e filtragem e recebem classificação de A1, A2 e B2. A CSB classe III é conhecida como barreira total. Este equipamento é hermeticamente fechado e o operador não tem contato direto com o produto. Apresenta um sistema de filtragem de insuflamento composto de dois estágios de filtragemcom filtros HEPA e na exaustão podendo ter também dois estágios de filtros HEPA ou um estágio de filtro HEPA e um incinerador. São recomendadas para a manipulação de vírus de alto risco (NB-3 e NB-4). Figura 2.2: Cabine de segurança biológica classe II A. 25 2.2.5 Simbologia utilizada em laboratórios de virologia Figura 2.3: Símbolos utilizados em laboratório. 2.3 Coleta e transporte de material biológico A qualidade do diagnóstico laboratorial está intimamente relacionada à fase pré-analítica, que se inicia desde o preenchimento coreto da requisição ou ficha epidemiologia, preparação do paciente, coleta e identificação da amostra, armazenamento temporário da amostra no local de coleta, transporte ao laboratório, recebimento e cadastramento das amostras no laboratório. Esta fase deve ser criteriosamente definida e constantemente monitorada em razão do impacto significativo das atividades realizadas durante este processo sobre a qualidade do resultado liberado. 2.3.1 Requisições ou ficha epidemiológica Toda amostra biológica deve ser encaminhada ao laboratório acompanhada da requisição ou ficha epidemiológica devidamente preenchida pelo médico requisitante. Esta ficha deve conter: a) dados do paciente - nome completo, data de nascimento, sexo, município de residência, nome da mãe ou responsável e endereço completo; b) dados da amostra biológica coletada; c) data e hora da coleta da amostra; d) exame(s) solicitado(s); e) dados complementares – condição clínica/epidemiológica controle de tratamento, se comunicante ou contato, manipulador de alimentos, sintomas clínicos e data inicial dos sintomas, dados vacinais recentes, uso de antibióticos ou antivirais, histórico de viagem recente, resultado de exames anteriores; 26 f) data da solicitação do exame; g) identificação do profissional solicitante (assinatura e carimbo). 2.3.2 Envio das amostras biológicas ao laboratório para pesquisa viral O envio da amostra ao laboratório deve ser feito em tempo hábil e em condições adequadas, para que não haja alteração da amostra durante o transporte. Para isso deve ser observado os seguintes itens: As amostras devem ser mantidas sob refrigeração de acordo com o tipo de diagnostico viral e tipo de amostra transportada. É importante seguir sempre as orientações do laboratório destinado. As amostras devem ser encaminhadas dentro de sacos plásticos e acondicionadas em caixas térmicas impermeáveis e higienizáveis que garantam a estabilidade das mesmas até a chegada ao laboratório. A caixa térmica deve portar a identificação de ―Infectante‖ ou ―Risco Biológico‖ Não colocar as amostras soltas dentro da caixa térmica. Utilizar frasco com parede rígida para acondicionamento ou estantes próprias. Acondicionar as amostras de forma a evitar vazamento e contaminação; Documentos como: ofícios, solicitações de exames, fichas epidemiológicas encaminhadas junto com as amostras devem ser colocadas em envelope e acondicionados em sacos plásticos. Nunca em contato com as amostras. A caixa térmica deve ser hermeticamente fechada. 27 As caixas térmicas devem vir bem vedadas e fixadas para não virar durante o transporte e protegidas do sol e de umidade. O responsável pelo transporte deve ser orientado de como proceder em caso de acidente com as amostras. Para isso, deve observar o tipo de transporte (terrestre, aéreo ou marítimo) e conter um kit com EPI: guarda-pó, luvas de procedimento, uma pá com escova (caso tenha que recolher material derramado), pano de limpeza, um frasco com álcool 70% para limpeza do local e das mãos, saco para lixo infectante e fita adesiva. Em caso de acidente com as amostras, todos os materiais recolhidos e utilizados na operação devem ser colocados no saco para lixo infectante bem fechado com a fita adesiva, para que sejam descontaminados corretamente e descartados adequadamente. 2.4 Bibliografia consultada BRASIL. Ministério da Saúde. Comissão de Biossegurança em Saúde. Direrizes gerais para o trabalho em contenção com agentes biológicos. Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estraégicos, Departameno de Ciência e Tecnologia – 2. ed. – Brasília : Editora do Ministério da Saúde, 2006.52 p. – (Série A. Normas e Manuais Técnicos). 28 CIBIO/IOC – Comisão Interna de Biossegurança do Instituto Oswaldo Cruz, Fiocruz. Disponível em http://www.ioc.fiocruz.br. Hirata MH; Hirata RDC; Manual de Biossegurança - 2ª ed - Editora Manole; 2012. Lemos ERS; D‘Andrea PS. Trabalho com Animais Silvestres. In Biossegurança, Informações e Conceitos Básicos: Martins EV; Lopes FAL; Lopes MCM. 273-288. FIOCRUZ. Rio de Janeiro, RJ. 2006. Lemos, ERS; D`Andrea, PS. Biossegurança para profissionais que manuseiam animais silvestres em trabalhos de campo. Rio de Janeiro IOC/FIOCRUZ. p.65. 2009. Mills, JN; Childs, JE; Ksiazek, TG; Peters, CJ; Velleca, WM. Methods for Trapping and Sampling Small Mammals for Virologic Testing. U.S. Department of Health & Human Services, Public Health Service, Centers for Disease Control and Prevention, Atlanta, Geórgia, USA. 1995. Organização Mundial de Saúde. Manual de Segurança Biológica em Laboratório. 3ªed. Genebra: OMS. 213p. 2004. Penna PMM; Aquino CF; Castanheira DD; Brandi IV; Cangussu, ASR; Macedo Sobrinho E; Sari RS; Silva MP; Miguel ÂSM. Biossegurança: Uma revisão Arq. Inst. Biol., São Paulo, v.77, n.3, p.555-465, jul./set., 2010. 29 3 NOÇÕES BÁSICAS DE IMUNOLOGIA E DESENVOLVIMENTO DE ANTICORPOS NATÁLIA MARIA LANZARINI 3.1 O Sistema Imunológico e suas funções Historicamente, imunidade significa proteção contra doenças, e mais especificamente, doenças infecciosas. As células e moléculas responsáveis pela imunidade constituem o sistema imunológico, e sua resposta coordenada e coletiva à introdução de substâncias estranhas é chamada de resposta imunológica. Anticorpos são proteínas produzidas durante a resposta imunológica contra um determinado vírus, ligando-se e bloqueando de forma específica a sua atuação no hospedeiro. Essa produção específica dos anticorpos é induzida através do reconhecimento de porções específicas dos vírus, chamadas de antígenos. A porção imunogênica do antígeno que interage diretamente com o anticorpo é chamada de epítopo. A função de proteção do sistema imunológico contra um agente viral inclui diversas etapas. Primeiramente, ocorre o reconhecimento do vírus pelo sistema imunológico, chamada de imunidade inata que culmina na ativação de funções imunológicas efetoras, conhecida como imunidade adaptativa ou adquirida. Essa atividade efetora induz a geração de uma memória imunológica duradoura contra o agente infeccioso. Todo esse processo é autocontrolado pelo próprio sistema imunológico, e definido como regulação imunológica. Já as citocinas são proteínas secretadas pelas células do sistema imunológico que medeiam suas funções em resposta a uma partícula infecciosa. Devido ao fato de muitas citocinas serem produzidas por leucócitos, também são chamadas de interleucinas. 3.1.1 A formação das células sanguíneas Todas as células do sangue, incluindo as células do sistema imunológico, são originadas das células tronco hematopoiéticas pluripotentes da medula óssea. A partir de progenitores de duas origens, linfoide ou mielóide, todas as células sanguíneas são produzidas. As células progenitoras mielóides podem se 30 diferenciar em megacariócitos, que irão gerar as plaquetas sanguíneas; eritroblastos, que darão origem aos eritrócitos ou células vermelhas; mieloblastos, que irão se diferenciarem neutrófilos, eosinófilos e basófilos (chamados de linfócitos polimorfonucleares, por possuírem um núcleo segmentado); monoblastos, que formarão os monócitos; e as células dendríticas. Os granulócitos, monócitos e células dendríticas possuem a capacidade de englobar microrganismos e partículas, em um processo conhecido como fagocitose, sendo então chamados de fagócitos. As células da linhagem linfoide vão originar as principais células do sistema imunológico, os linfócitos. Os linfócitos T necessitam amadurecer no timo e serão responsáveis pela geração de uma resposta imunológica celular. Existem dois tipos de linfócitos T: os linfócitos T CD4+ ou helper e os linfócitos T CD8+ ou citotóxicos, cujas funções discutiremos ao longo do texto. Já os linfócitos B completam seu processo de maturação na medula óssea e irão produzir os anticorpos, mecanismo definido como resposta imunológica humoral. Além destas células, há a produção de outra célula de origem linfoide, chamada de célula natural killer, ou simplesmente célula NK. A origem das células sanguíneas pode ser visualizada na Figura 3.1: Figura 3.1: Formação das células sanguíneas a partir das células-tronco hematopoiéticas. 31 3.1.2 Os órgãos linfoides Os linfócitos circulam no sangue e na linfa, sendo também encontrados em grande quantidade nos órgãos linfoides. Os órgãos linfoides podem ser classificados em órgãos linfoides primários, onde os linfócitos são gerados (medula óssea e timo) e órgãos linfoides secundários, onde os linfócitos maduros são mantidos e onde se inicia a resposta adaptativa (linfonodos, baço e tecido linfoide associado à mucosa). Os linfonodos são conectados por um sistema de vasos linfáticos, permitindo a drenagem de fluido extracelular dos tecidos para os linfonodos, e de volta para o sangue. 3.1.3 Resposta imunológica inata A função primária do sistema imunológico será então proteger o organismo contra a infecção viral. A imunidade inata é a linha de defesa mais remota, e altamente conservada em diferentes espécies. As características desta imunidade abrangem o reconhecimento de estruturas conservadas dos patógenos, a presença de uma diversidade limitada e a ausência de memória imunológica. Os principais componentes desse processo são as barreiras físico-químicas, os fagócitos, as proteínas plasmáticas, as células natural killer e as citocinas da imunidade inata. A resposta imunológica contra um vírus é influenciada pela idade, constituição genética, estado nutricional e imunológico de um indivíduo. 3.1.3.1 Barreiras físico-químicas As barreiras físico-químicas têm como objetivo impedir a entrada do patógeno, incluindo a pele (epiderme e derme) e a superfície da mucosa. A epiderme é formada por uma barreira de células epiteliais, cobertas por uma camada de queratina protetora. Já a derme, é formada por tecido conectivo, vasos sanguíneos, folículos pilosos, glândulas sebáceas e glândulas sudoríparas. As glândulas sebáceas produzem sebo, que é formado por ácido lático e ácidos graxos, responsáveis por manter o pH entre 3 e 5 e então impedindo o crescimento de microrganismos. Os tratos respiratório, gastrointestinal, urogenital e conjuntival são recobertos por uma membrana de mucosa. A saliva, as lágrimas, e as secreções de mucosa (muco) são exemplos de barreiras inespecíficas, além de conterem substâncias antivirais. No trato respiratório inferior, por exemplo, a membrana de mucosa é 32 recoberta por cílios, que durante sua movimentação propele o microrganismo. A própria microbiota, formada por microrganismos não patogênicos, compete com os patógenos por espaço e nutrientes, protegendo o hospedeiro contra infecções. Outro fator é a temperatura, que também influencia o crescimento ou não de determinados microrganismos. Após o dano tecidual causado pela entrada de um vírus no hospedeiro, como por exemplo, picadas de mosquito e acidentes perfurocortantes, inicia-se uma cascata de resposta inflamatória contra aquele patógeno. Os quatro sinais cardinais da inflamação foram descritos por Celsus no primeiro século e incluem: rubor (vermelhidão), tumor (edema), calor e dolor (dor). Esses sinais são manifestados em resposta ao processo de vasodilatação dos capilares, seguido do aumento da permeabilidade capilar, com isso ocorre o influxo de fagócitos para o local da infecção. O processo de migração celular abrange a marginalização das células na parede do endotélio, a sua passagem, conhecida como diapedese, e a migração dos fagócitos pelo tecido até o local da invasão, etapa conhecida como quimiotaxia. 3.1.3.2 Fagócitos Os fagócitos são as primeiras células a responder no sítio de entrada de um vírus no hospedeiro. São as células que realizam a fagocitose, processo de ingestão de partículas extracelulares, que nesse caso, seriam as partículas virais, e culminam na formação de vesículas chamadas de fagossomos. Os fagossomos se fundem com os lisossomos, formando os fagolisossomos, responsáveis pela digestão do vírus. Os principais fagócitos envolvidos no reconhecimento de regiões conservadas das partículas virais, chamadas de receptores moleculares associadas a patógenos, ou simplesmente PAMPs, são os macrófagos e as células dendríticas. Essas células possuem receptores reconhecedores de PAMPs (PRR), que se ligam a regiões dos vírus de forma específica. São exemplos de PRR as proteíno-quinase R (PKR), os receptores do tipo Toll (TLR), e os receptores do tipo Lectina C (CLR). A PKR possui um sítio de reconhecimento de RNA de fita dupla (RNAfd). Ao fosforilar o fator de iniciação da síntese de proteínas eucarióticas (eIF-2), inibe a tradução e, assim, contribui para a inibição da replicação viral. A descoberta dos receptores do tipo Toll, do inglês Toll-like receptors, iniciou- se com a identificação de Toll, um receptor que é expresso por insetos e essencial para o estabelecimento da polaridade dorsoventral durante a embriogênese. 33 Estudos subsequentes revelaram que o Toll também tem um papel essencial resposta imune inata contra infecções fúngicas em insetos. Os TLRs revelaram-se serem homólogos ao Toll de insetos, sendo identificados até o momento 13 membros da família TLR em mamíferos. Os receptores do tipo Lectina C são expressos em monócitos, macrófagos e células dendríticas e reconhecem estruturas de carboidratos, como fucose, manose e glucano. Entre os receptores envolvidos com o reconhecimento de vírus, estão os receptores de manose (MMR) e DC-SIGN. 3.1.3.3 Proteínas plasmáticas O sistema complemento consiste de várias proteínas plasmáticas que são ativadas por microrganismos e promovem a destruição da partícula viral e/ou da célula infectada e inflamação. Existem três vias de ativação dessa cascata: a via clássica, ativada pela ligação de anticorpos, a via alternativa, ativada pelo reconhecimento direto de estruturas virais, sendo assim considerada componente da imunidade inata, e a via da lectina, ativada por uma proteína plasmática chamada lectina ligante de manose (MBL), que reconhece resíduos de manose em glicoproteínas e glicolipídeos dos microrganismos. A ativação das proteínas do sistema complemento tem como objetivo promover a lise da célula infectada, a opsonização (que promove a fagocitose) e a ativação de uma resposta inflamatória. Todas as vias do sistema complemento levam à formação de um complexo de ataque à membrana (MAC), capaz de formar um poro na membrana da célula-alvo e sua lise. 3.1.3.4 Células Natural Killer As células NK são as principais células da imunidade inata responsáveis pela proteção contra infecções virais. Elas promovem a lise
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